Você está na página 1de 10

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

^HS^i/)
ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO

CRIMINAL N° 238.705.3/0. da Comarca de SÃO PAULO, em que sâo

respectivamente apelantes e apelados o MINISTÉRIO PÚBLICO e

SÉRGIO VON HELDE LUIZ:

ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal Extraordinária do

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por unanimidade, julgar

prejudicados o exame da preliminar atinente à infração contra o sentimento

religioso e o mérito de ambos os reclamos, relativamente a tal crime;

rejeitar a preliminar respeitante a cerceamento de defesa; ademais,

referentemente ao delito do artigo 20 da Lei 7.716, negar provimento ao

apelo do Ministério Público e dar, em parte, ao interposto pelo réu, a fim de

se lhe conceder "sursis", conforme acima expendido; por fim, no tocante à

infração mencionada no início, de ofício se declara extinta, com espeque

nos artigos 107, IV, 109, VI, 110, § 1 o , e 117, IV, do Código Penal, a

púnibtlidade de Sérgio Von Helde Luiz, de conformidade com o relatório e

voto do relator, que deste fazem parte integrante.

Participaram do julgamento os Desembargadores RENATO

TALLI (Presidente, com voto) e SALLBÍTABREU.

São Paulo, 10 de novembro de/1999.

RALDO XAVIER
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Apelação 238.705.3/0
Apelante(s): Sérgio Von Helde Luiz
Ministério Público
Apelado(a)(s): Ministério Público
Sérgio Von Helde Luiz
Comarca: São Paulo
Voto: 2.952

Condenado a 2 anos de
reclusão, por prática do delito do artigo 20 da Lei 7.716/89,
bem como a 1 mês e 10 dias de detenção, por cometimento
do crime do artigo 208, parágrafo único, do Código Penal,
tempestivamente apela Sérgio Von Helde Luiz: com relação
ao segundo ilícito requer conversão do julgamento em
diligência para aplicação do disposto no artigo 89 da Lei
9.099/95, alega cerceamento de defesa porque a denúncia
não esclarece em qual dos três núcleos do artigo 20 da Lei
7.716 se enquadram as condutas nela descritas, aduz não
caracterizadas as infrações, pondera débeis as provas,
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

sustenta inocência, argúi ausência de dolo, pleiteia


absolvição.

Também no prazo legal apela o


Ministério Público: pretende exasperação das sanções e
fixação de regime prisional inicial semi-aberto, pois a
sentença estabeleceu o aberto.

Recebidos e processados, os
recursos foram contrariados; a douta Procuradoria-Geral de
Justiça é pela rejeição das preliminares e, quanto ao mérito,
pelo improvimento do reclamo do acusado e pelo parcial
provimento do interposto pelo Ministério Público, a fim de
que se aumentem as penas.

Esse o relatório que se acresce


ao do decisório guerreado.

Verifica-se, no que diz com o


delito contra o sentimento religioso, que houve retroativa
prescrição da pretensão punitiva, tendo em vista o lapso
transcorrido desde a publicação da sentença e o montante
da sanção. Prejudicada, destarte, a análise da preliminar
atinente à proposta de condicional suspensão do curso do
processo; prejudicado, ainda, o exame do próprio mérito da
apelação, relativamente ao ilícito antes mencionado.

Apelação Criminal n° 238.705.3/0


PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Inexistiu cerceamento de
defesa por ter a denúncia atribuído a Sérgio as condutas
previstas nos três núcleos do tipo do artigo 20 da Lei 7.716.

A prática de discriminação ou
preconceito não é incompatível com o induzimento ou a
incitação a tanto. Quem pratica também pode induzir ou
incitar.

As condutas atribuídas ao réu


estão minudentemente narradas na peça preambular, de
molde a propiciar, sem dificuldade alguma, o exercício do
contraditório.

Embora o praticar constitua ato


próprio do agente, enquanto o incitar e o induzir indiquem
discriminação e/ou preconceito levados a cabo por
terceiros, não se exclui a possibilidade de que um só
indivíduo, mediante condutas diversas, ainda que em
mesmo contexto fático, realize os três núcleos do tipo.

Nem se fazia mister que a


denúncia relacionasse, especificadamente, as condutas de
Sérgio a um dos núcleos do crime do artigo 20 da Lei 7.716.
Ao exercício da ampla defesa bastava a narração das
referidas condutas, como de resto se vê, com riqueza de
detalhes, naquela peça.

Apelação Criminal n° 238.705.3/0


6
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Não há falar em imputações


vagas e contraditórias; a denúncia não é inepta, não padece
de nenhuma eiva e enseja, com amplidão, a prática do
contraditório.

Deve ser repelida, em face do


que acima se aduziu, a preliminar de cerceamento de
defesa. Não há ofensa ao estatuído no artigo 5o, LV, da
Constituição Federal.

Tecidas tais propedêuticas


considerações, registra-se que a materialidade do fato
referente ao ilícito do artigo 20 da Lei 7.716 consubstancia-
se em vários documentos (na acepção mais larga do
vocábulo).

Consta que o réu, em 12 de


outubro de 1995, a partir de lh30min, nos estúdios da Rede
Record de Televisão, na avenida Miruna, em São Paulo,
durante o programa "Palavra de Vida", transmitido ao vivo
para todo o Brasil, praticou, induziu e incitou, com as
condutas relatadas na peça vestibular, a discriminação e o
preconceito de religião.

Conquanto Sérgio negue o


cometimento da infração, proclame inocência e assevere
que somente expressou sua convicção religiosa, o painel
probatório demonstra-lhe a culpabilidade.
Apelação Criminal n° 238.705.3/0

â
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Com efeito.

Os comentários tecidos por


Sérgio, após as entrevistas mencionadas na denúncia, não
se circunscrevem a destempero momentâneo, a
manifestação contrária à idolatria e à adoração de imagens,
a pregação baseada em convicções e crenças hauridas de
estudos da Bíblia. Cuida-se na verdade, como se dessume
de singela leitura do petitório proemial, de ferozes
invectivas contra adeptos de outras religiões, semeadoras de
intolerância, de ódio, de desprezo, de discriminação e de
preconceito.

Desnecessário reproduzir o que


está na denúncia. Basta lê-la para se verificar que os
assertos do acusado induzem e incitam a discriminação e o
preconceito entre os telespectadores.

As atitudes e as palavras de
Sérgio extrapolam os limites da crítica e da pregação
religiosa, resvalam na aversão a outros credos, no ânimo de
atingir a dignidade de seus membros.

As condutas a que alude a


denúncia se projetaram no mundo exterior, não se limitaram
ao campo subjetivo, ao íntimo do agente. Até porque
praticadas em programa televisivo com audiência de
milhares de pessoas em todo o país.
Apelação Criminal n° 238.705.3/0

< $
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Não era de se exigir, para que o


crime se aperfeiçoasse, produção de resultado
fenomenológico, material: a consumação se dá com simples
realização das condutas típicas.

Irrelevante tenham sido


despertados nos telespectadores, ou não, sentimentos
discriminatórios ou preconceituosos. Importa, sim, a
aptidão das condutas atribuídas ao réu para atingir o bem
jurídico tutelado pelo legislador.

Os comentários e as atitudes de
Sérgio são potencialmente capazes de induzir e incitar os
espectadores a sentimentos discriminatórios e
preconceituosos em relação a católicos, a espíritas e a
adeptos de seitas afro-brasileiras.

O perigo de lesão ao bem


jurídico tutelado é suficiente para que se tenha por
consumado o ilícito. Mais não é preciso.

Não pode passar sem registro


que membros de outras denominações religiosas, sentindo-
se discriminados pelas condutas do imputado, chegaram a
agredir fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus e a
atentar contra seus templos.

Apelaçfto Criminal n° 238.705.3/0


PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Salta aos olhos o dolo com que


se portou Sérgio. Não há confundir o seu agir com simples
expressão de convicções religiosas, fruto do livre pensar.
Sequer se cogite de mera pregação amparada pela liberdade
de credo, de inocente exposição de temas antagônicos de
diferentes religiões.

As condutas do réu se
subsumem nos três núcleos do tipo em comento; não só ele
praticou a discriminação e o preconceito de religião, como
ainda induziu e incitou outrem a fazê-lo.

Todas as elementares do crime


do artigo 20 da Lei 7.716 se fazem presentes. Manifesto o
dolo.

Enfim, a constelação probatória


demonstra, irrefragavelmente, a culpabilidade do acusado e
a configuração do ilícito "sub examine". Impendia
condenar.

A sanção permaneceu no
mínimo legal e nada justificava seu estabelecimento em
patamar superior, visto como se trata de réu primário, de
bons antecedentes. Desmerece guarida o inconformismo do
Ministério Público.

Apelação Criminal n° 238.705.3/0


$
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

As circunstâncias judiciais são


favoráveis, de sorte que adequado o regime prisional inicial
aberto. O semi-aberto constituiria exagerado rigor.

Presentes os requisitos legais,


concede-se "sursis" por dois anos, mediante as condições
das letras "b" e "c" do § 2o do artigo 78 do Código Penal,
nos termos que vierem a ser especificados pelo juízo das
Execuções Criminais.

Deixa-se de efetuar a
substituição a que alude o artigo Io da Lei 9.714/98 porque,
diante da concessão de "sursis", parece ela, à primeira vista,
desfavorável ao réu; este, se for o caso, poderá pleiteá-la ao
juízo das Execuções Criminais.

Posto isso, julgam-se


prejudicados o exame da preliminar atinente à infração
contra o sentimento religioso e o mérito de ambos os
reclamos, relativamente a tal crime; rejeita-se a preliminar
respeitante a cerceamento de defesa; ademais,
referentemente ao delito do artigo 20 da Lei 7.716, nega-se
provimento ao apelo do Ministério Público e dá-se, em
parte, ao interposto pelo réu, a fim de se lhe conceder
"sursis", conforme acima expendido; por fim, no tocante à
infração mencionada no início deste parágrafo, de ofício se
declara extinta, com espeque nos artigos 107, IV, 109, VI,
Apelação Criminal n° 238.705.3/0
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

110, § Io, e 117, IV, do Código Penal, a jn^ibilidade de


Sérgio Von Helde Luiz.

Geraldo Xavier
Relator

Apelação Criminal n° 238.705.3/0

Você também pode gostar