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Analise George
Analise George
● 1.º parágrafo
▪ George encontra-se a caminhar numa “larga rua”, num dia de muito calor, rua essa
que já percorrera há vinte anos. Ela é uma mulher de 45 anos (como viremos a
descobrir mais à frente) que regressa à sua terra natal, mais de 20 anos de ter
partido. A sua caracterização será feita em simultâneo com a de Gi.
▪ A dupla comparação («Andam lentamente, mais do que se pode, como quem luta sem
forças contra o vento, ou como quem caminha, também é possível, na pesada e espessa
e dura água do mar.») traduz a lentidão da aproximação das duas personagens e, mais
ainda, a dificuldade, o esforço para prosseguir o caminho. Por outro lado, sugere o
quão difícil é caminhar contra elementos adversos e prepara a atmosfera pesada da
vivência para a qual se encaminha a personagem.
▪ O ambiente que se faz sentir «na longa rua» é marcado pelo calor e por uma aragem
de «forno aberto», o que significa que esse ambiente é incómodo e asfixiante.
● 2.º parágrafo
● 3.º parágrafo
▪ Referência à “fotografia que tem corrido mundo numa mala qualquer, que tem morado
no fundo de muitas gavetas”: personagem muito viajada.
● 4.º parágrafo
▪ Retrato da personagem:
- físico: olhos largos, semicerrados; boca fina; cabelos escuros e lisos; pescoço
alto de Modigliani;
- socioeconómico: pobre, origens humildes.
● 5.º parágrafo
▪ George partiu da vida “à descoberta da cidade grande”, porém, naquela época, não
era aceitável uma mulher sozinha fazer isso, pois a cidade era considerada um local
de perdição.
▪ George era filha de uma família sem grande cultura e vivia numa pequena vila do
interior, com as perspetivas próprias de tal contexto: casar, ter uma casa e
família/filhos, ser uma esposa e uma mãe exemplares (“… que hei de um dia ser uma
boa senhora da vila, uma esposa exemplar, uma mãe perfeita…”) – ou seja, encarnar o
papel tradicional reservado às mulheres –, mas sacrificar o gosto pela pintura e
desenho que desde sempre manifestara e que a família sempre desvalorizara. Daí a
sua decisão de partir, deixando para trás os pais, o noivo, as perspetivas de
casamento e a própria vila, indo para longe e desligando-se de tudo.
▪ Que razões existem para a partida de George? A protagonista partiu para descobrir
novas realidades, novas experiências, uma nova vida, em suma, com liberdade de
escolha. A sua partida da vila foi motivada, portanto, pela vontade de romper com a
vida convencional que lhe estava destinada, mas que ela não desejava.
▪ George quis distanciar-se da sua juventude, da sua vida com os pais, do seu
primeiro namorado (Carlos), isto é, de tudo o que a ligava àquela terra, daí ter
partido à descoberta da cidade grande «por além terra, por além mar».
▪ A vida de George acaba por se tornar vertiginosa, o que fica bem visível na
sucessão de verbos (“casou-se, divorciou-se, partiu, chegou, voltou a partir e a
chegar”), que nos dá a ideia de movimento constante, de procura também constante,
de instabilidade emocional.
● 6.º parágrafo
▪ A protagonista esconde da mãe estas questões. Com ela comunica através de cartas,
escassas (não gostava de escrever) e pouco minuciosas.
▪ As duas últimas notas biográficas do parágrafo são dedicadas à morte dos pais.
▪ No entanto, esta forma de vida tem consequências negativas para a personagem. Por
exemplo, causa-lhe sofrimento e dor (“fazes isso, enfim, toda essa desertificação,
com esforço, com sofrimento”). No fundo, estamos perante uma forma de vida que
propicia o vazio, a solidão, o desencanto (“os amigos que julga sinceros, sê-lo-
ão?”).
▪ O desejo de ser livre subordina tudo o mais: “Queria estar sempre pronta para
partir sem que os objetos a envolvessem, a segurassem, a obrigassem a demorar-se
mais um dia que fosse. Disponível, pensava. Senhora de si. Para partir, para
chegar.”.
▪ Em suma, a personagem (Gi) deseja ser livre, por isso evita criar vínculos com
objetos e lugares, o que nos permite concluir que as perdas na sua vida serão
deliberadas.
● 11.º parágrafo
● 12.º parágrafo
▪ O diálogo que se segue é, na verdade, um encontro de George com a jovem que foi
naquela vila, por isso recorda detalhes como o do alfinete de ouro, e na despedida
“não se tocam”, nem tal seria possível, e começam a mover-se ao mesmo tempo,
lentamente, como quem anda na água ou contra o vento. A cada instante vão-se
distanciando cada vez mais. E nenhuma delas olha para trás. “O esquecimento desceu
sobre ambas.”.
● 15.º parágrafo
▪ A revelação dos projetos é feita através da memória de George, que, face à imagem
de si mesma enquanto jovem, relembra os projetos que então tinha: deixar tudo,
partir e pintar.
▪ Esses projetos colidem com os do seu namorado de então, Carlos, que deseja
comprar uma terra e construir uma casa, financiados por uma herança recebida.
▪ Também os «outros» fazem projetos para Gi: ser “uma boa senhora da vila”, uma
esposa exemplar, uma mãe perfeita, uma boa dona de casa, “com muito jeito para o
desenho”, que será como que tolerado, podendo até “fazer retratos das crianças
quando tiver tempo”. Espera-se, em suma, que case (a mãe já lhe está a fazer o
enxoval), tenha filhos e cuide da casa.
▪ George tem pressa (tem de apanhar o comboio para regressar; no dia seguinte
seguirá para Amesterdão, onde tem um ateliê).
▪ Simbolismo da despedida: como a nota ”ambas dão um beijo rápido, breve, no ar,
não se tocam, nem tal seria possível” deixa entender, este encontro é, na
realidade, o encontro de George consigo mesma, com a recordação de um passado que
não deixou saudades, a que não quer voltar, mas onde havia uma jovem, Gi, que nunca
deixou de a acompanhar, isto é, que nunca se apagou da sua memória. Por se tratar
de uma mera memória, a despedida não causa dor, visto que Gi permanecerá no
passado, sempre jovem e sempre presente na memória de George. Por se tratar de uma
mera memória, “não seria possível”, de facto, que as duas se tocassem: uma era
apenas memória.
▪ Em suma, Gi representa a imagem de George quando tinha 18 anos que esta imagina
encontrar no seu regresso à terra onde nasceu e se criou.
● 38.º parágrafo
▪ Não obstante, uma parte de si mantém-se distante, livre de emoções: “uma simples
lágrima no olho direito, o outro, que esquisito, sempre se recusa a chorar. É como
se se negasse a compartilhar os seus problemas, não e não.”.
▪ Este segundo encontro é semelhante ao primeiro: gradual, pouco nítido, visto que
ambas surgem com contornos indefinidos e difusos que, gradualmente, se tornam mais
nítidos.
▪ Note-se que George resiste ao aparecimento de Georgina, dado que fecha os olhos e
tenta dormir. Parece mesmo encará-la com alguma hostilidade, visível nas expressões
«velha» e «atirar à cara», bem como na forma como decide terminar o encontro,
aludindo a uma dor de cabeça.
▪ Retrato de Georgina:
- quase 70 anos
- só
- vive de recordações
- sabe que George vive numa casa mobilada
- adivinha o que George sente
▪ Caracterização de George:
- 45 anos
- sente-se velha por vezes
- está a chorar
- gosta do seu trabalho
- irritada, não quer assumir a tristeza que, involuntariamente, sente
2.º) Georgina, enquanto projeção da personagem, sabe tudo sobre George: (a) que só
vive em casas mobiladas, (b) que está triste, (c) mas no dia seguinte terá
esquecido o encontro com o passado, (d) que um dia será velha e sentir-se-á só, €
que sentirá a falta de ligação à família e aos amigos, (f) que irá sentir a falta
do afeto de que fugiu durante toda a vida, como simples fotografias, por exemplo.
3.º) Georgina simboliza a voz da experiência, o saber empírico que alerta George
para os problemas com que se deparará no futuro, quando for velha. Dado que é um
produto da imaginação de George, podemos considerar que a figura de Georgina
representa o medo inconsciente do futuro por parte da protagonista do conto.
4.º) Georgina lembra a George que, embora as pessoas novas não pensem no assunto, a
velhice chegará inevitavelmente e com ela os sentimentos de perda, solidão e
abandono. É então, nesse momento, que se valorizam a família, os amigos e tudo
aquilo que se perdeu ou abandonou. Daí que Georgina tenha tentado obter as
fotografias que George nunca guardou.
▪ Na fase final do diálogo entre ambas, George queixa-se de uma dor de cabeça:
«Dói-me simplesmente a cabeça.».
A causa desta dor é o facto de a protagonista estar a pensar o futuro, pois ela
prevê que poderá ficar só, visto que não cultivou laços de amor ou de amizade. Por
outro lado, essa situação poderá acarretar um grande vazio na sua vida perante a
falta de raízes no que a rodeia.
Esta dor de cabeça poderá constituir também uma espécie de desculpa de que George
se socorre para dar por indo o encontro com a sua imagem da velhice.
● Penúltimo parágrafo
▪ George fecha os olhos e procura pensamentos mais agradáveis para fugir a essa
dor: uma nova exposição, o quadro vendido que lhe rendeu muito dinheiro, a próxima
viagem.
▪ George crê que a fuga a essa dor, a essa preocupação com o futuro, a esse vazio
que tanto teme, reside no dinheiro e no êxito enquanto pintora, que lhe trará mais
dinheiro. Para ela, quem tem dinheiro nunca está só.
▪ George tenta convencer Georgina, o seu «eu» futuro dessa verdade, porém ela já lá
não está. Esfumou-se.
▪ Só nesta parte do conto se fica a conhecer o nome de George com quase 70 anos:
Georgina. Desta forma, o narrador clarifica a dinâmica do conto, entre a realidade
da personagem, a sua memória e a sua imaginação.
● Último parágrafo