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Categorias espaço-temporais e
i socialização escolar
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Do indi vidual ismo ao narcisismo*
j Julia Vare/a

Introdução

Emi le Durkhei m foi um dos primeiros soc iólogos clássicos


que se interessou pelo ~st udo das categorias de pensamento
com a preocupação de dar conta da génese e das tra nsformações
dos conceitos no marco de uma sociologia do conhecimento.
Categorias são noções essenc iais que regem nossa forma de
pensar e de viver. Formam "o esq ueleto da intel igência", o
marco ahstrato gue vertcbra e organiza a experiência coletiva
e indi vidu al. Durkhe ím confe re especial importância às cate-
gori<ls de espaço c de tempo, pois são estas noções as que
permitem coordenar e organizar os dados empíricos e tomam
possíveis os sistemas de represe ntação que os ho me ns de uma
determ inada sociedade e em um momento histórico concreto
elaboram sobre o mundo e sobre si mesmos.

" Este tex to foi iH!hlíc;;do origi nalmente 11<1 Re1•istt1 tle EJw:acitín. n. 298.
1992. p. 7-29 . Publk:ado aqu i L"om a <HHor il.açiio d;1 autora.
Tradução de Jn ndi ra O . Fraga. Rcvisfio úc Guacira Lo pes L ouro.

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uma vez mais a idéia de que as categorias são in stitu ições
- _A~ categ~nas ck pensamento variam em fun .;- .
cultur,ls e -das epocas. histó . . . ,. ,.. . çao das sociai~ e insiste no seu caráter simbólico quando assinala que
. . n cts, est.to se retazendo co r1 s·tan tc-
mente e n·1o , .s;-ao, como pens ·tv·t K t . • os homens as adqu irem e utilizam co mo meio de orientação
sensibilidade e · . , . ·' ' an · categorras a priori da e de saber. 2 E assim, somente em épocas muito tardias de
- srm conceitos. represente -· I . ,
estilO relacionadas de ·t!<>ur d , tçoes co eti VdS, que desenvolvimento da hu manid ade, o tem po converteu-se em "um
' t- n 1110 O com as formas de ora· · -
·bam~açao
. . . ·. .
sncr,ll, e, mats concretamente, com as f .. símbolo de uma coação inevitá ve l e totalizadora" .
mcnto do poder , d .. b.. . · ormas que o fu nc iona-
. c o s,l er .rdotam em cada socied ade " A partir da formação dos Estados modern os e sobretudo
cate
. . ~::-''Orns '- dt>- pen sc~mcnto
. . -
sao. portanto o resultado d
· · ,--..s com o desenvol vimento das soc iedades industrializadas , as
rmensa . coopenr·i'.,.,o em que numerosas ·~erações for ' · ' d, uma
c .· exigências sociais que pesam sobre a determinação do tem po
tando seu saber O - . '1 .. b . • am epos i-
c do espaço se fazem cada vez mais prementes no interior do
A

" .. . . socro ogo frttnces valonza-as como "


Ldprt,llle mtelectual muito P'lrticuhr"
com ' ' , .In f rnitamente
.
mai s ricoumc "proce sso de civi lização" .~ Deste modo, a paulatina e cada vez
.d p xo que o que se possa adquirir ao longo de u , mais intensa rede de reguladores temporais vai permitir viver
,., a. Constituem sábios instrumentos d . ma so o tempo como um continuwn, como um fluxo invariável, o
!!rupos hu . f .. . . e pens.unento que os
~ . . manos orpram labonosarnente ao I ,, .
nos quars se foi acumulando o melhor dcs~e C"op~tgtaol ~et si eculos
que facilitará que a própria ex istência sej a percebida também
o ·1 - · ·' · " ' 1n e ectual corno um continuum que se rve de fundamento à cate goria de
qud nao apenas permite aos homens d' d . ' ide ntidade pessoal , tão arraigada em nossas sociedades ociden-
sociedad · · e uma eterm:n ada
. ' e comunrcar-se uns com os outros mas 'll, d'
torna possível wr' c,rto - l. . ,' '. ' ' em ISSo , tais.
" c con orrn1smo lóaico . , ·
rJoder viver em , .d d b neeessan o para Esse inteligente soci ólogo ale mão levanta uma série de
r COillUill a C.
questões de capital importância para o te ma que aqui vamos
Para saber com mais precisão o l l ,· .. ,
marcos de inteli<>ibilid~lde , :l, . ·. . .. 1Ie _srgmflcdrr. estes desenvolver. C omo as categorias espaço-tem porais influem na
'-1 . h c:- . e L e ~OCidbrlrdade nao basta 'tssmala regulação da conduta e da sens ibi lidade? Como as regu lações
I) - 1CIIn ~ . USC'lr
. llfl\. : ' em nosso .rnterror, . mas "é preciso. olh, ' ., .
ar pal_~
espaço-temporais são incorporadas na estrutura soc ial da per-
tora _de nos. e preciso observar a história é ,·
de erma a baixo um·· _. , . ., . , precrso construu sonalidade? A semibil idade moderna constrói-se no Ocidente
, :- . , d crencia~ crencra complexa que não d
~-nao. t'j~nçar lcnta~:1en~c, com base num trabalho coleti~~, ~ e m relação com um tempo que é percebido de fo rma imperiosa,
sintoma de um processo c ivilizad or no qual as e xigências
~ :l_ ,re,~ .'rl ,lde, esta crencra, destinada a dar conta da gênese d~ tempo rais são cada vez mais intensas , se as comparamos com
.c sen\ o Vlmento. c d·ts
'. funçoes
- .. das categori·ts de
socrars
s,lmento. arnda est<í lon~e de haver ·li" , . . - pen- outras soc iedades menos co mpl exas . Nessas últ imas soc iedades,
mas não h·í :lt ,· [· . , ~ ' c,mçado a ma10rrd ade, seus membros nüo têm nossa concepção do te mpo, não seguem
. , l 1\ Il ,l c1t. que sua construção su õe . . . .
um aparxonante desafio. p , na atua hdade, os ditames que essa cate goria impõe , nem desenvolveram uma
consciência individ ual como a nossa, carecendo da própria
Inserindo-se no /}h\'lwn aberto .A. . .
Norhe~t El"· .
du l'idu relir:;iosu - por .I .for!na.\ elemen ta res categoria de ide ntidade pessoal: um homem pode ser idêntico
de , .. . , ras ocupou-se tambem das categorias a outro , possuir ao mesmo tem po as qual idades de um homem
pens~nnento. Em sua obra Intitulada Soht·"' (J teJJ·l.po, ressalta..

2. C f. Ell<1> . N. Sohrc i'/ !icmJ"' Méx ico: FCF.. ! 9!19 .


I. Cf. Durkheim. !-' '4 1 formru l'it•mcnlnre.' da \'ida reli~tioso. SJ o P~ulo:
Paulin:1s. 19R9. 3 . c r. Elias, N. o pmce.ISO civilizador. Rio de Jancrm: Zahar . 1990 .

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- . .,_

e de um animal, o
nea:nente. u estar em dois lugares di stintos si multa- específico, mas també m percebê- los e vivê-los de um modo
pec ulia r. A categoria de ident idade pessoal e a percepção da
do e~p:ç~o:tro~~s tsoc íalm:nte _ind uzidos através da regulação pró priíl vida como um contilllllllll estão, pois, e m íntima re lação
. e mpo contnhuem ao · 1 · · c om o fato de que, e m nossas soc iedades, não a penas se mede
ntual iza r e fo rmali za r ·ts . J : 111 cnon zar-se, para
- '· cone Llf as rncorpo r·tm . , . o te mpo com uma pontll <ll c x;~ ti cliio. mas que, a lém di~so, e le
estru tu ra da person<tlichde . ., ' -se na p ropn a
de te rminada v·ts."'o 'd ' ,dao n~esmo te mpo que. orientam uma é percebido soc ialmente como um flu xo que vai do passado
·" o mun o p ·. . ao presente e do presente ao fu turo, o que supõe a e labo ração
rclaçào e ntre os proc' . . . d, . ' q_ue exrs te uma estreita inter-
. essos c su b.Jetrvação e de objeti vaç1o conce it ual de um símbolo para referir-se a uma relação, que
A Norbe rt E l' · · . . · ' ·
e . . . tas rnteressa espec ia lmen te ex plic ar co não é cau~ al. entre es tes diferentes períodos temporais. Todo
je~v:ossa.s socH:.dadcs ocrdentais, constitui u-se um te mpo s:~ o livro c itado ele Norbert E li as constitui uma te ntativa de
. ' a sensaçao de que existe um t . . . . dec ifrar como , nas soc iedades ocidentais, chegou-se a pensar
e separado do te b ' . · . .. empo tndtvtdual próprio
mpo o . jet1 vo. E a tJrma q ue p l o te mpo físico , o tempo social e o tempo subjeti vo ou individua l
o nascimento do racio na.l ismo moderno com~ç-~ aos:~nntoens ~f~sde como se fossem di ferentes, como se coexistisse m ju stapostos
uma concepção do 1 . • ' ' · s r rcar
, . e rnpo ma rs centrada no ·111 d ' 'd e não relacionados entre si.
pocentnca a q . 1 . · . IVJ uo, antro-
... · . ua, cunosame nte, coex iste co m A ••
A maioria dos trabalhos destinados a dar conta da gênese
soc1al, cada 11... 2 p·J·Jis h .1 . .• . uma tenden cra
"' ' ·
os rit mos tempomis .1, , . ·. .
t' c , Pdra uetenmnar m d '
: ' •
d 't·
e Ir e 1 erenctar
. das modernas categorias espaço-te mporais tiveram a tendê nc ia,
. ' · ' ,)_, yua1s te ran que se . b
SUJe rtos~. · · · su meter todos os sis tematicamente, de relegar o papel 4ue as instituições edu-
cativas desempe n hara m e seguem desem penhando , níl formação,
Essas progressivas e inte nsas rea I· -

II
con fl itos e lutas entre as dife . .. ou açoes te m susc itado
A
reprodução e transformaçiio de nossas concepções de espaço
e ntre a Icrrer·a e o E ·.'··t· d rentes forças soc ia is, particularmente e ele tempo . Sem dúvida, tem contrib uído para este esquecime nto
"' - s" o que vtsam ·tdqu i · , a própria especialização dos saberes sociológicos, o parcelamento
pos ições hegemôni cas F . ' .. · ' . nr, atraves delas,
que com f -·. OJ prec isamente a Instituição do Estndo 1 d os saberes e m c.lreas hie rarquizadas e separadas. E assim,
, a ormaçao dos E stados m d . . . '
enquanto o estudo destas categorias converte u-se numa parte
gressivamen te a vitóri· 'lt ' b . d . o ernos, consegutu pro-
. " ' n Ulll o-se praticame t d ., da socio logia elo conhecime nto, a sociologia da educação per-
excl usiva, a determi nação do es ... , ' n e e_ . orma
sobretudo a part ir do século ·:~\~I e ~o te mpo. Mas 1sso foi ma neceu, e m geral, alheia a essas questões. E fo i assim que
adquiri ra m as c idade s com . . ~ .con~ o peso que e ntão a e.<>pccialização converteu-se e m um obstácu lo que é p rec iso
revel - · d · ·· a Jnte nsthcaçao do comércio e sal var.
uçao 111 ustna l quando s f . . a
de sincroni zar um , n , . ~-dez mat s premente a necessi dade O ponto de partida deste estudo é a iá é ia de que os
tran saço-es e qu ando umero Cd a vez maror de a ti vidades e processos de ~ocialização dos suje itos nas instituições escolares
, e m cons ·· A ·•
tempora l e s· . · 1 , , · equ~ ~Cid, elaborou-se uma rede põem e m jogo determinadas concepções e percepções do espaço
d ~ A _e. \.ac ra con tmua e un Jtorme que serviu de ma rco
e re erenc la i.l toda a VIda social. e do te mpo. Para e nte nde r os processos esco lares de s-oc ial ização
e as d ife rentes peda gogias é necessário levar em conta a
. . Medir e regu lar 0 te mpo i
c e uma determinada forma configuração que, e m cada período histórico, adotam as re lações
Imp I tca não ape nas re lacionar C1. s·
aco ntec ime ntos de um modo sociai s e, mais concretame nte, a s re lações de poder que incide m
na organ ização e defin ição dos saberes legítimos, assim como
4. Cr. Elias. N \' 1
. 11 >rt• t•/ 1Ít'111!1u. IIJ! cit .. p. 'Í(l.
na fo rmação de subjetividades espec íficas. Categorias espaço-
tem porais, poder, pedagogias. saberes e sujeitos c onstituem
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7"'
. f
dimensões que se cruzam, se i b .· ...
rnterior das instituições educLJ.ti va~ ~cam el se rar~HtJcam no logos se ocuparam, portanto, do processo de indi vidual ização
dê ncias complexLJ.s I A escnvo ver as rnterdepen-
L , ••
- o qual consideram o rev~rso do processo de estatização
e ntre esses proce·s;oLse se tem produ zJd_o e contin uam produzindo
· , supera em mll!to a ·b·l· - , partindo de análises de processos de caráter estrutural e
objeto deste trabalho M ~ , s poss1 1 1dades e o sem relac io ná-l o, a nfto ser de forma indireta, com a construção
· a:-., pe 1o menos tenta
que se trata d . ·· remos mostrar das categorias de pensame nto(' A pnrtir do marco traçado por
de três per~od<~s ~lT.'\I;;.i~~~ ~~~~<;tpcrtmente.' ilustrando-o através eles tentaremos "descer" a p rocess o~ de alcance médio, com
soh a forma de t , d A . . llltos, nos quaJs se produzem
en encws de ti . ·d · A '
a intenção de anal isar como incide a regulação social do espaço
pedagógicos: as Jed ' '. .· • . . . ,. pos I ears, tres modelos e do te mpo - e suas formas ele transmissão e interiorização
a part ir do sé~ulo/ X~II!_;I(IJ·,g ta,\ dt()Ctpw~ares que se generalizam
, as {Jec/aoogLa\· mediante técnicas pedagógicas - nas sutis conexões que se
em pr'rnclplOS
' · d o seculo
. XX cn · '' · J're t't l'as ' que .surgem
· · -('O . estabelecem hi storicamente e ntre o processo de ind ividualização
e a infância "anormal'' · e , f" 1 ~anexao cor~ a escola nova e os modos de educação, ou seja, entre as tecnologias de
- , , cn 1111, .ts f7edagog w~ l'i. l, .
que es tao em ex pansão na atualidade T·' . . , p. c.o o~r;Lcas, produção ele subjetividades específi cas e as regras que regem
qu_e implicam di ferente~; conccpçõe.s ~es mo~elos pea agog Jcos a constituição dos campos do saher.
dtferentes formas de exercício do . ·f ~ es~aço e do tempo, Na segunda metade elo séc ulo XVI se configuram novos
conferir um estatuto ao "saber" , c~·f-O.l er , dl_fe rentcs formas de
modelos ele educação que marcam a pauta para a socialização

I
da subjeti vidade. t I crentes tormas de produção
.das jove ns gerações dos grupos sociais dominantes . A intensa
preocupação d os reformadores c humanistas pelo "governo da
IJ terna idade". os programas de ensino que por tal motivo
~o .tc~po mágico d as idades d a vida ao tem o planejam, bem como sua aplicação, constituíram um di spositivo
diSC!plmar: a formaç1o do J.J1d' ·'d
' lVI no mode rno

Para os sociô looos c lá . · .


p

.
I
ii
fundamental para defini r o novo estágio tem poral que hoje
denominamos infância . Esse dispos itivo desempenhou igual-
mente um papel importante na constituição do tempo subjetivo
We ber e Durkl ,· c . . 's~ r cos, e e m especlaf para Marx
é o . 1dCH11, tllndos t_raços que caracteriza a MocÍernidad~ enq uanto tempo separado do tempo fís ico e elo tempo social
. processo c llldr vrchn 1J z-tr·1o A . . . d objeti vo 7
o;obr t d . ' ''I'' . parto o século xvr e
. ,e u o, a. parti r da co nstituiç;!o dos Estados rn . , No Renasc imento, contudo, "as idades da vida" eram
processo se Intensifica c cs ten I, . - . odern os, tal I
div isão s ,·. 1 d ., · l c ern co ncxao com a crescente conceitos que supunham a ex istência de uma unidade funda-
. . . oc r<t o tr dbalho. o aumento da densidade (h popt I· - me ntal entre os fenômenos "naturais", "cósmicos" e "sobrena-
nas zonas urb'tn·ts . . _ . . ' ' .1 rtçao
descnvolviment~ :;,; f~~o~~~~~~~,;~:~Ç<~~~·vl·)rlr,mrti va d~ c?p ital e o turais". O movimento descrito pelos planetas em suas órbitas
protes tante , . . , . f. ' <~< " · a mt1uenc ra da ét. ica celestes, o cic lo das estações, as fases da lua e o ciclo da
e o tmpubo da Adm tnr straç1o 5 T ocos f
esses socró-
• '
.
L •

ô. O próprio Durkhcin1 que. co mo ~c tem assinalado. propõe a criação


5. M:~x Weher :\ll;l lis nu.
Cln n: l;l ·~ll ao ' o· . . . . . - de uma ciência das ca1cgorias. de uma sociologia do conhec imento, o faz na
o Esradll modcmo ·to ··~i n ir I, ' . uieiilknlo d.l Admul!straçao. como tí ltirna etapa da sua vida, ,1 <1 que As .fimncrs elt~ mentares da vida re ligiosa foi
· ' · ~ ( c uma paric llllf10rt'tnlc ·' · 1. .
>u pc ra\· ~o
.
de provas c
·
. .. ,.
l X ,l iJl c. ~ nos qu·us
.
devia
. '
t · uc .seus unc.:1on:írios a puhli cado em 191 2, ou seja, c inco anos antes de st J<l morle.
conhccrmcntos c C:ll)'ll'i(h 1. . . .. ' · ' 111 l cmonstr<Jr que possuíam
. . . ' • t • ~ p.u .1 l 1cscrnpc:nh·11· 0 ·a .., . . . 7. Ern relação its i'ormas de educação c :i moderna definição de infâ ncia.
\1111:1 Vi:J lndil'tclua l - · 111 .. · • • • . ' L. l ,.o .1 que ;tsp11·nvalll. rn::u <> urn
. ~:t r 1llt:l:ltlca -- oposta ·1 I0 . . e- assim como sobre o papel estrat ég ico da educação inslitucional na formação de
ale cn 1iío hal' ia dominadn ' ' l snnguc c dn l: nhagcm que
um novo tipo de societlacte. pode-se ver meu livro Modo.1 de educac:iôn en la
Ü'J!IIIill de /11 C oiHrllrrefo mur. Madri. La Piqucta. 1983.

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videt humana regiam-se pela mesma lógica. 8 O microco~ mo era Voltemos, pois, aos modos de educação que se configu-
urn reflexo d·1 macroco~m o e o home m se re lac ionava com raram a parti r do século XV I e que não são alheios a essa
todos os sere~· do universo segundo laços profundos e miste - importante mutação . A moderna definição de infâ~c i ~, as n_ovas
riosos. As idades de viela ex pressavam uma co ntinuidade cíclica foi·mas que adotou a educação elas c ria nças contnbutratn. JU.nto
c inevitável, in scnta na ordem ge ral das coisas. A semelh ança com outros mui tos fatores , para pôr fi m a um tempo cósmtco,
e suas dife rentes figuras organizavam as relações existentes mánico c cíclico . Ao particu larizar a idade infantil, ao confe-
e ntre os s ímbo los de um mundo que se dobrava sobre s i rir-lhe dete rminadas qualidades que corrcspondcm, a partir de
mesmo. se d uplicava. se encadeava e refl etia permanentemente. e ntão, a aprendizagens específicas, os reformad ore~ renascen-
Conhecer as coisas consistia em descobri r o sistema de seme- tistas vi ncularam a noçflo de in fâ nc ia a um novo c tc lo que se
lhanças que as faz ia próx imas c solid:írias ou distantes e desgarrava daquele que reg ia a ordem cel est~ e. te~rest.re : o
incompatíve is. Es sa pe rcepção do mundo e ela vida humana, desenvo lvimento biológico ind ivid ual. A cducaçao mstttuctonal,
essas formas de classificação. essa correspondência e ntre mi- predominanteme nte urbana e elitista -:-, qu~ en~ontrou um~ de
crocosmo e macrocosmo, que permitiu a coex istênc ia da magia, suas figuras paradigmáticas nos colegtos Jesu ttas - supos a
da ad ivinhação e da e rudiç ão como formas de sabe r. rompe u-se elaboração. de uma pedagogia que , ao mesmo te mpo que se
em fins do século X V I. '~
movia c transmitia ~cguin do uma nova concepção do espaço
Com o iníc io da Modernidade. os códigos J e saber e elo te mpo - como vamos ver a seguir ~· ,contribui ~a
transformam-se e o ho mem dcix:1 de se r um pequeno micro- produção do honJH~te honunc, que r d ize r. do tndt vtduo burgues.
cosmo. em co nt ato rcrmancnlc com todo o universo, para
inic iar um longo exílio destin ado a · separá-lo cada vez mais Miche l Foucault mostrou de forma muito precisa como
d<J "natureza nat ural". que então se institui, para di stanci<-1-lo 0 te mpo e o es paço se reorganizaram no sécu lo XV T~I mediante
da an imalidade . A partir de ago ra. o ho mem terá que se 0
exe rcício de um novo tipo de poder que denommou poder
conve rter em ser " c iv il izado", c n~ ser cada vez mais indi vi- d isciplinar. Tal poder parte do princípio d_c que é mais rent~vel
dualizado o qual, com o passar dos séculos, se transformará vig iar do que ca~ tigar. Domest ic ar, normaltzar c faze r ~ro~u-tt vos
no "âtomo fictíc io" de urna "sociedade for mada po r indi vídu os". aos sujeitos é mais re ntá vel elo que segregá-los ou ehmt~a-los.
Mas justamente o de que se trata aqui é mostrar mais detida mente Esse tipo de poder, c uja tradição se encontra na teologta . e o
a lgun s dos processos que contnhu íram para que e sse homem ascetismo, " numa cons ide ração política das -peque nas cot sa~,
renascentista. integrado no cos mos. se perceba hoje corno do de tal he'', e que co meçou se fotjando e m instituições tats
Homus clausus, para utilizar o conceito c unhado por Norbert como o s colégios e o ex ército, se consolidará e este nde rá na
Elias. 10 idade das disciplinas : tecno logias de individualização que es-
8. Cf. Ariés. Ph. 1-iisttirio social da uin111·o c dn /tllnílin. Rio de J:tnciro. tabe lecem uma relação com o corpo que ao mesmo tempo
Zah;u·. 19X I . 2 . ed . que 0 fazem dóci l fazem- no também útil. Es~e mode lo de
'-.1. Sobre ;1s regras que regem no ;;ampo do saber. mais concrctarncntc pode r está ligado a profundas tran~formaç~e~ que ttve~a~ lugar
~ol>rca cpistcmc n:nasccntista. ver lVI. Fnucault. As J>nlavms ,. ns coi.w s. Silo no sécul o XVIII: transformações economtcas (acresc tmo e
Paulo, Martins Fontes . 1987.
conservação das riquezas), sociais (evitar _motins e su ble:~ções;
10 . A ilusão do indivích1o. .:nmn ser auto-suficiente. constitui para Norhcrt
Eli as a outra face de um pro.:csso de "c ivili1.açüo" - c indi viduali zação -- demanda de uma maio r segu rança), poltttcas (tornar vtavel o
crescente que impli ca a intcnori z;H,: âo dns contr0lcs sociais. Cf. El ins. N . O novo modelo de sociedade, ou seja, a aceitação da nova
procl!s.w cil'ilizodor. op. cit .. ass im c0mo L(/ .•·,wiNlad de lo., indi••idttoJ, Ban:clonn,
Península . 1990. soberani a baseada no contrato social).

80 81
Como já assinalamos. Foucault considerava os colégios
O poder di sc iplinar serve-se não apenas das tecnologias
das ordens r~ligiosas e os quartéis como os lugares específicos
Je indi,· id ua lização co mo també m das tecnologias de regulação o nde co meçaram a vigorar as tec no logias di sciplinares. E~ de
12

das populações, tec no logias cl ifen:!ntcs que, üs vezes, se supcr- fato, em ViRiar e J>tmir dedica algumas páginas muito Il;ts.tratlvas
pô~:m e reforçam e. outras vez c s. entram em contradição . Essas
para mostrar a forma qu e adotou o ensmo n o~~ colegt?s dos
tel·nn logias acarre tam uma aut êntica re vo lução ao pe rmitir que jesuítas. Pouco a pouco o espaço escolar esboçado e mmucto-
o c orpo c a vida tomem parte do dom ínio do pode r que, dessa samente organi zado pela Companhia de Jesus conve~eu - se em
forma. se fez ainda mais material . De qua lque r modo, consti- um espaço homogêneo e hie rarqut zado que pouco tmha a. ver
tuíram peças importantes para alcançar uma sociedade disci- com o espaço acondicionado por outras instituições educattvas
plinad <l c prod uti va . uma sociedade que começou a de ixar de do Antigo Reg ime, no qual coexiste m justapostos un s . al~~os
ser uma sociedade emine ntemente jurídica já que tais tec nologias ao lado dos outros sob o olhar de um só mestre. Os colegtos
tornaram possível o surgimento de novos dis positivos de poder dos jesuítas contribuíram, portanto , para configurar um ~spaço
que não se serv iram para seu fun cionamento tanto da le i e da disc iplinar seriado e analítico que permitiu superar o s tste ma
proibiç<1o. como da norma. Ao lado do aparato jurídico passaram, de e nsino no qual c ada a luno trabalhava com o mestre durante
porta nto. a ter maior impo rtância as instüncias de norma lização. 11 alguns minutos, para permanecer em seguida ocioso e sem
Esse pode r disci plinar, em razão de sua economia e de v igilân cia, mi sturado com o resto de seus companhetros.
seus e fe itos. tendeu a se estender por todo o corpo social, A classificação ou posto é um dos procedime ntos d.e
mas seus efeitos se deixaram ~cntir de forma mais sensível distribuição e di visão dos colegiai s no es paço escolar a partir
nu ;1mbi to institucional c, mais conc retamente, nas in stituições do século XVIII : fi las de colegiais na classe, nos corredores,
educativas. As tec no logias d isc iplinares, que estão na base da na Igreja e nas excursões. O posto que se atribui a cada
produção socia l ele novos saberes c de no vos suje itos, func ionam colegial em função de seu êxito ou fracasso nas provas ou
atra vés de uma nova concepção c organi zação do espaço e do nos exames, o posto que se obtém ao fin al de cada semana,
tempo. Implicam a existê ncia de um espaço e um tempo de cada mês e de cada ano no inte ri or da c lasse, o posto que
Jisc ipl inares. Para o espaço disciplinar, o princípio de c lausura se ocupa em uma c lasse em relação üs outras classes.
ckixa de ser constante, indi spcnsilvel e suficiente. O importa'nte Nes te conjunto de ~ l inhamentos obrigatórios, cada aluno. segundo sua
agora é a redistribui~·fio dos ind ivíduos no espaço, sua reor- idndc. ~cus resultados. sua conduta. ocupa um posto ou outro: des loca-se
gani zação. a maximização de suas energias e de suas forças,
s ua ac umulação produt i\·a tão necessá ria para a acumulação
Jc r i qu eza~. par<l <t acumu lação de c apita l. A cada indivíduo
!
1
!l
se m cess:1r e m umn série de compart imentos. algu ns ideais. que indtcam
hi erarqui as do sahc r ou das capm:itladcs, c t>utros que. tri~lu?.cm
,11atcria lmentc . no cspa~o d:1 c l ~t S>c _ou do co légí0. esta d1v1sao dos
1
. va\nrcs ou dos 111t;rilns .1•
h;\ de se ckterm111ar um lugar. uma localização prec isa no
in te ri or de cada conjunto . Os indi víduos hão ele e star vigiados A::. pedagog ias disc iplinares implicam tambér.n mudanças
c loca li zados pennanentemente para evita r e ncontros perigosos impo rtantes com relação <lO te mpo. O te mpo dt sc1pl111ar se
c comu nicações im1tcis, ~e de fato se que r favorecer e xclusi-
\'amcnte as re lações Ll tcis e produtivas .
t 2. Em numl!rosos 1nomctllos históricos parecem entrecruzar- se e reforç:tr-sc
as tecnologias pedagógicas c mi litares no âmhito escol ar. tal como sucede
concretamente no ensino dos jesuít as.
li. Cf. Po u~:w\t. i\1.. \'iginr <' f' lrnir. Petrópolts. Vo1.cs. 197 7, especialmente 13. Cf. Foucault. M. Viginr c· punir, OJ1. cil.
,1 ,::ql 111. dcd iL·adt> :ts di.<c iplinas.

83
82
Impõe progressivamente na prát1ca pedagógtca especializando ma is amplos que tornem poss ível a obte nção de seu máximo
o tempo dJ forr11aç~to escolar e separando-o do tempo dos rendime nt o, um res ultado ót imo de co njun to .
adultos, e do tempo de formaçJu nos ofíctos. Além dtsso, face As pedago gias discipli nares não podem ser analisa_das,
ú mistura de estudantes de idades distintas numa mesma :>ala, portanto, a parti r da noção de repressão , já que_ seus efe~tos,
pr~ítica habitual nas institu1çôcs educativas do Antigo Regime como es tamos vendo, são enormemente produttv os : supoem
como. por exemplo, na., Universidades e escolas de o ri me iras urna m udança na perce pção social do espaço e do t~mp_?,
letras - e inclusive nos próprios colégios dos ies~Jítas nos m udança que se man ifesta, ao mesmo tempo, n~ org_an~zaç~o
seus inícios - , lentamente se vão separando os .mais velhos do espaço e d o tempo pedagógicos, e em sua m ten onzaçao
dos menores e, finalmente, a idade se converte no critério pelos co legiais . Essas pedagogias süo também um instrumento
fundamental ~e distribuição dos colegiais. A nova concepção de primeira ordem na const ru ção, por um lado, de uma .for~a
do tempo ex tge organ 1zar as atividades de acordo com um de subjetividade nova, o ind ivíduo, e, por outro, na o rgamzaçao
esquema de séries rmíltiplas, progressivas e de complexidade do campo do saber .
crescente. Organiza distintos níveis se parados por provas gra-
duais, que correspondem a etapas de aprendizagem e que
compreendem exercícios de dificuldade cada vez maior. Rom- A produção s ociul tio iw/i\·(duo
pe-se assim com um ensino no qual o tempo era concebido
globalmente e a aprendizagem sancionada com uma única Michel Foucau lt afi r rnou q ue o indivíduo ex ig id o po r uma
prova. Essa nova. forma de perceber e de organizar 0 espaço representação burguesa da sociedade - a sociedade defi nida
e o tempo permite um controle detalhado do processo de como a soma de sujei tos indi v idua is - não é apenas uma
aprendizagem, permite o controle de todos c de cada um dos "ficção ideológica" ma~ também uma real idade co n struí~a por
alunos. faz com que o espaço escolar funcione como umü. essas tecnologias específicas de poder chamadas dtsctpltnas.
máquinü. de aprender e ao mesmo tempo possibilita a intervenção Qual é o principal disp os1tivo ut ilizado pelas disciplinas
do mestre em qualquer momento para premiar ou castigar e na prod ução desse tipo determ inado ele sujeitos q ue são os
sobretudo, para corrigir e normalizar. ~· '
indivíduos? Esse dispos itivo é o exame que se generaltza com o
, A incorpomç·Jo direta do poder no espa<yo e no tempo for ma de suhj eti vação c também de objetivação, de ext ração
esta na base de uma utopia social regida pela transparênl:ia c de saberes no. século XVIII. O exame in stitu iu- se em múltiplas
a \'JSibtltdade que o pu11óptcco de .1. Bentham reflete de forma institui ções - quarté i ~, colég ios, hospitais, adn_ü~ istraç~o. -
paradigmática. A busca desta sociedade de cristal n: 1 qual o e também ap licou-se a campo aberto - estattst 1ca, .htgtene
?lhar desemp\nha um papel primordial está intimamente ligada etc . Em co nseq üência. por me io de notas. f1chas, regt st~os e
a quadnculaçao progressiva elo espaço c à historicidacle pro- históricos se int roduz a indiv idual idade no terreno da escntura,
gressiva do t~mpo. Um tempo e um espaço divididos, seg- converte ndo cada su jeito em um caso . As pedagog ias discipli-
mentados. senados, que deveriam permitir, seQundo os refor- nares fazem das i n~t itu i çõcs educativas ins tituições examina-
mador~s da época. uma síntese e uma gloha!iz<~Jo totais. Essa doras, espaços de observação eminentemente normal~zadores e
lllnda!tdade de poder não apenas torna possível a Yisi1o de normati vos , já que o exame impl ica duas operações f undamen-
uma sociedade em contínuo e ascendente progresso, mas também tais : a vigi !frnc ia hierárq uica e a sanção normalizado~a. A m.bas
uma percepção funcion:il do corpo, um corpo-~cgmento pronto coordenadas permi tem dec ifrar. medir, comparar, hterarqmzar
e d 1sposto a art1cu Iar-se com outros em conjunto.-; produ ti vos e normalizar aos colegiais .

o 1
O'+ 85
A "escola examinadora" atribui a cada aluno como estatuto novo ti po de U nivers idade controlada pelo Estado. Os saberes
sua pró pria individua lidade, a qu al é o resultado de provas e se veriio ass im reduzidos a di sc ip lin as. com urna organização
exames contínu os que. por sua vez, supõem uma extração de e uma lógica interna específicas. da ndo lugar ao que na
saberes dos próprios colegiai s. o que tornará possível a fo rmação atualidade conhecemos corno ciências. A partir deste momento
e o desen volvimento da ciência ped agógica. Os exames não as in stituições acadêm icas vão exercer um monópolio no campo
apen as avaliam a s apre ndizagens, a formação que recebem os do saber de tal fo rma que uni camente os saberes formados e
esc olares . como també m confe rem a cada estudante uma natureza s anc ionados por e stas institui ções receberão um estatuto de
e specífica: converte m-no em um suje ito indi vidual. cientificidade.
As pedagogias di sciplinares implicam, portanto, novas As formas de controle sobre o território do saber sofreram
relações de poder que são tan to menos visíveis quanto mais a ssi m uma mudança. Já não se trata , como ocorria com a
física e materialme nte estão presentes e quanto mais vinculadas ortodoxia ecles iástica, de suprimir e censurar enunciados, mas
estão ao proce sso de apre ndizagem. Daí que o poder disciplinar de assegurar q ue esses enunc iados re metam a uma lógica
te nha podido supri mir, e m teoria , as penalizações e os castigos específica q ue permita vinculá-los a uma disciplina co ncreta,
físicos, já que as sa nções, as correções . consistem, a pa1t ir de 1 e situá-los nessa o rde m quad riculada e hierarquizada dos saberes
agora . em repetir as ati vidades , e m repetir os exercíci os, em le gítimos. O contro le passa de um níve l externo a um ní: el
faze r novank.-1te a mes ma cot sa.
J interior torn and o menos visível e aparentemente me nos coati VO

I
.•.
o exercício do pode r.
O poder disciplinar joga, portanto, e complementarmente,
O disciplinamento dos saberes
em dois terrenos, o ela produção dos sujeitos e o da produção
dos saberes . E, ass im, as tecnologias di sc ipli nares apl icadas a o
O poder di sc ip linar afeta também o campo do saber. Ao
corpo permitem a extração de sabe res sobre os sujeitos, saberes
final do séc ulo XVIII produ ziu-se um a luta político-econômica
que por sua vez, ao serem devolvidos ao suje ito, o ~onstituem
em torno dos saberes. saberes que até então estavam dispersos
e apresentavam um caráter heterogêneo. À med ida que o Estado
se consolidou, e u medida qu e se desenvolveram as relações
I
1
·I
como indivíd uo, constroem seu "eu". Mas, além dtsso, essas
tec no logias, ao serem admitidas no campo do saber, produzem
um d iscipl inamc nto dos sabe res que é a própria condição d e
de produç ão com o impuls o da Revolução Industrial , se de- j possibili dade da formaç ão das c iê nc i as. 1 ~
sencadearam processos de anexaçiio e confi sco de saberes locais ~
e artesanais por saberes mais gerais ou industriais. Nessas lutas i
o Estado intervé m. d ireta ou indi retamente, como mostrou l Uma etapa de transição: as pedagogias corretivas e a
Miche l Foucault, mediante quatro operações : eliminação dos ! busca da criança natural
saberes irredutíve is, intítcis ou economicamente muito cus tosos; ll
norma lização dos saberes; hierarqui zação dos saberes: os mais i
íI O poder disciplinar, q ue começa a gestar-se no Antigo
gerais, os mais formais sendo leg itimados; enfi m, centrali zação I Regime, e que alcançará o auge a part ir de fins do sécu lo
dos saberes. Todas estas operações permitem sua seleção e '
controle e implicam o surgimento de toda uma série de práticas,
de iniciati vas e instituições que vão de sde A Enciclopédia até I 14. Sobre " J isciplinnlizaçiio dos s:1bc res. ver M .. Fouc;~u lt. Genealogfa
a criação de instituições acadê micas e o nascimento de um II de / raci.HilO. Madri. La Piqucta. llJ'J2.

86 87
ass im, e m relação às crianças que res istem à escola di scip~inar,
XVIII. se perpetuará durante todo o século XIX nos países um novo campo insti tucional de intervenç~o : d~ extraçao de
oc identais. Em princípios do sécuio XX surge um novo tipo saberes destinado à ressocialização da " mfancm anormal e
de poder. É prec isamente nesse mome nto histórico que se delinqüe nte" Y• _
reto mam e ré.Jrmulam as propostas edu cativas dos ilustrados O s textos da é poca põem claramente e m relevo as funçoes
e especialmente o modelo pedagógico proposto por R ousseau. de controle social destes novos centros e ducat tvos q~and o nos
O Estado Interventor, model o iniciado por Bi smarck na A le- apresentam seus ainda balbuciantes. e rudimenta~es S!S.t~~a~ d~
man ha no últi mo quartel do século XX, triunfou em praticamente . ··f·1caçoes.
c I,ass1 - O Dr · Binct · herdem) . das Jnedtdas ·teah ~
zadas
· d
todos os países da Europa ocide ntal. T ratava-se de so lucionar pelo psiquiatra Bourncv ille com as c n anças do mamcom10 e
a questão social, de neutralizar a luta de c lasses por me io de Bicêtre, afirma que é necessário de tectar o quanto antes os
uma política de harmo nização dos interesses do trabalho e do a lunos que são " refratários ü di sc i p li ~a escolar" ?ara o que
capital que pe rmiti sse integrar ao movime nto operário. e laborará, em colaboração co m o Dr. SJmon, seu ~ele~re Teste
Justamcnte n e~te marco i rn pôs-se a obrigatoriedade escolar M e nta.17 As crianças " insolentes, indisc ipl inada s. mq:netas, fa-
convert ida em u m dos d ispositivos fundamentai s de integração ladoras, turbulentas, imorais e atrasadas" serão q uahftc adas _ror
das classes tra balhadoras. A escola obrigatória fazia parte, Binet como anormai s. 'R Não me nos detalhadas : . expressiVas
portanto, de um programa de regeneração c de profilaxia social são as classificações de alguns autorc~ es~anhots. Ros~ .de
baseado nos postulados do positivis mo evolucionista. Numerosos Lu na . por exemplo, encontra ai nd a mms. gene~os e espec1e~
filan tro pos, econom istas e reformadores sociais, ao aceitar a que Binet nessa infância que res iste ~~ .obn g~t~r~edade escolar~
teoria segundo a qual a ontogênese recapitula a filogê nese (Lei "abú licos teimosos. mtmosos , parabu!Jcos. cretmos, sem se~
de Haeckel). vão estabe lecer toda urna série de analogias entre timentos, ' desconfiados, fri os, desmemoriados, memon osos: VI-
a criança, o se lvagem e o degeneradoY Deste modo, se fará sionários, te rrori stas, surdos-mud os. c.c gos , ~cgos tos gr~sse J.ros,
corresponder o est<1gio ele se lvageri a com o da infância. As inexpressivos, imbecis. histéricos, ht pcrestestcos, passlünats e
crianças, e espec ialmente as c rianças das c lasses popu lares, se mastu rbadores" .1'>
ide ntificam com os se lvagen s. Civi li z<í-los e domesticá-los
constitui o objetivo dessa esco la pública obrigatória na qual
~eg uirão reinando as pedagogias disciplina res . \6 . Sobre n constitu iç~o do campo dn inffincia an?.rm al. cf. Muel, F . ·:La
· · , d 1 · 1· .,· , '!normal ctn VVAA E.tpae~o.l
Essa escola para os filhos elos pobres, suas práticas, seus escucla ohli gatoria y la lnvcnCIOn e a 1n anc " • . ' · · U ( F
d~ poder, Madri, La P iqueta, 19R I. pp. I 23-4 3 . as~~m. como, Al~arez· r a, 7.
s iste mas de valo ração, a percepção do mundo que tra nsmite e " L · 1· · tutei"da" em YVAA. PerSJ!eu 1va.t p.uqwMm.:m . M,1dn , CS1C, 1~8 ,
o estatuto de infância que veic ul a, rompe a tal ponto com os a 10 ancw " • · . . · ,d· · ológ1cos
. 179-90. Em relação ao peso que adqUirem os cód1gos, ~c Jco-ps!c .
modos de educação das classes trabalhadoras, com seus hábitos ~~ socialização infantil. cf. Donzclot . J. A fl~Jiícia dM famrllm, RIO de Janerro,
c seus estilos de vida que irá provocar, desde sua imposição Grnat, 1980.
po r via legal, toda uma série de confl itos e desajustes que 17 Os testes. esses "científicos tnstru menws de medidas". se estendera':"
rupidame~te às c ria nças " norma is" ~ ".F'i que e.srns não d1tcrem das a~~~~~s
se rão interpretad os a partir de uma c nviesada ótica que res- mn is a não ser que por seu grau ele evolução" - c posten armenle aos . ·
ponsabiliza a má índ ole dos alunos por todos os males. Surgirá 18 . Cf. Bi net, A ., Lcs idüs nwderne.~ sur le.1 enfants. P aris, Flam manon,
1973 . p. 130.
· ··ó d 1 c 'ampo de ta ,infancia.
19 . Cf. " Los nii\os anormalcs . Cons11tuc1 n c d
1
15. Cf. "La escucla ohliga roria . cspacío úc civil izacJón dei niiio obrc ro", deficiente y delincuente" em J. Varcla c F. Alvnrez-Uría, Arqueologw e a
em J. Varc la e F. Alvarcz-lJrfa. Arcpwnlogía d1! la csciiC'it:. Madri , La Piquera. e.~euela, op. cit., pp. 209-34. p . 227.
lll'l l . pp. I 75-9R.
89
88
Na medida e m que a ada ta -
particular, é definida po "" .' p . çao e m geral, e a escola em
Quase todos e les vi ram nos exames uma das maiores tmper-
anormal - , . r v~( CS prtmeJros pedagogos da infância
o . . e _pelos pnmeJro s psic ólogos - com " - feições e, de fato, como j á vimos, isto constituía a ponta da
e-era l da mteiJoê nci't" .. d ' f . · o a funçao lança das pedagog ias disc iplinares. Ferriere, por exemplo, afirma
o < ' <~s l crentes 1nstitt · -
surgem para educa r 'Js crJ.'l11 . . ... . . JJ ÇOcs que então que os exames são a imagem mais e stereotipada da escola da
'· ' ças Jnacfapt d "
em espaços pri vilegiados e m iab , . a as se con verteram imobilidade e que viciam toda a aprendizagem: <.:ada idade se
guai s se obtiveram sabc~es , . .orator~os de o bservação, nos parece a todas as demais, cad a cadeira a todas as demais e
implicaram uma mudanç a . . c se ensaiaram tratamentos que cada criança a todas as de mais.
d 1.Sc1pl1nares
. . ' ' Jmportante em re laç ão ,
até e ntão . l .
d .
as pe agogtas
• • • ' < uommantes. E foi p ·. Estes novos pedagogos - em sua maior parte procedentes
ms tJtuJções de corrcç·io o d . recJ samente nestas da medicina, já que exerceram a profi ssão de ps iquiatras e de
< n e começaram a 1·
conhecidos membros d·l cha d E · ap 1car-se, por ps icólogos clínicos - aceÜam as teorias pedagógicas rousseau-
' L ma a "scola N
e téc nic as onde se ens" ·ta , ova, novos métodos níanas, s ituam a criança no centro da ação educativa, são
' · " 'ram novos t · · ·
aplicaram novos dispositivos de . m~ enal ~, en~lm , onde se partidários da aprendizagem através da ação, já que a atividade
reutilização do espaço d pode r que rmpltcavam uma
0 da criança constituí o centro de um processo de auto-educação.
infância a produç:-10 . J e te n:po, uma visão difere nte da
' L uc novas f . f · . . A escola deve adaptar-se aos "interesses e tendências naturais"
era m insepará veis de , a rmas ce subjeti VIdade , que
.. um no vo estatuto do saber. 20 da criança. A missão do . mestre é prec isamente condicionar o
Maria M o ntessori e Ovidio D . espaço e o tempo para dar forma e sentido a essas atividades.
form1 qu · ·· ecro ly acettam da mesm Co mo escreve textualmente o Dr. Decro ly, uma das finalidades
• L , e a maJo n a do.'\ representantes da Escola ,
• , ~
bJOgenetlca fundame ntal e a lei do r . Nova, a ler da esco la primária é "organizar o meio de forma que a c riança
para ser um bom c ivili zad . p ogresso, c pensam que e ncontre nele os estimulantes adequados a suas tendências
- o a cnança te m que s · fa vorávcis" .21 E para fundamentar cientific amente seus sistemas
um bom selvacrem Da ' . ,. , · er prevmme nte
to . <I sua cntrca as pedagogia d . . I'
aos métodos tradicionaJ·s d . ·. L s lscrp lnares,

teóricos não apenas irão observar as crianças recolhidas em
' , e ensmo aos h , · · instituições especiais e fazer experiências com elas, mas, além
aos espaços ríaidos e 'nf . , ' oranos mflexíveis,
to . , . e Im, aos programas sobrecarregados. di sso, procurarão descobrir as leis que regem seu desenvolvi-
mento. Aceitarão assim, na busca de um estatuto científico
20. A. Binct não ot:ult:l que ., 'tlh lt ·" . para seu trabalho pe dagógico, a ajuda que lhes brinda a nascente
e d a elahoraçiio dos testes rllc t .... .'p . •I ar,:.JO esta no cenl!·o de seu traba lho
.. · • · · n urs. cnso que 1 . 1 . ' psicologia - em princípio, a psicofi siolog ia na condição de
cr ran~·as c o problema nni s h . I t con Jectmento das aptidões d·ls
. . ' ' . o nrto la pcch ooor·l A' d - . '· psico log ia expe rime ntal e pouco de poi s a psicologia genética .
ror nrnguem. no menos CJli C cu Cllnil ' .. 'o-"' ' . rn a na a tenl sido tratado
,.nroc·c d ·unento seouro rara cl ·t .1 . c;ç,t. . . _
c nao possuím • os atua 1mente nenhum O Dr. Bournevi li e não ape nas foi uma autoridade para o
d I N "' c ec ar ns .tpt ldocs d· ..
a u to . . ' o ent~nto . ex iste esta prcocula ·" c u m Sli.Jerto. seja criança ou
patrona rs compreendem () •' n )f . r' ÇMl em cl d erentes meios: os sind icatos Dr. Binet como também para a Ora. M ontessori, para o Dr.
' l me Interesse q ·. .. .
cada um snr valor c l pmfi ..- . .. ue ex rsurra crn fncr conhecer a Decro ly e, mais tarde , para um dos pai s da psicologia e volutiva,
exa mes q ue esc l arece~ser11 . 'so~o •1 q~rc sua natureza lhe des tina. Os métodos c !
Jean Piaget. T odos e les começaram trabalhando com crianças
· .ts vocaçoes ·1s n -d- . · · !
proporciOnariam serviços int:omensuráv.:. '.. ' P1I .~es. c tnmbém as in apt idões
psyc ho log ic en 1910" L 'A • .P • C!s .J todos . C f. Hrnct, A . " Bi lnn de I"
' .
'vlonte~sorr escreve·· ·
"N'"
·
d
nnee .<1'(:/w/oro ·
1 .lo c uqucmos .1 .
. ,,lque.
, .. . • .·
XV '
11, 1911 . p· · X · E M arw .
" I "anormais" e logo deslocaram seu interesse para as crianças
" normais" e para a "primeira infância". Montessori inicia sua
Este mundo não ex istirá quando I .. 's,. noss.ts Cl ranças pam o mundo de hoie. J
<l u ~, mundo serú o sc•t· crn . e es.. • orem ma10rcs· · Nad a nos JJcrmire S'bcJ· J
atividade criando , em 1907, "A casa de Bambini", uma insti-
p . · •· conscqucrrç 1.-1 · ·"

I
edagogle .<c ientifique Pari' Desc i, I s' cnsmc-nlo-lhcs a adaptar-se". Cf
· · ' ·· · ce c e rouwer. 195R. · ·
21. Segers, J. A. , En tomo a Decroly, Madri : MEC, 1985, p. 32.
90
91
e permita "ao aluno" ser liv re c aut ônomo'? Para poder rc-;ponder
tuição locali
crianç·t' não zada
., nos , . bairros. b <liX . OS de Roma - onde a~ a esta questão é prec iso ir além das funções explícitas que
·' · ' Idm a escola · - indicam seus -;istemas educativos. Em sua rejeição das peda-
piores condicões d , .l ..' -- CUJOS moradores "viviam nas
. . , . e lt crlene c prom ·s 'd d " gogias di sciplin are-; se percebe a necessidade de evitar um
In stitui ção educativ·t ;- c- . I cut a e . A referida
' ' IMO era < tihei 'l à n 'd controle considerado exterior c dcmasiadr> coati vo. Seu grande
uma existência mclho , . ' , . ecessi ade de procurar
. . r pdra os operan os b d· . . problema é como conseguir um novo controle menos visível.
e na harmonn fan T · . . · ' asea a na higiene
'1\. , . •
Lvlana Montessori real·
, ' li t.u e soc ial. Foi
.
.
. . precisamente ai onde
, menos oprc~sivo c mai~ operati vo . Para alcançá-lo, não apenas
' Izou suas pnmeiras . situam a criança no ce ntro elo próprio processo educativo,
sua metodologia que crr . ·.d . ' pesquisas e aprimorou
1 segut a apltcou às 1 d fazendo passar, em teorin. o mestre a um segundo plano, mas,
co ares que continuara m c haman do-se da esco as e . pré-es-
I além disso, fazem co tncidi r um mei o educativo "artificial",
croly, por sua vez se u· . mesma maneira. De-
também em 1907 -· d·, g _w uma traJetória paralela. já que minuciosamente organizado c preparado, com algumns supostas
. e cpo ts de haver trab Ih d

l
'·nec.:cssidades naturais" da criança. Seus sistemas teóricos im:.
anormais, · fundou a célebre "E'co 1e de I ,Ermttage" a . a o com crianças· plicam a ace itação de uma visão ideológica da sociedade
normais. Tratava-se també m e um centro de para
d - cnanças
I ' formada por indi víduos e aceitam também, como .iá assinalamos,
menta que exerceu uma grande . f1 carater experi-
tn uencJa no campo educativo
A •

. o positivismo evolucionisla. o qual os lev a a pensar que a


O regeneracwnismo e o reformis . . hi~tória da educação. em sua evolução asc.:cndente, tem passado
a base teóric a na qual amb mo socml constituíram por um estágio teológico-dogmático-autoritário -- que identi-
' os renovadores se ·
como demonstram em tod . : mo vimentaram, ficam com a peda gogia tradicional - . c se encontra em um
explicitamente que sua meta dst;a obra. Mana Montessori diz estágio metafísico-revolucionário, que tende, com a ajuda das
finalidade alcançar ·a '
0 0
o~ta e seu material têm como inovações que ele~ mes mos introduzem, n alcançar um estágio
. . . concentraçao a pers
tScipllna da criança A nça- d '. deveeverançap d · e a auto- científico-positivo que será o resultad o de estudos experimentais
uma p~rsonalidade equilibrada e ad .
d . < o e ucattva
ro uztr, ao final , sobre a criança e do conhec imento elas lei s que regem seu
vez, afirma que aptada. Decroly, por sua

l de~e nvol v imen to .


O controle, portanto. que o mestre exercia no ensmo
venção do médico de\ c ' lO
.
.. '. mu tipl::~s conseqüências , a inter-
na lutn contra a dege neração c ~ uas . I .
· ' me smo te mpo se
e o conceito terapêu tico i I' .'
f' lá .
. . r pro 1 'tt ca e terapêutica
l
j
l
tr<Jdicional através da prog.rarnação das atividades e dos exames,
se desloca agora, tornando-se indireto, para a organi zação do
pedagógico. mp rc,, tratamento médico c tratamento
meio. E o objetivo no qual se volta já não é a disciplina
l exteri or, produto de um tempo e de um espaço disciplinares,
~ara entender as transform ·l õe ,
corretivas não é apenns
. , .
tston co no qual
. , ç s que operam as pedagogias
< preciso levar em
SLII'g' conta o momento
ll mas a discipl ina interior , a autodisciplin a, "a ordem interior".
Que novas formas de sociali zação são promovidas por
seus autores ~'; ·las crinncas
h · em , como tamb ' estas pedagogias corretivas que surgiram à sombra das "crianças
. em a preocupação de
Suas produções e~-; tão< vi~~ui:I~~:~~1IS e s~u . trab~l_ho com elas.
anormais", c de instituições espec iais, para generalizar-se às
de pnmeira orden . . - < questoes poiitJcas e sociais
pré-escolares e mais ~nrde üs escolas de ensino primário? Em
no campo social e ~,
t, a posiçao que est
' t'
f
cs re armadores adotam
1 primeiro lugar, supõem a <tfirmaç~lO de que exi ste a possibilidade
. . ' < pra Ica que real' · . de uma social izaçfío uni ver sal. individualizada, válida para
especwts. Que sio-nit·I·c"m tzam nessas mstttuições
• e u suas proclamaç· f qualquer sujeito, desli gada das classes sociais e do contexto
educação ativa e criativa . oes em avor de uma
que respette o desenvolvimento infantil
93
92
histórico e le g•'t·tma d a por cód igos chamados ex encaixilveis, tabuinhas, objetos t:eometncos . campainhas, ca r-
.· . , · · · .
penmentats . As
tazes. barrinhas ... - para •2d ucar os sentidos, a sens ibilidade,
:es~'iten~t~s a e~sa nova form a de soc ialização podem s~r. e
aprende r o alfabeto, os números, a leitu ra, a esc ri tura e a
. erao desde e nt uo. tratadas como "desvios" inóividuais. Pro-
aritmética". A fu nção da me~tra cons iste, neste caso, em ajudar
d~~- se ass un ,_ um a negação dos conflitos soc iais e das lutas
a criança a o rie ntar-se entre estes variados objetos e m contato
~L l.t. h ~gcmonta soc Jal através da construção da "c ri a nça natur· l"
, c us Interesses e necessidades i<í não estão Jiaad . à /~ . com os quais. e traba lh ando com e les o tempo que deseje -
soctal , .. · .. , ·. o os po.st çao o tempo disc iplinar se rompe também e deixa margem a um
.. ~ nem. ao cap tt,,l econom tco e cultural fa ml.lt'a . -
que s·lo e ·t . . ' r, senao tempo cad a vez mais su b jetivo - - pocler<í rea lizar u ma apren-
.. ' s n 1a me nte rndrvi du ai.s . Daí o fato que I .
,·e r·m' . . , ." ., . a gu ns autotes d izage m livre de coações . A mestra é, segundo suas palavras ,
. '
.- . . .
' nest.ts
.
pratJcds
.
pedaCJon
o o
tc<' <
•·•
L
tn'
"
't tt"lt1sfere'
, .
. d
neta os pnn- .
"a guardiã e proteto ra do me io' ' .
Ciptos do lt bera!Jsmo econômico ao âmb it 0 d d ;- .,
que de h t . d · . a e ucaçao, Ja Não há d1í vida de q ue este modelo de educação, fortemente
. . ' o, ao e tX <H livre a concorrê nc ia e ntre os I .
tavorece a re p d :- d . . a unos , experi m ental ista. vinc u lad o aos postulados rousseauni<mos e à
'· ro uç,w as clttes, permite a " se leção" d .
rne lt10res".Z2 .. os educação das crian ças "anorrnai ~ · · (c rianç as, po rtanto , q ue se
dis traem facilm ente, que fazem ges tos deso rde nados e para os
, . As pedagogiLJ.s corretivas, ao colocar e m ·tção no . quais o jogo é d ificilmen te recond uzí vel a trabalho) suscita
tecn 1cas pedagógicas dest inadas a condic ionar 0 me i~ .~, ~':'~s tod a uma série de questões, ainda mais se levamos em conta
das necessidades e in teresses infantis" su - a me I a
nn :- d · . . · • · poe m uma tra nsfor- qu e irá ser progressi varne nte extrapolado para etapas posteriores
, 'ç.a~ . as ~'\egonas espaço-temporais nas quais irá se desen- d o e nsino. Na realidade. não apenas o mate rial. não apenas o
\oher a atJ vrdade escolar. Neste se ntido a obra de M - . e spaço e o te mpo devem adapt ar-se às supos tas necessidades
Mon tes.sori aparece como excmpl 'lr ·tcl se' d ' .· . ana
- . . ' ' lltg tr ao e mano e interesses indi vidua is dos alun os, corno ta m bém os saberes.
pre-escolar. Constnll r um mundo adaptado ao ·•ltln . ,. P ara Decro ly, por exemplo, o método da g lobal ização d o ensino
· · d · ' o tmp rca
u::,". «
m u ança rad tcal na o rgani zação da sala de aul a, concebida e seu programa dos centros de inte resse se in sc revem nessa
'leOrtl c o mo a pro lo ngação do corpo infantil com o um d ireção e supõem uma mod ifi cação dos programas esco lares
propo rc io nado a s uus necessidades de o hserv,ação e e espaço tradi cionais e do traba lho escolar. A o rga ni zação dos conhe -
t·tç'tn · ·ai . . . · ' x pe nmen-
1 1
.' ' . . s, as c aras e I urntnadas . com m óveis pequ e nos c d, cimentos deve ser feit a de for ma que esses estejam re lac io nados
forma~
I vanadas· . ·. pcq
. uen·dS. mesas,
. peque nas cadeiras pequenas· e com as necessidad es fu ndame ntais da v ida da criança. A
po tronas. ~~rmán os fáceis de abrir, diminutos lavab~s d f'·' ' ] obser vação, a assoc iação e a exp ressão, assim como a supressão
acesso e ntu , ·. . • e ac 1
" , . : ... n , movets 1evcs. s tmples e transportáveis. Confi- de ho rürins f ixos, e stão na base deste e ns ino "atrati vo" at ravés
eur.t-sc <~~stm todo um mundo "em miniatura'' que dos centros de interesse, um e nsino que perrn iti rú a cada aluno
'l ríoid · - ro mpe com
·,, e. a, _org~llltzaça? do espaço disciplinar no qual o estrado adq uirir, seguindo o processo cognosciti vo g loba l próprio de
c c _m,ldcr rd era o Slmho lo da autoridade c o pode d ' . s ua idade, um sahcr cuja organização j:í não c orres ponde à
Akm de.;te bT, · d r o mestre.
. . . . mo t lano e e o utros objetos dest inados a e nsinar trad icional divisão em disciplinas. Ainda q ue o méto d o Mon-
:~ r ca.lt za~· atos da vida ~rática cotid ia na, M ontessori e laborot; tesso ri ou o método Decrol y, seus "atrati vos materiais" ou "os
o nMte n a l de dese nvolvimento, sistem as de o bjetos - sólidos centros de in teresse adaptados às necessidades infantis" fiquem
di sta ntes, na atu alidade, d o q ue consideramos "atrati vos" e
" interessantes" par<~ as cri <~nças, nem por isso podemos esquecer
22. Uma crítica lumbd a da Escol~ Nova fm formulada l
In Pcdngogw progrt•Jsi.tra. Cmmbra. Almcdrna. 1974. r<r G. Snydet~. q ue foram os ini c iadores de um a redef inição da "infânc ia" que

95
94
supôs a afirmação, na prática. de uma especificidade teorizada v isão d o m und o , 0 que i m pl ico u u ma m uda nça no estatuto do
por Rousseau, a qual constitui um dos pilares básicos de uma sabe r c nas formas de produção da subjetivid ade.
nova construção e percepção do sujeito: o sujeito ps icoló gico.
O processo · 1e separação do mundo infantil e do mundo adulto
caracteriza e põe em ação um modelo de ensino para "liiipu- 0 auge das pedagogias psicológicas: do p sicop oder ao
tianos·· no qual ;: manipulação. a observação c a experimentação Homo clausus
pas-;am a um primeiro plano. '' A insistênc ia ne sta ''cria~ça
nJtural". em suas potencialidades criativas e e xpressivas, supõe
o fato de q ue n u me rosos represe n ta nte~ da Escol~ Nov~,
as si m co m o 0 primei ro mkleo de especial is tas em ps tcologt?
"uma infantilização" da~ criún ças pequenas e. pro gressivamente,
in fan til. ten ham sido méd icos ou ten ham estado , ltgad os_ a
das criJnças em geral us
qua is essas pedag o g ias distan c iam da
cl ínica, expli ca, em parte, o interesse que p res tar am as funçoes
possibilidade e capacidade de compreensão do mundo dos
p ro fil átic as c terapêuticas da e? ucaç~o , ao mesn:o tem po q_ue
ad ui tos e, mais concretamente, dos saberes da "cultura legítima'',
os colo ca em u ma posi ção p n v tleg1ada fre nte as peda.gogw s
j;l que todo processo de objetivação tem agora que partir da
trad icionais o u di scipl inares para i mpor suas teorias ma1s fun-
própria Jtividade ind i vidual e indi v idualizada.
dadas cientific amente . As perspecti vas abert as por ele_s se
Vimos, na seção a nterior, co mo o poder disciplinar havia intensificaram e este nderam à medida q ue avançou o. secu ~o
surg1do graças a determinadas tecn o logias Jc poder qu e se XX. o campo da psico log ia escolar dive rs ifi.co u-se: ps 1 co lo~ta
ha\ iam começado a ensaiar e m ce rtas mstituJçõ es, cnire as genética, d a aprend izage m , i nfan til, evolu t1 va, ela 1nstruçao ,
quais figura va rn com lllll i mportantc peso as educati vas. para cognitiva, d e ed ucação espec ia l etc . E ~on ve rtcu -se no f~n.da­
logo se converterem numa tcítica gera! na se gunda metade do m ento de toda ação ed uc ativa que a~ ptrasse a se r cJen tl ft ca.
século XVIII. Poder- se-ia avançar a hipótese de que a nova C onfi gura m -se assi m as ped agog ias psicológicas q ue funda~
forma de exercício d o poder que se esboça no início do século suas r aízes nas pedagogias correti vas . U ma vez ma ts, a gestao
XX, o psicopodcr. é gerido fundamentalmente nestas instituições da ano r malidad e con verteu·-se em pon ta de la nça do governo
educa ti vas de correção e de educação pré-cscolar 2 4 F o ram elas de populaçõ es m ais amplas . N este se ntido, a i n !â~cia an~rmal,
que ~erviram de po nta de lança de nov as tecnologias de poder, q ue parecia u ma pop ulação re s td ual e secundam\, serv m,, ~a
de novas formas de socializaç ão que ~upuseram uma determinada co ndi ção de objeto de t ratam en to e d e téc ni cas, de l abor~tono
de expe rim en tação de novos ~aberes e pod eres com d eseJO de
ex pansão.
23 . Na rea lidade. esta separação vem de longe . Richard Scn nett demo nstrou
qu e a reorga ni zação d o cspa ~·o socJ ;d. do pLí bl!ct; c do pri v<ldG, cst:í lig ada. ao P taget e Fre ud , ambo s ligad os u rna vez ma is à c línica,
mcn o~ a parti r do séc ulo XV!J L n un1a nov;1 dcfini çãn da inf'à ncia. às d iferenças irão constituir dois referen te s obri gatóri os , a parttr d e finais
graduats que se estabelece m entre as forn1•~> de jogo da~; crr anças c dos adLdtos d os anos 20, para a ed ucaçào institucionai.2 5 Tanto e les , como
c i1 função do ato de amamcnlar os fil hos que pass:\m a ser ck resronsabi íH.h dc
cxc !usivil da 1:1m ília . C f. nnll111o do homem i>úh/h 11. S5o Paulo . Cmnranhi a das
Lc11 as . i')í\9
----~~.- ~-primeira obra de .1. Pi<lget, Le lnn ga ge c t la pensée chez l'~nfant
2-l. Se obscrv umos outros •1mbiros e institurçõcs sociars -- escola públi ca, fo i publicada em 1923 e é também po r essa época que começo a vulgam:aç~o
col é~ ios de orde ns rei igios:\s. fjb ricas. quartéi s. hosrrtais etc. -- podem o,; da psican<íl ise. E ass im, entre o s numcrmos colaboradores da Rev1sta de Pedagogra
comprovar que segu<: "i gcnlc nelas o exercício do poder discipHnar. A.ssi m po is, (fundada em 19 22 por Lorenzo L uwr iaga) . não apenas ftguram tod os os .membros
lo nge daqueles que conferem unw posição sur erestrutural ils institui ções cducntr vns, da Escoln Nova como tnmhém psicanal istas c. entre eles , Oskar . Pftste.r•. que
estas rode m ser, e de fa to lêno sido . um es paço importante de experi me ntaçã o publicou durante esta década um texto de grande influênci a, El fJSicoanalr.~,.~ Y
e de inovação social
la educ acu>n .

97
'1
i
i
seus discípulos irnediatos , apesar àe as sistema~ teóricos que
e laboraram serem muito diferentes, coincidem em perceber o I virnento dos a lu nos. MiJs , nel as, o C\lntro le interio r é cada vez
mais forte, já que agora não se hascia predominantemente na
descm oi vi mcnto infan ti I como eta pas ou estágios progressivos
c difereJ~ciados, supostamente un iversais. Psicanalistas e piage-
tJanos s1tuam a criança no ce ntro do processo educati vo e
atribu em ao mestre uma função de ajuda. O ensino, e m
I
1
organização e planificaçiio minuciosa do meio, mas em normas
cientificamente marcadas pelos c:,;tágJOs do desenvolvimento
in fanti l. Como muito bem expressa Valerie W<dkerd ine, as

conseqliência, deve adeq uar-se cada vez mais aos interesses e I estratégias redagógicas destinad ai: a um desenvo lvimento sem
coações desta suposta "criança natural e universal" "implicavam
necess id ades dos alu nos, à. sua suposta percepção específica uma constante programação e vigilância do que se considerava
do espaço e do tempo. A adaptação continua sendo o objetivo o desenvol vi mento 'correto'". Pode r-se-ia dizeí sem dú vida
principal da educação. Não fo i em vão que Piage.t fez sua a que, como por ironi a, esta criança foi vigiada e controlada
frase de Binet segundo a qual "a adaptação é a lei soberana muito mais do que nas "velhas pedagog ias'', porque não apenas
da vida", e para Freud o processo de sublimação conduz ao se requeriam de la as respostas corretas, mas também ago ra era
homem civi lizado. A ati vidade segue ocupando o primeiro necessário que mesmo seu verdadeiro mecantsmo do desen-
lugar nessas teori as da aprendizagem e, no caso concreto de volvimento fosse controlado .2ó Os alunos têm assim cada vez
Piaget. os cxercíc ios se nsório-motores não apenas fazem parte u m menor controle sobre sua própria aprendi zagem, já que
do de~ envo lvimento da 111otricidade co mo jogam um importante apenas os mestres, c sobretudo os especia listas , podem conhecer
papel no desempenho cogn iti vo. Neste sentido, situa-se em os progressos ou retrocessos que realizam. A verdade sobre
linha dire ta em rel ação com os pro motores das pedagogias eles mesmos e seus verdadeiros inte(esses toma-se uma realidade
corretivas.
dis tante e alhe ia. Sofrem, portanto, um processo de expropriação
A que formas de regulação soc ial, ou seja, de exercício cada vez mais intenso q ue constitui a outra face da inte ns ificação
do poder. e ncaminham essas formas de sociali zação escolar? de um estatuto de minoria que, além dos cânticos à criati vidade,
Para responder a esta questão é necessário uma vez mais à liberação e à autonomia, supõe dependência e subordinação
remeter esta instituição a uma confi guração socia l mai s ampla, cada vez maiores.
sem esquecer os e nfrentamc ntos e os conflitos sociais. Tudo À medida que nos aden tra mos na década de 60 poderia,
parece indicar que foram certos grupos da burg ues ia os que talvez, afirmar-se que as leis e os estágios de desenvolvimento .
desde os anos trinta aceitaram para seus fi lhos pequenos estes começam a ser substituídos ou, em todo caso, a verem-se
modos de educação ligados em sua o rigem às pedagogias solapados, pelas leis do ritmo, mais diretamente vi nculadas a
correti vas. Tais grupos não pertenc iam à burguesia tradicional, certas corre ntes de vu lgarização da psicanáli se, que colocam
que continuava aspirando a uma formação para seus filhos que no centro do processo de aprendizagem o ritmo individual e
expressasse c. v: possíve l, reforçasse sua posição de poder e as relações intcrpcssoais . Cada alüno tem um ritmo próprio,
prestígio, e lhes conferisse uma identidade social e individual específico, que deve ser respeitado. Toda ação educati va deve
clara, fo rte e bem delim itada.
procurar que o aluno se expresse, se manifeste, encontre seu
As pedagogias ps icológicas caracterizam-se por um con-
trole exterior frágil: a criatividade e a ati.vidade infantis são
promovidas e potencializadas e as categorias espaço-temporais 26. Cf. Walkcrdme, V. " F.nscfíanza comprensiva v cduc actó n progrcstva
en Gran Bretaiia". em Educar. !'ara qud? Revista An.:hi[>iélago, n. 6. 1991 ,
devem ser flexíveis e adaptáveis às necessidades de desenvo!- pp. 20-6.

99
estilo próprio, redcscubra uma suposta "natureza natural'' original pode liberar-se - não ser li vre - mediante um intenso e
e livre de coações. A ex pres~ão , a comunicação, a criatividade, s iste mático trabalho sobre si mesmo , mediante um processo
as relações interpessoai~ - reduzidas a um jogo de stacus, de de personalização - não mais de indi vid ualização. A noção
papéi s. de funções - são chamadas a desempe nhar neste de indivíduo, característica do processo de individualização, já
~arco uma funç;io li be radora. Da í qu e as leis do ritmo estejam é mais adeq uada a sistemas, co mo o de personalização, que
diretamente relaci onadas ao des envolvimento ào coroo áas en fatizam a di ve rsidade e uma re lação entre pessoas que, em
linguagens, da gcstualidade. da imagem: esporte, e;pr~ssã; teoria , se opõe a u rna relação baseada no siatus.
corporal e verba!, teatro, -psicodrama, dinâmi<.:a de grupos, As pedagogias psico lógicas transmitem uma visão envie-.
mímica, música, dança e outras atividades que suoõem deter- sada do mundo que tem de se adaptar não apenas a aigumas
minadas o perações de coordenuçào e de percepção .espaço-tem- supostas necessidades e interesses infantis como também a suas
porats passam a fazer parte da educação institucional. mo tivações c desej os. Tal ve rsão impl ica uma determinada
Muitos são os inspiradores destas pedagogias cada vez percepção da infância e, corre lativamente, da idade adulta, e
m~is psicologizadas, que vão desde J. L. Moreno e K. Rogers isso não apenas porque se ac red ita que a resolução de conflitos
ate G . Bateson -- o quai trabal hou no hospital psiquiátrico que se produzem na infância são determinantes no futuro
de Pn lo Alto - e cujo modelo de interpreiação da realidade dc:-envol ví mcnlo pessoal. Por trás destas racionalizações, re-
parece ter influfdo na visão do grupo como j ogo de interações . form as e mudanças de modelos pedagógicos se escondem na
O grupo, um grupo psicologiz.ado, adq uire assim um esp~c ial realidade batalhas e intercs~es en tre grupos sociais que tratam
destaque ao servi r de catalisador e regulador de tensões : reforça '\:<:~ ; de impor e legitimar sua própria visão do mundo e da cu ltura. 28
-~ ~
a !.m~t~e~ de cadu aluno. subl ima conflitos e ajuda é! s uperar ~ i
O sistema de regu iação e!'-paço-tempo rai com o qual operam
'"-(", ~
det JCi e n~Jas afet1 v as . Daí que, segundo ai gumas corre ntes , apren- impi ica uma flex ibilização rnáxima do te mpo e do espaço ao
der consista em aprenrlcr a expressar··Se "livreme nte". Ao mestre
Ll\ l te r que se adaptar as distintas tarefas da aprendizagem, como
?tribuem-se n~vos dispositivos de controles sutis, já que é quem destacamos, ao ritmo interno de cada aluno, à dinâmica particular
mterpreta aquilo que perpassa o ma nejo de códigos cada vez de cada grupo. Neste sentido , a classe é percebida, em sua
mais sofisticados e se mpre e m um suposto c lima de não-d i- organização, atra vés de uma ótica psicológica (interações, papéis ,
reti vidade.27 A ação educativa aproxima-se, desta forma, a uma líde res, grupos dominados ... ) passando agora o controle, como
espéc_ie de psicoterapi a cujos pilares são também a expressão acertadamente observou Bas il Bernstein, pela comunicação in-
e a liberação de energia, e a aprendizagem adota a forma de terpessoaP9 Os saberes, os conteúdos perdem assim progres-
uma catharsis Cllja finalidade seri a desbloquear e eliminar
resistências.
28. Cf. Yarc ln. J. "Un a reforma educati va para las nuevas clascs medias'·,
Tod a essa lite ratura que se centra na atividade. na cria- · em Educar para q11é?. Archit>íélnpo. n . 6. 199 1. p. 65 -7 !.
ti v1dade,. na !~~spontancidacle, enfim, na Iiberação, parte em geral 29. Bas il Bcrnstein. um dos soci ólogos da educação mais lúcido c coerente,
da premtssa '' Je que o aluno -- no singular e masculino -- é tamoém um dos poucos au t o re~ que tem tentado relac ionar a sociologia do
conhecimento - não em vfio é um bom conhecedor de Durkheim - com a
sociologi a d a e duc ação. Nosso quest ionamento a presenta muitas afini dades com
o seu. mas se d ifere ncia dele, entre outras coisas, pelo fato de que Bernstein,
. '27. Um dos ·~ensüios'' 111~1is conhecidos . haseado em princípios psicanalíticos. mais do que se referir a categorias de pensamento, utiliza conceitos tais como
fo1 o de Summerh1ll: uma ins tituição dedicada também à educ ação de crianças " formas de c lassificação" e "marcos de referê ncia". no momento de definir as
e adolescentes "inadaptados" das "novas classes médias". e destinada à liberaç ão pedagogias visíveis e invisíveis, e concede uma menor importância às formas de
e à afirmação radical d a cri:~nç a c omo hom selvagem. subjetivaç5o.

100 !OI

r_;~Ui.DA!•~~ ,?,E' ~_D,~?-~c.ÃÕ~~sfl


si vamente seu valor, pois _!a não se trata tanto de trans mitir O texto é sufic ie ntemente claro e m relação a esta e spécie
sabe res, nem de parti r - e m caso extremo - da globalização de harmonia preestabelecida entre as exigências de um neo-
de destrezas múHiptas li gad<\S à "relação", que se converte no cvpi tal is mo agress ivo e a co nstrução de "personalidades apá-
mot or da fo rmação. ticas''.
Aprend er a <~prend er é, e m Líltima instrmcia, aprende r a o pt;so tão rort c que ;•dqu irelll os l;spccial istas na vida
escutar-se atra vé:- dos outro:- . Fre nte ao poder disciplinaí, cotidiana e especialmente os psi (psiquiatras, psicanalistas,
característico das ped agogias tradicionais, o psicopoder, carac- ps icólogos) ju st.ifica que outros anali stas sociais veja~ nes:a
terístic o das pedagogias psico lógicas, baseia-se em tecnologias busca incessante e insatisfatória de si próprios uma drmensao
cuja aplicação implica uma re lação que to rna os alunos tanto prototípica da atu al soc iedade terapê utica. A crescente pr~­
mais dependen tes e manipuláveis quanto mars liberados se ocupação por si próprio, a populari zação, nos países de capi-
acredite m. talismo avançado, das terapias paranormais, a ide ntificação cada
Explica- se, poi s, que esteja no auge uma programação vez maior do eu com o corpo e com a image m, o auge de
educativa opcional , preparada e disponíve l, na qual o culto à um misticismo e espiritualismo sectários, assim como dos
personali zação se incrementa . A educação institucional volta-se fu ndamentalismos, enfim, todos estes fatores estariam intima-
cada vez mais à busca de si mesmo, a viver livremente sem mente vinc ulados a uma sociedade burocratizada e consumista
coações, sem esforço, no presente. Trata-se de formar seres na qual abundam personalidades narcisistas . Fre.nt~ a_o indi vi-
comunicativos, criativos, e xpress ivos, empáticos, que interajam dualismo - resultado ele tec no logias de poder d1sc1plmares -
e co muniquem bem . Essas pe rsonalidades fl ex íveis, sens í~e i s, no qual o suje ito tin ha que se fazer a s i mesmo, ser comp~titi vo
po li valentes e "automon itorizadas" - capazes de autocorrigir-se e a mbi cioso e alcançar o sucesso "graças a suas capac rdades
e auto- avali ;' r~se - estão em estreita interdependência com e méritos próprios", o narcisis mo - resultado de tecno logias
um neo liberb smo consumista que tão bem se harmo niza com de psico podcr -- seria próprio de sujeitos voltados sob:etudo
identidades moldáveis e diversifi cadas em um mercado de à conquista e ao cuidado de si próprios, ú bu sca ?a nqueza
trabalho cambiante e flex íve l que precisa de trabalhadores e da pn inte riores. O mundo dos afetos e dos deseJOS parece,
preparados e dispo níveis para funcionar. pois, predominar neste tipo de subjeti vidade fechada, par~ a
Um dos autores que cantam as vantagens deste neo libe- q ual o amor, a amizade, a generos id ade, o trabalho ~e~.-ferto,
ralis mo e destacam o vertigin oso campo de possibilidades que, a confrontação dos desejos com as real idades e as possrbthdades
segundo dizem, exi ste no presente, incluídas as do processo de compreende r e transfo rmar o mundo que nos rodeia parecem
de personalização, escreve : distanc iar-se cada vez mais, pois, como temos tentado mostrar,
a formação destas subjet ividades enclausuradas _está em estre_ita
A apatia (awal) não é um defeito c.Jc sociali?.ação, m ~s uma sociali zação
1lcxívcl e cconômic<l. uma expansão n ece ss~ria para o funciomnnento relação, não apenas com a apli cação de específicas tecno.l ogi~s
J o c:apita llsmo moderno enqu anto sistema ex perimental acelcr~do e de poder, mas também com a psicologização e ped agog~zaçao
si ~t c mático. Fundado na com b inação incessante de possibi lidades. iné~ dos saberes. É como se as in sti tuições escolares que funcro nam
ditas , o capitalis mo encontra na indiferença uma condição ideal para com pedagogias psicológicas se afastassem nas primei ras etapas
sua experimentação que pode cu mpri r-se ass im como um mínimo de
res isrência-'0 de formação da função expl ícita da transmissão de saberes,
como se a paixão pelo conhecimento e a compreensão dos
mundos da natureza e da cul tura se visse m re legados ou quase
30. Cf. Lip,w ctsky. G. lmpérit• do ''fêmrro: n moda e seu dt,stino na., exclu ídos em detrimento de um processo de formação de
.wwit,dtulcs modernas. Sfio Paulo , Compa nhia das Lctr«s. 1989.
103
!02
perso na iidades apenas e ncobe rto mediante refe rê ncias ao lúdi-
não a penas incidiria na vtsiio do mu ndo como também na da
co-tecnolóo
.. . :::>
ico • a• processos d · 1 - d e proble mas, a jogos
• • • • e stmu açao
própria identidade pessoal: na atualidade, quando alguns parecem
na realidade VIrtual" que faze m de muitas destas e~colas
alardear possuir múltiplos eus, a grande maioria dos sujeitos
verdade tros parqw~.s áe al uc in ado e ntretenime nto .
tem trabalho .sufic iente para tratar de manter o que adq uiriram
. , , _C hristophe_r. La~ch , em u rna espécie de tipologia da pc.r- com dificu ld ades e que, em mui tos casos, impl ica uma cons-
scnahd ade narciSi sta - para quem o mundo e os demai s s ão c iência de frag ilidade que ieva a uma busca de ajuda e de
~Irn, ret1ex~ ?.:o eu - - , . apresenta-a corno própria de pessoas tratamento .
e~ cdntadoras ; que man~.J<lm bem suas relações com os de mais,
s ao bnlhantes, ob;;equiOsas e sedutoras, movem- se bem e m A este tempo e espaço subjcti vado.s, psicologiwdos e
" interiores" se oporiam, em nossos dias, espaços e tempos
enco~ tros e~porád ico s e ~uperfic i ais, e vitam o compromisso,
~nse t~m e~ ttrna e reconhectmcnto, teme m o passar do tempo, soe i ais, objeti vos, "ex ter iore~", cada vez ma is regrados e coa-
tivos. Frente ao ternpo e espaço públicos, cuja regulação
-~e~ _t~ntas_tas de ompotêncta ~ s,~ crêem com dire ito a m<lnipular
depe nde dos profissionais da política, da Administração e de
~ explOrai -~ quem <~s rodeia.- E ssa exitosa ·'personalidade''
de no~sos Ci tas esuí ltgada à utopia de um exercíc io de ncder um sem -fi m de peritos, o tempo e o espaço privatizados são
~ada vez menos v i ~ível. mais capilar e microscópico q~e se perceb idos pelos suj eitos como algo pessoal e próprio, ''íntimo",
mcor~~ra e m formas de sociali zação e e m modos de educação um red uto onde expressar-se e e xpressar seu próprio eu su-
espectflcos, e que produz "um corpo próprio", fre nte ao cor- postnmcnte sem reações e interferências.
po-segmento do pode r discipli nar. O narcis ismo constitui cer- Norbcrt Elias, que analisa com grande lucidez, a partir
-~m~ente ._ um paradigma _de _~ubjetividade a qual ape nas p~de m de outra perspecti va, al guns dos processos que tentamos ligar
se a~rox tma r alguns elos Indivíduos existentes que, por pertencer à ~oc iali zação escolar, mostra como. nas sociedades ocidentais,
a dt.:t~rmmados grupos soc iais. podem rentabilizar ao máximo foi -se confe rindo, atra vés de uma lenta apre ndizagem social,
esse cap1 tal relaciona!'' tão e m alta na atualidade. mais valor i'1 "identidade como c u" que ü " iden tidade como
As mudanças que se tê m ope rado nas últimas décadas e nós" . Ex istc, no entan to, para isso, uma d iscord fl ncia entre esse
que. c_o mo es~amo~ ve ndo, inc ide m e m uma percepção e em de sejo constru ído e esti mu lado socialmente de autonomia, c r1a-
uma_ construçao determinada do mu ndo , dos saberes e dos tivicL.tdc e liberaçf10 pessoa l -- que ~ up êíe uma am pla margem
SUJe itos - percepção que coexiste com outras percepções e de escolha a que apenas tem acesso uma minoria - e as
culturas - . 1mpltcam modificações importantes nas formas de possibilidades reais de sati sfazê- lo, já que os modos e âmbitos
~onceb~r e int~riorizar a.s re~ ul ~çõ:s espaço-temporais : te mpos para consegui - lo estão fortemente delimitados e são de difícil
e ~spaços tlextvet.s e adaptavet s as moti vações e desejos do acesso . Daí que fre nte à sensação de auto-realização de uns
~u.Jei;o no ~ res~ntc . Tat s processos nos obrigam a nos perguntar poucos, a maioria manifeste um mal-estar ele viver caracterizado
~e nc~o ~stao _ lt ~a?os ao que se convencionou c ha mar a perda pela apatia, o va:z.io e a c ulpa. E sta sensação de fracasso
do senttdo htston co - o tão propaoado fi m da história _ existencial c ontinuará ex istindo, em sua opinião, enquanto não
~a memór~a hist~rica, a qual suporia ~ ma ruptura com re;açã~ se prod uzir um maior ajuste entre a configuração social das
· perccpçao soc tal do tempo co mo continuum. Esta ruptura necessidades e desejos e as possib il idades soc ialme nte abertas
para canalizá- los. ou seja, enquan to se continue aprofunda ndo
a di visão e separação entre "o exteri or" e " o interior", entre
J L C f. Lnst·h . C'h. A C"u/rura do nar.. isismo. Rio de Ja ne iro. Ti nago. J9SJ.
o público e o pri vado, separação que carrega importantes
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confl itos atualm e nte ex iste ntes , ao mes mo te mpo que serve
para ocultá-los e escamoteá-los . O Hnmo clausus é co rre lativo
de uma soc iedade na qual desapareceram as pai xões políticas,
tem-se ps icologizado e hurocratizaclo as deci sões, prima o nível
de vida sobre a qualidade de vidu, e nfim, o nde não apenas
as c ri anças, como ta mbé m os adultos, se converte ram em seres
" egocêntricos" .~ 2
A c~c ola não é alheia a c ~tes desajustcs nos quais se
forjam a insolidari cdadc. a so lidão e a depe ndência e infanti-
lização d os home ns . São m uitos os que pensam que as insti-
tu ições escobres carecem àe autonomia e se rnovem como um
ba rco a ve ta ~ mercê dos ventos que soprarn . Mas seu pape l
não é tão subordin ado, nem tão secundário como tantas vezes
se pretende. A transmissão de categorias de pensamento na
e sc ola e sua interio íi zaçào são hoje funda mentais para a m a-
nuten ção do status quo. da orde m escolar e da ordem soc ial.
Neste sentido, as aná lises c as d iscussões sobre a organ iza·~ão
das escoias não podem, hoje, evitar os problemas relacio nados
com as categori as. as fo rmas de subjetividade , o estatuto do
sa ber e "ôs mecan is mos de pode r. Em to rn o destas dimen sões
g ira n~'ío apenas a mudança escolar como també m a mu dança
soc ial. As alternativas, portanto, à escola disciplinar e à escola
psicolog izada poderiam servir àe luga r de encontro para os
que. tanto a partir da tw ria como a partir da prática, segue m
comprome tidos na bu sca de novos modos de ed ucação que
promovam uma sociedade mais igual itári a e m a is li vre .

32. Robcrt Cn~tc l tem mostrado t:0!ll luc idez e m vários de seu ~ livros :11 .!
q ue ponto 0 auge da c ultura psicoló g ica. a afanosa b tlsca da liheração ind iv idu al,
s upôc um parê ntcsr.s \las rcl:lçõcs soc 1:l is que serve de p~ra p cito tnmbbn à p rópria
p~ic.:o logiu como insti tui((Jo. C l'. O p.<imnah.ww . Rio de Janei ro. Graal. 1978;
! .<1 sociNé f'·'Ychiarrique m'(lltcé!'. Paris, G rassct. 1979 ; c La gestion des risqt,l:.<.
Paris. Mi nuit, 1981 .

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