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A Psicologia da Visão

(O Olho e o Cérebro)

R. L. Gregory
Fellow do Colégio de Corpus Christi Cambridge

Biblioteca Universitária Nova

«O livro de Richard Gregory é, na realidade, um livro de classe. O seu


conteúdo tem tanto de fascinante como a sua leitura de apaixonante. Nada
vi que se lhe possa comparar depois que, a seguir à Segunda Guerra
Mundial, apareceu «The Perception of the Visual World» - A Percepção do
Mundo Visual — de J. J. Gibson. Basta passar por ele os olhos para se
compreender que assim é. A simples leitura de algumas das suas páginas
torna difícil pô-lo de lado. O autor parece tão familiarizado com as
teorias de Descartes, Helmholtz e Einstein como com as dos fisiologistas
e psicologistas contemporâneos. Os editores tiveram todos os cuidados com
este livro. A disposição e a impressão são excelentes e as ilustrações a
cores fora de série.» E. C. Poulton, «New Society».
«A vigorosa introdução à ciência da visão de Richard Gregory é publicada
em boa altura. Oferece uma oportunidade para uma nova e quase total
compreensão do que sabemos acerca da visão.» Jonathan Miller, «Sunday
Times».
«Seria difícil fazer melhor. O autor conseguiu explicar, com clareza
exemplar, assuntos muito complexos. Este livro seria impossível de
conceber e vazio de sentido sem as numerosas e admiráveis ilustrações que
o enriquecem.» «Economist».
Com 13 ilustrações a cores e 98 a preto e branco.
Na capa, fotografia do olho obtida com um oftalmoscópio.

Biblioteca Universitária Inova


A Biblioteca Universitária Inova constitui a edição portuguesa da
internacionalmente conhecida World University Library, colecção de obras
escritas por cientistas e professores consagrados que, numa época de
especialização crescente, compreendem a necessidade, senão urgência, de
apresentar um panorama actualizado do seu domínio de investigação. Estas
obras dirigem-se quer a um público informado, quer a estudantes
universitários, quer a todos aqueles que sentem a importância de estar a
par dos sectores culturais mais diversos, pois que os progressos técnicos
e científicos surgem, cada vez mais, no terreno interdisciplinar de
encontro entre especialistas.
A colecção é publicada em Portugal, Inglaterra, França, Alemanha,
Espanha, Estados Unidos, Holanda, Itália e Suécia.

Biblioteca Universitária Inova


VOLUMES PUBLICADOS
1 O Humanismo no Renascimento
Sem Dresden
Tradução de Daniel Gonçalves
2 O Progressismo na Europa
David Caute
Tradução de Sérgio Lopes e José Leal de Loureiro
(retirado do mercado)
3 A Economia dos Países Subdesenvolvidos
Jagdish Bhagwati
Tradução de Armando Castro
4 A Educação no Mundo Moderno
John Vazey
Tradução de Virgínia Motta
5 A Biologia do Trabalho
O. G. Edholm
Tradução de Ilídio Sardoeira
6 A Psicologia da Visão (O Olho e o Cérebro)
R. L. Gregory
Tradução de Ilídio Sardoeira e Álvaro Salgado
VOLUMES A PUBLICAR
7 Elementos de Física Nuclear (Partículas e Aceleradores)
Robert Gouiran
Tradução de Artur Freitas da Silva
8 O Amanhecer da Tolerância
Henry Kamen
Tradução de Alexandre Pinheiro Torres
9 Em demanda do Zero Absoluto
K. Mendelssohn
10 Art Nouveau
S. Tschudi Madsen
11 Planificação do Desenvolvimento
Jan Tinbergen
12 O Surto da Democracia Grega
W. G. Forrest

A Psicologia da Visão
(O Olho e o Cérebro)
Traduzido por Ilídio Sardoeira e Álvaro Salgado
Figura – A região visual do cérebro, a area striata. Vemos aqui, muito
ampliada, uma pequena parte do mecanismo do cérebro. Os grupos de
células, com as suas ramificações, transmitem a informação vinda dos
olhos, para nos darem conhecimento do mundo.

Título original
EYE AND BRAIN
© 1968, R. L. Gregory e George Weidenfeld and Nicolson Limited
DIREITOS RESERVADOS PARA A LÍNGUA PORTUGUESA (PORTUGAL E BRASIL)
Editorial Inova Limitada, Praça Guilherme Gomes Fernandes, 38-2º, Porto,
Portugal

Índice
1 A visão
2 A luz
3 No princípio...
4 O olho
5 O cérebro
6 A percepção do brilho
7 A visão do movimento
8 A visão das cores
9 Ilusões
10 A arte e a realidade
11 Temos de aprender a ver?
12 Ver e crer
13 Os olhos no espaço
Bibliografia
Índice remissivo
Agradecimentos

1. A visão
Ver é, para nós, um fenómeno tão natural que se torna necessário um
esforço de imaginação para concebermos que tal fenómeno inclui a solução
de certos problemas. Mas vejamos o que se passa. São fornecidas aos olhos
pequenas imagens distorcidas e invertidas e, contudo, vemos, no espaço,
objectos distintos e sólidos. A partir das tramas de estimulação da
retina apercebemo-nos do mundo dos objectos, o que quase constitui um
milagre.
O olho é, muitas vezes, descrito como uma máquina fotográfica, mas são as
características não fotográficas da percepção as mais interessantes. Como
é a informação dos olhos codificada em termos neuronais, na linguagem do
cérebro, e reconstituída no conhecimento dos objectos que nos rodeiam? O
papel do olho e do cérebro é muitíssimo diferente quer da máquina
fotográfica ou da câmara da televisão que unicamente convertem os
objectos em imagens. Há a tentação, que deve ser evitada, de dizer que os
olhos produzem imagens no cérebro. Uma imagem no cérebro sugere a
necessidade de qualquer espécie de olho interno para a ver, mas isto
exigiria um outro olho para ver a sua imagem... e assim sucessivamente,
numa cadeia interminável de olhos e de imagens, o que seria absurdo. O
que os olhos fazem é alimentar o cérebro com informação codificada sob a
forma de actividade neuronal — correntes de impulsos eléctricos que, pelo
seu código e pelos padrões da actividade cerebral, representam objectos.
Podemos procurar uma analogia na linguagem escrita: as letras e palavras
nesta página têm certos significados para aqueles que conhecem a língua.
Afectam de maneira adequada o cérebro do leitor, mas não são imagens.
Quando olhamos para qualquer coisa, a trama da actividade neuronal
representa o objecto e, para o cérebro, é o objecto. Nenhuma imagem
interna é posta em jogo.
Os escritores gestaltistas tinham certa tendência para admitir que se
formavam imagens dentro do cérebro. Consideravam a percepção em termos de
modificações de campos eléctricos do cérebro, copiando estes campos a
forma dos objectos percebidos. Esta doutrina, conhecida por isomorfismo,
exerceu uma influência perniciosa sobre as teorias da percepção. Desde
então, houve uma tendência para considerar estes hipotéticos campos
cerebrais como dotados de propriedades especiais e de tal modo que
distorções visuais, e outros fenómenos, eram «explicados». Mas estes
postulados em que se admite a existência de quanto nos convém que exista
são demasiado fáceis. Não há qualquer prova da existência de tais campos
eléctricos, nem processo de descobrir as suas propriedades. Se não há
provas da sua existência, nem processo de descobrir as suas propriedades,
então estes campos são muito duvidosos, pois que as explicações úteis são
parentas das observáveis.
Os psicologistas gestaltistas chamaram, no entanto, a atenção para vários
fenómenos importantes. Viram também muito claramente que há um problema
no processo pelo qual o mosaico de estimulação da retina dá origem à
percepção dos objectos. Acentuaram particularmente a tendência do sistema
perceptual para fazer agrupamentos em unidades simples. Isto pode ver-se
num arranjo de pontos (Figura 1.1 - Este conjunto de pintas espaçadas de
forma regular aparece-nos, umas vezes, como uma série de filas, outras,
como uma série de quadrados. O exame da figura permite-nos apreciar o
poder de organização do sistema visual). Aqui os pontos estão igualmente
espaçados, mas há tendência para ver, para «organizar», as filas e
fileiras como se houvesse objectos separados. Vale a pena meditar sobre
isto, pois neste exemplo reside o problema essencial da percepção.
Podemos verificar em nós a tendência para — às apalpadelas — organizar os
dados sensoriais em objectos. Se o cérebro não estivesse continuamente à
procura de objectos, o desenhador teria uma tarefa difícil. Mas, de
facto, tudo o que ele tem a fazer é apresentar algumas linhas ao olho e
vemos uma face, com determinada expressão. Essas poucas linhas são tudo o
que o olho exige. O cérebro faz o resto: procura objectos e encontra-os
sempre que possível. Lembremo-nos das caras desenhadas pelo fogo que arde
na lareira a que nos sentamos ou do «Homem da Lua» (*) (* - Personagem do
folclore inglês do século XVI. Vivia na Lua, era acompanhado pelo seu
cão, usava uma lanterna e transportava um molho de cardos. Grimn pretende
que a imaginação popular criou o «Homem da Lua» numa tentativa de
explicação das manchas e rugosidades discerníveis à superfície do
satélite da Terra).
A figura 1.2, um simples gracejo, salienta este ponto claramente. Apenas
um arranjo de linhas sem significado? Não: uma mulher a esfregar o chão
com um balde ao lado! Agora, olhe de novo: as linhas, dum modo subtil,
tornaram-se diferentes, quase sólidas — são objectos (Figura 1.2 - Uma
figura que é um gracejo: que será? Quando olhar para ela como para um
objecto e não simplesmente como para um conjunto de linhas desprovidas de
significação, a figura parecerá, de repente, quase um sólido — um objecto
e não um arabesco).
A visão dos objectos compreende muitas fontes de informação além das que
atingem o olho quando olhamos para um deles. Geralmente abrange o
conhecimento do objecto, derivado de experiência prévia, mas esta
experiência não é limitada à visão, pois envolve outros sentidos: tacto,
gosto, cheiro, ouvido e, talvez também, temperatura ou dor. Os objectos
são muito mais do que tramas de estimulação: têm passado e futuro. Quando
conhecemos o seu passado ou prevemos o seu futuro, um objecto transcende
a experiência e transforma-se numa consubstanciação daqueles
conhecimentos e previsões sem os quais a mais simples forma de vida seria
impossível.
Embora aquilo que nos interessa seja, como vemos, o mundo dos objectos, é
importante considerar os processos sensoriais que dão origem à percepção
— que são, como funcionam e quando deixam de funcionar de modo adequado.
É pela compreensão destes processos subjacentes que podemos entender a
percepção dos objectos.
São conhecidas muitas das chamadas «figuras ambíguas» que ilustram
claramente como o mesmo tipo de estimulação do olho pode dar origem a
diferentes percepções e como a percepção dos objectos ultrapassa a
simples sensação. As mais vulgares figuras ambíguas são de duas espécies:
aquelas que, alternadamente, são «figuras» ou «fundos», e aquelas que,
espontaneamente, alteram a sua orientação em profundidade. A figura 1.3
mostra uma imagem que é, alternadamente, figura e fundo. Por vezes, a
parte preta aparece como face, constituindo o branco o fundo neutro;
outras vezes, o preto é insignificante e o branco domina, parecendo
representar um objecto (Figura 1.3 - Esta figura alterna espontaneamente
de modo que, umas vezes, é vista como um par de rostos, outras como um
vaso branco limitado por áreas negras sem qualquer significação. A
«decisão» perceptual quanto ao que é figura (ou objecto) e quanto ao que
constitui o pano de fundo é semelhante à distinção que o técnico
estabelece entre sinal e ruído. É este um ponto de fundamental
importância para todo o sistema encarregado de utilizar a informação).
O conhecido cubo de Necker (figura 1.4) mostra uma figura alternando em
profundidade. Umas vezes, a face marcada com um «O» é a anterior, outras
a posterior, pois que salta repentinamente de uma posição para a outra. A
percepção não é determinada simplesmente pelo estímulo das tramas
retinianas: é, antes, uma procura dinâmica da melhor interpretação dos
dados disponíveis. Os dados são a informação sensorial e, também, o
conhecimento de outras características dos objectos. Até que ponto a
experiência afecta a percepção, até que ponto temos de aprender para ver,
eis uma questão de difícil resposta. Trataremos dela neste livro (Figura
1.4 - Esta figura alterna em profundidade; a face do cubo marcado com o
pequeno círculo parece umas vezes ser a face anterior, outras a
posterior. É legítimo considerar «hipóteses» perceptuais as duas formas
como a figura pode ser vista. O sistema perceptual inclina-se ora para
uma ora para outra das hipóteses e nunca chega a uma conclusão. Este
processo é o utilizado pela percepção normal, mas, ali, geralmente só
existe uma hipótese).
Parece claro que a percepção é mais do que o conjunto de dados obtidos de
modo imediato através dos sentidos: estes dados são assentes em muitas
bases. Habitualmente, sabemos escolher a melhor e vemos as coisas mais ou
menos correctamente, mas os sentidos não nos dão uma representação
directa do mundo, fornecem-nos dados para a avaliação de hipóteses sobre
o que nos rodeia. Na realidade, podemos dizer que um objecto
percepcionado é uma hipótese, sugerida e testemunhada pelos dados
sensoriais. O cubo de Necker é um modelo que não fornece indicações
quanto à correcção das duas hipóteses alternantes apresentadas: o sistema
perceptual considera primeiro uma, depois a outra, sem chegar a qualquer
conclusão, porque não há possibilidade de obter uma resposta mais clara
do que a outra. Por vezes, o olho e o cérebro chegam a conclusões erradas
e, então, sofremos alucinações ou ilusões. Quando uma hipótese perceptual
— uma percepção — é incorrecta, somos induzidos em erro, como também o
somos em ciência, quando vemos o mundo distorcido por uma falsa teoria. A
percepção e o pensamento não são independentes; «estou a ver o que quer
dizer», longe de ser uma frase pueril, indica uma interdependência muito
real.

2. A Luz
Para ver, precisamos de luz. Isto pode parecer demasiado evidente, mas
nem sempre assim foi. Platão considerava a visão como sendo devida não à
entrada de luz, mas antes a partículas projectadas dos olhos, aspergindo
os objectos que nos rodeiam. É difícil conceber actualmente qual o motivo
que levou Platão a não tentar solucionar a questão com algumas
experiências simples. Embora para os filósofos o problema da visão tenha
sido sempre um tópico favorito de especulação e teoria, só nos últimos
cem anos foi objecto de experimentação sistemática; o que é estranho,
considerando que todas as observações científicas dependem dos sentidos
humanos e, muito particularmente, da vista.
Durante os últimos 300 anos, houve duas teorias rivais acerca da natureza
da luz. Isaac Newton (1642-1737) sustentava que a luz seria constituída
por um fluxo de partículas, enquanto Christopher Huygens (1629-95)
pretendia que seria devida a impulsos — que ele considerava como pequenas
esferas elásticas em contacto umas com as outras — viajando através dum
meio fundamental, o éter. Qualquer perturbação, sugeria ele, propagava-se
em todas as direcções, por meio das esferas, como uma onda, e esta onda
seria a luz.
Figura 2.1 - Retrato de Christopher Huygens (1629-95) por um artista
desconhecido. Afirmou que a luz se desloca sob a forma de ondas num éter.
Figura 2.2 - Sir Isaac Newton por Charles Jervas. Newton considerava a
luz como sendo, de um modo geral, formada de partículas, mas não ignorava
muitas das dificuldades que deparavam as suas ideias e pressentiu a
moderna teoria segundo a qual a luz possui, ao mesmo tempo, propriedades
de partículas e ondas. Concebeu as primeiras experiências para mostrar
que a luz branca é uma mistura das cores do espectro e preparou o caminho
que levou ao estudo da visão cromática, ao enunciar as características
físicas da luz.
A controvérsia sobre a natureza da luz é uma das mais emocionantes e
interessantes na história da ciência. Uma questão crucial, nas fases
iniciais da discussão, era saber se a luz se propagava a uma velocidade
finita ou instantaneamente. A resposta foi dada de modo inesperado por um
astrónomo dinamarquês, Roemer (1644-1710). Este astrónomo dedicava-se ao
registo dos eclipses dos quatro brilhantes satélites de Júpiter e
descobriu que os tempos de duração dos eclipses que observava não eram
regulares, dependendo da distância de Júpiter à Terra.
Chegou à conclusão, em 1675, de que isto era devido ao tempo que a luz
proveniente dos satélites de Júpiter levava a atingi-lo, aumentando o
tempo quando a distância aumentava, em virtude da velocidade finita da
luz. De facto, a distância de Júpiter varia em cerca de 186 000 000 de
milhas (300 000 000 de quilómetros) — duas vezes a distância da Terra ao
Sol — e a maior diferença de tempo que observou foi de 16 minutos e 36
segundos, para mais ou para menos, em relação ao tempo calculado para os
eclipses dos satélites. A partir da sua estimativa um pouco errada da
distância da Terra ao Sol, calculou a velocidade da luz em 192 000 milhas
(278 000 quilómetros) por segundo. Os conhecimentos modernos sobre o
diâmetro da órbita terrestre permitiram corrigir esta velocidade para
cerca de 186 000 milhas por segundo, ou 3 X 10 10 cm por segundo. A
velocidade da luz foi, desde então, rigorosamente medida em distâncias
curtas sobre a Terra e é agora considerada uma das constantes básicas do
Universo.
Em virtude da velocidade finita da luz e da demora das mensagens nervosas
a atingir o cérebro, vemos sempre o passado. A nossa percepção do Sol
está atrasada mais de oito minutos. Tudo o que sabemos do objecto mais
distante visível a olho nu (a nebulosa Antrómeda) está extremamente
desactualizado: vemo-la como era um milhão de anos antes de o homem
aparecer na Terra.
O valor de 3 X 1010 cm por segundo atribuído à velocidade da luz só é
rigorosamente exacto no vácuo perfeito. Quando a luz atravessa vidro ou
água, ou qualquer outra substância transparente, é retardada para uma
velocidade que depende do índice de refracção (a densidade, grosso modo)
do meio através do qual passa. Este retardamento da luz é muito
importante, pois a ele se deve o facto de os prismas desviarem a luz e as
lentes produzirem imagens. O princípio da refracção (o desvio da luz por
alterações do índice de refracção) foi primeiro compreendido por Snell,
professor de Matemática em Leyden, em 1621. Snell morreu com 35 anos,
deixando os seus resultados por publicar. Descartes publicou a Lei da
Refracção onze anos mais tarde. A Lei da Refracção (Lei dos Senos) é a
seguinte:
Quando a luz passa do meio A para o meio B, a relação entre o seno do
ângulo de incidência e o seno do ângulo de refracção é constante.
Podemos ver o que acontece com um diagrama simples (figura 2.3). Se AB é
um raio de luz, passando dum meio denso para o vácuo (ou para o ar), o
raio emergirá segundo o trajecto BD, sob determinado ângulo i.
A lei da refracção diz-nos que sen i/sen r é constante. Esta constante é
o índice de refracção n (Figura 2.3 - A luz é desviada (refractada) por
um meio denso transparente. A razão entre os senos dos ângulos dos raios
que entram no meio denso e os senos dos ângulos dos raios que saem é
constante para um dado índice de refracção do meio. É este o princípio da
formação das imagens pelas lentes (o ângulo de desvio da luz é,
igualmente, função do comprimento de onda de modo que um raio luminoso é
dividido em cores espectrais por um prisma). A significação das letras
consta do texto).
Newton supunha que os seus corpúsculos de luz eram atraídos para a
superfície do meio mais denso, enquanto Huygens julgava que o desvio se
devia ao facto de a luz se propagar mais lentamente no meio mais denso.
Decorreram muitos anos antes de o físico francês Foucault mostrar, por
medição directa, que, na realidade, a luz viaja mais lentamente no meio
mais denso. Durante algum tempo, pareceu que a teoria corpuscular de
Newton era inteiramente falsa, ou seja, que a luz era constituída por uma
série de ondas propagando-se através dum meio — o éter —, mas, no
princípio deste século, foi espectacularmente demonstrado que a teoria
ondulatória não explica todos os fenómenos luminosos. Julga-se, agora,
que a luz é constituída por corpúsculos e ondas.
A luz é formada por maços de partículas de energia — os quanta —
combinando as características de corpúsculos e ondas. A luz de pequeno
comprimento de onda tem mais ondas por feixe que a luz de comprimento de
onda longo. Isto exprime-se dizendo que a energia de um único quantum é
função da frequência, de tal maneira que E=hv, em que E é a energia em
ergs, h uma pequena constante (constante de Planck) e v a frequência da
radiação.
Quando a luz é refractada por um prisma, cada frequência é desviada
segundo um ângulo ligeiramente diferente, de modo que o raio emergente
sai do prisma como um leque de luz, apresentando todas as cores do
espectro. Newton descobriu que a luz branca é composta por todas as cores
espectrais, ao decompor, por este processo, um raio de luz solar num
espectro, e ao recombinar seguidamente as cores em luz branca, fazendo
passar o espectro através dum outro prisma idêntico mas colocado em
posição inversa.
Newton atribuiu sete cores ao espectro — vermelho, laranja, amarelo,
verde, azul, índigo e violeta. Na realidade, não se distingue o índigo
como cor separada, e o laranja é um pouco duvidoso. Mas Newton gostava do
número sete e acrescentou o laranja e o índigo para obter este número
mágico!
Figura 2.4 - Um esboço, da mão do próprio Newton, que representa uma das
suas experiências sobre as cores. Principiou por dividir a luz num
espectro (por meio de um prisma de grandes dimensões), depois fez com que
a luz de uma só cor passasse por um orifício aberto num ecrã e,
seguidamente, por outro prisma. Não apareceram novas cores. Newton
verificou ainda que fazendo incidir o espectro sobre um prisma as cores
eram recombinadas e a luz branca reconstituída. Assim, ficou provado que
a luz branca é composta por todas as cores do espectro.
Sabemos agora o que Newton ignorava, que cada cor ou tonalidade espectral
é luz duma frequência diferente. Sabemos também que todas as chamadas
radiações electromagnéticas são, essencialmente, o mesmo. A diferença
física entre ondas de rádio, radiações infravermelhas, luz, radiações
ultravioletas e raios X reside na sua frequência. Apenas uma muito
estreita faixa destas frequências, duma largura inferior a um oitavo de
polegada, estimula o olho e dá origem à visão e à cor. O diagrama da
figura 2.5 mostra como esta estreita janela se enquadra no mundo físico.
Considerada sob este aspecto, pode dizer-se que somos quase cegos (Figura
2.5 - A luz representa apenas uma estreita zona de todo o espectro
electromagnético que abrange as ondas de rádio, os infravermelhos e os
raios X. A diferença física está apenas no comprimento de onda da
radiação, mas os efeitos são muito diversos. Dentro do oitavo (de
polegada) em que o olho é sensível, comprimentos de onda diferentes dão
origem a cores diferentes. Além da luz, as radiações revelam propriedades
muito diferentes quando reagem com a matéria).
Conhecendo a velocidade da luz e a sua frequência, é fácil calcular o seu
comprimento de onda, mas, na realidade, é difícil medir a frequência
directamente. É mais fácil medir o comprimento de onda da luz que a sua
frequência, embora o mesmo não aconteça em relação às ondas de rádio de
mais baixa frequência. Para medir o comprimento de onda da luz, decompõe-
se esta, não com um prisma, mas com uma grelha, constituída por linhas
muito finas, que também produz as cores do espectro. (Pode comprovar-se
este fenómeno inclinando um disco de longa duração em relação a uma fonte
luminosa, até que a luz reflectida apareça sob a forma de cores
brilhantes.) Numa grelha em que o espaçamento das linhas foi adequado e
rigorosamente calculado pode determinar-se, com grande precisão, o
comprimento de onda, conhecido o ângulo sob o qual se produz luz duma cor
determinada. Verifica-se que a luz azul tem um comprimento de onda de
cerca de 1/70 000 de polegada (1/16 000 do centímetro) enquanto o
comprimento de onda da luz vermelha é de cerca de 1/40 000 de polegada
(1/27 000 do centímetro). O comprimento de onda é importante, porque
estabelece o limite de resolução dos instrumentos ópticos.
Não é possível ver, à vista desarmada, os quanta individuais de luz, mas
os receptores da retina são tão sensíveis que podem ser estimulados por
um único quantum, embora sejam necessários vivos (de cinco a oito) para
dar a impressão dum relâmpago luminoso. Os receptores individuais da
retina têm o máximo de sensibilidade que pode ser alcançado por um
detector de luz, visto que um quantum é a mais pequena quantidade de
energia radiante que pode existir. É pena que os meios transparentes do
olho não atinjam este grau de perfeição absoluta. Apenas cerca de 10 por
cento da luz que incide sobre o olho chega aos receptores, perdendo-se o,
resto por absorção e dispersão dentro do olho. A despeito desta perda,
seria possível, em condições ideais, ver uma única vela colocada a uma
distância de dezassete milhas (27 quilómetros).
A natureza quântica da luz teve consequências importantes no que diz
respeito à visão e levou a experiências brilhantes que relacionaram a
física da luz com a sua detecção pelo olho e o cérebro. A primeira
experiência sobre os efeitos da luz considerada como partículas ou quanta
foi efectuada por três fisiologistas — Hecht, Shlaer e Pirenne — em 1942.
O seu trabalho é hoje considerado clássico. Compreendendo que o olho
devia ser quase ou, mesmo, tão sensível quanto teoricamente possível,
conceberam uma experiência engenhosa para descobrir quantos quanta os
receptores têm efectivamente de receber para que possa ser visto um
clarão. A avaliação é baseada numa função estatística conhecida por
distribuição de Poisson, que nos dá a distribuição previsível de balas
que atingem um alvo. A ideia é que, pelo menos, parte das variações
momentâneas da sensibilidade efectiva do olho não são devidas a qualquer
causa intrínseca do olho ou do sistema nervoso, mas às variações
momentâneas de energia de fontes de luz fracas. Suponhamos uma chuva
irregular de balas: a cadência não será constante. Haverá,
necessariamente, flutuações; de modo idêntico há flutuações no número de
quanta de luz que chegam. Um dado clarão pode conter um menor ou maior
número de quanta, e é mais provável que seja detectado se possuir mais do
que o número médio de quanta. Para luzes intensas, este efeito é pouco
importante, mas uma vez que o olho é sensível a apenas alguns quanta, a
flutuação é importante nas proximidades da energia mínima necessária para
a detecção.
A natureza quântica da luz é também importante, se tivermos em conta a
capacidade do olho para distinguir pormenores finos. Uma das razões pela
qual só é possível ler, à luz do luar, as letras maiores dum jornal, é
que o número de quanta que atingem a retina é insuficiente para construir
uma imagem completa dentro do lapso de tempo exigido pelo olho para
integrar energia — cerca de 1/10 de segundo. Não é, de modo algum, só
isto o que se passa; mas o factor, puramente físico, da natureza quântica
da luz contribui para um bem conhecido fenómeno visual — a perda da
acuidade visual na obscuridade — que, até ainda há pouco, foi considerado
simplesmente como propriedade do olho. Na realidade, é muitas vezes
difícil esclarecer se um efeito visual deve ser incluído na psicologia,
na fisiologia ou na física.
Como são produzidas as imagens? A maneira mais simples de se obter uma
imagem é através dum pequeno orifício. A figura 2.6 mostra como isso se
consegue. Um raio proveniente de uma parte do objecto (x) só pode atingir
uma parte do ecrã (y) ao cabo dum trajecto rectilíneo que passe pelo
orifício. Cada parte do objecto ilumina uma parte correspondente do ecrã
e, assim, uma imagem invertida do objecto surge no ecrã. A imagem será
pouco brilhante, porque o orifício tem de ser estreito para que a imagem
seja nítida (Sublinhe-se, no entanto, que o orifício não pode ser
demasiado pequeno, porque, então, a estrutura ondulatória da luz seria
perturbada e os bordos da imagem tornados indistintos.) (Figura 2.6 -
Formação de uma imagem através de um orifício. Um raio vindo de
determinada zona de uma fonte luminosa passa através de um orifício e só
atinge dada parte do ecrã. Uma imagem (invertida) é, assim, formada pelos
raios luminosos que passam pelo orifício. A imagem não apresenta
distorções, mas é pouco brilhante e pouco nítida. Um orifício demasiado
pequeno apaga consideravelmente a imagem devido aos efeitos de difracção
derivados da natureza ondulatória da luz).
Uma lente é, na realidade, um par de prismas (figura 2.7). Dirige uma
grande quantidade de luz de cada ponto do objecto para um ponto
correspondente do ecrã, originando assim uma imagem brilhante (Figura 2.7
- Uma lente pode ser considerada como um par de prismas convergentes que
formam uma imagem a partir de um feixe de raios luminosos. A imagem é
muito mais brilhante do que a obtida fazendo a luz atravessar um pequeno
orifício, mas é, geralmente, um tanto distorcida e a zona de focagem
limitada).
Ao contrário dos orifícios estreitos, as lentes só funcionam bem quando
são adequadas e ajustadas correctamente. A lente (cristalino) do olho
pode não ser adequada ao olho a que pertence e estar mal ajustada. Pode
focar a imagem à frente ou atrás da retina, e não nela, dando lugar à
vista «curta» ou «longa». Pode não ter uma superfície perfeitamente
esférica provocando distorções e, em certas direcções, desfocando a
imagem. A córnea pode ser irregular, ou escavada (talvez por abrasão
provocada por partículas de metal na indústria ou por grãos de poeira,
quando se viaja de motocicleta sem óculos protectores). Estes defeitos
ópticos são corrigidos pelo acrescento de lentes artificiais, os óculos.
Os óculos corrigem os erros da acomodação por alteração da potência do
cristalino; corrigem o astigmatismo, adicionando um componente não
esférico. Os óculos vulgares não podem corrigir as alterações da
superfície da córnea, mas as recentes lentes de contacto adaptadas ao
próprio olho podem servir para dar uma nova superfície à córnea. Os
óculos prolongam a nossa vida activa. Com o seu auxílio leremos e
executaremos tarefas delicadas até idades avançadas. Antes da sua
invenção, sábios e artesãos ficavam inutilizados por falta de vista,
embora conservassem ainda toda a sua capacidade mental.

3. No princípio...
Quase todo o ser vivo é sensível à luz. As plantas captam energia
luminosa, movendo-se algumas para seguir o Sol tal como se as flores
fossem olhos com que o vissem. Os animais usam a luz, as sombras e as
imagens para fugirem ao perigo e procurarem a presa.
Os olhos mais simples e mais primitivos apenas reagiam à luz e às
variações de intensidade luminosa. A percepção da forma e da cor esperou
por olhos mais complicados, capazes de formarem imagens, e por cérebros
suficientemente diferenciados para interpretarem os sinais neuronais
enviados pelas imagens óptimas formadas nas retinas. Estes últimos olhos,
capazes de formarem, imagens, desenvolveram-se a partir de manchas
sensíveis à luz que animais mais simples tinham à superfície do corpo.
Como isto ocorreu é, em grande parte, um mistério, mas conhecemos alguns
dos protagonistas da história. Alguns podem ser vistos como fósseis,
outros são reconstituídos pelo estudo comparado de espécies vivas e,
ainda outros, aparecem fugidiamente durante o desenvolvimento do embrião.
A questão de se saber como se desenvolveram os olhos representa uma das
maiores interrogações postas à teoria darwiniana da Selecção Natural.
Quando projectamos um novo instrumento, podemos construir muitos modelos
experimentais completamente inúteis, mas o mesmo não podia fazer a
Selecção Natural, porque cada passo deveria conferir qualquer vantagem à
espécie para ser seleccionada e transmitida através das gerações. Mas
qual a utilidade duma lente meio construída? Qual a utilidade duma lente
dando origem a uma imagem, se não há sistema nervoso capaz de interpretar
a informação? Como podia uma estrutura nervosa visual surgir antes de
haver um olho para lhe dar informação? Em evolução, não pode haver plano
director, planeamento de estruturas que, embora inúteis de momento,
venham a ter importância quando outras estruturas estiverem
suficientemente desenvolvidas. E, contudo, o olho e o cérebro humanos
surgiram através duma sucessão de lentas e penosas tentativas e erros.
A reacção à luz encontra-se mesmo nos animais unicelulares. Em espécies
mais evoluídas, observam-se células especialmente adaptadas para servirem
de receptores sensíveis à luz. Estas células podem estar espalhadas pela
superfície da pele (como nas minhocas) ou organizadas em grupos, a maior
parte das vezes forrando uma depressão ou buraco, o que representa o
início dum verdadeiro olho gerador de imagens.
Parece provável que a localização dos fotorreceptores em depressões haja
correspondido à necessidade de se protegerem da luminosidade ambiente que
reduzia a sua capacidade de detectar sombras indicativas da aproximação
de perigo. Pela mesma razão, milhões de anos mais tarde, os primeiros
astrónomos gregos cavavam profundos poços no solo, do fundo dos quais
podiam observar as estrelas durante o dia.
As primitivas depressões oculares estavam sujeitas ao perigo de serem
obstruídas por partículas estranhas que nelas se alojavam e interceptavam
a luz. Uma membrana transparente desenvolveu-se sobre as fossetas
oculares, servindo para a sua protecção. Quando, por mutações casuais,
esta membrana se tomou mais espessa no centro, transformou-se numa lente
tosca. As primeiras lentes serviam apenas para aumentar a intensidade,
mas, mais tarde, começavam a formar verdadeiras imagens. Um olho arcaico
do tipo depressão pode ainda ser visto na patela ou lapa. Numa espécie
ainda existente, o náutilo, o olho é ainda mais primitivo — não tem lente
e a imagem é formada mediante um orifício estreito. O interior do olho do
náutilo é banhado pela água do mar onde vive, enquanto os olhos com
lentes contêm fluidos criados especialmente para substituir a água do
mar. As lágrimas humanas são uma reconstituição do oceano primitivo que
banhou os primeiros olhos.
Figura 3.1 - Diferente tipo de olhos primitivos. A organização de todos
eles é a mesma: uma lente que forma uma imagem sobre um mosaico de
receptores sensíveis à luz.
O tema principal deste livro é o olho humano e o modo como vemos o mundo.
Os nossos olhos são olhos típicos de vertebrados, mas não são dos mais
complexos ou evoluídos, embora o cérebro humano seja o mais perfeito de
todos os cérebros. Olhos complicados estão muitas vezes associados a
cérebros pouco diferenciados. Encontramos em pré-vertebrados olhos duma
complexidade incrível aliados a cérebros minúsculos. Os olhos dos
artrópodes (incluindo os insectos) são constituídos não por uma única
lente, com uma retina de muitos milhares ou, mesmo, milhões de
receptores, mas por muitas lentes, cada uma com um único elemento
receptor. O mais antigo olho fóssil conhecido pertence às trilobites, que
viveram há mais de 500 000 000 de anos e são os mais antigos fósseis
conservados nas rochas do câmbrico. Em muitas espécies de trilobites, os
olhos eram altamente evoluídos. A estrutura externa destes antiquíssimos
olhos pode ser vista em perfeito estado de conservação (figura 3.2). Nada
podemos observar agora da sua estrutura interna; só a sua forma exterior
subsiste para nos atormentar com os mistérios que encerra. Eram olhos
compostos, bastante semelhantes aos dum insecto moderno. Alguns tinham
mais de mil facetas (Figura 3.2 - O olho fóssil de uma espécie de
trilobite. Este género de olho é o mais primitivo conservado sob a forma
de fóssil. As facetas são lentes corneanas, essencialmente as mesmas que
aparecem nos insectos actuais. Algumas das trilobites podiam ver o que
estava à sua volta, mas nenhuma o que estava por cima).
A figura 3.3 esquematiza o olho dum insecto. Por detrás de cada faceta
lenticular («lente corneana») dispõe-se uma segunda lente («lente
cilíndrica») através da qual a luz passa para o elemento sensível à luz,
sendo este habitualmente constituído por sete células agrupadas num
pequeno ramalhete. Cada unidade completa dum olho composto é denominada
«omatídio». Supunha-se que cada omatídio era um olha distinto, de modo
que os insectos veriam milhares de mundos — mas é estranho como se pôde
acreditar em tal, porquanto não há retina distinta para cada omatídio e
apenas uma fibra nervosa sai de cada pequeno grupo de receptores. Como
poderia cada um formar uma imagem completa? Na realidade, cada omatídio
assinala a presença da luz proveniente duma direcção imediatamente na sua
frente, e os sinais combinados representam uma única imagem (Figura 3.3 -
As diferentes partes de um olho composto. O olho primitivo da trilobite
era, provavelmente, semelhante, embora a estrutura interna não tenha sido
conservada. Encontramos este tipo de olho nos artrópodes, incluindo os
insectos, como a abelha e a libélula. Cada lente corneana dá uma imagem
distinta sobre um receptor funcional único (frequentemente constituído
por sete células fotossensíveis), mas não se pode daqui concluir que o
que o animal vê é um mosaico. O olho composto detecta particularmente bem
o movimento).
Os olhos dos insectos têm a particularidade notável de se adaptarem a
diferentes condições da luz ambiente. Os omatídios estão separados uns
dos outros por cones pretos de pigmento. Com luz reduzida (ou em resposta
a sinais vindos do cérebro), o pigmento recua em direcção aos receptores,
permitindo que a luz passe pela parede de cada omatídio para os
receptores vizinhos. Isto aumenta a sensibilidade do olho, embora à custa
da sua acuidade, solução que permite conseguir um equilíbrio que também
se encontra nos olhos dos vertebrados muito embora por motivos um tanto
diferentes.
A lente cilíndrica do olho composto funciona como uma lente mais pela
variação do índice de refracção — que é maior junto do centro que nos
bordos — do que, como acontece numa lente normal, em virtude da forma
óptica da sua superfície. A luz é canalizada através dela de modo muito
diferente daquele que ocorre na lente normal. Os olhos compostos são,
essencialmente, detectores de movimento e podem ser duma eficiência
incrível, como se observa na libélula ao apanhar a presa em voo.
Entre os mais curiosos olhos da Natureza, salientam-se os de um pequeno
animal do tamanho duma cabeça de alfinete — um copépode pouco conhecido,
o Copilia quadrata. A fêmea — os machos foram, a este respeito, menos
favorecidos — tem um par de olhos que não funcionam como os dos
vertebrados ou como olhos compostos, mas, até certo ponto, como câmaras
de televisão. Cada olho contém duas lentes e o sistema fotorreceptor é
semelhante ao do olho do insecto, mas na Copília há uma enorme distância
entre a lente corneana e a lente cilíndrica. A maior parte do olho está
situada no interior do corpo do animal que é extraordinariamente
transparente. O segredo deste olho pode ser desvendado pela observação do
animal vivo. Exner, em 1881, verificou que o receptor (e a lente
cilíndrica associada) tem «um movimento rápido e contínuo». Oscilam
através da linha média do animal e, evidentemente, esquadrinham através
do plano focal da lente corneana frontal. Parece que a repartição da luz
e sombra da imagem não é dada simultaneamente por muitos receptores como
em outros olhos, mas em sequência, ao longo do nervo óptico, como no
canal único duma câmara de televisão. É possível que muitos outros
minúsculos olhos compostos (p. ex., na dáfnia?) também adoptem este
sistema para aumentar a resolução e a capacidade dos seus poucos
elementos. Será o olho da Copília um antepassado do olho composto? Terá o
«scanning» (esquadrinhamento) sido abandonado por uma única ligação
neuronal não poder transmitir informação suficiente? Será uma
simplificação do olho composto encontrado nos fósseis mais primitivos? Ou
será talvez uma experiência aberrante, desligada das correntes principais
da evolução? Seja como for, a Copília merece mais atenção do que a que
tem recebido.
Figura 3.4 - Um espécime vivo da fêmea de um copópode microscópico, a
Copilia quadrata. Cada olho tem duas lentes: uma lente maior, anterior, e
uma segunda, menor, situada na profundidade do corpo, munida de um
fotorreceptor e de uma única fibra de nervo óptico, ligada ao cérebro
central. A segunda lente e o fotorreceptor estão em contínuo movimento
através da imagem plana da primeira lente. O sistema assemelha-se ao
«scanning eye» (esquadrinhador) da câmara de televisão.
O movimento de «scanning» (esquadrinhamento) da lente cilíndrica e do
fotorreceptor associado é evidenciado pelas imagens sucessivas dum filme
na figura 3.5. Os receptores aproximam-se e afastam-se um do outro em
movimento combinado e nunca independente. A velocidade do «movimento
rápido e contínuo», notado por Exner, varia de cerca de cinco movimentos
simples por segundo até cerca de um em cada dois segundos. Seria muito
importante saber por que existe e se é uma amostra vestigial duma forma
de olho primitiva. Se a Copília é uma forma de evolução frustrada, merece
um prémio de originalidade (Figura 3.5 – A lente posterior da Copília e
(a vermelho) o fotorreceptor a ela associado, durante um único movimento
de «scanning» (esquadrinhamento). A cadência pode chegar a cinco
esquadrinhamentos por segundo).

4. O olho
Figura 4.1 - O olho humano. O mais importante de todos os instrumentos
ópticos. Nele está o cristalino que forma uma minúscula imagem invertida
sobre um mosaico incrivelmente denso de fotorreceptores que traduzem as
tramas de energia da luz na linguagem que o cérebro é capaz de ler —
cadeias de impulsos eléctricos.
Cada parte do olho apresenta uma estrutura extremamente especializada. A
perfeição do olho como instrumento óptico dá a medida da importância da
visão na luta pela sobrevivência. Não só são as várias partes do olho
maravilhosamente concebidas, como os próprios tecidos estão
especializados. A córnea tem de particular o não ser irrigada por sangue:
as substâncias nutritivas são transportadas pelo humor aquoso, evitando-
se assim a necessidade de vasos sanguíneos. Por este motivo, a córnea
está virtualmente isolada do resto do organismo. É esta uma circunstância
feliz que torna possível a sua transplantação em casos de opacidade
corneana, visto que os anticorpos a não atingem nem a destroem, como
acontece com outros tecidos estranhos.
O facto de uma estrutura de primordial importância como é a córnea estar
isolada da corrente sanguínea não é caso único. Acontece o mesmo com o
cristalino. Em ambos, os vasos sanguíneos arruinariam as propriedades
ópticas. É ainda o caso de uma estrutura do ouvido interno, embora aqui o
significado seja completamente diferente. Na cóclea, onde as vibrações
são convertidas em actividade nervosa existe uma estrutura peculiar,
designada órgão de Corti, que consiste em fileiras de pequenos cílios. O
órgão de Corti não é irrigado pelo sangue, recebendo os elementos
nutritivos do líquido que preenche a cóclea. Se estas células, muito
sensíveis, não estivessem isoladas das pulsações, ficaríamos ensur-
decidos. A extrema sensibilidade do ouvido só é possível porque as partes
fundamentais estão separadas da corrente sanguínea e o mesmo acontece com
o olho, embora em virtude de razões diferentes.
O humor aquoso é continuamente segregado e absorvido, renovando-se cerca
de uma vez em cada quatro horas. «Manchas diante dos olhos» podem ser
devidas a impurezas que flutuam e lançam sombras na retina, sendo vistas
a flutuar no espaço.
Cada globo ocular é equipado com seis músculos extrínsecos que o
conservam em posição na órbita e o movem de modo a seguir objectos que se
deslocam, ou a dirigir o olhar para determinado objecto. Os olhos
trabalham em conjunto e, assim, são dirigidos para um mesmo objecto,
convergindo para os objectos próximos. Além dos músculos extrínsecos, há
também músculos no interior do globo ocular. A íris é um anel muscular
cuja abertura central é a pupila, através da qual a luz passa para o
cristalino, situado imediatamente atrás. Este músculo contrai-se para
reduzir o diâmetro da pupila quando a luz é intensa, ou quando os olhos
convergem para objectos próximos. Um outro músculo comanda a focagem do
cristalino. Vejamos, com mais pormenor, o mecanismo e a função do
cristalino e da íris. Ambos nos reservam surpresas.
O cristalino — É vulgar supor-se que o cristalino serve para flectir os
raios de luz que o atravessam para formar a imagem. Isto está longe de
ser verdade no caso do olho humano, embora o seja no dos peixes. A região
do olho humano onde a luz é mais flectida para formar a imagem não é o
cristalino, mas sim a superfície frontal da córnea. A capacidade duma
lente para flectir a luz depende da diferença entre o índice de refracção
do meio ambiente e o do material da lente. O índice de refracção do meio
ambiente — o ar — é baixo, enquanto o do humor aquoso, imediatamente
atrás da córnea, é quase tão alto como o do cristalino. No caso dos
peixes, a córnea está imersa na água e a luz quase não é desviada quando
entra no olho. Os peixes têm um cristalino muito denso e rígido, de forma
esférica, que se move para trás e para diante dentro do globo ocular,
fazendo a acomodação para os objectos distantes e próximos. Embora o
cristalino não seja importante para formar a imagem no olho humano,
importa para a acomodação. Esta faz-se não pela mudança de posição do
cristalino (como nos peixes ou numa máquina fotográfica), mas por
alteração da sua forma. O raio de curvatura do cristalino reduz-se para a
visão próxima, tornando-se a lente mais potente e completando, assim, a
flexão primitiva efectuada pela córnea. O cristalino é constituído por
camadas delgadas, como uma cebola, e está suspenso por uma membrana, a
zónula, que o conserva sob tensão. A acomodação faz-se duma maneira muito
curiosa. Para a visão próxima, o músculo ciliar contrai-se, reduzindo a
tensão na zónula e permitindo que o cristalino adopte uma forma mais
convexa. Torna-se mais convexo por contracção muscular e não por
relaxamento, o que é surpreendente.
O desenvolvimento embriológico e ulterior do cristalino é de particular
interesse e pode ter consequências desagradáveis, uma vez atingida a
idade madura. O cristalino é construído a partir do seu centro, sendo
acrescentadas células durante toda a vida, embora o crescimento se torne
cada vez mais lento. O centro é, assim, a parte mais velha e, aí, as
células estão cada vez mais separadas do tecido sanguíneo que fornece o
oxigénio e as substâncias nutritivas, acabando por morrer. Ao morrerem,
endurecem e o cristalino torna-se demasiado rígido e incapaz de se
acomodar às diferentes distâncias. Como disse Gordon Walls no seu grande
livro «O Olho dos Vertebrados»:
O que tem de particular o cristalino, entre os órgãos do corpo, é que o
seu desenvolvimento nunca cessa, enquanto o seu envelhecimento começa
mesmo antes do nascimento.
Na figura 4.2 vemos isto claramente. Esta figura mostra como a acomodação
decresce com a idade, à medida que as células no interior do cristalino
morrem, e que passamos a ver através dos seus cadáveres (Figura 4.2 -
Perda, com o envelhecimento, do poder de acomodação do cristalino. A
lente torna-se gradualmente mais rígida e incapaz de modificar a sua
forma. São usadas lentes bifocais para deslocar de forma adequada o foco
quando a acomodação deixar de ser possível).
Podem-se observar as variações de forma do cristalino, durante a
acomodação a diferentes distâncias. Mantendo uma pequena fonte luminosa,
em posição adequada, diante dum olho de qualquer pessoa, vê-la-emos
evidentemente reflectida nesse olho, mas não há apenas uma reflexão mas
sim três. A luz é reflectida não só pela córnea, mas também pelas
superfícies anterior e posterior do cristalino. Quando o cristalino
altera a sua forma, estas imagens mudam de tamanho. A superfície anterior
dá uma imagem directa grande e baça, enquanto a superfície posterior dá
uma pequena imagem, invertida e brilhante. Este princípio pode ser
demonstrado recorrendo a uma colher vulgar. As imagens reflectidas pela
superfície convexa são grandes e direitas, mas a superfície interna,
côncava, dá origem a imagens pequenas e invertidas. O tamanho das imagens
é diferente com uma colher de sopa ou uma colher pequena (chá),
correspondendo às curvaturas do cristalino para a visão distante ou
próxima. (As imagens reflectidas pelo olho são designadas por imagens de
Purkinje, e são muito úteis para estudar experimentalmente a acomodação.)
A íris — É pigmentada e pode apresentar cores variadas. Daí a «cor dos
olhos duma pessoa», assunto de algum interesse para os poetas,
geneticistas ou apaixonados, mas de somenos interesse para quem estuda a
função do olho. Qualquer que seja a sua cor, a íris deve ser suficiente-
mente opaca de modo a constituir, para o cristalino, um diafragma
adequado. Os olhos em que o pigmento falta (albinismo) funcionam mal num
ambiente de luz intensa.
Julga-se muitas vezes que as mudanças de diâmetro da pupila são
importantes para permitir que o olho trabalhe numa larga escala de
intensidade luminosa. Contudo, não deve ser esta a função primária, pois
a sua área só varia numa razão de cerca de 16:1, ao passo que o olho é
eficiente dentro duma escala de luminosidade de cerca de 100 000:1.
Parece que a pupila se contrai para limitar os raios luminosos à parte
central e, opticamente, a melhor, do cristalino, excepto quando a
abertura completa é necessária para obter uma sensibilidade máxima.
Também fecha para a visão próxima, o que aumenta a profundidade de campo
em relação aos objectos próximos. Para um engenheiro, qualquer sistema
que se corrija em função duma alteração externa (neste caso, a
intensidade da luz), sugere um «servomecanismo». Estes são-nos familiares
sob a forma de termóstatos no aquecimento central. Este é ligado
automaticamente quando a temperatura desce abaixo dum valor
preestabelecido e desligado quando a temperatura sobe. (O exemplo mais
antigo do servomecanismo feito pelo homem é o moinho de vento que se
mantém dirigido para o vento e segue as suas mudanças de direcção por
meio dum leme que faz rodar o topo do moinho. Um exemplo mais evoluído
fornece-o o piloto automático que conserva um avião numa direcção e
altitude correctas pela detecção de erros e envio de sinais correctores
às superfícies de «controle» da máquina.)
Voltando ao termóstato que detecta variações de temperatura num sistema
de aquecimento central: admitamos que a temperatura mínima
preestabelecida, abaixo da qual o sistema é ligado, está muito próxima da
temperatura máxima, acima da qual o sistema é desligado. Logo após ter
sido ligado, a temperatura sobe o suficiente para desligar o sistema,
que, assim, é ligado e desligado rapidamente até que haja uma avaria.
Pela simples observação da frequência com que é ligado e desligado, e
também da amplitude da variação da temperatura, um engenheiro pode
deduzir muita coisa sobre o sistema. Partindo deste princípio, algumas
engenhosas experiências foram efectuadas sobre o sistema de servocontrole
da íris.
Podem provocar-se violentas oscilações na íris, dirigindo um feixe de luz
delgado sobre o olho, de modo a passar pelo limite da íris (figura 4.4).
Quando a íris se contrai ligeiramente, o feixe é parcialmente interrom-
pido e a retina recebe menos luz. Mas isto faz com que seja transmitido à
íris um sinal para a abrir. Logo que ela abre, a retina recebe mais luz —
e principia a fechar-se até receber outro sinal para abrir. Assim, a íris
oscila indefinidamente. Medindo a amplitude e a frequência da oscilação
da íris, muito se pode aprender sobre o servossistema neuronal que a
controla (Figura 4.4 - Como se pode fazer oscilar a pupila por meio de um
raio luminoso. Quando a íris está ligeiramente aberta, a retina recebe
mais luz. Em consequência, envia um sinal que faz com que a íris se
contraia, fechando a pupila. Mas, quando a pupila se fecha, chega menos
luz à retina que envia novo sinal, desta vez para que a íris se abra.
Assim se estabelece uma oscilação. A partir da sua frequência e amplitude
de oscilação, o sistema de comando da íris pode ser descrito em termos de
servoteoria).
A pupila — Não é, evidentemente, uma estrutura. É a abertura formada pela
íris através da qual a luz passa para o cristalino e, daí, para a retina
onde forma a imagem. Embora a pupila humana seja circular, há uma grande
variedade de formas, sendo a forma circular bastante rara. Por qualquer
razão desconhecida, os olhos dos animais noctívagos têm pupilas em forma
de fenda, forma muito evidente no gato.
A pupila parece negra e não podemos ver, através dela, o interior do olho
de outra pessoa. Este facto exige explicação, porque a retina não é
preta, mas, sim, vermelha. É, na verdade, curioso que, embora possamos
ver, através da nossa pupila, o que se passa fora de nós, não somos
capazes de ver o interior do olho de outra pessoa, através da sua pupila.
A razão é simples: a luz vinda de determinada posição é focada pelo
cristalino sobre bem definida região da retina, de modo que o olho que
observa interfere com a luz que ilumina a região da retina que ele
deveria ver (Figura 4.3 – O olho «a» não pode ver o interior do olho «b».
O olho do observador interfere com o trajecto da luz evitando que a luz
chegue à única parte da retina que poderia formar uma imagem). Helmholtz
concebeu um aparelho simples (o oftalmoscópio) para a observação do
interior do olho. O artifício de que lançou mão consiste em fazer incidir
um feixe de luz na mesma direcção em que o olho está a observar (figura
4.6). Com este dispositivo a pupila já não parece negra, e a estrutura
pormenorizada da retina pode ser vista com os vasos sanguíneos da sua
superfície assemelhando-se a uma grande árvore vermelha e muito
ramificada (Figura 4.6 - O princípio do oftalmoscópio inventado por
Helmholtz. A luz atinge o olho observado por reflexão sobre um espelho
semiprateado através do qual o observador vê o interior do olho. Na
prática, o observador pode olhar por cima de um raio luminoso dirigido
para dentro do olho por um pequeno prisma, o que permite evitar as perdas
da luz ocasionadas pelo espelho semipratetado. Figura 4.5 - O que
veríamos, se nos fosse possível olhar para dentro do olho. A fotografia
foi obtida por meio de um oftalmoscópio. Mostra a mancha amarela
existente sobre a fóvea, os vasos sanguíneos da retina, através dos quais
vemos o mundo exterior, e a região cega onde vasos e nervos deixam o
globo ocular).
Movimentos do olho
Cada olho é movimentado por seis músculos (figura 4.7). A notável
disposição do músculo oblíquo superior vê-se na ilustração. O tendão
passa através duma «roldana» colocada no crânio, à frente da suspensão do
globo ocular. Os olhos estão em contínuo movimento e movem-se de várias
maneiras. Quando os olhos se movem à procura dum objecto, não operam da
mesma maneira que quando seguem um objecto em movimento. Quando procuram,
movem-se em pequenas sacudidelas rápidas, quando seguem um objecto,
fazem-no com um movimento contínuo. As sacudidelas são designadas por
saccades (segundo uma antiga palavra francesa que significa «o adejar
duma vela»). Além destes dois tipos principais de movimento, há também um
pequeno tremor contínuo de alta frequência. (Figura 4.7 - Os músculos
motores do olho. O globo ocular é mantido no seu lugar, na órbita, por
meio de seis músculos que o movimentam de modo que o olhar possa ser
dirigido em qualquer direcção e possa fazer-se a convergência dos dois
olhos para a percepção do relevo. Os músculos motores são mantidos sob
tensão contínua e constituem um sistema delicadamente equilibrado que,
quando perturbado, pode causar uma ilusão de movimento).
Os movimentos dos olhos registam-se de várias maneiras: podem ser
filmados com uma câmara cinematográfica, detectados por pequenas
alterações de voltagem na vizinhança dos olhos, ou, com muita precisão,
adaptando um espelho a uma lente de contacto colocada sobre a córnea e
fazendo incidir um feixe de luz que é reflectido pelo espelho e
fototografado num filme em movimento contínuo.
Os movimentos de «saccade» dos olhos são essenciais para a visão. É
possível fixar uma imagem na retina de modo que, quando o olho se move, a
imagem desloca-se com ele, permanecendo fixa na retina. Quando a imagem
está opticamente estabilizada (figura 4.8), a visão esbate-se em alguns
segundos. (Figura 4.8 - A maneira simples de estabilizar opticamente a
imagem na retina. O objecto (um pequeno filme fotográfico) é montado
sobre o olho por meio de uma lente de contacto e acompanha-o, com
exactidão, em todos os seus movimentos. Após alguns segundos, o olho
torna-se cego em relação à imagem estabilizada da qual umas partes
desaparecem primeiro, outras depois. Este método foi concebido por R.
Prichard). Isto sugere que, em parte, a função dos movimentos dos olhos é
deslocar a imagem sobre os receptores de modo que estes não se adaptem e
cessem de enviar para o cérebro os sinais correspondentes à presença da
imagem no olho. No entanto, surge um problema intrigante: quando olhamos
para uma folha de papel branco, a imagem das margens do papel desloca-se
na retina e, assim, a estimulação é renovada. Mas consideremos o centro
da imagem. Aqui, os pequenos movimentos dos olhos não podem ter efeito,
porque uma zona de dada luminosidade é substituída por outra de
luminosidade exactamente igual e, portanto, nenhuma alteração da
estimulação resulta do movimento dos olhos. Contudo, a parte média do
papel não se esbate. Isso sugere que contornos e limites são muito
importantes para a percepção — os sinais dados pelas regiões extensas de
luminosidade constante não são muito importantes, porque o aparelho
visual preenche ou faz extrapolações entre os contornos.
Supõe-se muitas vezes que o pestanejar é um reflexo com ponto de partida
na córnea quando esta seca. Isto não acontece com o pestanejar normal,
apesar de que este pode ser provocado pela irritação da córnea ou por
alterações súbitas da iluminação. O pestanejar normal ocorre sem estímulo
externo: é mediatizado por sinais vindos do cérebro. A frequência do
pestanejar aumenta com o «stress», ou na expectativa duma tarefa difícil.
Desce abaixo da média durante os períodos de actividade mental
concentrada. Pode mesmo ser usado como índice de atenção e concentração
duma tarefa. Durante o pestanejar ficamos cegos, mas não nos apercebemos
disso.

A retina
A palavra retina deriva duma palavra antiga que significa «rede» ou
«teia», tendo sido adoptada por ser essa a aparência dos seus vasos
sanguíneos.
A retina é uma delgada camada de células nervosas interligadas, incluindo
as células em bastonete e em cone, que convertem a luz em impulsos
eléctricos — a linguagem do sistema nervoso. Não foi sempre evidente que
na retina se passa a primeira fase da sensação visual. Os Gregos supunham
que a retina fornecia elementos nutritivos ao humor vítreo. Galeno e
muitos autores posteriores consideravam o cristalino como origem da
sensação visual. Os Árabes da Idade Média — que eram os detentores dos
conhecimentos clássicos — admitiam que a retina era portadora do espírito
vital, o «pneuma».
Foi o astrónomo Kepler, em 1604, quem primeiro se apercebeu da verdadeira
função da retina. Para ele a retina era o ecrã onde se formava a imagem
vinda do cristalino. Esta hipótese foi comprovada experimentalmente em
1625 por Scheiner, que retirou as camadas externas (a esclerótica e a
coroideia) da parte posterior dum olho de boi, revelando a retina como
uma membrana semitransparente. Scheiner viu que se formavam pequenas
imagens invertidas na retina desse olho.
A descoberta dos fotorreceptores teve de esperar pela invenção do
microscópio e o seu uso sistemático. Foi só cerca de 1835 que Treviranus
os descreveu, aliás incorrectamente. Julga-se que a sua observação foi
influenciada pelo que ele esperava ver, pois este autor descreve-os como
fazendo face à luz, o que, embora pareça estranho, não acontece: nos
mamíferos e em quase todos os vertebrados — ao contrário do que acontece
nos cefalópodes — os receptores estão colocados na parte posterior da
retina, por detrás dos vasos sanguíneos. Isto significa que a luz tem de
atravessar toda a rede de vasos sanguíneos e fibras nervosas — incluindo
três camadas de corpos celulares e uma multidão de células de suporte,
antes de chegar aos receptores. Opticamente, a retina está virada de fora
para dentro como um filme fotografado posto ao contrário (Figura 4.9 - A
retina. A luz, passando através de camadas de vasos sanguíneos, fibras
nervosas e células de suporte, chega aos receptores sensíveis (bastonetes
e cones). Estes encontram-se situados na parte posterior da retina que
está, assim, do ponto de vista funcional, ao contrário, ou voltada de
dentro para fora. Nos vertebrados, o nervo óptico não está directamente
ligado aos receptores. A ligação é feita por meio de três camadas de
células intermediárias que fazem parte do cérebro, transposto para o
globo ocular). Dado o «erro» original (que parece resultar das
necessidades do desenvolvimento embriológico da retina a partir da
superfície do cérebro) a situação é salva pelas fibras nervosas da
periferia da retina que rodeiam e evitam a região crucial do centro, que
dá melhor visão.
A retina tem sido descrita como uma «excrescência do cérebro». É uma
parte especializada da superfície do cérebro que se diferenciou e tornou
sensível à luz, mantendo embora células cerebrais típicas entre os
receptores e o nervo óptico (situadas nas camadas anteriores da retina)
que influenciam marcadamente a actividade eléctrica dos próprios
receptores. Parte do trabalho de selecção dos dados para a percepção faz-
se no olho que é, assim, uma parte integrante do cérebro.
Há duas espécies de células receptoras da luz — os bastonetes e os cones
— assim designados pela sua aparência quando vistos ao microscópio. Nas
regiões periféricas da retina podem distinguir-se facilmente, mas na
região central — a fóvea — os receptores estão apertados uns contra os
outros e são vistos como bastonetes.
Os cones funcionam em condições de boa luminosidade e dão a visão das
cores. Os bastonetes funcionam em condições de fraca luminosidade e só
dão a visão de tons de cimento. A visão diurna, usando os cones, diz-se
fotópica, enquanto o mundo cinzento apercebido pelos bastonetes em
condições precárias de luz se chama visão escotópica.
Poder-se-ia perguntar como é que se sabe serem os cones, e apenas eles,
que dão a visão das cores. Foi deduzido, em parte, do estudo dos olhos de
vários animais, relacionando a estrutura da sua retina com a sua
capacidade para discriminar as cores, determinada por experiências de
comportamento e, também, pela descoberta de que junto aos bordos da
retina humana, onde não há visão das cores, os cones são em número muito
reduzido. É interessante notar que, embora a região frontal da fóvea,
densamente povoada de cones, dê melhor detalhe e cor, é menos sensível do
que as regiões mais primitivas em que abundam os bastonetes. Os
astrónomos, quando pretendem detectar uma estrela mais ténue, olham numa
direcção que não é exactamente a da estrela e conseguem assim que a
imagem se forme fora da fóvea, numa região da retina rica em bastonetes.
Poder-se-ia dizer que olham ao lado ou fora da fóvea.
Indo do centro da retina humana para a sua periferia, viajamos para trás
na evolução, desde as mais altamente organizadas estruturas até à de um
olho primitivo que apenas detecta simples movimentos de sombras. O bordo
da retina humana não chega sequer a registar uma sensação quando
estimulado por qualquer movimento: inicia apenas um reflexo tendente a
dirigir os olhos para a origem desse movimento, para que seja visto com a
parte mais evoluída do olho — a fóvea.
O tamanho dos receptores e a sua densidade tornam-se importantes se
considerarmos a capacidade do olho para distinguir pormenores delicados.
Citaremos directamente do grande livro de Polyak, A Retina:
«O território central, onde os cones são quase uniformemente abundantes,
mede aproximadamente 100 mícrones (mícrones ou milionésimos de metro) de
diâmetro, correspondendo a 20 minutos, ou um terço de um grau. Contém
aproximadamente cinquenta cones por linha. Esta área parece não ser
exactamente circular, mas elíptica, com o eixo maior horizontal, e pode
conter cerca de 2 000 cones [...] o tamanho de cada uma das 2 000
unidades receptoras-condutoras é, em média, de 24 segundos. Mesmo neste
território, o tamanho das unidades é variável, as unidades mais centrais
medindo pouco mais do que 20 segundos ou, até, menos. Destas — os cones
de menores dimensões e, por consequência, as menores unidades receptoras
funcionais — existe um pequeno número, talvez não mais do que uma ou duas
dúzias. Nas dimensões aqui atribuídas às unidades, estão incluídas as
lamelas isoladoras intermédias que separam os cones uns dos outros».
Vale a pena tentar imaginar o tamanho dos receptores. O menor, um mícron,
não mede mais que cerca de dois comprimentos de onda de luz vermelha.
Seria difícil exigir mais. E, todavia, a acuidade visual do falcão é
quatro vezes maior que a do homem.
O número de cones é, aproximadamente, o da população de toda a zona de
Nova Iorque. Se toda a população dos Estados Unidos da América se
mantivesse de pé sobre um selo postal, estariam representados os
bastonetes de uma única retina. Quanto às células do cérebro, se as
pessoas fossem reduzidas, em escala, às suas dimensões, as nossas duas
mãos, quando juntas, poderiam conter toda a população do Globo,
simplesmente não haveria seres humanos em número suficiente para formar
um só cérebro.
Os fotopigmentos da retina são descoloridos pela luz viva: é esta
descoloração que, graças a um processo completamente envolto em mistério,
estimula os nervos. Depois é necessário um certo tempo para as
substâncias fotoquímicas da retina voltarem ao seu estado normal. O ciclo
químico que tem lugar na retina é hoje conhecido principalmente devido
aos trabalhos do Dr. George Wald. Enquanto uma zona de fotopigmentos
permanece descolorida, essa zona da retina é menos sensível do que as
zonas vizinhas e isto cria pós-imagens. Quando o olho se adaptou a uma
luz forte (por exemplo, a de uma lâmpada eléctrica olhada fixamente ou,
melhor ainda, a de um «flash» fotográfico), uma forma escura, com os
mesmos contornos da luz adaptadora, é vista suspensa no espaço. É escura
quando vista sobre uma superfície iluminada (como uma parede), mas
parecerá brilhante, durante alguns segundos, depois da estimulação
produzida pela luz adaptadora, se estivermos na escuridão. Esta última
imagem constitui o que se costuma chamar uma pós-imagem positiva e tem
origem numa descarga contínua da retina e do nervo óptico depois da
estimulação. A imagem escura é uma pós-imagem negativa e nasce de uma
relativa diminuição da sensibilidade devida à descoloração do
fotopigmento de uma parte da retina.

Os dois olhos
Muitos dos órgãos do corpo existem aos pares, mas os olhos e os ouvidos
têm a este respeito algo de especial: trabalham em estreita cooperação,
compartilham e comparam a informação, de modo que juntos realizam feitos
que não estariam ao alcance de um único olho ou de um único ouvido.
No olho, as imagens formam-se sobre as superfícies curvas da retina, mas
o estudá-las como se fossem bidimensionais não acarreta inconveniente de
maior. Uma característica notável do mecanismo visual é a sua capacidade
de unificar as duas imagens — que são um tanto diferentes — numa única
percepção de objectos sólidos situados num espaço a três dimensões.
No homem, os olhos estão voltados para a frente e compartilham o mesmo
campo visual. É raro acontecer isto nos vertebrados, porque, geralmente,
os olhos estão dos lados da cabeça e dirigidos para o exterior em
direcções opostas. A mudança gradual dos olhos laterais para olhos
frontais deu-se à medida que uma avaliação exacta das distâncias se
tornou necessária, quando os mamíferos desenvolveram membros anteriores
capazes de segurar e manipular objectos e de agarrar os ramos das
árvores. Para os animais que vivem em florestas e se deslocam saltando de
ramo em ramo, a avaliação rápida e exacta das distâncias a que se
encontram os objectos vizinhos é indispensável e o uso de dois olhos
cooperando para dar uma visão estereoscópica está neles muitíssimo
desenvolvido. Animais como os gatos têm olhos frontais que funcionam em
conjunto, mas a densidade dos receptores sobre a retina é quase
constante. Não existe fóvea enquanto uma percepção precisa da profun-
didade não se torna realmente indispensável. Nos pássaros e nos macacos
que vivem nas árvores encontram-se fóveas muito desenvolvidas e um
comando perfeito dos movimentos dos olhos. Nos insectos a visão este-
reoscópica do movimento é assegurada por pares de olhos compostos, o que
permite à libélula agarrar a sua presa em voo e a grande velocidade. Os
olhos compostos estão fixos à cabeça e o mecanismo da sua visão
estereoscópica é mais simples do que o dos grandes macacos e do homem em
que as fóveas são obrigadas a actuar, graças à convergência dos olhos
sobre objectos situados a várias distâncias.
Convergência ou telemetria, percepção da profundidade
A figura 4.10 mostra como os olhos giram para o interior, convergindo, a
fim de observarem objectos próximos e como este ângulo de convergência é
comunicado ao cérebro por sinais (Figura 4.10 - Os olhos convergem sobre
um objecto que examinámos e as imagens são deste modo trazidas para as
fóveas. Em «a» vemos os olhos a convergir sobre um objecto próximo, em
«b» sobre um mais distante. O ângulo de convergência é transmitido ao
cérebro como uma informação de distância. O cérebro trabalha neste caso
como um telémetro). Mas isto está muito longe de ser tudo.
Uma experiência pouco complicada mostra que o ângulo de convergência é um
elemento que permite conhecer directamente a distância. A figura 4.11
representa o que acontece se um par de prismas de ângulos bem calculados
é introduzido para desviar a luz que entra nos olhos de modo que estes
sejam obrigados a convergir para levarem imagens de objectos distantes ao
centro das suas fóveas. Se os prismas são colocados de modo que diminua o
ângulo de convergência (figura 4.11 b), os objectos parecem mais próximos
e maiores, se são colocados aumentando a convergência, parecem mais
afastados e menores. A percepção da profundidade é dada, em parte, pelos
olhos. O ângulo de convergência dá a distância, tal como num telémetro
(Figura 4.11 - É possível mudar de ângulo de convergência para uma dada
distância pela interposição de prismas. «a» mostra a convergência
aumentada, «b» diminuída. O efeito consiste na modificação do tamanho e
da distância aparentes dos objectos vistos através dos prismas. A
modificação não é de carácter óptico, representa uma correcção feita pelo
cérebro quando o seu telémetro lhe fornece uma informação errada. A
experiência permite estabelecer de forma simples a importância da
convergência na percepção do tamanho e da distância).
Existe, todavia, nos telémetros uma limitação importante: indicam a
distância de um único objecto de cada vez, daquele objecto cujas imagens
são sobrepostas pelo ângulo de convergência. Para calcular as distâncias
de muitos objectos ao mesmo tempo, torna-se necessário um mecanismo muito
diferente. O aparelho visual fornece esse mecanismo, mas o seu emprego
obriga o cérebro a um trabalho muito complicado.

A disparidade, percepção da profundidade


Os olhos estão separados (cerca de sete centímetros) e, assim, recebem
imagens ligeiramente diferentes. Pode-se verificar isto muito claramente,
se abrirmos primeiro um olho e, a seguir, o fecharmos abrindo ao mesmo
tempo o outro. Cada vez que um dos olhos recebe a imagem de um objecto
próximo esse objecto parece deslocar-se lateralmente em relação a
objectos mais distantes e girar sobre si próprio. A pequena diferença
existente entre as duas imagens é conhecida por «disparidade». Esta dá-
nos a percepção da profundidade por visão estereoscópica, percepção que é
usada no estereoscópio, um instrumento de investigação muito útil.
O estereoscópio é um instrumento simples e destina-se a apresentar,
separadamente, duas imagens aos dois olhos. Normalmente, essas imagens
são pares estereoscópicos obtidos por meio de duas máquinas fotográficas
separadas pela distância existente entre os olhos, a fim de ser reconsti-
tuída a disparidade que o cérebro utiliza para criar a ilusão do relevo.
(O estereoscópio foi um brinquedo favorito durante a época vitoriana,
mas, infelizmente, os temas de algumas das fotografias escolhidas, embora
ideais sob o aspecto técnico, encontraram tremenda oposição. Daqui o ter
sido expulso dos salões vitorianos — um golpe de que nunca mais
recompôs.)
As imagens em relevo podem ser apresentadas invertidas — recebendo o olho
direito a imagem destinada ao esquerdo e vice-versa — dando então uma
inversão de profundidade. Grosso modo, a inversão da profundidade
acompanha a chamada visão pseudoscópica quando aquela inversão não
deforma grosseiramente o aspecto daquilo que não é familiar. Os rostos
das pessoas não se invertem em profundidade (nunca vemos o nariz sob a
forma de um buraco), mas a disposição em profundidade de objectos
distintos pode muito bem sofrer uma inversão quando trocam os olhos.
É muito simples inverter opticamente os olhos de forma que o mundo real
seja visto com os olhos trocados. O instrumento com que isso se consegue
é o pseudoscópio (Figura 4.12 - Modificação da visão por meio de
espelhos. (Parte superior). Um pseudoscópio inverte a profundidade, mas
unicamente quando a profundidade se apresenta um tanto ambígua. (Centro).
Um telestereoscópio aumenta, para todos os efeitos práticos, a distância
entre os olhos. (Parte interior). Um iconoscópio reduz, para todos os
efeitos práticos, a distância entre os olhos. Todos estes dispositivos
são úteis quando se estuda a convergência e a disparidade da percepção da
profundidade).
A estereovisão é, apenas, uma das muitas formas como podemos ver a
profundidade e só funciona em relação a objectos relativamente próximos.
À medida que a distância aumenta, a diferença entre as imagens vai-se
tornando tão pequena que estas acabam por ficar praticamente iguais. Para
distâncias superiores a seis metros tudo se passa como se nos servíssemos
de um único olho.
O cérebro precisa de saber qual é o olho que vê uma determinada imagem,
de outro modo a percepção da profundidade tornar-se-ia ambígua. Também
deixaria de produzir efeito a reversão de imagens tem lugar nos
estereoscópios e pseudoscópios. Mas (facto estranho!) é virtualmente
impossível dizer qual dos olhos está a funcionar. Se bem o mecanismo da
sensação de profundidade identifique de forma bastante exacta um e outro
olho, esta informação não é fornecida à consciência.
Se as imagens apresentadas aos dois olhos são muito diferentes (ou se a
diferença entre os pontos de observação de um objecto é tão grande, que
os aspectos característicos deste último ficam muito fora do limite
dentro do qual a sobreposição é impossível), nota-se um efeito curioso e
muito típico. Cada olho, por sua vez, rejeita a sua imagem, de modo que
se produz uma flutuação contínua. Partes de cada uma das imagens são,
sucessivamente, combinadas de várias maneiras e rejeitadas. É a chamada
«rivalidade da retina». A rivalidade também ocorre, se são apresentadas
aos dois olhos cores diferentes, posto que uma sobreposição de que
resultam cores mistas possa verificar-se durante breves períodos.
Desconhece-se como o computador cerebral trabalha quando está a converter
em profundidade as diferenças existentes entre as imagens que lhe são
fornecidas. Todavia, é possível mostrar qual o tipo de informação usado
por tal computador. Pode-se conseguir isto por meio de um artifício de
fotografia, colocando o negativo de uma das imagens de um par
estereoscópico sobre um positivo transparente obtido a partir do negativo
da outra imagem. Nas partes em que as duas imagens são idênticas não
passa qualquer luz, mas a existência de qualquer diferença permitirá a
sua passagem. O resultado é uma fotografia em que só figuram diferenças,
como aquela que constitui a figura 4.13. Será de notar a perda quase
total, durante o processo, da informação contida na fotografia original.
Esta rejeição de informação poupa ao computador enorme trabalho (Figura
4.13 - Esta figura e a seguinte mostram como o cérebro utiliza a
disparidade para avaliar a profundidade. Na parte de baixo vemos o que se
passa quando uma das fotografias de um par de fotografias estereoscópicas
é eliminada, por meio de um artifício fotográfico, da outra fotografia
par. Esta «diferença fotográfica» corresponde à disparidade da informação
— a diferença existente entre as imagens dos dois olhos. Figura 4.14 e
figura 4.15 - Sobrepondo ao positivo (em baixo) de uma fotografia
estereoscópica o negativo (à direita) do seu par, obtém-se a «diferença
fotográfica» da figura 4.13. É possível que o cérebro faça qualquer coisa
de muito semelhante rejeitando, nesta fase, toda a informação excepto a
relacionada com a profundidade).

Relação entre a convergência e a profundidade estereoscópica


Chegamos agora a um aspecto notável da percepção estereoscópica da
profundidade. Há um laço estreito entre os dois mecanismos muito
diferentes que acabam de ser descritos: primeiro, a convergência dos
olhos actuando como um telémetro; segundo, a diferença entre as duas
imagens dando a profundidade. O ângulo de convergência ajusta a escala do
sistema de disparidade. Quando os olhos fixam um objecto distante, toda e
qualquer disparidade entre as imagens é considerada como representando
uma maior diferença de profundidade do que quando os olhos convergem para
a visão próxima.
Se isto não acontecesse, objectos distantes pareceriam mais juntos em
profundidade do que objectos próximos igualmente intervalados, porque a
disparidade correspondente a uma certa diferença de profundidade é tanto
maior quanto mais próximos estiverem os objectos. Os mecanismos
interligados que compensam esta situação geométrica podem ser vistos
muito facilmente em acção, anulando a convergência sem tocar na dispa-
ridade. Se depois de — por meio de prismas — termos feito os olhos con-
vergir para o infinito, passarmos a observar objectos próximos, estes
parecerão alongados em profundidade. Poderemos ver, assim, a funcionar o
nosso sistema de compensação convergência-disparidade.
Julesz realizou, recentemente, em Bell Telephone Laboratories, uma
engenhosa experiência. Por meio de um computador, produziu dois desenhos
tais que qualquer deles, tomado separadamente, era desprovido de
significação, porque não continha nada que se parecesse com uma estrutura
ou objecto, mas, logo que juntos, reproduziam uma estrutura
estereoscópica. O valor da experiência está em que veio provar que os
mecanismos do cérebro encarregados de realizar o relevo estereoscópico
podem integrar formas provenientes de cada um dos olhos, sintetizar
objectos a partir de dois conjuntos de traços sem significação particular
e criar, para todos os efeitos práticos, uma disparidade. Esta técnica
concebida por Julesz virá, muito provavelmente, a ser importante na
investigação da percepção e é um dos primeiros exemplos da aplicação dos
computadores ao estudo da visão. Pela primeira vez, o computador é
vencido pelo cérebro do homem (Figura 4.16 - Quando um destes dois
conjuntos sem significação é apresentado a um dos olhos e o outro
conjunto ao outro olho, o cérebro funde-os num só que assume o aspecto de
um fundo mal definido precedido por um quadrado. Os desenhos foram
executados por um computador que procedeu às correlações cruzadas
necessárias para separar o quadrado do seu fundo. Julesz, que concebeu a
experiência, usou esta técnica para estudar a aptidão do cérebro para a
recepção da profundidade).

5. O cérebro
O cérebro é mais complicado e mais misterioso que uma estrela. Se,
socorrendo-nos da nossa imaginação e olhando através dos olhos,
examinarmos os mecanismos do cérebro situados por detrás dos órgãos da
visão, poderemos ali descobrir segredos tão importantes como os daquele
mundo que o olho e o cérebro nos revelam.
Nem sempre foi evidente a relação existente entre o cérebro e o
pensamento, com a memória ou a sensação. No mundo antigo — que incluiu as
brilhantes civilizações do Egipto e da Mesopotâmia — o cérebro era
considerado um órgão sem importância. O pensamento e as emoções
atribuíam-se ao estômago, ao fígado e à vesícula biliar. O eco desta
crença ainda é perceptível na linguagem moderna, em palavras como
«fleumático». Quando os Egípcios embalsamavam os seus mortos não se davam
ao trabalho de preservar o cérebro, que era retirado através da narina
esquerda, posto que os outros órgãos fossem conservados separadamente em
canopos, vasos de forma característica, colocados ao lado dos sarcófagos.
Após a morte, o cérebro quase não contém sangue e talvez por isso
parecesse pouco indicado para servir de receptáculo ao Espírito Vital. O
coração, activo e a pulsar, apresentava-se como a sede da vida, do calor
e das sensações — o coração que não o frio, cinzento e silencioso
cérebro, encerrado e escondido na sua caixa óssea.
Pouco a pouco, os efeitos dos acidentes em que o cérebro era atingido
tornaram claro o papel primordial desempenhado por este órgão no comando
e domínio dos membros, da palavra, do pensamento, das sensações e dos
conhecimentos adquiridos pela observação pessoal. Mais tarde, os efeitos
de pequenos tumores e de ferimentos por armas de fogo forneceram
indicações que foram estudadas em pormenor e continuamente trabalhadas.
Os resultados destes estudos revestem-se da maior importância para os
neurocirurgiões, pois enquanto certas zonas são relativamente pouco
sensíveis, outras não podem ser perturbadas sob pena de o doente morrer
ou ficar seriamente diminuído.
O cérebro tem sido descrito como «a única porção de matéria que
conhecemos de dentro para fora». Visto do exterior, é um objecto de um
cinzento-róseo, do tamanho aproximado de dois punhos fechados. As suas
partes principais estão representadas na figura 5.1. Compõe-se da chamada
substância cinzenta e da substância branca, esta última constituída pelas
fibras que ligam entre si os corpos celulares cujo conjunto forma a
substância cinzenta (Figura 5.l - O cérebro mostrando a zona visual — a
area striata — na sua parte posterior (córtex occipital). O estímulo de
áreas muito pequenas faz com que se vejam clarões luminosos nas partes
correspondentes do campo visual. O estímulo das áreas vizinhas (zonas de
associação visual) origina sensações visuais mais complexas).
O cérebro, na sua evolução, tem-se desenvolvido a partir do centro que,
no homem, está relacionado principalmente com a emoção. A superfície — o
córtex — apresenta curiosas circunvoluções. Grande parte das suas funções
diz respeito ao comando dos movimentos dos membros e aos órgãos dos
sentidos. É possível desenhar diagramas que representem a ligação
existente entre certas regiões do córtex e a sensação do tacto,
localizado na pele: o resultado são bizarros «homunculi», como os da
figura 5.2. Ao sentido da visão corresponde uma zona específica do
córtex, como veremos adiante (Figura 5.2 - Um «homunculus» —
representação gráfica que mostra a importância relativa das zonas do
córtex destinadas às sensações provenientes das várias partes do corpo.
De notar as grandes dimensões do polegar. Animais diferentes têm
«homunculi» diferentes, em correspondência com a importância sensorial
das diferentes partes do corpo).
As células nervosas do cérebro são formadas por corpos celulares, cada um
dos quais dotado de um prolongamento comprido e delgado — o axónio — que
transmite o influxo vindo da célula. Os axónios podem ser muito
compridos. Por vezes, vão do cérebro à medula espinal. Os corpos
celulares possuem numerosas outras fibras, estas mais delgadas e mais
curtas — os dendritos — que transmitem os sinais às células (figura 5.3).
As células, com os seus dendritos ligados entre si e os seus axónios —
fibras nervosas — parecem por vezes dispostas ao acaso, mas, em algumas
zonas do cérebro, especialmente na zona da visão, formam fiadas bastante
regulares (Figura 5.3 - Um neurónio. O corpo celular apresenta um longo
prolongamento — axónio ou fibra nervosa — que, isolado pela sua bainha de
mielina, envia pequenos sinais de comando ao músculo. O corpo celular
recebe informações de numerosos e delgados dendritos, uns accionando a
actividade do cérebro, outros inibindo-a. O sistema é um simples elemento
de computador. Os elementos ligados entre si comandam a actividade e
recebem as informações que constituem a percepção).
Os sinais neurónicos são impulsos eléctricos que aparecem quando se
verifica uma variação de permeabilidade iónica na membrana celular
(figura 5.4). Em repouso, o centro da fibra está carregado de
electricidade negativa e, à superfície, de electricidade positiva, mas se
tem lugar uma perturbação, como acontece no momento em que um receptor da
retina é estimulado pela luz, o centro da fibra torna-se positivo e dá
origem a um influxo que percorre o nervo como uma onda. Caminha muito
mais lentamente do que a electricidade ao longo de um fio, pois nas
fibras maiores a sua velocidade é de cerca de cem metros por segundo,
enquanto nas menores não chega a um metro. As fibras espessas, a que
correspondem as velocidades mais altas, possuem um revestimento especial
de gordura — a bainha de mielina — que as isola das suas vizinhas e serve
também para aumentar o coeficiente de condução da acção potencial (Figura
5.4 - O mecanismo da condução eléctrica no nervo. Hodgkin, Huxley e Katz
descobriram que os iões de sódio passam para o interior da fibra e
transformam a sua carga positiva em carga negativa. Os iões de potássio
saem, reconstituindo o potencial de repouso. Estes fenómenos podem
repetir-se até mil vezes por segundo, transmitindo diferenças de
potencial que se propagam ao longo do nervo — os sinais através dos quais
conhecemos o mundo e comandamos os músculos).
Os nervos estão ligados por sinapses — junções onde são libertados
produtos químicos que actuam como disparadores. A maior parte, ou talvez
todos os neurónios, têm sinapses que podem actuar ou como excitadores ou
como inibidores, isto é, que desempenham o papel de verdadeiros
comutadores.
Existe um grande número de técnicas avançadas para o estudo do sistema
nervoso. A actividade eléctrica de células isoladas, ou de grupos de
células, pode ser registada. Zonas há que podem ser estimuladas
electricamente para se provocar não só reacções mas também (em doentes
operados ao cérebro) sensações. É possível descobrir os efeitos da perda
de uma parte do cérebro relacionando as modificações de comportamento que
daí resultam com as zonas atingidas. É, igualmente, possível estudar os
efeitos de medicamentos, ou produtos químicos, aplicados directamente
sobre a superfície do cérebro. Este método está a abrir um importante
campo de investigação, tanto para verificar se novos medicamentos
originam fenómenos fisiológicos secundários pouco desejáveis como para
modificar, directa e propositadamente, o estado do cérebro. É uma maneira
de operar que tem sobre aquela que implica a destruição de zonas parciais
do cérebro a vantagem de as modificações produzidas serem geralmente
reversíveis e facilmente reguláveis, tanto em natureza como em
intensidade.
As técnicas que acabámos de referir, assim como o estudo da maneira como
é feita, por meio de feixes de fibras, a ligação entre diversas zonas,
mostraram claramente que as várias partes do cérebro estão empenhadas em
funções muito diferentes. Mas quando se trata de descobrir como, em cada
uma das zonas, se processam os fenómenos, mesmo as técnicas mais
evoluídas parecem toscas e grosseiras.
Pode pensar-se que a forma mais directa de abordar o estudo do cérebro
consiste em examinar a sua estrutura, estimulá-lo, e registar as suas
reacções. Todavia, tal como acontece com as máquinas electrónicas, não é
aqui nada fácil, pelo simples exame da estrutura, compreender o
funcionamento. Os efeitos da estimulação, ou de ablações de partes do
cérebro e os registos obtidos a partir de um cérebro normal são difíceis
de interpretar desde que se não disponha de um esquema geral do
funcionamento deste órgão. Para que as experiências de estimulação e
ablação de partes do cérebro possam conduzir a resultados seguros é
indispensável efectuar, paralelamente, experiências sobre o seu
comportamento. Os resultados de registos obtidos a partir de células
cerebrais são igualmente do maior interesse quando se dispõe de com-
portamentos com eles relacionados ou de experiências afins. Isto signi-
fica que a psicologia humana e a psicologia animal têm grande impor-
tância, uma vez que é essencial relacionar a actividade cerebral com o
comportamento. Daqui a necessidade de se proceder a experiências
psicológicas especialmente concebidas para se obter tal correspondência.
Como é óbvio, o cérebro é um dispositivo imensamente complexo de células
nervosas, mas, de certo modo, assemelha-se aos aparelhos electrónicos
fabricados pelo homem, de sorte que considerações técnicas de carácter
geral podem ser de utilidade. Tal como um computador, o cérebro recebe
informações e toma decisões de acordo com as indicações que lhe são
fornecidas, mas não é muito semelhante aos actuais computadores
fabricados pelos engenheiros, entre outras razões, porque já existe um
grande número de cérebros humanos de que é possível dispor a preços muito
razoáveis. Acresce ainda que há um método fácil e muito conhecido para a
produção de seres humanos. De tudo resulta serem os computadores
concebidos e construídos para funcionarem de forma diferente.
É mais fácil construir uma máquina capaz de resolver problemas de lógica
ou de matemática (ou de aprender línguas e fazer traduções) do que uma
máquina capaz de ver. O problema da construção de máquinas capazes de
reconhecerem desenhos foi resolvido por diferentes processos, mas apenas
para um número limitado de padrões. Até à data, ainda não foi encontrada
uma solução satisfatória e nada existe que se compare ao sistema de
percepção do homem quanto à gama e velocidade das percepções. É, em
parte, por esta razão que o estudo pormenorizado da percepção humana se
torna importante. Tudo quanto sobre ela pudermos aprender poderá vir a
ser útil quando tentarmos descobrir processos de a reproduzir em
máquinas. Uma tal descoberta seria valiosíssima. Poderia ser aplicada
para os fins mais diversos, desde a simples leitura de livros e
documentos até à exploração do espaço por autómatos.
Uma das dificuldades com que depara quem procura compreender o
funcionamento do cérebro é que não há nada a que este se assemelhe mais
do que a uma porção de «porridge» (aveia fervida lentamente em água ou
leite até se transformar numa papa mais ou menos consistente). Quando se
trata de sistemas mecânicos, é geralmente possível adivinhar, com
razoável exactidão, a função, examinando a estrutura das partes. Isto
continua a ser verdadeiro para a quase totalidade do corpo. Os ossos dos
membros são vistos como alavancas e as posições de inserção dos músculos
determinam claramente as suas funções.
Os sistemas mecânicos e ópticos têm partes cujas formas exteriores estão
estreitamente relacionadas com as funções que desempenham, facto que
permite deduzir, ou pelo menos adivinhar, a função a partir da forma.
Assim, foi possível a Kepler adivinhar, guiando-se pela forma, que aquela
parte do olho a que chamavam, no seu tempo, o «cristalino» era, na
realidade, uma lente. Foi também relativamente fácil a Scheiner descobrir
a imagem, porque sabia onde a procurar. Infelizmente, o cérebro apresenta
um problema muito mais difícil, quanto mais não seja porque a forma e a
disposição dos seus componentes são de bem pouca importância para o
desempenho das suas funções. Quando a função não se reflecte na estrutura
não é, olhando para a segunda, que podemos deduzir a primeira. É, então,
indispensável recorrer a técnicas complexas.
A actividade eléctrica registada pelos fisiologistas é muito importante.
O mal está em que é dificílimo obter, ao mesmo tempo, informações
pormenorizadas de mais do que algumas células. Os problemas de ordem
técnica são imensos.
A concepção dos aparelhos pode estar subordinada a considerações
industriais. Suponhamos que a construção de certo aparelho se afigura
industrialmente possível, mas que esse aparelho apresenta determinadas
limitações. Se experiências realizadas em seres humanos ou em animais
mostrarem existir neles limitações semelhantes pode acontecer que estas
experiências venham confirmar hipóteses que talvez tenham tido origem em
considerações de ordem técnica. Em especial, certas experiências sobre as
percepções podem ser instrumentos importantes para a descoberta de
modelos de aparelhos que reproduzam funções cerebrais e para pôr à prova
o valor de tais modelos. Olhando através dos olhos, o cérebro vê o mundo
exterior. Olhando em sentido contrário, mediante experiências adequadas,
podemos ver o cérebro, e vê-lo como um sistema funcional limitado por
considerações físicas e mecânicas.

As regiões visuais do cérebro


O sistema neurónico sobre que assenta a visão principia nas retinas.
Estas, como vimos, são essencialmente excrescências do cérebro, que
contêm células cerebrais típicas bem como detectores especializados
sensíveis à luz. As retinas são efectivamente divididas ao meio,
verticalmente, em duas partes: as fibras retinianas dos lados externos
vão dar ao mesmo lado da parte posterior do cérebro enquanto que as dos
lados internos, nasais, cruzam-se logo por trás dos olhos — no quiasma
óptico — e vão dar aos lados opostos da parte posterior do cérebro
(figura 5.5 - Os trajectos das vias ópticas do cérebro. O nervo óptico
divide-se no quiasma; a metade da direita de cada retina está ligada ao
lado direito e a metade da esquerda de cada retina ao lado esquerdo do
córtex occipital. Os corpos geniculados laterais funcionam como «relais»
entre os olhos e o córtex visual). Esta região visual da parte posterior
do cérebro é conhecida por area striata, nome que lhe veio do seu
aspecto, por ter as células dispostas em estrias (frontispício).
O cérebro, considerado como um todo, está dividido ao meio e forma dois
hemisférios que são, na realidade, cérebros mais ou menos completos,
ligados por um espesso feixe de fibras, o corpo caloso, e por outro feixe
menor, o quiasma óptico. Vindas do quiasma, as vias ópticas passam, em
cada hemisfério, por um «relais» — o corpo genículado lateral.
A região central da area striata é conhecida por «área de projecção
visual». Quando uma pequena parte dela é estimulada, o ser humano que se
sujeitou à experiência afirma ter visto um clarão luminoso. Se o
eléctrodo estimulador muda ligeiramente de posição, o clarão é observado
noutra parte do campo visual. Parece, assim, existir uma representação
espacial das retinas sobre o córtex visual. A estimulação de zonas
vizinhas da area striata também origina sensações visuais, mas as
sensações são agora mais complexas do que simples clarões luminosos.
Podem aparecer balões de cores brilhantes a flutuar num céu sem fim. Mais
longe, a estimulação pode despertar recordações visuais e até fazer
aparecer, diante dos olhos, cheias de vida, cenas inteiras.
Entre as descobertas recentes mais sensacionais há que mencionar as de
dois fisiologistas americanos, Hubel e Wiesel, que registaram a activi-
dade de células isoladas da área visual do cérebro do gato, quando são
apresentadas ao animal formas visuais simples. Estas formas foram, geral-
mente, fitas luminosas projectadas, mediante diapositivos, num ecrã
colocado diante do gato. Hubel e Wiesel verificaram que certas células só
eram activas quando a fita luminosa era observada pelo gato sob certo
ângulo. Sob esse ângulo específico, a célula cerebral «disparava»
lançando longas salvas de impulsos, enquanto sob outros ângulos
permanecia «silenciosa». Células diferentes reagiam sob ângulos
diferentes. As células situadas nas camadas mais profundas do cérebro
reagiam menos especificamente, respondiam a características mais
generalizadas, eram accionadas fosse qual fosse a parte da retina
estimulada pela luz. Outras células, porém, só eram accionadas pelo
movimento, e só por movimento realizado em certa direcção (figura 5.6).
Estas descobertas são da maior importância, porque provam a existência,
no cérebro, de mecanismos analíticos que seleccionam certas
características dos objectos (Figura 5.6 - Hubel e Wiesel descobriram que
determinadas células, isoladas do cérebro do gato, entram em
funcionamento quando o olho do animal detecta um movimento realizado em
determinada direcção. As setas mostram as várias direcções do movimento
de uma fita luminosa apresentada aos olhos. Os registos eléctricos
revelam que este tipo de célula só dispara se o movimento se realizar em
certa e determinada direcção. Figura 5.7 - Registos obtidos por Hubel e
Wiesel a partir de células isoladas do córtex visual do gato. A linha
(que se vê à esquerda) foi apresentada ao gato sob várias orientações.
Uma certa e determinada célula só funciona para uma certa e determinada
orientação. É o que se verifica examinando as oscilações apontadas no
registo).
É bem verdade existirem «imagens mentais», mas isso não significa que
existam imagens electrónicas correspondentes no cérebro. Também é
possível representar coisas por meio de símbolos, mas os símbolos são,
geralmente, muito diferentes daquilo que representam. A noção de imagens
cerebrais é, no plano conceptual, uma noção perigosa. Sugere que estas
pretensas imagens são, elas próprias, vistas por meio de um olho inte-
rior, o que implica a existência de um outro olho, depois de uma outra
imagem, e assim por diante.
De qualquer forma, não é possível supor que os sons, os cheiros e as
cores possam ser apresentados por imagens formadas no cérebro: têm,
necessariamente, de ser codificadas de outra forma. Temos todas as razões
para crer que as tramas nascidas na retina são apresentadas por combina-
ções codificadas de actividades celulares. Hubel, Wiesel e outros
electrofisiologistas estão a principiar a descobrir o código usado.
O objectivo principal deste livro não é estudar a actividade electrónica
— ou, para o caso, qualquer outra actividade — do cérebro. O nosso
objectivo principal é estudar os fenómenos de percepção e as experiências
concebidas com o fim de descobrir os vários aspectos desta percepção. Em
última análise, todos estes estudos hão-de acabar por se confundir com o
estudo da fisiologia. Quando isto acontecer, teremos conseguido um
conhecimento mais profundo do olho e do cérebro.

6. A percepção do brilho
Há quem diga existir uma tribo primitiva de criadores de gado em cuja
linguagem não figura uma palavra que designe a cor verde, mas que possui
seis palavras para nomear diferentes tonalidades de vermelho. Em todos os
domínios, os especialistas adoptam, para seu próprio uso, significações
especiais. Antes de nos embrenharmos numa discussão acerca do brilho e da
cor, convém que nos detenhamos um momento a fim de precisarmos o
significado de algumas palavras tal como um carpinteiro, antes de
executar um trabalho delicado, pára para afinar a sua ferramenta.
Falámos da intensidade da luz que, entrando no olho, gera o brilho. A
intensidade é a energia física da luz que pode ser medida com fotómetros
de várias espécies, um dos quais, muito conhecido, é usado pelos
fotógrafos. O brilho é algo de que tomamos conhecimento através da
observação repetida.
Julgamos saber o que uma outra pessoa quer dizer, quando a ouvimos
exclamar: «Que dia tão claro!» Com essas palavras ela está a referir-se
não só ao facto de lhe ser possível tirar fotografias com um filme lento,
mas ainda a uma sensação de deslumbramento que dela se apodera. Essa
sensação está um tanto ou quanto, mas apenas um tanto ou quanto,
relacionada com a intensidade da luz que penetra nos olhos.
Em geral, quando falamos da visão das cores não nos referimos
propriamente a «cores» mas antes a «tonalidades». A ideia é, simples-
mente, o evitar uma dificuldade. As «cores» tendem a indicar sensações a
que podemos dar nomes específicos, como «vermelho» ou «azul». Por isso
preferimos dizer, em linguagem técnica, «tonalidades espectrais», em vez
de «cores espectrais», mas nem sempre isto é necessário. A distinção
intensidade-brilho é muito mais importante.
Outra distinção a ter em conta é a de «cor-sensação» e «cor comprimento
de onda» (ou conjunto de comprimentos de onda) da luz que entra no olho.
Em rigor, a luz, em si própria, não é colorida. Dá lugar a sensações de
brilho e cor, mas unicamente em conjunção com um olho e um sistema
nervoso adequados. A linguagem técnica é, neste capítulo, um tanto
confusa. É certo falarmos por vezes de «luz colorida», por exemplo, de
«luz amarela», mas então a precisão não é grande. Devemos subentender:
luz que, geralmente, produz uma sensação a que a grande maioria das
pessoas chama «amarelo».
Sem tentar explicar como as intensidades e os comprimentos de onda das
radiações dão origem a sensações diferentes — tudo ponderado não
saberíamos responder, se a pergunta nos fosse posta — temos que
compreender da forma mais clara que sem vida não poderia haver brilho ou
cor. Antes da vida começar, tudo era silêncio — mesmo que as montanhas se
desmoronassem.
A mais simples das sensações visuais é a claridade. É impossível
descrever esta sensação. Um cego desconhece-a por completa e, no entanto,
para nós outros, a realidade é feita de claridade e de cor. A escuridão,
sensação oposta, é igualmente poderosa. Costumamos falar de um compacto
muro de escuridão que nos oprime, mas para o cego também isto nada
significa. A sensação que nos vem da ausência de luz é a escuridão, mas o
cego está visualmente adormecido, morto. Quando nos aproximamos mais do
mundo dos cegos, aí onde não existem luz nem trevas, é quando pensamos na
região que fica para trás das nossas cabeças. Não é a escuridão que
sentimos por trás de nós. É grande a diferença existente entre uma e
outra situação.
O brilho não está unicamente relacionado com a intensidade da luz que
atinge a retina. A claridade correspondente a uma determinada intensidade
depende do estado de adaptação do olho e, ainda, de condições complexas
que regulam o «controle» dos objectos ou manchas de luz. Por outras
palavras: o brilho é função não só da intensidade da luz que atinge, em
determinado momento, uma determinada zona da retina mas ainda da
intensidade da luz a que a retina esteve sujeita em passado recente e das
intensidades luminosas que afectam outras zonas da retina.
A adaptação à obscuridade
Se os olhos forem mantidos na obscuridade durante certo tempo, tornar-se-
ão mais sensíveis e uma mesma luz parecerá mais brilhante. Esta chamada
adaptação à obscuridade verifica-se durante os primeiros minutos de
escuridão. As células receptoras em forma de cone e de bastonete adaptam-
se a velocidades diferentes: a adaptação dos cones completa-se em cerca
de sete minutos enquanto a dos bastonetes se prolonga por uma hora ou
mais. Examinando a figura 6.2, verifica-se que existem, na realidade,
duas curvas de adaptação: uma para os bastonetes e a outra para os cones.
Tudo se passa como se tivéssemos não uma mas, sim, duas retinas, estas
misturadas uma com a outra no olho (Figura 6.2 - O aumento da
sensibilidade do olho na escuridão, chamado adaptação à obscuridade. A
curva vermelha mostra como é feita a adaptação dos cones e a curva negra
como se processa a adaptação dos bastonetes, que é mais lenta e resulta
numa maior sensibilidade. Quando a luz é fraca, só os bastonetes actuam.
É provável que deixem de funcionar se a luz for forte. Neste caso, são os
cones que entram em acção).
Os pormenores dos mecanismos de adaptação à obscuridade começam a ser
conhecidos, facto que, em grande parte, se deve às experiências
engenhosas, e tecnicamente brilhantes, do fisiologista britânico W. A. H.
Rushton. Muitos anos atrás, foi posta a hipótese de a adaptação ser
devida a uma regeneração dos pigmentos visuais descoloridos pela luz,
descoloração que, por um processo não conhecido, estimularia os
receptores a fim de transmitirem os sinais eléctricos ao nervo óptico.
Conseguiu-se extrair a rodopsina — substância fotoquímica — do olho da
rã, mediu-se a sua densidade à luz no decurso da descoloração e da
recoloração e compararam-se as curvas obtidas com as que traduzem a
adaptação à obscuridade, no homem. As duas curvas estão representadas
juntas na figura 6.4 e, na verdade, há entre elas grande correspondência,
o que sugere a possibilidade de existir uma íntima relação entre a foto-
química da rodopsina e a sensibilidade variável da parte do olho formado
pelos bastonetes (Figura 6.4 – A base química da visão. A curva a preto
mostra a sensibilidade do olho humano, quando adaptado à obscuridade, aos
vários comprimentos de onda da luz. Os pontos vermelhos mostram a
quantidade de luz absorvida pela rodopsina fotoquímica do olho da rã para
a mesma gama de comprimentos de onda. As curvas são substancialmente
idênticas e indicam que o olho humano, quando adaptado à obscuridade,
funciona por absorção da luz e recorrendo ao mesmo processo fotoquímico).
Pareceria igualmente estar o brilho relacionado com a quantidade de
substância fotoquímica submetida à descoloração. Os trabalhos de Rushton
permitiram medir directamente a densidade da substância fotoquímica no
olho vivo durante a adaptação à obscuridade ou a qualquer luz colorida
escolhida para ser utilizada durante a experiência. A técnica consiste
essencialmente em projectar para dentro do olho um forte clarão de curta
duração e em medir, por meio de uma célula fotoeléctrica ultra-sensível,
a quantidade de luz reflectida. De início, parecia impossível operar
desta forma com o olho humano, por ser mínima a quantidade de luz
reflectida após a absorção quase total feita pelas substâncias
fotoquímicas e pelo pigmento negro existente por detrás dos reflectores.
Houve que deitar mão do olho do gato em cuja parte posterior existe uma
camada reflectora — o tapetum — que pode ser utilizada como um espelho
para reflectir a luz sobre a célula fotoeléctrica. O método resultou bem
quando aplicado ao olho do gato e, depois disso, Rushton conseguiu
aperfeiçoá-lo, de modo a aumentar-lhe a sensibilidade, vindo então a
detectar e a medir a fraquíssima luz reflectida pelo olho humano.
Descobriu que a adaptação é acompanhada por uma descoloração das
substâncias fotoquímicas e que é logarítmica a relação existente entre a
energia estimuladora e a quantidade de substância fotoquímica descorada.
Posteriormente, Rushton detectou pelo mesmo método os pigmentos sensíveis
à cor.

O contraste
É este outro factor que afecta o brilho e a intensidade luminosa das
zonas vizinhas. Uma dada área parece mais clara se estiver rodeada de
sombras e determinada cor mais intensa se tiver por fundo a sua cor
complementar. O fenómeno está, sem dúvida, relacionado com o cruzamento
de ligações nos receptores. A acentuação do contraste parece ligada à
importância que, geralmente, assumem na percepção os contornos. Há razões
para crer que os primeiros sinais recebidos no cérebro são os que
traduzem a existência de contornos, enquanto que as regiões de
intensidade constante não requerem muitas informações. O sistema visual,
pelo que diz respeito às áreas entre contornos, recorre a uma
extrapolação, o que, sem dúvida, poupa às partes periféricas do sistema a
necessidade de transmitir um certo número de informações, mas, a seguir,
aumenta a complexidade do trabalho a executar pelo cérebro. O processo é
conhecido por inibição lateral. Posto que os fenómenos de contraste e do
reforço dos contornos sejam, quase com certeza, devidos principalmente
aos mecanismos retinianos, tudo indica existirem contribuições
provenientes de partes mais centrais. Isto é posto em evidência na figura
6.1 que mostra um contraste muito nítido: o anel uniformemente cinzento
aparece mais claro quando é visto sobre o fundo negro do que quando visto
sobre o fundo branco. Este efeito é muito mais acentuado quando um fio
delgado é colocado sobre o anel, de modo a tornar contínua a separação
entre os dois fundos, isto é, o contraste aumenta quando a figura é
interpretada como sendo composta de duas metades em vez de um todo único.
Isto sugere haver participação de factores cerebrais centrais (Figura 6.1
- Contraste simultâneo. A parte do anel cinzento que é vista sobre um
fundo negro aparece um tanto mais clara do que o resto que é visto sobre
um fundo branco. Este efeito é realçado se sobre o anel, e ao longo da
linha de separação, entre o branco e o preto, for colocado um fio).
O chamado paradoxo de Fechner revela uma parte da complexidade e
sensibilidade do sistema do brilho no homem. O paradoxo pode consistir no
seguinte: coloquemos diante dos olhos uma pequena, mas bastante intensa
fonte luminosa; o olho enfrentará certa claridade e, quando a luz se
acender, a pupila fechar-se-á até determinado diâmetro. Juntemos agora
uma segunda fonte luminosa, mais fraca do que a primeira, mas coloquemo-
la a alguma distância desta última de modo que venha a ser estimulada
outra região da retina. Que acontece? Posto que a intensidade total tenha
aumentado com a adição da segunda luz, verifica-se que a pupila, ao
contrário do que seria de esperar, não se fecha mais do que estava: abre-
se até corresponder a uma intensidade entre a da primeira e a da segunda
fonte luminosa. É evidente estar a ser accionada não pelo total, mas,
sim, pela média de iluminação. Desconhecemos inteiramente como isto se
processa.
Experimente fechar um olho, procurando notar qualquer mudança de brilho.
Não existe, na prática, a menor diferença, quer seja um olho quer sejam
ambos a receber a luz. Não é, todavia, o que acontece quando pequenas e
fracas luzes são observadas na escuridão: estas parecem,
indubitavelmente, muitíssimo mais brilhantes vistas com os dois olhos do
que com um só. Trata-se de um fenómeno que ainda ninguém foi capaz de
explicar.
O brilho é função da cor. Se projectarmos luzes de cores diferentes mas
da mesma intensidade nos nossos olhos, as cores da parte média do
espectro parecerão mais brilhantes do que as extremas. É o que mostra a
figura 6.5, cuja curva é conhecida por curva espectral de luminosidade
(Figura 6.5 - A figura mostra como a sensibilidade do olho para os vários
comprimentos de onda do espectro varia quando o olho está adaptado à luz.
A curva preta mostra a adaptação da sensibilidade à obscuridade e a curva
vermelha põe em evidência a forma como esta muda ao longo do espectro,
com a adaptação à luz, quando os cones substituem os bastonetes nas suas
funções. É a chamada deslocação de Purkinje). Na prática, isto tem certa
importância, porque para que a luz de um sinal de perigo seja claramente
visível terá de ser de uma das cores para as quais o olho dispõe de um
máximo de sensibilidade — de uma das cores da parte média do espectro. O
assunto complica-se, porque as curvas de sensibilidade para os bastonetes
e para os cones são um tanto diferentes. A sua forma geral é a mesma, mas
a cor a que os cones são mais sensíveis é o alaranjado e a cor a que os
bastonetes são mais sensíveis é o verde. (Daqui a conveniência de se
pintarem de verde as paredes das câmaras escuras de fotografia, porque
assim o olho recebe luz mais efectiva e a película é relativamente pouco
afectada.) A curva de luminosidade pouco nos diz quanto à visão
cromática. Exprime a sensibilidade à luz, em função do comprimento de
onda da própria luz, mas sem qualquer referência às cores vistas em cada
comprimento de onda. Os animais destituídos de visão cromática apresentam
uma curva de luminosidade semelhante.
Parece que, não obstante a existência de mudanças fotoquímicas associadas
à adaptação à luz, vários mecanismos neurónicos, e não fotoquímicos,
intervêm no processo. Em particular o olho, à medida que se adapta à
escuridão, perde acuidade, no espaço e no tempo, para ganhar
sensibilidade. Com a adaptação à obscuridade desaparece a faculdade de
discriminar pequenos pormenores. O que se passa não é qualquer coisa de
simples, mas uma parte das transformações é devida ao facto de a retina
passar a integrar energia sobre uma área mais vasta, sobre um maior
número de receptores. À medida que o olho se adapta à obscuridade,
aumenta também o tempo durante o qual a energia pode ser integrada.
A troca de discriminação temporal por sensibilidade com a adaptação à
obscuridade pode ser observada de forma muito engenhosa, ainda que
indirectamente, quando tem lugar um fenómeno impressionante e curioso: o
efeito do pêndulo de Pulfrich. Um aspecto nada vulgar deste efeito é a
sua própria descoberta, uma vez que não pode ser observado senão fazendo
uso de dois olhos e que o homem que o descobriu só tinha um. Vale, porém,
a pena tentar a experiência. Basta arranjar um bocado de fio e um peso
para se ter um pêndulo de alguns decímetros de comprimento. Balança-se,
então, o pêndulo segundo um arco de círculo perpendicular à linha de
visão e observam-se as oscilações do peso com ambos os olhos, mas tendo o
cuidado de tapar um deles com um vidro escuro que não opaco. (Um meio par
de óculos de sol ou um bocado de filme já exposto serve perfeitamente.)
Verifica-se que o pêndulo não parece balançar segundo um arco de círculo,
mas, sim, descrever uma elipse. A elipse pode apresentar-se extremamente
excêntrica — o seu eixo maior pode mesmo encontrar-se ao longo da linha
da visão quando, na realidade, o pêndulo oscila perpendicularmente a esta
linha.
Qual a causa deste estranho efeito? Ao reduzir a luz, o vidro escuro
adaptou à obscuridade o olho que cobria. Tal adaptação teve como
resultado um atraso na mensagem que, vinda do olho, se dirigia ao
cérebro, muito embora o outro olho não fosse afectado. Este retardamento
fez com que o olho afectado visse o peso do pêndulo ligeiramente no
passado e, à medida que o pêndulo aumentava de velocidade na parte média
da sua trajectória, este retardamento foi-se tornando cada vez mais
importante, porque o olho coberto pelo filtro via o pêndulo numa posição
cada vez mais atrás da posição indicada no cérebro pelo olho livre. Esta
diferença de posição efectiva gerou uma elipse orientada em profundidade.
Para o cérebro tudo se passou exactamente como se o pêndulo tivesse
oscilado segundo uma elipse. É o que se pode ver examinando a figura 6.3.
Parece que o aumento de retardamento que acompanha a adaptação à
obscuridade está associado a um aumento de tempo necessário para que a
energia seja integrada pela retina, tal como quando um fotógrafo utiliza
um tempo de exposição mais longo em luz fraca. Podemos verificar o mesmo
efeito contemplando o comprimento sempre crescente da «cauda do cometa»
produzida por uma peça móvel de fogo de artifício à medida que se
processa, no escuro, a adaptação à obscuridade (Figura 6.3 - O pêndulo de
Pulfrich. Um pêndulo que oscila segundo um arco de círculo perpendicular
à linha da visão é observado com ambos os olhos abertos, estando, porém,
um deles coberto por um vidro escuro mas não opaco. O pêndulo parece
descrever uma elipse. A ilusão provém do retardamento sofrido pelos
sinais provenientes do olho parcialmente adaptado à obscuridade em
virtude da existência do vidro colorido. O aumento de separação efectiva
dos dois olhos na parte média da oscilação é interpretado com uma
diferença de distância que dá origem a uma elipse).
O aumento do atraso das mensagens que vão da retina ao cérebro tal como o
aumento do tempo de integração que isto permite tem um interesse de ordem
prática. O atraso das mensagens da retina aumenta o tempo que levam a
reagir os condutores que guiam numa semiobscuridade e o aumento do tempo
de integração dificulta a localização exacta de objectos em movimento.
Deixa de ser possível, nos desportos, jogar convenientemente e a ordem do
árbitro «Interrompam o jogo: a luz já não é suficiente» é ouvida muito
antes que os espectadores hajam dado conta de que já é sol-posto.

A sensibilidade do olho à luz


À medida que a intensidade da luz aumenta, aumenta também o nível de
disparo dos receptores (condições requeridas para que os receptores
entrem em acção), sendo de notar que a intensidade é traduzida pelo nível
de disparo. Infelizmente, não é possível registar a actividade eléctrica
dos receptores do olho de um vertebrado, porque ali a retina está
«voltada ao contrário» de modo que um eléctrodo não poderia chegar até
ela sem causar largos estragos. No momento em que o nervo óptico é
alcançado já os sinais se tornaram mais complexos devido às interligações
existentes nas camadas de células nervosas da retina. Existe, todavia, um
olho — o olho de um fóssil vivo, o caranguejo -ferradura, o Limulus, que
vive na costa oriental dos Estados Unidos — em que os receptores estão
directamente ligados a fibras nervosas separadas. Este dispositivo
especial do olho do antiquíssimo Limulus tem-se revelado da maior
utilidade, ainda que certamente não haja sido concebido para o fim para
que é agora aproveitado. A figura 6.6 mostra a actividade eléctrica de
uma fibra nervosa do olho do Limulus. Verificou-se que o nível de disparo
dum receptor do Limulus está para a intensidade luminosa numa relação que
é, aproximadamente, logarítmica. É o que mostra a figura 6.8.
O primeiro registo (figura 6.6) indica o baixo nível de disparo depois de
o olho ter estado durante um minuto na obscuridade. O outro registo
(figura 6.7) mostra o nível de disparo a aumentar à medida que o olho
permanece na obscuridade durante um maior espaço de tempo. Isto
corresponde à sensação de aumento de claridade que sentimos depois de
termos estado durante algum tempo na escuridão.
(Figura 6.6 - A figura mostra, registada num osciloscópio, para três
intensidades de luz, a actividade eléctrica de uma única fibra do nervo
óptico do Limulus. O nível de descarga ou de disparo é, de forma
aproximada, proporcional ao logaritmo da intensidade. Figura 6.7 - A
figura mostra o nível de descarga ou de disparo depois de permanências de
durações variáveis na obscuridade. O nível de disparo aumenta com o
acréscimo de adaptação à obscuridade, que corresponde a um aumento de
brilho aparente, se bem que a intensidade real da luz permaneça
invariável. Figura 6.8 - Esta figura tem por base os géneros de registos
representados em 6.6 e 6.7. O nível de disparo ou descarga está
representado em função do logaritmo da intensidade. O resultado é uma
linha quase recta, o que prova a existência de uma relação logarítmica
entre o nível de disparo e a intensidade, desde que a adaptação permaneça
constante.)
O que acontece quando olhamos para uma luz muito fraca num quarto em que
não existe qualquer outra luz? Poderíamos supor que, na ausência de luz,
não existe qualquer actividade que atinja o cérebro e que, quando
determinada luz aparece, a retina dá sinal da sua presença e essa luz
passa a ser vista. Mas as coisas não se passam de forma tão simples.
Mesmo quando a ausência de luz é completa, a retina e o nervo óptico não
estão inteiramente inactivos. Existe sempre uma certa quantidade de
actividade nervosa residual que chega até ao cérebro, mesmo quando não há
estimulação do olho pela luz. É o que provam os registos, obtidos
directamente, das actividades do nervo óptico de um olho de gato
completamente adaptado à escuridão, e temos boas razões para crer que o
mesmo acontece quando se trata do olho humano ou de qualquer outra
espécie de olho.
A existência dum fundo contínuo de uma actividade fortuita, casual, é
muito importante. O olho é dotado de uma sensibilidade impressionante
(podemos ver um raio de luz tão fraco que a sua detecção por qualquer dos
instrumentos fabricados pelo homem seria difícil), mas o olho poderia ser
ainda mais sensível se não existisse a actividade de fundo do aparelho
visual, actividade que põe ao cérebro um problema contínuo.
Suponhamos que chegam ao cérebro alguns impulsos nervosos. Serão devidos
à entrada da luz no olho ou serão apenas um simples «ruído» espontâneo do
sistema? O problema do cérebro consiste em «decidir» se a actividade
neurónica corresponde a acontecimentos exteriores ou se representa um
simples «ruído» que convém ignorar. É uma situação muito conhecida dos
técnicos de telecomunicações, porque todos os detectores muito sensíveis
estão sujeitos a ruídos parasitas que limitam sempre a sua sensibilidade.
Existem processos para diminuir os efeitos prejudiciais dos ruídos,
processos estes que vêm sendo aplicados, com bons resultados, pelos
radiastrónomos e na detecção de pequenos tremores de terra. O ruído
mascara as origens do rádio no espaço e na Terra da mesma forma que
mascara e baralha fracos sinais visuais. O olho recorre a certas medidas
para reduzir o efeito dos ruídos, principalmente ao aumento do tempo de
integração dos sinais (como vimos reflectido no efeito de Pulfrich) e à
exigência de várias confirmações por meio de sinais provenientes de
outros receptores que actuam como testemunhas independentes.
Uma das leis mais antigas da psicologia experimental é a lei de Weber.
Diz-nos ela que a menor diferença de intensidade que somos capazes de
detectar é directamente proporcional à intensidade do fundo. Por exemplo,
se acendermos uma vela num quarto fortemente iluminado, dificilmente
notaremos qualquer alteração, mas se o quarto de início estiver mal
iluminado, por exemplo, se estiver iluminado por apenas algumas outras
velas, a vela adicional dará lugar a uma acentuada mudança. Na prática,
somos capazes de notar uma variação de intensidade correspondente a cerca
de um por cento da iluminação do fundo. A lei exprime-se do seguinte
modo: delta vezes I a dividir por I igual a constante (em que delta
corresponde à pequena intensidade adicional em relação à intensidade do
fundo I). Mas nesta lei, que é perfeitamente aplicável a uma extensa gama
de intensidade de fundo I, deixa de ser válida quando se trata de fracas
intensidades. É o que podemos verificar na figura 6.9, onde, se a lei de
Weber fosse verdadeira até à intensidade zero, teríamos uma linha recta
horizontal a indicar a invariabilidade da intensidade diferencial mínima
detectável, IÑ/I, para todos os valores de I. Na realidade, o que nos
aparece no gráfico é uma linha cheia a indicar um aumento acentuado da
relação delta vezes I a dividir por I, à medida que a intensidade do
fundo se vai tornando mais fraca. A quebra fica amplamente explicada se
entrarmos em linha de conta com a actividade residual das células da
retina na ausência de luz. Para o cérebro, a actividade residual é o
exacto equivalente de uma luz fraca e mais ou menos constante
acrescentada ao fundo. Podemos calcular o seu valor em função da
intensidade luminosa equivalente extrapolando para a esquerda, para aquém
da origem, e lendo sobre o eixo dos yy do gráfico o valor correspondente
(Figura 6.9 - A lei de Weber (delta I a dividir por I=C). Exprimindo
delta I em função de I obtemos, para uma extensa gama de valores de I,
uma linha recta horizontal, mas a lei deixa de ser verdadeira para fracas
intensidades, quando delta I a dividir por I tem de aumentar para ser
possível a detecção. Exprimindo delta I em função de I, obtemos uma linha
que é quase recta até aos pequenos valores de I, o que indica a
existência de uma constante, k, oculta no denominador. Podemos, pois,
traduzir a lei pela fórmula delta vezes I a dividir por I+k=C em que k
parece estar relacionado com o ruído neurónico de fundo que aumenta com o
envelhecimento).
Esta constante oculta, k, pode ser atribuída ao «ruído» da retina.
Existem provas de que os ruídos internos do aparelho visual aumentam com
a idade: de facto, a elevação do nível dos ruídos é, indubitavelmente, um
dos factores que, com a idade, dá lugar à perda gradual de toda a
discriminação visual.
A ideia de que a discriminação é limitada pelo ruído no sistema nervoso
leva a conclusões importantes. Faz pensar ser falsa a velha concepção da
existência de um limiar de intensidade que os estímulos têm de transpor
antes de exercerem qualquer acção sobre o sistema nervoso. Hoje, admite-
se que todos os estímulos têm efeito sobre o sistema nervoso, mas que só
são aceites como sinais correspondentes a acontecimentos exteriores
quando é improvável representar a actividade neurónica que os gerou como
um aumento fortuito do nível do ruído. A situação pode ser a da figura
6.10. Esta mostra uma mancha luminosa servindo de fundo, I, à qual se
junta a luz delta vezes I que deve ser detectada. Estas duas intensidades
luminosas dão lugar a níveis de influxo nervoso distribuídos
estatisticamente. Para o cérebro, o problema consiste em «decidir» se
determinado acréscimo é fortuito ou é devido a um aumento de intensidade
do sinal. Se o cérebro aceitasse todos os acréscimos da actividade média,
veríamos clarões luminosos que, em metade dos casos, não existiam.
Chegamos, assim, à ideia a de que é exigida uma diferença significativa
antes que uma actividade neurónica seja aceite como representando um
sinal. A menor diferença, delta vezes I, que somos capazes de notar é
determinada não só pela sensibilidade dos receptores da retina, mas,
ainda, pela diferença de intensidade de impulsões nervosas necessária
para que um estímulo seja aceite como um sinal (Figura 6.10 - Esta figura
procura representar o problema estatístico que põe ao cérebro a
actividade espontânea, fortuita, casual, dos nervos. Quando o sinal
(delta vezes I) está a ser discriminado do fundo (I), mais difuso, os
níveis dos impulsos não são sempre diferentes embora sobre o gráfico
tenham sido representados como tais. É assim que podemos ver uma «luz»
devida a um «ruído» ou não nos apercebermos dela por o nível ser mais
baixo do que a média. O cérebro exige uma diferença significativa antes
de aceitar qualquer actividade neurónica como um sinal).
Por vezes, vemos clarões que não existem. São devidos, evidentemente, ao
facto de o ruído ultrapassar o nível de significação exigido, facto que
pode ocorrer em certas ocasiões. A escolha do nível acima do qual a
actividade é aceite é uma questão de troca entre credibilidade e
sensibilidade. Tudo indica ser este nível variável e depender da nossa
«atitude». Quando estamos particularmente atentos, exigimos maior número
de informações e a sensibilidade sofre com isso.
Esta concepção de discriminação da intensidade aplica-se a todo o sistema
nervoso. Aplica-se não só às diferenças entre intensidades, mas, também,
ao limite absoluto de detecção em relação à obscuridade. Isto porque o
limiar absoluto é determinado pelo menor sinal susceptível de ser
detectado com segurança sobre o fundo constituído pelos ruídos neurais
fortuitos presentes no cérebro, mesmo quando a luz não penetra no olho.

7. A visão do movimento
A detecção de movimentos é essencial à sobrevivência. Para todos os seres
vivos, desde os animais situados na parte inferior da escala da evolução
até ao homem, os objectos em movimento representam, a maior parte das
vezes, um perigo ou um alimento em potencial, e exigem por isso uma
reacção imediata e apropriada, enquanto tudo aquilo que se não desloca
não requer, geralmente, que se tomem precauções. Na realidade, admite-se
hoje que só os olhos dos animais mais evoluídos são capazes de, na
ausência de movimento, enviar ao cérebro influxo nervoso.
A retina humana ainda conserva alguma coisa que tem ligação com o
desenvolvimento evolutivo que se deu no olho desde a percepção do
movimento até à percepção das formas. Os bordos da retina são unicamente
sensíveis ao movimento. Podemos verificar isto pedindo a alguém para
agitar um objecto nos limites do nosso campo visual, onde só os rebordos
da retina são estimulados. Verificamos que são visíveis o movimento e a
direcção do movimento, mas que é impossível identificar o objecto. Quando
o movimento pára, o objecto torna-se invisível. É esta a percepção mais
próxima da primitiva que nos é dado experienciar. O rebordo extremo da
retina é ainda mais primitivo: nada sentimos quando essa região é
estimulada pelo movimento, mas inicia-se nessa altura um reflexo que faz
o olho girar de modo a trazer o objecto para a zona central da visão.
Entra, então, em acção a zona altamente diferenciada da fóvea — e toda a
rede nervosa a ela associada — para a identificação do objecto. Os
rebordos da retina constituem, assim, um dispositivo de pré-aviso usado
para fazer girar os olhos e orientar a parte do sistema que procede ao
reconhecimento dos objectos nas direcções em que é mais provável a
presença de amigos ou inimigos do que a de neutros ou indiferentes.
Os olhos que, como os nossos, se movem dentro das órbitas podem fornecer
informações do movimento de duas maneiras diferentes. Quando o olho
permanece estacionário, a imagem de um objecto em movimento desloca-se
sobre os receptores e dá lugar ao envio, por parte da retina, de sinais
de velocidade, mas quando os olhos seguem um objecto em movimento, as
imagens mantêm-se mais ou menos estacionárias sobre as retinas e, por
consequência, não podem enviar sinais de movimento, muito embora nós
vejamos sempre o movimento do objecto. Se o objecto é observado sobre um
fundo fixo, pode haver sinais de velocidade provenientes do mesmo fundo,
sinais que, agora, varrem as retinas enquanto os olhos seguem o objecto
em movimento, mas vemos sempre o movimento, mesmo quando não existe
fundo. Uma experiência simples demonstra o que fica dito. Basta pedir a
alguém para agitar lentamente, num quarto escuro, um cigarro aceso e
seguir a brasa com os olhos. Vê-se o movimento do cigarro, e, todavia,
não existem imagens a deslocar-se sobre as retinas. É evidente que, na
ausência de sinais de movimento vindos das retinas, a rotação do olho
pode dar a percepção do movimento e uma avaliação bastante precisa da
velocidade.
Existem, portanto, dois sistemas de movimento. Designá-los-emos por: a)
sistema imagem/retina e, b) sistema olho/cabeça (figura 7.2). Estas
designações acompanham as usadas no tiro de artilharia, onde são
aplicáveis considerações semelhantes quando os canhões são apontados da
plataforma móvel de um navio. A torre do canhão pode estar estacionária
ou seguir a deslocação, mas, em qualquer dos casos, o movimento é
detectado (Figura 7.2 – a) Sistema imagem/retina: A imagem de um objecto
móvel desloca-se sobre a retina quando os olhos se mantêm imóveis, dando
informação do movimento por meio do accionamento sucessivo de todos os
receptores que se encontram no seu trajecto. b) Sistema do movimento
olho/cabeça: quando o olho acompanha um objecto em movimento, a imagem
mantém-se estacionária sobre a retina, mas vemos sempre o movimento. Por
vezes, os dois sistemas não estão de acordo, o que dá lugar a curiosas
ilusões).
Podemos agora dar uma vista de olhos ao sistema imagem/retina e depois
ver como os dois sistemas trabalham em conjunto.
O sistema de movimento imagem/retina
Registando a actividade eléctrica de retinas de animais, verificou-se a
existência de várias espécies de receptores. Os sinais enviados pela
grande maioria traduzem apenas mudanças de luminosidade e só um pequeno
número reage a uma luz constante, enviando um sinal contínuo. Alguns
receptores lançam os seus sinais quando se acende uma luz, outros quando
se apaga, outros ainda quer quando se acende quer quando se apaga. Estes
três tipos são chamados, com bastante propriedade, «receptores abertos»,
«receptores fechados» e «receptores aberto-fechados». Parece que os
receptores que só são sensíveis às mudanças de luminosidade são
encarregados de traduzir o movimento e que todo o olho é essencialmente
um detector de movimento. Os receptores que traduzem apenas mudanças
reagem à deslocação dos contornos mais acentuados das imagens, mas,
excepto quando os olhos estão em movimento, não reagem em presença de
imagens estacionárias.
Verificou-se, colocando fios muito finos (eléctrodos) nas retinas dos
olhos extraídos de rãs, que a análise da actividade do receptor faz-se na
retina, antes de o cérebro ser alcançado. Um artigo com o interessante
título «O Que o Olho da Rã Diz ao Cérebro da Rã», da autoria de Lettvin,
Maturana, McCulloch e Pitts do Research Laboratory o f Electronics
(Laboratório de Investigação Electrónica) do Massachusets Institute o f
Technology, descreve um «detector rectilíneo de insectos» e três classes
de fibras que enviam ao cérebro diferentes tipos de informação. O
«detector de insectos» dispara um movimento reflexo da língua quando uma
pequena sombra, correspondendo a uma mosca, toca a retina. A retina
funciona, neste caso, como um cérebro. Além deste sistema, que reage
essencialmente a linhas curvas, os investigadores encontraram:
1.º — Fibras que reagem unicamente a limites bem definidos entre os
objectos;
2.º — Fibras que reagem unicamente a mudanças na distribuição da luz;
3.º — Fibras que reagem unicamente a um decréscimo de iluminação, como o
que pode ser causado pela sombra de uma ave de rapina.
O olho da rã só emite sinais relacionados ou com mudanças ocorridas na
disposição de conjuntos luminosos ou com movimentos de contornos
definidos por curvas. Tudo o mais é rejeitado e não chega a atingir o
cérebro. Assim, o mundo visual da rã limita-se ao movimento de um certo
tipo de objectos.
Os fisiologistas Hubel e Wiesel, no decurso de importantes experiências,
obtiveram registos da região visual do cérebro do gato e descobriram a
existência de células isoladas que reagem exclusivamente ao movimento que
varre a superfície da retina em certa e determinada direcção. A figura
5.7 mostra registos reais da actividade de células isoladas,
seleccionadas no cérebro do gato durante a estimulação do olho por
movimentos de várias espécies. Vê-se, pelo exame destes registos, que
certas células só são sensíveis a movimentos executados em certas
direcções.
A descoberta fisiológica de que o movimento é codificado em actividade
neurónica na retina, ou imediatamente por trás da retina, nas áreas de
projecção visual do cérebro, é importante sob muitos aspectos. Mostra, em
particular, que a velocidade pode ser apreendida, independentemente da
avaliação do tempo. Todavia, admite-se frequentemente que os sistemas
neurónicos que conduzem a percepção da velocidade têm necessidade de
recorrer a um «relógio biológico» interno. A velocidade é definida, em
física, como o tempo que um objecto leva a percorrer uma dada distância
(v=e/t). Aceita-se assim que uma medição do tempo é indispensável para
uma medição da velocidade. Mas o indicador de velocidades de um carro não
está associado a um relógio. É certo que para o calibrar é preciso um
relógio, mas, uma vez conseguida a calibração, fornece medições de
velocidades sem que se tenha de usar qualquer relógio. Isto mesmo é,
evidentemente, verdadeiro em relação ao olho. A imagem que se desloca
sobre a superfície retinial acciona sucessivamente os receptores e, até
determinado limite, quanto mais rápida é a deslocação da imagem, maiores
são os sinais de velocidade resultantes. Analogias existentes com outros
detectores de velocidade (indicadores de velocidade e outros) mostram que
a velocidade pode ser percebida sem um relógio, mas não nos dizem, com
exactidão, a forma como trabalha o sistema nervoso. Um dia virá em que
será possível desenhar o gráfico do circuito completo da retina e
fabricar um modelo electrónico funcional que lhe corresponda, mas, até
agora, ainda nada conseguimos deste género em relação ao olho humano.
Foi, todavia, planeado com base no olho composto do besouro, um modelo já
construído, que é por vezes usado na aviação para detectar o desvio
causado pelo vento que sopra sobre um aparelho e o afasta da sua rota.
Este detector do movimento foi criado pela evolução biológica há algumas
centenas de milhões de anos, vindo agora a ser descoberto e construído,
através da aplicação de princípios e de materiais electrónicos, para ser
utilizado pelo homem durante os seus voos.

O sistema de movimento olho/cabeça


O sistema neurónico que dá a percepção do movimento pelo deslocamento das
imagens sobre a superfície das retinas deve ser necessariamente muito
diferente daquele que assenta na rotação dos olhos na cabeça. Os
movimentos do olho são comandados, em cada globo ocular, por seis
músculos extrínsecos; de certa forma, o facto de o olho estar a ser posto
em movimento é comunicado ao cérebro e usado para indicar o movimento de
objectos exteriores. Que é isto o que acontece ficou demonstrado pela
experiência do cigarro que acabámos de descrever, uma vez que ali não
existe movimento sistemático sobre a retina e, todavia, o movimento do
cigarro é visto quando seguido com os olhos (figura 7.2 b).
O tipo de sinal que parece mais provável seria o feed-back, vindo dos
músculos, de sorte que estes, ao distenderem-se, devolveriam sinais ao
cérebro indicando o movimento dos olhos e, portanto, dos objectos
seguidos pelos olhos. Seria esta a solução do engenheiro, mas será ela a
da Natureza? Encontraremos a resposta quando examinarmos o que pode
parecer uma questão diferente.

Por que continua estável o mundo quando movemos os nossos olhos?


As imagens retinianas deslocam-se sobre os receptores sempre que movemos
os nossos olhos e, apesar disso, não temos a sensação do movimento. O
mundo não gira à nossa volta, não «anda à roda» todas as vezes que os
nossos olhos se movem. Por que não será assim?
Vimos que existem dois sistemas neurónicos para traduzir, por impulsos, o
movimento: o sistema imagem/retina e o sistema olho/retina. Parece que,
durante os movimentos normais do olho, estes dois sistemas anulam-se um
ao outro para darem estabilidade ao mundo visual. Esta ideia de anulação
para a obtenção da estabilidade foi discutida por Sir Charles Sherrington
— o fisiologista que mais contribuiu para a decifração dos reflexos
espinais — e, também, por Helmholtz, mas estes dois autores tinham ideias
muito diferentes acerca da forma como as coisas se passam, especialmente
acerca do funcionamento daquilo a que chamamos o sistema de velocidade
olho/cabeça. A teoria de Sherrington é conhecida por Teoria do Inflow
(Teoria Centrípeta) e a de Helmholtz por Teoria do Outflow (Teoria
Centrífuga) (figura 7.3). Sherrington pensava que os sinais provenientes
dos músculos ópticos são devolvidos ao cérebro por feed-back quando o
olho se move para anular os sinais de movimento da retina. É uma ideia
familiar aos engenheiros sob o nome de feed-back, mas os sinais
neurónicos vindos dos músculos do olho levariam bastante tempo a chegar e
poderíamos contar com uma penosa sacudidela logo que movêssemos os nossos
olhos e antes de os sinais centrípetos (de inflow) atingirem o cérebro e
anularem os sinais do movimento da retina. A ideia de Helmholtz era muito
diferente. Supunha ele que os sinais de movimento da retina eram anulados
não pelos sinais provenientes dos músculos mas por sinais centrais vindos
do cérebro que ordenavam aos músculos que se movessem (Figura 7.3 - Por
que razão continua o mundo estável, quando movemos os nossos olhos? A
teoria do inflow (centrípeta) sugere que os sinais do movimento da retina
(sistema imagem/retina) são anulados por sinais (aferentes) dos músculos
dos olhos. A teoria do outflow (centrífuga) sugere que os sinais de
movimento da retina são anulados por sinais de comando (eferentes) para
movimento dos olhos por intermédio de um centro interno. As experiências
feitas favorecem mais a teoria do outflow (centrífuga). Figura 7.1 -
Herman Helmholtz (1821-94), a maior figura no estudo experimental da
visão. A sua Óptica Fisiológica é, hoje ainda, o trabalho mais importante
acerca do assunto. A triste verdade é que, depois dele, pouco mais se
fez).
A questão pode ser resolvida por experiências muito simples que o próprio
leitor efectuará. Experimente empurrar ligeiramente um olho com um dedo,
colocando uma mão sobre o outro para o manter fechado. Ao mesmo tempo
que, desta maneira, o olho gira passivamente, o mundo será visto girar em
sentido oposto ao da direcção do movimento do mesmo. É evidente que a
estabilidade não existe para movimentos passivos do olho, embora exista
para movimentos normais voluntários. Uma vez que o mundo gira contra a
direcção dos movimentos passivos do olho, é manifesto que o sistema
imagem/retina funciona sempre; foi o sistema olho/cabeça que ficou fora
de acção. É natural que perguntemos: para que funciona o sistema
olho/cabeça para os movimentos voluntários do olho e não funciona para os
movimentos passivos? Sherrington pensava que o sistema opera mediante
sinais reemitidos por receptores de extensão situados nos músculos do
olho. Estes receptores de extensão são muito conhecidos e servem para
emitir sinais de feed-back a partir dos músculos que movem os membros.
Mas não parece que o sistema olho/cabeça funcione desta forma, porque os
receptores de extensão não deixariam de emitir sinais durante os
movimentos passivos dos olhos.
É possível suprimir todos os sinais de movimento da retina e ver o que
acontece durante os movimentos passivos do olho. Consegue-se isto com
facilidade, olhando fixamente para uma luz brilhante (ou para um «flash»
fotográfico) a fim de se obter uma pós-imagem. Produz-se uma zona local
de fadiga da retina, qualquer coisa como o que resultaria da colagem de
uma fotografia sobre a retina, zona essa que acompanha, com exactidão,
todos os movimentos do olho e, assim, não pode dar quaisquer sinais do
movimento imagem/retina ainda que o olho se mova. Se observarmos a pós-
imagem na escuridão (evitando assim um pano de fundo), verificaremos que,
se os olhos forem empurrados com um dedo de modo a moverem-se
passivamente, a pós-imagem não se move. É um fenómeno que depõe, com
autoridade, contra a teoria do «inflow», porque a actividade dos
extensores deveria fazer com que a pós-imagem se deslocasse com o olho,
se tal actividade fosse realmente causadora da anulação dos sinais do
movimento retiniano.
Se o olho se mover voluntariamente, veremos que a pós-imagem se move com
o olho. Para onde quer que o olho se volte a pós-imagem acompanhá-lo-á.
Helmholtz explicava isto admitindo que o que estava em causa não era a
actividade proveniente dos músculos dos olhos, mas, sim, as ordens para o
movimento dos olhos. Como vimos, a teoria do «outflow» sustenta que os
sinais de comando são orientados por um centro interno do cérebro e
contrabalançados pelos sinais do movimento retiniano. Quando estes
últimos estão ausentes, como acontece no caso das pós-imagens observadas
na escuridão, o mundo «anda à roda» com o movimento dos olhos, porque os
sinais de comando seguem sem serem anulados pela retina. Os movimentos
passivos do olho não produzem movimentos de pós-imagens, porque nenhum
dos sistemas emite um sinal de movimento.
Em casos clínicos em que há alguma coisa mal nos músculos do olho, ou nas
suas inervações, o mundo «anda à roda» quando o doente tenta mover os
olhos. O mundo desloca-se então na direcção em que os olhos se deveriam
ter movido. Acontece o mesmo se os músculos forem impedidos de funcionar
pelo curare, o veneno das flechas dos Sul-Americanos. O cientista alemão
Ernst Mach imobilizou os olhos com massa de vidraceiro de modo que se não
pudessem mover, e o resultado foi o mesmo.
O sistema olho/cabeça não é, pois, accionado pelo movimento dos olhos,
mas, sim, por ordens para que os olhos se movam. Actua até mesmo quando
os olhos não obedecem às ordens. É surpreendente que sinais de comando
possam dar lugar a percepções de movimento. Geralmente, pensamos que a
percepção do movimento tem a sua origem nos olhos e não num centro,
enterrado no fundo do cérebro, que comanda os olhos.
Por que razão se teria desenvolvido um sistema tão estranho? O facto é
tanto mais surpreendente quanto é certo verificarmos existirem na
realidade receptores de extensão dos músculos do olho. Parece que um
sistema inflow (centrípeto) ou feed-back seria demasiado lento: no
momento em que um feed-back estivesse de volta ao cérebro para con-
trabalançar o sinal do movimento retiniano já seria demasiado tarde.
O sinal anulador poderia partir ao mesmo tempo que a ordem e, assim,
opor-se ao sinal retiniano sem qualquer demora. Na realidade, o sinal
proveniente da retina leva um breve instante a chegar (o «tempo de acção
da retina») do que poderia resultar chegar o sinal de comando cedo de
mais para exercer a sua acção de anulação. Este último sinal é, porém,
retardado para que se ajuste ao sinal da retina, como poderemos ver
estudando cuidadosamente o movimento da pós-imagem na sua associação com
os movimentos voluntários do olho. Sempre que o globo ocular é accionado,
a pós-imagem atrasa-se de uma pequeníssima quantidade de tempo para, em
seguida, o alcançar e acompanhar, o que constitui, evidentemente, o
retardamento imposto ao sinal de comando assim regulado para que não
chegue antes do sinal da retina. Será possível imaginar um sistema mais
perfeito?

As ilusões do movimento
Podemos agora examinar algumas ilusões do movimento. Tal como acontece
com outras ilusões, podem ter importância prática e lançar luz sobre
processos normais.

O caso da luz movediça


O leitor talvez venha a apreciar a experiência que vamos descrever. Toda
a aparelhagem se reduz a um simples cigarro que é colocado aceso sobre um
cinzeiro, no canto mais afastado de um quarto completamente escuro. Se a
ponta brilhante for observada durante mais do que uns curtos segundos,
ver-se-á deslocando-se de forma curiosa e desordenada, umas vezes
lançando-se rapidamente numa direcção, outras balançando-se com lentidão
para um e outro lado.
O movimento da ponta do cigarro pode apresentar-se paradoxal, pois que
parecerá que aquela, ao mesmo tempo se move, não sai de um mesmo sítio.
Este paradoxo perceptivo é importante não só para a compreensão deste
fenómeno da luz movediça como para o estudo da base em que assenta, no
sistema nervoso, toda a representação e codificação do movimento.
O efeito da luz que se move na escuridão é conhecido como o fenómeno
autocinético. Foi objecto de muitos estudos e de trabalhos experimentais.
Já foram apresentadas para o explicar uma dúzia de teorias e foi, até,
utilizado como um índice de sugestão e da influência que, quando em
grupo, as pessoas exercem umas sobre as outras. Efectivamente, aqueles
que observam o efeito têm tendência para ver a pequena luz mover-se nas
direcções apontadas pelos seus vizinhos de ocasião, posto que,
naturalmente, a ponta de cigarro se mantenha sempre imóvel.
As teorias propostas para explicar este efeito são extraordinariamente
divergentes. Foi sugerido que pequenas partículas que flutuam e se des-
locam no humor aquoso que enche a câmara anterior do olho podem ser
entrevistas nestas condições. Seria, porém, o ponto brilhante e não tais
partículas que pareceriam mover-se tal como a Lua parece correr pelo céu
fora quando um vento forte impele as nuvens com rapidez. Este efeito
conhecido por «movimento induzido» será estudado mais adiante. Existem,
no entanto, numerosas indicações de que não é ele o causador do efeito
autocinético, porque os movimentos ocorrem em direcções não relacionadas
com a deslocação das partículas que não são, em geral, visíveis no olho
(para as vermos temos de lançar mão da iluminação oblíqua). Outra teoria,
esta adoptada, ainda que erradamente, por oftalmologistas, supõe que os
olhos não podem fixar de forma precisa um ponto luminoso na escuridão e
que a sua derivação faz com que a imagem desse ponto vagueie sobre a
retina originando os movimentos aparentes da luz. Esta teoria foi quase
desmentida, em 1928, por Guilford e Dallenbach que fotografaram os olhos
de pessoas que observavam a ponta do cigarro e descreveram os movimentos
que então notaram. Os movimentos descritos foram comparados com os
registos fotográficos dos movimentos dos olhos e nenhuma relação existia
entre uns e outros. Acrescia serem muitíssimo fracos os movimentos dos
olhos observados nestas condições. Esta experiência parece ter passado
quase completamente despercebida.
Com uma única excepção, todas as tentativas para explicar o movimento da
luz partem do princípio de que alguma coisa se move: as partículas do
humor aquoso, os olhos ou qualquer estrutura interna de referência. Esta
última hipótese constitui parte importante da teoria da percepção dos
filósofos gestaltistas. Efectivamente, para estes o efeito da luz
movediça era de muito peso. Koffka escreve no seu célebre Gestalt
Psychology, de 1935:
«Estes movimentos autocinéticos provam, por consequência, que os pontos
retinianos não têm qualquer valor retiniano fixo; são a causa da
existência de uma localização dentro de uma estrutura, mas deixam de agir
quando a estrutura desaparece... Os movimentos autocinéticos constituem a
mais impressionante demonstração da existência e da eficiência funcional
da estrutura geral e especial, mas a forma como esta estrutura opera
escapa à acção de todas as nossas observações e conhecimentos».
A exposição não é tão clara como nós desejaríamos, mas será válida?
Julgo-a prejudicada por nela se conter um erro importante.
O que é verdadeiro para o mundo dos objectos, e para a sua observação,
não o é, necessariamente, em relação a erros de observação e a ilusões. É
importante ter presente esta diferença. Qualquer dos órgãos dos sentidos
pode dar uma informação falsa: uma pressão exercida sobre os olhos faz-
nos ver uma luz na escuridão; o estímulo eléctrico de uma terminação
sensorial produz a sensação normalmente dada pelo sentido correspondente.
Analogamente, se o movimento é representado nos trajectos neurónicos
deveremos esperar sentir ilusões do movimento, se esses trajectos forem
perturbados. É o que está constantemente a acontecer com qualquer
detector de movimento fabricado pelo homem: veja-se o indicador de
velocidades de um carro que pode emperrar em determinada leitura, por
exemplo, 30 km/h e, até mesmo com o carro fechado numa garagem, marcará
sempre essa velocidade.
A confusão — e uma grave confusão — nasceu, segundo creio, de não se ter
estabelecido uma separação nítida entre as condições necessárias para
medições válidas da velocidade dos objectos e as condições suficientes
para se chegar a medições menos válidas.
É verdade que todo o movimento real de objectos existentes no mundo é
relativo. Só podemos falar do movimento de um objecto, ou medir esse
movimento, usando como referência outro objecto. É esta a base da Teoria
Restrita da Relatividade, de Einstein. Berkeley chamou a atenção para o
assunto, no século XVII, quando discordou de uma passagem dos Principia
de Newton:
«Se tudo o que existe no espaço é relativo, então todo o movimento é
relativo... O movimento não tem significação antes de ser conhecida a sua
direcção, tal como esta última não tem significação excepto em relação ao
nosso, ou a qualquer outro corpo. Acima, abaixo, à direita, à esquerda,
todas as direcções e todos os lugares baseiam-se numa ou outra relação e
é necessário admitir a existência de um outro corpo distinto daquele que
se move... de modo que o movimento é, por natureza, relativo...
...Portanto, se supusermos que tudo foi aniquilado, excepto um globo,
ser-nos-á impossível imaginar qualquer movimento desse globo».
Mas aqueles que escreveram sobre a percepção supuseram que se nada se
movesse — nem os olhos, nem as partículas dos olhos ou fosse o que fosse
— até as ilusões do movimento deixariam de ser possíveis. Por exemplo, a
ilusão da luz movediça deixaria de ter lugar. Colocou-se a luz movediça
na mesma situação em que Berkeley colocou o seu globo depois de todo o
resto ter sido aniquilado, mas a situação da luz movediça é muito
diferente.
O erro consiste em supor que uma avaliação errada, ou uma ilusão do
movimento, não se pode dar sem que qualquer coisa se mova em relação a
qualquer outra coisa. Mas tanto uma como outra podem ter a sua origem
numa simples avaria ou descalibração do instrumento de medida, seja ele
um indicador de velocidade ou um olho. Podemos, agora, passar a procurar
o género de avaria ou descalibração do aparelho visual que causa o
fenómeno da luz movediça. Para isto, teremos de tentar produzir
movimentos sistemáticos do ponto luminoso perturbando propositadamente o
aparelho.
Se estivermos no quarto escuro ao canto do qual brilha a pequenina luz,
se fixarmos esta e voltarmos depois os olhos, bem abertos, durante alguns
segundos, em qualquer direcção que não seja a do ponto luminoso, se, em
seguida, trouxermos novamente os olhos à sua posição central normal, isto
é, se, em seguida, fixarmos novamente o ponto luminoso, veremos a luz
correr rapidamente na direcção que anteriormente fixámos ou,
possivelmente, na outra direcção, mas sempre no mesmo plano. O movimento
pode continuar durante alguns minutos, se alguns dos músculos do olho
estiverem consideravelmente fatigados (figura 7.4 - «Histogramas em
mostrador de relógio» mostram como uma luz pouco brilhante vista na
escuridão parece mover-se, depois de os olhos terem sido desviados (e
fixados) em 4 direcções diferentes e durante 30 s de cada vez. As setas
mostram a direcção dos desvios (iniciais dos olhos); as áreas coloridas
na tonalidade mais escura mostram a direcção do movimento aparente
durante os primeiros 30 s e as áreas coloridas na tonalidade mais clara
durante os 30 s seguintes. Os números dão a duração, em segundos, do
movimento durante os 2 m que se seguiram, em cada caso, ao desvio inicial
dos olhos para a escuridão). Mas a fadiga dos músculos do olho obriga à
emissão de sinais de comando anormais para manter o olho fixo sobre a luz
e esses sinais são do mesmo tipo daqueles que normalmente accionam os
olhos quando estes seguem um objecto em movimento. Vemos, assim,
movimento quando os músculos estão fatigados, posto que nem os olhos nem
a imagem sobre a retina se movam. Os movimentos ilusórios errantes do
efeito autocinético parecem ser devidos a sinais de comando que mantêm os
olhos na mesma posição apesar da eficiência dos músculos ser alterada por
ligeiras flutuações espontâneas que tendem a deslocar o globo ocular em
várias e fortuitas direcções. Não são os movimentos dos olhos, mas os
sinais de correcção, emitidos para evitar que os olhos se movam, que
fazem vaguear na escuridão o ponto luminoso.
Podemos agora perguntar: se os sinais de correcção fazem mover, na
escuridão, o ponto luminoso, por que razão não causam instabilidade em
condições normais? Por que é o mundo geralmente estável? Não se pode dar
uma resposta segura à pergunta. É possível que, em presença de grandes
campos visuais, os sinais sejam rejeitados, porque o cérebro parte do
princípio de que os objectos de grandes dimensões são estáveis até que
alguma coisa lhe venha provar o contrário. Isto é confirmado pelo efeito
do «movimento induzido», que havemos de estudar, mas antes de mais
devemos ter presente que, por vezes, o mundo normal gira ou «anda à
roda».

O caso do mundo que «anda à roda»


O mundo «anda à roda» quando estamos cansados ou quando sofremos os
efeitos menos agradáveis do álcool. O fenómeno foi descrito pelo
humorista inglês Sheridan. Dois amigos conduziram-no até à porta de sua
casa, em Berkeley Square, e deixaram-no ali. Olhando para trás, viram-no
de pé no mesmo sítio. «Por que não entras?» — gritaram-lhe. «Estou à
espera que a minha porta torne a passar por mim para dar um salto e
entrar» — respondeu Sheridan. Não é muito clara a ligação existente entre
o que acabámos de referir e a mancha de luz movediça. Pode ser que o
sistema de comando do movimento do olho seja perturbado ou pode acontecer
que o álcool atenue a significação do mundo exterior de modo que sinais
errados, que são normalmente desprezados, sejam aceites. Assim como
podemos ser dominados por uma imaginação extravagante ou por terrores
irracionais, talvez também possamos ser dominados por pequenos erros do
sistema nervoso que são normalmente rejeitados por insignificantes. (Se
isto for assim, é de esperar que os esquizofrénicos sofram de
instabilidade no seu mundo visual, mas nada encontrei que o confirmasse.)

O efeito da queda de água


Vimos que os movimentos de uma luz observada na escuridão são devidos,
aparentemente, a ligeiras perturbações do sistema olho/cabeça. É natural
que esperemos encontrar ilusões de movimento semelhantes causadas por
alterações no sistema imagem/retina, o que realmente acontece. Estas
ilusões não se limitam a movimentos de todo o campo: partes várias do
campo podem parecer mover-se em diferentes direcções e a diferentes
velocidades, causando efeitos bizarros e, por vezes, logicamente
paradoxais. A perturbação mais acentuada do sistema imagem/retina
designa-se por «efeito da queda de água».
O «efeito da queda de água» era conhecido de Aristóteles. É um efeito
espectacular da ilusão do movimento causado pela adaptação do sistema
imagem/retina. Pode ser induzido com muita facilidade, olhando-se
fixamente e durante cerca de meio minuto, para o eixo central de um gira-
discos em movimento. Se fizermos parar, repentinamente, a placa dos
discos, o disco parecer-nos-á, por segundos, girar em sentido inverso.
Encontramos o mesmo efeito depois de olharmos para a água em movimento,
porque, se os olhos se voltarem para a margem ou para qualquer objecto
fixo, veremos a margem ou o objecto deslizar em direcção oposta àquela em
que a água corre. O efeito mais espectacular é obtido utilizando uma
espiral rotatória (figura 7.5). Vemos a espiral dilatar-se enquanto gira
e parece contrair-se, num pós-efeito, quando pára (ou vice-versa, se a
direcção da rotação é invertida). Esta dilatação ou contracção é
ilusória: quando a espiral pára não pode ser devida a movimentos do olho,
porque os olhos só se podem mover numa direcção de cada vez e o efeito
consiste numa contracção ou dilatação radial que ocorre em todas as
direcções a partir do centro, e ao mesmo tempo. (Figura 7.5 - Quando se
faz girar esta espiral, ela parece contrair-se ou dilatar-se, conforme o
sentido do movimento de rotação. Quando pára, continua a parecer
contrair-se ou dilatar-se, mas agora na direcção oposta. O facto não pode
ser devido ao movimento do olho, uma vez que a aparente contracção ou
dilatação ocorre em todos os sentidos ao mesmo tempo. O efeito é
paradoxal: existe movimento, mas não existe mudança na posição ou
tamanho). Basta este facto para mostrar que devemos atribuir o efeito ao
sistema imagem/retina de preferência ao sistema olho/cabeça. De resto, é
também bastante fácil provar, de forma concludente, que se trata
unicamente de uma perturbação no sistema imagem/retina. Para isto,
acompanha-se com a vista uma fita às riscas, montada num dispositivo
giratório, voltando-se rapidamente os olhos para o princípio da fita
quando se atinge o fim (figura 7.6) e repetindo estes movimentos várias
vezes. Desta forma, a percepção de um movimento contínuo é obtida usando
o sistema olho/cabeça, sem intervenção do sistema imagem/retina. Quando a
fita pára, não se verifica qualquer pós-efeito, tendo todo o movimento
sido visto utilizando unicamente o sistema olho/cabeça (figura 7.6 - O
efeito da queda de água. É semelhante ao movimento aparente induzido com
a espiral giratória. Depois de observadas durante algum tempo, as riscas
móveis parecem, ao parar, ser animadas de um movimento retrógrado. O
fenómeno só se realiza quando o movimento é observado com um olho que se
mantém estacionário, sem seguir as riscas. Deve ser devido unicamente à
adaptação do sistema imagem/retina).
Resta o problema de se saber se a adaptação tem lugar na retina ou no
cérebro. A retina parece um tanto simples de mais para ser sede de um
pós-efeito tão complexo, mas é muito difícil negar todo e qualquer papel
à adaptação retiniana. Poder-se-ia pensar (e vários psicologistas que não
deveriam ter cometido tal erro pensaram assim) que é possível chegar a
uma conclusão fechando um olho e olhando para o objecto-estímulo com o
outro para, em seguida, se observar se o pós-efeito tem lugar quando se
olha para um objecto estacionário com o olho não estimulado. O resultado
é que o pós-efeito tem lugar, mas apenas com metade da intensidade. Isto
não prova de forma concludente que a adaptação se fez no cérebro, porque
é possível que o olho estimulado continue a enviar um sinal de movimento
depois de estar fechado e que este sinal seja, por assim dizer,
«projectado» no campo do olho não estimulado. Pode muito bem assim
acontecer, porque é difícil, ou impossível, dizer qual dos olhos está
activo. A tendência é pensar-se que qualquer que seja o olho que está
aberto esse é que está a ver. Tem-se feito experiências para tentar
esclarecer esta questão.
Não sabemos com exactidão por que motivo o sistema imagem/retina se
perturba quando é continuamente estimulado pelo movimento, porque também
não sabemos com exactidão como funciona este sistema. Já vimos, nos
trabalhos de Hubel e Wiesel, que o movimento é representado em canais
neurónicos separados e que canais diferentes indicam diferentes direcções
de movimentos (figura 5.8). É razoável supor que estes canais podem
adaptar-se ou fatigar-se em virtude de uma estimulação prolongada (como
acontece com quase todos os outros canais neurónicos) e que o fenómeno
desequilibra o sistema dando uma ilusão de movimento na direcção oposta.
Se examinarmos cuidadosamente o pós-efeito da espiral giratória,
notaremos dois factos curiosos. O movimento ilusório pode ser paradoxal:
a espiral pode dilatar-se ou contrair-se e, todavia, não ser vista como
maior ou menor, mas sim ficar do mesmo tamanho ao mesmo tempo que
aumenta. Isto parece impossível, e é impossível para objectos reais, mas
devemos ter presente que o que é verdadeiro para objectos reais pode não
o ser para percepções, uma vez que estamos sujeitos a ilusões. Podemos
ter sensações que são logicamente impossíveis, se estivermos sujeitos a
ilusões. No caso do pós-efeito do movimento sob a forma de uma dilatação
sem mudança de tamanho podemos admitir que isso acontece porque a
velocidade e as posições são indicadas por mecanismos neurais separados e
porque só um destes — o sistema de velocidade — é perturbado pela
observação contínua da espiral giratória. É como se um juiz, num
tribunal, ouvisse os depoimentos incompatíveis de duas testemunhas e
aceitasse ambas as versões, pelo menos temporariamente, antes de decidir
qual delas é, decerto, a verdadeira e de rejeitar a outra como um
amontoado de mentiras que é preferível não tomar em consideração. O
sistema de percepção no olho e no cérebro tem muitos canais e muitas
fontes de informação e, quando, por qualquer razão, estes canais fornecem
informações incompatíveis, o cérebro tem de servir de juiz. Por vezes,
diferentes fontes de informações incompatíveis são, pelo menos por algum
tempo, aceites juntas e, então, estamos perante um paradoxo, isto é,
perante coisas que é materialmente impossível terem lugar
simultaneamente. Nada tem de extraordinário o facto de as alucinações
devidas a drogas serem, por vezes, impossíveis de descrever.
Depois de uma estimulação bastante prolongada pela espiral giratória, a
linha da espiral não parece mais uma curva contínua e harmónica, mas,
sim, uma série de pequenos segmentos de recta. Estes segmentos persistem
no pós-efeito, de modo que um círculo, visto depois de termos observado
uma espiral giratória, aparece como um polígono. Este curioso efeito
sugere, talvez, que a direcção do movimento é representada por um número
bastante pequeno de sistemas de movimento dispostos como vectores e que a
adaptação vem mostrar os intervalos entre os vectores. Seria de esperar
que fosse possível chegar a um cálculo do número de vectores
intervenientes contando as pequenas linhas do pós-efeito, mas é
estranhamente difícil avaliar, com segurança, o número destas linhas,
posto que o efeito, na maioria das pessoas, seja muito acentuado. Uma
avaliação grosseira conduziria ao número cinquenta, sugerindo assim que a
direcção do movimento é dada por cerca de cinquenta sistemas de vectores.
Quando estes se desequilibram, pela adaptação ao movimento contínuo,
temos o fenómeno da queda de água. Esta versão dos factos, posto que
especulativa, parece ser a melhor explicação do que se passa.
Uma particularidade curiosa do fenómeno da queda de água é que
dificilmente se verifica se o campo móvel cobre toda a retina e se
desloca como um todo único. É o movimento relativo das diferentes partes
da retina que produz o efeito. Não é bem conhecida a razão por que isto é
assim, mas parece que o sistema de movimento imagem/retina está ligado
principalmente ao movimento relativo. Não nos é muito fácil detectar
movimentos de objectos quando estes são vistos sem um pano de fundo e,
por consequência, quando não se registam movimentos relativos nas
diferentes regiões da retina. Parece que é este sistema de movimento
relativo que se adapta e, também, que a adaptação é a de um sistema
neurónico que indica directamente a velocidade, sem fazer qualquer
dedução com base na mudança da relação posição/tempo. A circunstância de
a estimulação de toda a área da retina poucos ou nenhuns pós-efeitos
produzir é uma circunstância feliz, porque é em grande parte devido a ela
que os condutores de veículos poucas vezes sentem o efeito, mesmo quando
param de repente depois de uma longa viagem.

O movimento aparente
Como vimos, todos os sistemas sensoriais podem ser induzidos em erro, mas
o erro mais persistente é aquele que o cinema exemplifica. Posto que no
cinema nos apresentem uma série de imagens imóveis (vinte e quatro por
segundo nos filmes sonoros e, geralmente, dezasseis ou dezoito em filmes
mudos), o que vemos é uma acção contínua.
Isto assenta em dois factos visuais distintos: a persistência da visão e
o chamado fenómeno fi.
A persistência da visão não é mais do que a incapacidade da retina para
seguir e traduzir as flutuações rápidas do brilho. Se acendermos e
apagarmos uma luz, primeiro lentamente, depois cada vez mais depressa,
veremos a luz sob a forma de clarões intermitentes até cerca de trinta
clarões por segundo; daí para cima, passaremos a ver uma luz contínua. Se
a luz é brilhante, a frequência crítica de fusão (é este o nome) é
consideravelmente mais alta e pode atingir cerca de cinquenta clarões por
segundo (é um tanto de lamentar que assim suceda, pois pode acontecer que
sejamos incomodados pelo tremeluzir das extremidades das lâmpadas
fluorescentes, principalmente quando a luz cai sobre os bordos da
retina).
Dissemos que as imagens separadas do cinema são projectadas à razão de
vinte e quatro frames por segundo, número que está muito abaixo da
frequência crítica de fusão e poderíamos perguntar por que razão não
vemos uma imagem saltitante. Nos princípios do cinema era o que acon-
tecia, havia os chamados flicks (*) (trepidações; * - Daí a expressão the
flicks, em tempos usada pelos Americanos para designar o cinema.), mas os
projectores modernos estão equipados com um obturador especial que mostra
cada imagem três vezes, em rápida sucessão, de sorte que embora num
segundo sejam projectadas apenas vinte e quatro fotografias diferentes o
número de clarões emitidos é de setenta e dois. A frequência crítica de
fusão é, assim, excedida para todas as partes da imagem, salvo para uma
ou outra parte mais brilhante que venha a cair sobre os bordos da retina
e que pode dar lugar a algumas trepidações.
A televisão resolve o problema dos flicks de modo diverso. A imagem não é
apresentada como um todo, conforme acontece no cinema, mas em fitas
separadas que reduzem a trepidação a um mínimo; todavia, esta existe
sempre e pode tornar-se incomodativa ou, até, perigosa para as pessoas
com tendência para a epilepsia. Esta particularidade tem sido mesmo usada
para diagnósticos. Por outro lado, circunstâncias há em que a trepidação
constitui um perigo inesperado, como quando se guia, com um sol baixo,
por uma estrada sobre a qual se alongam as sombras das árvores que a
ladeiam, ou quando se aterra de helicóptero. Neste último caso, o risco e
o mal-estar têm origem nas alternativas de luz e sombra criadas pelos
movimentos das pás da hélice de sustentação do aparelho. Uma trepidação
de baixa frequência actua de forma estranha tanto sobre observadores
normais como sobre os que estão sujeitos a ataques epilépticos. Quando a
cadência dos clarões é de cinco a dez por segundo, podem ver-se cores
brilhantes e formas móveis ou estacionárias que, por vezes, se apresentam
com grande nitidez. A sua origem é pouco conhecida, mas são,
provavelmente, devidas a perturbações directas dos mecanismos visuais do
cérebro, dado que as descargas maciças de impulsos retinianos
sobrecarregam o sistema. As imagens que se vêm são tão variadas que é
difícil deduzir da sua aparência seja o que for acerca da espécie de
sistema cerebral que foi perturbado. A estimulação por clarões brilhantes
pode tornar-se desagradável e originar dores de cabeça e sensações de
náusea.
Outro factor visual de que depende o cinema é o movimento aparente
conhecido por fenómeno fi. Há uma vasta literatura relativa ao estudo
experimental deste efeito. Costuma-se, geralmente, estudá-lo no
laboratório utilizando um dispositivo muito simples: duas luzes
comandadas automaticamente de forma que, logo que uma luz se apaga,
acende-se a outra. O que vemos, desde que a distância entre as luzes e os
intervalos de tempo entre os clarões estejam bem regulados, é uma luz
única que se desloca da posição da primeira para a segunda. Os
psicologistas gestaltistas pretendiam que este movimento aparente através
do intervalo entre as luzes era devido a uma descarga eléctrica no
cérebro — ou a um campo que varrendo a área de projecção visual preenchia
o intervalo.
O fenómeno f i foi estudado intensivamente, porque se pensava que existia
entre ele e o que se passava no cérebro íntima correspondência. Hoje, a
maior parte das autoridades no assunto consideram as opiniões dos
gestaltistas, nesta matéria, como menos exactas. Vejamos agora, e nova-
mente, o caso de uma imagem que se desloca sobre a retina e dá a per-
cepção do movimento em virtude da estimulação sucessiva dos receptores.
Se, entre dois clarões, ou entre as imagens separadas de um filme cine-
matográfico, pusermos de parte alguns receptores e continuarmos sempre a
ver o movimento, devemos admitir que um processo de preenchimento das
lacunas teve lugar? Não será simplesmente o caso de o estímulo ser
suficiente para accionar o sistema retiniano do movimento, contanto que
as lacunas existentes no espaço, ou no tempo, não sejam grandes de mais?
A relação é comparável à que existe entre uma chave e uma fechadura. Não
é necessário que a chave seja rigorosamente de certo e determinado feitio
para que a fechadura funcione. Existe sempre uma tolerância maior ou
menor. Mais ainda: é indispensável a existência dessa tolerância, aliás,
uma alteração mínima na fechadura ou na chave inutilizaria todo o
sistema. É muito provável que o sistema imagem/retina funcione sob a
influência de estímulos aproximadamente iguais aos fornecidos pelos
movimentos normais das imagens, mas que tolere imagens intermitentes
desde que os saltos no espaço e no tempo não sejam demasiado grandes. O
fenómeno f i alguma coisa nos diz quanto ao sistema imagem/retina: diz-nos
que tal sistema é razoavelmente tolerante, o que torna economicamente
possíveis o cinema e a televisão.

A relatividade do movimento
Até aqui, temo-nos ocupado dos mecanismos básicos da percepção do
movimento, do que estimula a retina por meio de imagens móveis e do que
faz com que o olho acompanhe as deslocações dos objectos. A percepção do
movimento abrange, todavia, muito mais do que isto. Todas as vezes que um
movimento ocorre o cérebro tem de decidir, em relação a certas
referências, o que é que se move e que permanece estacionário. Posto que,
como vimos, seja enganador supor que todo o movimento ilusório inclui,
necessariamente, algum movimento real, não deixa de ser verdade que todo
o movimento real é relativo e obriga sempre a tomar uma decisão. Um
exemplo óbvio é o que sucede quando mudamos de posição, andando a pé, de
carro ou voando. Geralmente, sabemos que o movimento é devido ao facto de
nos deslocarmos entre os objectos que nos rodeiam, e não às deslocações
destes objectos, mas este conhecimento envolve sempre uma decisão. Como
seria de esperar, por vezes, tomamos decisões erradas e, então, caímos em
erros e ilusões que podem ser muito sérios, porque a percepção do
movimento é de uma importância biológica primordial para a sobrevivência.
Isto é tão verdadeiro para o homem que vive rodeado por uma civilização
adiantada como sempre o foi para o que viveu em civilizações primitivas.
Efectivamente, erros de percepção do movimento cometidos a tripular
aviões ou a guiar automóveis nunca poderão ser considerados de somenos
importância.
A maior parte da investigação sobre a percepção tem sido feita com o
observador estacionário e, frequentemente, a olhar para dentro de uma
caixa que contém um aparelho que produz clarões ou imagens de várias
espécies. A observação da vida real ocorre, todavia, quando o observador
se está a mover livremente num mundo em que alguns dos objectos que o
rodeiam também se deslocam. O estudo da situação existente na vida real
tem de ser feito resolvendo difíceis problemas técnicos, mas vale a pena
tentá-lo mesmo que obrigue à construção de aparelhos relativamente
complicados. Os resultados podem ser valiosos não só para a condução de
veículos terrestres como para a pilotagem de aviões e de naves espaciais.
É uma questão capital saber-se em que medida se pode confiar num
observador humano quando se trata de tomar decisões relacionadas com uma
alunagem, se toda a sua anterior experiência visual foi adquirida na
Terra. No espaço, fora do cenário que nos é familiar, os objectos podem
aparecer iluminados de forma estranha, de modo a serem alteradas as
percepções do tamanho e da distância. Como veremos, as percepções do
tamanho, da distância e da velocidade não são independentes, estão
interligadas de forma complexa, de sorte que um erro cometido na
avaliação de uma delas pode causar erros surpreendentes nas outras.
Como vimos, é sempre preciso tomar uma decisão quando se trata de saber
ao certo o que está em movimento e o que está parado. Estando o
observador a andar ou a correr, o problema não é geralmente difícil de
resolver, porque o grande volume de informação que recebe dos membros
diz-lhe do seu movimento em relação ao solo. Quando, porém, o observador
é transportado num carro ou de avião, a situação é muito diferente. Com
os pés fora do chão, a sua única fonte de informação são os olhos,
excepto durante períodos de aceleração ou retardamento em que os órgãos
de equilíbrio lhe trazem outras — ainda que por vezes enganadoras —
informações.
O fenómeno conhecido por movimento induzido foi estudado em profundidade
pelo psicologista gestaltista Duncker. Imaginou experiências muito
interessantes que vieram provar que, quando o movimento é apreendido
unicamente pela visão, temos tendência para aceitar que os objectos de
maiores dimensões estão estacionários e os de menores em movimento.
Consegue-se uma demonstração impressionante projectando uma mancha
luminosa sobre um ecrã ou pano de fundo. Se o ecrã (que pode ser de
papelão como na figura 7.7) é deslocado, o que se vê mover não é o ecrã,
mas, sim, a mancha luminosa sobre ele projectada. De notar que, por
estranho que pareça, neste caso o olho recebe informação porque é a
imagem do ecrã e não a da mancha luminosa que se move sobre a retina, mas
esta informação nem sempre é suficiente para decidir do resultado (isto é
pertinente em relação à questão de saber-se por que é que o mundo
exterior não é sempre como a luz movediça referida). (Figura 7.7 -
Movimento induzido. Uma mancha de luz é projectada sobre um ecrã a que se
imprime movimento. O que se vê mover é a mancha estacionária. Acontece
isto quando a parte móvel é a maior ou aquela que seria mais provável
permanecesse estacionária (segundo Duncker).)
Parece claro que, sendo os objectos de menores dimensões aqueles que mais
frequentemente estão em movimento, o cérebro, quando em dúvida, escolhe o
que lhe parece ser a solução mais provável e tende a aceitar que são os
objectos pequenos que se deslocam enquanto os grandes permanecem
estacionários. (O efeito pode ser perturbante quando se guia um carro:
será o meu travão de mão que não funciona ou estará aquele idiota, ali à
minha frente, a andar para trás?)

O movimento aparente e a distância


Se observarmos a Lua ou as estrelas durante uma viagem de carro, parecer-
nos-á que nos acompanham, mas movendo-se um tanto lentamente. Quando a
nossa velocidade for da ordem dos 100 km/h, a Lua poderá parecer
deslocar-se a 10 ou a 20 km/h. Vê-la-emos mover-se mais lentamente do que
nós, mas manter-se sempre ao nosso lado sem nunca se deixar ficar para
trás. É um efeito muito curioso.
A Lua está tão distante que podemos considerá-la no infinito. Durante a
progressão do carro, o ângulo sob o qual é vista continua naturalmente o
mesmo — a posição da Lua não muda, embora nos estejamos a mover sob ela.
Perceptivamente, situa-se a uma distância de algumas centenas de metros.
Fazemos esta avaliação com base no seu tamanho aparente. É vista sob um
ângulo de meio grau, mas parece do tamanho de um objecto visto sob este
mesmo ângulo e colocado a algumas centenas de metros. Tomemos agora para
termo de comparação este objecto que parece do tamanho da Lua e está
situado a algumas centenas de metros. Se o ultrapassarmos, deixá-lo-emos
rapidamente para trás. Mas a Lua, essa, nunca se deixa ficar para trás,
porque está, na realidade, a enorme distância e a única maneira como o
sistema perceptivo consegue harmonizar estes factos é com admitir que se
trata de um objecto que acompanha o carro no seu movimento. A velocidade
aparente da Lua é determinada pela sua distância aparente. (Se a Lua for
observada através de prismas que fazem convergir os olhos de modo que
pareça estar a uma distância diferente, parecerá deslocar-se a uma
velocidade diferente.)
Um efeito relacionado com o precedente é o que se observa quando da
projecção estereoscópica de diapositivos. Uma cena projectada em relevo
estereoscópico por meio de polaróides cruzados parece girar, seguir o
observador, quando este se movimenta. É assim que uma imagem a três
dimensões de um corredor gira de tal maneira que o que constitui, apa-
rentemente, a parte anterior se desloca com o observador, parecendo,
todavia, estar o corredor sempre orientado para ele. A impressão é
desagradável e pode chegar a causar náuseas. Se aumentar a convergência
dos olhos, a cena inteira (parte anterior e parte posterior) desloca-se
sobre o ecrã todas as vezes que o observador se move. Este efeito, posto
que ainda não completamente explicado, está directamente relacionado com
a convergência e a disparidade e parece justificar novas investigações.
A projecção estereoscópica reveste-se, a este respeito, de particular
interesse, porque os objectos observados, se bem que vistos em profun-
didade, estão, na realidade, sobre um ecrã, são a duas dimensões, e,
suprimindo a paralaxe do movimento, a situação é a de um observador que
se está a deslocar. Geralmente, quando nos movemos de lado, os objectos
mais próximos deslocam-se para o lado oposto. Por exemplo: se formos para
a direita, irão para a esquerda. Na verdade, o mundo gira em torno do
ponto de fixação dos olhos e ao contrário do nosso próprio movimento.
Mas, quando examinamos em profundidade imagens estereoscópicas, acontece
exactamente o contrário: parecem girar com o movimento do observador,
sendo o ponto de rotação determinado pela convergência dos olhos. Não é a
vontade do observador, mas, sim, a separação dos pares estereoscópicos
sobre o ecrã que fixa este ponto. (Vale a pena, a quem dispuser de um
projector estereoscópico observar estes efeitos.)
Quando o observador é transportado e os seus pés deixam de tocar o solo,
tem de se fiar na visão para saber se se está a mover e para avaliar a
velocidade. Num avião que voa a grande altura pouca ou nenhuma sensação
de movimento existe; por outro lado, ao aterrar ou descolar, tanto nos
podemos ver mover como ver o solo precipitar-se ao nosso encontro. Nestas
situações, os erros e as ilusões são frequentes e impressionantes. A tal
ponto que os pilotos devem aprender a abstrair em grande parte das suas
percepções normais e a confiar nas dos seus instrumentos.
A situação é semelhante à criada pelo movimento induzido. Fazemos a
melhor aposta que nos é possível, mas são bem reduzidos os elementos que
podemos utilizar como referências. Destes, em condições normais, o mais
importante é o movimento sistemático que varre as retinas, principalmente
os seus bordos. Se, por exemplo, uma espiral giratória, como a da figura
7.5, for filmada e projectada com grande ampliação num ecrã de cinema é
muito mais provável que tenhamos a impressão de que nos estamos a
aproximar ou afastar dela do que a vê-la dilatar-se ou contrair-se tal
como acontece quando apenas enche uma parte do olho. Afinal, não é
frequente que toda a retina receba movimento sistemático, excepto quando
a causa é o movimento do olho. É, pois, esta a melhor aposta. Daqui o
êxito do cinerama.

8. A visão das cores


O estudo da visão das cores é o ramo principal do estudo da percepção
visual. É quase certo que nenhum mamífero, excepto os primatas, possui a
visão das cores. Se alguns a possuem é sob forma muito rudimentar. O mais
estranho é que um grande número de animais situado muito mais abaixo, na
escala da evolução, dispõe de excelente visão cromática. Esta aparece
altamente desenvolvida em pássaros, peixes, répteis e insectos como a
abelha e a libélula. A visão das cores é, para nós, tão importante — está
na base da nossa estética visual e afecta profundamente os nossos estados
emocionais — que nos é difícil conceber o mundo cinzento dos outros
mamíferos, entre os quais os nossos gatos e cães favoritos.
A história da investigação da visão das cores caracteriza-se pela
impressionante acrimónia de que se tem revestido. Os problemas postos têm
despertado sentimentos que ultrapassam aquilo a que se poderia chamar
paixão. Existe uma extraordinária variedade de teorias que, melhor ou
pior, têm conseguido sobreviver, mas, tudo ponderado, é provável que a
mais antiga seja a mais verdadeira.
O estudo da visão cromática principia com o grande trabalho de Newton,
The Opticks. É conveniente dizer alguma coisa acerca deste livro que é,
talvez de todos os livros científicos do seu período, aquele que hoje
mais interessa ler. The Opticks foi escrito em Cambridge, no Trinity
College, em aposentos que não só ainda existem mas ainda são habitados.
As experiências clássicas foram feitas nesses aposentos, bem como outras
em que Newton não conseguiu qualquer êxito, pois foram tentativas para
transformar em ouro os metais comuns. Em Fevereiro de 1692, estavam
completas as experiências acerca da luz e quase acabado o livro em que
foram descritas, quando os manuscritos e todos os apontamentos se
perderam por, numa ocasião, em que Newton se ausentara para ir à capela,
uma vela, caindo, os ter incendiado. Ficou Newton, segundo os seus
contemporâneos, muito (e compreensivelmente) perturbado. Só em 1704,
voltou a escrever a sua obra que, então, publicou. Foi o seu último livro
em vez de o primeiro, obra que, posteriormente, e ainda durante a sua
vida, apareceu em três novas edições (1717, 1721 e 1730), incluindo
suplementos, o mais notável dos quais se reporta aos famosos Queries, que
constituem uma das suas mais extraordinárias especulações acerca da
natureza do mundo físico.
Newton demonstrou que a luz branca é composta de todas as cores do
espectro e, com o desenvolvimento da teoria ondulatória da luz, tornou-se
claro que a cada cor corresponde uma dada frequência.
O problema essencial para o olho consiste, pois, em obter uma reacção
neurónica diferente para cada uma das frequências. É um problema que nada
tem de fácil, porque as frequências das radiações do espectro visível são
muito altas, muito mais altas do que as que os nervos podem acompanhar
directamente. Na verdade, o maior número de impulsos que um nervo pode
transmitir é ligeiramente inferior a 1000 ciclos por segundo, enquanto a
frequência da luz é de 1000 biliões de ciclos por segundo. A questão põe-
se, pois, assim: — Como pode um sistema nervoso de acção tão lenta
traduzir a frequência da luz?
O assunto foi, pela primeira vez, tratado por Thomas Young (1773-1829)
que apresentou a teoria, mais tarde retomada e ampliada por Helmholtz e
que continua a ser a melhor de que ainda dispomos. (Figura 8.1 - Thomas
Young (1773-1829) por Lawrence. Com Helmholtz foi o iniciador dos
modernos estudos sobre a visão cromática. Um génio universal, Young
prestou importantes serviços à Ciência e à Egiptologia, tendo ajudado a
traduzir a Pedra de Roseta.) A contribuição de Young foi reconhecida por
Clerk Maxwell nos seguintes termos:
«Parece quase um truísmo dizer que a cor é uma sensação; todavia, foi
reconhecendo honestamente esta verdade elementar que Young estabeleceu a
primeira teoria da luz que pode ser considerada válida. Até onde é do meu
conhecimento, Thomas Young foi o primeiro que, partindo do facto bem
conhecido de que há três cores primárias, procurou a explicação desta
verdade não na natureza da luz, mas, sim, na constituição do homem.»
Se, para cada cor separável existisse um receptor haveria, pelo menos,
200 espécies de receptores. Mas isto é impossível e pela simples razão de
que podemos ver quase tão bem em luz colorida como em luz branca. A
densidade efectiva dos receptores não pode, portanto, sofrer uma redução
apreciável em luz monocromática e, por consequência, não é possível a
existência de mais do que alguns tipos de receptores sensíveis à luz.
Young compreendeu isto com muita clareza e escreveu em 1801:
«Como é quase impossível conceber que cada ponto sensível da retina
contenha um número infinito de partículas, cada uma das quais susceptível
de vibrar de perfeito acordo com cada comprimento de onda possível, deve
admitir-se que o número é limitado, por exemplo, às cores principais:
vermelho, amarelo e azul...»
Em escritos posteriores, Young continuou a supor serem três as «cores
primárias», mas mudou-as de vermelho, amarelo e azul para vermelho, verde
e violeta. Chegamos, agora, ao ponto crucial da questão: — Como podem
todas as cores ser traduzidas apenas por algumas espécies de receptores?
Teria Young razão quando supunha que eram três? Será possível
descobrirmos as cores primárias?
Uma só observação, mas essa fundamental — o facto de as cores se poderem
misturar — basta para demonstrar que se consegue, partindo de algumas
cores primárias, reproduzir toda a gama cromática. Tudo isto será
evidente, mas a verdade é que, a este respeito, o olho é muito diferente
do ouvido. Dois sons não se misturam para dar um terceiro som puro e
diferente. Todavia, duas cores podem dar uma terceira que nada diz quanto
ao que foram as suas componentes. O ouvido de um músico separa e
identifica dois sons simultâneos percebidos como um acorde, mas não há
estudo-treino que permita fazer outro tanto quando se trata da luz.
Convém, nesta altura, dizer com clareza o que é que entendemos por uma
mistura de cores. O pintor mistura o amarelo e o azul para obter o verde,
mas nem por isso mistura luz amarela e luz verde: o que ele mistura é
todo o espectro das cores menos as cores absorvidas pelos seus pigmentos.
Todo este processo é tão perturbante que poremos de parte os pigmentos
para nos reportarmos unicamente à luz como ela se apresenta depois de
passar por um filtro colorido ou, então, tal como é produzida por um
prisma ou por uma rede de interferência.
Obtém-se o amarelo combinando luz vermelha e luz verde. Young sugeriu que
o amarelo é sempre visto em consequência de uma mistura efectiva, real,
de vermelho e de verde. Para ele não existia um tipo de receptor sensível
à luz amarela, mas, e antes, dois sistemas de receptores, sensíveis,
respectivamente, ao vermelho e ao verde, de cuja actuação combinada
resultava o amarelo.
Na realidade, o fulcro das controvérsias acerca das teorias das cores é a
percepção do amarelo. Será o amarelo visto devido à acção combinada dos
mecanismos que conduzem à visão do vermelho e à visão do verde ou será
ele uma percepção primária, como parece indicar o facto de se apresentar
sob a forma de uma percepção simples? Posto que a aparência singela do
amarelo (que não parece ser uma mistura) tenha sido aduzida contra Young,
a objecção não é válida. Efectivamente, se misturarmos luz vermelha e luz
verde (por exemplo, projectando-as sobre um ecrã) vemos amarelo, e um
amarelo que somos incapazes de distinguir daquele outro que chega até nós
através da percepção da luz monocromática da banda amarela do espectro.
Não pode haver dúvida que, neste caso, a elementaridade da sensação não
implica a elementaridade da base nervosa subjacente à sensação, facto
que, de resto, parece ser, de um modo geral, verdadeiro para todas as
sensações e percepções.
Young tinha muito boas razões para optar pela escolha de três «cores
primárias». Verificara que podia reproduzir qualquer das cores visíveis
do espectro (e, também, a branca) pela mistura de três radiações de
intensidades apropriadas e não de menos de três. Descobriu, também, que a
escolha de comprimentos de onda adequados pode fazer-se dentro de
extensos limites. Daqui a dificuldade em responder à pergunta: quais são
as cores primárias? Se apenas três certas e determinadas cores dessem,
por mistura, toda a gama de tonalidades do espectro poderíamos afirmar
com bastante segurança que eram essas as cores correspondentes aos
mecanismos da visão cromática básica do olho, mas não existe qualquer
conjunto de três comprimentos de onda capaz de, por si só, cobrir todo o
espectro.
A demonstração de Young é brilhante. A figura 8.2 dá dela uma ideia
(Figura 8.2 - A experiência de Young sobre a mistura de cores. Misturando
três cores (não três pigmentos) largamente separados no espectro, Young
mostrou que é possível reproduzir todas as tonalidades espectrais desde
que as intensidades relativas sejam convenientemente ajustadas. Pôde,
também, reproduzir o branco, mas não o preto e as cores não espectrais
como o castanho. Young pretendia que o olho mistura, efectivamente, as
três cores a que é basicamente sensível. Esta noção continua a ser a
ideia-chave quando se pretende explicar a visão cromática).
A teoria Young-Helmholtz pode enunciar-se assim: — Existem três espécies
de receptores (cones) sensíveis à cor; estas três espécies de receptores
reagem, respectivamente, ao vermelho, ao verde e ao azul (ou ao violeta)
e a todas as outras cores que resultam da mistura dos sinais destes três
sistemas.
Por muitas vezes se tentou isolar as curvas fundamentais destas reacções,
mas o problema tem-se apresentado espantosamente difícil. As curvas que
melhor se conseguiu estabelecer foram as da figura 8.3. (Figura 8.3 - As
curvas de reacção do olho às cores primárias, segundo W. D. Wright. As
figuras representam as supostas curvas de absorção dos três pigmentos
sensíveis às cores. Pela mistura efectiva daquelas são percebidas todas
as cores).
Podemos agora deitar os olhos para outro gráfico, e um gráfico
fundamental para a compreensão da visão cromática — a chamada curva de
discriminação das tonalidades (figura 8.4 - A curva de discriminação das
tonalidades: Mostra como a mais pequena diferença de comprimento de onda
(delta vezes lambda) varia em função do comprimento de onda da luz
(lambda). A diferença deve atingir o seu valor mais baixo (a melhor
discriminação das cores) onde as curvas fundamentais de reacção (figura
8.3) apresentam as suas maiores inclinações. De um modo geral, é o que
acontece). Esta curva compara os comprimentos de onda da luz com a menor
diferença de comprimento de onda susceptível de produzir uma diferença de
tonalidade. Se voltarmos a examinar o gráfico anterior, o da figura 8.3,
vemos que a tonalidade muda muito pouco quando o comprimento de onda
varia nas extremidades do espectro. Ali, a única mudança que se regista é
um aumento gradual das actividades dos mecanismos de visão do vermelho e
do azul, mas sem que seja accionado qualquer outro mecanismo. Deveríamos
notar nas extremidades do espectro uma mudança de brilho, que não da cor.
É o que acontece. Por outro lado, ainda deveríamos esperar que se dessem,
na parte média do espectro, mudanças de cor espectaculares à medida que a
sensibilidade do mecanismo de visão do vermelho diminuísse e a do
mecanismo da visão do verde aumentasse: uma pequena mudança de
comprimento de onda produzindo uma grande mudança nas actividades
relativas dos mecanismos do vermelho e do verde e resultando numa
acentuada mudança de tonalidade. Tudo isto acontece. Para terminar,
também seria de esperar que a discriminação das tonalidades fosse par-
ticularmente boa em volta do amarelo. Ora, a discriminação das tonali-
dades é, na verdade, particularmente boa em torno do amarelo.
Não entraremos nos azedos debates que, mais tarde, tiveram lugar sobre se
existiam três, quatro ou sete mecanismos de visão das cores e aceitaremos
a opinião de Young de que todas as cores resultam da mistura de três
cores. Mas a visão cromática abrange muito mais do que aquilo que revelam
experiências feitas com simples manchas coloridas. Recentemente, o génio
inventivo do americano Edwin Land veio sacudir, inesperadamente, os mais
complacentes. Além de, quando ainda neófito investigador, ter inventado o
polaróide e, mais tarde, a máquina fotográfica que tem o seu nome, Land
provou, com experiências precisas e bem equilibradas, que o que é
verdadeiro quando se trata de misturar simples manchas de luz de várias
cores não representa toda a história da percepção da cor. Algo de
estranho acontece quando as manchas se tornam mais complicadas e passam a
representar objectos. O que Land recentemente demonstrou tinha sido mais
ou menos conhecido durante muitos anos, mas a ele se ficou a dever o
haver sublinhado tudo quanto veio aumentar o conhecimento da cor através
do exame de situações mais complexas criadas com base em fotografias e
objectos reais. Na realidade, os seus trabalhos vieram lembrar que se
corre o risco de omitir certos fenómenos quando, a fim de se conseguir
experiências nítidas, se simplificam demasiado as situações.
Lang repetiu a experiência de Young sobre as misturas de cores, mas
usando transparentes fotográficos em vez de simples manchas de luz. Sendo
este o caso, podemos considerar toda a projecção de fotografias a cores
como uma aplicação da experiência de Young, porque os filmes coloridos
utilizam apenas três cores físicas. Land simplificou o processo e
empregou só duas cores, tendo verificado que duas cores são o suficiente
para se obter uma surpreendente riqueza cromática. A técnica consiste em
conseguir negativos fotográficos da mesma cena utilizando para cada um
deles um filme colorido diferente; os negativos são, em seguida,
transformados em transparentes positivos e projectados através dos seus
filtros originais de modo que dêem sobre o ecrã imagens sobrepostas.
Obtêm-se resultados bastante bons colocando um filtro vermelho num
projector e deixando o outro sem qualquer filtro. Segundo a experiência
de Young, só deveriam produzir-se várias tonalidades de cor-de-rosa
(quantidade de branco adicionada), mas, em seu lugar, aparece-nos o verde
e outras cores que não estão fisicamente representadas. Este género de
resultados seria de prever para quem tivesse presentes dois factos bem
conhecidos. Em primeiro lugar, os primeiros filmes coloridos utilizavam
só duas cores, embora não tivesse sido devidamente apreciada a alta
qualidade que conseguiam alcançar. Em segundo lugar, posto que, e como
vimos, Young tivesse descoberto que as tonalidades do espectro, e o
branco, podem ser obtidos misturando três cores, não é possível
conseguir, por esse processo, toda e qualquer cor visível. Por exemplo:
nunca se conseguiu fazer aparecer o castanho ou as cores metálicas, como
a da prata e a do ouro. Há, pois, algo de estranho no processo que
envolve essas três cores para não falarmos no que ocorre quando são só
duas.
Tomemos um transparente Kodachrome vulgar e projectemo-lo sobre um ecrã.
Faz aparecer todas as cores que conhecemos e, no entanto, envolve tão-só
as três luzes da experiência de Young. O filme a cores não é mais do que
um arranjo especial complexo de três filtros coloridos e, todavia, dá-nos
o castanho e as outras cores que Young foi incapaz de obter a partir das
suas três cores primárias. Parece que as três luzes, quando dispostas
segundo desenhos complexos — sobretudo quando representam objectos —
aparecem-nos sob um colorido mais rico do que quando se apresentam em
desenhos simples como os da figura 8.2.
Significa isto que toda a simples descrição da visão cromática está
condenada ao malogro. A cor não depende unicamente do estímulo dos
comprimentos de onda e das intensidades luminosas: depende, também, de
serem ou não os modelos aceites como representando objectos, o que
implica a existência de processos cerebrais de alto nível e de difícil
investigação. O castanho é uma espécie de amarelo super-saturado (pode
ser obtido adaptando o olho à cor complementar do amarelo e, segui-
damente, estimulando-o com luz amarela), mas, normalmente, é necessário
um contraste, um desenho e — de preferência — uma interpretação de áreas
luminosas tais como superfícies de objectos antes desta cor, que é,
aliás, uma das mais vulgares na vida de todos os dias, poder ser vista.
Os olhos têm tendência para aceitar como branco, não uma determinada
mistura de cores, mas, e antes, a iluminação em geral, qualquer que esta
seja. É assim que a luz dos faróis de um carro nos parece branca no campo
e amarelada na cidade, porque nesta última existem luzes brancas que nos
servem de termo de comparação. O mesmo acontece com a luz das velas e das
lâmpadas. Daqui resulta que, se aquilo que aceitamos como branco e nos
serve de referência acaba por mudar, tudo se complica à nossa volta. O
conhecimento prévio ou uma suposição do que é a cor normal de um objecto
reveste-se de muita importância. É provável que objectos como laranjas e
limões tomem uma cor mais natural e mais rica quando sabemos de antemão
do que se trata, mas muito mais existe para além disto. Land teve o
cuidado de usar objectos, como carretos com o fio recoberto de plástico
ou tecidos com desenhos de lã colorida, cujas cores não podiam ser
previamente conhecidas dos observadores e, como de costume, chegou a
resultados surpreendentes.
Qualquer que seja a conclusão final — e a divergência de opinião é grande
— não há dúvida que o trabalho de Land veio pôr em relevo as complicadas
contribuições que o cérebro presta à informação sensorial quando as
sensações são organizadas em percepções de objectos. Um estudo da visão
em que todas as atenções se concentram no que se passa no olho com
prejuízo do que ocorre no cérebro é um estudo em que a realidade é
sacrificada à comodidade.

A cegueira cromática
É de notar que mesmo o género de confusão de cores mais frequente — a
confusão do vermelho com o verde — não foi descoberto antes do século
dezanove, quando o químico John Dalton notou que não era capaz de
distinguir certas substâncias pelas suas cores, posto que outras pessoas
o pudessem fazer sem dificuldade. Isto aconteceu, em parte, nos frascos
ou garrafas. Aqui a faculdade de distinguir cores e de lhes atribuir
objectos. Dizemos que a relva é verde, apesar de não sabermos se a
sensação é a mesma para todas as pessoas. A relva implica uma certa
planta que encontramos nos relvados. Chamamos «verde» à sensação que ela
produz em nós, mas para identificar a relva recorremos a outras
características além da cor — à forma das folhas, à densidade destas, e
assim por diante. Se tivermos tendência para nos enganarmos na cor,
existem geralmente outras indicações que nos permitem identificar a relva
como relva. Todavia, como sabemos que se convencionou dizer que a relva é
verde, chamamos-lhe verde, mesmo quando há dúvidas a tal respeito.
No caso de um farmacêutico que identifica substâncias existe, por vezes,
um único elemento de identificação — a cor da substância contida nos
frascos ou garrafas. Aqui a faculdade de distinguir cores e de lhes dar
nomes é, realmente, posta à prova. Todos os testes da visão das cores têm
uma base comum: estabelecer situações em que fiquem reduzidas a uma só —
a cor — as várias características que permitem uma identificação. É,
então, fácil verificar se determinado indivíduo é normal quanto à
faculdade de distinguir cores ou se vê como uma cor única o que, para
outras pessoas, aparece sob cores diferentes.
A confusão de cores mais frequente é, como já dissemos, a que se dá entre
o vermelho e o verde, mas aparecem muitos outros géneros de confusões. A
confusão vermelho/verde é extraordinariamente frequente. Cerca de dez por
cento dos homens são acentuadamente deficientes a este respeito, posto
que nas mulheres a deficiência apareça pouquíssimas vezes. A confusão
verde/azul é mais rara. A cegueira às cores é, partindo do princípio de
que são três os mecanismos de recepção, dividida em três tipos
principais. Era costume chamar-se-lhe simplesmente cegueira ao vermelho,
ao verde ou ao azul, mas, hoje em dia, evita-se mencionar os nomes das
cores. Algumas pessoas são totalmente desprovidas de um dos três tipos de
cores: chamam-lhes, presentemente, protonopos, deuteronopos e tritonopos
(consoante o primeiro, o segundo e o terceiro sistema de sensibilidade às
cores), mas não é isto que vem tornar a situação muito mais clara. Trata-
se de pessoas que não precisam de mais de duas cores para produzir todas
as cores espectrais que, para elas, existem. Assim, os resultados dos
trabalhos de Young acerca da mistura de cores são aplicáveis unicamente a
uma maioria de pessoas, mas não a casos extremos de cegueira cromática. O
que é mais comum não é a ausência completa de um dos três mecanismos da
visão, mas antes uma redução de sensibilidade em relação a certas cores.
As três deficiências foram assim designadas: protonopia, deuteronopia e
tritonopia. A última, a tritonopia, é extremamente rara. Costuma dizer-se
que as pessoas afectadas por qualquer delas têm uma visão anormal das
cores. Isto significa que, embora necessitem de três luzes coloridas para
compor as suas cores do espectro, usam-nas em proporções que diferem da
proporção normal.
As proporções da luz vermelha e da luz verde necessárias para compor um
amarelo monocromático servem para medir a mais importante anomalia da
visão das cores. Lorde Raleigh descobriu, em 1881, que as pessoas que
confundem o vermelho com o verde necessitam de uma maior intensidade de
vermelho ou de verde para compor o amarelo. Para pôr à prova a visão das
cores construíram-se instrumentos especiais que criam um campo
monocromático situado junto de um campo misto verde e vermelho. Regula-se
a intensidade do vermelho e do verde da mistura até que esta dê ao
observador a mesma sensação de cor que o amarelo monocromático e lêem-se,
então, sobre uma escala, as proporções que indicam o grau de protonopia
ou de deuteronopia. O instrumento é conhecido por anomaloscópio.
O amarelo apresenta-se como uma cor tão pura que, muitas vezes, se tem
pensado dever existir um lote de receptores especiais para o detectar.
Mas é possível mostrar, de maneira muito simples, usando um
anomaloscópio, que o amarelo provém sempre de uma mistura efectiva do
vermelho e do verde.
Um observador regula um anomaloscópio de modo que veja um mesmo amarelo
no campo da mistura e no campo monocromático. Em seguida, fixa
demoradamente uma luz vermelha e brilhante a fim de adaptar o olho ao
vermelho. Quando a retina estiver adaptada ao vermelho, volta a olhar
para dentro do anomaloscópio, sendo-lhe então perguntado se ambos os
campos ainda lhe parecem da mesma cor.
A resposta será que vê dois campos como verdes e da mesma tonalidade do
verde. A igualdade não será perturbada pela adaptação ao vermelho e,
consequentemente, o observador não terá necessidade de uma diferente
proporção entre a luz vermelha e a luz verde do campo da mistura para o
equiparar ao campo do amarelo monocromático. Nada existe na regulação do
anomaloscópio que permita saber se o observador está adaptado ao
vermelho, ainda que aquilo que ele vê depois da adaptação — em verde vivo
— seja completamente diferente do que via antes — o amarelo. O mesmo é
verdadeiro para a adaptação à luz verde: ambos os campos serão vistos
como o mesmo vermelho. A igualdade subsiste (figura 8.5 – Existe um tipo
especial de receptor para o amarelo? A experiência responde a esta
pergunta. É utilizado um anomaloscópio – instrumento que dá um campo
vermelho + verde (aparecendo como amarelo) junto de um camo amarelo
monocromático idêntico ao precedente. A adaptação a uma luz vermelha ou
verde não provoca qualquer diferença entre os dois campos, donde se
conclui não ser possível a existência de um mecanismo diferente para a
visão do amarelo. Vemo-lo sempre devido à acção combinada dos mecanismos
de recepção do amarelo e do verde).
Todavia, se existisse um receptor isolado para o amarelo, isto não
poderia acontecer. A existência de um receptor à parte para o amarelo
permitiria ao campo monocromático permanecer amarelo, ainda que a
adaptação ao vermelho e ao verde não pudesse deixar de modificar o campo
da mistura. Um receptor isolado não poderia ser deslocado, pela
adaptação, sobre a escala do espectro. Mas o amarelo visto pela acção
combinada dos mecanismos receptores do vermelho e do verde tem de mudar
se a sensibilidade de um destes mecanismos for afectada pela luz de
adaptação. Portanto, não pode existir um mecanismo diferente a actuar nos
dois campos, caso contrário, estes não seriam identicamente afectados
pela adaptação a uma luz colorida. A conclusão a tirar é que não existe
um receptor especial para o amarelo.
Pode-se repetir a experiência para as outras cores. Os resultados a que
se chega são semelhantes e mostram que nenhuma delas dispõe de um
receptor especial. Os resultados continuam a ser os mesmos quando os
observadores são anómalos. Mesmo que as condições iniciais da visão sejam
diferentes não são afectadas pela adaptação.
Chegamos agora a outra conclusão curiosa: se o anomaloscópio não revela
qualquer diferença entre o olho normal e o olho que sofreu uma adaptação,
segue-se que a anomalia não está relacionada com a adaptação à cor. Mas,
geralmente, supõe-se que a anomalia é exactamente isso: uma diminuição de
sensibilidade num ou em mais do que um dos mecanismos cromáticos da
retina, tendo por causa a perda parcial de um fotopigmento. A suposição
não pode ser verdadeira. A causa da anomalia não é conhecida, várias
causas podem existir, mas podemos ter a certeza de que se existisse uma
falta de fotopigmento o anomaloscópio não funcionaria.

9. Ilusões
A percepção pode enganar-nos de diversas maneiras. E o fenómeno atinge
algumas vezes proporções dramáticas. Um mundo inteiramente falso pode ser
criado e tomado como real pelas pessoas sob a influência de drogas ou que
sofram de doenças mentais. Além das alucinações onde aquilo que é «visto»
não tem qualquer relação com a realidade, existem outros fenómenos
durante os quais pessoas normais podem ver deformados os objectos que as
rodeiam. Neste capítulo, faremos breve referência às alucinações, mas
dedicaremos algum tempo ao estudo e exame das distorções que dão origem a
várias espécies de ilusões.
Figura 9.1 – Dos filósofos modernos René Descartes (1596-1650) é, talvez,
aquele cuja influência foi mais acentuada. Hoje em dia, é difícil fugir-
se à sua dualidade do espírito e da matéria que impregna, no domínio da
psicologia, todo o pensamento moderno. Deu-nos uma descrição precisa da
constância do tamanho e da forma muito antes destas terem sido estudadas
experimentalmente.

Alucinações e sonhos
As alucinações são semelhantes aos sonhos. Podem ser visuais ou auditivas
ou, ainda, estenderem-se a outros sentidos como o olfacto e o tacto.
Podem até influenciar simultaneamente sentidos diferentes e, então, a
impressão de realidade que produzem chega a ser esmagadora. Há
alucinações colectivas em que muitas pessoas «assistem» juntas ao que
nunca aconteceu.
Em relação às alucinações há duas atitudes a tomar, remontando qualquer
delas aos mais recuados tempos da história do pensamento. Os sonhos e as
alucinações sempre excitaram o espanto e o deslumbramento. Mais do que
isso: algumas vezes, afectaram o comportamento humano originando, em
consequência, resultados estranhos e terríveis. Para o místico, os sonhos
e as alucinações são visões de um outro mundo de realidade e de verdade.
Certos pensadores modernos consideram o cérebro como um obstáculo à
compreensão, um filtro colocado entre nós e uma realidade superfísica que
só nos permite ver claramente essa realidade quando a sua função normal
está perturbada por drogas ou doenças. Todavia, para os mais prosaicos,
incluindo os filósofos empiristas, o cérebro só merece confiança quando
saudável e as alucinações, ainda que interessantes e talvez sugestivas,
não passam de aberrações do cérebro, aberrações muito de temer e de que é
preciso desconfiar. Aldous Huxley, na sua obra As Portas da Percepção
(Doors o f Perception), apresenta e descreve, com pertinente vivacidade, o
ponto de vista místico, mas a maioria dos neurologistas e dos filósofos
afirma que só por meio dos sentidos é possível chegar-se à verdade e que
um cérebro perturbado nem merece confiança nem pode ser o intérprete
dessa mesma verdade.
Para os empiristas, as alucinações e os sonhos revelam a actividade
espontânea do sistema nervoso quando liberto das informações sensoriais.
A alucinação total tem lugar quando a actividade espontânea se liberta de
todas as peias.
O cirurgião neurologista Wilder Penfield consegue produzir alucinações
estimulando certas partes do cérebro por meio de correntes eléctricas
fracas, e os tumores cerebrais podem fazer com que o doente «ouça»
determinados sons ou «veja» determinadas imagens com persistência. Também
a aura que precede os ataques de epilepsia pode aparecer associada a
alucinações de várias espécies. Nestes casos, o sistema de percepção
entra em actividade não como consequência da recepção de mensagens
normais provenientes dos receptores sensoriais, mas sim, em obediência a
estímulos de carácter mais central. Parece que o cérebro se mantém
espontaneamente activo e que essa sua actividade está normalmente sob o
«controle» das mensagens sensoriais. Quando estas são suprimidas, tal
como acontece nas câmaras de isolamento, a actividade do cérebro
desenvolve-se desordenadamente e, em vez da percepção do mundo exterior,
aparecem alucinações que nos dominam e que tanto podem ser terrificantes
e perigosas como simplesmente irritantes ou divertidas.
Muitas das drogas chamadas alucinogéneas fazem aparecer imagens
fantásticas e muito nítidas, frequentemente acompanhadas de estados
altamente emocionais. Saber a razão por que concentrações mínimas de
certas substâncias afectam o cérebro desta forma é questão do maior
interesse. Outras imagens semelhantes a estas, e tão vincadas e fortes
como elas, podem formar-se em estado de semiadormecimento — imagens
hipnógicas — e, então, dir-se-ia passarem diante dos nossos olhos (apesar
de os termos fechados) as cenas mais intensas e brilhantes de um filme em
tecnicolor.
Também se verificou sofrerem de alucinações pessoas mantidas em prisões,
em regime de completo isolamento, e outro tanto aconteceu, durante
experiências, a outras quando encerradas em câmaras isoladoras onde,
devido ao uso de óculos especiais, a luz era sempre fraca e dispersa e a
monotonia não era quebrada durante horas e dias seguidos. Tudo leva a
crer que, na ausência de estímulos sensoriais, o cérebro se descontrola e
se deixa dominar pelas fantasias por ele próprio criadas. É possível que
isto seja uma parte do que acontece nos casos de esquizofrenia em que o
mundo exterior contacta tão pouco com o doente que este se encontra
virtualmente isolado. Estes efeitos do isolamento, interessantes do ponto
de vista clínico, também podem constituir um perigo na vida normal. Em
certas situações, que ocorrem durante a execução de trabalhos indus-
triais, é possível encontrar-se o homem praticamente isolado e com muito
pouco que fazer. Ocorre isto quando se empregam máquinas automáticas, que
apenas requerem cuidados em situações de emergência e que, conse-
quentemente, não deixam ao operador qualquer iniciativa. É ainda o que
acontece durante as viagens espaciais quando o astronauta pode ter de
permanecer separadamente do mundo exterior por muito tempo. Foi a
existência deste perigo uma das razões do envio simultâneo de mais do que
um homem para o espaço.
Na opinião do autor, nada apoia a atitude assumida pelo místico perante
as alucinações, porque embora seja muito intensa a emoção religiosa que
dá lugar ao transe, este, muito provavelmente, nunca chega a fornecer
qualquer informação cuja validade possa ser comprovada. Todavia, a
actividade de um cérebro liberto de todo o «controle» pode vir a fornecer
indicações acerca de motivos ocultos e de temores.

Figuras que perturbam


Há figuras que nos perturbam profundamente quando para elas olhamos.
Podem ser muito simples. Geralmente, são compostas por linhas repetidas.
As séries de raios da figura 9.2 e das faixas paralelas da figura 9.3
foram recentemente estudadas por D. M. McKay que aventou ser o aparelho
visual perturbado pela repetição maciça que se nota em qualquer delas
(Figura 9.2 - A figura dos raios estudada por McKay. Será a repetição
maciça da figura que perturba o cérebro? Ou são as linhas estreitamente
intervaladas que estimulam o sistema de movimento imagem/retina a cada
pequeno movimento dos olhos? Se depois de olharmos para esta figura,
olharmos para uma parede nua terá lugar um pós-efeito semelhante a grãos
de arroz em movimento. O mesmo acontece, em relação ao movimento, depois
de fixarmos uma queda de água. Os desenhos formados por linhas curvas
poderiam ser um efeito de «moiré» das pós-imagens. Figura 9.3 - Faixas
paralelas estreitamente intervaladas produzem efeitos semelhantes aos dos
raios de McKay). O que é importante é que, dada uma pequena parte da
figura deste tipo, tudo o mais pode ser descrito, e rigorosamente, pela
expressão: «o resto é igual ao que se mostra». McKay sugere que o
aparelho visual aproveita as repetições que os objectos apresentam para
poupar, a si próprio, trabalho ao proceder à análise da informação. A
figura formada pelos raios é um caso de repetição maciça levada a tal
extremo que o sistema é perturbado. Não é muito claro o motivo por que
tudo isto acontece e podem-se imaginar outras figuras, tão excessivamente
repetidas como estas, que não embaracem a percepção, mas a ideia não
deixa de ser interessante e de merecer que a não percamos de vista. A
figura dos raios apresenta um curioso pós-efeito; se olharmos para ela
durante alguns segundos, veremos aparecer umas linhas onduladas e se,
então, desviarmos a vista para qualquer fundo homogéneo, uma simples
parede, por exemplo, tais linhas continuarão a ser visíveis durante algum
tempo. Vem sendo objecto de discussão a hipótese de a disposição dos
raios produzir este efeito por os olhos nos seus pequenos movimentos
fazerem deslocar sobre a retina esta multiplicidade de linhas e emitirem
assim enorme número de sinais «aberto», «fechado». Se a explicação for
exacta, é possível que o efeito seja semelhante ao produzido por uma luz
bruxuleante.
De qualquer forma, existe a certeza de que o aparelho visual é perturbado
e o facto deve ser tomado em consideração quando se utilizam, em
decoração, padrões baseados na repetição.

Distorções visuais
Algumas figuras simples são vistas deformadas. As distorções podem ser
grandes. É possível que parte de uma figura se apresente 20% mais
comprida ou mais curta do que na realidade é e que uma linha recta
apareça tão curva que custe a crer tratar-se, na verdade, de uma recta.
Virtualmente, a percepção de todos nós é atingida por este género de
distorções e, para cada figura, da mesma maneira. Verificou-se que com os
animais acontece o mesmo. Por exemplo, se ensinarmos um animal a escolher
a mais comprida de duas linhas e, em seguida, o pusermos em presença de
uma linha que, em virtude de uma ilusão de óptica, nos pareça mais
comprida do que outra, o animal deixar-se-á também iludir e escolherá a
linha aparentemente mais longa. A experiência foi feita com pombos e
peixes. Tudo isto faz pensar na existência de qualquer coisa na origem
destas ilusões que bem merece ser estudada.
Muitas teorias têm sido apresentadas, mas a maior parte delas pode ser
refutada experimentalmente ou rejeitada por demasiado vaga para ser útil.
Passaremos rapidamente em revista as várias teorias que podem ser postas
de lado sem perigo antes de tentarmos chegar a uma que nos pareça mais
adequada. Antes, porém, vamos examinar algumas das ilusões. As figuras
9.4, 9.5 e 9.6 mostram algumas das mais conhecidas. Têm os nomes dos seus
descobridores, quase todos psicólogos que trabalharam na Alemanha no
século passado, mas é conveniente atribuir a algumas delas nomes
descritivos (Figura 9.4 - A ilusão de Muller-Lyer ou ilusão do dardo. A
figura com as rebarbas voltadas para fora parece mais comprida do que a
figura com as rebarbas voltadas para dentro. Porquê? Figura 9.5 - A
ilusão de Ponzo ou ilusão das linhas do caminho-de-ferro. A linha
horizontal superior parece ser a mais comprida. Esta mesma linha continua
a parecer a mais comprida, qualquer que seja a orientação da figura
quando a observamos. (Experimente fazer girar o livro). Figura 9.6 - A
figura de Hering ou ilusão do leque. As linhas irradiantes tornam curvas
as linhas rectas colocadas sobre elas. Este é um exemplo de uma ilusão em
que uma parte afecta a outra parte, enquanto, por exemplo, os dardos de
Muller-Lyer produzem só por si a ilusão).
A mais conhecida é o dardo de Muller-Lyer da figura 9.4. Esta figura
representa um par de dardos com hastes do mesmo comprimento e com ferros
em ambos os extremos de cada haste. Num dos dardos as duas rebarbas de
cada ferro estão voltadas para dentro e, no outro, voltadas para fora. O
dardo cujos ferros têm as rebarbas voltadas para fora parece maior do que
o que tem as rebarbas voltadas para dentro, posto que ambos sejam do
mesmo comprimento. Chamaremos a esta figura a ilusão do dardo.
O segundo exemplo é também bem conhecido e é tecnicamente designado por
figura de Ponzo. Compõe-se apenas de 4 linhas, duas das quais
convergentes, colocadas lado a lado e do mesmo tamanho. Entre elas estão
duas outras linhas paralelas, tal como o mostra a figura 9.5. A linha da
parte mais estreita do espaço delimitado pelas duas convergentes parece
mais comprida. Ainda que ela e a sua paralela sejam do mesmo comprimento.
Chamaremos a esta figura a ilusão dos carris dos caminhos-de-ferro.
A figura 9.6 mostra duas versões da figura de Hering. Chamar-lhe-emos a
ilusão do leque.
Finalmente, vemos figuras em que um quadrado e um círculo aparecem
deformados quando traçados sobre um fundo constituído por raios de
circunferência ou por circunferências concêntricas — figura 9.7. Não
temos necessidade de lhes dar nomes especiais, porque poucas vezes a elas
faremos referência e porque não são mais do que variantes da ilusão do
leque de Hering (Figura 9.7 – Efeitos surpreendentes de um fundo que
produz distorções semelhantes às ilusões do leque de Hering).
Vê-se que as ilusões se repartem por dois grupos: algumas são distorções
produzidas por um fundo especial — por exemplo, a ilusão do leque —,
enquanto outras — por exemplo, a ilusão do dardo — aparecem já de si
deformadas. Esta autodistorção é flagrante na figura 9.8 que apresenta os
ferros dos dardos sem as hastes. As rebarbas que constituem estes ferros
aparecem deslocadas, posto que não existam outras linhas da figura. Por
outro lado, nas ilusões do leque, os raios do leque aparecem sem qualquer
deformação, mas toda a figura colocada sobre eles apresenta-se mais ou
menos deformada. Os raios causam uma distorção, mas não são distorcidos
(Figura 9.8 - Cabeças, sem as hastes, do dardo de Muller-Lyer. A ilusão
ainda ocorre, posto que seja um tanto mais lábil).
Durante os últimos 100 anos, tentaram os psicólogos explicar as ilusões,
mas foi só recentemente que principiamos a fazer uma ideia mais clara dos
motivos por que estas figuras perturbam o sistema de percepção.

Teorias a rejeitar
1 — A teoria do movimento dos olhos — Esta teoria supõe que as partes da
figura causadoras da ilusão fazem com que os olhos se fixem onde se não
deveriam fixar. Na ilusão do dardo, supõe-se que os olhos são atraídos
para além das linhas pelas representações dos ferros ou cabeças dos
dardos, o que faz com que tais linhas pareçam mais compridas do que
realmente são, ou então — numa teoria de alternativa — que são atraídas
para dentro das linhas, o que faz com que estas pareçam mais curtas do
que o são na realidade. Mas isto não pode ser exacto. Se se fixarem na
retina as imagens dos dardos por meio de uma estabilização óptica ou, o
que é mais simples, pela sua transformação numa pós-imagem (o que se pode
conseguir, por exemplo, utilizando um «flash» fotográfico e abrindo
friestas com a forma das figuras dos dardos num bocado de cartão) os
movimentos do olho não podem deslocar a imagem e, todavia, não só as
ilusões permanecem como não sofrem qualquer diminuição.
Talvez para tornear esta dificuldade, a teoria do movimento do olho é por
vezes exposta de forma um tanto diferente. Nesta versão não são
propriamente os movimentos do olho, mas sim a tendência para a execução
de tais movimentos que passa por produzir as distorções. Podemos rejeitar
tudo isto sem hesitações, porque num determinado momento os olhos só se
podem mover, ou ter tendência para se mover, numa direcção enquanto as
distorções aparecem simultaneamente em qualquer número de direcções.
Vejamos o par de dardos da figura 9.4. Ao mesmo tempo que o primeiro
dardo é alongado, o segundo é encurtado. Como atribuir tais ocorrências
ao movimento do olho – ou a uma tendência do movimento do olho – que
apenas pode ter lugar em dado momento e numa direcção dada? Nada existe
que comprove este género de teorias.
2 – A teoria da acuidade limitada – Ao examinarmos a ilusão do dardo
poderíamos esperar que a figura em que as rebarbas do ferro do dardo
estão voltadas para fora parecesse mais comprida e aquela em que as
rebarbas estão voltadas para dentro parecesse mais curta se a acuidade do
olho fosse tão pequena que o canto não pudesse ser visto claramente. É
possível demonstrar o que fica dito colocando um bocado de papel
transparente sobre as figuras e observando a ligeira variação de
comprimento resultante da sobreposição. Esta teoria pode, porém, ser
rejeitada, quer porque não é aplicável a outras figuras, quer porque o
efeito que acabámos de descrever é demasiado pequeno.
3 – A teoria da confusão – Esta teoria sugere que certas formas
«estabelecem a confusão» no sistema de percepção. Este tipo de «teorias»
é, infelizmente, demasiado frequente em psicologia. Consiste ele em enun-
ciar, em termos um tanto enganadores, os próprios factos que desejamos
explicar. Não fornece a mais pequena indicação da razão por que são estas
e não outras as formas que confundem o sistema de percepção ou porque a
confusão só dá lugar a distorções em certas direcções. Uma explicação,
para ser de utilidade, deve relacionar o fenómeno em causa com outros
fenómenos, mas a teoria da confusão das ilusões não o relaciona com o que
quer que seja e, assim, em nada contribui para uma melhor compreensão
daquilo que procura esclarecer. Podemos rejeitá-la simplesmente, porque
não chega sequer a abordar a explicação do fenómeno.
4 - A teoria da empatia — Esta teoria foi proposta por Theodor Lipps e
baseia-se numa ideia do psicólogo americano R. H. Woodworth. Consiste a
ideia em o observador se identificar com certas partes da figura (ou, por
exemplo, com as colunas de um edifício) deixando-se influenciar pelas
emoções que então o fazem vibrar a ponto de a sua visão sofrer uma
deformação, tal como sofrem deformações os juízos concebidos sob o
domínio de determinadas emoções. No caso da «ilusão do dardo», o dardo
com as rebarbas dos ferros voltados para fora sugeriria, emocionalmente,
a expansão que o observador «vê». É verdade que uma coluna muito grossa
parece mal concebida quando, num edifício, sustenta uma arquitrave
estreita. Talvez, em imaginação, nos coloquemos no lugar da coluna, muito
à maneira de Hércules quando transferiu para si todo o peso do céu que
Atlas, antes de ser por ele transformado em rochedo, carregava sobre os
ombros. As cariátides dos templos gregos (figura 9.9) representam — e
representam literalmente — esta ideia na arquitectura. Todavia, tal
concepção, por muito directamente que esteja ligada à estética e à arte,
não pode ser tomada demasiado a sério quando utilizada como uma teoria
das ilusões. Por exemplo, a figura do dardo apresenta-se deformada seja
qual for a nossa disposição ou estado de espírito e continua deformada
quando qualquer emoção inicial tiver desaparecido, apagada pelo tédio. É
muito possível que as emoções fortes correspondam a efeitos de percepção
acentuados, mas as figuras que dão lugar a ilusões parecem singularmente
desprovidas de conteúdo emocional, excepto para aqueles que procuram
explicá-las. Mais importante do que todo o resto: as deformações são
virtualmente as mesmas para todos os observadores, muito embora as
emoções sejam diferentes (Figura 9.9 - Sente-se suficientemente homem
para arcar com este trabalho? Talvez nos identifiquemos com as colunas.
Se assim for, do ponto de vista humano, à tarefa de suportar uma tal
carga corresponderá uma estrutura adequada. É esta a ideia base da
«empatia», uma ideia chave no campo da estética. Já houve quem também
quisesse fazer dela a base das ilusões visuais).
5 — A teoria da gestação — A ideia de «gestação» é relevante para os
gestaltistas alemães que escreveram sobre a percepção. A palavra
«gestação» (equivalente a prenhez) deve aqui ser tomada no mesmo sentido
que na expressão «uma frase prenhe de significação». Uma figura
«gestante» é uma figura que exprime uma característica que pode estar
quase ausente. Supõe-se que as ilusões são devidas ao facto de a «gesta-
ção» aumentar as distâncias entre aquelas partes que parecem querer
afastar-se umas das outras e reduzir as distâncias entre aquelas que
parecem querer juntar-se.
O valor da ideia de gestação é muito duvidoso. É certo que no caso de um
grande número de pontos estar disposto ao acaso ou ordenadamente temos
tendência para os agrupar de várias maneiras, de modo que alguns passem a
formar uma figura enquanto outros são rejeitados ou dispostos segundo
outras configurações (figura 1.1), mas não parece manifestar-se qualquer
tendência para os pontos, pelo facto de os termos agrupado, mudarem de
posição — e não deveria ser esta uma predição inevitável da teoria da
gestação nas distorções do espaço?
6 — A teoria da perspectiva — Esta teoria tem uma longa história que não
temos necessidade de estudar, mas o seu conceito-base é que as figuras
que originam ilusões sugerem profundidade por efeitos de perspectiva e
que esta sugestão de profundidade acarreta mudanças de dimensão.
Parece muito verdadeiro que as figuras que produzem ilusões podem ser
consideradas como que projecções num plano de objectos a três dimensões.
É da maior importância este facto por ser capaz de levar a uma
compreensão bastante completa do que se passa com as ilusões. Consi-
deremos as três figuras causadoras de ilusões de que primeiro nos
ocupámos (figuras 9.4, 9.5, 9.6). Cada uma delas pode corresponder, da
forma mais natural, a aspectos típicos de objectos que existem a três
dimensões. As figuras que determinam as ilusões podem ser consideradas
projecções, num plano, do espaço a três dimensões — simples desenhos em
perspectiva — , verificando-se ser válida a seguinte proposição: «aquelas
partes das figuras causadoras de ilusões que correspondem à representação
de objectos afastados são ampliadas, aquelas outras que correspondem à
representação de objectos próximos são reduzidas».
É possível ver isto claramente na «ilusão do dardo». O dardo com as
rebarbas dos ferros voltadas para fora poderia representar o canto
interior de um quarto (figura 9.10). As cabeças de dardo com as rebarbas
voltadas para dentro poderiam representar a esquina exterior de um prédio
(figura 9.11). A ilusão das linhas do caminho-de-ferro ajusta-se às
linhas convergentes da perspectiva desde que se coloque a horizontal
superior mais afastada do que a horizontal inferior (figura 9.12).
(Figura 9.10 - Um canto interior. — Os bordos do tecto e das paredes, do
soalho e das paredes, formam na retina a mesma imagem que a ilusão do
dardo de Muller-Lyer, em que as rebarbas da cabeça do dardo estão
voltadas para fora. (De notar que o canto da parede estaria, na
realidade, mais afastado.) Figura 9.11 - Um canto exterior. — A linha que
delimita o topo do edifício e a que delimita a sua base formam a ilusão
do dardo em que as rebarbas da cabeça estão voltadas para dentro. Note
que o canto do edifício estaria mais próximo do observador. Figura 9.12 -
As linhas do caminho-de-ferro formam a mesma imagem na retina que a
ilusão de Ponzo. De notar que os rectângulos brancos, na realidade
exactamente iguais, variam de tamanho tal como na figura das linhas de
Ponzo.)
Todavia, é preciso desde já esclarecer que, posto que as figuras
causadoras de ilusões pareçam típicas projecções em plano do que existe a
três dimensões, cada uma dessas figuras pode sempre ser interpretada como
a representação de algo completamente diferente. As figuras dos dardos
podem representar o tecto de um edifício tal como é visto, do alto, por
um operário que repara torres de igrejas ou altas chaminés; as linhas
convergentes da ilusão dos carris podem ser simplesmente um par de linhas
realmente convergentes e não de linhas paralelas vistas como convergentes
devido à distância. As figuras causadoras de ilusões são perspectivas
típicas, mas em todos os casos podem ser também desenhos de coisas
completamente diversas.
A teoria da perspectiva tradicional estabelece apenas que estas figuras
sugerem profundidade e que, se a sugestão for admitida, as partes mais
distantes parecerão objectivamente maiores. Mas por que razão há-de
aquilo que dá a impressão de distância provocar uma mudança de tamanho
aparente? Mais ainda: por que razão há-de a impressão de uma maior
distância resultar em aumento de tamanho quando o certo é que os objectos
se vão tornando menores à medida que a distância aumenta? A teoria prevê
não um aumento, mas sim uma diminuição no tamanho daquelas partes para as
quais a perspectiva indica um maior afastamento e isso é o contrário do
que acontece.

A caminho de uma resposta


Posto que as previsões da teoria da perspectiva sejam erradas, são ainda
assim preferíveis às previsões sem qualquer relação com a realidade
objectiva. Parece existir qualquer coisa de importante na ideia de
perspectiva. Procuraremos construir uma teoria das ilusões que englobe as
impressões da perspectiva e, ao mesmo tempo, conduza a previsões
correctas e relacione as ilusões com outros fenómenos da percepção. Vale
a pena dedicar algum tempo a este assunto, pois é relacionando os
fenómenos uns com os outros que os vamos compreendendo melhor. As ilusões
deixam, assim, de ser efeitos insignificantes produzidos por certos
desenhos para se transformarem em instrumentos de investigação de
fenómenos fundamentais que comandam a nossa visão do mundo exterior.
Intervém no processamento da percepção um mecanismo que pode
perfeitamente criar ilusões: a invariabilidade da dimensão. Esta é a
tendência que apresenta o sistema de percepção para compensar as mudanças
sofridas pelas imagens formadas na retina quando varia a distância a que
é visto um objecto. É uma operação tão importante como fascinante que, em
dadas condições, podemos observar em nós próprios. Pode resultar em erro
e, quando isso acontece, em vez de manter o mundo visual relativamente
estável, lança-o na instabilidade e na distorção. Esta associação de
invariabilidade da percepção com as ilusões representa uma ideia que pode
ser considerada nova. Quando tivermos examinado a invariabilidade com
maior minudência, descreveremos as experiências já realizadas para
verificar a existência desta associação.
A imagem de um objecto torna-se duas vezes maior sempre que a distância a
que é observado é reduzida para metade. É um fenómeno simples muito
conhecido na óptica geométrica, e que tem lugar tanto na máquina
fotográfica como no olho. Basta examinar a figura 9.13 para se com-
preender por que assim acontece. O que é estranho e requer uma explicação
é o facto de, apesar de a imagem aumentar à medida que a distância do
objecto diminui, ele parece ter quase o mesmo tamanho. É o que
verificamos quando num teatro olhamos para a assistência: todos os rostos
parecem ter aproximadamente o mesmo tamanho e, todavia, as imagens dos
rostos mais distantes são muito menores do que as imagens dos que se
encontram mais próximos. Olhe para as suas duas mãos, colocando uma à
distância do braço estendido e a outra a metade dessa distância:
parecerão quase exactamente do mesmo tamanho e, no entanto, a imagem da
mão mais afastada terá apenas metade do tamanho (linear) da imagem da mão
mais próxima. Se fizer com que a sua mão mais próxima oculte
parcialmente, por sobreposição, a mais afastada, uma modificação terá
lugar: as mãos parecerão agora de tamanhos muito diferentes. É esta uma
pequena experiência que bem merece ser feita.
Figura 9.13 - A constância do tamanho. — A imagem do objecto fica
reduzida a metade sempre que duplica a distância ao objecto. Mas não
«parece» diminuir tanto como isso. O cérebro compensa a diminuição da
imagem com a distância por um processo a que chamaremos «mecanismo da
invariabilidade». (Nisto encontraremos o segredo das distorções
verificadas nas ilusões.)
O que hoje se sabe acerca da invariabilidade da dimensão já foi descrito
por Descartes em 1637, em Dioptrique.
«Não tenho necessidade de dizer algo de especial quanto à maneira como
distinguimos o tamanho e a forma dos objectos, pois encontra-se com-
pletamente subordinada à maneira como vemos a distância e a posição das
suas partes. Assim, o seu tamanho é avaliado pela nossa opinião ou o
conhecimento da distância a que se encontram, em conjunção com o tamanho
das imagens que se imprimem no fundo do olho. Não é o tamanho real das
imagens que conta. É evidente que estas são cem vezes maiores quando os
objectos estão muito perto de nós do que quando estão dez vezes mais
afastados, mas nem por isso nos fazem ver tais objectos cem vezes maiores
(a área, não o tamanho linear); pelo contrário, parecem quase do mesmo
tamanho, pelo menos até que uma distância grande de mais nos venha
enganar» — Discurso VI.
Temos aqui uma exposição tão clara da invariabilidade da dimensão como
qualquer das apresentadas mais tarde pelos psicólogos. Descartes continua
e passa a descrever o que é hoje conhecido por «invariabilidade da
forma»:
«Aqui também as nossas avaliações da forma provêm claramente do nosso
conhecimento ou opinião acerca da posição das várias partes dos objectos
e não unicamente das imagens formadas no olho, pois estas imagens
geralmente contêm elipses e losangos e fazem-nos ver círculos ou
quadrados» — Discurso V.
A capacidade do sistema de percepção para compensar as variações de
distância foi estudada em profundidade, principalmente, pelo psicólogo
inglês Robert Thouless na década de 1930. Thouless calculou o coeficiente
de invariabilidade em condições diferentes e para diferentes tipos de
pessoas. Usou uma aparelhagem muito simples — nada mais nada menos que
réguas e bocados de cartão. Para medir a invariabilidade da dimensão
colocou um quadrado de cartão a uma dada distância do observador e uma
série de outros quadrados de várias dimensões numa posição mais próxima.
O observador escolhia, de entre os quadrados colocados mais perto de si,
aquele que lhe parecia ter o mesmo tamanho que o quadrado mais afastado.
A partir das dimensões reais dos dois quadrados, fácil era calcular o
coeficiente de invariabilidade da dimensão.
Thouless verificou que, regra geral, as pessoas escolhiam um quadrado
cujas dimensões reais eram, muito aproximadamente, as do quadrado mais
afastado, posto que a imagem deste último fosse menor que a imagem do
quadrado mais próximo escolhido. A invariabilidade da dimensão era
geralmente quase perfeita em relação a objectos próximos, mas desaparecia
quando se tratava de objectos longínquos que, por serem vistos muito
pequenos, chegavam a parecer brinquedos. A constância não se mantinha
desde que existissem pontos de referência que permitissem avaliar a
profundidade. Pessoas possuidoras de elevado senso crítico e artistas
revelavam menor invariabilidade. Como Descartes já tinha dado a entender
300 anos atrás, a percepção dispõe de um mecanismo de compensação que faz
com que objectos colocados a diferentes distâncias pareçam quase do mesmo
tamanho, pelo menos se nos não enganarmos quanto às distâncias a que se
encontram situados.
Thouless mediu também a constância da forma, para o que recortou uma
série de losangos e elipses de cartão, de excentricidades variáveis, que
eram escolhidos pelo observador de maneira que correspondessem a um
quadrado ou círculo colocados inclinados em relação à linha de visão. O
losango ou elipse que servia de termo de comparação era colocado
perpendicularmente ao observador. Ainda aqui se verificou que a invaria-
bilidade era quase, mas não inteiramente, perfeita, e, também, que o
coeficiente de invariabilidade mudava apreciavelmente de indivíduo para
indivíduo. Críticos e artistas mais uma vez revelaram tendência para uma
menor invariabilidade, enquanto que certas pessoas mostraram poder fazer
variar, mais ou menos segundo a sua vontade, na situação experimental em
que operavam, o seu coeficiente de invariabilidade.
É possível vermos o nosso próprio mecanismo de invariabilidade em acção.
Tudo se passa num breve momento, mas nem por isso é menos impressionante.
Podemos obter uma boa e nítida pós-imagem olhando fixamente para uma luz
brilhante, de preferência para a luz de um «flash» e, seguidamente,
desviando a vista para uma parede ou para qualquer outro ecrã: a pós-
imagem aparecerá sobre o ecrã e adaptar-se-á à distância a que este se
encontra. A experiência a realizar consiste simplesmente em, depois de se
ter conseguido uma pós-imagem nítida, olhar para um ecrã próximo, por
exemplo, para um livro ou para a palma da mão e, a seguir, contra a
parede mais afastada do quarto ou da sala onde estivermos. Ver-se-á que a
pós-imagem muda de tamanho de forma impressionante. É pequena quando
vista de perto e muito maior se vista à distância. O tamanho da pós-
imagem aumentará aproximadamente para o dobro quando a distância a que se
encontra o ecrã sobre o qual se projecta duplicar. Esta relação directa
entre o tamanho da pós-imagem e a distância a que esta se forma é a
chamada Lei de Emmert.
A expansão da imagem persistente com o aumento da distância é devida à
invariabilidade da dimensão que, normalmente, faz a compensação da
diminuição da imagem com a distância. Aqui a imagem não diminui, pois
está fixa na retina, o que nos permite ver em acção a nossa
invariabilidade da dimensão.
Podemos agora voltar às ilusões. Se o mecanismo da constância que tende a
compensar o efeito da distância for desencadeado por aquilo que a
perspectiva sugere de profundidade, então serão de prever as distorções
observadas nas figuras causadoras de ilusões. Pode esta teoria ser
considerada muito razoável. Tem o grande mérito de não assentar senão
naquilo que já conhecemos. Relaciona dois fenómenos bem conhecidos ao
aventar que as distorções são causadas pelo mecanismo da invariabilidade
quando este é mal aplicado. Uma vez que as figuras que determinam as
ilusões são, na realidade, figuras planas, compreende-se facilmente que,
se uma figura em perspectiva fizer funcionar o mecanismo da
invariabilidade, o resultado será necessariamente a deformação dessa
mesma figura. As partes da figura indicadas como mais distantes devem
expandir-se. É o que acontece.
Mas uma coisa é apresentar uma teoria e outra o prová-la. Existem nesta
teoria, considerando-a tal como foi exposta, pontos fracos. As figuras
causadoras de ilusões, geralmente, parecem planas. Precisamos de
explicar: (1) por que razão tais figuras parecem planas apesar do que
contêm de perspectiva e (2) como é possível entrar em acção a inva-
riabilidade da dimensão, posto que as figuras pareçam planas, quando a
Lei de Emmert mostra que a invariabilidade funciona de acordo com a
distância aparente. Julgo que foram estes obstáculos que, até há bem
pouco tempo, impediram esta teoria de ser tomada na devida consideração.
Importa agora ver se tais obstáculos podem ou não ser removidos.
O primeiro não é demasiado grande. Quando olhamos para as figuras, vemos
não só as figuras mas, também, o papel sobre o qual foram desenhadas. As
figuras parecem planas porque assentam sobre uma superfície plana. Que
acontece se conservarmos as figuras mas fizermos desaparecer a superfície
plana? É fácil proceder a esta operação. Basta construir, em arame,
modelos planos das figuras e pintá-los com tinta luminosa de modo que
brilhem na escuridão. Verificamos então que as figuras causadoras de
ilusões, se forem tornadas luminosas e observadas na escuridão com um
único olho — a fim de se evitar a informação estereoscópica da sua
verdadeira profundidade ou a falta dela — parecem tridimensionais. A
figura do dardo, por exemplo, deixa de ser plana, transforma-se num canto
ou numa esquina. O dardo com as rebarbas dos ferros voltadas para fora
será, em perspectiva, o canto interior de uma sala ou quarto, enquanto
que o dardo com as rebarbas voltadas para dentro será, também em
perspectiva, a esquina exterior de um prédio. São ambos impossíveis de
distinguir de verdadeiros modelos tridimensionais em arame de cantos a
três dimensões. Esta observação dá-nos uma indicação quanto à razão por
que as figuras dos dardos normalmente parecem planas: a textura do papel
dá lugar a uma sensação que contraria aquela que recebemos da perspectiva
das figuras e anula a impressão de profundidade que, de outro modo, a
perspectiva traria até nós. É este um assunto que interessa ao artista,
pois a textura do seu papel ou da sua tela há-de sempre contrariar a
textura e as outras indicações de profundidade existentes no seu
trabalho, prejudicando assim o aspecto tridimensional deste último.
Removamos a textura e uma notável profundidade aparecerá. É o que
acontece com os negativos de fotografias a cores que a um simples exame
em contra-luz produzem uma impressão de profundidade muito maior do que
quando projectadas sobre um ecrã, sobretudo se a luz for um tanto difusa,
de modo a não revelar ligeiras imperfeições existentes à superfície da
película.
O segundo obstáculo — o facto de a invariabilidade acompanhar a distância
aparente conforme é expresso pela Lei de Emmert — é mais difícil de
demolir e tem provocado discussões científicas. Ittleson, citando cinco
psicólogos de reconhecido valor que se ocuparam do problema, diz-nos que
«a invariabilidade, conforme é universalmente reconhecido, depende de uma
exacta avaliação da distância». Apesar disso, permito-me discordar dessa
opinião que me parece não só errada mas também a causa de ainda não ter
sido apresentada uma teoria capaz de explicar satisfatoriamente o que se
passa neste domínio.
É verdade que as ilusões, regra geral, parecem planas e que a inva-
riabilidade acompanha a distância aparente tal como o formula a Lei de
Emmert, mas não se segue daí a certeza de que a invariabilidade esteja
rigidamente ligada à distância aparente. Não há nada que a impeça de ser
desencadeada por referências que constituam indicações de profundidade
mesmo quando tais referências sejam contrariadas por outras de diferente
natureza, como acontece quando perspectivas ou figuras causadoras de
ilusões são desenhadas sobre papel encorpado, não transparente. Se formos
capazes de mostrar que isto acontece, teremos encontrado uma explicação
para as ilusões e, também, descoberto algo de novo quanto à
invariabilidade.
Será necessário ir à procura de provas — e de provas que não assentem em
postulados — de que é a intervenção inoportuna da invariabilidade que dá
lugar às distorções. É este um assunto complicado e de carácter técnico,
mas passamos a enunciar algumas dessas provas.
Podemos fazer uso de figuras cuja profundidade em perspectiva se
apresenta duvidosa. Estas figuras, por exemplo, o cubo de Necker da
figura 1.4, provocam percepções de profundidade alternadas — o sistema
visual apresenta alternadamente hipóteses de duas profundidades
diferentes sem chegar a decidir-se por uma delas — e, todavia, a imagem
formada na retina, e que o cérebro recebe, permanece constante. Se
olharmos com atenção para um cubo de Necker, notaremos que muito embora
uma face alterne com outra em profundidade nenhuma delas muda de tamanho.
Isto diz-nos imediatamente que a invariabilidade não é evocada ou
regulada pela impressão de profundidade que nos dão os diagramas
desenhados sobre o papel. Se construirmos em arame luminoso um modelo
plano de um cubo que brilhe na escuridão (o que evita a textura do papel
que de outro modo serviria de fundo) chegaremos a um resultado bastante
diferente: o cubo luminoso, quando se inverte em profundidade, muda de
forma. A face que parece mais afastada, qualquer que ela seja, parece
também maior embora ambas sejam, na realidade, do mesmo tamanho. Vemos,
assim a Lei de Emmert aplicada a figuras ambíguas. Todavia, se
construirmos um verdadeiro cubo a três dimensões, verificámos que, no
momento em que ele se inverte, vemos uma pirâmide truncada em vez de um
cubo, dado que a face aparentemente mais próxima parece-nos menor do que
a face aparentemente mais afastada: a invariabilidade opera agora ao
contrário, de harmonia com a profundidade aparente e não com a
profundidade verdadeira, e produz uma distorção quando a profundidade
perceptual se inverte. Isto pode fazer pensar que a percepção da
profundidade é indispensável à invariabilidade, mas vejamos o que se
segue. Desenhemos num papel a figura de um cubo, mas juntemos-lhe uma
linha, como na figura 9.14. Esta linha, ainda que na realidade seja uma
recta, aparece curva no canto da figura do cubo. Observemos agora a linha
com cuidado quando o cubo se inverte (paradoxalmente) em profundidade e
veremos que tal linha ainda parece curva e curva no mesmo sentido. Mas
isto é diferente do que acontece quando se junta uma linha semelhante a
um verdadeiro cubo luminoso a três dimensões: neste caso, a linha ainda
aparecerá curva (devido à invariabilidade), mas o sentido da curvatura
muda quando o cubo muda de profundidade aparente (Figura 9.14 - A linha
traçada através do canto do cubo de Necker parece ligeiramente curva,
posto que seja uma recta. Parece curva no mesmo sentido quando o cubo é
invertido em profundidade. Portanto, a curvatura aparente não depende da
profundidade aparente. Mas, se o cubo for luminoso, a linha aparece
curva, acompanhando cada nova orientação do cubo).
A curvatura da linha atravessada sobre o canto da figura do cubo é
regulada não por o canto parecer voltado para dentro ou para fora, mas
por o canto ser tipicamente reentrante ou saliente. Isto é importante
porque faz pensar que a curvatura ilusória da linha directamente coman-
dada por efeitos de perspectiva (se bem que estes efeitos sejam contra-
riados pela textura do papel) não é devida ao facto de a invariabilidade
actuar conforme a profundidade aparente. Se colocarmos uma linha como
esta atravessada num cubo luminoso, a direcção da curvatura da linha muda
quando o cubo tomar primeiro uma orientação aparente e depois outra. A
Lei de Emmert não é infringida.
Existe uma técnica que permite não só medir a profundidade aparente, tal
como é dada pela perspectiva ou por outras referências, mas também obter
uma medida objectiva como resultado dessa medição. Esta técnica (criada
pelo autor) permite relacionar directamente a profundidade aparente e as
ilusões.
É bastante fácil medir uma ilusão do género das que nos têm ocupado —
distorções de dimensão ou forma. Basta mostrar a uma pessoa uma colecção
de linhas ou figuras usadas como termo de comparação e pedir a esse
observador que escolha aquela que mais se pareça com a figura que provoca
a ilusão tal como ele a vê. Evidentemente, é indispensável mostrar as
linhas ou figuras que servem de termo de comparação de modo que não
sofram qualquer distorção. Na prática, é por vezes preferível fazer com
que a linha, ou figura utilizada como comparação, seja continuamente
ajustada pelo observador ou pela pessoa que procede à experiência. A
figura 9.15 mostra um conjunto de linhas de comparação (Figura 9.15 -
Como medir uma ilusão. O observador vê a figura de um único dardo e uma
linha de comparação regulável que ajusta de modo que pareça ter o mesmo
comprimento que a linha sujeita à distorção. Obtém-se assim uma medida
directa da extensão da ilusão. (Todavia, a medição só é possível quando a
ilusão não é logicamente paradoxal.) A figura mostra o aparelho visto
pela parte posterior).
A medição da profundidade aparente apresenta-se mais difícil. Pode até
parecer impossível. Mas vejamos a figura 9.16. A figura é iluminada pela
parte posterior, a fim de se evitarem os efeitos de consistência dos
panos de fundo, e é vista através de uma folha de polaróide. Uma segunda
folha de polaróide é colocada sobre um dos olhos, cruzada com a primeira,
de modo que nenhuma luz vinda da figura chegue até este dada por efeitos
de perspectiva (se bem que estes efeitos sejam contra-estanhado através
do qual se pode ver a figura, mas que reflecte também uma ou mais fontes
de luz montadas sobre um banco de óptica. Estas fontes de luz parecem
estar dentro da figura e de facto estão opticamente dentro dela desde que
o trajecto seguido pelos seus raios luminosos até aos olhos seja o mesmo
que o percorrido pela imagem da figura até aos mesmos olhos. Mas as
pequenas fontes de luz são vistas com ambos os olhos enquanto a figura,
devido às duas folhas de polaróide cruzadas, é vista com um só.
Deslocando as fontes de luz ao longo do banco de óptica, consegue-se
colocá-las de modo que fiquem à mesma distância que qualquer parte da
figura que tiver sido escolhida para o efeito. Se a figura é em
perspectiva, ou contém qualquer referência indicadora de profundidade, as
luzes serão colocadas pelo observador não à verdadeira distância, mas à
distância aparente daquela parte da figura em relação à qual pretende
ajustar as luzes. Para pessoas dotadas de uma percepção binocular normal
da profundidade é uma tarefa simples e que permite uma avaliação muito
aceitável da profundidade aparente (Figura 9.16 - Como medir a
profundidade visual objectiva. A figura (horizontal) é iluminada pela
parte posterior para evitar a textura que lhe conferiria uma profundidade
paradoxal. A luz vinda da figura não chega a um dos olhos, devido à
existência de duas folhas cruzadas de polaróide entre ela e esse olho.
Uma luz de referência ajustável é introduzida na figura por reflexão,
proveniente de uma placa estanhada a 50%. Esta é vista com ambos os olhos
e ajustada em relação à distância aparente de qualquer parte da figura
que tenha sido escolhida. Usa-se assim a visão binocular para medir a
profundidade monocular).
Esta técnica mostra que as figuras causadoras de ilusões são, na
realidade, vistas em profundidade e que a ilusão aumenta com os efeitos
da perspectiva. Estabelecemos assim uma relação entre a ilusão e a
profundidade.

Distorções e perspectiva
No Ocidente os quartos e as salas são quase sempre rectangulares e muitos
objectos, as caixas por exemplo, têm cantos em ângulo recto. Também
muitas construções, como estradas e caminhos-de-ferro, apresentam longas
linhas paralelas que a perspectiva faz convergir. Aqueles que vivem nesta
parte do mundo têm, assim, um meio visual rico em efeitos de perspectiva
e distância. É de perguntar se as pessoas que vivem noutros meios, em
meios onde existem poucos ângulos rectos e poucas linhas paralelas,
também estarão sujeitas às ilusões que relacionamos com a perspectiva.
Dá-se a feliz circunstância de já terem sido feitos vários estudos acerca
da percepção das populações que vivem em tais meios e de já ter sido
medida a sua susceptibilidade em relação às figuras causadoras de
ilusões.
O povo que mais se distingue por viver num mundo sem perspectiva é o
zulu. O seu mundo tem sido descrito por uma «cultura circular»: as suas
palhotas são redondas e têm portas redondas, não lavram a terra em sulcos
direitos mas sim curvos, e bem pouco daquilo que possuem contém cantos ou
linhas rectas. São, portanto, indivíduos ideais para o estudo que temos
em vista. Verificou-se que, numa pequena medida, sofrem a ilusão do
dardo, mas que pouco ou nada são afectados pelas restantes.
Figura 9.17 - A cultura circular dos Zulus. Poucas ocasiões têm os Zulus
de verem linhas rectas ou cantos e não são afectados pelas figuras
criadoras de ilusões tão intensamente como as pessoas criadas numa
cultura ocidental rectangular.
Também foram estudadas pessoas que vivem em densas florestas. O seu
estudo é igualmente interessante, porque, não tendo as florestas que
habitam grandes clareiras, não têm muitas oportunidades de observar
objectos a grandes distâncias. Quando os fazem sair das suas florestas e
lhes mostram objectos distantes, não os vêem como distantes mas sim como
pequenos. Os Ocidentais, colocados em lugares muito altos, sofrem de uma
distorção semelhante quando olham para baixo. De uma janela muito alta os
objectos parecem muito pequenos, mas diz-se que os operários que reparam
torres de igrejas e altas chaminés, e os homens-aranhas, que trabalham
nos andaimes ou traves dos arranha-céus, vêem os objectos que têm muito
abaixo de si sem qualquer distorção. Parece que o contacto directo com a
realidade é importante quando se trata de escala visual dos objectos.
Este aspecto do problema ganhou relevo no estudo do caso de um homem que
foi cego em criança mas recuperou a vista, quando já de meia-idade,
graças a uma operação (ver capítulo 11). Pouco depois da operação, julgou
que podia descer com toda a segurança da janela do hospital onde estava
internado para o solo que ficava 10 ou 12 metros abaixo daquela. Posto
que o chão lhe parecesse sempre junto de si, a sua avaliação das
distâncias horizontais correntes era bastante exacta. Como os Zulus, não
sofria das ilusões mais comuns, excepto, em pequeno grau, da ilusão do
dardo.
A ilusão do dardo foi medida em vários animais, principalmente no pombo e
no peixe. A técnica consiste em ensinar os animais com os quais se
trabalha a escolher a mais comprida de duas linhas e, uma vez conseguido
isto, em apresentar-lhes as figuras de dois dardos cujas hastes são
objectivamente iguais. Escolhem eles o dardo que nos parece ser o mais
comprido? Tem-se chegado a resultados afirmativos tanto em pombos como em
peixes. Tudo leva a crer que os animais estão sujeitos a ilusões.
(Na realidade, esta experiência não é tão fácil como parece, pois é
importante assegurarmo-nos de que o animal reage ao comprimento da haste
e não ao comprimento de toda a figura. Consegue-se isto treinando os
animais com linhas em cujos extremos são colocadas figuras de formas
diferentes para assegurar que é o comprimento das próprias linhas, e não
o comprimento total das figuras, o escolhido pelos animais. Durante o
período de treino, tem-se o cuidado de não juntar às linhas o que quer
que possa produzir uma ilusão. A experiência é, sem dúvida, muito
aleatória.)
Os dados provenientes de culturas não ocidentais onde pouca perspectiva
existe (posto que alguma tenha de existir, pelo menos a perspectiva com
origem na paralaxe do movimento, «perspectiva dinâmica») mostram que as
ilusões são muito reduzidas e, em grande parte, desaparecem quando as
referências fornecidas pela perspectiva são quase insignificantes. O caso
do homem que, em criança, foi cego leva a supor que as ilusões dependem,
em parte, do uso anterior da visão. O estudo dos animais faz pensar que
as ilusões não atingem unicamente o sistema de percepção humano, pois
aparecem em olhos e cérebros menos desenvolvidos. Seria curioso
transferir animais para um meio ambiente onde não existisse perspectiva e
medir depois as suas ilusões. Tudo indica que as ilusões não teriam
lugar. A experiência foi tentada no laboratório do autor, mas
infelizmente os peixes que estavam a ser estudados morreram, embora se
presuma que não morreram por razões perceptuais.
Ainda a propósito de povos não ocidentais, talvez valha a pena
acrescentar que pouco ou nada compreendem quando em presença de desenhos
ou fotografias de objectos que lhes são familiares e que o mesmo
acontecia ao cego que veio a recuperar a vista. É muito provável que as
referências fornecidas pela perspectiva só venham a ser utilizadas
decorrido muito tempo, quando já ligadas ao tacto, e que só então, quando
apropriadas, façam aparecer distorções de dimensão em figuras planas.
Existem algumas indicações de que as figuras causadoras de ilusões dão
origem a distorções de dimensão susceptíveis de serem apreendidas pelo
tacto. Aparentemente, o fenómeno também se verifica quando um cego toma
conhecimento da figura, tocando-a. As indicações mais concretas aparecem
principalmente quando se trata da ilusão do dardo, mas convém ter
presente que esta ilusão talvez não seja a mais indicada, porque aqui uma
avaliação errada do comprimento pode ser devida à limitada acuidade, no
espaço, do sentido do tacto. É de admitir uma tendência para situar o fim
da linha para além do canto quando as rebarbas da cabeça do dardo estão
voltadas para fora e, para aquém, quando estão voltadas para dentro,
resultando daqui um alongamento, no primeiro caso, e um encurtamento, no
segundo. Como vimos, ao apreciar a teoria da acuidade limitada, esta
explicação é o que há de menos plausível para ilusões vistas, dada a
grande acuidade do olho, mas pode ser a explicação de uma ilusão táctil
onde a acuidade é tão pequena que é possível os cantos das figuras dos
dardos serem deslocados em virtude do que foi exposto. Isto seria
completamente despropositado, de modo que é preferível não tomarmos as
ilusões do tacto demasiado a sério até sabermos mais alguma coisa acerca
delas. Mas, se na verdade, se vier a descobrir que existem distorções do
tacto que não têm origem na limitada acuidade deste sentido, então as
distorções provocadas por ilusões aparecerão sob um aspecto ainda mais
geral e importante do que hoje em dia aparecem.

10. A arte e a realidade


A perspectiva, tal como é por nós conhecida na arte ocidental, é algo de
muito recente. Não existe perspectiva em toda a arte primitiva conhecida
e na arte de todas as civilizações que precederam a Renascença Italiana.
Na pintura, muito desenvolvida mas escrava de leis rígidas entre os
antigos Egípcios, as cabeças e os pés são sempre vistos de perfil, nunca
apresentam a diminuição aparente dada pela perspectiva, o que faz com que
as figuras se assemelhem um tanto às da arte infantil. A pintura e o
desenho dos Chineses são muitíssimo curiosos a este respeito. Neles a
distância é representada segundo regras fixas que colidem com a geometria
e que, frequentemente, dão lugar ao que poderíamos considerar uma
perspectiva invertida — linhas que divergem em vez de convergir quando a
distância aumenta. É surpreendente que a simples perspectiva geométrica
tenha levado tanto tempo a desenvolver-se — muito mais do que o fogo ou a
roda — quando, em certo sentido, existiu sempre e esteve sempre à vista.
Mas existe perspectiva na Natureza? Será a perspectiva uma descoberta ou
uma invenção dos artistas da Renascença?
Figura 10.1 - Este canaletto é um excelente exemplo da perspectiva.
Merece toda a atenção. Terá o artista pintado a perspectiva geométrica
tal como apareceu na imagem que se formou na sua retina ou terá pintado a
cena tal como a viu — depois do seu mecanismo da invariabilidade da
dimensão ter compensado a diminuição da imagem causada pela distância? A
pergunta pode ser respondida fotografando o tema do quadro e comparando a
perspectiva geométrica assim obtida com a obra de arte que o pintor
veneziano nos deixou.
Figura 10.2 - Uma cena egípcia. As figuras são apresentadas em posições
características e sem perspectiva. A perspectiva não foi introduzida na
Arte até à Renascença Italiana.
Figura 10.3 - Um esboço de Leonardo que mostra como objectos a três
dimensões são representados sobre um plano.
Figura 10.4 - «Perspectiva» chinesa. Qualquer coisa de muito estranho,
pois nem é perspectiva geométrica nem o mundo tal como aparece depois de
ter intervindo o mecanismo da invariabilidade da dimensão. É de presumir
que os Chineses adoptassem representações simbólicas altamente
convencionalizadas.
Figura 10.5 - Um dos primeiros exemplos de perspectiva: A Anunciação de
Crivelli (c. 1430-95).
Foi Leonardo da Vinci (1452-1519) quem primeiro expôs claramente as leis
e os princípios da perspectiva. Fê-lo nos seus «Livros de Notas», onde
esboça um plano de estudos ordenado para uso do artista, plano que
inclui, além da perspectiva, o estudo da forma como estão dispostos os
músculos existentes junto à superfície do corpo, da estrutura dos olhos
dos homens e dos animais e a botânica. Chama à perspectiva «as redes e o
leme» da pintura e descreve-a da seguinte forma:
«A perspectiva não é mais do que a visão de um plano colocado por trás de
uma folha de vidro lisa e transparente, sobre a superfície da qual todos
os objectos se aproximam do centro do olho em pirâmides, e essas
pirâmides são intersectadas sobre a folha de vidro.»
Leonardo considerou a perspectiva do desenho como um ramo da geometria. Descreveu
como, por estranho que pareça, a perspectiva pode ser directamente
desenhada sobre uma folha de vidro. Foi esta a técnica usada pelos
grandes mestres holandeses e, mais tarde, sob uma forma mais evoluída,
pelos que usaram a câmara escura. Esta emprega uma lente para formar a
imagem da cena que pode então ser desenhada directamente. A projecção é
regulada unicamente pela geometria da situação e constitui a chamada
perspectiva geométrica. Mas, como Leonardo compreendeu mais claramente do
que muitos outros escritores que se lhe seguiram, este assunto está
relacionado com muito mais do que a simples geometria da situação.
Leonardo incluiu na sua explicação da perspectiva outros efeitos tais
como as brumas e os tons azulados que aparecem com o distanciamento.
Chamou também a atenção para a importância das sombras e dos sombreados
na representação da orientação dos objectos. Estas considerações saem do
âmbito da geometria pura, mas, como veremos, estão intimamente
relacionadas com uso da perspectiva, porque são indispensáveis para se
evitar a ambiguidade desta última.
Toda a projecção de uma perspectiva é ambígua. Uma perspectiva exacta
pode ser condição necessária, mas nunca é suficiente para indicar a
profundidade. Vejamos uma simples elipse — a da figura 10.6. Tanto pode
representar um objecto elíptico, visto normalmente, como um objecto
circular, visto obliquamente. Esta figura não representa uma única e
determinada espécie de objecto: pode ser a projecção de qualquer dos
objectos de um tipo que inclui uma infinita variedade deles, cada qual
visto debaixo de certo ângulo! A arte do desenhador e do pintor consiste,
em grande parte, em fazer com que aceitemos uma de entre uma imensa série
de possíveis interpretações de uma figura, em fazer com que vejamos certa
forma como a veríamos se estivéssemos em determinado ponto. É aqui que a
geometria acaba e a percepção começa. Para limitar a ambiguidade da
perspectiva, o artista é obrigado a fazer uso das indicações perceptuais
de distância ao alcance de um observador que só faça uso de um dos olhos.
São-lhe vedadas as indicações binoculares da convergência e da
disparidade, bem como as da paralaxe do movimento. A verdade é que estas
indicações, a serem empregadas, só lhe seriam prejudiciais. Em geral, um
quadro reproduz a profundidade de forma mais perfeita e intensa quando
observado com um único olho e sem mover a cabeça.
Temos que atender a uma dupla realidade. O quadro é, em si, um objecto
físico e os nossos olhos vêem-no como tal, encostado a uma parede, mas
isso não impede que represente um sem-número de temas diferentes —
pessoas, navios e edifícios — que existem no espaço. É missão do artista
levar-nos a rejeitar a primeira realidade e a transmitir-nos a segunda,
de modo que vejamos todo o seu mundo e não simplesmente manchas de cor
espalhadas sobre uma superfície plana.
Como vimos no exemplo da elipse, uma figura pode representar determinado
objecto visto de determinada posição, ou qualquer objecto de uma infinita
série de objectos um tanto diferentes e vistos com diferentes
orientações. Isto significa que para uma figura representar sem
ambiguidade o que quer que seja precisamos de saber o que é o objecto na
realidade, qual é a sua forma ou como está colocado no espaço. É muito
mais fácil representar objectos que nos são familiares do que objectos
que nos são estranhos. Quando sabemos o que é o objecto, sabemos também
como ele tem de estar situado para aparecer na projecção tal como é
representado pelo artista. Por exemplo, se sabemos que certa elipse
representa um objecto circular ficamos a saber que este tem de estar
disposto segundo um determinado ângulo — ângulo este de que depende a
excentricidade atribuída pelo artista à figura que desenhou sobre uma
superfície plana. Ninguém ignora que as rodas, os pratos dos serviços de
jantar, a pupila do olho humano, etc., são objectos circulares e, para os
objectos familiares, a tarefa do artista é fácil. Quão fácil ela é
podemos avaliá-lo pelo poder que têm algumas linhas muito simples de
indicar em desenhos, formas, orientações e distâncias desde que seja
conhecido o objecto de que se trata. Reparemos no desenho do rapaz do
arco — figura 10.7. É evidente que a elipse representa um círculo visto
sob um ângulo oblíquo, porque sabemos que ela representa um arco e porque
sabemos que os arcos são circulares. O arco do desenho é, na realidade, a
elipse, vista sem qualquer contexto, da figura 10.6. Mas agora que
sabemos o que é, sabemos como a havemos de ver (Figuras 10.6 e 10.7 -
Estará a forma representada abaixo em perspectiva? Só poderemos responder
se soubermos o que representa. No desenho (à direita) a forma é
claramente um objecto circular inclinado). Teria sido muito mais difícil
para o artista representar um arco deformado.
Reparemos na forma amiboide do vinho entornado — figura 10.8. Vemo-la
como se estivesse assente sobre uma superfície plana (a estrada), muito
embora aquele contorno tanto possa representar o que supomos representar
como toda uma infinidade de formas dispostas segundo diferentes
orientações. Suponhamos que fazemos desaparecer todo o resto do desenho
de modo que não subsista qualquer indicação acerca do que representa a
forma de que nos ocupámos. A figura 10.9 mostra apenas a poça. As
probabilidades de tal figura representar o que representa, ou qualquer
forma indeterminada, mais ou menos vertical e voltada para nós, são as
mesmas. (Não parece ela ligeiramente mais alta no desenho completo, em
que é sem dúvida uma poça no chão, do que quando é uma forma
indeterminada? Será que o contexto faz intervir o mecanismo da
invariabilidade?) Apesar da figura ser tão simples, faz-nos vir à mente
toda uma série de incidentes — especialmente o que acontece quando
deixamos cair garrafas — e este conhecimento físico é que decide da
maneira como vemos a forma amiboide (Figuras 10.8 e 10.9 - A poça está
claramente assente no chão e horizontal: é o que acontece com todas as
poças. Na figura da direita temos a mesma forma que representou a poça do
desenho, mas qual é a sua posição no espaço? Poderia perfeitamente estar
direita (vertical)).
Podemos agora passar a outro exemplo que, embora também constituído por
uma elipse e também incluído num desenho, refere-se a um aspecto algo
diverso do assunto de que nos estamos a ocupar. Vejamos o que se passa
com a elipse da figura 10.10 (Figura 10.10 - Outra elipse. Desta vez,
partimos do princípio de que é um círculo e vemo-lo horizontal, porque
sabemos que o rapaz sob o soalho (que quase vemos!) serraria um buraco
circular). Esta elipse é interessante, porque sendo apresentada sem
qualquer perspectiva não deixa dúvidas de que está assente no chão. É
vista como um círculo. O garoto, por baixo, podia estar a recortar um
buraco elíptico, mas partimos do princípio de que está a cortar um
círculo e isto situa o nosso ponto de observação a certa altura acima do
solo, o que não acontece em virtude de qualquer característica do desenho
mas unicamente em virtude da nossa interpretação, baseada no conhecimento
que temos do que são os rapazes. Quando um artista faz uso da perspectiva
geométrica não desenha o que vê: representa a imagem que se forma na sua
retina. Como sabemos, esta é muito diferente da que resulta depois da
entrada em acção da invariabilidade. Uma fotografia apresenta a imagem da
retina e não a cena tal como ela nos aparece. Comparando o desenho com
uma fotografia tirada exactamente do mesmo sítio onde o desenho foi
feito, podemos avaliar em que medida o artista se deixou guiar pela
perspectiva e em que medida foi influenciado pelas modificações
introduzidas pelo mecanismo da invariabilidade na imagem formada na sua
retina. Geralmente, os objectos muito afastados aparecem demasiado
pequenos na fotografia. É tão frequente como desolador uma grande cadeia
de montanhas ter toda a aparência de montículos de terra levantados por
uma toupeira!
A situação é aqui curiosa. A máquina fotográfica dá-nos a verdadeira
perspectiva geométrica, mas como não vemos o mundo tal como ele é
projectado na retina ou na máquina a fotografia parece-nos contrária à
verdade. Não nos devemos surpreender que os povos primitivos pouco ou
nada sejam capazes de compreender do que vêem numa fotografia. Foi, na
verdade, um bem que a perspectiva tivesse sido inventada antes da máquina
fotográfica, porque, de outro modo, poderíamos ter tido a maior
dificuldade em admitir que as fotografias não são estranhas deformações.
Mesmo com os nossos actuais conhecimentos, fotografias há que parecem
completamente deformadas, principalmente quando a máquina não foi mantida
horizontalmente.
Se a máquina for apontada para cima, para «apanhar» um edifício muito
alto, o edifício dá a impressão de estar a cair para trás. E, no entanto,
isto é que é a verdadeira perspectiva. As torres parecem convergir
ligeiramente, embora não tanto como acontece numa fotografia tirada da
mesma posição mas fazendo a máquina tomar o mesmo ângulo que os raios
visuais. Alguns arquitectos reconheceram que a compensação visual da
distância é menos perfeita quando olhamos para cima e construíram as suas
torres divergindo ligeiramente desde os alicerces até ao topo. O exemplo
mais flagrante é o magnífico Campanile de Florença desenhado por Giotto.
Aqui, o artista, trabalhando como arquitecto, aplicou à realidade uma
perspectiva invertida para compensar a deficiência dos olhos na correcção
da perspectiva. Há exemplos de técnicas semelhantes haverem sido
aplicadas no plano horizontal, o mais notável dos quais é a Piazza San
Marco, em Veneza. A Piazza não é um verdadeiro rectângulo, pois diverge
para a catedral de forma a parecer um rectângulo perfeito quando a
catedral é vista através da Piazza. Encontramos outras distorções da
realidade a favor do olho e do cérebro em alguns dos templos da antiga
Grécia. Um deles é o Pártenon.
Principiamos a compreender a razão por que os pintores levaram tanto
tempo a adoptar a perspectiva. Num sentido, e num sentido muito
significativo, as representações em perspectiva do que existe a três
dimensões estão erradas, porque não correspondem ao que na realidade é
visto, mas, sim, e em certa medida, às imagens (idealizadas) que se
formam na retina. Ora, nós nem vemos as imagens que se formam na nossa
retina nem vemos o mundo exterior conforme o tamanho ou a forma dessas
imagens que são impressionantemente modificadas pela invariabilidade da
dimensão. Deveria o artista pôr de parte a perspectiva e desenhar o mundo
tal como o vê?
Se ele rejeitar por completo a perspectiva, os seus desenhos ou pinturas
tornar-se-ão planos a não ser que consiga utilizar, com suficiente força,
outras indicações de distância. Isto parece quase impossível. Por outro
lado, se conseguir representar a profundidade por outros meios, a pintura
voltará a parecer falseada, porque estes outros meios farão funcionar o
sistema da invariabilidade do espectador e expandir os objectos
representados como mais distantes. Daqui resulta que o artista deve fazer
uso da perspectiva — desenhar mais pequenos os objectos distantes — se o
mecanismo da invariabilidade do observador for afectado pelas indicações
de profundidade que estiverem a ser utilizadas. Na verdade, se o pintor
ou desenhador fosse capaz de reproduzir todas as indicações de
profundidade geralmente presentes, então deveria fazer uso integral da
perspectiva de modo que o espectador visse as dimensões e as distâncias
como se estivessem em frente da cena original a três dimensões. Mas, e
isto é o mais importante, na prática, não se pode esperar a reprodução de
todas as indicações de profundidade existentes na realidade e, assim, há
que fazer uso de uma perspectiva modificada.
Quanto às figuras criadoras de ilusões que dão distorções (figuras 9.4, 5
e 6) é interessante notar, uma vez que todas elas estão ligadas à
perspectiva e que todas dão lugar à expansão das partes tipicamente mais
distantes das perspectivas, é interessante notar que as ilusões tendem a
reduzir as distorções da perspectiva dos desenhos do mundo exterior.

As demonstrações em perspectiva de Ames


O psicólogo americano A. Ames, que principiou a vida como pintor,
realizou uma série demonstrações sobre os fenómenos da percepção que tem
tanto de engenhosa como de interessante. A mais conhecida de todas é a da
«sala deformada». Esta é constituída por uma caixa de forma estranha que
pode ter as dimensões de uma sala comum. A parede mais afastada não é,
porém, perpendicular aos raios visuais do observador, pois recua num dos
lados, de modo que o canto correspondente a esse lado fica mais afastado
do que o outro em relação ao mesmo observador. Porém, a perspectiva é
usada de modo que esta sala de forma estranha faça aparecer na retina a
mesma imagem que uma vulgar sala rectangular. Mas tal como existe sempre
um número infinito de disposições de objectos e de orientações capazes de
criar na retina uma determinada imagem, assim existe um número infinito
de «salas deformadas» capazes de criarem as mesmas imagens que as de uma
sala rectangular em tudo semelhante àquelas que estamos habituados a ver.
Com que se parece a «sala deformada» de Ames? Parece-se com uma sala
rectangular como outra qualquer. Não há nisto nada de surpreendente.
Tinha de se parecer com uma sala vulgar desde que tivesse sido construída
rigorosamente segundo a perspectiva e fosse vista de uma posição
apropriada, uma vez que a imagem por ela produzida é a mesma que a
produzida por uma sala vulgar. Mas, se colocarmos objectos ou pessoas
nessa sala passam a acontecer coisas muito estranhas. Um objecto colocado
no canto mais afastado diminui de tamanho. Parece demasiado pequeno
porque a sua imagem é mais pequena do que seria de esperar para a
distância aparente dessa parte da sala. Também um adulto pode diminuir
até parecer menor de que uma criança (figura 10.11 - Impossível?
Aceitamos a sala como rectangular, posto que o não seja, e vemos as
figuras de tamanhos diferentes. É o que acontece no interior da sala
deformada de Ames. Estamos tão habituados a salas rectangulares que
«apostamos» na hipótese de a sala ser normal. Mas, desta vez, enganámo-
nos.). É importante notar que este efeito repete-se na fotografia. Na
realidade, a sala não é indispensável para se obter o efeito, porque a
fotografia dá-nos, na retina, a mesma imagem que a sala. A única
diferença é que na fotografia há que entrar em linha de conta com a
textura de uma superfície plana (Figura 10.12 - A geometria da sala
deformada de Ames. Na realidade, a parede mais afastada recua em relação
ao observador (e à máquina fotográfica) do lado esquerdo. A figura da
esquerda está mais longe, mas as paredes e as janelas estão dispostas de
modo a formarem, na retina, a mesma imagem que uma sala normal
rectangular. As figuras dir-se-iam à mesma distância e de tamanhos
diferentes. Nesta sala a figura quase duplica de tamanho.).
Evidentemente, estamos tão habituados a salas rectangulares que aceitamos
axiomaticamente como de tamanho normal os objectos e as pessoas — sejam
adultos ou crianças — e não nos ocorre a ideia de poder estar a anomalia
na forma da sala. Mas é esta uma situação em que, a apostar, se poderia
apostar ao acaso: a anomalia tanto pode estar numa coisa como na outra
como em ambas. Aqui o cérebro perde a aposta, porque o investigador faz
batota, cria condições em que ele tem muito mais probabilidades de errar
do que de acertar. Talvez o que existe de mais interessante na sala
deformada de Ames seja a demonstração de que, quando se trata de
percepção, o problema consiste em fazer a aposta que pareça mais razoável
em face das indicações de que se dispõe. Tem-se dito que as mulheres não
vêem os maridos deformados pela sala — vêem-nos como pessoas normais e
vêem a sala tal como ela é, com a sua forma estranha. Admiremos o poder
da fé!
Recapitulando: a sala deformada de Ames, quando vazia, nada nos diz
acerca da percepção. Se tiver sido bem construída, tem de parecer uma
sala rectangular vulgar, com a mesma projecção que esta em relação ao
ponto donde o investigador faz a sua observação. Terá também,
necessariamente, de parecer uma sala vulgar quando vista por uma máquina
fotográfica — ou por qualquer outro aparelho óptico do género do olho que
possamos conceber — desde que não seja recebida, por outra via,
informação acerca da distância. Mas, logo que algo de material (como as
pessoas) se lhe junte, a sala põe em relevo o facto de que a
interpretação da percepção obriga a apostar no que parece mais verosímil.
Uma sala excessivamente deformada é tão pouco provável (pelo menos para
os olhos de um ocidental) que a percepção erra quando a verdade é
precisamente aquilo que menos se espera. Isto dá-nos uma ideia da
importância que assume, em matéria de percepção, a experiência
anteriormente adquirida ou o que foi anteriormente visto. Só aquilo que é
familiar — e é o caso dos maridos — recusa deixar-se deformar pela sala.
O lidar muito com esta, principalmente o tocar as suas paredes, mesmo que
só com uma vara segura na mão, reduz gradualmente o seu poder deformante
sobre os objectos. A própria sala acaba finalmente por aparecer tal como
é — deformada.
Outra célebre criação de Ames é a janela giratória. Trata-se de um
objecto plano, não rectangular, semelhante a uma janela, a que um pequeno
motor imprime um lento movimento. Existem sombras pintadas sobre ele, de
modo que, quando gira, a fonte luminosa que, aparentemente, dá origem às
sombras tem que girar com ele de forma pouco natural, uma vez que as
«sombras» sobre a «janela» nunca mudam de comprimento. O que se vê é uma
série de ilusões muito complexa. A direcção da rotação é ambígua e parece
mudar espontaneamente. (É o efeito do moinho de vento que se observa
quando as velas são vistas, projectadas contra o céu, sob certo ângulo. A
direcção da rotação, quando olhamos, parece inverter-se.) Qualquer
pequeno objecto preso à janela giratória, parece, de repente, deslocar-se
numa direcção inverosímil, quando a verdade é que essa direcção é a
verdadeira e que a imagem da janela é falsa. A janela pode mudar
extraordinariamente de tamanho — um efeito impressionante e digno de nota
— parecendo expandir-se de maneira impossível. É evidente que a
invariabilidade da dimensão foi perturbada, mas dizer como, em situação
tão complexa, seria difícil. A demonstração é de grande efeito, mas
demasiado complicada para poder transformar-se num bom instrumento de
trabalho.

Os gradientes de Gibson
Os trabalhos de J. J. Gibson, principalmente no que se refere à percepção
da profundidade, são justamente célebres. Gibson estudou especialmente a
importância da textura dos gradientes (figura 10.13) e da paralaxe do
movimento na determinação da distância aparente. Fez sempre notar a
importância do estudo das situações reais, das que se nos deparam a céu
aberto. Também, nos seus últimos escritos, manifesta a opinião de que a
análise cuidadosa dos efeitos das várias tramas de estímulos da retina
deve bastar para a compreensão da percepção. Apresenta argumentos contra
todos os modelos, neurológicos ou cibernéticos, referentes a processos de
percepção que supomos terem lugar no cérebro (Figura 10.13 - A textura
como indicação de uma superfície inclinada.).
Gibson concebeu muitas e bem pensadas experiências sobre situações em que
a profundidade é dominada e obrigada a obedecer. Ocupou-se especialmente
de um efeito tão poderoso que pode desafiar e suplantar a profundidade
estereoscópica — a ocultação dos objectos mais distantes por outros mais
próximos, que já tinha sido um tema favorito de Helmholtz. Uma das mais
belas demonstrações de Gibson consiste em fazer com que o objecto mais
afastado se sobreponha, aparentemente, ao mais próximo, cobrindo-o
parcialmente. Para isto utilizou cartas de jogar com bocados cortados,
como se vê na figura 10.14.
Dispondo uns efeitos contra outros (invertendo uns tantos e lançando mão
de artifícios como a troca de visão entre os olhos e a disposição das
cartas de jogar de Gibson), é possível calcular a importância relativa
das várias indicações de profundidade, incluindo a chamada perspectiva
aérea das brumas da atmosfera descrita por Leonardo e Helmholtz, que
torna os objectos distantes mais azuis e menos distintos (Figura 10.14 -
Um artifício engenhoso que brinca com a profundidade. As duas colecções
de quadrados, ainda que pareçam à mesma distância, estão a distâncias
diferentes. Na terceira fila de cartas de jogar o valete está, na
realidade, mais próximo do que a sena de paus. Figura 10.15 - O aparelho
usado para se conseguir o efeito na figura anterior. O quadrado mais
próximo e a carta de jogar foram cortados de modo que, na realidade, não
cobrissem parcialmente o quadrado e a carta mais afastados. O resultado é
de tal forma inverosímil que a distância dos quadrados e das cartas mais
afastadas é invertida. Isto mostra que a sobreposição dos objectos mais
afastados pelos que se encontram mais próximos é uma importante indicação
de distância e implica certo conhecimento do mundo dos objectos.).
Deve ser possível medir a potência das várias indicações de profundidade
empregando a nova técnica, descrita no último capítulo, que nos fornece
medidas objectivas da profundidade aparente.
Ainda não é bem conhecido até onde o pintor se serve das indicações
normalmente usadas para a percepção do mundo e até onde emprega
artifícios que são bem apreendidos pelos cognoscenti, mas que não apa-
recem na Natureza ou não são usados pelos olhos. Seria possível aprender
alguma coisa acerca da percepção normal estudando as técnicas, os êxitos
e os fracassos dos artistas. Estes, por sua vez, poderiam aumentar os
seus conhecimentos se pensassem mais e mais pormenorizadamente nos
problemas relacionados com a maneira como são vistos os objectos no mundo
real.
Se um desenho (ou uma fotografia) for apresentado sem a textura do papel
sobre o qual foi lançado — para o que se pode colocar um negativo em
contraluz num quarto sem qualquer outra iluminação — a perspectiva, ou
quaisquer outras particularidades do desenho, farão com que este apareça
com surpreendente profundidade, como se fosse estereoscópico. Geralmente,
o pintor é, em larga medida, prejudicado pela tela sobre que pinta, mas
não é impossível ao cientista vir em seu auxílio desde que ele se resolva
a pôr de parte o paradoxo de uma profundidade que é sugerida mas não
verdadeiramente vista.

O sombreado e as sombras
Nos desenhos em que só se utilizam linhas faz-se muito uso do sombreado
para indicar a distância e a orientação dos objectos. O sombreado, por
meio da indicação da textura, pode ser usado para mostrar a posição de um
objecto. O sombreado é muitas vezes convencional. O pontuado e as linhas
uniformemente espaçadas indicam uma superfície plana horizontal, os
espaços desiguais que a superfície é irregular em profundidade.
O sombreado pode também ser uma indicação de sombra — o que é diferente
da regularidade de textura de uma superfície. As sombras indicam a
direcção em que a luz cai sobre um objecto e, também, o sítio em que um
segundo objecto intercepta a luz. A parte superior de um objecto, pela
sua própria configuração, pode pender sobre a parte inferior e lançar
sobre ela uma sombra — tal como quando a textura é indicada pela sombra —
e, então, tanto a textura da superfície como a direcção da iluminação são
indicadas pela forma e direcção das sombras. É surpreendente a
importância destas. As sombras são importantes como suplemento da visão
quando se utiliza um único olho, porque então o resultado é qualquer
coisa de muito próximo da visão binocular. A fonte luminosa revelada
pelas sombras substitui aquele olho do pintor que tem de estar ausente.
Examinemos um retrato tirado de frente mas com uma forte iluminação
lateral. O perfil do nariz vê-se projectado sobre uma das faces (figura
10.16 - Duas posições de uma mesma máquina fotográfica e um único ângulo.
As sombras mostram o perfil do nariz.). A sombra dá-nos assim um segundo
aspecto do nariz. Obtemos o mesmo efeito quando olhamos para a Lua
através do telescópio: o nosso conhecimento dos perfis das crateras e
montanhas lunares provém da observação das sombras por elas produzidas
quando iluminadas obliquamente pelo Sol. É possível medir os comprimentos
das sombras e deduzir com exactidão a altura e a forma das montanhas da
Lua. Mas isto é exactamente o que faz o sistema de percepção durante a
maior parte do tempo: o mundo parece-nos plano quando temos a luz pelas
costas e não existem sombras. (Figura 10.17 - (Parte superior). Um modelo
da Lua com as montanhas e as crateras representadas em profundidade por
meio das sombras. (Parte inferior). O mesmo modelo da Lua, mas agora ao
contrário. O que era uma montanha aparece como uma depressão. A direcção
das sombras indica as diferentes profundidades.)
Já observámos que a profundidade perceptiva pode ser invertida trocando
nós opticamente as imagens recebidas pelos nossos olhos, isto é, fazendo
com que cada olho receba o que normalmente é recebido pelo outro. (Ver
capítulo 4.) É interessante notar que, se a origem da profundidade é o
«olho» constituído pela fonte luminosa que cria as sombras, a inversão
continua a ser possível: basta que tal «olho» mude de posição. O
importante é que, normalmente, a luz vem de cima: o Sol não pode brilhar
abaixo do horizonte e a luz artificial é geralmente colocada ao alto.
Todavia, quando a iluminação vem de baixo temos tendência para obter uma
profundidade invertida, exactamente como se os nossos olhos tivessem
sido, pelo que diz respeito à óptica, trocados um pelo outro.
Este efeito não passou despercebido a alguns dos autores mais antigos:
David Brewster (1781-1868) conta nas suas «Letters on Natural Magic»
(Cartas da Magia Branca) como com a mudança da direcção da luz — que
passa a ser de baixo para cima em vez de cima para baixo — as gravações
aparecem como camafeus e vice-versa. Numa das primeiras reuniões da
«Royal Society» um dos membros fez uma comunicação a este respeito. Tinha
notado o fenómeno ao examinar ao microscópio uma moeda de guinéu.
Brewster disse a propósito:
«A ilusão... resulta de operações realizadas no nosso próprio cérebro;
avaliamos a forma dos corpos guiando-nos pelos conhecimentos da luz e da
sombra que tínhamos anteriormente adquirido.»
Estudos experimentais, posteriormente efectuados por Brewster, revelaram
que este efeito é mais acentuado nos adultos do que nas crianças e que a
profundidade visual pode sofrer uma inversão mesmo quando a profundidade
verdadeira é indicada pelo tacto. Estes trabalhos fazem parte das mais
antigas experiências de psicologia. Hoje em dia, sabemos que os frangos
estão sujeitos a esta mesma ilusão que neles é inata.
Este mesmo efeito pode aparecer quando se observa a Lua com um
telescópio. É possível que venha a perturbar, em certa medida, os astro-
nautas quando tiverem de efectuar alunagens.
Ainda que as sombras estejam ligadas aos objectos e possam ser
consideradas como deles fazendo parte, a verdade é que, no geral, se
mantêm inteiramente distintas e que poucas vezes se dão confusões entre
os objectos e as suas sombras. Todavia, as sombras, pelo que diz respeito
à percepção, são tão importantes que podem dar lugar à percepção de
objectos que não existem. As grandes letras da figura 10.18 não são mais
do que sombras de letras imaginárias. Será este o efeito que, por vezes,
nos faz ver fantasmas? (Figura 10.18 - Letras? Não, só sombras. Todavia,
vemos os objectos que produziriam tais sombras. Olhemos com atenção: não
existem letras em relevo a produzir sombras, posto que nós as «vejamos».
Por vezes, o cérebro inventa objectos para tentar dar uma significação,
um sentido, àquilo que é apresentado aos olhos.
SHADOW)

11. Temos de aprender a ver?


Desde remota antiguidade se põe em filosofia esta questão: — Como se nos
tornou conhecido o mundo? Os sistemas de filosofia podem considerar-se
divididos em dois grandes grupos: metafísicos — os que pretendem que já
nascemos com um certo conhecimento do mundo — e os empíricos — os que
afirmam que devemos todo o conhecimento à experiência sensível. Para um
filósofo da escola metafísica, é evidente a possibilidade — desde que o
pensamento se concentre suficientemente e seja convenientemente orientado
— de se fazerem descobertas acerca do mundo, sentados numa cadeira de
braços. Não importa que a descoberta em vista consista em saber quantos
são os planetas. Até neste caso, não há necessidade de alguém se levantar
e ir contá-los. Para um empirista esta pretensão é absurda. Para saber é
preciso observar.
Durante 2000 anos, os metafísicos mantiveram as suas opiniões chamando a
atenção para as matemáticas, especialmente para a geometria, onde novas
verdades estavam a ser continuamente descobertas, e não através de
experiências ou de observações, mas sim pelo pensamento e pelo partido
tirado dos verdadeiros jogos malabares a que se prestam os símbolos. Foi
só no século passado que se compreendeu que as descobertas de carácter
matemático eram de natureza especial, pois que representam não o
conhecimento do mundo exterior mas o dos arranjos possíveis entre os
símbolos. As descobertas da matemática dizem respeito à matemática e não
ao mundo. Sabemos que só é possível existir uma geometria. Podem-se
inventar outras, mas decidir qual delas melhor se ajusta ao nosso mundo é
uma questão empírica. A matemática é útil quando se trata de definir as
fases de um raciocínio e quando permite que se sucedam automaticamente as
passagens que conduzem do enunciado de um problema à sua solução. Isto
admitindo que um método adequado foi encontrado. É ainda útil para a
apresentação metódica e ordenada de dados que convém ter presentes, mas
incapaz de estabelecer, como faz a observação, verdades acerca do mundo
exterior. Há, todavia, muitos animais que parecem saber o que é este
último, mesmo antes de com ele terem tomado contacto. Os insectos são bem
sucedidos no jogo das escondidas a que se entregam, tanto com os seus
perseguidores como com as suas presas, antes de terem tido tempo de
aprender os segredos do tal jogo. As aves migratórias fazem uso das
posições relativas das estrelas para se guiarem sobre a imensa monotonia
dos oceanos, mesmo que, antes disso, nunca tivessem visto o céu. Como
podem tais coisas acontecer, se os empiristas têm razão e todo o
conhecimento provém dos sentidos?
A psicologia experimental nasceu da filosofia e o fumo e as cinzas das
velhas controvérsias ainda a ela se apegam. Os psicólogos estabelecem uma
distinção entre reacções inatas e adquiridas. As primeiras supõem a
existência do conhecimento independentemente de qualquer acontecimento
anterior com ele relacionado; as segundas, a existência do conhecimento
como filho da observação. Mas o objectivo dos psicólogos difere do
objectivo dos filósofos que os precederam. Para os filósofos, o problema
punha-se assim: — Podemos saber antes de termos sentido? Para os
psicólogos a pergunta é: — Podemos sentir antes de termos aprendido a
sentir? Por vezes, confunde-se uma destas perguntas com a outra, quando,
na realidade, são bem diferentes. Só nos interessa a segunda, a questão
posta pelos psicólogos. Não há dúvida de que os insectos e os pássaros
podem reagir adequadamente à hostilidade do mundo exterior logo da
primeira vez que com ela deparam, mas isto não faz deles filósofos
metafísicos. São herdeiros, por direito próprio, de um estado de conhe-
cimento conquistado à custa de desastres ancestrais. O que é aprendido
por um indivíduo não pode ser herdado directamente pelos seus descen-
dentes, mas os caracteres genéticos podem ser modificados pela selecção
natural no sentido de habilitarem o indivíduo a enfrentar a hostilidade
da realidade ou de se acomodarem a situações que lhes eram, até ao
momento, completamente desconhecidas. A forma de proceder em certas
circunstâncias e o dom de reconhecer certos aspectos do mundo exterior,
como a presença de velhos inimigos, são tão importantes para a sobre-
vivência de uma criatura como a sua própria constituição. Não têm os
membros e os sentidos qualquer utilidade, se não estiverem habituados a
actuar, como são inúteis os instrumentos que não sejam manejados e
guiados por mãos adestradas. Da mesma forma que reflexos simples,
adquiridos sem aprendizagem, servem para proteger um animal muito novo
dos perigos de uma queda ou de uma asfixia, assim as percepções inatas
podem-no proteger de outros perigos.
Os animais que estão muito longe do topo da escala da evolução dependem
quase inteiramente da percepção inata do mundo exterior. Mas os limites
da sua percepção são muito apertados e todas as suas reacções
estereotipadas. Não há dúvida de que certos insectos são capazes de
aprender, e aprendem, através da percepção, mas quase tudo o que sabem
continua a ser de origem inata. Os seus conhecimentos adquiridos em pouco
mais consistem do que na localização exacta da colmeia ou do abrigo que
lhes serve de base ou refúgio quando regressam das suas expedições. A
abelha não tem o trabalho de aprender o que se passa com as flores. Liba
onde as suas antepassadas encontraram néctar, porque foi o néctar que
lhes permitiu sobreviver. O tipo de pétalas que encerra néctar ficou
gravado no cérebro da abelha, porque aquelas que não receberam ou
deixaram apagar essa codificação morreram por falta de mel.
Se admitirmos que a estrutura do organismo se aperfeiçoa pela selecção
natural, não surpreende que o mesmo aconteça com o comportamento e a
percepção.
O que, vendo a Natureza como a vê um empirista, seria, na verdade,
surpreendente o depararmos com o «reconhecimento» imediato de formas
artificiais ou pouco importantes. É o que aconteceria, por exemplo, se
uma criança fosse capaz de compreender uma língua que não lhe tivesse
sido ensinada, porque tal conhecimento não poderia ter sido codificado
geneticamente. Mas não existem provas da existência deste género de
conhecimento inato e imediato. O que fica exposto pode hoje parecer
evidente, mas não há muito tempo os metafísicos afirmavam muito a sério
que, pelo pensamento puro e sem recurso à observação, podia-se saber qual
o número dos planetas. Esta opinião pareceu incontestável numa época em
que as opiniões dos empiristas foram consideradas absurdas e sem qualquer
relação com a realidade.

A cura da cegueira infantil


O homem é completamente indefeso durante o longo período da sua infância.
Durante todo este tempo, exactamente porque a criança é um ente
essencialmente passivo, que não pode reagir de forma adequada, existe a
maior dificuldade em descobrir até onde vai a sua percepção do mundo
exterior. O problema que se põe ao psicólogo é o de descobrir o que a
criança é obrigada a aprender e o que lhe é oferecido como brinde, sob a
forma de conhecimento nato, pela Natureza. O grande psicólogo americano
William James descreveu o mundo dos bebés como uma tremenda confusão de
som e imagens. Será realmente assim? Como poderemos avaliar aquilo com
que se parece o mundo visual do bebé? Esta pergunta vem fascinando os
filósofos que tentam descobrir, interrogando homens que só muito tarde
tiveram possibilidade de se servir dos olhos, como as crianças principiam
a ver. É muito raro um cego de nascença adquirir, já depois de adulto, o
sentido visual, mas casos desta natureza já se deram.
O que um cego aprende, com o tempo e com a prática, foi objecto da
atenção de Descartes no seu Dioptrique. Descartes pondera a forma como um
cego descobre o mundo, percutindo-o com a sua bengala:
«É verdade que, sem muita prática, esta espécie de sensação é um tanto
confusa e pouco intensa, mas, se considerarmos homens que nasceram cegos
e dela fizeram uso durante toda a sua vida, verificaremos que tacteiam
com tal exactidão e perfeição que poderíamos dizer que vêem com as mãos.»
(Discurso VI).
Pode-se daqui deduzir que este género de aprendizagem é talvez necessário
para que a criança normal desenvolva o seu mundo visual.
John Locke (1632-1704) recebeu de Molyneux uma carta célebre em que
formulava esta pergunta:
«Suponhamos um cego, agora adulto, que aprendeu pelo tacto a distinguir
uma esfera de um cubo feito do mesmo metal. Suponhamos ainda que o cubo e
a esfera estão colocados sobre uma mesa e que o cego passou a ver.
Pergunta-se: ser-lhe-ia possível, só pela vista, antes de os ter tocado,
distinguir o cubo da esfera e dizer qual era o cubo e qual a esfera?...
Um espírito penetrante e judicioso responde: não. O homem sabe, por
experiência, que o cubo e a esfera impressionam o seu tacto desta e
daquela maneira, mas ignora completamente de que maneira um e outro
impressionarão a sua vista.»
Locke comenta da seguinte forma:
«Concordo com este avisado gentleman, que me orgulho de contar entre os
meus amigos, na resposta que dá à pergunta. Sou de opinião que o cego, a
princípio, não seria capaz de dizer com certeza qual era o globo e qual
era o cubo...»
Temos aqui uma experiência de carácter psicológico que foi, no passado,
assunto para especulação filosófica e, hoje, se tornou matéria de
investigação de carácter experimental.
George Berkeley (1685-1753), o filósofo irlandês, também se ocupou do
problema. Diz-nos ele:
«Para libertarmos os nossos espíritos de ideias preconcebidas que
possamos ter em relação ao assunto de que estamos a tratar, nada mais
indicado do que meditarmos no caso de um cego de nascença que, mais
tarde, já adulto, conseguiu ver. E, posto que talvez não seja tarefa
fácil pormos inteiramente de parte o que já aprendemos, usando a visão, e
passarmos a pensar exactamente como o faria um cego, temos, apesar disso
e tanto quanto possível, de nos esforçar por conceber o que se passaria
no seu espírito.»
Berkeley continua dizendo que devemos estar preparados para que tal
pessoa não saiba se um objecto está
«...colocado em sítio alto ou baixo, direito ou invertido... porque os
objectos a que até ali estava habituado a aplicar os termos para cima e
para baixo, em cima e em baixo, só existiam na medida em que afectavam o
seu sentido do tacto ou eram, de qualquer forma, por ele percepcionados;
mas as realidades exteriores, que são geralmente conhecidas através da
visão, criam novas ideias, ideias inteiramente distintas, diferentes das
primeiras e estranhas à percepção obtida pelo tacto.»
Berkeley ainda prossegue para dizer que, em sua opinião, seria necessário
algum tempo para que a pessoa aprendesse a associar o tacto com a visão.
Isto é uma afirmação clara de que os bebés só têm percepção depois de
certa aprendizagem. Postulado este geralmente aceite pelos filósofos
empiristas.
Tem havido vários casos do género do imaginado por Molyneux. O mais
famoso foi descrito por Cheseldon, em 1728, e diz respeito a um rapaz de
13 anos. Foram registados ao todo cerca de sessenta casos desde um, em
1020, até ao último da série, investigado poucos anos atrás pelo autor e
por um seu colega, referente a um homem que foi cego desde os 10 meses
até aos 52 anos de idade.
Alguns dos casos de que há notícia correspondem, em grande parte, àquilo
que os filósofos empiristas esperavam. Os pacientes pouco podiam ver a
princípio e eram incapazes de notar diferenças entre objectos ou formas
muito simples ou, mesmo, de as designar. Por vezes, foi preciso um longo
período de aprendizagem antes que pudessem tirar partido da visão. Muitos
nunca chegaram a adaptar-se e desistiram, continuando a viver a vida dos
cegos depois de terem sofrido graves perturbações emocionais. Por outro
lado, também houve quem passasse a ver bastante bem, quase de início,
especialmente os que eram inteligentes, activos e tinham recebido uma boa
educação quando cegos. A grande dificuldade que estas pessoas tiveram em
dizer os nomes dos mais simples objectos que a visão lhes revelava e a
lentidão com que se desenvolvia a sua percepção impressionaram a tal
ponto o psicólogo canadiano D. O. Hebb que atribuiu alto significado a
estes factos e aceitou que a aprendizagem da percepção é importante para
a criança.
É, todavia, indispensável não esquecer que nem todos os casos estudados
revelam extrema dificuldade ou lentidão na aquisição da visão. Devemos
também ter presente que é inevitável a perturbação que a operação
cirúrgica provoca na óptica do olho de modo que não podemos contar com a
formação de uma imagem razoável antes que o olho, a seguir à operação,
tenha tido tempo de se reajustar. Isto é talvez de capital importância no
caso da ablação do cristalino ou da operação da catarata (as primeiras
operações foram todas deste tipo), mas, nos outros casos, em que é
possível operar — opacidade da córnea — os estragos suportados pelo olho
no seu todo são sensivelmente menos acentuados. As operações de enxerto
da córnea são todas relativamente recentes. O caso que tive a
oportunidade de investigar antes de outrem dele se ter ocupado era deste
último género.

O caso de S. B.
Chamaremos S. B. ao homem a quem aconteceu o que vamos relatar. Tinha 52
anos e fora sempre, quando cego, inteligente e activo. Costumava dar
passeios de bicicleta acompanhando um amigo cujo ombro segurava para se
guiar. Muitas vezes punha de parte a sua bengala branca, do que resultava
ir bater contra automóveis e camiões estacionados e magoar-se. Gostava de
trabalhos manuais. Tinha um barracão no seu jardim, onde fabricava, com
instrumentos muito simples, pequenos objectos. Durante toda a sua vida
procurara imaginar como seria o mundo da luz e, ao lavar o carro do
cunhado, o que era frequente, esforçava-se por fazer uma ideia tão exacta
quanto possível da forma do automóvel. Suspirava pelo dia em que pudesse
ver, ainda que o seu caso tivesse sido considerado incurável e que nenhum
cirurgião se mostrasse disposto a desperdiçar com ele uma córnea doada.
Finalmente, fez-se uma tentativa que foi coroada de êxito. Mas, embora a
operação tivesse sido bem sucedida, tudo acabou numa tragédia.
Quando, pela primeira vez, lhe tiraram as ligaduras dos olhos e deixou de
ser cego, ouviu a voz do cirurgião. Voltou-se na direcção donde vinha o
som e apenas viu uma névoa. Compreendeu, por causa da voz, que estava ali
um rosto, mas nada pôde distinguir. Não viu de repente o mundo exterior
tal como nós o vemos quando descerramos as pálpebras.
Todavia, dentro de poucos dias, conseguiu tirar partido dos olhos;
caminhou ao longo dos corredores do hospital sem fazer uso do tacto e
conseguiu mesmo ver as horas num grande relógio de parede, porque
costumava usar um relógio de bolso sem vidro que consultava com as pontas
dos dedos. Passou a levantar-se ao amanhecer e a ver passar, da sua
janela, os automóveis e os camiões. Ficou encantado com os progressos que
fazia, progressos, na verdade, muito rápidos.
Quando deixou o hospital, levámo-lo para Londres e mostrámos-lhe muitas
coisas que nunca conhecera pelo tacto, mas passou a sentir-se
estranhamente desanimado. No jardim zoológico foi capaz de dizer os nomes
da maior parte dos animais, porque tinha afagado animais domésticos e
perguntado que diferenças existiam entre os cães e os gatos, que conhecia
pelo tacto, e os outros animais. Como é natural, eram-lhe familiares os
brinquedos e os modelos. Não havia dúvida de que utilizava o que
anteriormente aprendera pelo tacto e o que ouvira às pessoas que podiam
ver, para dizer, vendo-os, os nomes dos objectos. Nisto guiava-se
principalmente pelos aspectos mais característicos do que tinha diante de
si. Mas o mundo parecia-lhe monótono. Incomodava-o a pintura estalada de
uma parede e as manchas e defeitos que notava nos objectos. Gostava das
cores brilhantes, mas ficava deprimido quando a luz se extinguia. O seu
abatimento foi-se tornando cada vez maior e mais generalizado. Pouco a
pouco, deixou de viver uma vida activa e, três anos depois, morreu.
Parece que as pessoas que recuperam a vista, depois de muitos anos de
cegueira, ficam profundamente deprimidas. A causa desta depressão é,
provavelmente, complexa, mas para isso deve ter contribuído o com-
preenderem quanto perderam enquanto estiveram cegas — e não só por quanto
deixaram de ver mas, também, por quantas oportunidades para elas nunca
existiram. Algumas dessas pessoas voltam, passado pouco tempo, a viver
sem luz e deixam de fazer qualquer esforço para ver. S. B., muitas vezes,
não dava volta ao comutador quando anoitecia e continuava sentado, na
escuridão.
Procurámos descobrir com que se parecia o seu mundo visual, fazendo-lhe
perguntas e propondo-lhe testes de percepção muito simples. Quando ainda
estava no hospital, antes de ser atacado de depressão, mostrava-se muito
cuidadoso com as opiniões que emitia e com as respostas que dava.
Verificámos que não era normal a forma como avaliava as distâncias. Outro
tanto anteriormente acontecera em relação a pessoas na mesma situação.
Julgava que poderia tocar o solo com os pés, se se pendurasse no peitoril
da janela, mas o solo estava a 10 ou 12 metros abaixo desta! Por outro
lado, conseguia calcular muito razoavelmente tanto distâncias como
dimensões, desde que já as conhecesse pelo tacto. Posto que ficasse
demonstrado ser a sua percepção nitidamente anormal, poucas vezes se
mostrava surpreendido fosse com o que fosse. Desenhou um elefante (figura
11.2) antes de lhe termos mostrado um no Jardim Zoológico, mas, quando o
viu, disse imediatamente «ali está o elefante» e afirmou que se parecia
muito com aquilo que tinha imaginado (Figura 11.2 - Como S. B. desenhou
um elefante. Fez este desenho antes de ter visto o animal. Meia hora
depois, mostrámos-lhe um no Jardim Zoológico de Londres e não manifestou
a menor surpresa.). Um objecto houve e um objecto que nunca poderia ter
conhecido pelo tacto — a Lua — que lhe causou a maior surpresa. Alguns
dias depois da operação, viu o que lhe pareceu ser um reflexo numa
janela: não era um reflexo mas sim um dos quartos da Lua. Perguntou à
enfermeira-chefe de que se tratava e, quando esta lhe respondeu, disse
que sempre pensara ser a Lua qualquer coisa semelhante a uma fatia de
bolo. Durante o resto da sua vida mostrou-se fascinado por reflexos em
espelhos. Costumava passar horas, sentado no café da sua terra, a olhar
para um espelho onde se reflectiam as imagens das pessoas.
S. B. nunca aprendeu a servir-se dos olhos para ler embora lesse os
caracteres Braille que lhe tinham ensinado na escola dos cegos. Todavia,
viemos a verificar que conhecia à vista as maiúsculas de imprensa e os
números e isto sem necessidade de qualquer treino ou ensino especial. Foi
para nós uma grande surpresa. Apurou-se que lhe tinham ensinado a ler, na
escola de cegos, as maiúsculas mas não as minúsculas. Costumavam dar ali
aos alunos letras em relevo, sobre blocos de madeira, a fim de aprenderem
a conhecê-las pelo tacto. Mas, ainda que S. B. lesse, imediatamente e à
vista, as maiúsculas de imprensa, levou muito tempo a aprender as
minúsculas e nunca foi capaz de ir além da leitura de palavras muito
simples. O certo é que esta descoberta da possibilidade de leitura
imediata e à vista de letras que tinham sido aprendidas por meio do tacto
veio mostrar claramente que conhecimentos antigos, devidos ao tacto,
podiam ser utilizados a favor de uma recém-adquirida visão. Isto é de
muito interesse para o psicólogo, porque prova que o cérebro não está
nitidamente dividido em compartimentos como muitas vezes se supõe. Mas
tudo o que se pode averiguar, em casos desta natureza, é de difícil ou,
mesmo, impossível aplicação ao bebé inteiramente normal que começa a ver.
O adulto cego sabe muito acerca do mundo exterior, pois muito aprendeu
através do tacto e do que lhe disseram pessoas dotadas de visão: é-lhe,
assim, possível usar parte desta informação para, a partir de indicações
muito ligeiras, completar a identificação de objectos. É também obrigado
a aceitar o seu novo sentido e a nele confiar, o que equivale ao abandono
de hábitos radicados pela passagem de muitos anos. Na realidade, o seu
caso é muito diferente do do bebé.
O uso feito por S. B. do que anteriormente aprendera pelo tacto nota-se
claramente naquilo que desenhou, a nosso pedido, quando internado no
hospital e durante todo o ano que se seguiu a esse internamento. A série
de desenhos de autocarros (figura 11.3) revela a sua incapacidade para
desenhar fosse o que fosse em que ainda não tivesse tocado. No primeiro
desenho, as rodas têm raios porque os raios são a parte da roda mas
facilmente perceptível ao tacto. As janelas parecem ser representadas tal
como ele as conhecia do interior do veículo — e, mais uma vez, pelo
tacto. É impressionante a completa ausência de toda a parte da frente do
autocarro, parte que lhe era impossível inspeccionar com as mãos e que
seis meses, ou até um ano mais tarde, ainda não aprendera a desenhar. A
gradual aparição de letreiros nos desenhos foi um sinal de que a educação
visual se estava a processar. Durante todo o ano que se seguiu à
operação, a complicada inscrição do último desenho continuou a não ter,
para S. B., qualquer significação, se bem que, quando ainda internado no
hospital, já soubesse ler as maiúsculas das letras de imprensa que lhe
tinham ensinado a conhecer por meio das mãos. Parece que, logo a seguir à
operação, passou a utilizar largamente tudo quanto aprendera pelo tacto
durante a sua cegueira e muito tempo decorreu antes que a sua visão
deixasse de estar estreitamente cingida àquilo que já sabia anteriormente
(Figura 11.3 – (Em baixo): O primeiro desenho de S. B. representa um
autocarro (48 horas depois da operação de enxerto da córnea. O que
desenhou tinha, provavelmente, aprendido pelo tacto. Falta a parte da
frente que nunca tacteara e que não foi capaz de desenhar, mesmo quando
lhe pedimos que o fizesse. (À direita e em cima): Seis meses depois — Já
aparece a escrita e os raios das rodas (com origem em antigas sensações
tácteis) foram suprimidos, mas ainda não é capaz de desenhar a parte da
frente do autocarro. (À direita e em baixo): Um ano depois, acrescenta os
letreiros, mas a parte dianteira falta sempre.).
Vimos a forma impressionante como se manifestou a dificuldade de S. B. em
fazer uso da sua vista e de confiar nela ao atravessar uma rua. Antes da
operação, o tráfego não lhe metia medo. Costumava atravessar sozinho, com
a bengala ou o braço teimosamente estendido diante de si, e era ver o
tráfego serenar e abrandar como as águas diante de Cristo. Depois da
operação, eram necessários dois homens, um de cada lado, para o obrigar a
atravessar uma rua. Em toda a sua vida, nunca dele se apossaria um terror
igual ao que sentia nestas ocasiões.
Logo após a saída do hospital, quando só ocasionalmente a depressão de
que veio a sofrer o atormentava, preferia por vezes usar unicamente o
tacto para identificar os objectos. Mostramos-lhe um simples torno,
aparelho de que sempre desejara fazer uso, e ficou muito excitado.
Mostrámos-lhe primeiro dentro de uma montra do Science Museum — o Museu
da Ciência — em Londres e depois abrimos a montra. Enquanto esta esteve
fechada, o seu único comentário foi que a parte mais próxima do torno
parecia ser um eixo — e realmente era-o. Tratava-se do eixo de
transmissão transversal. Logo que o deixámos fazer uso do tacto, fechou
os olhos, colocou uma mão sobre ele e afirmou com convicção que era um
eixo. Durante cerca de um minuto, manteve os olhos fechados e passou
sofregamente as mãos sobre o resto do torno. Depois recuou um pouco,
olhou fixamente e disse: «Agora que lhe toquei, posso vê-lo».
Ainda que muitos filósofos e psicólogos pensem que casos desta natureza
podem permitir-nos aprender bastante a respeito do desenvolvimento da
percepção normal nas crianças, penso que tais casos bem pouco nos
ensinam. Como vimos, a grande dificuldade consiste no facto de o adulto,
com o seu grande repositório de conhecimentos recebidos doutros sentidos,
e por descrição de pessoas dotadas de visão normal, diferir muito do bebé
a quem nada ainda aconteceu, desprovido de qualquer conhecimento
experimental. É extremamente difícil e, talvez seja completamente
impossível, usar casos desta natureza para responder à pergunta formulada
por Molyneux. Aquilo que se nos depara é, na verdade, interessante e
comovente, mas, tudo ponderado, pouco nos diz acerca do mundo do bebé. Os
adultos a quem a vista foi restituída, ou a quem foi dada, não são
fósseis vivos de crianças.

Estudo directo dos bebés


Para descobrirmos quanto tem o bebé humano de aprender para poder ver é-
nos indispensável possuir indicações de natureza muito diferente da dos
factos que acabámos de passar em revista. Temos de averiguar directamente
o que um bebé pode ver ou de aumentar os nossos conhecimentos pelo que
diz respeito às possibilidades dos adultos quando se trata de aprender a
ver objectos insólitos. Em primeiro lugar, examinemos os elementos que o
próprio bebé nos pode fornecer.

Os movimentos dos olhos do bebé


Frantz abordou recentemente, de forma completamente diferente de tudo o
que até aqui tem sido dito, a questão de se descobrir até onde vai a
visão do bebé. Contornou a dificuldade representada pela quase completa
ausência, no bebé, de movimentos controlados, aproveitando um dos poucos
movimentos deste género que o bebé possui: a faculdade de voltar os olhos
para os objectos que lhe despertam interesse. Frantz instalou, confor-
tavelmente deitados de costas e a olhar para cima, bebés muito novos,
quase recém-nascidos e colocou sobre as suas cabeças pares de figuras,
desenhadas sobre grandes cartões, de modo que pudessem facilmente voltar
os olhos para elas (figura 11.4). Os olhos foram observados e
fotografados por meio de uma máquina de filmar, sendo cuidadosamente
registado o tempo durante o qual se voltaram para cada uma das duas
figuras. Verificou-se que os bebés fixavam durante mais tempo um desenho
representando um rosto humano do que um desenho em que figuravam,
dispostas ao acaso, as mesmas linhas que tinham servido para representar
aquele rosto. Parece que para um bebé que ainda nada aprendeu de
especial, a face humana tem já uma significação e, se assim é, estamos em
presença de uma nova, simples e importante descoberta. (Figura 11.4 - (À
direita). O aparelho de Fantz para observar os movimentos dos olhos dos
bebés quando se lhes mostram vários desenhos ou objectos. Aqui, mostram
ao bebé uma bola iluminada e, ao mesmo tempo, fotografam os movimentos
dos seus olhos. (Em baixo). Um simples rosto e um desenho feito com as
linhas, dispostas ao acaso, que serviram para representar o rosto foram
mostradas a bebés quase recém-nascidos. Olharam durante mais tempo para o
rosto (a julgar pelos movimentos dos olhos). Figura 11.5 - Alguns dos
resultados das experiências de Fantz baseadas nos movimentos dos olhos
dos bebés. As barras horizontais mostram os tempos relativos por eles
gastos a olhar para os vários desenhos que figuram à esquerda do
diagrama.)
Notou-se também que os bebés, entre um objecto simples e redondo e a sua
representação plana parecem preferir o próprio objecto, o que fez pensar
possuírem um sentido inato de profundidade.
Estas experiências podem constituir a prova da existência de uma reacção
visual imediata a realidades biologicamente importantes, mas mesmo isto
está longe de poder ser considerado uma certeza, porque os bebés tinham
visto anteriormente os rostos das mães e é possível que a preferência por
modelos semelhantes a rostos tão cedo verificada não seja realmente
inata, mas, sim, qualquer coisa que foi assimilada com grande rapidez,
talvez por aparecer ligada aos prazeres da amamentação.

O «Precipício Visual»
A Senhora Eleanor Gibson, um dia em que fazia um piquenique à beira do
Grand Canyon, perguntou a si própria se um bebé colocado à beira do
precipício teria, instintivamente, um movimento de recuo. A pergunta foi
o ponto de partida para uma bela experiência que incluiu a construção de
um Grand Canyon — mas em miniatura e inofensivo. O dispositivo é o da
figura 11.1 e compõe-se essencialmente de uma «ponte» central formada a
um dos lados por um vulgar e sólido soalho e, do outro, por uma grande e
forte lâmina de vidro por baixo da qual fica o «precipício». Um bebé na
idade de engatinhar ou, noutras experiências, um animal muito novo, é
colocado sobre a «ponte». A pergunta para que se procura uma resposta é:
será o bebé capaz de engatinhar sobre a lâmina de vidro que se sobrepõe
ao «precipício»? O que acontece é que o bebé não sai da «ponte» pelo lado
da lâmina de vidro, mesmo que a mãe o chame sacudindo o seu chocalho, o
que o não impede de engatinhar alegremente do outro lado, onde o soalho é
semelhante a qualquer outro. Parece, assim, que os bebés, naquela fase em
que andam de gatinhas, se apercebem pela vista da existência de uma cova
ou de um fosso. O valor prático desta noção da altura perigosa é,
todavia, um tanto diminuído pelo facto de a criança esquecer por vezes
onde tem as pernas e rodar sobre si própria, de modo que cairia de costas
no «precipício», se não estivesse protegida pelo soalho transparente
(Figura 11.1 - A «falésia visual». Esta experiência, imaginada por Mrs.
Eneanor Gibson, faz o bebé, ou um animal muito novo, defrontar um
precipício, coberto por uma placa de vidro. O bebé recusa-se a engatinhar
sobre o vidro que cobre o precipício e mostra, assim, ter a noção da
profundidade e ver o perigo.).

Imagens deslocadas
O que acabámos de dizer é, muito aproximadamente, tudo quanto é conhecido
de maneira directa acerca da percepção dos bebés. Para levar por diante o
estudo da forma como se processa a educação da percepção temos de
concentrar a nossa atenção em indicações menos directas e muito
diferentes das anteriores. Até onde é capaz um ser humano adulto de se
adaptar a mudanças bizarras do seu mundo visual?
Antes que Kepler tivesse compreendido que, devido à interposição do
cristalino, a imagem que se forma na retina é uma imagem invertida,
Leonardo supunha que os raios luminosos para darem uma imagem direita,
tinham de se cruzar em dois pontos no interior do olho: na pupila e no
humor vítreo. É de presumir que Leonardo estivesse convencido de que uma
imagem invertida faria com que víssemos o mundo «de cabeça para baixo».
Mas seria assim?
O assunto foi minuciosamente examinado por Helmholtz que afirmava não ter
importância o ser a imagem direita ou invertida, desde que ela
permanecesse sistematicamente ligada às realidades do mundo exterior tal
como o conhecemos pelo tacto e outros sentidos.
Acreditava que temos de aprender a ver o mundo relacionando as sensações
visuais com as sensações tácteis, mas que nada se perdia por a imagem ser
invertida. Helmholtz defendia a tese de que é importante não retardar a
educação da percepção, apontando o que acontece aos adultos que nascem
cegos e, mais tarde, passam a ver graças a uma operação. Na realidade,
Helmholtz não chegou a provar de forma concreta que temos necessidade de
«aprender a ver correctamente», mas estava firmemente convencido de que a
dificuldade que muitos doentes têm em dizer nomes de objectos e avaliar
distâncias apoiava a sua teoria empírica de que a percepção depende da
educação. Já vimos algumas das dificuldades que surgem quando se tenta
uma interpretação para estes casos.
Podemos estudar a ideia de Helmholtz, de que é necessária uma
aprendizagem para não vermos tudo «de cabeça para baixo», através
daquelas experiências em que, propositadamente, foi tornada direita a
imagem invertida que se forma na retina.

Imagens invertidas
As experiências podem dividir-se em dois grupos: aquelas em que a posição
ou orientação da imagem é alterada e aquelas em que a imagem é,
propositadamente, deformada. Principiaremos pelo trabalho clássico do
psicólogo americano G. M. Stratton que, colocando diante dos seus olhos
lentes que invertiam as imagens, veio a ser o primeiro homem em cuja
retina se formaram imagens direitas.
Stratton construiu uma grande variedade de dispositivos ópticos
destinados a deslocar ou inverter as imagens da retina. Utilizou sistemas
de lentes e espelhos, incluindo telescópios especiais, montados em
armações de óculos que permitiam uma utilização contínua. Os sistemas de
lentes determinavam inversões, tanto horizontais como verticais. Stratton
verificou que, se usasse simultaneamente dois sistemas de lentes
inversoras para obter uma visão binocular, deixava de existir a conver-
gência normal e daí resultava um grande mal-estar em consequência desse
«stress». Por tal motivo, aplicou um telescópio inversor a um dos olhos e
manteve o outro vendado. Quando não fazia uso das lentes inversoras,
vendava ambos os olhos. A princípio, ainda que as imagens invertidas
fossem nítidas, os objectos pareciam ilusórios, irreais.
«...as imagens da visão normal que a memória conservava e apresentava
continuavam a ser o padrão e a estabelecer o critério da realidade. Os
objectos eram assim vistos de uma maneira e «pensados» de outra
inteiramente diferente. O mesmo se dava em relação ao meu próprio corpo,
cujas partes eu sentia estarem onde as veria se tirasse o aparelho (as
lentes inversoras) mas que me apareciam numa outra posição. Todavia, a
localização indicada pelas anteriores percepções visuais e tácteis
continuava a ser a localização verdadeira».
Mais tarde, porém, os objectos costumavam por vezes parecer quase
normais.
A primeira experiência de Stratton durou três dias e, nesse espaço de
tempo, fez uso do «aparelho» durante 21 horas. Chegou, então, às
seguintes conclusões:
«É-me quase possível afirmar que o problema principal — o da importância
da inversão da imagem da retina para se obter uma visão direita — foi
completamente resolvido pela experiência, isto porque se a inversão da
imagem da retina fosse absolutamente necessária à visão direita difícil
seria compreender como a cena, no seu conjunto, poderia ter aparecido,
mesmo temporariamente, direita, num momento em que a imagem formada na
retina não era uma imagem invertida».
Ainda assim, só ocasionalmente os objectos pareciam normais pelo que
Stratton procedeu a uma segunda experiência, usando durante oito dias o
dispositivo monocular inversor que concebera. Pelo que diz respeito ao
terceiro dia, escreveu:
«Passar pelos estreitos espaços que os móveis deixam entre si exigia
muito menos cuidado do que até então. Quando escrevia, podia olhar para
as minhas mãos sem que isso me perturbasse ou fizesse hesitar».
Ao quarto dia, achou mais fácil distinguir o lado direito do esquerdo,
destrinça que anteriormente fora muito difícil:
«Quando olhava para as minhas pernas e para os meus braços, ou mesmo
quando concentrava a atenção nas minhas novas representações visuais, o
que via parecia-me mais direito do que invertido».
Ao quinto dia, Stratton pôde andar pela casa com facilidade. Quando se
deslocava rapidamente os objectos que o rodeavam pareciam quase normais,
mas, quando os examinava com atenção, tinham tendência para parecer
invertidos. Algumas das partes do seu próprio corpo pareciam não estar no
seu lugar, em especial os ombros que, naturalmente, não podia ver. Mas,
quando chegou à tarde do sétimo dia, ao dar o seu passeio, apreciou pela
primeira vez toda a beleza da cena que tinha diante de si.
Ao oitavo dia, pôs de parte os óculos inversores e verificou que:
«...a cena parecia estranhamente familiar. A forma como a vista dispunha
os objectos era a antiga, a dos dias que tinham precedido as
experiências, mas a reversão que se tinha operado em tudo, em relação ao
que fora a ordem a que me habituara durante a semana anterior, dava ao
que me rodeava um aspecto estranho que só se desvaneceu passadas várias
horas. Mas não se tratava da sensação de estar fosse o que fosse de
cabeça para baixo».
Ao ler os relatos de Stratton e dos investigadores que se lhe seguiram,
fica-se com a impressão de que existe sempre qualquer coisa de bizarro no
seu mundo visual, muito embora todos eles tenham a maior dificuldade em
explicar exactamente do que se trata. É possível que não seja o mundo
invertido que criaram que se torne normal, mas sim eles próprios que
deixem de notar quão estranho ele é, até que a sua atenção seja atraída
por qualquer pormenor que venha pôr em evidência as anomalias existentes.
Lemos descrições de casos em que a escrita aparece perfeitamente centrada
no campo visual e, à primeira vista, inteiramente normal, mas, quando a
tentam ler, apresenta-se invertida.
Stratton procedeu a outras experiências menos conhecidas, mas tão
interessantes como as que acabámos de descrever. Construiu um jogo de
espelhos que, montado numa armação (figura 11.6), deslocava visualmente o
seu próprio corpo, fazendo-o aparecer disposto de forma horizontal diante
dele e à altura dos seus olhos. Stratton usou este jogo de espelhos
durante três dias (aproximadamente, 24 horas de visão) e diz-nos:
«Tinha a impressão de que estava mentalmente fora do meu corpo. Senti,
por várias vezes, essa impressão fugidia, mas muito acentuada enquanto
durava... Logo que me concentrava e que passava a analisá-la, toda a
simplicidade de que o fenómeno se revestia desaparecia e as minhas acções
visíveis passavam a ser acompanhadas por uma duplicação delas próprias,
expressa nas condições visuais anteriores.» (Figura 11.6 - A experiência
de Stratton. Nela Stratton, por meio de um espelho, viu-se a si próprio
suspenso no espaço diante dos seus olhos. Deu os seus passeios pelo campo
usando este dispositivo.)
Stratton resumiu os seus trabalhos da seguinte forma:
«As diferentes percepções sensoriais, qualquer que seja a extensão que
acabem por assumir, são coordenadas num sistema espacial consistente e
harmonioso. Chega-se à conclusão de que a harmonia consiste na coinci-
dência daquilo que acontece com o que esperávamos que acontecesse... As
condições essenciais para que exista harmonia são simplesmente as
necessárias para que os dois sentidos — a vista e o tacto — se possam
controlar reciprocamente. Esta opinião, inicialmente baseada nos
resultados obtidos por meio de lentes inversoras, deve ser agora tomada
em sentido mais lato, uma vez que, como o mostra a última experiência, a
uma determinada posição táctil pode corresponder um espaço visual não só
em qualquer direcção mas também a qualquer distância dentro do campo
visual.»
Vários investigadores continuaram o trabalho de Stratton. G. C. Brown
utilizou prismas para rodar de 75° o campo visual de ambos os olhos,
tendo notado uma diminuição na percepção da profundidade e que o uso
continuado dos prismas não parecia conduzir a qualquer melhoria a tal
respeito, isto muito embora ele, Brown, e os seus ajudantes tivessem
acabado por se adaptar ao seu mundo inclinado. Ewert procedeu a estudos
ulteriores, repetindo a experiência de Stratton, mas usando um par de
lentes inversoras apesar de sentir, nos olhos, os efeitos do «stress», ou
mal-estar, já sofridos por Stratton. O trabalho de Ewert tem o grande
mérito de incluir medições, sistemáticas e objectivas, da capacidade para
localizar objectos das pessoas com quem trabalhou. Concluiu que Stratton
tinha exagerado um tanto ou quanto o grau de adaptação verificado e isso
levou a uma controvérsia que continua indecisa.
O estudo do problema foi continuado por J. e J. K. Paterson que usaram um
sistema binocular semelhante ao de Ewert. Passados catorze dias, ainda
não tinha havido adaptação à nova situação. Quando, oito meses mais
tarde, repetiram as experiências, utilizando a mesma pessoa que se
prestara aos estudos anteriores, verificaram que, logo que as lentes eram
aplicadas, apareciam todas as modificações de comportamento que se tinham
então processado devido ao uso dos óculos inversores. Parecia, pois, que
a aprendizagem consistia mais na sobreposição à percepção original de uma
série de percepções específicas do que na reorganização de todo o sistema
de percepção original.
As mais recentes e completas experiências em seres humanos foram as
realizadas em Innsbruck por Erismann e Ivo Kohler.
Kohler e as pessoas que observou usaram os seus óculos inversores durante
longos períodos. Tanto as experiências de Stratton como as de Kohler
baseiam-se em narrações verbais. Kohler interessa-se muito pelo «mundo
interior» da percepção seguindo a tradição europeia que encontramos nos
escritores gestaltistas alemães e, mais recentemente, nos trabalhos de
Michotte sobre a percepção da causalidade (capítulo 12). Esta tradição
opõe-se à tradição behaviorista americana e é lamentável que pouquíssimos
movimentos das pessoas que se prestaram às experiências tenham sido
filmados no decurso destas últimas. É difícil, guiando-nos por narrações
verbais, fazermos uma ideia do «mundo adaptado» daqueles que foram
objecto das observações, porque as suas percepções parecem ter sido
curiosamente confusas e, até mesmo, paradoxais. Por exemplo: depois das
imagens terem sofrido uma reversão da direita para a esquerda, os
transeuntes eram claramente vistos do lado da rua onde caminhavam
enquanto as roupas pareciam invertidas! De quanto foi observado, a
escrita é uma das coisas que causa maior perplexidade. Parecia normal
quando para ela se olhava de passagem, mas como que reflectida num
espelho quando fixada com atenção.
O tacto influenciava fortemente a visão: durante as primeiras fases da
adaptação os objectos tinham tendência para, logo que eram tocados,
parecerem normais, como tinham tendência para parecer normais sempre que
a aparência que lhes era dada pela reversão se tornava fisicamente
impossível. Por exemplo, uma vela parecia invertida antes de ser acen-
dida, mas tornava-se instantaneamente normal, como a chama da parte
superior, logo que principiava a arder.
Estas experiências conduziram a estudos em que foram ajustados a animais
dispositivos oculares de vários géneros. Uma macaca a quem puseram óculos
inversores ficou imobilizada e recusava-se obstinadamente a fazer
quaisquer movimentos. Quando, finalmente, se decidiu andar, recuou em vez
de avançar, facto que não deixou de ter interesse dado que os óculos
inversores tendem a produzir uma reversão na percepção da profundidade.
Outras experiências semelhantes foram feitas com frangos e galinhas.
Pfister adaptou aos olhos de frangos e galinhas prismas que originavam
uma inversão entre os lados direito e esquerdo e passou a observar a
forma como debicavam o grão. As galinhas mostravam-se muito perturbadas e
não fizeram progressos durante os três meses em que foram obrigadas a
usar os prismas. A mesma falta de adaptação foi notada por Sperry em
certos anfíbios com que trabalhou. Quando à sua visão era imposta uma
rotação de 180°, enganavam-se na direcção em que deviam mover as línguas
para procurar alimentos e teriam acabado por morrer de fome se os
tivessem deixado inteiramente entregues a si próprios. Hess chegou a
resultados análogos com frangos cujos prismas não produziam qualquer
reversão de imagens, mas apenas as deslocavam de 7o para a direita e para
a esquerda. Pareceu a Hess que os frangos continuariam sempre a debicar
ao lado do grão e que nunca se adaptariam à mudança da imagem causada
pelos prismas triangulares (figura 11.7) acabando por concluir:
«Tudo leva a crer que é inata no frango a imagem referente à localização
dos objectos no seu mundo visual e que esta imagem não pode ser
modificada pela educação, se aquilo que se exige é substituição de uma
reacção instintiva por outra que lhe é antagónica.» (Figura 11.7 - A
galinha de Pfister com os prismas que desviam a luz que lhe entra nos
olhos.)
Parece claro, a julgar pelas experiências realizadas, que os animais
adaptam-se muito menos a deslocações ou reversões de imagens do que os
seres humanos. De todos eles, apenas os macacos foram capazes de certa
adaptação.
Ficou recentemente provado, em especial pelos trabalhos de R. Held e seus
colaboradores, entre os quais Hein, que para terem lugar as compensações
de imagens deslocadas é indispensável que o ser vivo examinado faça, com
certa energia, movimentos correctivos. Held é de opinião que para estas
compensações são de vital importância os movimentos enérgicos e, até, que
estes movimentos sejam, logo de início, a base da educação da percepção.
Uma das suas experiências com gatinhos é particularmente engenhosa e
interessante. Criou gatinhos na escuridão, só lhes permitindo o uso da
visão durante as experiências — o que, no mínimo, era uma maneira de
operar pouco usual. Dois gatinhos foram colocados em dois cestos ligados
às extremidades de uma vara que podia girar em volta do seu centro. Os
cestos também podiam ter movimentos de rotação. O dispositivo estava
montado de modo que a rotação de um dos cestos imprimisse ao outro
movimento semelhante (figura 11.8) e, assim, ambos os gatinhos tinham,
muito aproximadamente e durante o mesmo tempo, as mesmas oportunidades de
fazer uso da visão. Um deles foi colocado no cesto completamente fechado
na parte inferior de modo que era transportado sem fazer qualquer
movimento, enquanto o outro foi colocado no cesto com aberturas por onde
passavam as suas pernas. Andava e fornecia a força motriz de todo o
sistema. Held verificou que só o gatinho que fazia exercício desenvolvia
a percepção. O outro animal continuava praticamente cego. Ele aventou a
hipótese de que a associação do tacto com o movimento era indispensável
ao desenvolvimento da percepção. (Figura 11.8 - O aparelho construído por
Held e Hein para descobrir se aprendizagem perceptual se dá em animais a
quem é negada toda a actividade (passivos). O gatinho da direita é
transportado pelo gatinho activo da esquerda. A informação que chega até
ambos através dos olhos é a mesma. Também ambos os gatinhos só têm
ocasião de fazer uso da visão durante a experiência. Verifica-se que só o
animal que se manteve activo adquire aptidão para realizar tarefas
visuais.)
Imagens deformadas
No seu conjunto, os trabalhos sobre as inversões e deslocações das
imagens da retina mostram que os animais menos evoluídos que o homem e o
macaco não possuem adaptação. A adaptação nos macacos é certamente muito
limitada e ainda se desconhece até onde pode ir no homem. As narrações
verbais são um tanto ambíguas, e poucos dados dignos de confiança
possuímos a respeito da adaptação motora, posto que seja certo poderem as
pessoas reagir muito satisfatoriamente depois de fazerem uso dos óculos
durante alguns dias. Não sabemos ao certo se a adaptação consiste na
reeducação da percepção, ou na sobreposição de novas reacções às antigas
já existentes. Nem mesmo é conhecida a importância da reeducação básica,
porquanto, durante as nossas vidas, muitas vezes nos acontece deslocarmos
as imagens da retina. Basta para isso que inclinemos a cabeça ou olhemos
para um espelho para nele nos admirarmos a nós próprios.
Até aqui, temo-nos ocupado de experiências em que as imagens são
invertidas ou deslocadas, mas é possível produzir perturbações de outro
género. Estas perturbações são importantes, porque implicam mais uma
reeducação interna do próprio sistema de percepção do que simples
modificações na relação existente entre o mundo do tacto e o da visão.
Também aqui se recorre ao uso de lentes especiais, mas estas agora
deformam mais do que deslocam as imagens da retina.
J. J. Gibson notou, durante uma experiência em que usou prismas que
desviavam o seu campo visual para um dos lados (15° para a direita) que a
inevitável distorção que acompanha a deslocação das imagens pelos prismas
tornava-se gradualmente menos acentuada com o tempo, isto é, com a
continuação do uso dos prismas. Passou a proceder a medições rigorosas da
adaptação à distorção (curvatura) produzida pelos prismas e verificou que
o efeito diminuía mesmo que os olhos se movessem livremente em várias
direcções. A adaptação era até ligeiramente mais acentuada quando as
figuras eram inspeccionadas à vontade, com os olhos a moverem-se
livremente, do que quando se mantinha a vista tão fixa quanto possível
sobre elas.
Existe uma outra espécie de adaptação, à primeira vista semelhante à
estudada por Gibson por meio dos seus prismas deformantes e, mais tarde,
com as suas lentes, mas que é, sem dúvida, muito diferente dela pelo que
se refere à origem e influência sobre a teoria da percepção. Estes
efeitos são conhecidos por «pós-efeitos de figuras» e foram objecto de
numerosas experiências durante os últimos anos.
Podem-se provocar pós-efeitos de figuras olhando para uma figura durante
algum tempo (cerca de meio minuto) com os olhos o mais imóveis possível.
Se uma linha curva for fixada desta maneira e, imediatamente a seguir,
desviarmos a vista para uma linha recta, esta última parecer-nos-á,
durante segundos, também curva mas no sentido contrário à primeira. O
efeito é semelhante ao efeito de Gibson, mas, no caso dos pós-efeitos das
figuras, é indispensável manter os olhos rigorosamente imóveis enquanto
que, quando se usam os óculos deformantes de Gibson, os olhos podem
mover-se livremente em todas as direcções.
Estes efeitos mostram que a adaptação pode ter lugar no sistema da
percepção humano. Estas adaptações não são simples reajustamentos entre o
tacto e a visão: podem representar um novo escalonamento do espaço
visual. Nada indica a existência deste género de correcções em animais
menos evoluídos do que o homem.
Ivo Kohler fez recentemente uma descoberta notável usando óculos sem
qualquer poder deformante mas cujos vidros eram metade vermelhos e metade
verdes, de modo que tudo lhe parecia vermelho quando olhava para a
esquerda e verde quando olhava para a direita (figura 11.9). Kohler
descobriu um novo efeito da adaptação que nada permitia prever. O efeito
das cores diminuía gradualmente e, quando tirava os óculos, tudo o que
era visto com os olhos voltados para a direita parecia vermelho, tudo o
que era visto com os olhos voltados para a esquerda parecia verde. Este
efeito é completamente diferente daquele outro em que a formação de pós-
imagens é devida à adaptação da retina a uma luz colorida. O efeito de
Kohler não está relacionado com a posição da imagem na retina, mas com a
posição dos olhos na cabeça e é, necessariamente, devido a uma
compensação que tem lugar não nos olhos mas no cérebro. (Figura 11.9 -
Ivo Kohler verificou que, depois de dirigir os olhos através do filtro
verde para um dos lados e do filtro vermelho para o outro, os olhos
adaptavam-se e compensavam a acção dos filtros para a posição
considerada. Quando os filtros eram postos de parte, o lado que era verde
aparecia vermelho e vice-versa. Esta adaptação tem necessariamente lugar
no cérebro e não no olho.)
As inversões que é possível obter por meios ópticos simples situam-se
dentro de apertados limites, mas K. U. Smith inventou recentemente uma
nova técnica para as conseguir. Smith faz uso de uma câmara de televisão
e de um receptor que, neste caso, funciona como monitor em relação à
pessoa submetida à observação. Esta vê a sua própria mão no receptor que
está ligado electronicamente à câmara de televisão de modo que possa
apresentar todas as inversões que deseje produzir.
Torna-se, assim, fácil obter reversões da imagem, quer da esquerda para a
direita (laterais) quer de cima para baixo (verticais ou inversões
propriamente ditas) sem que sejam afectados os movimentos do olho e da
mão. Neste dispositivo a mão fica colocada ao lado da pessoa que está a
ser observada e por trás de uma cortina, de modo a não poder ser vista
directamente. (Uma vez que o aparelho está longe de ser portátil, os
estudos limitam-se a curtas sessões experimentais, o que é preferível às
reversões contínuas, com a duração de muitos dias.) A câmara de televisão
pode tomar qualquer posição e produzir, além da reversão, a deslocação da
imagem no espaço. Mudando de lentes e dispondo a câmara a várias
distâncias, podemos conseguir tanto variações no tamanho da imagem como o
aparecimento de deformações (figura 11.10 - A experiência de Smith em que
são usados uma câmara de televisão e um monitor para fazer variar o ponto
de observação ou o tamanho das mãos da pessoa que se submete à
experiência. É possível a esta desenhar ou escrever quando se muda
consideravelmente o ponto de observação.).
Estas técnicas vieram mostrar que uma reversão de cima para baixo
(inversão propriamente dita) causa maior perturbação do que uma reversão
lateral em que aparecem trocados os lados direito e esquerdo, posto que a
combinação destes dois tipos de reversão seja por vezes menos perturbante
do que qualquer delas isoladamente. As mudanças de dimensão não têm, na
prática, qualquer influência na maneira como aparece o que se desenha ou
escreve.
A deslocação das imagens no tempo
O virtuosismo a que chegou a técnica da televisão torna possível a
deslocação das imagens da retina tanto no espaço como no tempo. Esta
última deslocação, o retardamento das imagens, é uma deslocação de novo
género que promete vir a ser da maior importância. O método consiste em
utilizar uma câmara de televisão e um receptor da forma acima descrita
mas introduzindo entre a câmara e o receptor um registador «video tape» e
um «tape loop» sem-fim de modo a conseguir um retardamento entre o
registo feito pela câmara e o «play back» — a aparição da imagem — sobre
o receptor. A pessoa que está a ser observada vê as suas mãos ou qualquer
outro objecto «no passado»; o atraso é regulado pelo espaço entre o
registo e as cabeças do «play back» (figura 11.11 – A experiência em que
Smith fez intervir um retardamento entre a acção e a visão. O
retardamento é dado pelo «tape loop» do registador «video tape».).
O estudo destas deslocações não é de interesse puramente teórico. Tem
grande importância na prática, porque os órgãos de comando dos aviões e
de muitas máquinas são de acção retardada. Se o atraso perturba o
operador e diminui a sua aptidão, as consequências podem ser graves.
Verificou-se que um pequeno retardamento (cerca de meio segundo) era o
suficiente para que os movimentos passassem a ser bruscos e mal coor-
denados de modo que se tornava quase impossível desenhar e era muito
difícil escrever fosse o que fosse (figura 11.12). Este estado de coisas
pouco ou nada mudava com a prática. (Figura 11.12 - Desenho e escrita em
retardamento. Da esquerda para a direita: normal, com T.V. mas sem
retardamento, com T.V. e retardamento. O retardamento constitui um
«handicap» insuperável, posto que a deslocação no espaço possa ser
compensada. O resultado é de importância prática, uma vez que muitas
operações de «controle», como o voo, dão lugar a um retardamento entre a
acção e o resultado.)

Que devemos concluir?


Passámos em revista uma série de experiências sobre várias espécies de
deslocações de imagens da retina. Em todos os casos, as deslocações foram
sistemáticas e uma grande variedade delas foi investigada: deslocações
verticais e horizontais (simples ou combinadas), distorções (com ou sem
liberdade de movimentos dos olhos) e deslocações no tempo.
Não é fácil proceder a uma avaliação dos resultados, mas, a traços
largos, parece que os seres humanos são susceptíveis, até certo ponto, de
se adaptarem a todas estas deslocações (excepto às deslocações no tempo)
e que não existem indicações de qualquer adaptação em animais menos
evoluídos do que o homem, excepto, talvez, no macaco.
Significará isto que os bebés humanos têm necessidade de aprender a ver?
Com certeza que não, mas se, na verdade, for exacto que os adultos são
capazes de modificar drasticamente o seu sistema de percepção para
compensar mudanças sistemáticas, será pelo menos plausível admitir que
uma aprendizagem inicial é importante. Infelizmente, não sabemos em que
medida a adaptação é uma reeducação básica e em que medida consiste numa
sobreposição das novas interpretações de percepções às interpretações
mais antigas. Mas, em qualquer dos casos, é evidente que o sistema de
percepção humano é notavelmente flexível e capaz de se adaptar às novas
condições, o que é excelente num mundo que se transforma continuamente.
Quando há realmente adaptação, como acontece nas experiências com pessoas
efectuadas por Stratton e Gibson e em que a imagem é invertida ou
deformada, não se prova que o mundo acabe por parecer normal. É provável
que apenas as suas singularidades deixem de despertar a atenção, o que
não é a mesma coisa. Tanto nas experiências de Held, em que pares de
gatinhos foram criados na escuridão e só aprendeu a ver, em cada par, o
gatinho obrigado a movimentar-se, como nas experiências de Reisen que,
precursor deste género de trabalhos, criou chimpanzés em completa
escuridão e verificou que, quando trazidos para a luz, em pouco ou nada
se lhes desenvolvia a visão, as interpretações geralmente aceites como
boas não chegam a constituir certezas.
Os animais criados na escuridão tornam-se geralmente passivos e pouco
aprendem seja do que for. Alguns dos indivíduos em que a visão não se
pôde chegar a desenvolver parecem ter sido extraordinariamente estúpidos.
Um houve que não era capaz de distinguir uma esfera de um cubo pelo
tacto! Estas experiências são interessantes e importantes, mas, neste
momento, não é possível fazer sobre elas um juízo definitivo. Não há
dúvida que, no homem, a percepção é susceptível de se desenvolver por
meio de uma aprendizagem. Todo o estudante de Medicina que, pela primeira
vez, trabalha com um microscópio fica a saber isto perfeitamente, mas é
muito difícil dizer onde se situa o limite entre o que é inato e o que é
aprendido durante a infância.
Para aumentar as nossas dificuldades na apreciação deste assunto aparece
ainda um problema de lógica que, embora curioso, nos lança na
perplexidade, dado que cria dúvidas quanto ao que se deve entender por
percepção, principalmente quando interpretamos experiências com animais.
Consideremos, por exemplo, a experiência de Held com o gatinho activo e o
gatinho passivo. Suponhamos por um momento que o gatinho passivo
realmente aprende a ver — no sentido de os estímulos da sua retina
passarem a dispor-se de modo a formarem objectos distintos — quando o seu
companheiro o faz andar à volta. Como poderíamos nós compreender que o
gatinho, no sentido a que nos referimos, aprendeu a ver? Como poderia ele
reagir de forma apropriada, se nunca existiu qualquer relação entre o seu
comportamento e a sua percepção nos objectos?
Isto põe uma questão relevante: devemos chamar percepção a algo de
subjectivo, ao que nos vem dos nossos repetidos contactos com o mundo
exterior, ou limitar o estudo ao comportamento controlado pela informação
sensorial? Para o behaviorista puro, a experiência ganha através de
contactos com o mundo exterior, e não pode ser objecto, nem constituir
matéria de estudos sobre a percepção, mas somos obrigados a admitir que,
numa sala de concertos ou numa galeria de pintura as pessoas estão sob a
influência de alguma coisa que pertence ao seu mundo exterior e que essa
alguma coisa foi suficientemente forte para as atrair àqueles recintos.
Sempre que os críticos de arte discutem, o assunto das suas discussões
não é o simples comportamento dos patronos das artes, antes é o que eles
próprios sentem ou pretendem interpretar. E poderemos nós falar do que a
percepção dos animais lhes permite assimilar através dos seus contactos
com o mundo exterior? Talvez não seja esta a grande e embaraçosa
dificuldade. Tal como não compreendemos o mundo das percepções dos bebés,
também não compreendemos o mundo das percepções dos animais e o seu
comportamento, qualquer que ele seja, não nos fornece informações
suficientes. A linguagem é aqui de particular importância, porque
transcende a situação imediata criada pelos estímulos e pelas reacções
visíveis. Mas, neste caso, a linguagem, com todas as suas armadilhas,
está ausente quando dela mais precisávamos.

12. Ver e crer


Os órgãos dos sentidos recebem tramas de energia, mas raramente vemos
essas tramas: vemos objectos. Uma trama é um conjunto de sinais quase sem
significação, mas os objectos têm um sem-número de características além
daquelas de que tomamos conhecimento pelos nossos sentidos. Têm passados
e futuros; modificam-se e influenciam-se uns aos outros; têm aspectos que
permanecem ocultos, para só se revelarem em determinadas condições.
Um tijolo e um bloco de gelignite (alto explosivo que se obtém pela
absorção pelo nitrato de potássio de dinamite gelatinosa) podem parecer
muito semelhantes à vista e ao tacto, mas comportam-se de forma muito
diferente. Geralmente, não é pela aparência que definimos os objectos,
mas sim pelas suas características causais e por aquilo para que servem.
Uma mesa pode ter as formas mais variadas, mas é um objecto sobre o qual
outros objectos são colocados. Pode ser quadrada, redonda ou até em forma
de rim, mas será sempre uma mesa. Para que uma percepção corresponda a um
objecto — para que seja «verdadeira» — é preciso que certas previsões se
venham a realizar. Se um livro for colocado sobre o que se supõe ser uma
mesa e, seguidamente, esta se dissolver no ar ou tomar a forma de um
elefante, diremos que, afinal, não se tratava de uma mesa. Diremos mais
que não houve uma percepção, mas talvez um sonho ou uma alucinação. A
importância da existência, entre as percepções, de relações consistentes
e regidas por leis foi estudada pelo professor Michotte de Lovaina que
investigou, durante muitos anos, a percepção da causalidade.
Michotte estudou as velocidades e retardamentos necessários para se «ver»
a causalidade. Usou manchas móveis de cores neutras, geralmente
produzidas pelo aparelho da figura 12.1. Dispôs as coisas de modo que,
quando uma mancha colorida se deslocasse em direcção à outra, a tocasse.
Esta segunda, um instante depois — o pequeno espaço de tempo era
regulável — afastava-se. Combinações de velocidade e retardamento davam a
impressão irresistível de que a primeira mancha tinha batido na segunda e
a tinha empurrado como uma bola de bilhar empurra a outra. É o efeito
utilizado nos filmes de desenhos animados, onde pode mesmo ser abstracto
o que é representado em cada desenho, sem por isso deixarem de existir as
relações causais dos objectos reais. Michotte inclina-se para a suposição
de que a visão da causa é um dom inato, mas esta sua opinião parece
basear-se na semelhança existente entre os relatos verbais que ouviu aos
seus diferentes observadores, quando estes descreviam as suas
experiências visuais. É evidente não se poder atribuir a estes relatos
verbais o valor de argumentos decisivos, como, sem dúvida, o próprio
Michotte seria o primeiro a admitir. Desde que todos nós estamos
habituados a lidar com objectos aproximadamente do mesmo género, é
natural que características semelhantes de velocidade e retardamento se
reflictam na apreensão perceptiva da causa. Assim, dificilmente pode a
concordância das declarações das várias pessoas observadas ser consi-
derada prova de que a percepção da causa é mais inata do que derivada do
conhecimento dos objectos. É possível que experiências em que os
observadores tenham tido, anteriormente, muito contacto com objectos de
tipo pouco usual forneçam indicações acerca da importância da
aprendizagem.
Ainda que os mundos sensoriais da visão, do tacto e do olfacto sejam
muito diferentes uns dos outros, não hesitamos em aceitar que traduzem
aspectos diversos de um mesmo mundo exterior. Mas o nosso conhecimento do
mundo dos objectos não se limita ao que nos vem dos sentidos. Sabemos que
existe o magnetismo, posto que o não possamos sentir, como sabemos que
existem os átomos, mesmo que os não consigamos ver. Parece que a retina
de uma rã apenas pode registar um limitado número de elementos de
informação: principalmente o movimento e a existência de cantos. Reage
bem a certos objectos que muito interessam à sua sobrevivência, as moscas
por exemplo, mas não há dúvida de que o seu mundo visual tem de ser muito
mais pobre do que o nosso. Será o nosso mundo visual limitado por
defeitos dos nossos olhos e cérebros? (Figura 12.1 - O aparelho de
Michotte para estudar a percepção da causa. Existem linhas sobre o disco
giratório e uma pequena secção de cada linha é vista através de uma fenda
fixa. As secções visíveis movem-se, na fenda, consoante a forma que têm
sobre o disco (assim um disco coaxial está estacionado enquanto qualquer
outra forma se desloca). Quando uma delas, no seu movimento, toca noutra
que, por sua vez, se desloca, o movimento desta última parece ser causado
pela pancada que recebeu da primeira.)
Existem peixes que podem detectar campos eléctricos fracos e localizar
objectos que alterem os campos eléctricos por eles próprios criados.
Estes peixes possuem um sentido que nos é inteiramente estranho e, toda-
via, sabemos muito mais a respeito de campos eléctricos do que eles
sabem. Já aprendemos a construir instrumentos que localizam objectos
segundo o mesmo princípio e com muito mais perfeição. O nosso cérebro
mais do que compensou esta deficiência do nosso sistema sensorial. Do
mesmo modo, aprendemos muito acerca das estrelas e da sua composição
partindo de indicações sensoriais muito reduzidas, mas lançando mão de
deduções e aproveitando o pouco que os nossos sentidos nos dizem para
verificar suposições e estudar hipóteses. Os nossos olhos são
instrumentos concebidos para ser usados com toda a espécie de finalidades
e fornecem ao cérebro uma informação que foi por eles relativamente pouco
adulterada. Os olhos de animais que possuem cérebros menos desenvolvidos
do que os nossos eliminam toda a informação que não é indispensável à
sobrevivência dos seus possuidores ou não é utilizável pelos seus
cérebros reduzidos. São por isso mais perfeitos. É essa liberdade de
tirar novas ilações dos dados sensoriais que nos permite ver e descobrir
muito mais do que os outros animais. Os grandes cérebros dos mamíferos,
principalmente o do homem, permitem que a experiência adquirida no
passado e a previsão do futuro desempenhem um papel importante no aumento
da informação sensorial, de modo que a apreensão do que se passa no mundo
exterior não depende unicamente da informação sensorial recebida em
determinado momento. Essa informação é antes usada para verificar a
exactidão de hipóteses formuladas acerca do que temos diante de nós. A
percepção transforma-se numa série de sugestões e de verificações de
hipóteses. O processamento destas verificações é muito visível quando se
trata de figuras ambíguas, do cubo de Necker, por exemplo (figura 1.4).
Aqui a informação sensorial é constante (a figura pode mesmo ser
estabilizada na retina) e, todavia, a percepção muda a todo o momento, à
medida que todas as hipóteses possíveis são sucessivamente apresentadas.
Cada hipótese é examinada por sua vez, mas nenhuma é definitivamente
aceite, porque nenhuma é melhor do que as outras.
Esta contínua busca de uma melhor interpretação é uma boa prova da
importância de que se reveste a compensação das deficiências sensoriais
pela obtenção de conhecimentos provenientes de outras fontes. No caso das
figuras ambíguas, este sistema é obrigado a funcionar em condições muito
desfavoráveis, porque aquelas figuras não fornecem a mais ligeira
indicação que permita tomar uma decisão definitiva, e, assim, uma decisão
deste género nunca chega a ser tomada. A grande vantagem do sistema atrás
referido está em poder muitas vezes actuar na ausência de qualquer
informação digna de confiança, como acontece a um bom oficial durante uma
batalha. Mas sucede por vezes tomar decisões erradas. É possível desenhar
figuras que, parecendo embora representar objectos, não correspondem a
qualquer objecto real. Penrose imaginou várias, das quais duas constituem
a figura 12.2 (Figura 12.2 - «Figuras impossíveis». Apesar de qualquer
destas figuras poder ser desenhada, nenhuma delas pode existir e ser
vista como um e um só objecto. A razão é ter o sistema de percepção de
construir um mundo a três dimensões a partir de informações
essencialmente a duas dimensões. Aqui o olho recebe uma informação
incompatível quanto à terceira dimensão e não existe uma solução única.).
À primeira vista, parecem perfeitas, mas, como objectos, são impossíveis.
Percorremo-las com a vista procurando descobrir o que significam, mas
nunca encontramos a sua significação: não têm significação, são problemas
sem solução.
Um choque emocional intensíssimo pode perturbar todo o sistema, como pode
perturbar qualquer opinião de carácter intelectual, dando origem à
terrível mas falsa realidade de Macbeth (Macbeth, Act II, Sc 1.):
O que vejo diante de mim é uma adaga
Com o cabo voltado para a minha mão?
Vem, deixa que te agarre:
Não te consigo apanhar, mas vejo-te sempre,
Não és, terrível visão, perceptível
Ao tacto como és perceptível à vista? Ou serás
Uma adaga que só existe na imaginação, uma falsa criação
De um cérebro que arde em febre?
Ou os meus olhos são a mofa dos meus outros sentidos,
Ou valem mais do que todos eles juntos: vejo-te sempre, (*)
Há grandes gotas de sangue na tua lâmina e no teu punho
Que antes não existiam. Não podes existir, não existem tais coisas:
É o meu crime que toma esta forma
Diante dos meus olhos.
(*)A interpretação deste verso e do anterior é a do Professor A. W.
Verity, da Universidade de Cambridge.
Por que será o sistema da percepção tão activo como o vemos ser quando
procura soluções nas situações ambíguas? Não há dúvida de que se mostra
mais activo, e intelectualmente mais honesto, quando recusa optar por
qualquer das soluções possíveis do que o córtex cerebral considerado como
um todo, a julgar pela tenacidade de certas crenças irracionais que
aparecem tanto em política como em religião. O sistema da percepção tem
tido um significado biológico há muito mais tempo do que o intelecto e os
seus cálculos. As regiões do córtex cerebral relacionadas com o
pensamento são de criação relativamente recente. Comparadas com a antiga
área estriada de que depende a visão, actuam muito segundo a sua própria
constituição.
Nem sempre o sistema da percepção está de acordo com o córtex do
pensamento racional. Para o córtex, a distância à Lua é de 384 400
quilómetros; para aquela parte do cérebro onde se situa a visão é apenas
de umas centenas de metros. Ainda que neste caso seja o córtex que tem
razão, a área estriada não chega a ser disso informada e continuamos a
ver a Lua como se estivesse quase ao alcance da nossa mão.
O cérebro visual tem a sua própria lógica e as suas próprias preferências
— que o córtex não compreende. Alguns objectos são bonitos, outros feios,
mas não fazemos ideia, apesar de todas as teorias que têm sido
apresentadas, por que é assim. A resposta jaz a enorme distância, faz
parte da história da parte visual do cérebro e perdeu-se para os novos
mecanismos que nos fornecem opiniões intelectuais a respeito do mundo.
Julgamos ser a percepção uma operação que consiste em usar a informação
para sugerir e verificar hipóteses. É claro que isto implica a
necessidade de uma aprendizagem e qualquer que seja a resposta final
quanto à importância da educação perceptual dos bebés, parece claro que o
conhecimento de características não visuais influencia a forma como os
objectos são vistos. Isto passa-se até com os rostos das pessoas: um
amigo ou uma namorada parecem muito diferentes de todos os mais; um
sorriso não é a exibição de uma dentadura, mas sim um convite para
compartilhar de um gracejo. O cego S. B. (capítulo 11) nunca aprendeu a
interpretar expressões visuais; nada significavam para ele, embora
conhecesse pelo tom de voz a disposição das pessoas. Os caçadores
reconhecem a imensas distâncias, pela maneira como voam, as diferentes
aves. Aprenderam a aproveitar pequenas diferenças para identificar
objectos à primeira vista semelhantes. O mesmo acontece com os médicos
quando interpretam radiografias ou procuram numa preparação microscópica
sinais de anomalias. Não há dúvida de que uma aprendizagem perceptiva tem
lugar, mas, apesar de todas as provas de que ela existe, ainda não
sabemos ao certo em que medida a educação constitui a base da percepção.
Não é difícil adivinhar por que o sistema visual se tornou capaz de fazer
uso de informação não visual e de ir além do que lhe fornecem
directamente os sentidos. Ao construir e verificar hipóteses, trabalhamos
não só com aquilo que conhecemos por via sensorial, mas, também, com o
que é provável que aconteça e esta última parte é decisiva. O cérebro é,
em grande medida, um computador de probabilidades e as nossas acções
constituem verdadeiras apostas no que, em determinada situação, parece
mais provável ou verosímil. O cérebro humano utiliza eficazmente a
informação sensorial um tanto reduzida que chega até ele da mesma forma
que, por deduções, os astrónomos descobrem a constituição das estrelas e
a distância a que se encontram. Na verdade, a Ciência pode ser
considerada uma cooperação das várias percepções.
Se o cérebro não conseguisse preencher lacunas e tomar decisões com base
em ténues indicações, toda a actividade ficaria paralisada por falta de
recepções sensoriais. É possível que, na escuridão, ou num meio que nos é
desconhecido, tenhamos de andar mais devagar e de proceder com precaução,
mas a vida continua e não ficamos impedidos de agir. Naturalmente, temos
mais probabilidades de cometer erros (e de sofrer de alucinações ou de
ilusões), mas este é o preço — e um preço não muito elevado — para
libertarmos as nossas relações e o nosso comportamento, da escravidão dos
estímulos sensoriais directos. Os insectos tornam-se inertes num meio
estranho e uma rã morreria de fome rodeada de moscas mortas.
A maior parte das máquinas é controlada pelo que lhes é transmitido. Um
carro que não obedecesse sistematicamente ao volante, ao acelerador e aos
travões seria perigoso. Construímos a maior parte das nossas máquinas de
modo que trabalhem conforme as nossas previsões. De um modo geral, são
assim mais úteis e seguras. Mas, se passarmos a considerar máquinas que
tomam decisões por si próprias, isto deixa de ser verdade. Um piloto
automático recebe várias espécies de informação e pode escolher uma linha
de voo de acordo com vários critérios. É possível fabricar máquinas que
joguem o xadrez e tais máquinas podem bater o seu inventor. Em resumo,
quando a máquina é capaz de resolver problemas, nem sempre a melhor
solução está em construí-la de modo a que o seu comportamento seja
previsível ou rigorosamente controlado por incitações exteriores.
Será possível fazer com que uma máquina veja objectos? Já foram
construídas máquinas, e não foi difícil construí-las, que reagem às
letras do alfabeto ou a outras figuras. Mais interessante ainda é o facto
de algumas delas poderem adivinhar, tão exactamente quanto seria possível
esperar, de que letra ou figura se trata quando estas são apresentadas
truncadas ou em posições diferentes da habitual. É até possível conseguir
máquinas que aprendem a distinguir figuras guiando-se por peculiaridades
características.
As máquinas que vêem ainda estão na sua infância: são toscas e muito
caras. É possível que um estudo minucioso dos olhos e do cérebro conduza
a uma melhor concepção deste género de máquinas, que passaria então a ser
de grande valor. Os bancos e certos serviços mecanizados usam máquinas
que distinguem caracteres, mas, geralmente, fazem uso de caracteres
especiais que facilitam o trabalho da máquina e o tornam merecedor de
mais confiança. É provável que venham, no futuro, a ser construídas
máquinas capazes de «ver» objectos pouco comuns e de nos transmitir o que
virem. Estes aparelhos teriam o maior interesse para a exploração de
mundos desconhecidos.
A dificuldade, quando pretendemos construir uma máquina capaz de
distinguir os objectos como nós os distinguimos, reside na necessidade de
que tal máquina venha a ser dotada de um grande número de conhecimentos
acerca do mundo dos objectos e da forma como os objectos se comportam,
para que seja capaz de fazer deduções e verificar hipóteses. Não basta
construir um «olho» e um «cérebro» electrónico; é indispensável armazenar
no «cérebro» uma grande quantidade de informação, para que a informação
sensorial que vier a ser recebida possa ser usada como instrumento de
selecção entre as várias possibilidades. Este género de selecção é bem
conhecido do cientista. É extraordinariamente difícil fazer qualquer nova
observação, mas, uma vez feita, tudo se torna evidente e todos a
compreendem sem dificuldade. Conceber uma máquina que, usando os
conhecimentos nela acumulados, apreenda novos objectos e os descreva com
exactidão é uma tarefa difícil mas não impossível, uma tarefa que pode
muito bem vir a ser realizada com o avanço da técnica dos computadores
electrónicos.
Finalmente, que acontece ao sistema de percepção humana quando em
situações que lhe não são familiares? É este um ponto de importância para
a Ciência, que pode ter de observar factos ou fenómenos que não mais se
repetirão e é, também, um motivo de preocupação para os peritos das
viagens espaciais, pois durante elas, o homem terá de tomar decisões com
base em percepções sensoriais a que não está acostumado. É como esperar
que um computador forneça a solução de um problema, não tendo sido
construído para o resolver? Não há dúvida que o homem não actua bem
quando subitamente colocado num meio estranho, mas, com tempo e prática,
é susceptível de receber informações de novos tipos. É o que acontece com
o aluno-piloto durante a instrução e com o estudante de Medicina durante
as aulas em que principia a trabalhar com o microscópio. A princípio,
desorientam-se, mas, pouco a pouco, principiam a tomar decisões
acertadas, exactas e dignas de confiança. Mas para isto há limites. Como
decidir, sem a gravidade, o que está em cima e o que está em baixo? Que
acontecerá à avaliação das distâncias quando, como na Lua, não existirem
as gradações das sombras? Partir do princípio de que, sem muita prática e
sem muito treino é possível ao homem fazer, em tais condições, juízos
adequados é extrema temeridade. É, pois, importante simular esses mundos
desconhecidos, habituar os astronautas a eles, antes de as suas vidas
ficarem dependentes das decisões dos seus olhos e cérebros. Em casos
extremos, que não são difíceis de reproduzir no laboratório, seja qual
for a quantidade de conhecimentos de que se disponha, a informação é
sempre insuficiente para que exista uma percepção merecedora de crédito.
Em tais condições, falha o sistema perceptivo que durante tanto tempo tem
servido, na Terra, os seres vivos.

13. Os olhos no espaço


Os olhos e o cérebro evoluíram através dos tempos geológicos. A passos
vacilantes, foram-se transformando até poderem dar conhecimento aos seus
possuidores de certos aspectos do mundo exterior importantes para a sua
sobrevivência. Os sistemas sensoriais dos seres vivos sofreram adaptações
a fim de propiciarem a esses seres a informação mais importante em
relação à vida que levam: os insectos têm uma excelente percepção de tudo
o que sejam movimentos rápidos; a extraordinária acuidade visual do
falcão permite-lhe distinguir objectos a enorme altura; o olho humano é
um receptor não especializado que fornece ao cérebro toda uma gama de
informações que este, dado o seu enorme desenvolvimento, integra com
facilidade.
É frequente animais dotados de sistemas de percepção demasiado
especializados morrerem, se forem afastados do seu meio habitual. Como já
dissemos, uma rã rodeada de moscas mortas morre de fome. O mesmo pode
acontecer a uma lagarta colocada sobre folhas de uma árvore que lhe é
estranha.
Mas o homem consegue viver em meios muito diversos e, desde que disponha
de determinados produtos da civilização, como casas, locais dotados de
aquecimento ou refrigeração, navios e aviões, vive praticamente em
qualquer parte — sobre a terra ou sob as águas. Já vimos, porém, que
quando fazemos uso dos nossos sentidos em condições inteiramente novas
podemos ser por eles enganados. O olho é menos eficiente quando o seu
utente é transportado passivamente num carro ou num avião - do que quando
a informação do movimento está presente através do contacto dos membros
com o solo. É certo que, em alguns casos, é possível aumentar a
eficiência por meio da aquisição de conhecimentos pela prática. Uma
aprendizagem perceptiva torna os sentidos capazes de trabalharem em
condições que eles, durante toda a evolução da sua diferenciação, nunca
encontraram — mas nem sempre isto é possível. Quando se pretende que o
homem sobreviva em condições completamente diferentes das usuais, como é
o caso a bordo de um avião muito rápido ou de uma nave espacial, pode
acontecer que o sistema sensorial se revele absolutamente inadequado
quanto às tarefas que tem de executar. Tem de ser então apoiado por
instrumentos construídos pelo homem, geralmente aparelhos electrónicos
como o radar.
O que se passa com o homem no espaço é particularmente interessante,
porque aqui, ao contrário do que acontece quando outros meios de
locomoção são utilizados, o que se pretende não é transportar alguém de
um sítio para outro, mas, sim, obter descrições ou relatórios. É muito
possível que venham a ser fundadas colónias na Lua e em alguns dos outros
planetas, mas, de momento, a finalidade das viagens espaciais reside na
obtenção de informações acerca do próprio espaço e na observação de
partes distantes do universo. Para isto nada igualaria um observatório
montado na Lua. Tem-se dito que, uma vez que é tão difícil manter seres
humanos vivos dentro dos pequenos veículos espaciais, talvez fosse
preferível enviar para o Cosmos instrumentos em vez de homens —
instrumentos que transmitissem informações acerca da natureza do universo
para além da Terra. A ideia já deu resultado para alguns fins. Por
exemplo, para medir a radiação durante longos períodos de tempo e para
descobrir o espectro do Sol para além da atmosfera. São impressionantes
as fotografias da Lua obtidas por meio de máquinas fotográficas ou
câmaras automáticas enviadas para a Terra via rádio (figuras 13.1 e
13.2). As descrições feitas por um observador humano que tivesse visto a
superfície da Lua à mesma distância muito possivelmente não acres-
centariam grande coisa ao que se aprendeu estudando as fotografias que a
rádio trouxe até à Terra. A situação já não é tão simples quando se trata
de explorar em pormenor, e com cuidado, a superfície da Lua. Poderá
sempre fazer-se alunar e caminhar uma espécie de tractor com câmaras de
televisão em vez de olhos, mas, se o que se pretender for uma exploração
no verdadeiro sentido da palavra, haverá necessidade de fazer perguntas e
experiências improvisadas, o que é exigir muito de um autómato. Se
quisermos conhecer em pormenor a Lua e os planetas, parece indispensável
enviar para lá homens e confiar, em certa medida, nos seus olhos e no
trabalho dos seus cérebros, até mesmo que uns e outros não estejam
suficientemente desenvolvidos para a tarefa que lhes é imposta. Aqui,
temos que considerar o astronauta como um complicado aparelho, capaz de
recepções sensoriais e de decisões, a quem é exigida a execução de
trabalhos para que não foi construído. A dificuldade está em avaliar até
que ponto tal aparelho será digno de confiança operando nas condições em
que terá de operar (Figura 13.1 - A parte oculta da Lua fotografada por
uma sonda russa, em Outubro de 1959. Até Dezembro de 1968, nenhum olho
humano viu o que a fotografia nos revela, mas em 20 de Julho de 1969,N.
Armstrong e E. Aldrich já viram com os próprios olhos o solo lunar!
Figura 13.2 – A pequena parte da superfície da Lua voltada para a Terra.
A fotografia foi tirada por uma sonda lunar americana do tipo Ranger, em
Julho de 1964.).

Perigos do espaço
Já vimos que existem ilusões extremamente enganadoras. É tempo de
averiguarmos quão enganadoras e perigosas elas provavelmente serão
durante uma viagem cósmica.
O primeiro perigo é o do isolamento. Durante experiências, muitas das
quais se efectuaram no laboratório de D. O. Hebb, na Universidade McGill,
verificou-se que algumas pessoas têm alucinações e sentem uma acentuada
diminuição das suas faculdades quanto ao poder de concentração, e,
consequentemente, da resolução de problemas, depois de alguns dias ou,
mesmo, horas de isolamento. Parece que, para que o sistema sensorial se
mantenha desperto, é indispensável a existência de uma corrente de
informação ininterrupta ou quase ininterrupta. Sem ela fica como que
adormecido, em estado comparável ao de extrema fadiga ou de estonteamento
sob a acção de drogas, como o ópio ou o ácido lisérgico. Mas haverá
oportunidade de se materializarem dificuldades desta natureza? Até à
data, as viagens espaciais têm-se limitado a órbitas descritas à volta da
Terra e, durante elas, os astronautas têm tido tantos deveres a cumprir
que o isolamento não tem constituído problema. Apesar disto, os riscos
resultantes do isolamento foram cuidadosamente ponderados e constituíram
uma das razões por que se decidiu deixar de enviar para o espaço naves
tripuladas por um único homem. As viagens à Lua serão empreendidas com
tripulações de vários homens (N.T.: E foram. Precisamente no dia 20 de
Julho de 1969, ano da publicação desta obra em língua portuguesa, os dois
astronautas americanos Neil Armstrong e Edwin Aldrich alunaram pela
primeira vez e viram com os próprios olhos o que fora até então
privilégio das lentes telescópicas e fotográficas — o solo lunar. Com os
astronautas ainda em quarentena, à data da redacção desta nota, não se
pode saber até que ponto a permanência de dois homens na Lua haverá
acrescentado o nosso conhecimento acerca da percepção visual e dos seus
limites. Ao leitor se pede que se actualize num ramo do saber tão
apaixonante e tão aberto a surpresas como este é. Será esta, também, a
melhor forma de colaboração que se pode oferecer a R. L. Gregory.).
Assim, a situação passará a ser muito semelhante àquela que se depara a
quem faz uma longa viagem por mar, pois será sempre possível encontrar
ocupação e distracções suficientes para que, além do aborrecimento, aliás
já fora de moda, mas sempre um problema, não se dêem perturbações psíqui-
cas graves.
A ausência de gravidade existente nas naves espaciais causa algumas
preocupações, mas, neste momento, nada sabemos ao certo acerca dos
efeitos, durante longos períodos, da gravidade zero. Suspeita-se que
sejam acentuados, sobretudo pelo que diz respeito ao sistema vascular,
mas é surpreendente que o sistema de percepção pouco ou nada pareça ser
afectado. Vimos que quando, por meio de prismas, se imprime uma rotação
ao mundo visual é possível verificar-se, pelo menos sob certos aspectos,
uma compensação parcial, mas que acontecerá quando não se souber o que é
a parte «de cima» e o que é a parte «de baixo»? Parece que, em estado de
imponderabilidade, o observador tende a considerar os seus próprios pés
como a parte inferior e a sua cabeça como a parte superior, mas, em
alguns casos, podem advir ambiguidade, desorientação e estranhas
perturbações visuais. Na prática, a importância da desorientação ou das
ilusões visuais dependerá daquilo que os astronautas tiverem de fazer. Se
abandonarem as suas naves e flutuarem no espaço, algo de estranho
necessariamente acontecerá. Se a tarefa a executar for a montagem de
estações espaciais orbitais, podemos quase ter a certeza de que
determinadas perturbações ocorrerão. Já anteriormente examinamos figuras,
como o cubo de Necker, que, quanto à sua profundidade, são vistas de modo
ambíguo. Vimos também que todas as imagens que se formam na retina são
imagens ambíguas, uma vez que uma imagem pode representar qualquer dos
objectos de uma imensa série, com diferentes orientações. É certo que, em
regra, dispomos de suficiente informação para interpretar, com razoável
certeza, as imagens formadas na retina, mas isto no espaço não acontecerá
muitas vezes. O espaço é uma cortina negra sobre a qual estão espalhadas
brilhantes estrelas. A teia de aranha formada pelas traves e suportes de
uma estação espacial aparecerá brilhante, luminosa, tendo por fundo a
cortina do espaço. Não haverá aqui mais indicações quanto à distância a
que se encontram as várias partes da estação espacial do que havia no
caso das figuras luminosas fosforescentes de que fizemos uso nas
experiências em que tentámos isolar as características fundamentais da
percepção da profundidade e de descobrir a origem das ilusões (capítulo
9). Estas experiências ensinaram-nos que a invariabilidade da dimensão
funciona de acordo com a distância aparente (a face aparentemente mais
afastada do cubo de Necker aparece maior do que a face anterior, qualquer
que esta seja) e é de esperar que o mesmo aconteça com as partes da
estação orbital espacial. Os suportes e traves aparecerão ambíguos em
profundidade. Quando as partes mais afastadas forem vistas como sendo as
mais próximas, toda a construção parecerá distorcida. Girará com o
observador quando este se voltar, e não no sentido contrário, como
deveria acontecer segundo a paralaxe do movimento. Isto será verdade se
houver consciência da existência do movimento, mas uma pergunta se impõe:
— Terá o observador consciência de que se está a mover, se não puder
olhar para objectos artificiais próximos que ponham ao seu alcance a
paralaxe do movimento? Até onde se pode saber, trabalhando num
laboratório terrestre, é de esperar que esse observador tenha tendência
para considerar pequenas forças de aceleração como indicações de
movimento e que a sua percepção visual seja afectada por tais forças. Se
avançar, mercê de um jacto de ar e segundo as melhores tradições da
ficção científica, um objecto distante — mas visto como próximo —
diminuirá quando o observador for propulsionado em sua direcção. É o que
se verifica fazendo experiências na escuridão com pós-imagens. Estas
diminuem ou aumentam quando nos movemos, desde que nos pareçam
estacionárias no espaço. O mesmo é de presumir que aconteça com objectos
luminosos cuja distância aparente é maior do que a verdadeira, mantendo-
se imutável a imagem formada no olho (figura 13.3). Este efeito foi
medido no laboratório do autor usando imagens luminosas, produzidas
electronicamente, que se podem fazer diminuir ou aumentar de tamanho com
os movimentos do observador. Fazendo diminuir uma imagem, à medida que o
observador se aproxima e até que não note qualquer mudança, podemos
calcular a amplitude desta ilusão que é devida à invariabilidade da
dimensão, neste caso, desencadeada pela informação do movimento.
Verificamos que no observador o escalonamento da invariabilidade da
dimensão é maior quando ele se move para trás, de modo que podemos prever
a existência desta mesma assimetria nas condições existentes no espaço.
Quando o observador se aproxima ou se afasta do quadro, o fenómeno
acentua-se com o aumento da informação dos seus movimentos (Figura 13.3 -
Uma «figura impossível» muitíssimo curiosa: sofrerão os astronautas,
quando no espaço, ilusões deste género? O que perturba é a ambiguidade da
profundidade. O olho não recebe a informação indispensável para localizar
as partes em profundidade e o cérebro não é capaz de tomar uma decisão!).
O facto da interpretação perceptiva da profundidade poder sofrer completa
inversão é, por vezes, de uma grande gravidade. Deixemos o voo espacial e
pensemos no seu próximo parente, o voo de avião. Ao fazer aterrar um
avião, existe a possibilidade da percepção do piloto, em relação à pista,
sofrer uma inversão, como num cubo de Necker luminoso. Se este for o
caso, parecerá ao piloto que a pista se move com o avião em vez de ir ao
seu encontro. O tamanho e a forma da pista serão vistos diferentemente do
que o são na realidade. É muito provável que o piloto inverta os
movimentos de correcção que tem de executar aos comandos do aparelho,
porque deu-se uma verdadeira inversão na sua percepção visual e, assim,
tudo o que houver que corrigir será corrigido exactamente ao contrário.
Quando para endireitar o avião que «pica» demasiado em direcção ao solo,
tiver que puxar para si a «manche», empurrá-la-á para a frente com as
consequências que é fácil imaginar. Esta inversão perceptiva tem muitas
probabilidades de ocorrer à noite ou com nevoeiro, quando não existir uma
textura que, com os seus pormenores, permita distinguir aquilo que está
longe do que está perto. Sobretudo se as luzes mais distantes forem as
mais brilhantes, as probabilidades de uma inversão são consideráveis. Uma
luz é uma indicação de distância, porque uma luz próxima brilha mais do
que uma luz afastada e, assim, na ausência de outra informação, um
dispositivo em que as luzes mais afastadas sejam mais fortes do que as
próximas dará, geralmente, lugar a uma inversão em profundidade. É muito
importante tomar este facto em consideração ao dispor a iluminação de um
aeroporto. Tem tanto de alarmante como de surpreendente ter-se verificado
que a presença de outra informação não evita inversões desta natureza,
posto que diminua as probabilidades de elas aparecerem. Quando seguramos
o cubo luminoso na nossa mão, a inversão ocorre da mesma forma, ainda que
se crie uma situação impossível, pois a mão revela a existência de um
objecto, o olho de outro e ambos os objectos são, sem a menor dúvida, um
só. Quando imprimimos, com a mão, um movimento de rotação ao cubo, o
efeito produzido é extraordinário, porque, segundo o tacto, a rotação
efectua-se num sentido e, segundo a visão, no sentido oposto. Tem-se a
sensação de que o pulso está fora do seu lugar, mas, apesar desta sen-
sação bizarra, o sistema visual não se rende e persiste em apresentar uma
imagem invertida do mundo exterior capaz de conduzir aos piores
desastres.

O homem em outro planeta


A experiência anteriormente adquirida das coisas do mundo em que vivemos
ensina-nos que podemos ser enganados pelo que nos não é familiar. Por
exemplo, o autor visitou recentemente o deserto do Novo México e, ali, do
alto de uma montanha, olhou através do deserto para outras montanhas que
se erguiam do lado oposto. Estas últimas pareceram-lhe estar a 20 ou 30
quilómetros de distância: na realidade, estavam a mais de 100. Teria sido
impossível a qualquer homem alcançá-las atravessando o deserto e levando
consigo água e alimentos que lhe permitissem sobreviver. Habituado às
névoas do clima de Inglaterra, o ar seco do deserto deu-lhe uma indicação
completamente errada acerca da distância a que se encontravam as
montanhas. Devemos estar preparados para que este género de fenómenos
apareça com tremenda intensidade na Lua e nos planetas, onde a atmosfera
e a iluminação são muito diferentes das da Terra e, também, onde a escala
dos objectos é muito diversa. Vimos (capítulo 10) que as sombras são
importantes para que, auxiliados pelo Sol que funciona como um terceiro
olho, possamos distinguir a profundidade. Só Deus sabe o que será da
percepção humana num mundo que tenha dois sóis!
Pode bem acontecer que, durante a descoberta do espaço, aprendamos muito
acerca de nós próprios. Podemos usar óculos inversores, mas, à superfície
da Terra, não podemos fugir à gravidade. Os efeitos de um meio e de
condições anormais, que não podem ser simulados na Terra, virão a ser do
maior interesse. É importante aproveitar a situação existente durante as
viagens espaciais para aumentarmos o nosso conhecimento da percepção e
dos seus limites. Este conhecimento virá não só servir os astronautas
como permitir-nos compreender melhor como se faz o processamento da
percepção.
Resta examinar a possibilidade de fabricarmos olhos e cérebros
artificiais. A máquina fotográfica é passiva e representa apenas a
primeira e a mais simples fase da percepção: poderemos nós conceber e
fabricar uma máquina visual completa? Seria um invento muito útil para as
viagens pelo espaço, se fosse resistente, trabalhasse com pequeno dis-
pêndio de energia e durasse muito tempo, talvez muitas centenas de anos,
para poder contar aos nossos descendentes o que são as distantes regiões
do Cosmos. Mas estamos muito longe de poder construir uma máquina capaz
de ver o mundo como nós o vemos, ou aproximadamente como nós o vemos. Tem
sido este o problema mais intratável com que se tem defrontado a
cibernética nas suas tentativas para explicar o cérebro em termos de
concepções de engenharia. Pensamos ser o cérebro um computador e cremos
que a percepção do mundo abrange toda uma série de artifícios semelhantes
àqueles que têm lugar num computador e, portanto, capazes de serem
reproduzidos, mas alguns destes dispositivos ainda não foram descobertos
e, até que o sejam, não nos será possível nem construir uma máquina que
possa ver nem compreender inteiramente o que são os nossos olhos e o
nosso cérebro.

Bibliografia
Quando um livro é publicado tanto no Reino Unido como na América do
Norte, são indicados os nomes dos dois editores. O nome do editor inglês
é sempre mencionado em primeiro lugar. As datas, salvo indicação em
contrário, são as da primeira publicação. Nas referências a jornais são
usadas abreviaturas com base na World List of Scientific Periodicals.
Livros acerca da percepção em geral
H. von Helmholtz, Handbook of Physiological Optics, ed. J. P. C. S.
Physiology, reimpressão, Dover 1963; H-L Teuber, «Perception» in Handbook
of Physiology, Sect. 1 Neurophysiology, ed. Feild et al., Baillière,
Tindall & Cox/Washington, 1960; R. L. Gregory, «Human Perception», Brit
med. Bull. 20, 21 (1964); S. H. Bartley, Principles of Perception,
Harper, 1958; D. C. Beardslee e M. Wertheimer (eds.), Readings in
Perception, Van Nostrand, 1958; D. E. Broadbent, Perception and
Communication, Pergamon, 1958; J. S. Brunner et al., Contemporary
Approaches to Cognition, O.U.P./Harvard, 1957; J. J. Gibson, The
Perception of the Visual World, Allen & Unwin/Houghton Miffin, 1950; E.
G. Boring, Sensations and Perception in the History of Experimental
Psychology, Appleton-Century-Croft, 1942; E. G. Boring, A History of
Experimental Psychology, Appleton-Century-Croft, 2.ª ed., 1950; M. H.
Pirenne, Vision and the Eye, Chapman & All/Anglobooks, 1948; M. D.
Vernon, A Further Study of Visual Perception, C. U. P., 1952; R. S.
Woodworth & H. Schlosberg, Experimental Psychology, Methuen/Holt, 1954;
D. O. Hebb, The Organisation of Behaviour, Chapman & Hall/Wiley, 1949.
Capítulo 2 — A luz
Ver F. A. Jenkins e H. E; White, Fundamentals of Optics, McGraw-Hill, 3.ª
edição, 1957, e W. Bragg, Universe of Light, Bell/Clarke, Irwin, 1962.
Capítulo 3 — No princípio
Não existe qualquer livro que descreva em pormenor os olhos primitivos,
mas os olhos mais evoluídos são descritos de forma magnífica no «The
vertebrate eye and its adaptive radiation» de G. L. Walls, Cranbrook
Institute of Science Bulletin 19, 1942.
Os olhos dos insectos são descritos por V. B. Wiggleswort no The Prin-
cipies of Insect Physiology, Methuen/Wiley, 5.ª edição, 1953.
Investigações recentes sobre o olho do Copilia são descritas por R. L.
Gregory, H. E. Ross e N. Moray no «The curious eye of Copilia», Nature
Lond. 201, 1166 (1964).
Capítulo 4 — O olho
Para a estrutura geral do olho ver T. C. Ruch e J. F. Fulton, Medical
Physiology and Biophysics, Saunders, 18.ª edição, 1960. É descrita com
grande minudência por H. Davson (ed.) The Eye, Academic Press, 1962. Este
trabalho é uma utilíssima fonte de informação acerca da óptica
fisiológica.
O problema da adaptação do olho às várias distâncias é particularmente
interessante, porque a imagem que se forma na retina é a mesma, quer o
olho se adapte à visão próxima, quer à afastada; não existe assim
qualquer indicação capaz de denotar um erro. O problema vem sendo
estudado graças a uma técnica engenhosa que se ficou a dever a Campbell e
a Robson: ver F. W. Campbell e J. G. Robson «Hight — speed infra-red
optometer», J. opt. Soc. Amer. 49, 286 (1959).
A descrição completa da forma como o tamanho da pupila é controlada pela
intensidade da luz é algo de complicado. Ver F. W. Campbell e T. C. D.
Whiteside, «Induced pupiliary oscillations», Brit. J. Ophtal. 34, 180
(1950). Para uma descrição completa e clara ver L. Stark «Servo analysis
of pupil reflex», Medicai Physics, Vol. 3 edição O. Glasser, Year Book,
Chicago, 1960.
A retina é descrita com perfeição e minúcia em The Retina, S. L. Polyak,
C.U.P./Chicago (1941).
As primeiras investigações sobre os movimentos do olho foram as de R.
Dodge «An experimental study of visual fixation», Psychol. Monogr. 8, n.º
4 (1907).
O «controle» do movimento do olho é descrito no «Central control of eye
movement por E. Whitteridge, Handbook of Physiology — Neurophysiology,
Vol. II, capítulo XLII. A estabilidade das imagens da retina é descrita
por L. A. Riggs, E. Ratliff, J. C. e T. N. Cornsweet, «The disappearance
of steadly fixated visual test objects». J. opt. Soc. Amer. 43, 495
(1953). Uma técnica recente, e muito simples, é descrita por R. M.
Pritchard «A collimator stabilising system for the retinal image», Quart.
J. exp. Psychol., 13, 181 (1961). O efeito da estabilidade é descrito por
R. W. Ditchburn e B. L. Ginsborg «Vision with a stabilised retinal
image», Nature Lond 170, 36 (1950); e R. M. Pritchard, W. Heron e D. O.
Hebh, Canad. J. Psychol. 14, 67 (1960).
A descrição mais completa da visão binocular é a de K. N. Ogle,
Researches in Binocular Vision, Saunders, 1950. As experiências que
demonstram a capacidade do cérebro para efectuar correlações cruzadas a
fim de obter profundidade a partir de um par de tramas tomadas ao acaso,
embora relacionadas entre si, foram realizadas por Julesz: ver B. Julesz
«Binocular depth perception of computer-generated patterns». J. Bell
Telephone Co. 39, 1125 (1960). Os vários métodos existentes para
apresentar aos olhos pares estereoscópicos são descritos por L. P. Dudley
em Stereoptics MacDonald, 1951.

Capítulo 5 — O cérebro
Qualquer livro didáctico de fisiologia, por exemplo, Fulton op. cit.,
descreve a estrutura do cérebro. Uma dissertação interessante é a de D.
A. Scholl The Organisation of the Cerebral Cortex, Methuen/Wiley, 1956;
outra muito útil é a de D. E. Wooldrige The Machinery of the Brain,
McGraw-Will, 1963, que se refere resumidamente a um número
excepcionalmente grande de funções cerebrais. A história das sensações e
das ideias que se formam no cérebro é feita por K. D. Keele na Anatomie
of Pain, Blackwell/Machwith, 1957. A recente e já aceite teoria da acção
potencial nos nervos é descrita por B. Katz «How cells communicate», Sci.
Amer. 205, 3 (1961) e, mais tecnicamente, por F. Crestitelli, «Production
and transmission in the central nervous systeme», Annu. Rev. Physiol. 17,
243 (1955). Uma dissertação, em termos de engenharia, da lógica da
compreensão no cérebro é-nos dada por R. L. Gregory «The grain as an
engineering problem» no Current Problems in Animal Behaviour, ed. W. H.
Thorpe e O. L. Zangwill, C.U.P. 1961.
O importante trabalho da descoberta do mecanismo neural que, no cérebro
do gato, reage a ângulos específicos de linhas, formas e movimentos deve-
se a D. H. Hubel e T. N. Wiesel, «Receptive fields, binocular interaction
and functional architecture in the cat's visual cortex». J. Physiol. 160,
106 (1962) e outros artigos no mesmo periódico. Para um trabalho
semelhante acerca da retina da rã, ver J. Y. Lettvin, H. R. Maturana, W.
S. McCulloch e W. H. Pitts, «What the frog's eye tells the frog's brain»,
Proc. Inst. Radio Engrs. N. Y. 47, 1940 (1959). Para ideias gestaltistas
da representação isomórfica das formas visuais no cérebro ver W. Kohler,
Dynamics of Psychology, Faber/Liveright, 1940 e «Physical Gestalton» in
W. H. Ellis (ed.), Source Book of Gestalt Psychology, Routledge/Harcourt
Brace, 1938.

Capítulo 6 — A percepção do brilho


Até há pouco tempo, a teoria mais aceite da adaptação à luz e à escuridão
era a de Selig Hecht, «The nature of the photo receptor process»,
descrita no Handbook of general Experimental Psychology, O.U.P./Clark UP,
1934 in C. Murchison (ed.). Muitas experiências vieram criar dúvidas
quanto ao alcance desta teoria, entre elas as de K. J. W. Craik: «The
effect of adaptation on differential brightness discrimination», J.
Physiol. 92, 406 (1938) e de K. J. W. Craik e M. D. Vernon «The nature of
dark adaptation», Brit. J. Psychol., 32, 62 (1941). Mais recentemente,
foi muito modificada pelos importantes trabalhos de Rushton: ver W. A. H.
Rushton e F. Campbell «Measurement of rhodopsin in the living human eye»,
Nature, Land. 174, 1096 (1954) e muitos artigos posteriores.
Os contrastes luminosos são examinados por S. H. Bartley: Vision: a Study
of its Bases, Macmillan/Van Nostrand, 1941. A inibição lateral da retina
é o tema de S. W. Kuffler, «Discharge patterns and functional
organisation of nammalian retina», J. Neurophysicol. 16, 37 (1953);
quanto a retina da rã: H. B. Barlow «Summation and inhibition in the
frog's retina». J. Phisiol. 119, 69 (1953). A relação com outras funções
visuais é estabelecida por H. B. Barlow «Temporal and spatial summation
in human vision at different background intensities», J. Physiol. 141,
337 (1958).
O efeito de Pulfrich foi descrito por Pulfrich no Naturwissenchaften, 10,
569 (1922) e examinado por J. B. Arden e R. A. Weale, «Varitions in the
latent period of vision», Proc. Roy. Soc. B. 142, 258 (1954).
Existe uma enorme quantidade de obras acerca da sensibilidade absoluta do
olho. O artigo clássico sobre a eficiência quântica do olho é o de S.
Hecht, S. Schlaer e M. H. Pirenne, «Energy quanta and vision» J. Gen.
Physiol. 25, 819 (1942). O importante método de avaliação do número de
quanta necessários à detecção por meio de curvas de frequência da visão é
descrito, melhor do que em qualquer outra parte, por M. H. Pirenne,
Vision and the Eye (capítulos 6, 7 e 8), Chapman e Hall/Anglobooks, 1948.
É um livro pequeno mas extraordinariamente útil.
O importante trabalho de registo do nervo óptico do Limulus é princi-
palmente devido à Hartline: ver H. K. Hartline, «The neural mechanisms
for vision», The Harvey Lectures 37, 39 (1942), «The nerve messages in
the fibres of the visual pathway», J. Opt. Soc. Amer. 30, 239 (1940).
A ideia de que a detecção visual pode ser limitada por ruídos neuroló-
gicos foi primeiro apresentada por um engenheiro da televisão: ver A.
Rose. Proc. Inst. Radio Engrs. N. Y. 30, 293 (1942). Vários
investigadores, principalmente Barlow, ampliaram os trabalhos feitos: ver
H. B. Barlow, «Retinal noise and the absolute threshold», J. Opt. Soc.
Amer. 46, 634 (1956) e «Incremental thresholds at low intensities
considered as signal noise discrimination», J. Physiol. 136, 469 (1957).
Um método para medir ruídos internos e relacioná-los com a área de
estimulação é apresentado por R. L. Gregory, «An experimental treatment
of vision as an information source and noisy channel», Information
Theory: Third London Symposium, C. Cherry (ed.) Butterworth/Academic
Press, 1956.

Capítulo 7 — A visão do movimento


Como elementos acerca dos limiares da detecção do movimento, ver J. F.
Brown, Psychol. Bull. 58, 89 (1961). Medições mais aperfeiçoadas foram
feitas por H. W. Leibowitz «The relation between the rate threshold for
perception of movement for various duractions and exposures». J. exp.
Psychol 49, 209 (1955).
A estabilidade do mundo visual durante os movimentos do olho é estudada
por H. von Helmholtz, op. cit. Acerca da teoria centrífuga ver E. von
Holst, «Relations between the central nervous system and the peripheral
organs», Brit. J. Aram. Beh. 2, 89 (1954) e R. L. Gregory «Eye movements
and the stability of the visual world», Nature, Lond. 182, 1214 (1958).
Várias obras sobre o efeito autocinético são comentadas por R. L. Gregory
e O. L. Zangwill: «The origin of the autokinetic effect». Quart. J. exp
Psychol. 15, 4 (1963), onde são apresentadas provas em apoio da teoria da
fadiga muscular.
O efeito da queda de água é descrito minuciosamente por A. Wohlmgemuth
«On the after effect of seen movement» Brit. J. Psychol. Monogr. 1
(1911). O efeito só tem lugar quando a retina é estimulada pelo
movimento. S. M. Anstis e R. L. Gregory mostraram que a adaptação é
limitada ao sistema imagem/retina: «The after-effect of seen motion: the
role of retinal stimulation and eye movements». Quart. J. exp. Psychol.,
1964. O movimento aparente conhecido por fenómeno «Fi» foi principalmente
estudado pela escola gestaltista: ver M. Wertheimer, Z. Psychol. 61, 161
(1912), que deu o nome ao fenómeno. As relações de tempo e distância
entre duas fontes luminosas que provocam a ilusão de uma fonte única
movendo-se de uma para outra luz (Lei de Korte) foram estabelecidas por
A. Korte na edição K. Koffka Beiträge Zu Psychologie der Gestalt Kegan
Paul 1919. O efeito é, na realidade, muito variável. Uma boa descrição
pode encontrar-se em M. D. Vernon, op. cit.
O importante efeito do movimento induzido foi primeiro investigado por K.
Duncker «Induced motion» em W. H. Ellis (ed.) — Soulce Book of Gestalt
Psychology Routledge/Harcourt Brace, 1938.

Capítulo 8 — A visão das cores


Não existe um tratado que, só por si, trate com clareza da visão
cromática, mas uma colecção muito útil de artigos clássicos sobre o
assunto pode ser encontrada no Colour Vision de Van Nostrand, 1961 R. C.
Teevan e R. C. Birney (ed.). Este livro contém o artigo de Thomas Young
«On the theory of light and colours», que é considerado um clássico, bem
como os de Helmholtz. Também nele está incluído o «Experiment in Colour
Vision» de E. H. Land. Sci. Amer. 5, 84 (1949). Ver ainda «Two-colour
projection phenomena» de M. H. Wilson e R. W. Brocklebank, J. phot. Sa 8,
141 (1960) e o «Appraisal of Land's Work on two-primary colour
projections» de D. B. Judd, J. opt. Soc. Amer. 50, 254 (1960).
Para experiências quanto ao efeito da adaptação ao ajustamento de cores,
ver G. S. Brindley, Physiology of the Retina and the Visual Pathway,
Arnold/Waverly Press, 1960.
Capítulo 9 — Ilusões
Para um bom estudo do sonho, ver I. Oswald, Sleeping and Waking,
Physiology and Psychology, Elsevier, Amsterdam, 1962, and I. Oswald, «The
experimental study of sleep», Brit. med Bull. 20, 70 (1964). Os efeitos
das drogas foram objecto do trabalho de A. Summerfield «Drugs and Human
Behaviour» Brit. med. Bull. 20, 70 (1964) e H. Steinberg «Drugs and
animal behaviour» Brit. med. Bull. 20, 75 (1964). Estes artigos são
excelentes compilações e incluem extensas bibliografias.
O trabalho de Wilder Penfield, evocando memórias do passado e realizando
outras experiências por meio da estimulação directa do cérebro, é
descrito no Speech and Brain Mechanisms, O. U. P. 1959, de W. Penfield e
L. Roberts. As perturbações visuais produzidas por uma repetição de
tramas da retina foram investigadas por D. M. McKay que descobriu efeitos
impressionantes. Descreveu estes efeitos no seu artigo «Interactive
processes in visual perception» — Sensory Communication, ed. W. A.
Rosenblith, M. I. T. Press e Wiley, 1961.
O primeiro trabalho experimental para avaliar a invariabilidade da dimen-
são e da forma (a seguir à exposição de Descartes) foi executado por
Robert Thouless. Ver R. H. Thouless, «Phenomenal regression to the real
object» — 1, Brit. J. Psychol. 21, 339 (1931) e «Individual differences
in phenomenal regression», Brit. J. Psychol. 22, 216 (1932). Thouless
usou uma técnica baseada em comparações entre dois objectos, geralmente
discos de cartão, colocados a diferentes distâncias e orientados de
maneiras diferentes. Uma técnica diferente, que pode ser usada para medir
a invariabilidade durante o movimento, é descrita por S. M. Anstis, C. D.
Shopland e R. L. Gregory — «Measuring visual constancy for stationary or
moving objects» — Nature, Lond. 191, 416 (1961). Alguns resultados desta
técnica são descritos por R. L. Gregory e H. E. Ross — «Visual
constancy during movement» — Perceptual anã Motor Skills, 18, 3 e 23
(1964). Uma apreciação geral da distorção visual, incluindo as teorias
históricas e as referências, encontra-se na Experimental Psychology,
Methuen/Holt, 1938, de R. S. Woodworth. Uma das primeiras referências ao
tipo de teoria defendido neste livro aparece no Psychologische Forschung,
24, 299 (1954) de R. Tausch. A primeira exposição deste mesmo tipo de
teoria foi feita por R. L. Gregory — «Distortion of visual space as
inappropriate constancy scaling», Nature, Lond. 119, 678 (1963). A
investigação do perturbante problema criado pela existência de distorções
tácteis semelhantes foi feita por R. G. Rudel e H. L. Teuber — «Decrement
of visual and haptic Muller-Lyer illusion on repeated trails: a study of
crossmodal transfer», Quart. J. exp. Psychol. 15, 125 (1963). As ilusões
entre os povos primitivos — ou melhor, a não existência de ilusões entre
os povos primitivos — e os resultados a que levaram as experiências
feitas a tal respeito foram expostos por M. H. Segall, T. D. Campbell e
M. J. Herskoovitz — Science, 139, 769 (1963). Um exame interessante das
ilusões lunares e uma exposição acerca do assunto devem-se a L. Kaufman e
I. Rock «The moon illusion» — Sci. Amer. 204, 120 (1962).
Capítulo 10 — Arte e realidade
As melhores descrições das demonstrações de Ames são as do The Ames
Demonstrations in Perception O. U. P./Princepton, 1952, de W. H.
Ittleson. Só fizemos aqui breves referências aos importantes trabalhos de
Gibson, porque ele próprio os descreveu muitíssimo bem — J. J. Gibson,
The Perception of the Visual World, Allen e Unwin/Houghton-Miffin, 1950.
A tentativa melhor sucedida para relacionar os problemas do artista com
aquilo que sabemos acerca da percepção visual é a Art and Illusion,
Phaidon/Pantheon, 1960, de E. H. Gombrich.

Capítulo 11 — Temos de aprender a ver?


Uma exposição dos casos de cura da cegueira que se verificaram até 1932
pode ser encontrada no Space and Sight, de M. Von Senden, tr. P. Heath,
Methen/Free Press, 1960. O relevo que assumiram estes casos nos tratados
de psicologia principiou com o importante livro de D. O. Hebb The
Organisation of Behaviour, Chapman and Hall/Wiley, 1949. O caso mais
recente verificado é descrito por R. L. Gregory e J. G. Wallace «Recovery
from early blindness: a case study» Exp. Psychol. Soc. Monogr. No. 2,
Cambridge 1963. Compreende a descrição completa do caso de S. B., exposto
resumidamente neste capítulo.
Acerca dos trabalhos de registo dos movimentos dos olhos dos bebés, quase
recém-nascidos, ver R. L. Frantz «The Origin of Form Perception», Sci.
Amer. 204, 66 (1961).
Quanto às importantes experiências com animais criados na escuridão, ver
E. H. Hess, «Space perception in the chick» Sci. Amer. 195, 71 (.1956),
bem como A. H. Reisen, «The development of perception in man and
chimpanzee», Science 106, 107 (1947) e A. H. Reisen, «Arrasted vision»,
Sci. Amer. 183, 16 (1950).
Para estudo dos trabalhos de Stratton, ver os seus artigos: «Some
preliminary experiments on vision» Psychol. Rev. 3, 611 (1896). «Vision
without inversion of the retinal image» Psychol. Rev. 4, 341 (1897) e
Psychol. Rev. 4, 463 (1897). Os trabalhos de Ewert, um tanto mais
complicados que os anteriores, são descritos por ele no «A study of the
effect of inverted retinal stimulation upon spatially coordinated
behaviour» Genet. Psychol. Monogr. 7, 177 (1930) e ainda outros dois
artigos sobre «Factors in space localization during inverted vision»,
Psychol. Rev. 43, 522 (1936) e 44, 105 (1937). J. e J. K. Peterson vieram
a seguir com «Does practice with inverting lenses make vision normal?»,
Psychol. Monogr. 50, 12 (1938). Os últimos trabalhos foram resumidos por
I. Kohler «Experiments with goggles» Sci. Amer 206, 62 (1962). Outras
referências e mais trabalho original, especialmente no que se reporta à
deslocação de imagens no tempo, pode ser encontrado em Perception and
Motion: an Analysis of Space-structured Behaviour, Saunders, 1962, de K.
U. e W. M. Smith. O importante trabalho de Richard Held e dos seus
colegas acerca da adaptação de seres humanos a prismas que desviam a luz
encontra-se dispersa por vários artigos. Ver R. Held e A. Hein,
«Movement-produced stimulation in the development of visually guided
behaviour», J. Comp. and Phys. Psychol. 56, 872 (1963) para os pormenores
da experiência com gatinhos activos e passivos descrita no texto.
O primeiro artigo sobre o efeito dos óculos que produzem distorções per-
tence a J. J. Gibson, «Adaptation, after-effect and contrast in the
perception of curved lines» J. exp. Psychol. 16, 1 (1933). Os chamados
fenómenos de pós-efeito das figuras são descritos em dois artigos: W.
Köhler e H. Wallach, «Figural after-effects», Proc. Amer. phil. Soc. 88,
269 (1944) e C. E. Osgood e A. W. Heyer «A new interpretation of figural
after-effects» Psychol. Rev. 59, 98 (1951). Para uma apreciação geral dos
pós-efeitos das figuras, ver P. McEwen. Figural After-effects, C. V. P.
1958.
Capítulo 12 — Ver e crer
Os trabalhos de Michotte sobre a causalidade da visão foram por ele
descritos no The Perception of Causality T. R. e E. Miles (ed.) Methuen,
1963.
As figuras impossíveis foram estudadas por L. S. Penrose e R. Penrose,
«Impossible Objects: a special type of illusion», Brit. J. Psychol. 49,
31 (1958).

Agradecimentos
Desejo apresentar os meus agradecimentos ao Dr. Stuart Anstis e a vários
colegas, bem como aos meus alunos, por me terem comunicado as suas
opiniões acerca dos problemas tratados nesta obra e chamado a minha
atenção para erros cometidos. Igualmente agradeço o terem-me dado parte
dos resultados das experiências a que procederam. Beneficiei ainda da
generosidade de muitas pessoas dos Estados Unidos, principalmente dos
professores J. J. Gibson, H. L. Teuber, Warren McCullough e F. Nowell
Jones. Este livro foi, em grande parte, escrito durante uma visita que
fiz ao departamento do Professor Jones, na Universidade da Califórnia, em
Los Angeles.
Não me é possível mencionar todos os autores dos livros e artigos lidos
durante um período de dez ou mais anos, mas, a este respeito, estou
particularmente em dívida, entre muitos outros, aos Drs. M. H. Pirenne,
J. J. Gibson, E. H. Gombrich.
Os meus manuscritos ilegíveis foram dactilografados com inalterável boa
disposição e inteligência pela minha secretária, Mrs. Olive Faircloth,
sem quem a vida não seria possível. Mrs. Monica Beck fez o favor de me
ajudar a compilar o índice.
Foram as lições do Professor Sir Frederick Bartlett que despertaram o meu
interesse por este assunto, e foi o encorajamento e o apoio que recebi do
Professor O. L. Zangwill que me animaram a prosseguir.
Gostaria de agradecer à Mrs. Audrey Besterman e à Miss Mary Waldron o
trabalho que tiveram ao desenhar os diagramas e ao «Illustration Research
Service» de Londres a colecção de fotografias coloridas que me foi
permitido utilizar.
Pelo que diz respeito às gravuras devo igualmente os meus agradecimentos
a: 1.2 C. E. Osgood e Oxford University Press; 2.1, 10.2 The British
Museum; 2.2, 8.1 The Royal Society; 2.4 The Bodleian Library; 3.1 G. L.
Walls e Cranbrook Institute of Science Bulletin; 3.2 M. Rudwick; 3.3 V.
B. Wigglesworth, Methuen & Co., Ltd e John Wiley & Sons, Inc.; 3.3, 3.5
R. L. Gregory, H. E. Ross, N. Moray e Nature; 4.2 T. C. Ruch, J. F.
Fulton e W. B. Saunders Co.; 4.5 Medical Illustrations Department,
Institute of Ophthalmology, London; 4.8 R. M. Pritchard e Quarterly
Journal of Experimental Psychology; 4.16 Bela Julesz e Science (Vol. 145,
24 July 1964, pp. 356-62), C 1964 pela American Association for the
Advancement of Science; 5.2 W. Penfield, T. Rasmussen e The Macmillan
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