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Faculdade de Direito
IUS COMMUNE
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mas sim a uma base institucional, por último, aquele que no presente contexto deve ser
tido em conta, o sentido que é atribuído pelo Direito Romano que é o de conjunto de
regras e normas jurídicas gerais vigentes em Roma, logo, utilizando uma expressão do
Professor ARMANDO TORRENT o ”Ius commune é a forma de manifestação do Direito”.
Existe ainda dentro do Direito Romano uma outra percepção que surge através de uma
análise directa das fontes, que define Ius commune como o direito aplicável a todos os
cidadãos, aparentemente semelhantes, essas duas visões apresentam entre si um
conjunto de diferenças, com bastante relevo, cuja análise será objecto de tratamento no
título 4.
Em todos os sistemas jurídicos actuais há uma valorização da abstracção e da
generalidade, como forma de garantir uma maior justiça e neutralidade. Também em
Roma, resultado do processo de luta de classes, que opôs patrícios e plebeus, o sistema
jurídico tendeu a evoluir nesse sentido. No entanto, por vezes na tentativa de persecução
da justiça através da abstracção, acaba-se por se criar injustiças, pois como enunciou
ARISTÓTELES “não há justiça maior que tratar de forma igual os desiguais”, daí que
tenham que surgir instrumentos que contrariem essas injustiças, através da excepção, no
caso do Direito Romano, esses instrumentos levavam à criação de Ius singulare, que é
segundo PAULO um direito “quad contra tenorem rationis propter aliquam utilitatem
auctoritate constituentium introductum est”.
Um exemplo clássico e bastante ilustrativo de uma lei geral contrariada por uma
norma de excepção é o caso do princípio geral da licitude das doações, o qual é negado
por uma norma que proibia a sua realização entre cônjuges.
Atendendo ao simples facto de que o Ius singulare é aquele que vai contra as
regras gerais, logo contra o Ius commune, que tem como base a aequitas (Justiça) e o
tenorem rationis (Razão), é perceptível que se considerem os dois conceitos
antagónicos, e deste modo entendidos como uma forma de divisão do Ius. No entanto
essa posição carece de fundamentação derivada da falta de referência a essa dicotomia,
nas fontes directas do Direito Romano, como afirmam os Professores OLÍS ROBLEDA e
EDUARDO VERA-CRUZ.
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sustenta essa forma de divisão, por uma a necessidade lógica da existência do Ius
commune, fundamentada através da teoria dos contrários, que defende que a existência
de algo ocorre necessariamente da existência de um contrário, isto é, e utilizando uma
definição atribuída a SÓCRATES por PLATÃO, “os contrários não se originam de outra
coisa a não ser dos seus contrários em tudo”, assim sendo, Ius singulare, que nos surge
nas fontes através da definição de PAULO terá que ter um conceito que se lhe oponha,
sendo este o Ius commune, e este, por uma oposição lógica, definir-se-ia por o direito
que foi introduzido para regulamentar alguns casos sociais em geral.
Outra posição relativa a uma necessária contraposição é a defendida pelo jurista
alemão do século XIX, FRIEDRICH SAVIGNY, que, mantendo os conceitos, altera
somente a sua designação, ao considerar o Ius commune como Ius regulare opondo este
ao Ius anomalo, o qual equivale ao Ius singulare. Procedendo a essa divisão, de forma
similar a Paulo, baseando-se na origem da norma, assim sendo, o Ius commune derivava
do “princípio puro do direito” ou seja da aequitas, por oposição, Ius singulare tinha por
a sua génese em fonte estranha ao puro Ius, isto é a utilitas.
Ambas as correntes doutrinárias têm por base a criação de uma forma de divisão
puramente académica, pois ela resulta não de um processo de constatação, tendo sim a
sua origem num processo meramente indutivo, e que assenta em pressupostos algo
débeis.
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de conceitos, ou seja, o Ius commune no fundo é apenas uma outra forma de denominar
o Ius, pois todas as características atribuídas ao Ius commune, identificadas
sucintamente no título 2, são intrínsecas ao conceito de Ius, deste modo é compreensível
a não existência nas fontes de uma oposição ente os conceitos de Ius commune e Ius
singulare.
Em relação à origem diferente da norma commune em relação à singulare, que
leva à fundamentação da existência de oposição, como já descrito no ponto anterior, o
Professor OLÍS ROBLEDA apresenta uma série de argumentos que põem em causa tal
concepção e fá-lo defendendo que Ius commune, ou simplesmente Ius e Ius singulare
tem uma génese comum, derivando da aequitas, ou seja de um sentimento de justiça,
assim sendo ambos possuem tenorem ratinis, que no fundo, é a razão que surge
necessariamente através da aequitas. Atendendo ao sistema de leis Romano percebe-se
que é de extrema necessidade a derivação do Ius singulare da aequitas, pois só deste
modo é que poderia vigorar. Assim sendo, para este autor, o Ius singulare e Ius
commune têm fonte e valor jurídico equivalente, logo, ao invés de antagónicos, são
complementares.
Como já anteriormente foi verificado, nas fontes directas de Direito Romano
encontram-se referências a Ius singulare. O mesmo ocorre em relação a Ius commune,
que nos surge definido como o direito que é aplicável à generalidade, como por
exemplo o direito geral dos cidadãos, atendendo a esse conceito, o oposto, seria o
direito aplicado a certas categorias de pessoas, assim sendo, o Ius singulare não se
enquadra nessa definição, já que na sua natureza não está uma aplicação a grupos
sociais, mas sim a um grupo abstracto de pessoas, pode por vezes ocorrer que o Ius
singulare se oponha a este conceito de Ius commune, no entanto essa oposição não é
necessária. Outra ilação que se deve retirar da análise do conceito com base nas fontes
directas é a de uma clara contradição em relação ao conceito académico, trabalhado pela
maior parte dos investigadores do Direito Romanos.
5. Síntese Subjectiva
Terminada a exposição temática, cabe, através de uma reflexão de natureza
híbrida, isto é, atendendo a elementos dedutivos e indutivos, proceder-se a uma síntese
subjectiva, que vise, uma humilde contribuição para uma melhor compreensão do tema
abordado.
Antes de uma qualquer ilação importa acentuar que a noção, sobre a qual versa o
trabalho, é a noção académica de Ius commune, deste modo a noção que emana das
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fontes, não será tida em conta, já que em primeiro lugar é um elemento factual não
passível de discussão e em segundo devido ao simples facto de que embora a
designação seja igual os conceitos que lhes são subjacentes não estabelecem entre si
uma qualquer relação.
Partindo deste pressuposto, importa desde logo apresentar o Ius commune como
um modo académico de qualificação do Ius, cuja relevância ou a própria existência é
bastante discutida pela doutrina.
Tendo como ponto de partida o choque doutrinário apresentado, que resultou da
apresentação de diversas visões, formou-se, de forma puramente subjectiva, o seguinte
entendimento em relação à existência do Ius commune.
O Ius commune é uma forma de qualificação imprecisa, pois qualifica uma área
já qualificada por um outro termo, Ius, como provou o Professor RAÚL VENTURA, uma
forma menos científica mas no entanto mais elucidativa de o demonstra, é reler o
presente texto, lendo Ius onde surge Ius commune, e confirmar que não perdia o seu
sentido, a título de exemplo, o ”Ius é a forma de manifestação do Direito”, acaso houve
alguma alteração de fundo na compreensão da frase? No entanto este argumento, apenas
determina sobreposição de qualificações deste modo em nada põem em causa a sua
existência, pois continua a haver um conceito que se lhe opõem que é o Ius sigulare.
A suposta contraposição de ambos os conceitos, surge fundamentada com base
numa precedência diferente das normas que os constituem, no entanto como
demonstrado pelo Professor OLÍS ROBLEDA, essa origem normativa oposta é
questionável. Atendendo a que o Sistema Romano tinha como fontes de legitimação da
norma a aequitas e derivado dessa tenorem ratinis, poderia este aceitar no seu seio
normas que lhe fossem contrárias? Não parece verosímil. Este argumento vê a sua
estrutura reforçada, pelo seguinte esquema lógico: Se as normas de Ius singulare são
introduzidas no sistema com um fim de obter justiça; logo tem uma legitimidade
conferida pela aequitas, da qual deriva por força de razão a Ratio; assim sendo a génese
é em tudo comum ao Ius commune.
Resultante da articulação destes dois argumentos, parece razoável, considerar
que a divisão teórica não tem existência prática, por ser nula, uma vez que não se
verificam, pelo menos de acordo com esta dedução, os critérios que a ela conduziam
Poder-se-á então considerar as normas de Ius singulare como um instrumento de
garantia da aequitas que funcionava de forma a minimizar problemas resultantes da
abstracção total, através de uma imposição de limites a essa mesma abstracção, logo
havia uma relação de regulação do Ius.
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Bibliografia
RODBLEA, Olís, Introduzione allo studio del diritto privato romano, 2ª edição,
Università Gregoriana Editrice, Roma, 1979
ARIAS RAMOS, José, Derecho romano, Revista De Derecho Privado, Madrid, 1940