CAPA

EM FOCO Obesidade

Por dentro
do CDC
Idec responde Uma epidemia
em curso
Venda casada

Responsabilidade objetiva Q ue consumidor já não quis comprar apenas um

iogurte e teve de levar todo o pacote para casa?
Esse é um exemplo da chamada venda casada, mais
comum do que aparenta ser: quando o fornecedor, para

A quele que, por ação ou omissão, provo-

ca dano a outrem deve indenizar. Essa
é a máxima que rege as relações sociais no
Brasil, acompanhada da necessidade de
demonstração da culpa do agente pela
ocorrência do dano.
A culpa é caracterizada quando se
demonstra que houve negligência, im-
prudência ou imperícia na conduta de
alguém. A negligência caracteriza-se pelo
descaso e pela acomodação; a pessoa tem o
dever jurídico de tomar as medidas
necessárias mas não o faz. Na imperícia a
culpa decorre de falhas de natureza técnica
ou de falta de conhecimento e de habili-
dade. Já na imprudência há falta de mo-
deração – a pessoa age sem cautela, impul-
sivamente ou inoportunamente.
Em relações de consumo existe uma
grande disparidade de forças entre consumi-
dor e fornecedor; o primeiro, em regra, é vul-
nerável, pois não dispõe de suficiente co-
nhecimento técnico/científico e capacidade
financeira que permita, em eventual disputa
judicial, produzir provas da culpa do
fornecedor pelo prejuízo. Além disso, a pro-
dução e o consumo são massificados, dificul-
tando a identificação de eventual culpado.
O Código de Defesa do Consumidor ado-
tou, com relação à responsabilidade do
fornecedor por eventuais danos causados ao
consumidor, a chamada teoria da respon-
sabilidade objetiva: o fornecedor assume os
riscos de sua atividade e é obrigado a inde-
vender o produto ou serviço, obriga o consumidor a
comprar outro, ou o mesmo, em quantidades maiores.
Outro exemplo dessa prática acontece em algumas igre-
O estilo de vida moderno faz mal à saúde. Mais e mais pessoas estão com excesso
jas que condicionam a realização de cerimônias de casa- de peso ao redor do mundo, seja por alimentação inadequada ou por sedentarismo.
mento à compra das flores em determinada loja e à con-
tratação de um grupo musical específico. Essas condu-
tas são expressamente proibidas pelo Código de Defesa
do Consumidor (art. 39, I), constituindo, inclusive,
crime contra as relações de consumo (art. 5o, II, da Lei
O s números assustam e especia-
listas já começam a dar o
primeiro sinal: o mundo está diante
outras enfermidades. Entre elas,
diabetes, pressão alta, triglicérides,
colesterol, infarto do miocárdio,
no 8.137/90). de uma epidemia da obesidade. Nos derrame cerebral e – a mais nova
O consumidor tem seu direito de escolha assegurado Estados Unidos, que estão no topo descoberta – câncer (os mais co-
pela lei, por isso não pode ser compelido a adquirir o do ranking do problema, estima-se muns são de mama, ovário, útero,
que não quer e deve exigir a venda do produto ou a que 60% da população tem excesso intestino grosso e próstata). Doen-
prestação do serviço de acordo com aquilo que deseja. de peso, sendo que mais de 30% são ças como apnéia do sono e artrose,
Para que esse direito seja garantido, existe um modelo obesos. O Brasil ainda está longe de problemas de coluna (lombar ou
de carta disponível no site do Idec (www.idec.org.br). tal marca, mas corre o risco de seguir cervical) e até dermatológicos tam-
Basta acessar a REVISTA DO IDEC ON LINE. o mau exemplo americano nos pró- bém podem aparecer em função da
Se o fornecedor se recusar a vender o item desejado ximos anos, como garante o endocri- obesidade.
sem que se leve outro, o consumidor deve procurar o nologista e chefe do Grupo de “Há teorias e evidências de que o
Procon ou recorrer à Justiça. Para causas até 40 salários Obesidade e Doenças Metabólicas simples estresse do dia-a-dia, mes-
mínimos pode-se ajuizar ação no Juizado Especial Cível. do Hospital das Clínicas, Alfredo mo quando não está conjugado com
Em processos até 20 salários mínimos não é necessário Halpern. Segundo estudo recente o consumo excessivo de comida,
constituir advogado. Se o valor for superior a 40 salários, coordenado pelo Centro de Infor- pode levar o indivíduo a engordar.
o consumidor deve procurar a Justiça Comum. mação Científica e Tecnológica Isso porque nessas situações costu-
A imposição de limites quantitativos para a aquisição (CICT) da Fundação Oswaldo Cruz, mamos produzir o hormônio corti-
de um produto não é considerada venda casada. Ela só 28,5% dos brasileiros estão acima do sol, que contribui para o excesso de
é proibida pelo CDC se não houver justificativa para tal peso e 10,1% podem ser considera- peso”, explica o endocrinologista.
imposição, como uma promoção ou uma crise de dos obesos. Para Halpern, entretanto, o pior
abastecimento, por exemplo. A limitação de quantidade No país, 1 milhão de pessoas já problema derivado da obesidade é a
na compra de um produto poderá ser aplicada se infe- estão na faixa da obesidade mórbida humilhação e a não-aceitação social.
rior ao que o consumidor deseja adquirir. (veja quadro na pág. 17). Em São “O obeso é freqüentemente discri-
Só será possível levar a quantidade desejada se a se- Paulo, a lista de espera do Hospital minado e ainda encontra muita difi-
paração da quantidade não interferir na qualidade do das Clínicas para a cirurgia de culdade de arrumar e manter-se no
produto. Um pacote de salsicha de 200 g não pode ser redução do estômago pode demorar emprego”, lamenta.
MILTON RODRIGUES ALVES

nizar, mesmo sem culpa. A única exceção
diz respeito aos profissionais liberais (advo-
gados, médicos, dentistas etc.), que não são
atingidos pela responsabilidade objetiva.
Nesse caso, para responsabilizá-los é ne-
cessário que seja provada a culpa.
aberto e dividido caso o consumidor queira comprar até 15 anos, de acordo com Halpern.
100 g, pois o rompimento da embalagem compromete- “Morre mais gente esperando nas
ria a qualidade do produto. Na revista on line, no site do filas, por doenças correlatas à obesi-
Idec, também está disponível modelo de carta para ques- dade, do que na cirurgia”, informa.
tionar a limitação quantitativa. O excesso de peso está direta-
mente associado ao surgimento de
Alimentação incorreta, seden-
tarismo e outros hábitos da vida
moderna são os fatores que estão
levando a população mundial ao
excesso de peso, sem contar os já
conhecidos aspectos emocionais e

14 Revista do Idec | Setembro 2004 Revista do Idec | Setembro 2004 15

 CAPA
Obesidade
culturais. Carlos Augusto Monteiro,
diretor do Núcleo de Pesquisas
Epidemiológicas em Nutrição e
Saúde (Nupens) e professor da
Faculdade de Saúde Pública da
USP, alerta que hoje as pessoas
estão expostas a condições que
favorecem a obesidade. “O am-
biente tornou-se perigoso. Você dá
cinco passos e consegue comprar
um alimento, que é geralmente
supercalórico, mas uma banca de
frutas, por exemplo, é bem mais
difícil ser encontrada”, explica.
OFERTA ABUNDANTE
DE ALIMENTOS CALÓRICOS
Monteiro considera a indústria de
alimentos o grande empecilho na
luta contra a obesidade. Ele afirma
que a indústria possibilita o acesso
rápido à comida – uma necessidade
dos nossos tempos –, fabricando
itens com alto poder de conser-
vação, que podem ficar fora da
geladeira e duram muito mais.
“Para isso, a indústria retira a água
DIVULGAÇÃO
do alimento, o que acaba concen-
trando as calorias. E, para torná-los
mais palatáveis, acrescentam-se
açúcar e gordura, inclusive nos ve-
getais. Resultado: atualmente temos
uma oferta abundante de alimentos
calóricos”, assegura o professor.
A disseminação dos fast-foods ou
lanchonetes, com seus pratos rápi-
dos e extremamente calóricos, tam-
bém é outro inimigo a ser enfrenta-
do no dia-a-dia. No fim de agosto,
entrou em circuito nacional o longa-
metragem Super Size Me (algo como
Agigantei-me) – A dieta do palhaço,
um documentário cujo diretor sub-
meteu-se a uma experiência singu-
lar: durante um mês, só comeu itens
do cardápio do McDonald’s. O dire-
tor do filme, Morgan Spurlock,
ingeriu cerca de 5 mil calorias por
dia e engordou 11 kg durante os 30
dias em que adotou a Mcdieta. O
16 Revista do Idec | Setembro 2004
resultado revelou ao mundo os
malefícios causados por uma ali-
mentação baseada apenas nesse tipo
de comida. Spurlock teve problemas
sérios no funcionamento de vários
órgãos – principalmente o fígado –,
dores, sinais de depressão e dis-
função sexual.
Halpern: “A pior conseqüência da
obesidade é a não-aceitação social”.
“Nós engordamos porque con-
sumimos mais calorias (energia) do
que gastamos. Quando isso acon-
tece, nosso corpo faz um balanço
energético positivo no fim do dia, o
que não quer dizer que devemos
cortar tudo de que gostamos de
comer. A alimentação também é um
prazer na nossa vida, mas é preciso
dosar. Se você for ao McDonald’s
todos os dias e comer um BigMc,
um milkshake e tudo que te ofe-
recerem, pode ter consumido, nu-
ma única refeição, 70% das calorias
e até 300% da gordura saturada re-
comendadas”, informa Monteiro.
Tanto Halpern como Monteiro
afirmam que ajudaria muito se
voltássemos à alimentação que tí-
nhamos há 20, 30 anos. Nataniel
Viuniski, pediatra e nutrólogo,
endossa a orientação. “É preciso
retomar as seis refeições por dia, a
comida caseira, o feijão-com-
arroz. E também acrescentar mais
frutas e hortaliças (legumes e ver-
duras) aos pratos, no mínimo de
cinco a seis porções por dia, o que
é recomendado pela Organização
Mundial de Saúde”, explica.
Monteiro acrescenta que, ao in-
cluir frutas, verduras e legumes ao
cardápio diário, os outros alimentos
mais calóricos acabam sendo deslo-
cados, substituídos. “É preciso re-
duzir sal, gordura e açúcar, que
temos em excesso na nossa alimen-
tação, sobretudo por causa da in-
dustrialização, e acrescentar o que
falta – as fibras, as vitaminas e os
sais minerais presentes nas frutas e
hortaliças”, orienta o professor da
Faculdade de Saúde Pública da USP.
TROQUE O ELEVADOR
PELA ESCADA
Na outra ponta do iceberg da
obesidade está o sedentarismo,
também um legado da vida mo-
derna. Para o endocrinologista
Halpern, não ficar muito tempo
parado em frente à TV e ao com-
putador, trocar o elevador pela
escada e optar por caminhar em
vez de usar o carro são exemplos
de atividade física que pode e deve
ser feita no dia-a-dia de qualquer
pessoa.
“Na alimentação e na prática da
atividade física, as pessoas devem
ter um grau de abstração em relação
aos apelos de consumo que só pode
ser proporcionado pela educação”,
conclui Monteiro. A obesidade
cresce em todas as classes sociais,
mas uma pesquisa recente do
Nupens mostrou que o problema
tem diminuído entre pessoas com
maior grau de escolaridade.
Os especialistas acreditam, po-
rém, que muitos consumidores não
sabem traduzir as informações
nutricionais presentes nos rótulos
dos produtos. “A história do car-
boidrato, por exemplo, é difícil
entender. Temos o carboidrato
complexo, presente no arroz, fei-
jão, nas fibras, que é ótimo e
previne determinados tipos de cân-
cer. E há também o carboidrato
simples, o açúcar, que ao ser in-
gerido vai rapidamente para o san-
gue e, se não for gasto, vira gordu-
ra”, adverte Monteiro.
Na opinião do professor, ainda é
preciso aprimorar as informações
nutricionais das embalagens. “Por
exemplo, nos Estados Unidos os
rótulos discriminam quanto cada
produto tem de açúcar e de outros
tipos de carboidrato, especifica-
mente. A nossa legislação não traz
essa obrigatoriedade.” O mesmo
acontece com as gorduras trans e as
gorduras totais. No fim de 2003, o
Idec endossou uma consulta pública
da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) que apontava,
entre outras exigências, a necessi-
dade de informar a quantidade de
gorduras trans existente nos gêneros
alimentícios produzidos e consumi-
dos no Brasil, como acontece no
Canadá e nos Estados Unidos.
Se consumidas em excesso, as
gorduras trans podem gerar gran-
des males, especialmente na for-
mação de placas arteriais, respon-
sáveis por infartos e arteriosclerose.
A informação, entretanto, só estará
disponível nos rótulos a partir de
agosto de 2006.
No âmbito mundial, o lobby das
indústrias de alimentos continua
influenciando políticas públicas.
No início deste ano, a Organização
Mundial de Saúde (OMS) submeteu
à votação seu plano mundial de
combate à obesidade. A Consumers
International, organização não-go-
vernamental que reúne mais de 250
entidades de defesa do consumidor
em mais de 100 países, apoiou o
documento, mas, assim como ou-
tras ONGs e ativistas, fez ressalvas
para o enfraquecimento da estraté-
gia, que ocorreu após a revisão do
texto preliminar pela OMS. As
alterações, que, segundo ativistas,
atenderam a sugestões e objeções
de países e lobistas da indústria de
alimentos, eliminaram trechos do
plano como o que pedia aos países
incentivos para a produção, a venda
e o transporte de frutas, vegetais e
outros produtos saudáveis.
A PRESSÃO DOS CONSUMIDORES
A pressão da sociedade é uma
arma importante para coibir abusos
praticados pela indústria. Após o
lançamento de Super Size Me no
Festival de Sundance, o McDonald’s
suspendeu a promoção Super Size,
que estimulava o consumidor a
comprar tamanhos gigantes de
lanches, refrigerantes e batatas
fritas. A empresa nega que tenha
sido uma atitude influenciada pela
divulgação do documentário. Coin-
cidência ou não, o McDonald’s tam-
bém lançou na mesma época nos
Estados Unidos o McLanche Feliz
Go Active! (traduz-se “Fique ati-
vo!”), o primeiro do gênero para
adultos, que acompanha uma sala-
da, um folheto com dicas de exercí-
cios e um contador de passos.
Segundo o professor da USP, o
mercado também começa a acordar
para os malefícios dos produtos não
saudáveis, em razão da obesidade.
Ele chama a atenção para o fato de
que já existem rankings de bancos,
como a UBS e a JP Morgan, que não
aconselham a injeção de investi-
mentos em fabricantes como
McDonald’s ou Nestlé. “A indústria
não é nossa inimiga, mas precisa ser
Revista do Idec | Setembro 2004
CAPA
Obesidade
constantemente estimulada e pres-
sionada para produzir alimentos
saudáveis”, recomenda.
Para Monteiro, o consumidor
deve tentar adotar um estilo de vida
diferente daquele para o qual está
sendo empurrado. Deve resistir aos
apelos da indústria de alimentos e
ignorar os anseios dos interesses
econômicos. Ele enfatiza que o con-
sumidor deve tomar todos os cuida-
dos para manter a sua saúde e a
qualidade de vida.
No conceito mais amplo, ter
saúde significa zelar pelo bem-estar
físico, psíquico e emocional. Sob
esse aspecto, é preciso advertir que
os cidadãos também devem ficar
atentos aos exageros cometidos
num mundo pautado pela beleza,
perfeição e excessiva magreza.
Confundir estética com saúde é
muito perigoso e pode até levar à
morte, lembra o endocrinologista
Halpern. “Muitas pessoas estão bus-
cando a estética de tal maneira
exagerada que se submetem a
dietas, remédios e tratamentos
absurdos, o que pode provocar até
a morte, além de causar distúrbios
psíquicos e físicos, como bulimia,
anorexia e falta de vitaminas e mi-
nerais”, esclarece.
O que é índice de
massa corpórea?
O excesso de peso é calculado
pelo índice de massa corpórea
(IMC), que equivale ao peso dividido
pela altura ao quadrado. Se o valor
do cálculo for maior que 25 kg por
metro quadrado, o indivíduo está
acima do peso; acima de 30 é con-
siderado obeso; e superior a 40 ou
maior que 35 com alguma doença
crônica, obeso mórbido.
17
 CAPA
Obesidade
Crianças são as maiores vítimas
O inadequado estilo de vida atual
já começa a afetar as futuras
gerações. No Brasil, segundo dados
da Organização Pan-Americana de
Saúde (Opas), a prevalência da
obesidade infanto-juvenil subiu
240% em 20 anos, aumentando de
3% para 15%.
Hoje é possível encontrar crian-
ças com colesterol e triglicérides
altos, hipertensas ou, ainda, com
diabetes tipo 2, doença que costu-
mava se manifestar apenas em pes-
soas com mais de 40 anos. E o pior,
estima-se que 80% das crianças
com excesso de peso possam se
tornar adultos obesos. Novamente,
os grandes vilões são sanduíches
calóricos, refrigerantes, salgadinhos
industrializados, frituras e doces, a
maior parte deles encontrados
inclusive nas cantinas das escolas.
O inimigo oculto, e talvez o mais
perigoso, entretanto, esconde-se na
ingenuidade das crianças. Propa-
gandas de alimentos e estratégias de
Em Super Size Me, o diretor Morgan Spurlock
DIVULGAÇÃO
denuncia o apelo de marketing do McDonald’s
com o objetivo de atrair o público infanto-juvenil.
marketing que visam seduzi-las,
como os brindes promocionais do
McLanche Feliz do MacDonald’s,
são rotineiras. O próprio “garoto-
propaganda” do McDonald’s é um
palhaço, em mais um apelo ao uni-
verso infantil.
PROIBIÇÃO DA PROPAGANDA
No Código de Defesa do Con-
sumidor, a propaganda abusiva é
aquela que, entre outras característi-
cas, “aproveita-se da deficiência de
julgamento e experiência da criança
ou seja capaz de induzir o consumi-
dor a se comportar de forma preju-
dicial ou perigosa à sua saúde ou
segurança”. Porém, basta ligar a tele-
visão para comprovar que anúncios
de alimentos não saudáveis são vei-
culados com freqüência.
Há fortes evidências, reforçadas
por estudos no mundo todo, que
associam o apelo televisivo para o
consumo de guloseimas ao aumen-
to da obesidade. De acordo com a
publicação da Consumers Inter-
national intitulada “The junk food
generation” (algo como “A geração
da comida não saudável”), a maio-
ria das crianças responde aos anún-
cios favoravelmente.
Na opinião de Carlos Monteiro,
professor da Faculdade de Saúde
Pública da USP, há várias frentes de
combate à obesidade, mas estrategi-
camente o ideal é se concentrar em
apenas uma: a proibição da propa-
ganda de alimentos não saudáveis,
sobretudo para crianças pequenas
que ainda não têm nenhuma
capacidade de discernimento. “A
Organização Mundial de Saúde já
sinalizou a esse respeito, mas ainda
não há uma proibição efetiva. Cada
país está adotando ações indivi-
dualmente, como a Inglaterra e a
Suécia”, informa.
No Brasil, dois projetos de lei, de
autoria do senador Tião Viana
(PT/AC) e ainda em tramitação,
visam coibir, respectivamente, abu-
sos tanto nas embalagens dos pro-
dutos como na propaganda de ali-
mentos. Essa luta chegou até a
Justiça: o procurador João Lopes
Guimarães Júnior, do Ministério
Público de São Paulo, ajuizou duas
ações – uma contra a Ambev e outra
contra a Coca-Cola –, pedindo a
proibição da propaganda de refri-
gerantes em horário de programação
infantil de TVs e em gibis, além de
sorteios e distribuição de brindes.
No dia 4 de agosto, ele conseguiu a
primeira vitória, contra a Ambev.
Outra boa notícia em âmbito
nacional é o projeto Escola
Saudável, que será implantado em
escolas públicas e privadas de todo
o país a partir do ano que vem.
Segundo Nataniel Viuniski, coorde-
nador do programa na região Sul
do país e do departamento de
obesidade infantil da Associação
Brasileira para o Estudo da Obe-
sidade (Abeso), o projeto começará
pela cantina e envolverá até os
aspectos alimentares e da prática de
atividades físicas, que entrarão no
currículo transversal das escolas
(ou seja, poderão ser inseridos no
conteúdo de todas as aulas, da
matemática ao português).
Enquanto isso, Rio de Janeiro e
Florianópolis dão exemplo. Ambas
têm leis que proíbem a venda de ali-
mentos considerados inadequados
ao consumo infantil nas escolas.
A opção da cirurgia bariátrica
A bancária Sônia Moraes Gomes
de Oliveira lutou mais de 20
anos contra a obesidade. “Desde o
nascimento do meu primeiro filho
comecei a engordar muito. Passei
por dietas severas, tentei de tudo,
mas nada adiantava! Emagrecia e
engordava. Só quem vive esse terror
sabe o quanto é difícil”, desabafa.
Em maio de 2003, Sônia pesava
105 kg. Hoje – 14 meses depois –,
está com 65,5 kg.
O que foi decisivo para essa
IZILDA FRANÇA
mudança na vida da bancária é
uma opção que atualmente está se
tornando muito popular: a cirurgia
bariátrica, que compreende diver-
sos tipos, entre eles a de redução
do estômago. A operação é indica-
da para quem tem obesidade mór-
bida, ou seja, índice de massa cor-
pórea (IMC) maior do que 40 kg
por metro quadrado ou a partir de
35 kg, no caso de ter alguma enfer-
midade associada, como diabetes
ou hipertensão.
Os médicos garantem que o trata-
mento cirúrgico apresenta risco de
mortalidade inferior a 0,5%. As
contra-indicações são cirrose hepá-
tica, doenças renais, psiquiátricas,
vícios (droga, alcoolismo), disfun-
ções hormonais, entre outras.
Encarada com mais naturalidade
hoje em dia, a cirurgia mesmo
assim continua assustando por sua
característica de promover uma
transformação muito rápida; em
um mês pode-se perder até 30 kg.
Para a psicoterapeuta Telma Chi-
rosa, que acompanha casos de pes-
soas que se submeterão à operação
na clínica Centro de Diagnóstico e
Tratamento em Gastroenterologia,
quem tiver interesse em fazer a
cirurgia deve adotar uma posição
de alerta e não ter como meta um
Sônia pesava 105 kg antes da
operação, agora está com 65,5 kg.
ideal distante da realidade, além de
ter plena certeza de que esse é real-
mente o seu objetivo. “Qualquer
motivo de dúvida merece uma
reflexão mais apurada e, principal-
mente, com o acompanhamento da
família, muito importante para auxi-
liar no pós-operatório. Não se pode
perder de vista que se trata de uma
grande cirurgia, com todos os seus
riscos e conseqüências”, explica.
Sônia concorda e aconselha quem
ainda não tem certeza a parar para
pensar. A bancária teve uma expe-
riência complicada no pós-opera-
tório, o que só reforça que, após a
decisão, essa é a fase mais difícil e
definitiva do processo. “Durante a
primeira semana após a cirurgia,
tive rejeição a tudo. Comia e sentia
tontura, mal-estar, queda de pres-
são, vomitava. Perdi 5 kg. Cheguei
a pensar: ‘o que eu fiz comigo’”?,
conta. Depois, ela relata que teve
receio de não conseguir comer
pouco.
Agora, Sônia só enxerga benefí-
Revista do Idec | Setembro 2004
CAPA
Obesidade
cios. “Foi a melhor coisa que fiz na
minha vida. Minha auto-estima
melhorou. As doenças correlatas
idem, tinha artrose nos joelhos, o
que melhorou muito. Sentia muito
cansaço, dor na coluna, caminhar
era muito difícil. A cirurgia é uma
medida drástica, mas vale a pena.
Hoje estou mais disposta, estou
bem melhor com a minha família”,
comemora.
A psicoterapeuta Telma acres-
centa que pode haver muitos bene-
fícios do ponto de vista emocional
e psíquico se a oportunidade for
bem aproveitada. “Algumas pes-
soas até conseguem ter uma gran-
de abertura na vida, enxergar o
que as levou a ganhar peso, o que
fazia do alimento uma compulsão.
É uma oportunidade de adquirir
novos hábitos, encontrar novos
prazeres”, comenta. No lado nega-
tivo, há relatos de problemas de
adaptação social e abalos nas re-
lações conjugais, ainda de acordo
com a profissional.
Serviço
Os planos de saúde devem cobrir as
cirurgias bariátricas caso seja constatado o
quadro de obesidade mórbida. Um argu-
mento utilizado pelos planos, no entanto,
para recusar a cobertura é de que tais
operações seriam estéticas. Já existem
decisões judiciais que contrariam a justi-
ficativa e firmam o entendimento de que,
se a obesidade mórbida for detectada, a
realização da cirurgia não é uma questão
de estética, e sim de recuperação da
saúde, que deve ser garantida pelos
planos, de acordo com o Código de Defesa
do Consumidor. A lei dos planos de saúde
também reconhece que a operação da
obesidade não tem fim estético.
19
 CAPA
Obesidade
Como manter-se longe da obesidade
E m primeiro lugar, não se deixe
levar pelo padrão estético dos
dias de hoje, no qual a excessiva
magreza é enaltecida. Para saber se
você está numa zona de risco em
relação à obesidade, calcule o seu
índice de massa corporal (IMC=
peso/altura2). Se o resultado for
entre 25 e 30, faça uma tentativa de
orientação nutricional. Acima disso,
procure um médico.
Consulte outras orientações:
● Diminua fritura, açúcar, gor-
duras animal e saturada, como
carnes gordas, picanha, peles de
frango e manteiga. Reduza também
carboidratos refinados: arroz bran-
co, batata e farinha. Aumente o
consumo de frutas, verduras e grãos
(de cinco a dez porções por dia), e
consuma carnes magras, como
peixes e frango;
● Prefira consumir alimentos fres-
cos e frutas de época. Evite os pro-
dutos industrializados, com conser-
Cuidado com os emagrecedores
Na Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) há um vasto registro
de remédios e kits emagrecedores que
foram proibidos, seja por falta de re-
gistro no órgão ou porque não têm
eficácia comprovada.
De acordo com Maria José Delgado
Fagundes, da Anvisa, o consumidor
deve desconfiar de produtos que dizem
ser 100% natural e sem contra-indi-
cações e dos que prometem emagreci-
mento fácil e rápido, como os que
asseguram a perda de 5 a 10 kg em um
mês. “Todos os medicamentos pos-
suem contra-indicações e não co-
nhecê-las pode trazer graves riscos à
20 Revista do Idec | Setembro 2004
vantes, aditivos e corantes artificiais.
● Entre os tipos de gordura, prefi-
ra as mono e poliinsaturadas;
● Na hora da compra, crie o
hábito de ler atentamente a tabela
nutricional e a lista de ingredientes,
disponíveis no rótulo dos alimentos
industrializados;
● Faça atividades físicas regular-
mente. Exercícios adaptados ao seu
dia-a-dia também ajudam, como
subir escadas, caminhar até a
padaria ou locais próximos à sua
residência e utilizar a bicicleta em
vez do carro quando possível. Não
fique muito tempo parado em
frente ao computador ou à TV;
● Consulte um endocrinologista
ou um nutricionista antes de iniciar
um regime. Toda dieta deve ser
direcionada de acordo com o
histórico, hábitos alimentares, fa-
tores biológicos e até psíquicos e
emocionais de cada um, sem gene-
ralização. Dietas da moda, como a
saúde. Por exemplo, a quitosana não é
recomendada para quem tem alergia a
frutos do mar”, esclarece a gerente.
Na hora da compra é importante o
consumidor verificar se o rótulo do pro-
duto informa o nome e o endereço do
fabricante e o número de registro na
autoridade competente (Anvisa, Minis-
tério da Saúde ou Ministério da Agricul-
tura). Para saber se o produto possui
ou não registro na Anvisa, acesse o site
www.anvisa.gov.br. Na lista dos proi-
bidos pela agência estão: Fybersan,
Fybersan Plus, Quitosana C e N-Cal, da
Polymar; e Xenical, da Roche. Saiba
mais no site do Idec . fisiológicas, nutricionais e psicológicas.
da Lua, da sopa, anticelulite, entre
outras, podem ser prejudiciais à
saúde porque não incluem todos os
nutrientes necessários ao orga-
nismo. A dieta de carboidratos,
muito divulgada pela mídia, tam-
bém se encaixa nessa advertência;
● Entre os dez mandamentos
recomendados pela Abeso para os
pais ou responsáveis, evite dizer
sempre sim à criança, adotar lan-
ches fora de hora, oferecer comida
como recompensa, ceder ao pri-
meiro “não gosto disso” do seu filho
e tornar a ida a uma lanchonete um
programão. Dar o exemplo é o mais
importante;
● Cuidado com o consumo
exagerado de produtos light. Não
coma dois ou três, em vez de um,
porque as calorias são reduzidas.
Comer demais também pode engor-
dar e, além disso, alimentar-se
somente de produtos light é preju-
dicial, pois eles podem não conter
todos os nutrientes de que o nosso
organismo necessita;
● Exerça seu poder de cidadão e
pressione o poder público por um
ambiente mais saudável, por mais
parques, vias públicas iluminadas,
mais locais de venda de frutas.
Fontes: Idec, Abeso, Anvisa, Alfredo Halpern,
Nataniel Viusniki e Carlos Augusto Monteiro.
Serviço
Entre as opções de tratamento gratuitas
de São Paulo, sem muita fila de espera,
está o Núcleo de Qualidade de Vida da
Universidade São Marcos. Atende pessoas
com IMC de 30 a 33 kg/m2 e com idades
entre 40 e 60 anos. Oferece orientações
Tel.: 11 3491-0503, das 17 às 22h30
Hormônios
em baixa
Informações
controvertidas sobre
a terapia de reposição
hormonal deixam
milhões de mulheres
confusas e preocupadas.
Afinal, quais os
verdadeiros
riscos e benefícios?
Q uem acompanha as notícias
sobre saúde já não se sur-
preende com as reviravoltas das
descobertas científicas. Medicamen-
tos e tratamentos ora considerados
sensacionais, depois de submetidos
a estudos mais detalhados e prolon-
gados, podem revelar sérios efeitos
colaterais. Foi o que ocorreu com a
Terapia de Reposição Hormonal
(TRH), um tratamento amplamente
recomendado a mulheres na fase da
menopausa que acabou por cair no
descrédito quando comprovou-se
que seus riscos podiam ser bem
maiores que os benefícios.
O estudo que abalou a credibili-
dade da TRH, chamado WHI
(“Women’s Health Initiative”), foi
realizado por um consórcio de pes-
quisadores norte-americanos que
acompanhou e avaliou durante
pouco mais de cinco anos os princi-
pais riscos e benefícios da utilização
ou não da TRH sobre a saúde de
mais de 16 mil mulheres de dife-
rentes regiões dos Estados Unidos.
Os resultados foram surpreen-
dentes. O WHI revelou que a TRH
não faz nada além de, em alguns
casos, aliviar a aflição dos sintomas
da menopausa, como calores (foga-
chos), ansiedade, depressão, dores
de cabeça e secura vaginal, entre
outros.
O WHI também mostrou que, ao
contrário do que se supunha, a TRH
não assegura melhor estado de saúde
nem proteção contra distúrbios car-
diovasculares, osteoporose e câncer.
Revista do Idec | Setembro 2004
SERVIÇO
Saúde
LÚCIA BRANDÃO
Com isso, derrubou alegações ba-
seadas em estudos de curto prazo,
que associavam o uso de TRH com
uma melhoria dos níveis de coles-
terol (o que supostamente conferiria
proteção cardiovascular) e aumento
na densidade dos ossos (o que
supostamente conferiria proteção
contra osteoporose). E o mais sério:
os pesquisadores também descobri-
ram que, quando usada por mais de
cinco anos, a TRH aumenta em 26%
o risco de a mulher desenvolver
câncer invasivo de mama.
DÚVIDAS E PREOCUPAÇÕES
A divulgação dessas novas des-
cobertas sobre a TRH causou um
forte impacto sobre as mulheres. De
acordo com Margô Karnika, farma-
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