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MATOS
RESUMO
ABSTRACT
(*)
Ph. D. pela Columbia University of New York, Professora Assistente do Instituto de Psicologia da USP - SP.
Endereço para correspondência: Rua Engenheiro Bianor, 153 - CEP 05502-010 - São Paulo - SP -E-mail: maamatos@usp.br
sobre a adaptabilidade desse organismo ao cia, e mantidas por sua utilidade biológica (por
ambiente em que vive. sua função de sobrevivência e valor adaptativo).
Outro exemplo: o reflexo de salivação dian- Como funcionalista o analista de compor-
te de gotas de limão na boca ou diante de um tamento é um machiano (referência ao físico
limão sendo fatiado. A salivação diante de um alemão Ernst Mach). Substitui a noção de ‘cau-
líquido ácido na boca dilui a concentração deste sa’ pela de ‘função’, e a explicação pela descri-
líquido e diminui seu possível dano sobre as ção. Para um estudioso da natureza não há nada
mucosas da boca e, eventualmente, de outros mais do que o estudo da dependência dos
órgãos. Salivar ao chupar limão tem pois um alto fenômenos, uns em relação aos outros. Os
valor de sobrevivência. Salivar antes de terem as fenômenos sempre ocorrem em variadas rela-
gotas de limão atingido a boca tem um valor de
ções de interdependência uns em relação aos
sobrevivência maior, pois previne esses danos.
outros e assim a tarefa do estudioso funcionalista
Salivar ao receber limão na boca representa uma
é descrever estas interdependências. Causas e
vantagem em relação à condição anterior de não-
efeitos são simplesmente mudanças,
salivação; salivar antes de receber o limão na
correlacionadas, em duas classes de fenôme-
boca, ao vê-Io sendo fatiado, representa uma
vantagem maior em relação à reação anterior, de nos.
salivar apenas quando o limão atinge a boca. O De fato a noção de causa e efeito pode ser
valor de sobrevivência do salivar perante a gota de substituída com vantagem e economia pela no-
limão é grande, porém muito maior é o valor de ção de função matemática. Reflexo para Skinner
sobrevivência da sensibilidade às associações (já em 1931) é uma relação observada, é a
entre a gota de limão e seu cheiro, ou sua descrição das relações entre estímulo e respos-
aparência, ou seu desenho, ou seu nome (reagir ta. Assim como o comportamento, do qual o
a associações entre estí mulos como se fossem reflexo é uma analogia, o reflexo é uma relação
equivalentes tem, um alto valor adaptativo). E entre eventos ambientais e eventos
maior ainda será esse valor se essas reações comportamentais. É fútil a discussão se existe
puderem ser transmitidas (ou por genes ou por comportamento sem ambiente, assim como a
práticas culturais). Evidentemente, para que a discussão se existe ambiente sem comporta-
seleção seja eficaz, deve haver competição no mento. Nesse sentido se diz que o comporta-
espaço comportamental entre essas reações.
mento é dito controlado quando ele está (isto é,
Como cientista natural, o analista de com- quando nós assim somos capazes de descrevê-
portamento é um baconiano (referência ao filóso- -lo) funcionalmente relacionado a variáveis
fo e cientista inglês, Francis Bacon). Trabalha ambientais (isto é, a eventos físicos e sociais,
por observação, classificação e indução (gra- dentre os quais estão eventos encobertos e
dual!). Evita generalizações apressadas e outros comportamentos do próprio organismo).
indevidas, evita o dogma, evita explicações Causa é sinônimo de função, que é sinônimo de
metafísicas. É basicamente um empirista (estu- controle, que é sinônimo de descrição de rela-
da casos concretos) e um experimentalista (sub- ções funcionais.
mete suas explicações a testes e demonstra- Voltamos a repetir: o modelo de causalida-
ções com manipulação de variáveis), só secun- de próprio ao analista do comportamento é um
dariamente, é um “interpretacionista”. Privilegia modelo de seleção pelas conseqüências. Para
uma abordagem histórica aos eventos. Acha que um funcionalista, comportamentos evoluem (isto
uma explicação do comportamento humano co- é, se modificam) porque têm uma função de uti-
meça com uma explicação do comportamento lidade na luta pela sobrevivência do indivíduo;
animal. O comportamento é governado e modifi- evoluem porque de alguma maneira represen-
cado por associações adquiridas por experiên- tam um mecanismo de lidar com ambientes
sito desta questão Skinner (1972) compara a ‘motivação’, por ‘motivado’; ‘memória’, por ‘lem-
gestação de um poema com a gestação de uma brar’ ou ‘comportar-se em relação a eventos
criança. Quem, ou o quê, é a causa? a mãe? o passados’; ‘imaginar’ ou ‘fantasiar’, por ‘com-
pai? a relação dos dois? a constituição do corpo portar-se na ausência do evento’; e ‘comporta-
da mãe? o mecanismo reprodutivo da espécie? mento’, por ‘comportar-se’. Por exemplo: a fra-
o processo evolutivo que permitiu esse meca- se ‘Uma criança, quando necessita de atenção
nismo reprodutivo? Não há um agente iniciador, ou ajuda, aprende a captar o olhar de adultos’,
uma causa única, mas muitas e diferentes variá- poderia ser re-escrita de maneira mais aceitá-
veis atuando em conjunto. Na verdade, nem vel da seguinte forma: ‘O contato visual com
sequer podemos falar em várias causas ou adultos pode se tornar um evento reforçador
múltipla causação, tudo o que encontramos ao para uma criança, e também um evento
investigar um fenômeno são relações entre discriminativo estabelecendo a ocasião na qual
eventos ou entre variáveis. Por outro lado, estas essa criança poderá vir a ser reforçada por
relações são válidas apenas dentro de determi- esses adultos’.
nadas condições, isto é, as leis científicas não
são universais; encontrar o contexto dentro do Vejamos quais são os passos para che-
qual elas são válidas é outra tarefa do cientista. garmos a essa transformação:
No modelo da análise do comportamento 1) A identificação e a descrição do efeito
uma causa é substituída por uma mudança na comportamental (definir ‘captar o olhar
variável (ou variáveis) independente(s), e um de adultos’ e ‘necessitar de atenção ou
efeito é substituído por uma mudança na variável ajuda’ versus definir ‘estabelecer con-
(ou variáveis) dependente(s), o que se constitui tato visual com adultos’).
na nossa relação funcional. A diferença entre 2) A busca de uma relação ordenada en-
análise funcional e análise causal é que na tre variáveis ambientais (presença ou
primeira não mais se fala do comportamento não de adultos, ocorrência de situa-
humano em termos de agência, pois não mais é ções ‘problema’, intervenções do adul-
necessário falar em forças internas ou externas to, solução ou eliminação da situação
que causam uma ação; ação é uma propriedade ‘problema’, etc.) e variáveis comporta-
do organismo vivo. Do mesmo modo, o reflexo mentais relacionadas (i.e., relevantes)
não explica como uma causa/causa uma rea-
a esse efeito (descrever as condições
ção; simplesmente descreve que mudanças
em que ocorrem os comportamentos
ocorrem num e noutro lado da relação funcional.
mencionados em1; descrever as varia-
A dificuldade em abandonarmos estas ções nessas condições e possíveis
posturas causais é a dificuldade em abandonar- variações nos comportamentos).
mos nossos hábitos lingüísticos. A sintaxe da
3) A formulação de predições confiáveis
linguagem ocidental impõe a necessidade de
baseadas nas descrições dessas rela-
sujeitos para verbos, especialmente aqueles
ções (inferências ou suposições que
relativos a comportamento. É até aceito dizer-
mos que a digestão se processa, mas o pensa- serão postas a prova, ‘presença de
mento não, alguém pensa! Assim considerada, adultos’ como estímulos discriminati-
a noção de análise funcional é realmente sub- vos, ‘intervenção de adultos’ como es-
versiva, ao ponto de Hineline (1980) propor que tímulos reforçadores, etc.).
ao lidar com o comportamento transformemos 4) A produção controlada desses efeitos
nomes em gerúndios ou em expressões de predizíveis (demonstração da confiabi-
ação. O termo ‘inteligência’ seria substituído por lidade das inferências e/ou aplicação
‘resolver problemas’ ou ‘agir inteligentemente’; do conhecimento).
(Sidman, 1994). Por outro lado, uma análise 3) A busca de uma relação ordenada entre
estrutural por enfocar aspectos de composição variáveis ambientais e variáveis
(elementos) e organização (disposição, ordem comportamentais relacionadas (relevan-
ou seqüência) e dificilmente permitiria planejar tes, instrumentais) com esse efeito
essa substituição ou transferência de funções supõe:
entre eventos. (a) a descrição da situação antecedente
Outra vantagem de análises funcionais é e da situação subseqüente ao com-
que elas podem ser realizadas a longo prazo, portamento de interesse;
isto é, entre eventos que estão separados por (b) aidentificação da situação subse-
um intervalo de tempo entre si. Uma determina- qüente deve distinguir quais even-
da variável ambiental pode não estar presente tos nessa situação são conse-
no momento em que ocorreu uma mudança qüências;
comportamental e mesmo assim estar relacio- (c) a identificação da situação antece-
nada com esta mudança. Análises funcionais, dente deve distinguir quais eventos
por não estarem fundamentadas em aspectos nessa situação são de fato condi-
estruturais, permitem uma explicação histórica, ções.
e protegem o analista do comportamento de
Estas identificações, b e c, podem exigir,
conceitos mediacionistas como memória,
e freqüentemente exigem, repetidas ob-
informação, trauma, decodificação, com-
servações.
plexos etc.
4) A natureza das relações de consequen-
ciação deve ser descrita dentro de um
Uma análise funcional nada mais é do quadro mais amplo (deve ser colocada
que uma análise das contingências res- dentro de um referencial conceitual)
ponsáveis por um comportamento ou pelas vantagens óbvias que isso repre-
por mudanças nesse comportamento (se- senta em termos de ‘empréstimos’ pos-
jam eles comportamentos problemáti- sibilitados: trata-se de reforço positivo
cos - como quebrar vidraças -, ou aceitá- ou negativo? de punição? de fuga? de
veis como estudar para o vestibular).
esquiva? A classificação dessas rela-
ções em quadros mais amplos permiti-
rá a previsão de ocorrência semelhan-
tes, permitirá o uso de procedimentos
Retomemos nossos cinco passos anterio-
de análise já testados, permitirá a com-
res, aprofundando sua análise:
paração com análises anteriores. Do
1) A identificação do comportamento de mesmo modo é necessário identificar
interesse envolve sua observação bem se as condições antecedentes envol-
como relatos de outras pessoas (pais, vem apenas eventos físicos ou também
professores, outros pesquisadores etc. comportamentos, e nesse caso se ape-
a depender da situação onde trabalho). nas da própria pessoa ou de outras
2) A identificação e descrição do efeito pessoas.
comportamental supõem sua especi-
5) E finalmente a análise funcional supõe
ficação, por exemplo, a especificação
um teste das previsões. Isso pode re-
da freqüência com que ocorre.
presentar uma intervenção clínica,