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Cristina Alves Macedo - A Educação e o Circo Social PDF
Cristina Alves Macedo - A Educação e o Circo Social PDF
RESUMO: O presente artigo trata sobre a educação no Circo Social expondo como sujeitos da classe popular
são educados através da linguagem circense, demonstrando a existência de grupos distintos de formação.
Abordam-se sobre o desenvolvimento cognitivo, destacando que as técnicas circenses propiciam o
desenvolvimento de capacidades e habilidades que auxiliam na aprendizagem de conteúdos escolares. Por fim,
discute-se sobre o desenvolvimento integral evidenciando que os campos cognitivo, afetivo e motor encontram
no Circo Social espaço profícuo para o seu desenvolvimento em conjunto.
INTRODUÇÃO
O Circo Social, modalidade de circo que utiliza a linguagem circense como instrumento de
inclusão social, atua com uma pedagogia alternativa de educação, que se direciona a ajudar sujeitos da
classe popular a adquirirem a cidadania.
Neste artigo, trata-se sobre a educação no Circo Social, tecendo considerações sobre como
sujeitos da classe popular são educados através da linguagem circense e como esta contribui para o
desenvolvimento do indivíduo como ser integral, demonstrando, por fim, que a linguagem circense
contribui para o desenvolvimento de competências e habilidades que auxiliam na aprendizagem de
conteúdos escolares.
Destarte, as teorias desenvolvidas por Paulo Freire, um educador pernambucano que estudou
profundamente assuntos referentes à educação popular, se tornam uma referência expressiva para os
projetos de educação que atuam na perspectiva de inclusão. No Circo Social, suas considerações sobre
a liberdade da opressão através de uma educação libertadora mediada pelo diálogo são pontos
importantes que colaboram com a proposta de auxiliar o sujeito na construção de sua autonomia.
Freire (1987) ao se referir à liberdade da opressão indica a necessidade de uma pedagogia que
possa proporcionar situações que levem o sujeito a libertar-se de sua condição de oprimido e que
contribua para a sua emancipação. Mas, como sinalizado pelo próprio Freire (1987), para poder
libertar-se, o sujeito precisa querer lutar para libertar-se e isso só acontece quando ele consegue
compreender a sua indigência e rebelar-se contra ela. Dito isto, é interessante evidenciar que os seres
humanos, como sujeitos sociais, precisam conhecer a si e ao seu próprio contexto para poder fazer
uma leitura consciente desse universo; assim, o Circo Social, utilizando a arte como elemento
mediador, busca inserir o sujeito na ação sócio-educativa criando situações que o levem a
compreender a sua realidade e sirvam de estímulo para que este venha a transformá-la.
Porém, é preciso destacar que a opressão vivenciada por muitos sujeitos nasce de uma situação
de violência advinda de um contexto de desigualdade social. Ademais, os homens são produtos e
produtores dessa realidade e, portanto, transformá-la é uma tarefa histórica dos homens, o que só
acontece após o indivíduo reconhecer quem é o seu opressor e se empenhar no sentido de uma
mudança.
No circo social essa busca por mudança acontece em todos os momentos, sendo visível
principalmente no momento do desenvolvimento das atividades, as quais se direcionam não apenas a
ensinar a técnica circense, mas também a fazer com que os seus atendidos reconheçam as suas
potencialidades. Com essa finalidade, são desenvolvidas atividades que, a partir do trabalho corporal,
propendem levar os indivíduos a criarem primeiramente uma compreensão política dos seus direitos,
individuais e coletivos, a qual gerará, por consequência, a compreensão dos próprios interesses
revelando a criatividade singular.
O homem pode mudar a realidade social, mas essa não se modifica por si só ou por
interferência do destino; o reconhecimento de suas necessidades e interesses, e o de uma coletividade,
o levará a trabalhar para que essa mudança aconteça.
Vygotsky (1999) relata que o comportamento dos homens é construído a partir da interação
entre o indivíduo e o ambiente, sendo ele produto e produtor destas interações, portanto, as diferentes
experiências derivadas do contexto em que os indivíduos estão inseridos influenciam na maneira com
que estes enxergam o mundo à sua volta. Assim sendo, o aprendizado advindo de práticas sociais, em
um trabalho coletivo que leva em consideração as experiências individuais, contribui para o
desenvolvimento do sujeito permitindo, também, a ajuda recíproca. Vale destacar que o trabalho
desenvolvido pelo Circo Social colabora para que o sujeito se desenvolva, proporcionando um âmbito
de mutua cooperação.
Vale ressaltar que no circo, o trabalho desenvolvido com escopo social através das técnicas
circenses também cumpre um papel importante no desenvolvimento de capacidades cognitivas.
No Circo, os sujeitos praticam as técnicas circenses seja de forma lúdica que como forma de
trabalho, mas no momento da preparação do espetáculo todos são convidados a trazer sugestões de
temas que podem ser usados para apresentar o espetáculo de final de ano. De tal modo, os alunos de
todos os grupos, e também os instrutores/educadores, contribuem com propostas de assuntos advindos
do seu cotidiano para desenvolver o tema escolhido, o que transforma o espetáculo por eles produzidos
em uma verdadeira performance.
A apreciação de obras de arte pode acontecer tanto no momento dos ensaios para preparação
dos espetáculos, como em excursões a teatros e a outros circos; nestes momentos, a comparação entre
as diferentes técnicas, números e posturas, favorece a construção de um senso crítico, em relação ao
próprio desempenho artístico e ao do outro.
A linguagem, sendo a base da interação, se torna para o sujeito um instrumento que pode ser
usado como um meio para inserir-lo na sociedade, diminuindo, por consequência a desigualdade social
e a distância entre as várias culturas. Soares (1967, p. 16) a esse respeito relata que “[...] a linguagem é
o principal produto da cultura, e é o principal instrumento para a sua transmissão”.
Hotier (2003), pesquisador que estudou o poder educacional das técnicas circenses, afirma que
as crianças egocêntricas, tímidas, apavoradas, inibidas, podem desbloquear a psique em conjunto com
as suas evoluções motoras. A título de exemplo do potencial das técnicas circenses far-se-á referência
aqui a algumas técnicas.
[n]o Circo Social, confronta-se o risco real da vida cotidiana com o risco do
fazer circo. A diferença está no fato de que, através do circo, se arrisca para
ser melhor, para aprender, para educar, para se mostrar e se estupefazer;
atua-se, então, para transformar o risco em educação, formação, inclusão;
cria-se um lugar que estimula o corpo a superar o medo do novo e a procurar
novos perigos ligados a mudanças sociais.
A arte da palhaçaria ensina a lidar com o ridículo e ajuda o sujeito a conhecer a si mesmo e a
reconhecer os seus medos e desejos, por trabalhar a capacidade de colocar em exposição os seus erros
e defeitos.
No que se refere ao campo cognitivo ele elencou seis etapas a serem vivenciadas antes de o
indivíduo alcançar o completo domínio desse campo, quais: conhecimento, compreensão, aplicação,
análise, síntese e avaliação. Para o domínio afetivo, foram estabelecidas cinco categorias: percepção,
resposta, avaliação, organização de valores e internalização.
Segundo Marcos Telles (2005) a pesquisa realizada por Bloom e sua equipe, por fim, não foi
concluída, sendo a parte sobre o desenvolvimento motor explorada por outros pesquisadores, a
exemplo de A. Harrow, o qual propôs para este campo seis níveis de classificação: reflexos,
movimentos básicos, habilidades de percepção, habilidades físicas, movimentos aperfeiçoados e
comunicação não verbal.
Apesar de concordar com o princípio da proposta de Bloom a qual afirma que o indivíduo
possui três distintas áreas que precisam ser desenvolvidas, deve-se considerar que o conceito de ser
integral e, consequentemente de educação integral, parte do pressuposto que as esferas do domínio
afetivo, cognitivo e motor não encontram seu verdadeiro equilíbrio desenvolvendo-se de forma
separada, mas sim em conjunto.
Pela arte e, portanto, pelo circo, o sujeito descobre a sua capacidade de sentir, criar e, em se
tratando da técnica circense, também as capacidades corporais. Assim, o circo permite explicitar a
capacidade criativa que faz parte do ser humano e traduzir aquilo que está escondido dentro do seu
íntimo. O sujeito aprende a exprimir-se e a interagir melhor com o mundo que o circunda.
Uma educação integral busca despertar no sujeito entusiasmo em fazer continuamente novas
experiências junto aos outros e, portanto, de aprender de forma colaborativa, sendo a contribuição de
todos os integrantes de grande valia para o crescimento do grupo. Como apontado por Di Nubila
(2005), grupo e indivíduo não são polaridades incompatíveis entre si, existindo uma osmose contínua
onde o sujeito constrói a sua identidade pessoal, a sua autonomia, a partir do confronto com os grupos
sociais. Por assim dizer, cada singular indivíduo dentro de um grupo encontra nos outros um suporte
para a própria individualidade e a razão para a sua existência, pois, deles deriva a construção da sua
subjetividade.
Muitos dos sujeitos atendidos pelo Circo Social vieram de um contexto de rua, onde a
convivência com o sentimento de não fazer parte da sociedade é evidente e deteriora, dia após dia, a
sua autoestima. Como apontado por Freire (1987) a autodesvalia é uma das características dos
oprimidos, esses que por terem ouvido repetidamente que não são capazes e que nada podem fazer,
acabam se convencendo de sua incapacidade.
Porém no Circo Social não basta aprender a aprender, é necessário também aprender a fazer,
pois é a partir da prática que o processo de aprendizagem é construído, e fazer numa coletividade onde
a interdependência entre todos do grupo se torna importante.
Assim sendo, é possível afirmar que, através da linguagem circense, o Circo Social, contribui
para o desenvolvimento integral do indivíduo, pois ao propiciar a aprendizagem de várias capacidades,
estes além de reconhecerem as suas possibilidades individuais, aprendem a refletir e a trabalhar em
grupo para superar mais facilmente os desafios.
CONCLUSÃO
O presente artigo buscou indicar elementos que contribuem na educação dos sujeitos atendidos
pelo Circo Social. Inicialmente, corrobora-se que o Circo Social auxilia sujeitos da classe popular a
reconhecerem as suas potencialidades e a criarem novas perspectivas para futuro, utilizando o circo
como pedagogia alternativa.
Demonstrou-se que no Ciro Social, o trabalho por meio da arte inclui a participação em três
grupos distintos quais: Básico, Intermediário e Avançado e marcou-se que a linguagem circense
propicia o desenvolvimento capacidades e habilidades, tais como, atenção, concentração, autonomia,
que auxiliam na aprendizagem de conteúdos escolares.
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