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DIREITO MARÍTIMO AUTOR: GODOFREDO MENDES VIANNA

COLABORAÇÃO: MUNIQUE DE SOUZA MENDES

Volume 1

GRADUAÇÃO
2016.2
Sumário
Direito Marítimo

AULA I E II — INTRODUÇÃO AO DIREITO MARÍTIMO: ORIGEM, FONTES E FUNDAMENTOS....................................................... 3

AULA III — REGRAMENTO LEGISLATIVO NACIONAL E INTERNACIONAL; CONVENÇÕES E ORGANIZAÇÕES.................................. 10

AULA IV — EMBARCAÇÃO E SUJEITOS DO DIREITO MARÍTIMO...................................................................................... 25

AULA V — MEIO AMBIENTE E DIREITO MARÍTIMO...................................................................................................... 54

AULA VI — SEGUROS MARÍTIMOS — P&I.............................................................................................................. 103

AULA VII — DIREITO PORTUÁRIO........................................................................................................................ 123

AULA VIII — CAPITANIA OS PORTOS, TRIBUNAL MARÍTIMO E ACIDENTES E FATOS DA NAVEGAÇÃO...................................... 156

AULA IX — CONTRATOS MARÍTIMOS I................................................................................................................... 184

AULA X — CONTRATOS MARÍTIMOS II................................................................................................................... 207

AULA XI — RESPONSABILIDADE CIVIL E CONFLITOS NA SEARA MARÍTIMA..................................................................... 222


Direito Marítimo

AULA I E II — INTRODUÇÃO AO DIREITO MARÍTIMO: ORIGEM,


FONTES E FUNDAMENTOS

1 BREVE HISTÓRICO DO DIREITO MARÍTIMO

As aventuras marítimas sempre foram, desde os primórdios, alvo de gran-


de interesse da humanidade, notadamente quanto às conquistas de novos e
desconhecidos territórios e às suas respectivas riquezas que poderiam ofere-
cer, bem como quanto ao rentável comércio marítimo de mercadorias valio-
sas entre localidades consideravelmente longínquas.
Inicialmente, os empreendimentos relacionados à navegação eram regidos
pelos usos e costumes, consolidados geralmente pelos grandes povos nave-
gadores. Entretanto, com o passar do tempo e intensificação da atividade de
navegação e do comércio marítimo, principalmente em razão da evolução
tecnológica, a qual reduzia continuamente os riscos e perigos dos empreen-
dedores, criava-se a necessidade de criação de normas específicas destinadas à
regulamentação das atividades.
Ao longo dos tempos, surgiram importantes códigos e normas para suprir
a necessidade acima mencionada, os quais fincam o início da constituição
do Direito Marítimo. A definição apresentada por Mircea Mateesco1 é bem
ilustrativa: “é o conjunto de normas jurídicas que regulamentam as relações
nascidas da utilização e exploração do mar, tanto na superfície, quanto na
profundidade”.
No intuito de exemplificar brevemente o histórico das normas positivadas
referentes ao Direito Marítimo, há que se fazer menção a algumas importan-
tes obras, então vejamos:

O Código de Hamurabi (XXIII séc. A.C.), rei da 1ª dinastia da


Babilônia, já estipulava normas sobre responsabilidade do fretador,
abalroação e construção naval, enquanto o Código de Manu (XIII séc.
A.C.), elaborado por hindus, continha normas sobre câmbio maríti-
mo. Cite-se, outrossim, as Leis de Rodes, as quais já abordavam ques-
tões relacionadas à naufrágios, espécies de fretamento, dentre outras, e
exerceram grande influência na Antiguidade, inclusive sobrepondo-se
eventualmente à “leis” de imperadores arbitrários.

Mais adiante, no século X, destaca-se a publicação dos Basílicos pelo Im- 1


MATEESCO, Mircea. Le droit maritime
sovietique face au droit occidental, 1996,
pério Bizantino, os quais tinham parte dedicada especificamente ao Direito p. 154 apud LACERDA, José Candido
Marítimo, o Consulado do Mar, consubstanciado em uma coleção de usos Sampaio de. Curso de direito privado da
navegação. 3. ed. rev. e atual. por Auré-
e costumes, decisões de tribunais e resumo de regras seguidas perante o Tri- lio Pitanga Seixas Filho. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 1984. p.18.

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bunal de Barcelona, os Rolos de Oléron, coleção de sentenças proferidas nas


Ilhas de Oléron que eram enroladas em pergaminhos.
Prosseguindo com o célere desenvolvimento da navegação, a consolidação
dos usos e costumes compilados em diversas obras esparsas apresentava-se
como uma necessidade.
Considerada por muitos como o primeiro Código da Navegação, a França
editava em 1681 a Ordonnace touchant la marine, tendo Portugal adotado as
Ordenanças Francesas em 1769, por meio da Lei da Boa Razão, que determi-
nava a aplicação da legislação e jurisprudência dos países vizinhos nos casos
omissos.
No século XIX, surgiam em quase todos os países da Europa os primeiros
Códigos Comerciais com capítulo próprio dedicado ao Direito Marítimo,
podendo ser divididos em três principais grupos:
i) Países que seguiram as bases das Ordenanças Francesas e do Código
Comercial Francês (Espanha, Portugal, Itália, Brasil, Argentina, México etc.);
ii) Países que seguiram as bases do Código Alemão de 1897 (Suécia, Di-
namarca, Noruega etc.); e
iii) Países que seguiram as bases anglo-saxônicas, onde o Direito Marítimo
não é codificado (Inglaterra — Merchant Shipping Act e Estados Unidos —
Harter Act).
Durante a primeira metade do século XX, com o crescimento do comércio
internacional e do cenário de guerras, notava-se que a regulamentação inter-
na de cada país era insuficiente para evitar conflitos de leis marítimas, sendo
necessária a uniformização das principais regras pelas nações mercantilistas.
A busca pela uniformização e harmonização das normas de direito marí-
timo levou à criação dos organismos internacionais, os quais buscam atingir
o objetivo proposto desenvolvendo convenções internacionais que são adota-
das pelos mais diversos Países.
Ultrapassado este breve relato histórico, abordaremos as atuais fontes do
Direito Marítimo brasileiro.

2 FONTES E FUNDAMENTOS ATUAIS DO DIREITO MARÍTIMO NO BRASIL

O Direito Marítimo brasileiro é um conjunto de normas altamente com-


plexo e de extrema especialidade, sendo regulado pelo direito internacional,
interno, público e privado de diferentes épocas e hierarquias, o que requer
dos operadores do direito grande esforço de interpretação e hermenêutica.
Os dizeres de Francisco Farina2 ilustram bem esse conceito:

Dentro del concepto genérico del Derecho Marítimo, se han estabe- 2


FARINA, Francisco. Derecho Comercial
lecido diversas agrupaciones de materias y normas: El derecho interna- Marítimo. Madrid: Comisariado Espanol
Marítimo, 1948. p. 12.

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cional público marítimo, orientado a la regulación de los conflictos de


soberania entre los diversos Estados con motivo de navegación maríti-
ma; el derecho administrativo marítimo, que abarca las reglas y normas
integradas por la legislación marítima de cada Estado en relación con
sus súbditos respecto a la navegación marítima, y el derecho comercial
marítimo, que compreende todas las relaciones entre particulares con
motivo del comercio marítimo.

Georges Ripert3 leciona que: “O direito marítimo, é em termos gerais, o


conjunto de normas jurídicas relativas à navegação que é realizada sobre o mar”4.
Além das fontes imediatas do Direito Marítimo (leis, tratados, acordos e
convenções internacionais, decretos-lei, decretos, regulamentos, normas ad-
ministrativas etc.), são altamente relevantes as fontes mediatas: costumes,
doutrina, jurisprudência, princípios gerais de direito e regras de hermenêutica.
As normas mais relevantes para a aplicação do direito marítimo no Brasil
são: o Código Comercial Brasileiro (Lei n° 556/1850), parcialmente revo-
gado (Art. 1º ao art. 456) pelo Novo Código Civil, regulamenta em sua
parte II questões acerca de embarcação, propriedade, partes exploradoras da
embarcação, obrigações e deveres dos Comandantes, tripulação, contratos
de fretamento por viagem, conhecimentos marítimos, responsabilidade por
transporte marítimo, créditos privilegiados com hipoteca tácita sobre navio,
avarias marítimas (particular e grossa), abalroação, dentre outros assuntos. 3
RIPERT, Georges. Précis de droit mariti-
me. Paris: Dalloz, 1949. p. 9.
Note-se que a linguagem utilizada no Código Comercial deve ser interpretada 4
Tradução nossa: “Le droit maritime
sempre se levando em consideração a evolução do comércio marítimo, o que oca- est, au sens large, l’ensemble des règles
juridiques relatives à navigation que se
sionou indubitavelmente uma série de mudanças em nomenclaturas e práticas.5 fait sur la mer.”
O Código Civil, em seus artigos 730 a 756, dispõe sobre transporte de 5
“E assim temos que ‘piloto’, no Código
Comercial, é o prático de hoje em dia.”
pessoas e coisas, abordando, dentre outros aspectos, a responsabilidade do ANJOS, J. Haroldo dos. Curso de Direito
transportador e prazo de decadência para reclamação por perda ou avaria, Marítimo. Rio de Janeiro: Renovar,
1992. p. 13.
sendo certo que todas as disposições são aplicáveis ao transporte marítimo de 6
“Art. 21. Compete à autoridade judi-
carga ou passageiros. ciária brasileira processar e julgar as
ações em que:
O Código de Processo Civil de 1973, em seu artigo 1.218, determina I - o réu, qualquer que seja a sua
nacionalidade, estiver domiciliado no
que certos dispositivos do código anterior permaneçam vigentes, dentre eles, Brasil;
alguns relacionados a protestos marítimos, vistoria de mercadorias transpor- II - no Brasil tiver de ser cumprida a
obrigação;
tadas, prazos decadenciais para reclamação de danos e avaria grossa. Tais ma- III - o fundamento seja fato ocorrido
ou ato praticado no Brasil.
térias foram incorporadas pelo novo Código de Processo Civil. Parágrafo único. Para o fim do
disposto no inciso I, considera-se do-
Igualmente, a questão concernente à competência do judiciário brasilei- miciliada no Brasil a pessoa jurídica
ro para apreciar determinadas disputas marítimas, também está prevista no estrangeira que nele tiver agência, filial
ou sucursal.”
Código de Processo Civil 2015 (competência internacional — art. 216 e art. 7
“Art. 24. A ação proposta perante
247). Registre-se que em razão da universalidade do comércio marítimo, uma tribunal estrangeiro não induz litispen-
dência e não obsta a que a autoridade
disputa marítima pode envolver partes de várias nacionalidades, contratos ce- judiciária brasileira conheça da mesma
causa e das que lhe são conexas, res-
lebrados no exterior, cláusulas de eleição de foro pactuadas, bem como fatos salvadas as disposições em contrário
e atos ocorridos em diversos locais. de tratados internacionais e acordos
bilaterais em vigor no Brasil.”

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Direito Marítimo

A Lei n° 2.180/1954 rege o Tribunal Marítimo,8 órgão administrativo res-


ponsável por apreciar e julgar os acidentes e fatos da navegação, apurando res-
ponsabilidades e aplicando sanções pecuniárias, advertências ou suspensões.
O Decreto-Lei n° 116/1967, regulamentado pelo Decreto n° 64.387 de
22/04/1969, dispõe regras sobre faltas e avarias, responsabilidade do trans-
portador marítimo,9 prazo prescricional para ação em face do transporta-
dor,10 dentre outras questões.
A Lei n° 7.203/1984 versa sobre a Assistência e Salvamento de embarcação,
coisa ou bem em perigo no mar, nos portos e nas vias navegáveis interiores.
A Lei n° 7.652/1988 trata de aquisições de embarcações e registro de pro-
priedade marítima.
A Lei n° 8.617/1993 dispõe sobre o mar territorial, a zona contígua, a
zona econômica exclusiva e a plataforma continental brasileira, além de dar
outras providências. Sobre este tema, destaca-se a Convenção das Nações
Unidas sobre o Direito do Mar, assinada em Montego Bay (Jamaica), em
10/12/1982, e promulgada pelo Decreto nº 99.165/1990, que define con-
ceitos de mar territorial, zona contígua, zona econômica exclusiva, alto-mar,
plataforma continental e outros.
A Lei n° 12.815/2013, que dispõe precipuamente sobre a exploração di-
reta e indireta pela União de portos e instalações portuárias e sobre as ativi-
dades desempenhadas pelos operadores portuários, regulamentada pelo De-
creto 8.033/2013, que, além desta lei, regulamenta demais disposições legais
que regulam a exploração dos portos organizados e de instalações portuárias.
A Lei n° 9.537/1997 dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em
águas nacionais, estando regulamentado pelo decreto n° 2.596/1998.
A Lei n° 9.432/1997, regulamentada pelo decreto n° 2.256 de 17/06/1997,
define as modalidades de navegação (cabotagem, longo curso, interior, apoio
marítimo, apoio portuário), bem como disciplina as espécies de afretamento 8
“Art. 1º O Tribunal Marítimo, com ju-
de embarcações, criando ainda o registro especial brasileiro. risdição em todo o território nacional,
órgão, autônomo, auxiliar do Poder
A Lei n° 9.611/1998 disciplina o transporte multimodal, até hoje não Judiciário, vinculado ao Ministério da
Marinha no que se refere ao provi-
efetivamente implantado na prática, tendo em vista que ainda é realizada a mento de pessoal militar e de recursos
emissão de um conhecimento de embarque para cada etapa do transporte. orçamentários para pessoal e material
destinados ao seu funcionamento, tem
A Lei n° 9.605/1998, a Lei n° 9.966/2000 e sua respectiva regulamenta- como atribuições julgar os acidentes e
fatos da navegação marítima, fluvial e
ção por meio do Decreto n° 4.136/2002 lidam com questões de controle, lacustre e as questões relacionadas com
fiscalização, prevenção e sanções relacionadas às atividades lesivas ao meio tal atividade, especificadas nesta Lei.”
9
“Art. 3º A responsabilidade do navio
ambiente, notadamente nestas incluídas o vazamento de óleo ou substâncias ou embarcação transportadora come-
nocivas ao mar por embarcações. ça com o recebimento da mercadoria
a bordo, e cessa com a sua entrega à
Neste particular, vale abordar a definição de reclamação marítima, o que, entidade portuária, ou trapiche muni-
cipal, no porto de destino, ao costado
segundo a Convenção Internacional de Arresto de 1999 (não ratificada pelo do navio.”
Brasil), seria decorrente de um ou mais dos seguintes eventos: 10
“Art. 8º Prescrevem ao fim de um ano,
contado da data do término da descar-
ga do navio transportador, as ações por
falta de conteúdo, diminuição, perdas e
avarias, ou danos à carga.”

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(a) perdas ou danos causados pela operação marítima;


(b) perda de vida ou danos pessoais que ocorram, em terra ou no mar,
diretamente resultantes da operação do navio;
(c) operações de salvamento ou qualquer contrato de salvamento incluin-
do, onde couber, remuneração especial relativa às operações de salvamento de
um navio que, por si ou por sua carga, constitui ameaça ao meio ambiente;
(d) danos ou ameaça de danos causados pelo navio ao meio ambiente, ao
litoral ou a interesses a estes relacionados, medidas tomadas para prevenir,
minimizar ou remover tais danos, compensação por tais danos; custos de
medidas razoáveis para a recomposição do meio ambiente, efetivamente em-
preendidas ou a serem empreendidas; perdas incorridas ou provavelmente a
serem incorridas por terceiros relativamente a tais danos; e danos, custos ou
prejuízos de natureza similar aos identificados neste subitem;
(e) custos ou despesas relativos ao içamento, remoção, recuperação, des-
truição ou como tornar inofensivo um navio naufragado, destroçado, enca-
lhado ou abandonado, incluindo qualquer coisa que esteja ou tenha estado a
bordo de tal navio, e os custos e despesas relativos à preservação de um navio
abandonado e à manutenção de sua tripulação;
(f ) qualquer acordo relativo ao uso ou afretamento do navio, quer parte de
um contrato de afretamento, quer de outra forma acordado;
(g) qualquer acordo relativo ao transporte de bens ou passageiros a bordo
do navio, quer parte de um contrato de afretamento quer de outra forma
acordado;
(h) perda ou dano a ou em relação a bens (incluindo bagagem) transpor-
tados a bordo do navio;
(i) avaria grossa;
(j) reboque;
(k) praticagem;
(l) bens, materiais, suprimentos, combustível, equipamento (incluindo
contêineres) fornecido ou serviços prestados ao navio para sua operação, ges-
tão, preservação ou manutenção;
(m) construção, reconstrução, reparo, conversão ou equipamento do navio;
(n) taxas e encargos portuários, de uso de canais, berços, atracações e de
outras vias aquaviárias;
(o) salários e outras quantias devidas ao Comandante, oficiais e outros tri-
pulantes do navio, relativamente a seus empregos a bordo do navio, incluin-
do custos de repatriamento e contribuições de seguridade social, pagáveis em
benefício dos mesmos;
(p) desembolsos incorridos em benefício do navio ou de seus armadores;
(q) prêmios de seguros (incluindo chamadas de Clubes de P&I) referentes
ao navio, pagáveis por ou em nome do armador ou do afretador a casco nu.

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(r) quaisquer comissões, corretagens ou taxas de agenciamento pagáveis


relativamente ao navio ou por parte do armador ou afretador a casco nu;
(s) qualquer disputa quanto à propriedade ou posse do navio;
(t) qualquer disputa entre coproprietários quanto ao uso ou receita do
navio;
(u) hipoteca ou encargo de igual natureza sobre o navio;
(v) qualquer disputa decorrente de um contrato para a venda do navio.

Há que se registrar ainda a importância das normas expedidas por órgãos


administrativos, como a ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquavi-
ários), a DPC (Diretoria de Portos e Costas), a ANVISA (Agência Nacional
de Vigilância Sanitária), dentre outros.
No que se refere à DPC, existe uma série de normas expedidas pelo refe-
rido órgão denominada NORMAM11 (Normas da Autoridade Marítima),
que regulamenta de forma bem específica variados assuntos relacionados à
segurança da navegação.
De outro lado, incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro, estão re-
levantes convenções internacionais, valendo ressaltar ainda que, apesar de
alguns atos internacionais não terem sido ratificados pelo Brasil, apresentam
grande influência na elaboração de normas e na prática comercial de empre-
sas da área.
Algumas das principais convenções ratificadas pelo Brasil são: Convenção
para Unificação de Certas Regras em Matéria de Abalroamento de 1910 (Bru-
xelas) — promulgada pelo Decreto n° 10.773/1914, Convenção de Direito
Internacional Privado (Código Bustamante) de 1929 sobre a Lei do Pavilhão
nas embarcações — promulgada pelo Decreto n° 18.871/1929, Convenção
Internacional para Unificação de Certas Regras Relativas à Limitação de Res-
ponsabilidade dos Proprietários de Embarcação Marítima de 1924 (Bruxelas)
— promulgada pelo Decreto n° 350/1935, Convenção Internacional para
Unificação de Certas Regras relativas aos privilégios e hipotecas marítimas
— promulgada pelo Decreto n° 351/1935, Convenção Internacional para
Prevenção de Poluição por Navios (MARPOL) — promulgada pelo Decre-
to n° 2.508/1998, Convenção sobre Regulamento Internacional para Evitar
Abalroamento no Mar (RIPEAM) — promulgada pelo Decreto n° 80.068,
de 02/08/1977 e a Convenção Internacional sobre Salvamento Marítimo, de
1989, internalizada pelo Decreto Legislativo n° 263/2009.
Por fim, note-se que diversas disposições da Constituição Federal, do Có-
digo Civil, do Código Penal, da Consolidação das Leis Trabalhistas, Código
de Defesa do Consumidor — quando aplicável ao caso concreto — são di-
retamente aplicáveis no âmbito do Direito Marítimo, uma vez que este se 11
Para saber mais sobre as Normas
da Autoridade Marítima, consultar o
encontra interligado com questões relacionadas ao meio ambiente, à respon- site: <https://www.dpc.mar.mil.br/
normas/normam>. Acesso em: 23 jul.
2016.

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sabilidade civil, obrigações, contratos, seguros, sanções criminais, adminis-


trativas sancionadoras e trabalhistas (acidente de trabalho).
Conclui-se, portanto, que diante da infinidade de normas e temas que
interferem no Direito Marítimo, surgem sempre conflitos acerca de hierar-
quia, especialidade e temporalidade, o que, por via de consequência, gera um
enorme desafio para os militantes na área exercerem aconselhamento jurídico
aos seus clientes e para o Judiciário aplicar o melhor direito à espécie nos
casos concretos.

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AULA III — REGRAMENTO LEGISLATIVO NACIONAL E


INTERNACIONAL; CONVENÇÕES E ORGANIZAÇÕES

3 PRINCIPAIS ORGANISMOS INTERNACIONAIS

No campo do transporte marítimo, a United Nations Conference on Tra-


de and Development — Unctad — ocupa-se dos aspectos econômicos, co-
merciais e legais, enquanto a International Maritime Organization (IMO)
se concentra nos problemas técnicos, ambientais e de segurança no âmbito
marítimo e no portuário.

3.1 Organização Marítima Internacional (IMO)

A Organização Marítima Internacional (International Maritime Orga-


nization — IMO)12 é uma agência especializada da Organização das Nações
Unidas — ONU, que foi criada em Genebra em 1948. Tem como escopo
instituir um sistema de cooperação entre os membros visando à elaboração e
unificação de normas para a segurança da navegação e para o comércio marí-
timo internacional. A IMO tem 169 Estados Membros e 3 Membros Asso-
ciados. O Brasil ratificou a Convenção da IMO de 1948, que foi promulgada
pelo Decreto n° 52.493, de 23.09.1963. A IMO é formada por várias subse-
ções especializadas em determinados assuntos que elaboram constantemente
pesquisas e projetos a serem implantados na comunidade marítima.
Dentre importantes convenções adotadas pela IMO, podemos destacar:
- Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no
Mar, 1974, concluída em Londres, em 1 de Novembro de 1974
(Solas 1974), e promulgada pelo Decreto 92.610, de 02.05.1986.
A SOLAS é a mais importante Convenção que regula matéria de
segurança dos navios mercantes, surgiu em 1914 e foi atualizada
posteriormente ao acidente do navio Titanic;
- Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios,
(International Convention for the Prevention of Pollution from
Ships, 1973) — (MARPOL), posteriormente modificada pelo Pro-
tocolo de 1978, traz normas sobre prevenção da poluição marinha
causada por acidentes de navegação, tendo surgido após o acidente
com o navio Torrey Canyon;
- Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos
Causados por Poluição por Óleo (International Convention on Ci-
vil Liability for Oil Pollution Damage) — (CLC), de 1969, pro- 12
Para saber mais sobre a International
Maritime Organization, consultar o site:
<www.imo.org>.

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mulgada no Brasil pelo Decreto n° 79.437 em 28.03.1977, que


regulou a responsabilidade sobre o derramamento de petróleo.
No quadro abaixo, podemos verificar os atos multilaterais assinados pelo
Brasil no âmbito da Organização Marítima Internacional (IMO), e o respec-
tivo decreto de promulgação:13

Promulgação
Título Data Decreto
Data

Convenção sobre a Organização Marítima Consultiva Inter-
gorvenamental (IMCO) Atualmente Convenção Relativa à 06/03/1948 52.493 23/09/1963
Criação da Organização Marítima Internacional (IMO)
Emendas aos Artigos 17 e 18 da Convenção sobre a Organi-
15/09/1964 64.988 13/08/1969
zação Marítima Consultiva Intergovernamental
Convenção para a Facilitação do Tráfego Marítimo Interna-
09/04/1965 80.672 07/11/1977
cional. (FAL-65)
Emenda ao Artigo 28 da Convenção sobre a Organização
28/09/1965 64.989 13/08/1969
Marítima Consultiva Intergovernamental
Convenção Internacional sobre Linhas de Carga. (LL-66) 05/04/1966 66.103 22/01/1970
Protocolo de Emenda à Convenção para a Unificação de
Certas Regras em Matéria de Assistência e Salvamento Marí- 27/05/1967 87.975 22/12/1982
timos de 1910
Convenção Internacional sobre Medida de Arqueamento de
23/06/1969
Navios, 1969. (TONNAGE-69)
Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em
29/11/1969 79.437 28/03/1977
Danos Causados por Poluição por Óleo, 1969 (CLC-69)
Convenção sobre o Regulamento Internacional para Evitar
20/10/1972 80.068 02/08/1977
Abalroamento no Mar, 1972. (COLREG-72) e (RIPEAM-72)
Emenda ao Artigo VII da Convenção para Facilitação do Trá-
19/11/1973 89.957 12/07/1984
fego Marítimo Internacional, 1965
Emendas aos artigos 10, 16, 17, 18, 20, 28, 31 e 32 da Con-
venção sobre a Organização Marítima Consultiva Intergover- 17/10/1974 82.533 01/11/1978
namental. (IMCO). Resolução A.315

Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Huma-


01/11/1974 87.186 18/05/1982
na no Mar, 1974. (SOLAS-74)

13
Atos Multilaterais Assinados pelo
Brasil no Âmbito da Organização Ma-
rítima Internacional, retirado do site:
<www2.mre.gov.br/dai/imo.htm> .
Acesso em: 19 ago. 2011.

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Direito Marítimo

Emendas à Convenção sobre a Organização Marítima Con-


sultiva Intergovernamental, de 1948. (A. 358 — IX). (Conven-
14/11/1975 87.458 16/08/1982
ção Relativa à Criação da Organização Marítima Internacio-
nal — IMO)
Resolução A.400 — X. Emendas à Convenção da Organiza-
17/11/1977 144 14/06/1991
ção Marítima Consultiva Intergovernamental. (OMCI)
Protocolo de 78 à Convenção Internacional para Salvaguarda
17/02/1978 92.610 02/05/1986
da Vida Humana no Mar, 1974. (SOLAS PROT-78)
Convenção Internacional sobre Normas de Treinamento de
Marítimos, Expedição de Certificados e Serviço de Quarto, 07/07/1978 89.822 20/06/1984
para Marítimos, 1978 (STCW-78)
Convenção Internacional sobre Busca e Salvamento Maríti-
27/04/1979 85 11/04/1991
mos, 1979. (SAR-79)
Emendas aos artigos 17, 18, 20 e 51 da Convenção sobre a
Organização Marítima Consultiva Intergovernamental. (Reso- 15/11/1979 90.385 30/10/1984
lução A.450 — XI)
Decreto
Emenda à Convenção Internacional de Linhas de Carga, de
15/11/1979 Legisla— 28/06/1984
1966. (Resolução A.411 — XI)
tivo 32
Convenção Internacional sobre Salvamento Marítimo 28/04/1989 263 12/06/2009
Emendas ao Código Internacional para a Construção e o
Equipamento de Navios que Transportem Gases Liquefeitos
11/12/1992
a Granel. Convenção SOLAS-74. Código IGC — Resolução
MSC 30 (61)
Decreto
Resolução A. 735(18). Emendas à Convenção Constitutiva da
04/11/1993 Legisla— 16/07/1996
Organização Marítima Internacional — IMO
tivo 69

3.2 Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional

A Comissão das Nações Unidas para o direito do comércio internacio-


nal (United Nations Commission on International Trade Law) — (UNCI-
TRAL), foi estabelecida em 1966, com o objetivo de reduzir ou remover os
entraves ao comércio internacional por meio da harmonização do direito
comercial internacional.
Dentre importantes convenções e protocolos publicados pela Uncitral so-
bre transporte internacional de mercadorias podemos destacar:
- Regras de Hamburgo de 1978 (United Nations Convention on the
Carriage of Goods by Sea — the “Hamburg Rules”), assinada pelo
Brasil em 31.03.1978, mas não foi ratificada;

FGV DIREITO RIO  12


Direito Marítimo

- Unit of Account Provision and Provisions for the Adjustment of the


Limit of Liability in International Transport and Liability Conven-
tions, 1982 (não ratificada pelo Brasil);
- United Nations Convention on the Liability of Operators of Transport
Terminals in International Trade, 1991 (não ratificada pelo Brasil).
- United Nations Convention on Contracts for the International
Sale of Goods — CISG, Vienna 1980 (em vigor no Brasil desde
abril de 2014).

3.3 Instituto para a unificação do direito privado — Unidroit14

O instituto surgiu em 1926 como órgão auxiliar da extinta Liga das Na-
ções. É uma organização intergovernamental independente, sediada em
Roma. Tem como objetivo a harmonização e coordenação do direito privado.
O Brasil tornou-se um membro em 18 de junho de 1940.
Dentre importantes convenções e protocolos publicados pela Unidroit,
podemos destacar:
- Convenção Internacional relativa ao contrato de viagem (Bruxelas,
1970);
- Convention on Agency in the International Sale of Goods (Gene-
bra, 1983);
- Convenção sobre contratos de compra e venda de mercadorias (Con-
vention relating to a Uniform Law on the International Sale of Goods).

3.4 Comitê Marítimo Internacional (CMI)15

O Comitê Marítimo Internacional (CMI) é uma organização privada in-


ternacional que visa à uniformização internacional do Direito Marítimo. Foi
fundada em 1897 na Bélgica, e é a organização internacional mais antiga no
campo do direito marítimo. Sua criação foi precedida pela International Law
Association — ILA.
Dentre importantes convenções e protocolos publicados pela CMI, pode-
mos destacar:
- Regras Uniformes para o Conhecimento de Embarque;
- Regras para o Conhecimento de Embarque Eletrônico;
- Regras de Lisboa (Lisbon Rules); 14
Para saber mais sobre a Unidroit, con-
sultar o site: <http://www.unidroit.
- Diretrizes em danos causados por poluição por óleo (Guidelines on org/about-unidroit/overview> Acesso
Oil Pollution Damage); em: 20 jul. 2015.
Para saber mais sobre o Comitê
- Implementação da Convenção Internacional sobre Salvamento
15

Marítimo Internacional, acesse o site:


(Salvage Convention 1989). <www.comitemaritime.org/>. Acesso
em 20 jul. 2015.

FGV DIREITO RIO  13


Direito Marítimo

3.5 Organização Internacional do Trabalho (OIT)

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi fundada em 1919 e


é responsável pela elaboração de diversas convenções sobre os trabalhadores
marítimos, desdobrando sua ação na elaboração de políticas e de programas
internacionais que visam a promover os Direitos Fundamentais do Homem,
na melhoria das condições de vida e de trabalho e no desenvolvimento das
possibilidades de emprego; também atua na elaboração de normas interna-
cionais do trabalho que se destinam a orientar a ação nacional na aplicação
desses princípios; na organização, no âmbito de um vasto programa de co-
operação técnica internacional; na execução de programas de formação, de
ensino, de pesquisa e de publicações que servem de apoio às outras formas de
ação. No Brasil já existem cerca de 26 convenções ratificadas pelo país.

3.6 Baltic Maritime Council (BIMCO)16

A Baltic Maritime Council (BIMCO) é uma associação internacional de


grande prestígio que contém como membros armadores, agentes, brokers e
Clubs P&I. Começou no ano de 1905 em Copenhagen, Dinamarca, e hoje
possui um alcance global. Oferece suporte às questões comerciais, modelos
de contratos padronizados por meio da experiência e comunhão de diversos
interesses do mercado do comércio marítimo e decisões de tribunais, infor-
mações sobre o mercado, dentre outras ferramentas.

3.7 Outros institutos e sociedades classificadoras

O Institut du Droit International dês Transports (IDIT) é uma importan- 16


Para saber mais sobre a Baltic Mari-
te sociedade internacional privada, a qual visa, sobretudo, analisar questões time Council, consultar o site: <www.
bimco.org/>. Acesso em: 20 jul. 2015.
jurídicas, econômicas e técnicas relativas aos transportes nos âmbitos nacio- 17
“Há, no mundo, diversas empresas
nal e internacional. que realizam o serviço de vistoria e
classificação de navios, bem como
Têm-se ainda as Sociedades Classificadoras, as quais são pessoas jurídicas outros tipos de vistoria e classificação,
de direito privado com a função de verificar, por meio de perícias e inspeções, como contêineres, mercadoria, etc.
Elas costumam classificar os navios em
se as embarcações possuem condições ideais de navegabilidade, estanqueida- primeira classe, segunda classe, etc.
Algumas das principais classificadoras
de e robustez, para fins de transporte e consequentemente de seguro. de navios, entre as muitas existentes,
são as seguintes: American Bureau
Referidas sociedades emitem certificados de classificação caso os requisitos of Shipping – New York; Bureau Veri-
estejam atendidos pelas embarcações, sendo que aqueles, via de regra, são tas – Paris; Det Norske Ventas – Oslo;
Germanisher Lloyd – Berlim; Lloyd’s
indispensáveis para a operação de qualquer embarcação em todos os portos Register of Shipping – Londres; Nippon
Kaiji Kyokaí – Tóquio; Polish Register of
do mundo.17 Shipping – Varsóvia; Registro Italiano
Dentre as várias convenções publicadas pelos institutos acima, destacamos – Roma.” KEEDI, Samir; MENDONÇA,
Paulo C. C. Transportes e Seguros no Co-
as seguintes abaixo. mércio Exterior. São Paulo: Aduaneiras,
2000. p.86.

FGV DIREITO RIO  14


Direito Marítimo

4 REGRAS DE YORK-ANTUÉRPIA18

As regras de York-Antuérpia foram criadas no ano de 1864 na cidade de


York, e revisadas em 1877, em Antuérpia, passando a vigorar com o nome
de York-Antuérpia. Essas regras constituem um direito uniforme e são utili-
zadas no comércio internacional para regulação de avaria comum no direito
marítimo. Já sofreram várias revisões, sendo que a última foi a versão 2016,
aprovada no âmbito do Comitê Marítimo Internacional, que podem ser in-
corporadas aos contratos de transporte marítimo e de políticas de seguros.

5 REGRAS DE HAIA19 E REGRAS DE HAIA-VISBY20

A Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras de Direito


Concernentes aos Conhecimentos Marítimos, mais conhecida como Regras
de Haia, de 25.08.1924, que foi alterada pelo Protocolo que emenda a con-
venção internacional, denominado Regras de Haia-Visby, de 23.02.1968, e
o último Protocolo de dezembro de 1979. Essas Regras são conhecidas como
Regras de Haia e Regras de Haia-Visby, aprovadas na Convenção de Bruxe-
las.21
As Regras de Haia22 representaram a primeira tentativa por parte da co-
munidade internacional para encontrar um meio viável e uniforme de lidar
com o problema dos armadores que regularmente excluíam-se da responsabi-
lidade por todas as perdas ou danos à carga. Essa convenção foi ratificada por
muitos Países transportadores e incorporada no direito interno desses Países.
As Regras de Haia impuseram obrigações mínimas aos transportadores,
tais como o dever de diligenciar (due diligence) antes e no início de cada via-
18
O texto completo da revisão de 2004
gem, bem como em relação às condições de navegabilidade (seaworthiness) das Regras de York e Antuérpia pode
da embarcação, dentre outras. Em contrapartida, as Regras de Haia privile- ser encontrado em: <http://www.
comitemaritime.org/Uploads/YAR%20
giam os interesses dos transportadores marítimos, impondo um regime legal 2004%20english.doc>. Acesso em: 20
jul. 2015.
suave ao isentar o transportador de culpa, por dezessete causas, quais sejam: 19
Regras de Haia ou Convenção de Bru-
falta náutica; incêndio; perigos do mar; atos de guerra; culpa do embarcador; xelas em <www.admiraltylawguide.
com/conven/haguerules1924.html>.
greves; desvios de rota para salvamento; vício próprio da mercadoria; emba- Acesso em: 20 jul. 2015.
lagem inadequada e outras que não decorram de culpa do transportador ou 20
Regras de Haia-Visby em <www.
admiraltylawguide.com/conven/
seus agentes. visbyrules1968.html>. Acesso em: 20
As Regras de Haia sofreram alterações com o Protocolo de 1968, passando jul. 2015.

a Regras de Haia-Visby e pelo Protocolo DES de 1979, que incorporou os 21


SANDRI, Luciana Aboudib. Regime
jurídico aplicável aos corredores intero-
Direitos Especiais de Saque (DES do FMI) para calcular os limites das inde- ceânicos. Dissertação de Mestrado em
Direito das Relações Econômicas In-
nizações que seriam efetuadas pelo transportador marítimo. ternacionais, PUC/SP, São Paulo, 2002.
Nas Regras de Haia-Visby foram majoradas substancialmente os limites p.173.
22
Países signatários das Regras de Haia
de indenização do transportador e o método de cálculo de limitação por em <http://www.comitemaritime.
unidade transportada, criando hipótese de quebra da limitação em algumas org/Uploads/pdf/CMI-SRMC.pdf>.
Acesso em: 20 jul. 2015.

FGV DIREITO RIO  15


Direito Marítimo

situações. No entanto, as Regras de Haia-Visby mantiveram as mesmas ex-


cludentes de responsabilidade das Regras de Haia, o que a fez também extre-
mamente interessante aos países com significante frota mercante.
As Regras de Haia e as Regras de Haia-Visby formam a base da legislação
nacional em quase todas as grandes nações do comércio marítimo, com as
maiores frotas mercantes. O Brasil não é signatário das Regras de Haia e das
Regras de Haia-Visby.

6 REGRAS DE HAMBURGO23

As Regras de Hamburgo, de 31.03.1978, entraram em vigor em


01.11.1992. O Brasil é signatário dessa convenção, mas não a ratificou até o
presente momento. Nenhuma das nações tradicionalmente marítimas ratifi-
cou essa convenção, pois a maioria submete-se às Regras de Haia e às Regras
de Haia-Visby.24,25
Essas regras surgiram devido ao pleito dos países exportadores e em desen-
volvimento, no âmbito da ONU, para opor-se às Regras de Haia e às Regras
de Haia-Visby, que privilegiam os transportadores e armadores.
As Regras de Hamburgo incluíram o conceito da culpa presumida do
transportador, além de uma indenização por atraso na entrega das mercado-
rias.
Assim, as Regras de Hamburgo tem uma aplicação bem restrita.

7 REGRAS DE ROTERDÃ26

Trata-se da mais recente convenção criada sobre o transporte marítimo


internacional de mercadorias. Tal convenção, desde logo intitulada como Re-
gras de Roterdã, está disponível para assinaturas pelos Estados-Parte desde 23 23
Texto das “Regras de Hamburgo”, Uni-
de setembro de 2009, na Cidade de Roterdã, na Holanda. ted Nations Convention on the Carriage
of Goods by Sea, em <http://www.un-
Conforme expressamente referido em seu preâmbulo, as Regras de Ro- citral.org/pdf/english/texts/transport/
hamburg/hamburg_rules_e.pdf>.
terdã tem por objetivo atualizar as disposições das Regras de Haia (1924), Acesso em: 21 jul. 2015.
Regras de Haia-Visby (1968) e Regras de Hamburgo (1978), incorporando 24
SANDRI, Luciana Aboudib. Regime
os novos conceitos, práticas e costumes do comércio marítimo internacional jurídico aplicável aos corredores interoce-
ânicos. Dissertação de Mestrado em Di-
“globalizado” e integrado com outros modais, os quais nos últimos trinta reito das Relações Econômicas Interna-
cionais, PUC/SP, São Paulo, 2002, p.173.
anos sofreram forte influência e modificação com as inovações tecnológicas 25
Países signatários das “Regras de
introduzidas nas atividades mercantis, seja em relação à acelerada moder- Hamburgo” em: <http://www.unci-
tral.org/uncitral/en/uncitral_texts/
nização das embarcações, seja por força do avassalador impulso dos meios transport_goods/Hamburg_status.
eletrônicos de comunicação utilizados nas transações mercantis e na emissão html>. Acesso em: 21 jul. 2015.
Regras de Roterdã em: <http://
de documentos fiscais e de transporte, cobrindo ainda a circulação mundial
26

www.rotterdamrules.com/sites/de-
de mercadorias. fault/files/pdf/convention.pdf>. Aces-
so em: 21 jun. 2016.

FGV DIREITO RIO  16


Direito Marítimo

O texto da convenção foi discutido, exaustivamente, por mais de 12 anos


pela UNCITRAL (United Nations Commission on International Trade
Law) e contou com a participação ativa de representantes de algumas nações
de grande influência, como Estados Unidos, Reino Unido, França, Alema-
nha, Japão, China, Índia, Rússia e Brasil.
Até o presente momento, a referida Convenção já conta com 21 países
signatários, os quais juntos representam mais de 25% do comércio marítimo
global, de acordo com dados estatísticos da ONU em 2008. Os países sig-
natários até o mês de junho de 2016 são os seguintes: Alemanha, Argentina,
Armênia, Austrália, Áustria, Bélgica, Benim, Brazil, Burquina Faso, Cama-
rões, Chade, Chile, China, Chipre, Colômbia, Costa Rica, Costa do Mar-
fim, Cuba, Dinamarca, El Salvador, Equador, Eslovênia, Espanha, Estados
Unidos, Filipinas, França, Gabão, Gana, Grécia, Guiné-Bissau, Holanda,
Hungria, Indonesia, Israel, Itália, Japão, Kuwait, Luxemburgo, Madagascar,
Mali, Mongólia, Namíbia, Niger, Nigéria, Nova Zelândia, Noruega, Paquis-
tão, Panamá, Paraguai, Peru, Polônia, Quênia, Quirguistão, Reino Unido,
República Checa, República do Congo, República Democrática do Congo,
República da Coreia, República do Irã, Senegal, Síria, Suécia, Suíça e Tanzâ-
nia, Togo, Tunísia, Uruguai.27 No entanto, as Regras de Roterdã só passarão
a ter eficácia após um ano e um mês da data da 20ª ratificação pelos países
signatários.28

8 CONVENÇÕES INTERNACIONAIS NO ÂMBITO DO COMITÊ MARÍTIMO


INTERNACIONAL (CMI)29

- International convention for the unification of certain rules of law


relating to Collision between vessels and protocol of signature Brus-
sels, 23 de setembro de 1910. Entrou em vigor em: 01 de março de
1913. O Brasil ratificou.
- International convention for the unification of certain rules relating
to the Limitation of the liability of owners of sea-going vessels and
protocol of signature Brussels, 25 de agosto de 1924. Entrou em
vigor em 02 de junho de 1931. O Brasil ratificou.
- International convention for the unification of certain rules of law Status das ratificações das Re-
27

gras de Roterdã em <https://tre-


relating to Bills of lading and protocol of signature “Hague Rules aties.un.org/Pages/ViewDetails.
aspx?src=TREATY&mtdsg_no=XI-D-
1924” Brussels, 25 de agosto de 1924. Entrou em vigor em 02 de -8&chapter=11&lang=en#EndDec>.
Acesso em 20.jul.2015
junho de 1931. O Brasil não ratificou.
28
Artigo 94, I das Regras de Roterdã.
- Protocol to amend the International Convention for the unifica- 29
Comite Maritime International. Status
tion of certain rules of law relating to bills of lading, Brussells, 25 das ratificações das convenções marí-
timas internacionais de Bruxelas em:
de agosto, 1924. Visby Rules Brussels, 23 de fevereiro de 1968. <http://www.comitemaritime.org/
Entrou em vigor em 23 de junho de 1977. O Brasil não ratificou. Uploads/pdf/CMI-SRMC.pdf>. Acesso
em: 20 jul. 2015.

FGV DIREITO RIO  17


Direito Marítimo

- Protocol to amend the International Convention for the unifica-


tion of certain rules relating to bills of lading as modified by the
Amending Protocol of 23rd February 1968. SDR Protocol Brussels,
21 dezembro, 1979. Entrou em vigor 14 de fevereiro de 1984. O
Brasil não ratificou.
- International convention for the unification of certain rules relating
to Maritime liens and mortgages and protocol of signature Brussels,
10 de abril de 1926. Entrou em vigor no dia 02 de junho de 1931.
O Brasil ratificou.

CASO GERADOR

O navio Fast Dubay de propriedade da British Navigation Company (em-


presa inglesa) e registrado sob a bandeira do Panamá, foi afretado por tempo
(time charter de 12 meses sujeito à lei inglesa e Alta Corte de Londres) em
dezembro de 2007 a empresa italiana IT Shipping Company, especializada
em transporte marítimo de granéis sólidos, a qual foi contratada pela em-
presa chinesa Daruma Steel Corporative para transportar 87.500 toneladas
de minério de ferro do Porto de Xangai na China até o Porto de Paranaguá/
PR. Referida carga era objeto de contrato internacional de compra e venda
celebrado entre a Daruma e uma empresa brasileira de siderurgia.
Em que pese à conclusão da operação de carregamento no Porto de Xangai
haver transcorrido normalmente, o navio Fast Dubay, em razão de descum-
primento de determinadas exigências das Autoridades Marítimas Chinesas,
já iniciou a expedição marítima com destino ao Porto de Paranaguá/PR em
lapso temporal considerável após o programado.
Em 08 de março de 2008, após adentrar em águas jurisdicionais brasi-
leiras, o Fast Dubay encontrava-se posicionado no fundeadouro do Porto
de Paranaguá, já com Prático a bordo, rebocadores com cabos passados e
iniciando manobra de atracação, quando se abateu grande tempestade no
local, com ondas consideráveis e fortes ventos (grau 8 da escala Beaufort).
Não obstante, a insistência do Comandante do Fast Dubay — preposto da
British Navigation Company — em abortar a manobra e aguardar melhores
condições meteorológicas, a empresa IT Shipping, responsável pela gestão
comercial do navio e sofrendo pressões da empresa Daruma em virtude de
prazos contratuais acordados com a empresa brasileira de siderurgia, emitiu
instruções no sentido de que a atracação fosse realizada imediatamente, o que
foi prontamente acatado.
No decorrer da manobra de atracação, por orientações equivocadas do
prático e sempre levando em consideração as condições de tempo adversas,
um dos 4 (quatro) rebocadores auxiliares abalroou o navio Fast Dubay, o

FGV DIREITO RIO  18


Direito Marítimo

qual, por sua vez, perdeu o controle de navegabilidade e ganhou seguimento,


tendo posteriormente saído do canal de navegação e encalhado por sua bo-
reste em local de profundidade menor que seu calado.
Em razão do abalroamento e posterior encalhe, o Fast Dubay sofreu ava-
rias severas em seu casco, as quais geraram perda total da carga e vazamento
de óleo combustível de seus tanques, bem como houve o naufrágio do rebo-
cador e tripulantes arremessados ao mar, cujos corpos sequer foram encon-
trados.
Note-se que em virtude do acidente se fez necessária em caráter de urgên-
cia a contratação de empresas (i) de tecnologia ambiental para monitoramen-
to, contenção e limpeza de poluição, (ii) de salvamento para desencalhar a
embarcação, (iii) de rebocagem para docar o navio avariado em estaleiro para
reparos, (iv) de resgate para tentar localizar tripulantes arremessados ao mar.
Diante do acidente acima exposto, quais seriam os danos e/ou prejuízos
eventualmente gerados, as eventuais partes Autoras e Rés e os possíveis lití-
gios judiciais e/ou procedimentos administrativos eventualmente instaura-
dos? Quais seriam as jurisdições e leis que eventualmente se aplicariam a cada
um dos litígios? Quais ramos do direito estariam envolvidos nas discussões
judiciais/administrativas? Quais seriam as discussões acerca de responsabili-
dade pelos danos e/ou prejuízos? Haveria responsabilidade contratual e ex-
tracontratual envolvida? No caso de instauração de litígios no Brasil e na
Inglaterra, teria fundamento a parte que pleiteou a jurisdição inglesa requerer
a suspensão/extinção dos litígios no Brasil?

QUESTÕES DE AUTOMONITORAMENTO

1. Após ler a apostila, você é capaz de resumir o caso gerador, identificando


as partes envolvidas, os problemas atinentes e as possíveis soluções cabíveis?
2. Qual seria a base das normas positivadas do Direito Marítimo?
3. Quais são as fontes do Direito Marítimo?
4. Indique quatro ramos do direito que guardam estreita relação com o
Direito Marítimo e fundamente.
5. Indique três reclamações que poderiam ser caracterizadas como dispu-
tas marítimas.
6. Pense e descreva, mentalmente, alternativas para a solução do caso ge-
rador.

FGV DIREITO RIO  19


Direito Marítimo

REFERÊNCIAS

Bibliográficas

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Jurisprudenciais

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lator: Desembargador Edgard Jorge Lauand. Julgado em 20 de março de 2007.

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Direito Marítimo

BRASIL. Lei n° 7.652, de 03 de fevereiro de 1988.

BRASIL. Lei n° 8.617, de 04 de janeiro de 1993.

BRASIL. Lei n° 9.432, de 08 de janeiro de 1997.

BRASIL. Lei n° 9.537, de 11 de dezembro de 1997.

BRASIL. Lei n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.

BRASIL. Lei n° 9.611, de 19 de fevereiro de 1998.

BRASIL. Lei n° 9.966, de 28 de abril de 2000.

BRASIL. Lei n° 12.815, de 05 de junho de 2013.

FGV DIREITO RIO  24


Direito Marítimo

AULA IV — EMBARCAÇÃO E SUJEITOS DO DIREITO MARÍTIMO

1 NAVIO E EMBARCAÇÃO

O Código Comercial Brasileiro não faz distinção entre as expressões em-


barcação e navio. Entretanto, na esteira do entendimento manifestado por
SIMAS30, embarcação significaria toda a construção destinada a correr sobre
água, enquanto o navio seria “toda construção náutica destinada à navegação
de longo curso, de grande e pequena cabotagem, apropriada ao transporte
marítimo ou fluvial”31 reservada a indústria da navegação.
O autor acima mencionado assim explana o assunto:

De fato, sob essa denominação genérica, correspondente a bâtiment


de mer, dos franceses, vessel dos ingleses, fahrzeng dos alemães, embar-
cacóm dos espanhóis, tratamos de qualquer construção que, flutuando,
sirva para transportar, por água, pessoas ou coisas. O caiaque, o bote,
a canoa, a draga são embarcações, mas não são navios, reservada como
está esta expressão a grandes embarcações destinadas ao transporte de
pessoas ou coisas [...].

No que se refere à embarcação, destaque-se a definição contida no inciso


V do art. 2º da Lei n° 9.537/1997 (LESTA32), verbis:

V — Embarcação — qualquer construção, inclusive as plataformas


flutuantes e, quando rebocadas, as fixas, sujeitas a inscrição na autori-
dade marítima e suscetível de se locomover na água, por meios próprios
ou não, transportando pessoas ou cargas.

Assim, é correto afirmar que o navio é uma espécie cujo gênero é a em-
barcação.

30
SIMAS, Hugo. Compêndio de direito
marítimo brasileiro. São Paulo: Saraiva
1.1 Natureza jurídica & Cia Editores, 1938, p. 48.
31
Art. 3º do Decreto n° 15.788/22.

Nos termos do artigo 82 do Código Civil Brasileiro e com respaldo na


33 32
Lei de Segurança do Tráfego Aqua-
viário.
definição de navio abordada acima, entende-se que o mesmo estaria inserido 33
“Art. 82. São móveis os bens suscetí-
no conceito de bens móveis34. veis de movimento próprio ou de remo-
ção por força alheia, sem alteração da
José Candido Sampaio de Lacerda assim discorre sobre a natureza jurídica substância ou da destinação econômica
do navio, verbis: social.”
34
“[...] os navios, por força do art. 82
do Código Civil/1916, são considerados
bens móveis.” (STJ – Resp no. 792.444/
RJ).

FGV DIREITO RIO  25


Direito Marítimo

Nos termos da noção dada pelo direito civil para os bens móveis e
atendendo ao conceito de navio supra-indicado, deve o navio figurar en-
tre aqueles bens. E assim tem sido considerado desde o direito romano
até os dias presentes, exceto na época medieval, em que o valor do navio,
crescendo grandiosamente, fez que se o admitisse imóvel, a fim de me-
lhor explicar a necessidade de aumentar o crédito aos senhores feudais35.

Não obstante a classificação do navio como bem móvel, o navio, em deter-


minadas conjunturas, se sujeita a algumas regras relacionadas aos bens imó-
veis. Estes casos específicos se referem (i) à questão da propriedade36, a qual
apenas se comprova através de documento emitido por autoridade de registro
competente, no caso do Brasil a Capitania dos Portos ou Tribunal Marítimo e
não pode ser transferida sem formalidade cartorária37, e (ii) à hipoteca naval38.
Registre-se que as características de navio semelhantes aos bens imóveis
estão especificamente adstritas à previsão legal expressa.

1.2 Características do navio

1.2.1 Individualização do navio

São quatro os elementos que determinam a individualidade do navio,


quais sejam, (i) o seu nome, (ii) a sua classe, (iii) a sua tonelagem e (iv) a sua
arqueação.

35
LACERDA, José Candido Sampaio de.
1.2.1.1 NOME DO NAVIO Curso de direito privado da navegação.
Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1984,
3ª ed. rev. e atual. por Aurélio Pitanga
Obrigatoriamente, todo navio deve ter um nome, que é considerado uma Seixas Filho, p.53.

das principais características no que concerne à individualização de num na- Lei n° 7.652/1988.
36

Art. 478 do CCom – “Ainda que as


vio. Nas embarcações empregadas na navegação de mar aberto, a determina-
37

embarcações sejam reputadas bens


ção do nome deve ser único no país de registro39. móveis, contudo, nas vendas judiciais,
se guardarão as regras que as leis pres-
Outrossim, não é admissível a escolha de um nome obsceno ou ofensivo, crevem para as arrematações dos bens
de raiz; devendo as ditas vendas, além
que cause constrangimentos às pessoas ou instituições40. da afixação dos editais nos lugares
públicos, e particularmente nas praças
do comércio, ser publicadas por três
anúncios insertos, com o intervalo de
8 (oito) dias, nos jornais do lugar, que
1.2.1.2 CLASSE habitualmente publicarem anúncios,
e, não os havendo, nos do lugar mais
vizinho. Nas mesmas vendas, as custas
A classe é estabelecida de acordo com as condições de navegabilidade do judiciais do processo da execução e ar-
rematação preferem a todos os créditos
navio. Importante ressaltar que são as sociedades classificadoras as responsá- privilegiados.”
veis por emitir o certificado de classe, que significa que o navio encontra-se 38
Decreto n° 15.788/22.
dentro dos padrões internacionais de navegabilidade. 39
Item 0221 da NORMAM/DPC 1.
40
Item 0221 da NORMAM/DPC 1 e 2.

FGV DIREITO RIO  26


Direito Marítimo

1.2.1.2.1 SOCIEDADES CLASSIFICADORAS

As Sociedades Classificadoras são reconhecidas como empresas, entidades


ou organismos que atuam no controle, regularização e certificação dos navios
no que concerne à segurança da navegação.
José Candido Sampaio de Lacerda41 muito bem define as Sociedades Clas-
sificadoras, in verbis:

O hábito de classificar as embarcações não é recente. Serve para fa-


cilitar o valor técnico do navio, facilitando assim e melhor garantindo
a realização de contratos que as ele digam respeito. Originou-se na In-
glaterra, com a fundação de uma sociedade especialmente destinada a
esse fim: o “Lloyd’s Register”. [...]
Os navios são, pois, inscritos e classificados conforme o estado em
que se encontram e o grau de confiança que merecem. O instituto
determina as normas a serem observadas na construção de um navio,
fiscaliza essa construção, examina os navios por meio de peritos, con-
trolando a vida deles por meio de agentes, mesmo no estrangeiro, for-
necendo ao navio um certificado de classificação e, permanentemente,
com publicações periódicas, informa acerca de tudo o que a ele diz
respeito, ou dando notícias, nesse sentido, a quem quer que esteja inte-
ressado em conhecer as condições e o valor técnico de um navio.

1.2.1.3 TONELAGEM E ARQUEAÇÃO

A tonelagem refere-se ao tamanho do navio. A Arqueação, por sua vez,


indica o volume do navio.
A determinação da Arqueação é de suma importância para a aplicação de
determinadas normas, como nas matérias que envolvem a classificação do na-
vio, a capacidade para o transporte de passageiros, a aplicação das convenções
internacionais, a incidência de impostos, dentre outros.
Além disso, a Arqueação é levada em consideração para a elaboração de
contratos de afretamento, seguros, dentre outros, que envolvam a utilização
do navio.
Nenhuma embarcação, no Brasil, por força da Normam 01— Capítulo
08 poderá trafegar em mar aberto sem que antes tenha sido previamente ar-
queada, com exceção aos navios de guerra.
A arqueação é dividida em arqueação bruta (AB) e arqueação líquida (AL).
A arqueação bruta leva em consideração o volume de todo o espaço inter-
41
LACERDA, José Candido Sampaio de.
no de uma embarcação, enquanto que a arqueação líquida está relacionada Curso de direito privado da navegação.
aos espaços comerciáveis do navio (carga e/ou passageiros). Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1984, 3ª
ed. rev. e atual. por Aurélio Pitanga Sei-
xas Filho, pp.55-56.

FGV DIREITO RIO  27


Direito Marítimo

1.3 Nacionalidades, registro e Bandeira

A nacionalidade do navio é determinada pelo registro de propriedade na


autoridade competente, o que culmina na habilitação de arvorar o pavilhão
do Estado de registro.
Os registros das embarcações são classificados em nacionais e abertos. Os
registros nacionais são baseados na legislação do Estado de Registro, no in-
tuito de manter o navio atrelado ao país em que foi registrado. Os registros
abertos, por outro lado, caracterizam-se pela não existência de vínculo entre
o estado de registro e o navio.

1.3.1 Navios de Estado ou públicos

Os navios de Estado ou Públicos são os navios de guerra, navio-escola,


navios destinados à fiscalização costeira, entre outros. A Convenção de Bru-
xelas de 1926, que unificou certas regras de Direito Marítimo, entre elas as
relativas à imunidade de jurisdição.

1.3.2 Navios mercantes (ou privados)

São aqueles pertencentes aos entes privados, como, por exemplo, os porta-
-contêineres, os petroleiros, os de transporte de gás, entre outros, integrando
o ramo civil das atividades maritimas.

1.4 Classificação quanto ao tipo de navegação

A Lei nº 9.432/1997 define, nos incisos de seu art. 2º, os tipos de navega-
ção que um navio pode ser classificado. São eles:
VII — Navegação de apoio portuário: a realizada exclusivamente nos
portos e terminais aquaviários, para atendimento a embarcações e instalações
portuárias;
VIII — Navegação de apoio marítimo: a realizada para o apoio logís-
tico a embarcações e instalações em águas territoriais nacionais e na Zona
Econômica, que atuem nas atividades de pesquisas e lavras de minerais e
hidrocarbonetos;
IX — Navegação de cabotagem: a realizada entre portos ou pontos do
território brasileiro, utilizando a via marítima ou esta e as vias navegáveis
interiores;
X — Navegação interior: a realizada em hidrovias interiores, em percurso
nacional ou internacional;

FGV DIREITO RIO  28


Direito Marítimo

XI — Navegação de longo curso: a realizada entre portos brasileiros e


estrangeiros.
XIV — Navegação de travessia: aquela realizada:
a) transversalmente aos cursos dos rios e canais;
b) entre 2 (dois) pontos das margens em lagos, lagoas, baías, angras e en-
seadas;
c) entre ilhas e margens de rios, de lagos, de lagoas, de baías, de angras e
de enseadas, numa extensão inferior a 11 (onze) milhas náuticas;
d) entre 2 (dois) pontos de uma mesma rodovia ou ferrovia interceptada
por corpo de água.

1.5 Proprietário da embarcação

O proprietário da embarcação é o dono da embarcação, aquele que detém


título de sua propriedade. Referido título deverá ser registrado no Tribunal
Marítimo para embarcações com arqueação bruta superior a “cem tonela-
das”, sendo expedida em nome do proprietário a competente provisão de
registro de propriedade marítima ou o título de inscrição, conforme dispõem
os artigos 3º e 5° da Lei n° 7.652/1988, verbis:

Art. 3º. As embarcações brasileiras, exceto as da Marinha de Guer-


ra, serão inscritas na Capitania dos Portos ou órgão subordinado, em
cuja jurisdição for domiciliado o proprietário ou armador ou onde for
operar a embarcação.
Parágrafo único. Será obrigatório o registro da propriedade no Tri-
bunal Marítimo, se a embarcação possuir arqueação bruta superior a
cem toneladas, para qualquer modalidade de navegação.

[...]

Art. 5°. Ao proprietário da embarcação será expedida a Provisão de


Registro da Propriedade Marítima ou Título de inscrição depois de
ultimado o processo de registro ou de inscrição.
Parágrafo único. Presume-se proprietário a pessoa física ou jurídica
em cujo nome estiver registrada ou inscrita a embarcação, conforme o
caso.

Para Embarcações com arqueação bruta inferior a “cem toneladas” não


existe a obrigação de registro de propriedade junto ao Tribunal Marítimo.
Para tanto, necessário se faz a inscrição junto à Capitania dos Portos. O Su-
perior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre a questão. Vejamos:

FGV DIREITO RIO  29


Direito Marítimo

[...] Embarcações com arqueação bruta inferior a cem toneladas não


estão obrigadas a realizar o registro de propriedade, seja no Tribunal
Marítimo, seja no Tabelião de Registro de Contrato Marítimo. Para
essas embarcações, a inscrição junto à Capitania dos Portos, obrigatória
para qualquer tipo ou tamanho de embarcação, é suficiente para com-
provação de propriedade. 42

1.6 Armador

Armador é a pessoa física ou jurídica que arma a embarcação43, colocan-


do-a nas condições de navegabilidade necessárias para seu emprego em sua
finalidade comercial, não devendo ser confundido com o proprietário da em-
barcação.
A definição de armador pode ser encontrada no artigo 2°, III da Lei n°
9.537/1997, verbis:

Art. 2°. Para os efeitos desta Lei, ficam estabelecidos os seguintes


conceitos e definições:

[...]

III — Armador — pessoa física ou jurídica que, em seu nome e


sob sua responsabilidade, apresta a embarcação para fins comerciais,
pondo-a ou não a navegar por sua conta.

José Candido Sampaio de Lacerda assim se pronuncia sobre o conceito:

Denomina-se armador aquela pessoa que arma o navio, isto é, no


sentido jurídico, que providencia o provimento de uma embarcação e
também a explora comercialmente, seja em serviços de transportes, seja
nos serviços de pesca, ou nos de reboque, etc. 44 42
REsp 864409 - Relator Ministro
Luis Felipe Salomão - Órgão Julga-
dor: 4ª Turma – Data do Julgamento:
23/06/2009 – Data da Publicação/
Fonte: DJe 01/07/2009.
1.6.1 Armador—proprietário 43
Armar uma embarcação significa
prover-lhe dos materiais necessários
para seu funcionamento e muitas vezes
Armador-proprietário nada mais é do que a figura do proprietário que significa, ainda, a colocação de toda a
tripulação que irá seguir na expedição
arma e explora comercialmente a embarcação que lhe pertence. marítima.
44
LACERDA, José Candido Sampaio de.
Curso de direito privado da navegação.
Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1984,
3ª ed. rev. e atual. por Aurélio Pitanga
Seixas Filho, p. 69.

FGV DIREITO RIO  30


Direito Marítimo

1.6.2 Armador-locatário

Constata-se a existência de proprietários de navios que, por determinado


motivo, não entendem ser conveniente explorar diretamente a embarcação e
desenvolver atividades econômicas na área marítima.
Dessa forma, esses proprietários simplesmente cedem seus navios, desar-
mados e sem tripulação a terceiros, os quais assumem a posse e controle dos
mesmos visando exercer uma atividade econômica e tendo o encargo de ar-
mar e tripular a embarcação.
Em suma, os proprietários da embarcação abdicam da gestão náutica da
embarcação, bem como da atividade empresarial, deixando essas funções a
cargo do outro contratante, o qual se denomina armador-locatário.

1.7 Operador técnico de navio

Nas palavras de Carla Adriana Comitre Gibertoni,

[...] a figura do Operador Técnico surge quando o armador não


possui estrutura própria para suprir o navio com os itens operacionais
(Tripulação, Material, Reparos, etc.) ou mesmo não tem interesse em
fazê-lo, e contrata empresa especializada nesse ramo [...] que passa a
agir em nome do Armador em troca de uma taxa mensal.45

1.8 Fretador

Fretador é a pessoa que dá o navio em afretamento, figurando como parte


contratada nos contratos de afretamento. Pode ser o proprietário da embar-
cação ou não, mas também pode ser um afretador que subafreta.

1.9 Afretador

Afretador é aquele que toma o navio em afretamento, figurando como


parte contratante nos contratos de afretamento.

1.10 NVOCC

A figura “Non Vessel Operating Common Carrier” é muito utilizada no 45


GIBERTONI, Carla Adriana Comitre. Te-
ramo de transporte marítimo internacional. oria e Prática do Direito Marítimo. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005. p. 122.

FGV DIREITO RIO  31


Direito Marítimo

Samir Keedi e Paulo Mendonça tratam do referido contrato como sendo:

Esta sigla significa Non Vessel Operating Common Carrier (transpor-


tador comum não-proprietário de navio). Trata-se de um armador sem
navio, virtual, e que se propõe a realizar transporte marítimo em navios
de armadores tradicionais constituídos46.

O NVOCC emite seu próprio conhecimento de embarque, entretanto,


utiliza espaço no navio de terceiros, responsabilizando-se integralmente pela
movimentação da carga ponto a ponto perante o contratante do transporte
marítimo.
O escopo da operação do NVOCC é angariar diversas cargas de diferen-
tes embarcadores e consolidá-las em apenas um espaço do navio contratado 46
KEEDI, Samir & MENDONÇA, Paulo
junto ao armador tradicional. C. C. Transportes e Seguros no Comércio
Exterior. São Paulo: Aduaneiras, 2000.
Diferentemente do armador tradicional, o NVOCC se responsabiliza pelo 47
“É possível, contudo, que o transpor-
recebimento do contêiner no Terminal Alfandegado do Porto de destino e te marítimo de mercadorias envolva
mais relações negociais. Normalmen-
pela posterior desconsolidação do mesmo, ou seja, descarrega as mercadorias, te, quando o exportador tem apenas
um pequeno lote de mercadorias a
separando-as e entregando-as aos respectivos Consignatários, mediante a apre- embarcar, ele busca um transportador
sentação do correspondente conhecimento de transporte por este emitido47. NVOCC (non vessel operator common
carrier), que é uma empresa armadora
sem navio, que se propõe a realizar o
transporte de mercadorias unitizando
(reunindo) várias cargas em navios de
armadores tradicionais (com navio).
1.11 Operador portuário Os chamados NVOCC são, portanto,
transportadores marítimos não pro-
prietários de navios que, para realizar
O Operador Portuário é a “pessoa jurídica pré-qualificada para exercer as o transporte de mercadorias, utilizam
espaço em navios de terceiros celebran-
atividades de movimentação de passageiros ou movimentação e armazena- do com estes contratos de fretamento,
gem de mercadorias, destinadas ou provenientes de transporte aquaviário, cuja natureza jurídica (conforme já foi
ressaltado) é de contrato de transporte.
dentro da área do porto organizado”48. O NVOCC, então, ainda que não
disponha de navio para realizar o
A responsabilidade do Operador Portuário é determinada por meio da Lei transporte ao qual foi contratado, re-
cebe do embarcador a mercadoria a ser
nº 12.815/2013 (Lei dos Portos), in verbis: transportada emitindo conhecimento
de embarque (Bill of Lading ou B/L). E
sendo assim, ele assume normalmente
Art. 26. O operador portuário responderá perante: as obrigações inerentes à contratação
responsabilizando-se pela correta
I — a administração do porto pelos danos culposamente causados à execução do transporte contratado.
infraestrutura, às instalações e ao equipamento de que a administração Em seguida, esse NVOCC buscará um
armador com navio para que este rea-
do porto seja titular, que se encontre a seu serviço ou sob sua guarda; lize o efetivo transporte de todas essas
pequenas cargas recebidas das empre-
II — o proprietário ou consignatário da mercadoria pelas perdas e sas exportadoras. Esse transportador,
por sua vez, ao receber as mercadorias
danos que ocorrerem durante as operações que realizar ou em decor- do NVOCC emitirá outro conhecimento
rência delas; de embarque estabelecendo-se dis-
tinta relação negocial. Nesse contexto,
III — o armador pelas avarias ocorridas na embarcação ou na mer- importante verificar que o NVOCC, na
primeira relação negocial, figura como
cadoria dada a transporte; transportador contratado, e, na segun-
IV — o trabalhador portuário pela remuneração dos serviços pres- da, como embarcador contratante.”
(TJRS – AC no. 70020843017 – julg.
tados e respectivos encargos; 29.11.07).
48
Artigo 2°, inciso XIII da Lei nº
12.815/2013.

FGV DIREITO RIO  32


Direito Marítimo

V — o órgão local de gestão de mão de obra do trabalho avulso pelas


contribuições não recolhidas;
VI — os órgãos competentes pelo recolhimento dos tributos inci-
dentes sobre o trabalho portuário avulso; e
VII — a autoridade aduaneira pelas mercadorias sujeitas a controle
aduaneiro, no período em que lhe estejam confiadas ou quando tenha
controle ou uso exclusivo de área onde se encontrem depositadas ou
devam transitar.
Parágrafo único. Compete à administração do porto responder pelas
mercadorias a que se referem os incisos II e VII do caput quando esti-
verem em área por ela controlada e após o seu recebimento, conforme
definido pelo regulamento de exploração do porto.
[...]
Art. 27. As atividades do operador portuário estão sujeitas às nor-
mas estabelecidas pela Antaq.
§ 1o O operador portuário é titular e responsável pela coordenação
das operações portuárias que efetuar.

O Operador Portuário deve ser responsabilizado pelas avarias à carga du-


rante as operações realizadas sob sua tutela, conforme reconhecido pela Juris-
prudência pátria. Vejamos:

DIREITO COMERCIAL. TRANSPORTE MARÍTIMO INTERNA-


CIONAL. RECEBIMENTO PELA AUTORIDADE PORTUÁRIA. TER-
MO DE AVARIA LAVRADO NO DIA DA DESCARGA. VISTORIA A
DESTEMPO. INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DA TRANS-
PORTADORA. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO.
I — Às entidades portuárias, em razão da legislação específica, em
princípio compete a responsabilidade pelos bens descarregados sujeitos
à sua guarda, pelo que a elas cumpre tomar oportunamente as cautelas
previstas em lei.
II — A responsabilidade da transportadora cessa com a entrega da
mercadoria à entidade portuária, salvo se esta se resguarda nos termos
da lei.
III — O termo da avaria não tem o condão de substituir a vistoria
exigida pelo DL nº 116/67.
(STJ, Resp 184572/SP, Min. Sávio F. Teixeira; DJ. 10.05.99)

—X—

FGV DIREITO RIO  33


Direito Marítimo

Responsabilidade Civil — Transporte Internacional de mercadorias


— Via marítima — Carga parcialmente extraviada — Entidades por-
tuárias que recebem a mercadoria sem reservas ou ressalvas — Indeni-
zação devida — Responsabilidade do transportador afastada.
Tratando-se de transporte marítimo, cabe às entidades portuárias a
responsabilidade pelos bens descarregados à sua guarda. (...) Não há,
pois, com fundamentos em extravio de mercadorias pretender respon-
sabilizar o transportador que fez a entrega, sem ressalva ou vistoria, da
entidade portuária.
(Ap. Sum. 644.472-6, j. 31.01. 96, J. Torres Jr. RT 733/237)

1.12 Auxiliares associados à navegação

1.12.1 Agenciamento marítimo

O agente marítimo atua como representante do armador perante determi-


nado porto49, sendo que a natureza jurídica do contrato em tela é de manda-
to, nos termos do Código Civil.
As funções do agente marítimo são divididas em dois grupos:

a) auxiliar na armação, que engloba os serviços prestados ao na-


vio, tais como condução para navios fundeados ao largo; requisição
de práticos, amarradores, atracação, passagens aéreas ou terrestres para
tripulantes que desembarcam, embarque e desembarque de tripulantes,
etc.; e

b) auxiliar no transporte marítimo, que envolve as atividades de


contratação do transporte de carga, bem como sua manipulação; o re-
despacho de mercadorias, ou seja, o despacho de mercadorias em trân-
sito após a descarga do navio naquele porto50.

Uma questão de bastante debate perante nossas Cortes refere-se à legiti- 49


“O agente marítimo é o represen-
midade passiva dos agentes marítimos para responder por atos do transpor- tante do armador durante a estada
do navio no porto, atuando como seu
tador, tendo em vista que constantemente aqueles são acionados em juízo ou mandatário. Nessa condição, pode ser
autuados por autoridades administrativas em razão de suposta dificuldade de responsabilizado por infração sanitária
decorrente de ato próprio. Não respon-
citação e/ou execução de armadores estrangeiros. de, porém, por ato não relacionado com
o objeto de seu mandato, praticado por
Confiram-se, a título ilustrativo, dois acórdãos acolhendo teses divergen- terceiro. Precedentes da 1ª e da 2ª
Turma. (REsp 641.197/PE, Rel. Min. Te-
tes sobre a matéria, verbis: ori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ
4.9.2006.)” (STJ - AgRg no REsp 860149
/ PB – julg. 06.11.07).
Com efeito, o agente marítimo é o representante do armador (pes- 50
GIBERTONI, Carla Adriana Comitre. Te-
soa que, em qualquer porto, toma a seu cargo o equipamento de navio oria e Prática do Direito Marítimo. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005. p. 125.

FGV DIREITO RIO  34


Direito Marítimo

mercante, quer seja o seu proprietário, quer não) durante a estada do


navio no porto, atuando como seu mandatário.

No entanto, embora o agente marítimo possa ser responsabilizado


por ilícitos decorrentes de atos próprios, não responde por ato não re-
lacionado ao objeto de seu mandato.

[...]

Tendo, no entanto, atuado como mero mandatário do armador no


que toca aos desembaraços portuários e outras providências adjacen-
tes, forçoso é concluir que sua responsabilidade se resume aos encargos
efetivamente assumidos, até porque não teve qualquer influência na
escolha da empresa responsável pelas operações de carga e descarga (fls.
135/139).

Desta feita, resta inafastável o reconhecimento da ilegitimidade pas-


siva da apelada, vez que se trata de mero agente marítimo na cidade de
Santos, que atuou como mandatário do armador. Contrariamente ao
afirmado pela apelante, não é a proprietária, armadora ou afretadora,
subafretadora ou locadora da embarcação. Apenas tomou as providên-
cias relativas à entrada, saída e desembaraço do navio no Porto.

[...]

O mandatário age em nome e por conta do mandante e, em sendo


assim, só responderá pessoalmente perante terceiros por atos próprios.
In casu, sua inclusão no pólo passivo da relação processual se deu inde-
vidamente, já que o ato só poderia ser imputado ao armador mandante
ou à empresa responsável pelos serviços de estiva. O que até se poderia
admitir, em tese, é que a apelada recebesse citação em nome do arma-
dor, mas jamais que respondesse por ato ao qual não deu causa51.

—X—

O agente marítimo, na condição de mandatário e único represen-


tante legal no Brasil de transportadora estrangeira, assume, juntamen-
te com esta, a obrigação de transportar a mercadoria, devendo ambos
responder pelo cumprimento do contrato do transporte internacional
celebrado. Com efeito, tendo o agente o direito de receber todas as
quantias devidas ao armador do navio, além do dever de liquidar e
de se responsabilizar por todos os encargos referentes ao navio ou à 51
TJSP – AC no. 1094775-0/9 – Des.
Relator Carlos Nunes – julg. 29.07.08.

FGV DIREITO RIO  35


Direito Marítimo

carga, quando não exista ninguém no porto mais credenciado, é justo


manter-se na qualidade de representante do transportador estrangeiro
face às ações havidas por avaria ou outras consequências, pelas quais
pode ser citado em juízo como mandatário. Legitimidade passiva ad
causam reconhecida52.

Recentemente, a Advocacia Geral da União proferiu a súmula nº 50, de


13 de agosto de 201053, vejamos: “Não se atribui ao agente marítimo a res-
ponsabilidade por infrações sanitárias ou administrativas praticadas no inte-
rior das embarcações”.

1.12.1.1 FUNÇÕES DO AGENTE MARÍTIMO

O agente marítimo possui funções relacionadas à gestão das questões


operacionais do navio (contratação de prático, rebocadores, atracação/desa-
tracação e suprimento), gestão junto aos terminais e operadores portuários
relacionados às operações de carga e descarga, representação do transportador
marítimo perante autoridades portuárias e governamentais, recebimento do
frete, emissão de conhecimentos de embarque, elaboração de manifestos de
carga do navio, e também pode atuar de forma distinta como Agente comer-
cial ou Agente operacional (agente do armador e agente do afretador).

1.12.2 Transitários

A Doutrina define transitários da seguinte forma:

Transitários são mandatários comerciais do embarcador ou do re-


cebedor das mercadorias, e atuam no sentido de executar as operações
anteriores ou posteriores ao transporte marítimo propriamente dito,
que não incumbem ao Comandante do navio ou aos agentes.54

1.12.3 Corretores de navios

São figuras que atuam na intermediação de operações de compra e venda


de navios, bem como nas operações de afretamento. 52
BRASIL. STJ – REsp 404745 / SP;
Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, DJ
José Candido Sampaio de Lacerda assim apresenta sua definição: 06.12.2004.
53
Publicado no Diário Oficial da União
Corretores, de um modo geral, são mediadores que se colocam entre em 17 de agosto de 2010.

duas pessoas para facilitar a conclusão de um negócio jurídico, a ele GIBERTONI, Carla Adriana Comitre. Te-
54

oria e Prática do Direito Marítimo. Rio de


permanecendo estranhos. É instituição antiga e, segundo GOLDSCH- Janeiro: Renovar, 2005. p. 126.

FGV DIREITO RIO  36


Direito Marítimo

MIDT, deriva dos intérpretes que outrora se encarregavam de guiar os


estrangeiros na língua e nos usos locais. Entre estes figuravam os corre-
tores do comércio marítimo, quando, dadas as exigências administrati-
vas e fiscais assaz numerosas nos diversos portos, se tornou impossível
aos capitães estrangeiros, principalmente, redigirem várias declarações
obrigatórias55.

No que se refere à intermediação nos afretamentos de navios, os Corre-


tores não se limitam ao fechamento do negócio, mas também auxiliam no
contato entre as partes contratantes durante a execução do mesmo.

1.12.4 Corretores de Carga

Intermediário que faz a ligação do armador/agente marítimo com o em-


barcador, para reserva de espaço para carga, representando os interesses dos
exportadores e importadores.

1.12.5 Reboque

Atividade desempenhada por embarcação normalmente de pequeno porte


com máquinas de grande potência, no sentido de puxar ou empurrar embar-
cação que se encontra impossibilitada de utilizar sua propulsão própria ou
que não a apresenta.
A operação de reboque mais usual é realizada com cabos de reboque que
são conectados no rebocador e no navio rebocado, por meio dos quais é exer-
cida a força de tração.
O reboque igualmente pode ser realizado através da atividade de empurrar,
sistema que é mais utilizado no transporte fluvial de barcaças sem propulsão.
O rebocador, denominado empurrador, posiciona-se na popa do comboio
formado por barcaças e empurra as embarcações durante a travessia fluvial.
O reboque pode ser utilizado para auxílio em manobras de atracação/de-
satracação em diques, terminais e portos ou para deslocamento de barcaças,
plataformas e outros navios em alto mar ou em hidrovias, sejam para fins de
transporte ou para salvamento de embarcação.
Classificam-se, portanto, os serviços de reboque como:
a) rebocadores para auxílio de manobras, ou reboque-manobra; e
b) rebocadores para reboque propriamente dito de embarcações ou rebo-
que-transporte. 55
LACERDA, José Candido Sampaio de.
Importante destacar que nas operações de atracação, desatracação, amar- Curso de direito privado da navegação.
Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1984,
ração, desamarração, entrada e saída de barras, o Comandante do navio auxi- 3ª ed., rev. e atual. por Aurélio Pitanga
Seixas Filho, p.147.

FGV DIREITO RIO  37


Direito Marítimo

liado por rebocadores sempre permanece responsável e comanda a manobra.


Já nos serviços de reboque-transporte, a responsabilidade e comando da ma-
nobra são do Comandante do rebocador.
Atualmente, existem empresas altamente especializadas na prestação de
serviços de reboque, seja na operação de reboque-manobra, seja na operação
de reboque-transporte.

1.12.6 Praticagem

A praticagem56 é o serviço de assistência prestado por profissional devida-


mente habilitado ao Comandante de navio em manobras nas quais é impres-
cindível expertise e conhecimento específico sobre determinadas condições e
características de determinadas áreas, visando sempre a segurança da navega-
ção.
A Doutrina aborda o assunto com clareza, verbis:

A praticagem consiste na atividade pela qual um profissional devi-


damente habilitado embarca em um navio para prestar apoio ao Co-
mandante durante a navegação em zonas críticas, entradas e saídas de
portos, manobras de atracação e desatracação, fundear ou suspender. É
a navegação que exige de quem dirige perfeito conhecimento, adquiri-
do pela prática, de particularidades locais ou regionais, que dificultam
a livre e segura movimentação das embarcações de trechos da costa, em
barras, em portos, em lagoas e rios.
[...]
O prático é o profissional habilitado que, tendo conhecimento de
posicionamento de rochas e rochedos submersos, bancos de areia, ma-
rés e correntes de maré, e, normalmente autorizado pelo órgão gover-
namental competente, assessora os capitães de navios nos serviços de
praticagem57.

Os deveres do prático estão estabelecidos no item 0218 da NORMAM/


DPC 12, verbis:

Ao Prático, no desempenho das suas funções, compete:


a) Assessorar o Comandante da embarcação na condução das fainas 56
Decreto n° 2.596/1998.
“Art. 1º Os aquaviários constituem os
de praticagem, atendendo com presteza e de forma eficiente as exigên- seguintes grupos:
(omissis)
cias das atividades profissionais; V - 5º Grupo - Práticos: aquaviários
b) Manter-se apto a prestar com segurança os serviços de pratica- não-tripulantes que prestam serviços
de praticagem embarcados;”
gem, em todos os tipos de embarcações, em toda a extensão da ZP, 57
GIBERTONI, Carla Adriana Comitre.
Teoria e Prática do Direito Marítimo. Rio
de Janeiro: Renovar, 2005. p. 133.

FGV DIREITO RIO  38


Direito Marítimo

exceto nos casos de comprovada inexequibilidade de cumprimento pre-


vistos no item 0211, alínea e), caso haja;
c) Transmitir, responder e acusar sinais, com segurança, a outras em-
barcações que trafeguem na ZP ou demandarem ou saírem do porto,
quando necessário;
d) Observar e fazer observar com frequência as profundidades e cor-
rentezas dos rios, canais, barras e portos, principalmente, depois de
fortes ventos, grandes marés e chuvas prolongadas;
e) Comunicar as observações do item anterior, assim como qualquer
outra in-formação de interesse à segurança da navegação ao CP/DL/
AG;
f ) Comunicar ao CP/DL/AG qualquer alteração/irregularidade ob-
servada no balizamento;
g) Na maior brevidade possível, comunicar ao Comandante da em-
barcação e ao CP/DL/AG a existência de condições desfavoráveis ou
insatisfatórias para a realização da manobra e que implique risco eleva-
do à segurança do tráfego aquaviário, à salvaguarda da vida humana ou
à preservação do meio ambiente;
h) Procurar conhecer as particularidades do governo e condições das
embarcações, a fim de prestar com segurança os serviços de praticagem;
i) Manter-se atualizado quanto às alterações de faróis, balizamentos
e outras mudanças possíveis, ocorridos na ZP;
j) Alertar o CP/DL/AG e o Comandante da embarcação, quando
as condições de tempo e mar não permitirem a praticagem com segu-
rança;
l) Cooperar nas atividades de socorro e salvamento marítimo (SAR),
patrulha costeira ou fluvial e de levantamentos hidrográficos na sua ZP,
quando determinado pelo CP/DL/AG;
m) Atender a convocação do CP/DL/AG, para prestar quaisquer
esclarecimentos por ele julgados necessários, ou para integrar fainas de
assistência e salvamento marítimo em conformidade com o previsto na
NORMAM 16;
n) Manter atualizados os seus dados, endereço, telefone, etc junto à
CP/DL/AG da ZP a que pertence;
o) Integrar a Banca Examinadora destinada a realizar exame para
Prático ou Praticante de Prático, quando designado pelo Diretor de
Portos e Costas ou Capitão dos Portos;
p) Executar as atividades do serviço de praticagem, mesmo quando
em divergência com a empresa de navegação ou seu representante legal,
devendo os questionamentos serem debatidos nos foros competentes,
sem qualquer prejuízo para a continuidade do serviço. Divergências
que contenham assuntos técnicos-operacionais referentes a segurança

FGV DIREITO RIO  39


Direito Marítimo

da navegação, salvaguarda da vida humana nas águas e prevenção da


poluição hídrica terão como fórum a Autoridade Marítima;
q) Manter a continuidade dos serviços permanentemente;
r) Cumprir a escala de rodízio estabelecida e/ou ratificada pelo CP/
DL/AG;
s) Cumprir o número mínimo de manobras estabelecido pelo Di-
retor de Portos e Costas ou Capitão dos Portos, para manter-se habi-
litado;
t) Submeter-se aos exames médicos e psicofísicos de rotina, estabe-
lecidos na Seção VIII destas normas;
u) Portar, obrigatoriamente, o colete salva-vidas na faina de trans-
bordo lancha/navio/lancha;
v) Cumprir as Normas da Autoridade Marítima (NORMAM) e
comunicar ao CP/DL/AG sempre que, no desempenho da função de
Prático, observar o seu descumprimento;
x) Manter-se em disponibilidade, na ZP, para atender a qualquer
manobra durante todo o período de Escala. Em caso de necessidade de
afastamento, por motivo de força maior, o Prático deverá ser substitu-
ído na escala e o fato informado ao CP/DL/AG, na primeira oportu-
nidade; e
z) Realizar Curso de Atualização para Práticos (ATPR).

Em conjunto com o Comandante, o prático pode requisitar os rebocado-


res em número e capacidade necessários para uma manobra segura, posicio-
nar os rebocadores de acordo com as suas especificações (capacidade de tração
e dimensões), e planejar a manobra levando em consideração as condições
de mar e tempo, as características do navio, rebocadores e todas as demais
circunstâncias da manobra.
Registre-se que o prático afigura-se, na teoria, como um assistente do Co-
mandante, permanecendo este último no comando da embarcação e respon-
sável pelas manobras.
Matusalém Gonçalves Pimenta discorre sobre o tema, verbis:

[...] o comandante é responsável pelos acidentes e fatos da nave-


gação causados por erro técnico genérico de navegação ou manobra,
ainda que seu navio esteja sendo orientado por um prático, vez que
ele, como gestor náutico e autoridade máxima a bordo, deve dispensar
a assessoria do prático, ao perceber que este compromete a segurança
do navio58.

58
PIMENTA, Matusalém Gonçalves. Res-
ponsabilidade Civil do Prático. Rio de Ja-
neiro: Lúmen Júris: 2007, 1ª ed., p. 135.

FGV DIREITO RIO  40


Direito Marítimo

Nesse sentido, há grande discussão sobre a responsabilidade civil do práti-


co por danos causados durante manobras em que aquele se encontra a bordo
fornecendo instruções específicas e peculiares do local.
Atualmente, a corrente majoritária inclina-se pelo entendimento de que o
prático não poderia ser responsabilizado civilmente, mas apenas administra-
tiva e criminalmente. Na questão administrativa, temos alguns julgados do
Tribunal Marítimo atribuindo culpa concorrente ao prático e ao comandan-
te. Vejamos:

Colisão com cais. Erro de manobra. Imperícia do prático e negligên-


cia do comandante. Condenação.
No dia 22/07/00, cerca de 11h40min, no cais da CADAM, Rio Jarí,
Munguba, PA, ocorreu a colisão do N/M ‘SANKO REJOICE’ com o cais,
com danos materiais, sem vítimas.
O laudo pericial concluiu que o navio empreendia velocidade supe-
rior ao que era necessário para a manobra de atracação por responsabi-
lidade do prático do navio.
O encarregado do inquérito concluiu que de tudo quanto contêm
os presentes autos, conclui-se: 1) Fatores que contribuíram para o aci-
dente da navegação: a) Fator humano: não contribuiu; b) Fator mate-
rial: não contribuiu; c) Fator operacional: contribuiu, o fato de ter sido
feita manobra de aproximação para atracação com velocidade superior
a recomendada pelas boas regras de navegação e com ângulo de apro-
ximação inadequado (fl. 28), não tendo sido levado em consideração o
fato segurança por parte do prático. 2) Que, em consequência, houve
a colisão do navio contra o cais, provocando avarias nos dolfins de nos
um (1) e três (3), inclusive tendo havido a queda n’água da passarela
que liga o dolfim de nº um (1) ao de nº dois (2). O navio não sofreu
avarias e não houve vítimas fatais, agressão ao meio ambiente e tam-
pouco ferido (fl. 26). 3) Considerar possíveis responsáveis diretos pelo
acidente o prático [...] e o [...], comandante do N/M ‘SANKO REJOI-
CE’, por não ter assumido a manobra do navio ao perceber que o prá-
tico estava manobrando perigosamente, conforme preconiza o subitem
d) do item 0225 da NORMAM-12.
De tudo o que consta nos presentes autos, verifica-se que a causa
determinante da colisão foi o erro de manobra cometida pelo prático,
responsável pela atracação, corroborado pela omissão do comandante
que a tudo assistia passivamente, embora confessasse perceber as im-
perfeições praticadas pelo prático.
A C O R D A M os Juízes do Tribunal Marítimo, por unanimidade:
quanto as preliminares e por maioria quanto ao mérito, nos termos do
voto do Exmº Sr. Juiz Relator; a) quanto à natureza e extensão do aci-

FGV DIREITO RIO  41


Direito Marítimo

dente: colisão de N/M com o cais, com danos materiais de monta, sem
vítimas; b) quanto à causa determinante: erro de manobra, excesso de
velocidade na aproximação; c) decisão: julgar procedente a preliminar
apresentada por [...]; e julgar improcedente a preliminar apresentada
pelo Comandante do NM ‘SANKO REJOICE’. [..] Decisão por maio-
ria nos termos do voto do Juiz-Relator: julgar.o acidente da navegação
previsto no art. 14, letra ‘a’, da Lei nº 2.180/54, como decorrente da
imperícia do prático [...] e da negligência do comandante [...], conde-
nando cada um à pena de multa de R$ 1.000,00 (mil reais) e custas
[...]59.

—X—

Encalhe. Erro de navegação. Imperícia dos representados. Conde-


nação.
No dia 23 de março de 2005, cerca de 12h, o N/M ‘COTSWOLD’
encalhou nas proximidades da bóia nº. 28 do canal de acesso ao Ter-
minal Portuário da Ponta da Madeira, em São Luiz, MA, com danos
materiais, sem vítimas.
O laudo pericial concluiu que o fator operacional contribuiu —
erro na escolha do rumo e na avaliação dos abatimentos adequados
para as condições de maré, corrente e ventos reinantes no momento do
acidente.
A causa determinante do acidente da navegação foi um erro de na-
vegação decorrente do inadequado rumo 354º adotado para a saída do
navio do terminal da CVRD.
Conclusão: De tudo o que contém os presentes autos, conclui-se: I)
fatores que contribuíram para o acidente da navegação: a) fator huma-
no não contribuiu; b) fator material não contribuiu; e c) fator opera-
cional — contribuiu — houve erro de navegação por falha na escolha
do rumo e na avaliação dos abatimentos necessários para que o navio
se mantivesse no canal.
Conclui-se, portanto, que o acidente da navegação se deu em de-
corrência de um erro de navegação por falha na escolha do rumo e na
avaliação dos abatimentos necessários para manter o navio no canal.
Que em conseqüência, o N/M ‘COTSWOLD’ encalhou, sofreu
avarias no hélice e atrasou sua viagem, conforme consta às fls. 88 a 92.
O Comandante do N/M ‘COTSWOLD’, o CLC e o Prático são os
possíveis responsáveis diretos pelo acidente da navegação.
A Procuradoria Especial da Marinha — (PEM), em uniformidade
de entendimento com o relatório, ofereceu representação em face do
prático, com fulcro no art. 14, letra “a” (encalhe) da Lei nº. 2.180/54. 59
Processo nº 19.042/00.

FGV DIREITO RIO  42


Direito Marítimo

Na sessão do dia 7 de março de 2006, o Tribunal Marítimo decidiu


pelo retorno dos autos à PEM para que inclua na representação o Co-
mandante do navio pelos mesmos argumentos apresentados contra o
prático, já que o mesmo reconheceu, em seu depoimento, que partici-
pava da manobra, e corroborou todas as decisões do prático e já esteve
naquele porto por diversas vezes, havendo assim fortes indícios da par-
ticipação culposa do mesmo no acidente.
De tudo o que consta nos presentes autos, verifica-se que a causa de-
terminante do encalhe, foi o erro de manobra realizada na desatracação
do navio.
A unanimidade da prova produzida nos autos indicou que o navio
não possuía qualquer deficiência de máquinas ou governo, como tam-
bém todas as ordens indicadas pelo prático foram prontamente atendi-
das pelos rebocadores.
Também restou provado que as condições da batimetria e do po-
sicionamento das bóias eram normais, além de não existir qualquer
anormalidade nas condições ambientais.
O laudo de exame pericial deu conta de apurar que houve por parte
dos responsáveis pela manobra, prático e comandante, erro na escolha
do rumo e na avaliação dos abatimentos recomendados para as condi-
ções reinantes de maré e corrente no momento do acidente.
Assim, deve ser julgado integralmente procedente a representação,
responsabilizando os representados pelo acidente.
Assim, acordam os Juízes do Tribunal Marítimo, por unanimidade:
a) quanto à natureza e extensão do acidente: encalhe de N/M com da-
nos de pequena monta, sem vítimas; b) quanto à causa determinante:
erro de manobra; c) decisão: julgar o acidente da navegação previsto no
art. 14, ‘a’, da Lei nº 2.180/1954, como decorrente da imperícia dos
representados, [...], prático, e [...], comandante, condenando cada um
à pena de multa de R$ 1.000,00 (mil reais) e custas. [...]60.

1.13 Capitão ou comandante

O Capitão61 é a figura que comanda, e é responsável pela embarcação,


carga, tripulantes e todos os indivíduos a bordo, podendo subdividir suas
atribuições sob as seguintes premissas:

(i) Funções de ordem técnica 60


Processo nº 21.644/05.
(ii) Funções de gestão comercial 61
CCom “Art. 497 - O capitão é o coman-
dante da embarcação; toda a tripulação
(iii) Funções de ordem pública lhe está sujeita, e é obrigada a obede-
cer e cumprir as suas ordens em tudo
quanto for relativo ao serviço do navio.”

FGV DIREITO RIO  43


Direito Marítimo

As funções de ordem técnica do Comandante referem-se principalmente


à gestão náutica do navio, consubstanciada na atividade de navegação, bem
como na manutenção das características de estanqueidade e estabilidade, nas
operações de carregamento e estiva, na administração de pessoal e tripulação,
manutenção de casco e máquinas, etc.
Quanto às funções de gestão comercial, destacam-se as obrigações oriun-
das de contratos de afretamento e de transporte, execução de instruções for-
necidas pelo armador ou afretador acerca da programação do navio, represen-
tar o armador comercialmente perante terceiros, responsabilizar-se pela carga
como depositário62 etc.
No que pertine à função de ordem pública, o comandante afigura-se como
maior autoridade a bordo, sendo responsável pelo cumprimento das leis do
pavilhão nacional que o navio arvore, bem como das convenções internacio-
nais. Nessa investidura, o Comandante tem competência para lavrar termos,
instaurar processos, funcionar como notário público, celebrar casamentos,
registrar nascimento e óbito, etc.
As atribuições do Comandante encontram-se previstas expressamente no
item 0401 da NORMAM/DPC 13, dentre as quais se destacam as seguintes,
verbis:
Ao Comandante, compete:

1) cumprir e fazer cumprir, por todos os subordinados, as leis e regu-


lamentos em vigor, mantendo a disciplina na sua embarcação, zelando
pela execução dos deveres dos tripulantes, de todas as categorias e fun-
ções, sob as suas ordens;
2) inspecionar ou fazer inspecionar a embarcação, diariamente, para
verificar as condições de asseio, higiene e segurança;
3) cumprir as disposições previstas nas instruções sobre os meios
de salvamento a bordo; assegurar a ordem e serventia das embarcações
auxiliares de salvamento; tomar todas as precauções para completa se-
gurança da embarcação, quer em viagem, quer no porto;
[...]
6) assumir pessoalmente a direção da embarcação sempre que ne-
cessário como: por ocasião de travessias perigosas, entrada e saída de
portos, atracação e desatracação, fundear ou suspender, entrada e saída
de diques, em temporais, cerração ou outra qualquer manobra da em-
barcação em casos de emergência;
7) supervisionar o carregamento, a descarga, o lastro e deslastro da 62
CCom “Art. 519 - O capitão é conside-
embarcação, de forma eficiente, de acordo com as normas de seguran- rado verdadeiro depositário da carga
e de quaisquer efeitos que receber
ça; a bordo, e como tal está obrigado à
sua guarda, bom acondicionamento
e conservação, e à sua pronta entrega
à vista dos conhecimentos (artigo nºs
586 e 587).”

FGV DIREITO RIO  44


Direito Marítimo

8) dar ciência às autoridades competentes, inclusive ao Armador,


sempre que, justificadamente, tiver que alterar os portos de escala da
embarcação;
[...]
12) responder por quaisquer penalidades impostas à embarcação,
por infração da Legislação em vigor, resultantes de sua imperícia, omis-
são ou culpa, ou de pessoas que lhe sejam subordinadas apontando,
neste caso, o responsável;
[...]
14) cumprir e fazer cumprir o regulamento para evitar abalroamen-
to no mar;
15) socorrer outra embarcação, em todos os casos de sinistro, pres-
tando o máximo auxílio, sem risco sério para sua embarcação, equipa-
gem e passageiros;
[...]
17) empregar a maior diligência para salvar os passageiros e tripulan-
tes, os efeitos da embarcação e carga, papéis e livros de bordo, dinheiro
etc., devendo ser o último a deixá-lo, quando julgar indispensável o seu
abandono em virtude de naufrágio;
18) lavrar, quando em viagem, termos de nascimento e de óbito
ocorridos: arrecadar e inventariar os bens de pessoa que falecer, fazendo
entrega de tudo à autoridade competente;
19) efetuar casamentos, escrever e aprovar testamentos “in extre-
mis”, reconhecer firmas em documentos, nos casos de força maior;
20) ratificar, dentro de 24 horas úteis, depois da entrada da embar-
cação no porto, perante as autoridades competentes, e tendo presente
o “Diário de Navegação”, todos os processos testemunháveis e protes-
tos formados a bordo, tendentes a provar sinistros, avarias, perdas ou
arribadas;
21) dar conhecimento à Capitania do primeiro porto que demande
e a outras embarcações, pelo rádio, ou qualquer outro meio, de todas as
ocorrências concernentes à navegação, como sejam: cascos sossobrados
ou em abandono, baixios, recifes, funcionamento dos faróis e boias,
balizas, derelitos etc.;
22) impor penas disciplinares aos que perturbarem a ordem da em-
barcação, cometerem faltas disciplinares ou deixarem de fazer o serviço
que lhes compete, comunicando às autoridades competentes, na forma
da legislação em vigor;
23) fazer alijar carga por motivo de força maior, e no interesse geral,
ou quando se tratar de volume contendo materiais explosivos e perigo-
sos, embarcados em contravenção à lei e que esteja pondo em risco a
embarcação, tripulantes, etc;

FGV DIREITO RIO  45


Direito Marítimo

[...]
28) instaurar inquérito e demais atos de direito, para o que ocorrer
a bordo;
29) superintender os serviços de abastecimento e reparos, manu-
tenção, docagem e reclassificação da embarcação. Visar às respectivas
faturas, relatórios de serviço e pedidos, assim como todos e quaisquer
outros documentos;
[...]
31) delegar poderes aos Subordinados para distribuição de serviços,
visando ao bom andamento dos trabalhos de bordo;
[...]
35) responder pelo fiel cumprimento das leis, convenções, acordos
nacionais e internacionais, e de todas as demais normas que regem o
Transporte Marítimo, devendo zelar pelo bom nome da Empresa, res-
guardando os interesses da mesma e a boa apresentação da Marinha
Mercante do Brasil, nos portos nacionais e estrangeiros;
[...]
39) implantar e fazer cumprir a bordo um plano de prevenção e
combate a poluição.

Já os deveres do Comandante da embarcação, quando utilizando o serviço


de praticagem, encontram-se elencados no item 0220 da NORMAM/DPC
12, verbis:

a) Informar ao Prático sobre as condições de manobra do navio;


b) Fornecer ao Prático todos os elementos materiais e as informações
necessárias para o desempenho de seu serviço, particularmente o calado
de navegação;
c) Fiscalizar a execução dos serviços de praticagem, comunicando ao
CP/DL/AG, qualquer anormalidade constatada;
d) Dispensar a assessoria do Prático quando convencido que este
esteja orientando a manobra de forma perigosa, solicitando, imedia-
tamente, um substituto, e comunicar ao CP/DL/AG, formalmente,
no prazo máximo de 24 horas após a ocorrência do fato, as razões de
ordem técnica que o levaram a essa decisão;
e) Alojar o Prático, a bordo, com regalias idênticas às dos seus Ofi-
ciais;
f ) Cumprir as regras nacionais e internacionais de segurança, em
especial aquelas que tratam do embarque e desembarque de Práticos; e
g) Não dispensar o Prático antes do ponto de espera de Prático da
respectiva ZP, quando esta for de praticagem obrigatória.

FGV DIREITO RIO  46


Direito Marítimo

Observação: A presença do Prático a bordo não desobriga o Coman-


dante e a equipe do passadiço (tripulação de serviço) de seus deveres e
obrigações para com a segurança do navio, devendo as ações do Prático
serem monitoradas todo o tempo.

Vale ressaltar decisões do Tribunal Marítimo atribuindo responsabilidade


ao Comandante por acidentes, verbis:

“[...] O inquérito deu conta de apurar que a causa determinante do


abalroamento foi a falha do comandante em perceber como os fatores
ambientais desfavoráveis agiriam sobre o seu navio e sua escolha ina-
dequada de ângulo de aproximação e velocidade ao aproximar-se da
plataforma, além de sua imprudência ao insistir em prosseguir com a
manobra a despeito dos óbices que indicavam a necessidade de abortar
a aproximação, aguardando condições favoráveis [...]
Assim, não pode ser acolhida a argumentação da defesa, uma vez
que cabe ao comandante da EAM a decisão final quanto à realização da
operação de transferência [...]
ACORDAM os Juízes do Tribunal Marítimo, por unanimidade: a)
quanto à natureza e extensão do acidente: abalroação de rebocador de
apoio contra plataforma,durante aproximação para transferência de
carga, provocando avarias em ambas as embarcações, sem ocorrência
de vítimas ou de danos ao meio ambiente; b) quanto à causa determi-
nante: falha na manobra de aproximação executada pelo comandante
do rebocador de apoio em condições de vento desfavoráveis; c) decisão:
julgar o acidente da navegação, previsto no art. 14, alínea “a”, da Lei
nº 2.180/54, como decorrente de imprudência, condenando Gilberto
de Souza Nunes à pena de multa de R$ 500,00 (quinhentos reais), de
acordo com o art. 121, inciso VII, § 5º, combinado com o art. 124
e art. 127 e atenuado pelo art. 139, inciso IV, alínea “a”, da Lei nº
2.180/54, com a redação dada pela Lei nº 8.969/91 (...)”
(Tribunal Marítimo — Processo nº 25.318/2010 — Relator Juíz
Sergio Cesar Bokel — Julgado em 14.08.2012)

—X—

“[...] No relatório o encarregado do inquérito concluiu que devido o


canal ser estreito no local onde ocorreu o acidente conforme citado pelo
depoimento do comandante da embarcação “TREVO NORTE” mais
cautela e segurança ao realizar tal manobra naquele local, independente
das circunstâncias do momento, pois de acordo com o item 0401 das

FGV DIREITO RIO  47


Direito Marítimo

Normas da Autoridade Marítima para Aquaviários — NORMAM-13,


o comandante dever assumir pessoalmente a direção da embarcação
sempre que necessário como: por ocasião de travessias
perigosas, entrada e saída de portos, atracação e desatracação, fun-
dear ou suspender, entrada e saída de diques, em temporais, cerração
ou outra qualquer manobra da embarcação em casos de emergência.
Assim sendo é de responsabilidade do comandante redobrar a cautela
em locais conhecidamente perigosos a navegação, no caso do referi-
do acidente o comandante previamente já sabia que o canal por onde
passaria era estreito, desta forma deveria tomar todas as providencias
possíveis para fazer a referida travessia com segurança. Caso o coman-
dante não sinta segurança em sua manobra deverá tomar providencias
no sentido de parar a embarcação fundeando ou reduzindo máquinas a
fim de evitar qualquer tipo de acidente. [...]
Ao contrário, diante de fatores adversos, o condutor representado
deveria resguardar-se assumindo pessoalmente a manobra, como deter-
mina a NORMAM-13, item 0401, agindo com maior cautela e segu-
rança. [...]
A C O R D A M os Juízes do Tribunal Marítimo, por unanimidade:
a) quanto à natureza e extensão do acidente: abalroação entre N/M,
com danos materiais de pequena monta;
b) quanto à causa determinante: erro de manobra; c) decisão: jul-
gar o acidente da navegação, previsto no art. 14, letra “a”, da Lei n º.
2.180/54, como decorrente da imperícia do representado, condenan-
do-o à pena de repreensão e custas.
(Tribunal Marítimo — Processo nº 22.177/2006 — Relator Juíz
Marcelo David Gonçalves — Julgado em 31.07.2008)

1.14 Terminais de cargas e contêineres

Os terminais de cargas e contêineres exercem função preponderante na


logística do transporte marítimo, sendo um local especializado em armazena-
gem e movimentação de carga (notadamente contêineres). Podem ser alfan-
degados ou não.
A Lei 12.815 de 5 de junho de 2013 (Lei dos Portos) encontra-se dividida
em nove capítulos e setenta e seis artigos, e introduziu novos conceitos em
seu artigo 2º, senão vejamos:

“I — porto organizado: bem público construído e aparelhado para


atender a necessidades de navegação, de movimentação de passageiros

FGV DIREITO RIO  48


Direito Marítimo

ou de movimentação e armazenagem de mercadorias, e cujo tráfego e


operações portuárias estejam sob jurisdição de autoridade portuária;
II — área do porto organizado: área delimitada por ato do Poder
Executivo que compreende as instalações portuárias e a infraestrutura
de proteção e de acesso ao porto organizado;
III — instalação portuária: instalação localizada dentro ou fora da
área do porto organizado e utilizada em movimentação de passagei-
ros, em movimentação ou armazenagem de mercadorias, destinadas ou
provenientes de transporte aquaviário;
IV — terminal de uso privado: instalação portuária explorada me-
diante autorização e localizada fora da área do porto organizado;
V — estação de transbordo de cargas: instalação portuária explo-
rada mediante autorização, localizada fora da área do porto organizado
e utilizada exclusivamente para operação de transbordo de mercadorias
em embarcações de navegação interior ou cabotagem;
VI — instalação portuária pública de pequeno porte: instalação
portuária explorada mediante autorização, localizada fora do porto or-
ganizado e utilizada em movimentação de passageiros ou mercadorias
em embarcações de navegação interior;
VII — instalação portuária de turismo: instalação portuária explo-
rada mediante arrendamento ou autorização e utilizada em embarque,
desembarque e trânsito de passageiros, tripulantes e bagagens, e de in-
sumos para o provimento e abastecimento de embarcações de turismo;
VIII — (VETADO):
a) (VETADO);
b) (VETADO); e
c) (VETADO);
IX — concessão: cessão onerosa do porto organizado, com vistas à
administração e à exploração de sua infraestrutura por prazo determi-
nado;
X — delegação: transferência, mediante convênio, da administra-
ção e da exploração do porto organizado para Municípios ou Estados,
ou a consórcio público, nos termos da Lei nº 9.277, de 10 de maio de
1996;
XI — arrendamento: cessão onerosa de área e infraestrutura públi-
cas localizadas dentro do porto organizado, para exploração por prazo
determinado;
XII — autorização: outorga de direito à exploração de instalação
portuária localizada fora da área do porto organizado e formalizada
mediante contrato de adesão; e
XIII — operador portuário: pessoa jurídica pré-qualificada para
exercer as atividades de movimentação de passageiros ou movimen-

FGV DIREITO RIO  49


Direito Marítimo

tação e armazenagem de mercadorias, destinadas ou provenientes de


transporte aquaviário, dentro da área do porto organizado.”

1.14.1 Intermodalidade

É o transporte de mercadorias em duas ou mais modalidades em uma


mesma operação, na qual cada transportador emite seu próprio conhecimen-
to de transporte, responsabilizando-se individualmente pelo serviço prestado
durante o seu respectivo modal, que pode ser rodoviário, ferroviário, maríti-
mo, aéreo, hidroviário ou dutoviário.

1.14.2 Multimodalidade

Vincula o percurso da carga a um único conhecimento de transporte (Co-


nhecimento de Transporte Multimodal — “CTM”) independentemente das
diferentes combinações de meios de transporte, emitido pelo Operador de
Transporte Multimodal (“OTM”), o qual será o único responsável pela inte-
gralidade do serviço prestado.

1.15 Definição legal de operador de transporte multimodal (“OTM”)

A Lei nº 9.611/1998, também conhecida como a Lei de Transporte Mul-


timodal, define que:

Transporte Multimodal de Cargas é aquele que, regido por um úni-


co contrato, utiliza duas ou mais modalidades de transporte, desde a
origem até o destino, e é executado sob a responsabilidade única de um
Operador de Transporte Multimodal (art. 2º).

Por outro lado, o Transporte Multimodal de Cargas compreende, além do


transporte em si, os serviços de coleta, unitização, desunitização, movimenta-
ção, armazenagem e entrega de carga ao destinatário, bem como a realização
dos serviços correlatos que forem contratados entre a origem e o destino, in-
clusive os de consolidação e desconsolidação documental de cargas (art. 3º).

FGV DIREITO RIO  50


Direito Marítimo

CASO GERADOR

A empresa “Montefiore”, com sede no Rio de Janeiro, adquiriu no exterior


diversas peças para produção de geladeiras em sua fábrica no Brasil.
Para o transporte marítimo de suas mercadorias, contratou o N.V.O.C.C.
“Fast Logistics”, que emitiu o Conhecimento de Transporte (HB/L) nº
FLGE0123.
O N.V.O.C.C, por sua vez, contratou o transportador marítimo grego
“Anteros”, que possui linhas regulares para o Brasil, o qual emitiu o seu pró-
prio Conhecimento de Transporte master (MB/L) nº SRN1111, atestando o
recebimento da carga a bordo do seu navio “Eros” em bom estado.
Sendo assim, a aludida mercadoria foi então embarcada no porto de ori-
gem, acondicionada no conteiner nº GLEU5738 viagem 013N, com destino
ao Porto de Itaguaí — RJ.
Sucede que, durante a travessia marítima, o navio “Eros” enfrentou forte
tempestade, resultando em avarias nas mercadorias importadas pela “Mon-
tefiore”.
Tão logo constatadas as avarias na carga, a empresa importadora ajuizou
ação indenizatória no Rio de Janeiro, indicando como parte Ré o Agente
Marítimo no Brasil do transportador grego “Anteros”.
Considerando a situação fática acima:
(i) O agente marítimo é parte legítima para responder a ação de indeni-
zação?
(ii) Quais são as funções do agente marítimo?
(iii) Em caso negativo, quem deveria figurar como parte legítima para
responder a ação? Justifique a sua resposta.
(iv) Quais seriam os possíveis pleitos da empresa “Montefiore”?
(v) Poderia o Operador Portuário do Porto de Itaguaí ser parte legítima
para responder a ação? Em qual situação?

QUESTÕES DE AUTOMONITORAMENTO

1. Após ler a apostila, você é capaz de resumir o caso gerador, identificando


as partes envolvidas, os problemas atinentes e as possíveis soluções cabíveis?
2. Defina armador.
3. Defina NVOCC.
4. Quais são as funções do agente marítimo? O agente marítimo seria par-
te legítima para responder por avaria de carga transportada por seu armador?
5. Qual é a função e importância do prático?
6. Discorra sobre as funções do Comandante.
7. Pense e descreva, mentalmente, alternativas para a solução do caso gerador.

FGV DIREITO RIO  51


Direito Marítimo

REFERÊNCIAS

Bibliográficas

1 Utilizadas

ANJOS, J. Haroldo dos & GOMES, Carlos R. C. Curso de Direito Marítimo.


Rio de Janeiro: Renovar, 1992.

FARINA, Francisco. Derecho Comercial Maritimo. Madrid: Departamento


Editorial del Comisariado Español Marítimo, 1948, 1ª ed.

FERREIRA, W. M. “O Commercio Marítimo e o Navio”. In Revista da Fa-


culdade de Direito de São Paulo. São Paulo, 1930, vol. 36.

GIBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e Prática do Direito Marítimo.


Rio de Janeiro: Renovar, 2005, 2ª ed.

LACERDA, José Candido Sampaio de. Curso de direito privado da navegação.


Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1984, 3ª ed., rev. e atual. por Aurélio Pitanga
Seixas Filho.

MATOS, Azevedo. Princípios de Direito Marítimo. Lisboa: Edições Ática,


1955, 1ª ed.

KEEDI, Samir & MENDONÇA, Paulo C. C. Transportes e Seguros no Co-


mércio Exterior. São Paulo: Aduaneiras, 2000.

KOVATS, L. J. The Law of Tugs and Towage. Londres: Barry Rose (Publi-
shers) Ltd, 1980.

PIMENTA, Matusalém Gonçalves. Responsabilidade Civil do Prático. Rio de


Janeiro: Lúmen Júris, 2007,1ª ed.

SANTOS, Theophilo de Azeredo. Direito da Navegação. Rio de Janeiro: Fo-


rense, 1968, 2ª ed.

SIMAS, Hugo. Compêndio de direito marítimo brasileiro. São Paulo: Saraiva


& Cia Editores, 1938.

FGV DIREITO RIO  52


Direito Marítimo

Jurisprudencial

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 864409. Relator: Ministro


Luis Felipe Salomão Quarta Turma. Julgado em 23 de junho de 2009. In:
DJe, de 01 de julho de 2009.

BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. REsp n. 792444 / RJ — J. 06/09/2007.


In: DJ, 26 de setembro de 2007.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp n. 860149-PB. Julga-


do em 06 de novembro de 2007.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 404745-SP. Relator: Ministro


Jorge Scartezzini. In: DJ, de 06 de dezembro de 2004.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. AC n.


70020843017. Julgado em 29 de novembro de 2007.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. AC n. 1094775-0/9.


Relator: Desembargador Carlos Nunes. Julgado em 29 de julho de 2008.

Legislativa

BRASIL. Código Comercial

BRASIL. Código Civil

BRASIL. Decreto n° 15.788, de 08 de novembro de 1922.

BRASIL. Decreto n° 2.596, de 18 de maio de 1998.

BRASIL. Lei n° 7.652, de 03 de fevereiro de 1988.

BRASIL. Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993.

BRASIL. Lei n° 9.537, de 11 de dezembro de 1997.

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Direito Marítimo

AULA V — MEIO AMBIENTE E DIREITO MARÍTIMO

ROTEIRO DE ESTUDO

A cadeira de meio ambiente marítimo pretende não só tratar das consequ-


ências imediatas da poluição marinha, mas também alçar os pontos nodais ao
tratamento legal das questões ambientais de modo a que sejam compreendi-
dos os princípios e os instrumentos que lastreiam a política ambiental, inicial-
mente como gestora e, só após, como fiscalizadora das condutas poluentes.
Tratar de poluição marinha sob o aspecto jurídico sem conhecer os prin-
cípios e as políticas de meio ambiente, seria como imaginar que para o bom
exercício da advocacia, qualquer um, desde que vestido com um bom terno,
pudesse exercer bem a profissão, mesmo sem conhecê-la. É como imaginar
que apenas o “bom senso” seria suficiente para convencer o Judiciário ou o
órgão fiscalizador. Precisa, antes de tudo, compreender que a visão do Direito
Ambiental não pode ser a mesma daquela do Direito Civil.
Hoje, o bom advogado/gestor, ao tratar de meio ambiente, precisa conhe-
cer todos os elos da cadeia. Desde a viabilização econômica (fontes de finan-
ciamento) do empreendimento, passando pelo projeto, instalação e início da
operação, a gestão ambiental, os incidentes e o descomissionamento. Precisa
também conhecer o “Negócio” e aprender a língua do técnico ambiental, de
modo a facilitar sua tarefa e encurtar o caminho do seu cliente.
Considerando que a prevenção não é somente o mais correto como tam-
bém o mais econômico modo de tratar o meio ambiente, faz-se mister ao
advogado/gestor compreender primeiro os princípios que norteiam a política
ambiental mundial e pátria para melhor orientar: a) o planejamento, b) a
gestão, c) o contingenciamento, d) a mitigação e e) a compensação do dano
ambiental. A multa, indenização ou prisão de seu cliente só poderão ser bem
tratadas pelo conhecedor destes princípios mui especiais e interdisciplinares,
sob pena de ser considerado o advogado um outsider pelo vários julgadores.
Enfim, visa a cadeira estender ao aluno uma visão o mais holística possível
do universo ambiental marítimo, já que inúmeros outros aspectos levam a
imbricações nas questões ambientais.

1 BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS

O desenvolvimento das nações é realizado à custa dos recursos naturais


que, utilizados indevidamente e em larga escala, provocaram a deterioração
do meio ambiente e a crescente escassez destes recursos em determinados
pontos do planeta.

FGV DIREITO RIO  54


Direito Marítimo

Foi em Estocolmo, em 1972, durante a “Conferência das Nações Unidas


sobre o Meio Ambiente Humano”, realizada pela ONU,63 que se chamou
atenção para o problema ambiental de uma forma mais veemente. Isto por-
que as nações ricas e industrializadas começavam a se conscientizar da vasta
degradação ambiental decorrente do avanço econômico e tecnológico.
Seguindo essa tendência de preocupação com o meio ambiente, diversas
organizações começam a se projetar em sua defesa, questionando, insistente-
mente, a sociedade sobre os valores ambientais.
Assim, impulsionada pela necessidade de preservação dos recursos natu-
rais, a sociedade passa, então, a buscar formas alternativas de desenvolvimen-
to, equilibrando o desenvolvimento econômico e social com a utilização dos
recursos naturais, ao que se denomina de desenvolvimento sustentável.
Por oportuno, ressalte-se que a muito importante “Conferência da Terra”
— ECO 92, realizada no Rio de Janeiro, adotou a “Declaração do Rio” e a
“Agenda 21”, estabelecendo o desenvolvimento sustentável como um obje-
tivo a ser buscado por todos os países. Os compromissos firmados através
desses dois documentos foram renovados na reunião de cúpula “Rio+20”
ocorrida em junho de 2012, também conhecida como “Conferência das Na-
ções Unidas para o Desenvolvimento Sustentável”. Em seu documento final,
intitulado “O Futuro que Queremos”64, consta uma parte destinada aos ma-
res e oceanos, destacando-se os artigos 158 —164 e mais em especial o artigo
163, que abaixo destacamos como exemplo;

“163. We note with concern that the health of oceans and mari-
ne biodiversity are negatively affected by marine pollution, including
marine debris, especially plastic, persistent organic pollutants, heavy
metals and nitrogen-based compounds, from a number of marine and
land-based sources, including shipping and land run-off. We commit
to take action to reduce the incidence and impacts of such pollution
on marine ecosystems, including through the effective implementation
of relevant conventions adopted in the framework of the International
Maritime Organization, and the follow-up of relevant initiatives such
as the Global Programme of Action for the Protection of the Marine
Environment from Land-based Activities,42 as well as the adoption of
coordinated strategies to this end. We further commit to take action
to, by 2025, based on collected scientific data, achieve significant re-
ductions in marine debris to prevent harm to the coastal and marine
environment.”

Assim, com a meta de implementação do desenvolvimento sustentável 63


Organização das Nações Unidas.
guiando o avanço das nações, é preciso conscientizar-se de que a harmonia 64
Documento disponível em: <www.
entre o meio ambiente e o desenvolvimento significa considerar um contínuo uncsd2012.org/thefuturewewant.
html>.

FGV DIREITO RIO  55


Direito Marítimo

processo de planejamento, não devendo o meio ambiente ser obstáculo ao


desenvolvimento, e nem o desenvolvimento acarretar no extermínio dos
recursos naturais ainda existentes. Sugere-se, já neste primeiro momen-
to, uma breve reflexão do aluno para a dicotomia acima.
Com efeito, evoluindo para um viés mais próximo de nossa aula, espe-
cificamente no caso do transporte, a Organização para o Desenvolvimento
Econômico e Cooperação (OCDE), organização internacional de 34 países
desenvolvidos que aceitam os princípios da democracia representativa e da
economia de livre mercado, adotou a seguinte definição:

Transporte que não coloque em risco a saúde pública ou ecossistema


e que atenda às necessidades de mobilidades de forma constante com
(a) o uso de recursos renováveis em níveis abaixo de suas taxas de rege-
neração e (b) uso de recursos não renováveis em níveis abaixo do desen-
volvimento de substitutos renováveis. (Os grifos não estão no original)

O transporte de mercadorias, especialmente de óleo e derivados, além de


minerais, carrega o estereótipo de poluidor em potencial, vistas as adversida-
des intrínsecas desse tipo de atividade. Nesse contexto alguns acidentes foram
marcantes por suas consequências. Percebamos, contudo, como no passado
os volumes eram bem maiores sem que houvesse uma comoção pública como
hoje já acontece.

Histórico de alguns dos principais acidentes (apenas em transporte)

• Março de 1975: vazam 5.800 toneladas (quase 6 milhões de litros) de


petróleo de um cargueiro iraniano na Baía de Guanabara, no Rio de
Janeiro.
• Novembro de 1983: 1,5 milhão de litros de óleo vazam do oleoduto
da Rio-Santos no canal de Bertioga e em outras 17 praias.
• Março de 1990: cerca de 4 mil litros de óleo espalham-se por mais de
30 km no mar, em Angra dos Reis (Rio de Janeiro), depois do aciden-
te entre um rebocador e um navio petroleiro.
• Agosto de 1990: mais de 600 mil litros de petróleo vazam de um duto
em São Sebastião, que foi perfurado acidentalmente durante obras de
contenção de encosta da Serra do Mar.
• Janeiro de 2000: vazamento de 1,3 milhão de litros de óleo provocado
por uma falha em um dos dutos da Refinaria Duque de Caxias, da
Petrobras, atinge a Baía de Guanabara (Rio de Janeiro).

FGV DIREITO RIO  56


Direito Marítimo

• Setembro de 2000: vazam 4 mil litros de óleo bruto dos porões do


cargueiro Cantagalo, da Transpetro, que estava atracado no terminal
da baía da Ilha Grande, em Angra dos Reis (Rio de Janeiro).
• 18 de outubro de 2001: o navio petroleiro Norma da frota da Trans-
petro, que carregava nafta, chocou-se em uma pedra na baía de Para-
naguá, litoral paranaense, vazando 392 mil litros do produto e atin-
gindo uma área de 3 mil metros quadrados.
• 20 de março de 2004: cerca de dois mil litros de petróleo vazaram de
um navio desativado, Meganar, pertencente a uma empresa privada,
na Baía de Guanabara, próximo a Niterói, no Rio de Janeiro.
• 15 de novembro de 2004: o navio de bandeira chilena Vicunã, car-
regado com 11 mil toneladas de metanol, explodiu três vezes e afun-
dou totalmente com pelo menos metade da carga em seu interior.
Acredita-se que possam ter vazado entre 3 e 4 milhões de litros de
três tipos de combustíveis, sendo considerado o maior vazamento em
20 anos na Baía de Paranaguá/PR. Além do impacto no ambiente
aquático causado pelas explosões, houve mortes dos tripulantes e de
muitas espécies da fauna marinha. Os pescadores locais foram proibi-
dos de pescar e, por esse motivo, o governo do Estado repassou cerca
de 1,7 milhão às famílias dos pescadores. Cada pescador recebeu um
salário mínimo enquanto a pesca nos locais atingidos esteve proibida.
A mancha de óleo atingiu mais de 30 km e uma equipe de pessoas foi
treinada para auxiliar na limpeza e salvamento de espécies atingidas
pelo óleo. A Cattalini, o P&I, a agência marítima da embarcação e a
Sociedad Naviera Ultragas, proprietária da embarcação, foram multa-
das em R$ 250 mil diários, cada uma, na ocasião.
• 16 de novembro de 2011: o navio plataforma FPSO Cidade de São
Paulo, de propriedade da empresa Modec, ao efetuar a troca de água
de lastro acabou ocasionando o vazamento de 10 mil litros de óleo na
baía de Ilha Grande, em Angra dos Reis/RJ. O INEA aplicou multa
equivalente a R$ 10 milhões.
• 27 de junho de 2012: o navio Mercante Seawind, de bandeira pana-
menha, transportava granito para Itália quando teve de ancorar em
Fortaleza para abastecer o combustível. Em virtude de irregularidades
detectadas pela Capitania dos Portos e por questões relativas à Justiça
do Trabalho, o navio ficou retido no por 11 meses no porto, quando
começou a afundar em 27/06/12. Em consequência, houve um derra-
mamento de 8 mil litros de óleo.
• 05 de abril de 2013: durante o abastecimento de um navio, uma das
válvulas do Terminal TEBAR (Terminal Marítimo Almirante Barro-
so) da TRANSPETRO em São Sebastião/SP apresentou um proble-
ma que ocasionou o vazamento de 3.500 litros de óleo no mar. A

FGV DIREITO RIO  57


Direito Marítimo

empresa foi multada em R$ 10 milhões pela Companhia Ambiental


do Estado de São Paulo (Cetesb).
• 16 de março de 2015: durante a operação ship to ship entre os na-
vios Gothenburg e Buena Suerte, no píer do terminal marítimo da
TRANSPETRO, em Angra dos Reis, ocorreu o derramamento de
560 litros de óleo na Baía da Ilha Grande, dentro da Área de Proteção
Ambiental (APA) Tamoios. O INEA autuou e multou a empresa em
R$ 2,38 milhões pelo vazamento de água de lastro contaminada com
óleo. Cumpre destacar que no cálculo foram levados em conta agra-
vantes como a ocorrência em área protegida, e também atenuantes,
como a operação de contenção e retirada do óleo das imediações do
terminal.
• 26 de julho de 2015: a Autoridade Marítima do Panamá procedeu
à detenção do navio-tanque, de bandeira ‘Sunpower’ do Panamá e
Companhia Grega, que provocou o vazamento de asfalto no Porto
de Huelva, bem como instaurou processo administrativo e obrigou os
responsáveis a depositar garantias suficientes para satisfazer a reinte-
gração ambiental. O incidente ocorreu por uma sequência de falhas
operacionais durante o carregamento da embarcação resultando no
derramamento de mais de 20 toneladas de produto no convés do na-
vio, e a subsequente queda no mar. Cabe esclarecer que o asfalto é
um produto proveniente da destilação do petróleo bruto, mantido a
120ºC, classificado como resíduo perigoso, que se solidifica a tem-
peratura ambiente, assim o material que não se solidificou no convés
se depositou no fundo do terminal e as peças mais leves afloraram a
superfície.

2 DA LEGISLAÇÃO PERTINENTE À POLUIÇÃO MARÍTIMA

No tocante aos aspectos marítimos, a internacionalização das normas é a


regra. Isto se dá por ao menos duas razões: em face das correntes marinhas, há
uma constante movimentação da massa líquida entre perímetros de diversas
nações e também internacionais. Outra razão é necessidade de regular navios
de diferentes bandeiras que transitam em múltiplas águas e diferentes portos.

2.1 O Papel das Organizações Internacionais na Proteção do Meio Ambiente

No espírito de cooperações e intercâmbios internacionais no âmbito do


desenvolvimento sustentável, quando focado o meio ambiente, as Conven-
ções, que são acordos formais concluídos entre sujeitos de direito inter-

FGV DIREITO RIO  58


Direito Marítimo

nacional público e destinados a produzir efeitos jurídicos, assumem papel


de extrema relevância.

2.2 Convenções Internacionais

Com a crescente preocupação de alguns setores com o meio ambiente


a partir da década de 1970, as convenções internacionais tratando sobre o
tema tornaram-se mais frequentes, além de indispensáveis a fim de unificar
o tratamento de determinada matéria/produto/atividade em âmbito global.
Nesse sentido, cabe destacar o papel da IMO65, como autoridade de nor-
malização global para a segurança e desempenho ambiental do transporte
marítimo internacional, em regular o setor de transporte implementando-o
universalmente. Observa-se que o desenvolvimento do transporte sustentá-
vel no setor marítimo é uma das grandes prioridades da IMO nos próximos
anos.
Assim, sem a pretensão de esgotar o tema, a referência a algumas Conven-
ções mostra-se indispensável ao estudo da matéria de modo a dar uma ideia
mais clara do tratamento internacional ao tema, seja pelas matérias tratadas,
seja pela forma como a comunidade internacional o trata.

2.2.1 Montego Bay — CNUDM

A Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar — CNUDM,


celebrada em Montego Bay, na Jamaica, em 1982, é um tratado multilateral
que define determinados conceitos importantes às atividades marítimas, tais
como mar territorial, zona contígua, zona econômica exclusiva e outros, além
de estabelecer princípios de exploração dos recursos naturais do mar.
Foi por meio desta convenção que o Tribunal Internacional do Direito
do Mar foi criado. Esse Tribunal é competente para julgar as controvérsias
relativas à interpretação e à aplicação da convenção.
A Convenção das Nações Unidas foi ratificada pelo Brasil por meio do
Decreto nº 1.530, de 22 de junho de 1995. Não obstante, a questão do mar
territorial brasileiro foi adequada já em 1993, por meio da Lei nº 8.617/1993
que revogou o Decreto — Lei nº 1.098/1970 que até então dispunha sobre
as famosas 200 milhas.
Hoje o Brasil tem pleitos relevantes para que sua plataforma continental
seja considerada bem além das 200 milhas. Foi criado em 1988 o Comitê
LEPLAC — Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira
visando justamente subsidiar o pleito de um novo limite exterior da platafor-
ma. Estudos foram apresentados requerendo um aumento para 350 milhas 65
Ver também: <http://www.imo.org/
Pages/home.aspx>.

FGV DIREITO RIO  59


Direito Marítimo

(649 km). Tal demanda foi negada em 2007, sendo “sugerida” uma diminui-
ção de 35% deste pleito. Neste momento novo pleito está em estudo com
reais chances de sucesso e o Brasil poderá ser o primeiro país no mundo a ter
sua proposta de ampliação de limites da Plataforma Continental aceita pela
ONU, sob a égide da CNUDM III.

2.2.2 Convenção internacional para a prevenção da poluição causada por navios


— MARPOL 1973/1978

A Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios,


mais conhecida como MARPOL, é a principal convenção internacional rela-
cionada à prevenção de poluição ambiental marinha por navios decorrente
de causas operacionais e acidentais. É uma combinação de dois tratados ado-
tados em 1973 e 1978, respectivamente, e atualizados por emendas ao passar
dos anos. A MARPOL foi adotada pela IMO em 2 de novembro de 1973
e cobria poluição por óleo, produtos químicos/substâncias químicas, subs-
tâncias nocivas embaladas, esgoto, lixo e poluição do ar causada por navios.
O Protocolo de 1978 (Protocolo MARPOL 1978) adesivo à MARPOL de
1973 foi adotado na Conferência de Segurança de Navios-Tanque e Preven-
ção de Poluição em fevereiro de 1978 em resposta a uma grande quantidade
de acidentes com navios-tanque em 1976 e 1977.
Como a MARPOL 1973 não tinha iniciado sua vigência (percebam
como muitas vezes há uma demora significante para que uma convenção
seja ratificada pelo quórum mínimo de países), a MARPOL 1978 absorveu a
Convenção a que se referia. O instrumento combinado é mencionado como
MARPOL 73/78 e entrou em vigência internacional em 02 de outubro de
1983 — no Brasil sua vigência se dá através do Decreto-Lei nº 2.508/1998.
Note-se que com o contínuo avanço tecnológico, as regras da MARPOL
passam por um processo dinâmico de aperfeiçoamento a fim de que sejam
atualizadas e correspondam às exigências globais.
O Decreto n° 2.508, de 04/03/98, promulgou a Convenção Internacional
para a Prevenção da Poluição Causada por Navios (MARPOL), concluída em
Londres, em 2 de novembro de 1973, seu Protocolo, concluído em Londres,
em 17 de fevereiro de 1978, suas Emendas de 1984 e seus Anexos opcionais
I, II, III, IV, V e VI. No tangível ao Anexo VI, até 14/08/2015, 84 países,
representando 95,33% da Arqueação Bruta da frota marítima mercante in-
ternacional, já o haviam ratificado.
Como principais regras de tal convenção, podemos citar:
• Importância de vistorias contínuas aos navios;
• Limitação de descarga de óleo ou misturas oleosas no mar;

FGV DIREITO RIO  60


Direito Marítimo

• Iniciativas governamentais para a instalação de equipamentos e meios


de recebimento de descarga de resíduos de óleo e misturas oleosas
como sobras de petroleiros e de outros navios em portos e terminais;
• Obrigatoriedade de possuir o livro de registro de óleo;
• Delimitação de procedimentos para embalagem, marcação, etiqueta-
gem, documentação necessária e estivagem de substâncias prejudiciais
transportadas por mar na forma de embalagens.

Anexo I — Poluição derivada de hidrocarbonetos.


Anexo II — Contaminação marinha por substâncias nocivas líqui-
das transportadas a granel.
Anexo III — Substâncias nocivas transportadas por via marítima
em lastros, tanques portáteis, contêineres, caminhões-cisterna e vagões.
Anexo IV — Contaminação por águas servidas provenientes das
embarcações.
Anexo V — Contaminação por lixo dos navios.
Anexo VI — Contaminação atmosférica.

Exemplo dos detalhes de uma ratificação de norma internacio-


nal: DECRETO LEGISLATIVO Nº 499, DE 2009 (DOU 11.08.09)
Convenção para a prevenção da poluição por navios
Aprova o texto consolidado da Convenção Internacional para a Pre-
venção da Poluição por Navios, adotada pela Organização Marítima
Internacional, em Londres, em 2 de novembro de 1973, e o seu Proto-
colo de 1978, com as Emendas adotadas em 4 de dezembro de 2003 a
1º de abril de 2004.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Fica aprovado o texto consolidado da Convenção Interna-
cional para a Prevenção da Poluição por Navios, adotada pela Orga-
nização Marítima Internacional, em Londres, em 2 de novembro de
1973, e o seu Protocolo de 1978, com as Emendas adotadas em 4 de
dezembro de 2003 a 1º de abril de 2004, efetuando-se as correções a
seguir especificadas na tradução do texto original para o Português, em
consonância com o art. 4º 1 da Lei nº 9.966, de 28 de abril de 2000:
I — substitua-se, na tradução para o Português da Regra 3 do Anexo
II da Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Na-
vios, MARPOL, na alínea a do inciso I, a expressão “um grave risco”
por “alto risco”;
II — substitua-se, na tradução para o Português da Regra 3 do Ane-
xo II da Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por
Navios, MARPOL, na alínea b do inciso I, a expressão genérica “um
risco” por “médio risco”;

FGV DIREITO RIO  61


Direito Marítimo

III — substitua-se, na tradução para o Português da Regra 3 do


Anexo II da Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por
Navios, MARPOL, na alínea c do inciso I, a expressão “pequeno risco”
por “risco moderado”;
IV — substitua-se, na tradução para o Português da Regra 3 do
Anexo II da Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição
por Navios, MARPOL, alínea d do inciso I, a expressão “reconhecível
perigo” por “risco identificável”.
Parágrafo único. Ficam sujeitos à aprovação do Congresso Nacional
quaisquer atos que possam resultar em revisão da referida Convenção,
seus Protocolos e Anexos, bem como quaisquer ajustes complementa-
res que, nos termos do inciso I2 do caput do art. 49 da Constituição
Federal, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio
nacional.
Art. 2º Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua pu-
blicação.
Senado Federal, em 10 de agosto de 2009
Senador José Sarney
Presidente do Senado Federal

2.2.3 Convenção internacional de responsabilidade civil por poluição causada


por óleo — CLC/1969

A “Civil Liability Convention” — Convenção Internacional de Responsa-


bilidade Civil por Poluição causada por Óleo — CLC/1969, regulamentada
pelo Decreto nº 79.437/1977, foi implementada para assegurar o limite de
responsabilidade civil por danos a terceiros no caso de poluição ambiental
oriunda de navios-tanques de países signatários. Não se aplica aos navios de
guerra a outros navios operados pelo Estado, desde que usados para fins não
comerciais.
Ela também criou um mecanismo de caráter internacional capaz de asse-
gurar compensação adequada e acessível às vítimas de danos por poluição, re-
sultantes de escapamento ou descarga de óleo proveniente de navios. Assim,
a conferência, que aprovou a Convenção, determinou a criação de um Fundo
Internacional para cobrir as despesas excedentes da indenização, denominado
FUND.
A Convenção considera como responsável pelos danos ambientais o dono
da embarcação poluidora. Entretanto, nos termos da Convenção, tal respon-
sabilidade poderá ser afastada caso determinadas circunstâncias sejam prova-
das, tais como:

FGV DIREITO RIO  62


Direito Marítimo

• Que a poluição resultou de um ato de guerra, insurreição ou fenôme-


no natural excepcional, inevitável e irresistível;
• De ação ou omissão intencional de terceiros a fim de causar dano;
• Negligência ou falha do Governo ou outra Autoridade responsável
por manter as luzes ou outras condições de navegação no exercício de
tais funções.
Com vigência internacional desde 19/06/1975, o seu mais atual proto-
colo (1992) encontra-se ratificado por 134 países que representam 96,69%
da frota mundial até 14/08/2015. O Protocolo de 1992 expandiu o alcance
da Convenção para abranger os danos causados na zona econômica exclusiva
dos Estados-membros.
O Brasil foi parte da Convenção de 69 e do FUND de 71 que não mais
vigoram (tem apenas conferido a prestação de contas internacional). As ou-
tras convenções subsequentes não foram objeto de adesão pelo Brasil, nem
seus FUNDs respectivos. O mais recente FUND 2003 foi negado pelo GI
Brasil. Brasil participa das reuniões dos FUNDs apenas como observador, até
a presente data.

2.2.4 Convenção sobre a prevenção de poluição marinha por alijamento de resí-


duos e outras matérias, 1972 (LC-72) + (Protocolo 1996)

A Convenção regulamenta o alijamento de resíduos e outras matérias no


mar por navios e plataformas bem como o alijamento dessas próprias estru-
turas em si.
Adotada em Londres, em 29/12/1972, teve sua vigência internacional ini-
ciada em 30/08/1975 e em 14/08/2015 conta com 87 países contratantes.
Sofreu Emendas em 1978, 1980, 1989 e 1993.
O Protocolo de 1996 à LC-72 foi adotado em 07/11/1996, tendo sua
vigência internacional iniciada em 24/03/2006, mantendo-se como partes
contratantes 45 países. Este Protocolo sofreu uma Emenda em 2006 e proíbe
todo o tipo de alijamento, exceto de alguns tipos específicos de resíduos des-
critos em seu Anexo.
No Brasil, foi internalizada pelos Decretos nº 87.566, de 16/09/1982 e nº
6.511, de 17/07/2008 (referente às Emendas). O Brasil até hoje não ratificou
o Protocolo de 1996.

FGV DIREITO RIO  63


Direito Marítimo

2.2.5 Convenção Internacional para Controle e Gerenciamento da Água de Lastro


e Sedimentos de Navios — BWM 2004

A Convenção estabelece que as Partes Contratantes comprometem-se a


cumprir seus dispositivos visando a prevenir, minimizar e, por fim, eliminar
a transferência de Organismos Aquáticos Nocivos e Agentes Patogênicos por
meio do controle e gerenciamento da água de lastro dos navios e dos sedi-
mentos nela contidos.
Adotada em Londres, em 13/02/2004, atualmente conta com 44 países
contratantes, representado 32,86% da Arqueação Bruta da Frota Marítima
Mercante Internacional (IMO.ORG em 14/08/2015).
A Convenção, no Artigo 18, dispõe que entrará em vigência 12 meses
após ser ratificada por 40 países que representem 30,25% da Arqueação Bru-
ta da Frota Marítima Mercante Internacional, o que vai ocorrer em breve. No
Brasil foi ratificada em 14/04/2010.
Lembre-se, por oportuno, de que a NORMAM 20— regulamenta o ge-
renciamento de água de lastro nos portos, terminais brasileiros e águas juris-
dicionais brasileiras.

2.2.6 Convenção Internacional relativa à Intervenção em Alto-Mar em caso de


Acidentes por Óleo — Intervention 69

A Convenção estabelece o direito de o Estado Costeiro tomar, em alto-


-mar, as medidas necessárias para prevenir, atenuar ou eliminar os perigos
graves e iminentes que apresentem, para suas costas ou interesses conexos,
uma poluição ou ameaça de poluição das águas do mar por óleo, resultante
de um acidente marítimo ou das ações relacionadas a tal acidente, suscetíveis,
segundo tudo indique, de ter graves consequências.
Adotada em 29/11/1969, em Bruxelas, tem vigência internacional desde
06/05/1975, contando com 88 países contratantes, representando 74,38%
da Arqueação Bruta da Frota Marítima Mercante Internacional (IMO.ORG
14/08/2015).
Foi assinada pelo Brasil na data de sua adoção, mas sua vigência no orde-
namento nacional teve início 10 de junho de 2009, com a publicação do De-
creto nº 6.478/2008. Este Decreto também contemplou o Protocolo relativo
à Intervenção em Alto-Mar em Casos de Poluição por Substâncias Outras
que não Óleo.

FGV DIREITO RIO  64


Direito Marítimo

2.2.7 Convenção Internacional sobre controle de Sistemas Anti-incrustantes Da-


nosos em Navios — AFS 2001

A Convenção foi concluída em Londres a 05 de outubro de 2001, tendo


como propósito maior a redução ou eliminação dos efeitos nocivos ao meio
ambiente marinho e à saúde humana, causados por sistemas anti-incrustan-
tes.
Adotada em 05/10/2001, sua vigência internacional teve início em
17/09/2008. Atualmente conta com 71 países contratantes, representando
84,86% AB da frota mercante internacional (IMO.ORG em 14/08/2015).
Assinada na IMO pelo Brasil em 12/11/02 e aprovada pelo Decreto Legis-
lativo 797/2010, encontra-se sujeita à ratificação.

2.2.8 Convenção Internacional Relativa à Preparação, Resposta e Cooperação em


casos de Poluição por Óleo — OPRC 90

A Convenção estabelece, a nível internacional, que as Partes se compro-


metem, conjunta ou individualmente, a tomar todas as medidas adequadas,
em conformidade com as disposições constantes dos seus Artigos e Anexos,
para o preparo e a resposta em caso de incidente de poluição por óleo.
Adotada em 30/11/1990, em Londres, iniciou sua vigência internacional
em 13/05/1995, e atualmente conta com 108 países contratantes, represen-
tando 72,75% da Arqueação Bruta da frota marítima mercante internacional
(IMO.ORG em 14/08/2015).
Em 2000, sofreu Emenda pelo Protocolo OPRC-HNS que entrou em
vigor em 14/06/07, ampliando o alcance da Convenção para substâncias
nocivas e atividades potencialmente perigosas. Atualmente possui 36 países
contratantes, isto é, 48,84% da frota mundial.
A despeito de a OPRC ter vigência no Brasil desde 11/12/1998 (Decreto
nº 2.870/1998), o Brasil não ratificou o Protocolo de 2000.

2.2.9 Convenção Internacional para a Reciclagem de Navios Segura e Ambiental-


mente Adequada — Hong Kong SRC 2009

Adotada em 15/05/2009, em Hong Kong, a Convenção do meio am-


biente, da saúde ocupacional e dos riscos com a segurança relacionados à
reciclagem de navios, leva em consideração as características particulares do
transporte marítimo e a necessidade de assegurar a retirada suave de navios
que tenham chegado ao final de suas vidas operacionais.
Foi aberta para assinaturas de setembro de 2009 a 31 de agosto de 2010, e
terá vigência internacional iniciada 24 meses após adesão por 15 estados que

FGV DIREITO RIO  65


Direito Marítimo

representem 40% da Arqueação Bruta da frota marítima mercante interna-


cional. E até a presente data, apenas três países contrataram, quais sejam: No-
ruega; Congo e França, representando 1,86% da Arqueação Bruta mundial.
Posta a legislação internacional, adentremos na seara nacional.

2.3 Da Legislação nacional

2.3.1 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Art. 225 — Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente


equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualida-
de de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

2.3.2 Normas Infraconstitucionais mais relevantes

• Lei nº 6.938/1981 — Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Am-


biente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
providências.

• Lei n° 9.537/1997: Dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário


em águas sob jurisdição nacional e dá outras providências. A inspeção
naval visa criar entraves às embarcações que possam causar danos ao
meio ambiente. Destaca-se a possibilidade de aplicação de sanção an-
tes de prolatada a decisão final do tribunal marítimo quando se tratar
de poluição das águas.

Art. 5° A embarcação estrangeira, submetida à inspeção naval, que


apresente irregularidades na documentação ou condições operacionais
precárias, representando ameaça de danos ao meio ambiente, à tripulação,
a terceiros ou à segurança do tráfego aquaviário, pode ser ordenada a:
I — não entrar no porto;
II — não sair do porto;
III — sair das águas jurisdicionais;
IV — arribar em porto nacional
Art. 33. Os acidentes e fatos da navegação, definidos em lei específi-
ca, aí incluídos os ocorridos nas plataformas, serão apurados por meio
de inquérito administrativo instaurado pela autoridade marítima, para
posterior julgamento no Tribunal Marítimo.

FGV DIREITO RIO  66


Direito Marítimo

Parágrafo único. Nos casos de que trata este artigo, é vedada a apli-
cação das sanções previstas nesta Lei antes da decisão final do Tribunal
Marítimo, sempre que uma infração for constatada no curso de inqué-
rito administrativo para apurar fato ou acidente da navegação, com
exceção da hipótese de poluição das águas.

• Lei nº 9.605/1998 — Lei de Crimes Ambientais — Dispõe sobre as


sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades
lesivas ao meio ambiente e dá outras providências.

Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que


resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provo-
quem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
Pena — reclusão, de um a quatro anos, e multa.

• Lei 12.305/10 — Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que


institui a referida Política, altera a Lei 9.605/98 (alterou o art. 56
§1º,II e II) e dá outras providências. Como destaque, citaria o art. 47:

Art. 47. São proibidas as seguintes formas de destinação ou disposi-


ção final de resíduos sólidos ou rejeitos:
I — lançamento em praias, no mar ou em quaisquer corpos hídricos;

Esta lei trouxe uma série de inovações entre elas a responsabilização de


pessoas jurídicas e físicas, autoras e coautoras da infração e o fato de que a
punição poderá ser extinta com a apresentação de laudo que comprove a re-
cuperação do dano ambiental. No entanto, para constatação do dano à fauna
pelos vazamentos de óleo, por exemplo, é necessário comprovar que houve
dano, fato este que nem sempre é fácil de ser evidenciado principalmente
quando se trata da microfauna marinha.66

• Lei Federal nº 9.966/2000 — Lei do óleo e de substâncias nocivas —


Estabelece os princípios básicos a serem obedecidos na movimentação
de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em portos organiza-
dos, instalações portuárias, plataformas e navios em águas sob juris-
dição nacional. Aplica-se às embarcações e plataformas nacionais ou
estrangeiras, portos, instalações portuárias e dutos. É composta de seis
capítulos, sendo que o primeiro aborda definições e classificações. Os
demais são sucintamente apresentados a seguir:

O Capítulo II — Dos Sistemas de Prevenção, Controle e Combate da


Poluição — prevê que os estabelecimentos mencionados acima devem dispor 66
Ver também: Lei 12.305/10 Artigos 7º
ao 15; 23 e 54.

FGV DIREITO RIO  67


Direito Marítimo

obrigatoriamente de instalações ou meios adequados para o recebimento e


tratamento dos diversos tipos de resíduos e para o combate da poluição.67
Já o Capítulo III — Do Transporte de Óleo e Substâncias Nocivas ou
Perigosas — Dentre os seus aspectos, exige a utilização obrigatória do Livro
de Registro de Óleo, nos termos da Marpol 73/78, para anotações relativas a
todas as movimentações de óleo, lastro e misturas oleosas, inclusive as entre-
gas efetuadas às instalações de recebimento e tratamento de resíduos.
No Capítulo IV — Da Descarga de Óleo, Substâncias Nocivas ou Peri-
gosas e Lixo68 — trata, em síntese, das proibições de descarga em águas sob
jurisdição nacional, de substâncias nocivas ou perigosas, de água de lastro,
resíduos de lavagem de tanques ou outras misturas que contenham tais subs-
tâncias; bem como, estabelece o dever de reparar os danos causados ao meio
ambiente e de indenizar as atividades econômicas e o patrimônio público e
privado pelos prejuízos decorrentes de descarga.
No seguinte, Capítulo V — Das Infrações e das Sanções — estabelece que
as infrações serão punidas como multa, multa diária, multa e retenção do
navio até que a situação seja regularizada, com multa e suspensão imediata
das atividades da empresa transportadora em situação irregular.69 E, por fim,
o Capítulo VI — Disposições Finais e Complementares 70 menciona quem
são os responsáveis pelo cumprimento desta lei e quais as suas atribuições.

• NORMAM — Normas da Autoridade Marítima — regulamentam as


atividades marítimas e fluviais em seus diversos segmentos.

Nesse sentido, destacamos como principais para o tema:


A Normam n° 4, que dispõe sobre as normas da autoridade marítima para
operação de embarcações estrangeiras em águas jurisdicionais brasileiras, no
primeiro Capítulo define Águas Jurisdicionais Brasileiras (AJB), vejamos:

“Compreendem as águas interiores e os espaços marítimos, nos


quais o Brasil exerce jurisdição, em algum grau, sobre atividades, pes-
soas, instalações, embarcações e recursos naturais vivos e não vivos,
encontrados na massa líquida, no leito ou no subsolo marinho, para
os fins de controle e fiscalização, dentro dos limites da legislação inter-
nacional e nacional. Esses espaços marítimos compreendem a faixa de
200 milhas marítimas contadas a partir das linhas de base, acrescida das
águas sobrejacentes à extensão da Plataforma Continental além das 200
milhas marítimas, onde ela ocorrer.” 67
Ver também: Lei 9.966/20 Artigos
6º ao 9º.
68
Ver também: Lei 9.966/2000 Artigos
A Normam nº 7, que institui normas da autoridade marítima para ativi- 15 a 17; 21 e 23.

dades de inspeção, em seu Capítulo 4 dispõe sobre “lançamento de óleo e 69


Ver também: Lei 9.966/200 Artigo 25.

outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional”, 70


Ver também: Lei 9.966/200 Artigos
27; 28 e 32.

FGV DIREITO RIO  68


Direito Marítimo

regulamentando as infrações que contrariem as regras constantes da Lei nº


9.966/2000 e seu regulamento, o Decreto nº 4.136/2002, além daquelas
previstas nos instrumentos internacionais ratificados pelo Brasil.
A Normam nº 20 versa sobre o gerenciamento da água de lastro de navios,
sendo obrigatória para todos os navios que naveguem nas águas jurisdicionais
brasileiras. Ademais, nota-se que a NORMAM foi adotada em data anterior
à ratificação da Convenção BWM-2004/IMO, e que apesar da BWM ainda
não ter entrado em vigor — não atingiu o percentual mínimo da frota mun-
dial-, o Brasil já aplica a NORMAM 20, que possui as mesmas diretrizes da
Convenção.
Importante ressaltarmos que esta Normam disciplina a constatação das
infrações, a competência para sua apuração, lavratura do auto de infração,
defesa e julgamento do autuado, recurso contra decisão condenatória, paga-
mento da multa, responsabilidade civil pelos danos causados pelo lançamen-
to poluente e caução.
Destarte, existem embarcações que são isentas do cumprimento desta
Norma devendo operar de modo a evitar a contaminação do meio ambiente
pelo deslastro da Água de Lastro e seus sedimentos. Para tanto, é necessário
a solicitar a Diretoria de Portos e Costas (DPC) a emissão do certificado de
isenção, de forma previa e fundamenta, pelo armador ou responsável pela
embarcação.

• Decreto Federal nº 4.136/2002: Sanções às infrações previstas na Lei


9.966/2000 — Dispõe sobre a especificação das sanções aplicáveis às
infrações às regras de prevenção, controle e fiscalização da poluição
causada por lançamento do óleo e outras substâncias nocivas e peri-
gosas em águas sob jurisdição nacional prevista na Lei nº 9.966/2000.
Considera infração como a inobservância a qualquer determinação
constante desta lei federal. As sanções variam de advertência e multa
simples à suspensão parcial, total das atividades e restritiva de direitos.
Ilustra quem são as pessoas físicas ou jurídicas que respondem pela
infração, quem são as autoridades competentes para lavrar os autos de
infração e dá outras providências a esse respeito.

• Resolução CONAMA nº 393 de 08/08/2007 — Dispõe sobre o des-


carte contínuo de água de processo ou de produção em plataformas
marítimas de petróleo e gás natural, e dá outras providências.

• Resolução CONAMA nº 398 de 11/06/2008 — Dispõe sobre o con-


teúdo mínimo do Plano de Emergência Individual para incidentes de
poluição por óleo em águas sob jurisdição nacional, originados em
portos organizados, instalações portuárias, terminais, dutos, sondas

FGV DIREITO RIO  69


Direito Marítimo

terrestres, plataformas e suas instalações de apoio, refinarias, estalei-


ros, marinas, clubes náuticos e instalações similares, e orienta a sua
elaboração.

• Resolução CONAMA nº 472 de 27/11/2015 — Dispersantes Quí-


micos — Dispõe sobre o uso de dispersantes químicos em incidentes
de poluição por óleo no mar.

• Decreto nº 8.127, de 22 de outubro de 2013 — Institui o Plano Na-


cional de Contingência (PNC) para incidentes de poluição por óleo
em águas sob jurisdição nacional. Ademais, determina responsabili-
dades de entes públicos e privados em caso de desastres naturais com
petróleo em acidentes de grandes proporções.

Este Decreto criou o Sistema de Informações sobre Incidentes de Poluição


por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional (SISNÓLEO), que deve funcio-
nar como uma fonte de informações capaz de disseminar dados sobre preven-
ção, preparação e resposta aos incidentes através de uma célere e simplificada
articulação dos órgãos e entidades públicos.
O PNC apresenta uma multiplicidade de órgãos e entidades, que em sín-
tese, é formado por quatro grupos diferentes de controle e ação:

1. Autoridade Nacional — coordenador do PNC exercido pelo MMA;


2. Comitê Executivo — responsável pelas diretrizes para implemen-
tação do Plano e composto pelo MMA, MME, Marinha, IBAMA,
ANP, Ministério da Integração Nacional e Ministério dos Transpor-
tes;
3. Grupo de Acompanhamento e Avaliação (GAA)— responsável
pelo acompanhamento operacional de acidentes, independente do
porte, composto pela Marinha, IBAMA e ANP e, por fim;
4. Coordenador Operacional — designado pelo GAA para coordenar
o acompanhamento do acidente e, se necessário, propor o acio-
namento do PNC, que somente será acionado em incidentes de
poluição por óleo, julgados de significância nacional pelo próprio
GAA. Nota-se que a escolha do Coordenador é realizada de acordo
com o acidente, isto é, preferencialmente a Marinha assumirá a co-
ordenação em incidentes ocorridos em águas abertas; já o IBAMA
na hipótese de incidentes ocorridos em águas interiores e a ANP
nos casos de poluição por óleo, a partir de estruturas submarinas de
perfuração e produção de petróleo.

FGV DIREITO RIO  70


Direito Marítimo

• Lei Federal nº 7.347 de 24/07/85: Ação Civil Pública por Danos Cau-
sados ao Meio Ambiente — Institui a Ação Civil Pública de Respon-
sabilidade por Danos Causados ao Meio Ambiente, ao Consumidor,
a Bens e Direitos de Valor Artístico, Estético, Histórico e Paisagístico.
Estas ações objetivam responsabilizar e obrigar o poluidor a reparar o
dano gerado. A lei disciplina as Ações Civis Públicas que podem ser
propostas pelo Ministério Público, pela União, Estados e Municípios
ou por autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de eco-
nomia mista ou associações de defesa ao meio ambiente.

3. RESPONSABILIDADE AMBIENTAL

A doutrina é fértil para propor conceitos ambientais. A Lei de Política


Nacional do Meio Ambiente nº 6.938/1981, em seu art. 3º, também prevê
alguns conceitos importantes, senão vejamos:
• Meio ambiente — conjunto de condições, leis, influências e intera-
ções de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a
vida em todas as suas formas;
• Degradação da qualidade ambiental — alteração adversa das caracte-
rísticas do meio ambiente;
• Poluição — degradação da qualidade ambiental resultante de ativida-
des que direta ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais
estabelecidos.
• Poluidor: a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado,
responsável, direta ou indiretamente, por atividades causadoras de de-
gradação ambiental;
• Recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e
subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo e os ele-
mentos da biosfera, a fauna e a flora. (Redação dada pela lei 7.804/89).

3.1 Do Dano Ambiental

O Direito Ambiental, ainda considerado pela maioria como um ramo do


Direito Privado, caracteriza-se por tutelar bem pertencente a uma pluralidade
de sujeitos não identificáveis, tendo também a proteção dos direitos difusos.

FGV DIREITO RIO  71


Direito Marítimo

Em geral, só lembramos do meio ambiente natural, mas existem outras


dimensões:
• O primeiro aspecto é o do meio ambiente propriamente dito, isto é, o
natural, isento de intervenção humana, que consiste nos recursos na-
turais existentes (ar, água, flora, fauna etc.) dispostos no Art. 3°, inciso
V da lei 6938/81, além da tutela concedida pelo Art. 225 CRFB.
• O segundo é o do ambiente criado pelo homem, isto é, o ambien-
te artificial eminentemente humano tais como praças, ruas, edifícios,
obras e outros, podem ser vislumbrados no Art. 182 da CRFB. “O
meio ambiente artificial é aquele construído pelo ser humano, for-
mado pelas edificações e pelos equipamentos públicos. As edificações
recebem o nome de espaço urbano fechado, ao passo que os equipa-
mentos públicos são chamados de espaço urbano aberto.”71.
• O terceiro é o ambiente do trabalho, onde aspectos relacionados
como iluminação, ventilação, ruídos, temperatura, dentre outros, são
importantes para que os trabalhadores possam contar com garantias
de inviolabilidade e segurança no meio de trabalho. Podendo ser veri-
ficado no Art. 200, inciso VIII e Art. 7°, inciso XXII da CRFB.
• O quarto, e último, é o ambiente cultural, que consiste numa cons-
trução humana com objetivos específicos, ou seja, elementos identifi-
cadores de uma sociedade com valor histórico; artístico; paisagístico;
dentre outros. Á título exemplificativo o Art. 216 CRFB estabelece o
patrimônio cultural brasileiro.

Assim, pode-se conceituar Direito Ambiental como: “O complexo de


princípios e normas reguladores das atividades humanas que, direta ou in-
diretamente, possam afetar a sanidade do ambiente em sua dimensão glo-
bal, visando a sua sustentabilidade para as presentes e futuras gerações” (Edis
Milaré); e ainda, como “um conjunto de normas e institutos jurídicos per-
tencentes a vários ramos do direito reunidos por sua função instrumental
para a disciplina do comportamento humano em relação ao meio ambiente.”
(Toshio Mukai).

3.2 Princípios fundamentais

Admitir-se que existe um Direito Ambiental exige, no mínimo, que se


conceitue e se apresentem alguns dos princípios norteadores da aplicação da
legislação ambiental.
Neste sentido, a Declaração do Rio, emitida por ocasião da famosa Con-
ferência Rio 92, chegou a estabelecer 27 princípios ambientas tamanha a
amplitude do tema. Abaixo, seguem os princípios mais importantes: 71
FIORILLO, 2010. p.72.

FGV DIREITO RIO  72


Direito Marítimo

Primeiramente é importante já destacar a necessidade de não confundir


os conceitos de Prevenção e Precaução por haver diferenciação importante
entre eles.
• Princípios da Prevenção: Este é o maior, mais importante e discu-
tido princípio inspirador do ordenamento jurídico ambiental con-
siderando que a prevenção é o grande objetivo de todas as normas
ambientais, uma vez que já conhecido o risco pelo empreendedor por
estudos e pesquisas científicas ou pela atividade já ter sido realizada
anteriormente este possui a obrigação de adotar medidas mitigadoras
para reduzir ou eliminar os impactos ambientais. Até porque uma vez
desequilibrado o meio ambiente, a reparação é na maior parte das ve-
zes uma tarefa difícil e dispendiosa. Os instrumentos da Política Na-
cional do Meio Ambiente (dispostos no art. 9º da Lei nº 6.938/1981,
tais como licenciamento ambiental, zoneamento ambiental e EIA) e
o Estudo Prévio de Impacto Ambiental apontado no Art. 225, inciso
IV da CRFB estão fundados nesse princípio. Há, inclusive, grande
controvérsia quanto à diferenciação entre o principio da Prevenção e
o da Precaução que se segue.
• Princípio da Precaução: Este princípio difere do posterior por haver
um desconhecimento do risco que o empreendimento possa causar no
meio ambiente em decorrência da ausência de estudos científicos da-
quela atividade específica ou quando está é inovadora, isto é, quando
não foi executada anteriormente. Nestes termos, medidas devem ser
tomadas para não haver o desequilíbrio do meio ambiente.
• Princípio da Cooperação: Significa dizer que todos, tanto o Estado
quanto a Sociedade, por meio de seus organismos, devem colaborar
para a implementação da legislação ambiental, pois não é só papel
do governo ou das autoridades, mas de cada um e de todos nós. Este
princípio é conceituado internacionalmente e encontra-se presente no
rol da Declaração do Rio de 1992 no segundo princípio.
• Princípio da Publicidade e da Participação Popular: Importa afirmar
que não se podem admitir segredos em questões ambientais, pois estes
afetam a vida de todos. Tudo deve ser feito, principalmente pelo Po-
der Público, com a maior transparência possível, de modo a permitir
a participação na discussão dos projetos e problemas dos cidadãos de
uma forma geral. O Art. 5° inciso XXXIII e 225 inciso IV da CRFB,
além do décimo princípio da Declaração do Rio de 1992, abordam
sobre a disponibilidade de informações no âmbito ambiental.
• Princípio do Poluidor-pagador: impõe ao agente poluidor que suporte
os custos decorrentes da poluição que poderá causar ou que efetiva-
mente causou pela atividade que desenvolveu, isto é, na ocorrência de

FGV DIREITO RIO  73


Direito Marítimo

um dano surge a obrigação de reparação conforme se verifica no Art.


4, inciso VII e Art. 14, §1° da lei 6.938/81.
• Princípio in dúbio pro-natura: É uma regra fundamental da legisla-
ção ambiental, que leva para a preponderância do interesse maior da
sociedade em detrimento do interesse individual e menor do empre-
endedor ou de um dado projeto. Pode ser utilizado na interpretação e
aplicação da lei: quando houver mais de uma opção, aplica-se a mais
restritiva e favorável ao meio ambiente.

3.3 Poder de Polícia

O poder de polícia é a faculdade de limitar o exercício dos direitos indi-


viduais de liberdade e propriedade em favor do coletivo, pressupondo-se que
essa limitação seja prevista em lei. Como todo poder administrativo, o poder
de polícia subordina-se ao ordenamento jurídico que rege as demais ativida-
des da administração, sujeitando-se, inclusive, ao controle de legalidade pelo
Poder Judiciário.
Na aplicabilidade do poder de polícia é imperioso que a discricionarieda-
de seja utilizada de forma responsável e não abusiva de modo a que não se
distancie do seu significado.
O poder de polícia exercido no mar e nas águas interiores é atribuído à au-
toridade marítima, por ter sido delegada pela Lei Complementar n° 97/1999
a competência de implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regula-
mentos em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, Federal ou
Estadual, quando se fizer necessária, em razão de competências específicas.
Nos termos do parágrafo único, do Art. 17 desta Lei Complementar, o
termo ‘autoridade marítima’ é representada pelo Comandante da Marinha,
no exercício de suas atribuições subsidiárias da Força Armada, por força do
expresso no artigo 142 da CRFB/88. Verifica-se que o poder de polícia exer-
cido por pela autoridade marítima não é considerado como uma atividade
militar por ter fundamentos legais administrativos.
Nesse sentido, a lei nº 9.537, de 11 de dezembro de 1997, estabelece que
cabe à autoridade marítima promover a implementação e a execução da Lei
de Segurança do Tráfego Aquaviário, objetivando assegurar a salvaguarda da
vida humana e a segurança da navegação, no mar aberto e hidrovias interio-
res, e a prevenção da poluição ambiental por parte de embarcações, platafor-
mas ou suas instalações de apoio.
Cumpre destacar que o Decreto nº 5.129/2004 atualizou a denominação
da Patrulha Costeira para Patrulha Naval, que dentre outras providências
simplificou as atribuições contidas na lei n° 2.419/55. O parágrafo único, do
art. 1º confirma o acima disposto:

FGV DIREITO RIO  74


Direito Marítimo

“Art. 1, Parágrafo único. A Patrulha Naval, sob a responsabilidade


do Comando da Marinha, tem a finalidade de implementar e fiscalizar
o cumprimento de leis e regulamentos, em águas jurisdicionais brasi-
leiras, na Plataforma Continental brasileira e no alto-mar, respeitados
os tratados, convenções e atos internacionais ratificados pelo Brasil.”

No mesmo sentido, a Lei nº 9.605/1998, que dispõe sobre os crimes am-


bientais e a Lei nº 9.966/2000, que dispõe sobre a prevenção, o controle e a
fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias
nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional também corrobora
com a tarefa da autoridade marítima de implementar e fiscalizar o cumpri-
mento de leis e regulamentos no âmbito marítimo.

3.4 Responsabilidades

No tocante à responsabilidade ambiental, cumpre destacar que a respon-


sabilidade se subdivide em penal, civil e administrativa.
A responsabilidade pode ser individual ou coletiva. No caso da responsa-
bilidade coletiva, as pessoas jurídicas poderão ser responsabilizadas adminis-
trativa, civil e penalmente, conforme o disposto na Lei nº 9.605/1998, nos
casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal
ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua
entidade.

3.4.1 Da responsabilidade penal ambiental

A responsabilidade penal individual não suscita grandes divergências, con-


forme entendimento de Edis Milaré, citado por Toshio Mukai:72

A doutrina tradicional acolhe somente a responsabilidade penal da


pessoa física, calcada no princípio da responsabilidade penal pessoal
e na máxima societas delinquere no postest. De acordo com o cita-
do entendimento, somente a pessoa física poderá ser sujeito ativo de
crime. Dessa forma, poderão ser responsabilizados o administrador, o
diretor e o gerente da pessoa jurídica.

Nesse particular, o sujeito do crime poderá ser quem, de alguma forma,


concorre para a prática dos crimes previstos na Lei nº. 9.605/1998, incidindo 72
SILVA, Bruno Campos. Direito Am-
nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o biental – Enfoques variados. São Paulo:
Lemos & Cruz, 2004. p. 270.

FGV DIREITO RIO  75


Direito Marítimo

diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o audi-


tor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da
conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia
agir para evitá-la.
Quanto à responsabilidade penal ambiental das pessoas jurídicas, não obs-
tante ainda muito discutida e menos ainda aplicada, foi uma tentativa de
avanço a fim de que se possa responsabilizar empresas, grandes conglomera-
dos e grupos econômicos. Para a culpabilidade da pessoa jurídica, será consi-
derada a responsabilidade social, englobando aí seu comportamento institu-
cional, a exigibilidade de conduta diversa. Ressalte-se que a responsabilidade
das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou
partícipes do mesmo fato.
Os sujeitos ativos do crime estão previstos nos artigos 2º ao 4º da Lei nº
9.605/1998 e o sujeito passivo será sempre a coletividade conforme depre-
ende o Art. 225 da CRFB ao afirmar que o meio ambiente é um bem de uso
comum do povo.
As penas aplicáveis às pessoas jurídicas por responsabilidade ambiental no
âmbito penal estão dispostas no Art. 15 da lei 6.938/81, quais sejam:
• Multa;
• Restritivas de direitos:
o Suspensão parcial ou total de atividades: quando estas não estive-
rem obedecendo às prescrições legais;
o Interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;
o Proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele ob-
ter subsídios, subvenções ou doações.
• Prestação de serviços à comunidade:
o Custeio de programas e de projetos ambientais;
o Execução de obras de recuperação de áreas degradadas;
o Manutenção de espaços públicos;
o Contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.

Desde 2002, portanto, passa a ser cabível a responsabilidade penal das


pessoas jurídicas.
A consciência ambiental pátria deve estar bem conjugada com os mo-
dernos mecanismos empresariais e de grupos de sociedades, bem como se
mostra cada vez mais importante noção de desenvolvimento sustentável/res-
ponsabilidade corporativa de modo a juntos antever o futuro do direito penal
caminhando para o exercício das medidas várias também em face de pessoas
jurídicas.

FGV DIREITO RIO  76


Direito Marítimo

3.4.2 Da responsabilidade civil ambiental

O regime da responsabilidade civil extracontratual no Brasil é baseado na


culpa ou dolo do agente causador do dano. Entretanto, no que se refere ao
Direito Ambiental, a responsabilidade é objetiva, que independe de culpa
ou dolo do agente, por meio da Lei nº 6.938/1981 e dos artigos 21, XXIII,
d, e 225, §§ 2º e 3º da CRFB/1988, assim como na doutrina que encontra
acolhida no Direito Ambiental Internacional e na legislação de um número
cada vez maior de países.
Assim, bastaria a demonstração do evento danoso (ou risco de dano) e
do nexo de causalidade, para que se configure a responsabilidade do agente.
Nesse particular, uma vez constatado o dano, este poderá ser mitigado ou até
mesmo reparado, por meio da atuação adequada do agente poluidor.
Cumpre esclarecer que a teoria da responsabilidade objetiva é adotada
pelo fato das normas ambientais terem como escopo a defesa e preservação
da natureza, bem como com a progressiva consciência ecológica mundial.
Não se pode confundir a responsabilidade por indenizar os danos no
quanto for impossível a sua recuperação, com a responsabilidade administra-
tiva e sua multa. Na prática ocorre a inversão do ônus da prova na defesa do
poluidor ou daquele que se utilize dos recursos da natureza, pois ainda que
uma pessoa jurídica se encontre amplamente adequada às normas ambien-
tais, ainda terá que reparar os danos causados ao meio ambiente, assim como
a terceiros.
Da mesma forma, a doutrina mansa e pacífica considera que a responsabi-
lidade é solidária entre todos os agentes indicados, sendo o Ministério Públi-
co da União e dos Estados legitimados para propor ação de responsabilidade
civil e criminal por danos causados ao meio ambiente, ficando a cargo do
poluidor as custas e despesas processuais.

3.4.3 Da responsabilidade administrativa ambiental

As normas e sanções administrativas instituídas pelos entes federativos


derivam do poder de polícia da Administração Pública sobre as atividades e
bens que afetem ou possam afetar a coletividade.
Assim sendo, a responsabilidade administrativa ambiental até então apli-
cada de forma objetiva, sujeita o transgressor ambiental às sanções admi-
nistrativas, sem obstar das reparações cíveis e criminais, independentemente
da intenção do agente. Nesse sentido, cabe colacionar o artigo 14 da lei nº
6.938, de 31 de agosto de 1981, vejamos:

Art 14 — Sem prejuízo das penalidades definidas pela legisla-


ção federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medi-

FGV DIREITO RIO  77


Direito Marítimo

das necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e da-


nos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os
transgressores:
I — à multa simples ou diária, nos valores correspondentes, no mí-
nimo, a 10 (dez) e, no máximo, a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis
do Tesouro Nacional — ORTNs, agravada em casos de reincidência es-
pecífica, conforme dispuser o regulamento, vedada a sua cobrança pela
União se já tiver sido aplicada pelo Estado, Distrito Federal, Territórios
ou pelos Municípios.
II — à perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedi-
dos pelo Poder Público;
III — à perda ou suspensão de participação em linhas de financia-
mento em estabelecimentos oficiais de crédito;
IV — à suspensão de sua atividade.
§ 1º — Sem obstar a aplicação das penalidades previstas nes-
te artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de
culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a
terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e
dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade
civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

Ademais, “Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou


omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recupera-
ção do meio ambiente”, nos termos do artigo 70 da Lei nº 9.605/1998.
Destaque-se, também, o Decreto 6.514/2008, que dispõe sobre “as infra-
ções e sanções administrativas ao meio ambiente, estabelece o processo administra-
tivo federal para apuração destas infrações e dá outras providências”, destacando 73
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL.
seus arts. 61 e 62, que vem no mesmo sentido do art. 54 da lei 9.605/98. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM
RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART.
Por fim, convém comentar que o STJ proferiu recentemente no AREsp 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. DANO AM-
BIENTAL. ACIDENTE NO TRANSPORTE DE
62584/RJ, decisão que tende a ser um leading case, aplicando natureza subje- ÓLEO DIESEL. IMPOSIÇÃO DE MULTA AO
tiva à responsabilidade administrativa ambiental73. PROPRIETÁRIO DA CARGA. IMPOSSIBI-
LIDADE. TERCEIRO. RESPONSABILIDADE
SUBJETIVA.
I - A Corte de origem apreciou todas
as questões relevantes ao deslinde da
3.4.3.1 AUTORIDADES COMPETENTES PARA RESPONSABILIZAÇÃO ADMINIS- controvérsia de modo integral e adequa-
do, apenas não adotando a tese vertida
TRATIVA AMBIENTAL pela parte ora Agravante. Inexistência
de omissão.
II - A responsabilidade civil ambien-
São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e ins- tal é objetiva; porém, tratando-se de
responsabilidade administrativa am-
taurar processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais (federal, biental, o terceiro, proprietário da carga,
estaduais e municipais) integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente por não ser o efetivo causador do dano
ambiental, responde subjetivamente
— SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização, bem como os pela degradação ambiental causada
pelo transportador.
agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha. III - Agravo regimental provido.
(STJ, AgRg no AREsp 62584 - RJ, Rel.
Convém realçar que a Marinha Brasileira é o único ente que não faz parte Min. REGINA HELENA COSTA, Primeira
do SISNAMA que também pode multar na esfera ambiental. Ademais, O Turma, Julgado em 18 de junho de 2015)

FGV DIREITO RIO  78


Direito Marítimo

Ministério Público da União e o Ministério Público Estadual possuem le-


gitimidade para propor ação de responsabilidade cível e criminal por danos
causados ao meio ambiente.

3.4.3.2 COMPETÊNCIAS

O Brasil, como uma República Federativa, pressupõe a ideia de coopera-


ção mútua para preservação e proteção do meio ambiente. Logo, nos diferen-
tes âmbitos da federação (federal, estadual ou municipal) importantes órgãos
governamentais tratam da questão ambiental, por meio da cooperação e da
divisão de funções, senão vejamos:
• SISNAMA — Sistema Nacional do Meio Ambiente, instituído Lei
nº 6.938/1981, e regulamentado pelo Decreto n° 99.274/1990, tem
como órgão superior o Conselho de Governo; órgão consultivo e de-
liberativo o Conselho Nacional do Meio Ambiente — CONAMA,
como órgão central o Ministério do Meio Ambiente — MMA e como
órgão executor o IBAMA.
• CONAMA — Conselho Nacional do Meio Ambiente, órgão vincu-
lado ao SISNAMA. Note-se que o CONAMA é um colegiado repre-
sentativo que possui cinco setores: órgãos federais, estaduais e mu-
nicipais, setor empresarial e sociedade civil. Dentre outras funções
cabe ao CONAMA estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao
controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente, com vistas
ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos.
• IBAMA— Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis, criado pela Lei nº 7.735/1989, sob a forma de
autarquia federal; atualmente é subordinado ao Ministério do Meio
Ambiente.

Como parte de sua competência podemos citar: a execução das Políticas


Nacionais do Meio Ambiente no tocante a atribuições federais permanentes
relativas à preservação, à conservação e ao uso sustentável dos recursos am-
bientais e sua fiscalização, além do estudo ambiental e a emissão de licenças
ambientais de empreendimentos a nível nacional, entre outros.
• INEA — Instituto Estadual do Ambiente — No caso do Estado do
Rio de Janeiro, foi criado por meio da Lei nº 5.101, de 04 de outubro
de 2007, o Instituto Estadual do Ambiente (INEA) com a missão
de proteger, conservar e recuperar o meio ambiente para promover o
desenvolvimento sustentável. O novo instituto, instalado em 12 de
janeiro de 2009, unifica e amplia a ação dos três órgãos ambientais
vinculados à Secretaria de Estado do Ambiente (SEA): a Fundação Es-
tadual de Engenharia e Meio Ambiente (Feema), a Superintendência

FGV DIREITO RIO  79


Direito Marítimo

Estadual de Rios e Lagoas (Serla) e o Instituto Estadual de Florestas


(IEF).
• ICMBIO — Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversi-
dade — Criado dia 28 de agosto de 2007, pela Lei 11.516, o ICMBio
é uma autarquia em regime especial vinculado ao Ministério do Meio
Ambiente e integra o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNA-
MA). Possui o encargo de executar as ações do Sistema Nacional de
Unidades de Conservação (Lei 9.985 de 2000), podendo propor, im-
plantar, gerir, proteger, fiscalizar e monitorar as UCs instituídas pela
União. Ademais, fomenta e executa programas de pesquisa; proteção;
preservação e conservação da biodiversidade e exerce o poder de polí-
cia ambiental para a proteção das Unidades de Conservação Federais.
• OMMA — Órgão Municipal de Meio Ambiente (Secretaria de MA,
p.ex.) — o Município tem competência para proteger o meio ambien-
te, nos termos do art. 23 da CRFB/1988. Assim, cabe ao Município
exercer o poder de polícia considerando o interesse local, mas respei-
tando as competências dos Estados e da União Federal. A compe-
tência municipal para o licenciamento ambiental foi legitimada pelo
Art. 6° da Resolução nº 237/1997 do CONAMA,74 já que cabe aos
Municípios legislarem sobre o interesse local nos termos do art. 30, I,
da CRFB/1988.

3.4.3.3 AUTORIDADE MARÍTIMA

A instituição responsável pela regulamentação e controle dos transportes


aquaviários, no que se refere à segurança da navegação e a proteção ao meio
ambiente marinho, é a Marinha do Brasil, na forma do art. 3º da “LESTA”,
Lei 9.53797.
Assim, dentro dessa estrutura cabe à Diretoria de Portos e Costas — DPC,
vinculada à Marinha do Brasil, acompanhar e fiscalizar as embarcações, no
tocante à segurança e proteção do meio ambiente marinho, assim como a
capacitação de marítimos e a composição das tripulações.
Por sua vez, as delegacias das Capitanias dos Portos estão subordinadas à
Diretoria de Portos e Costas, sendo certo que, inclusive as decisões das Capi-
tanias dos Portos, poderão ser revistas pela Diretoria de Portos e Costas, por
meio da interposição de competente recurso.

3.4.3.4 MODALIDADES DE SANÇÕES ADMINISTRATIVAS

Encontram-se no Art. 72 da lei 9.605/98 e no art. 3º do Decreto 74


Conselho Nacional do Meio Ambien-
6.514/2008. te.

FGV DIREITO RIO  80


Direito Marítimo

• Advertência;
• Multa simples;
• Multa diária;
• Apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, ins-
trumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza
utilizados na infração;
• Destruição ou inutilização do produto;
• Suspensão de venda e fabricação do produto;
• Embargo de obra ou atividade;
• Demolição de obra;
• Suspensão parcial ou total de atividades;
• Restritiva de direitos: que poderá ser suspensão de registro, licença ou
autorização; cancelamento de registro, licença ou autorização; perda
ou restrição de incentivos e benefícios fiscais; perda ou suspensão da
participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais
de crédito; proibição de contratar com a Administração Pública, pelo
período de até três anos.
• Reparação dos danos causados;

3.4.3.5 OBSERVAÇÕES PERTINENTES ÀS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS

Artigo 72, § 3º da Lei nº 9.605/1998:

A multa simples será aplicada sempre que o agente, por negligência


ou dolo:
I — advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, dei-
xar de saná-las, no prazo assinalado por órgão competente do SISNA-
MA ou pela Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha;
II — opuser embaraço à fiscalização dos órgãos do SISNAMA ou
pela Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha.

Percebe-se, portanto, que a letra da lei pressupõe uma advertência ante-


rior e, somente se não sanada (intencionalmente ou por negligência), poderá
receber multa.
A multa terá por base a unidade, hectare, metro cúbico, quilograma ou
outra medida pertinente, de acordo com o objeto jurídico lesado. E o valor
da multa de que trata este Capítulo será fixado no regulamento desta Lei e
corrigido periodicamente, com base nos índices estabelecidos na legislação
pertinente, sendo o mínimo de R$ 50,00 e o máximo de R$ 50.000.000,00.
Os valores arrecadados em pagamento de multas por infração ambiental
serão revertidos a vários fundos, conforme dispuser o órgão arrecadador.

FGV DIREITO RIO  81


Direito Marítimo

3.4.3.6 O PROCESSO ADMINISTRATIVO AMBIENTAL

A Lei nº 9.605/1998, em seu Capítulo VI — da Infração Administrativa,


artigos 70 ao 76,75 prevê norma geral sobre as infrações administrativas am-
bientais. Tais infrações, a depender do bem afetado e de localização, podem
demandar competência tanto da União, quanto Estados e Municípios na
proteção do meio ambiente, respeitada a divisão constitucional de competên-
cia de cada ente da federação.

Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação


ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, prote-
ção e recuperação do meio ambiente.
§ 1º São autoridades competentes para lavrar auto de infração am-
biental e instaurar processo administrativo os funcionários de órgãos
ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente — SIS-
NAMA, designados para as atividades de fiscalização, bem como os
agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha.
§ 2º Qualquer pessoa, constatando infração ambiental, poderá di-
rigir representação às autoridades relacionadas no parágrafo anterior,
para efeito do exercício do seu poder de polícia.
§ 3º A autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração
ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante
processo administrativo próprio, sob pena de corresponsabilidade.
§ 4º As infrações ambientais são apuradas em processo administra-
tivo próprio, assegurado o direito de ampla defesa e o contraditório,
observadas as disposições desta Lei.

Art. 71. O processo administrativo para apuração de infração am-


biental deve observar os seguintes prazos máximos:
I — vinte dias para o infrator oferecer defesa ou impugnação contra
o auto de infração, contados da data da ciência da autuação;
II — trinta dias para a autoridade competente julgar o auto de in-
fração, contados da data da sua lavratura, apresentada ou não a defesa
ou impugnação;
III — vinte dias para o infrator recorrer da decisão condenatória à
instância superior do Sistema Nacional do Meio Ambiente — SISNA-
MA, ou à Diretoria de Portos e Costas, do Ministério da Marinha, de
acordo com o tipo de autuação;
IV — cinco dias para o pagamento de multa, contados da data do
recebimento da notificação.

75
Lei nº 9.605/1998.

FGV DIREITO RIO  82


Direito Marítimo

Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes


sanções, observado o disposto no art. 6º:
I — advertência;
II — multa simples;
III — multa diária;
IV — apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e
flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer
natureza utilizados na infração;
V — destruição ou inutilização do produto;
VI — suspensão de venda e fabricação do produto;
VII — embargo de obra ou atividade;
VIII — demolição de obra;
IX — suspensão parcial ou total de atividades;
X — (VETADO)
XI — restritiva de direitos.
§ 1º Se o infrator cometer, simultaneamente, duas ou mais infrações,
ser-lhe-ão aplicadas, cumulativamente, as sanções a elas cominadas.
§ 2º A advertência será aplicada pela inobservância das disposições
desta Lei e da legislação em vigor, ou de preceitos regulamentares, sem
prejuízo das demais sanções previstas neste artigo.
§ 3º A multa simples será aplicada sempre que o agente, por negli-
gência ou dolo:
I — advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, dei-
xar de saná-las, no prazo assinalado por órgão competente do SISNA-
MA ou pela Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha;
II — opuser embaraço à fiscalização dos órgãos do SISNAMA ou da
Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha.
§ 4° A multa simples pode ser convertida em serviços de preserva-
ção, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente.
§ 5º A multa diária será aplicada sempre que o cometimento da
infração se prolongar no tempo.
§ 6º A apreensão e destruição referidas nos incisos IV e V do caput
obedecerão ao disposto no art. 25 desta Lei.
§ 7º As sanções indicadas nos incisos VI a IX do caput serão apli-
cadas quando o produto, a obra, a atividade ou o estabelecimento não
estiverem obedecendo às prescrições legais ou regulamentares.
§ 8º As sanções restritivas de direito são:
I — suspensão de registro, licença ou autorização;
II — cancelamento de registro, licença ou autorização;
III — perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais;
IV — perda ou suspensão da participação em linhas de financia-
mento em estabelecimentos oficiais de crédito;

FGV DIREITO RIO  83


Direito Marítimo

V — proibição de contratar com a Administração Pública, pelo pe-


ríodo de até três anos.

Art. 73. Os valores arrecadados em pagamento de multas por infra-


ção ambiental serão revertidos ao Fundo Nacional do Meio Ambiente,
criado pela Lei nº 7.797, de 10 de julho de 1989, Fundo Naval, criado
pelo Decreto nº 20.923, de 8 de janeiro de 1932, fundos estaduais
ou municipais de meio ambiente, ou correlatos, conforme dispuser o
órgão arrecadador.

Art. 74. A multa terá por base a unidade, hectare, metro cúbico,
quilograma ou outra medida pertinente, de acordo com o objeto jurí-
dico lesado.

Art. 75. O valor da multa de que trata este Capítulo será fixado no
regulamento desta Lei e corrigido periodicamente, com base nos índi-
ces estabelecidos na legislação pertinente, sendo o mínimo de R$ 50,00
e o máximo de R$ 50.000.000,00.

Art. 76. O pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios,


Distrito Federal ou Territórios substitui a multa federal na mesma hi-
pótese de incidência.

Nesse particular, conforme dispõe o art. 70 da Lei nº 9.605/1998, infra-


ção administrativa será considerada toda ação ou omissão que viole as regras
de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
Assim, em havendo infração administrativa ambiental, será lavrado auto
de infração, no qual deverá vir expressa a norma jurídica violada.
Com efeito, as infrações administrativas serão apuradas em processos ad-
ministrativos próprios, sempre observando os princípios constitucionais de
ampla defesa e contraditório, cujos prazos máximos para apresentação de
defesa, recurso etc. estão previstos em lei, vejamos:
• 20 dias para apresentar defesa ao auto de infração;
• 30 dias para a autoridade julgar o auto de infração;
• 20 dias para recurso da decisão;
• 5 dias para pagamento da multa.
Ressalte-se que tais prazos podem ser alterados segundo a lei local, confor-
me leciona o Prof. Paulo Afonso Leme Machado:76

A lei estabeleceu prazos máximos para apuração da infração ambien-


tal. Vinte dias para o infrator oferecer defesa ou impugnação contra o 76
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direi-
auto de infração; 30 dias para a autoridade julgar o auto de infração to Ambiental. 9. ed. São Paulo: Malhei-
ros, 2001. p. 294.

FGV DIREITO RIO  84


Direito Marítimo

e 20 dias para o infrator recorrer da decisão condenatória à instância


superior, e 5 dias para pagamento de multa. Como a finalidade do
estabelecimento de “prazos máximos” (art. 71, caput) é não permitir o
retardamento do processo, parece-nos que Estados e Municípios pode-
rão suplementar a lei prazos menores, e não maiores.

No que se refere, especificamente, aos recursos, estes podem ser dirigidos


ao SISNAMA77 ou à DPC — Diretoria de Portos e Costas, dependendo do
tipo de autuação.
Quanto às sanções administrativas, cumpre destacar as seguintes:
• Advertência;
• Multa simples ou diária;
• Embargo de obra ou atividade;
• Suspensão parcial ou total de atividade.

Dentre as sanções acima citadas, cumpre esclarecer que apesar da respon-


sabilidade civil ambiental ser, em regra, objetiva, o requisito culpa será consi-
derado no caso da imposição de multa diária. A multa na poluição das águas
por óleo, nos termos do §2° do Art. 25 da Lei nº 9.966/2000, poderá variar
de R$ 7.000,00 a R$ 50.000.000,00.
Por fim, convém notar que qualquer acidente que possa causar poluição
das águas, ocorrido em portos organizados, instalações portuárias, dutos, na-
vios, plataformas e suas instalações de apoio,78 deve ser comunicado ao órgão
ambiental competente, bem como à Capitania dos Portos e à ANP.79

3.4.3.7 A IMPORTÂNCIA DO LAUDO AMBIENTAL PARA A AUTUAÇÃO PELA AU-


TORIDADE MARÍTIMA

A autuação deve ter como base, tanto a existência do fato em si e suas


peculiaridades, como também a análise criteriosa e técnica da extensão e gra-
vidade do dano.
A Autoridade Marítima, antes mesmo de constatado o efetivo dano, autua
o suposto causador sem a devida aferição do nível de sua gravidade ou mesmo 77
Sistema Nacional do Meio Ambiente.
sem conhecimento da extensão de suas consequências. 78
Lei nº 9.966/2000 – “Art. 22. Qual-
Despiciendo realçar que a mesma quantidade de poluentes causa efeitos quer incidente ocorrido em portos
organizados, instalações portuárias,
(extensão e gravidade) muito diferentes a depender do sítio e biomas em que dutos, navios, plataformas e suas ins-
ocorre a descarga. Seria o caso, por exemplo, da simples comparação entre os talações de apoio, que possa provocar
poluição das águas sob jurisdição
efeitos de um vazamento no meio do mar, em ambiente sem vida marinha nacional, deverá ser imediatamente
comunicado ao órgão ambiental com-
fixa e onde o solo marinho se encontra a mais de 1,5 km de profundidade petente, à Capitania dos Portos e ao
órgão regulador da indústria do petró-
com fundo de areia em comparação ao lançamento na Baía de Ilha Grande leo, independentemente das medidas
(Mangaratiba/Angra dos Reis) ou em Arraial do Cabo. tomadas para seu controle.”.
79
Agência Nacional do Petróleo.

FGV DIREITO RIO  85


Direito Marítimo

Entretanto, tal só virá a ser constada após a apresentação de defesa pelo


suposto poluidor, demonstrando os resultados dos trabalhos de contingência,
mitigação e/ou reparação, com as consequências dali advindas. Nesse parti-
cular, caso não apresente defesa, o autuado arcará com o ônus da arbitrária
penalidade aplicada pela Autoridade Marítima, pois eventual multa aplicada
não terá por escopo as consequências ambientais advindas do incidente, mas
meramente a ocorrência do incidente por si só.
Importante destacar que o processo é regido pela NORMAM n° 09 (Por-
taria nº 261 de 23/12/2011), que estabelece o procedimento de inquéritos
administrativos sobre acidentes e fatos da navegação.

3.5 Outros aspectos relativos à poluição marítima

3.5.1 Da Prevenção/Mitigação/Redução/Compensação dos Danos Ambientais

A preservação do meio ambiente possui três formas de atuação: prevenção,


mitigação e reparação. A prevenção é a mais importante, já que o dano sequer
ocorreu, havendo mero risco de dano, sendo, portanto, a mais econômica;
após a ocorrência do dano, há a mitigação e a reparação, conforme a seguir:
• Prevenção: a fim de se prevenir os danos ambientais é preciso ter
exata delimitação de seus riscos. Neste caso a ação é inibitória e as
atitudes são acauteladoras.
• Mitigação: a mitigação é a redução do dano ainda em momento rela-
tivamente próximo ao evento/sinistro. As ações de mitigação poderão
ser identificadas também através do EIA,80 por exemplo.
• Reparação: a reparação é a reconstituição daquilo que foi destruído,
sempre que possível. Procura-se por meio da reparação o retorno ao
equilíbrio ecológico. Neste caso tem-se, usualmente, o ressarcimento,
sendo, contudo, que tal indenização será a opção tão somente quando
a reconstituição não for possível, já que a meta principal é o retorno
ao status quo ante.

3.5.2 Lugares de Refúgio

No intuito de buscar meios para a efetiva proteção ambiental, além de


métodos eficientes de contenção de danos, a IMO — Organização Marítima
Internacional clama por atenção para a necessidade de criação dos “lugares
de refúgio”.
Os acidentes com os navios “Prestige” e “Castor” são exemplos dessa ne-
cessidade. No primeiro caso, o navio “Prestige”, de bandeira das Bahamas,
80
Estudo de Impacto Ambiental.

FGV DIREITO RIO  86


Direito Marítimo

causou enormes estragos nas águas da Galícia, onde as comunidades depen-


dem do mar para a subsistência; sem ter autorização para atracar e providen-
ciar os devidos e urgentes reparos vagou por várias costas nacionais, até que,
em face do mau tempo, seu casco abriu um rombo, derramando toneladas de
óleo naquelas águas e atingindo várias praias da região.
Já no segundo caso, o navio “Castor”, de bandeira cipriota, teve um final
mais feliz. Após sofrer com o mau tempo, apresentou uma rachadura em seu
convés e, mesmo após seis semanas, banido dos portos dos países da costa do
Mediterrâneo, a Tunísia concedeu-lhe um lugar de refúgio, o que permitiu
que a carga do navio fosse transportada para outro, podendo então sofrer os
reparos devidos, sem que qualquer dano ambiental tenha sido causado.
No caso do navio “Castor”, certamente, os danos ambientais foram evi-
tados pela possibilidade de atracação e consecução dos reparos devidos, uma
vez encontrado um lugar de refúgio. Portanto, a regulamentação dos chama-
dos “lugares de refúgio” tem como uma de suas razões fundamentais a preo-
cupação com o meio ambiente marinho e a necessidade de sua preservação.
Com efeito, devem-se entender “locais de refúgio” como sítios — aí en-
tendidos no sentido amplo, e não apenas portos, mas também baías e outros
espaços — onde navios necessitados de reparos poderão ser atendidos, esta-
bilizando ou reduzindo os perigos da navegação, tanto para a vida humana
quanto para o meio ambiente marinho regional.
O grande problema na regulamentação dos lugares de refúgio é a sua força
coercitiva, já que os Estados costeiros têm direito à preservação de sua costa
e do seu meio marinho. Ademais, a princípio, só há obrigatoriedade no ofe-
recimento de ajuda pelo Estado costeiro no caso em que estiver em perigo
a vida humana, pois nestes casos aplicar-se-ia o convênio SOLAS81 de 1974.
Ressalte-se que no caso de não haver vida humana envolvida, poderá o arma-
dor negociar com o Estado costeiro o oferecimento do lugar de refúgio me-
diante uma contraprestação financeira, inclusive para a reparação de eventual
dano causado pela embarcação.
No Brasil a Lei Federal 7.203/84 dispõe sobre a assistência e salvamento de
embarcação, coisa ou bem em perigo no mar, nos portos e nas vias navegáveis
interiores. De acordo com a Lei 9.537/97 compete à autoridade marítima:

Art. 4° São atribuições da autoridade marítima:


VIII — definir áreas marítimas e interiores para constituir refúgios
provisórios, onde as embarcações possam fundear ou varar, para execu-
ção de reparos;

É possível ainda conjugar com o art. 5º da lei em epígrafe:


81
International Convention for the Sa-
fety of Life at Sea, ratificada pelo Brasil
pelo Decreto nº 87.186/1982.

FGV DIREITO RIO  87


Direito Marítimo

Art. 5ºA embarcação estrangeira, submetida à inspeção naval, que


apresente irregularidades na documentação ou condições operacionais
precárias, representando ameaça de danos ao meio ambiente, à tripula-
ção, a terceiros ou à segurança do tráfego aquaviário, pode ser ordenada
a:
I — não entrar no porto;
II — não sair do porto;
III — sair das águas jurisdicionais;
IV — arribar em porto nacional.

Assim, é preciso analisar caso a caso a necessidade de oferecimento do


lugar de refúgio, balanceando os interesses dos armadores e os interesses do
Estado costeiro em preservar seu meio marinho.

3.5.3 Seguros para riscos ambientais

Considerando-se a importância do tema, já que a poluição ambiental vem


ganhando relevância, as empresas, a fim de proteger-se contra riscos de danos
ambientais, além de garantirem maior segurança aos negócios e valorização
acionária, providenciam que eventuais danos ao meio ambiente estejam co-
bertos por seguros.
Com efeito, os danos ambientais têm se tornado, frequentemente, um
risco aos seguradores e resseguradores, ensejando a criação de uma apólice
específica denominada EIL — Environmental Impairment Liability. Em tais
casos, as subscrições vêm acompanhadas de estudos específicos do local a ser
segurado e com avaliação dos riscos.
Mas outras maneiras de segurar dos riscos merecem destaque, dentre elas
a cobertura securitária do P&I, formado por clubes que atuam como segu-
radores.
A Lei 8.374/91 dispõe sobre o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais cau-
sados por embarcações ou por sua carga e dá outras providências.

3.5.4 P&I (Protection & Indemnity)

O P&I (Protection and Indemnity) é constituído de clubes que funcio-


nam como seguradores independentes, sem finalidades lucrativas, os quais
cobrem os armadores e seus afretadores contra responsabilidades decorrentes
dos transportes marítimos por seus navios, oferece cobertura de indenização
em riscos variados; promove vistorias de cargas, avarias, condições de nave-
gabilidade; presta fiança em caso de arresto; oferece proteção e orientação

FGV DIREITO RIO  88


Direito Marítimo

aos armadores em qualquer porto do mundo, além de prestar assistência aos


associados em litígios.

3.5.4.1 COBERTURA P&I PARA POLUIÇÃO

Com a crescente exposição dos armadores a danos ambientais, especial-


mente no caso dos navios-tanques transportadores de petróleo e seus deri-
vados ou de minérios, surge a necessidade para os armadores de segurarem
suas embarcações, caso venham a causar dano ambiental e sejam compelidos
à reparar tal dano, sempre muito vultoso.
Nesse contexto, os clubes seguradores passam a cobrir a responsabilidade
por dano ambiental, mas limitam a indenização por poluição por óleo, em
geral, mas a depender de cada caso, ao patamar de US$ 1,000,000,000.00
sem franquia por incidente. Ademais, há a previsão de que no caso de va-
zamento persistente de óleo dos navios-tanques, a cobertura será conforme
o patamar a Convenção Internacional de Responsabilidade Civil por Óleo
(CLC).
Muito relevante ressaltar que a grande dificuldade para ambas as partes é
a impossibilidade de pré-aquilatar o prejuízo a ser eventualmente ressarcido,
deixando os clubes em uma situação de risco muito grande. Um acidente am-
biental, dependendo do local, das marés, do produto, do tempo e etc., pode
variar enormemente o dano e, por consequência, a indenização a ser paga.
Os principais riscos cobertos pelo P&I são os seguintes:
• Responsabilidade Civil de prejuízos, danos ou contaminações causa-
dos pelo derrame ou emanação de qualquer substância, não apenas de
óleo, mas também gases, produtos químicos, esgotos e lixos;
• Despesas com limpeza de áreas poluídas ou contaminadas;
• Custos com medidas impostas por normas governamentais para pre-
venção ou minimização do dano ambiental;
• Responsabilidade Civil por medidas tomadas por empresa de salva-
tagem com a finalidade de prevenir a ocorrência de um acidente de
poluição.
A lavagem de tanques, e o bombeamento de água oleosa no mar, não são
considerados acidentes, razão pela qual não ensejam a cobertura do P&I.

4 DIREITO PORTUÁRIO AMBIENTAL

As questões do Direito Marítimo guardam proximidade com os temas de


Direito Portuário, razão pela qual contribuiremos com uma breve digressão
sobre alguns aspectos importantes e que com o novo marco portuário, preci-
sam ser revisitados e estudados melhor pelos interessados.

FGV DIREITO RIO  89


Direito Marítimo

O transporte marítimo desde os tempos arcaicos sempre foi o meio mais


utilizado pelo comércio global. Com a globalização e a intensificação das
transações internacionais, nos últimos tempos, aumentou drasticamente o
fluxo de bens, exigindo cada vez mais ampliação e modernização das instala-
ções portuárias por todo o mundo.
De acordo com a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e De-
senvolvimento (UNCTAD) estima-se que o transporte marítimo lida com
mais de 80% do comércio mundial em volume82, muito a frente dos trans-
portes aéreos e terrestres, e a porcentagem é ainda maior para a maioria dos
países em desenvolvimento.
Atualmente, o transporte marítimo/portuário está enfrentando um novo e
complexo momento, o que envolve tanto desafios como oportunidades.
Na busca soluções para esta problemática e em razão da necessidade de
proteger o meio ambiente costeiro e marinho sem impedir o desenvolvimen-
to econômico, os portos devem se adequar às normas ambientais preventivas,
mitigatórias ou compensatórias para evitar e/ou reduzir os impactos gerados
por suas próprias instalações e pelas embarcações.
Observa-se que os empreendimentos portuários são implantados em lo-
cais que podem guardar imensa importância ambiental por sua variedade de
fauna e flora, sendo estes altamente sensíveis aos impactos negativos provo-
cados pelo homem.
Os portos, na maioria das vezes, são construídos em localidades de na-
tureza favorável e abrigados, como regiões de estuários e baías, onde a ação
das ondas é mínima possibilitando atividades de atracação, carga e descarga,
dentre outros. Quando instalados fora dessa área, os riscos ambientais já são
potencializados e iminentes, pois é necessária a construção de quebra-mares,
alargam-se ou dragam-se rios e canais, etc.
Sendo assim, as estruturas organizacionais desses empreendimentos devem
ser capazes de atender aos cuidados e demandas ambientais. E por tal motivo
são necessárias ações diversas, como, por exemplo, a educação ambiental dos
agentes portuários, que geralmente é definida como uma condicionante no
processo de licenciamento.83 82
Disponível em: <http://unctad.org/
en/Pages/Publications/Review-of-
-Maritime-Transport-(Series).aspx>.
Acesso em: 19/08/2015.
83
ALVES, Marina. O que as Mudanças
4.1 Aspectos Gerais do setor portuário brasileiro Climáticas, a Sustentabilidade, o Prin-
cípio da Precaução e do Poluidor-Pa-
gador, as Evidências e Outras Questões
O Brasil possui cerca de 8.500 km de litoral, onde há 34 portos organiza- Ambientais se Relacionaram de Forma
Simples com a Atividade Portuária. In:
dos84 e cerca de 120 terminais de uso privado, com grande variação nos tipos Direito Portuário: contratos, regu-
lação e mercado. (Conclusões do III
e volumes de carga movimentada e de capacidade. Como se pode imaginar, Seminário sobre Direito Portuário).
há uma enorme variedade de tipos de carga e terminais, públicos ou privados Brasília: IP. 2011, p. 153.
Ver também: Principais Portos do
equipados e especializados em movimentar produtos muitas das vezes muito
84

Brasil. Disponível em: <http://www.


poluentes ou nocivos ao meio ambiente. antaq.gov.br/Portal/Portos_Principais-
Portos.asp>.

FGV DIREITO RIO  90


Direito Marítimo

A grande parte destes terminais são especializados em uma pequena série


de produtos, como o minério de ferro, combustível e óleos minerais, poten-
cialmente poluentes.
Com a promulgação recente da lei 12.815/2013, um novo panorama no
setor portuário instaurou-se, tendo como principal objetivo a reformulação
da legislação possibilitando a ampliação do setor à iniciativa privada.
Nota-se que no Brasil, as cargas são transportadas soltas ou conteineriza-
das, além da divisão de granéis sólidos, granéis líquidos e de carga em geral. A
título exemplificativo, os principais produtos sólidos são o minério de ferro;
farelo de soja; bauxita; milho; fertilizantes; carvão; dentre outros. Já os prin-
cipais granéis líquidos são os combustíveis e óleos minerais. E as principais
cargas soltas são produtos de aço; plástico; aves congeladas; equipamentos
eletrônicos e produtos químicos orgânicos.85
Cabe ressaltar que somente no 1º semestre de 2015 o Brasil movimentou
cerca de 479 milhões de toneladas de carga nos portos, isto significa dizer
que o país teve um aumento de 3%, comparado com o mesmo período do
ano passado, de acordo com a ANTAQ, tendo o Sudeste do país o maior
destaque.
De acordo com o órgão, em seu Relatório Estatístico Semestral de 2015,
esse aumento se deve ao investimento em maiores navios e profundidades,
além de um melhor aproveitamento das embarcações, o que gera o aumento
direto da produtividade.

4.2 Licenciamento e Gestão Ambiental Portuária

O meio ambiente como um bem difuso carece de ferramentas para exercer


seu papel, e de acordo com as diretrizes da Política Nacional do Meio Am-
biente foi criado o Licenciamento Ambiental, objetivando o controle prévio
à construção; instalação e operação de estabelecimentos ou atividades poten-
cialmente poluidoras ou degradadoras do meio ambiente.

O licenciamento ambiental é o instrumento capaz de garantir ao


empreendedor o reconhecimento público de que suas atividades estão
sendo desenvolvidas em conformidade com a legislação ambiental, em
observância à qualidade ambiental dos recursos naturais e à sua susten-
tabilidade. 86 85
GÓIS SOBRINHO, Ednaldo Moreno.
Análise dos Impactos Econômicos dos
Investimentos no Porto de Suape –
Cumpre destacar que acordo com o Anexo 1 da Resolução CONAMA Parte I Disponível em: <http://www.
237/97, os empreendimentos portuários são sujeitos ao licenciamento am- fipe.org.br/publicacoes/downloads/
bif/2014/3_17-25-edn.pdf>.
biental. Quando esses empreendimentos abrangem o litoral de vários esta- 86
Disponível em: <http://www.por-
dos, a regulação é realizada pelo IBAMA. Ademais, quando o licenciamento tosdobrasil.gov.br/assuntos-1/meio-
-ambiente>.

FGV DIREITO RIO  91


Direito Marítimo

envolve áreas dos portos públicos, TUP e obras de acesso terrestre e marí-
timo, a Secretaria de Portos (SEP) acompanha e coordena os processos de
licenciamento ambiental.
O processo de licenciamento ambiental é classificado três etapas, quais
sejam: Licença Prévia (LP); Licença de Instalação (LI) e Licença de Opera-
ção (LO), como previsto no artigo 8° da Resolução CONAMA n° 237/97;
vejamos:

Art. 8º — O Poder Público, no exercício de sua competência de


controle, expedirá as seguintes licenças:
I — Licença Prévia (LP) — concedida na fase preliminar do plane-
jamento do empreendimento ou atividade aprovando sua localização e
concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requi-
sitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de
sua implementação;
II — Licença de Instalação (LI) — autoriza a instalação do empre-
endimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos
planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de con-
trole ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo
determinante;
III — Licença de Operação (LO) — autoriza a operação da ativida-
de ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do
que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambien-
tal e condicionantes determinados para a operação.
Parágrafo único — As licenças ambientais poderão ser expedidas
isolada ou sucessivamente, de acordo com a natureza, características e
fase do empreendimento ou atividade.87

Esta classificação proporcionou um tratamento mais meticuloso e seguro


no processo de concessão de licenças; concedendo uma maior atenção aos
estudos técnicos elaborados e um maior acompanhamento cumprimento das
condicionantes ambientais.
Inicialmente, o empreendedor deve coletar informações básicas do em-
preendimento, como a localização do empreendimento; particularidades do
bioma da área diretamente afetada pelo empreendimento ou atividade; carac-
terísticas da carga a ser movimentada; dentre outros elementos.
De posse deste dossier com os variados elementos, o Órgão Ambiental
emite um documento chamado Termo de Referência com as indicações dos
estudos e necessidades prévias para o processo de licenciamento. E nesse sen-
tido, a nova Lei dos Portos (Lei 12.815/2013) ao mencionar os requisitos
BRASIL. Resolução CONAMA n° 237
para a instalação dos portos e instalações portuárias aponta em seu Art.14,
87

de 19 de dezembro de 1997. Disponível


inciso III a necessidade de elaboração do Termo de Referência. em: http://www.mma.gov.br/port/
conama/legiano.cfm?codlegitipo=3.

FGV DIREITO RIO  92


Direito Marítimo

Para cada etapa do processo de licenciamento, o empreendedor possui


diversas exigências que são norteadas pelo Termo de Referência e a partir das
orientações do órgão ambiental competente são exigidos estudos específicos,
elaborados e custeados pelo empreendedor, para a coleta de dados, como:
oceânicos e atmosféricos; uso e comparativos com dados anteriores; subsídios
que comprovem os benefícios e malefícios; dentre outros.
Na obtenção da LP é indispensável à elaboração do Estudo de Impactos
Ambientais e um Relatório de Impacto do Meio Ambiente (EIA-RIMA),
produzidos com base nas orientações do órgão ambiental licenciador; são os
mais importantes documentos que particularizam o impacto e a viabilidade
ambiental do empreendimento ou atividade.
Para alcançar a LI, que autoriza o início das obras de instalação do em-
preendimento, é obrigatória a elaboração de estudos específicos, como o Re-
latório de Controle Ambiental e Plano Básico Ambiental (RCA/PBA), que
possuem o escopo de detalhar as ações para minimizar os impactos do empre-
endimento. Além desses, também é obrigatória a apresentação do Programa
de Gerenciamento Ambiental.
Já com a LO, o órgão ambiental autoriza a atividade portuária a ser exer-
cida plenamente, desde que o empreendedor elabore o Plano Básico Am-
biental, que especifica os programas ambientais para mitigação dos impactos
negativos e maximização dos impactos positivos causados pelo empreendi-
mento ou atividade.
A parte legal do processo de Licenciamento Ambiental inicia na CRFB/88;
e tem como base a Lei n°. 6.938/81 com as alterações constantes a Lei Com-
plementar nº 140/2011; a Resolução do Conselho Nacional do Meio Am-
biente (CONAMA) n° 01/1986, que estabeleceu diretrizes gerais para a ela-
boração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o respectivo Relatório de
Impacto Ambiental (RIMA); e a Resolução CONAMA n° 237/1997, que
estabeleceu procedimentos e critérios, e reafirmou os princípios de descentra-
lização presentes na Política Nacional de Meio Ambiente e na Constituição
da República.
Nota-se, portanto, que o licenciamento é essencial para o desenvolvimen-
to das atividades portuárias, permitindo que sejam estabelecidas condicio-
nantes para mitigar os impactos ambientais gerados, evitando a degradação
do ecossistema. A partir disso, os portos devem adotar um processo de gestão
ambiental para alcançar a sustentabilidade do empreendimento.
A Resolução CONAMA 306/02 define Gestão Ambiental como “condu-
ção, direção e controle do uso dos recursos naturais, dos riscos ambientais
e das emissões para o meio ambiente, por intermédio do sistema de gestão
ambiental.”.
Em relação aos portos, a gestão ambiental é a implantação contínua de
processos, tecnologias, procedimentos e métodos operacionais para eliminar

FGV DIREITO RIO  93


Direito Marítimo

ou controlar os impactos ambientais decorrentes de sua operação e desenvol-


vimento.
Cumpre ressaltar que na ocorrência de danos ao meio ambiente, o licen-
ciamento, que é continuamente analisado, poderá ser regularizado mediante
Termo de Compromisso (TC), nos termos da Lei n° 9.605/98 alterada pela
Medida Provisória nº 2.163-41, de 23.8.2001, a seguir:

Art. 79-A. Para o cumprimento do disposto nesta Lei, os órgãos


ambientais integrantes do SISNAMA, responsáveis pela execução de
programas e projetos e pelo controle e fiscalização dos estabelecimentos
e das atividades suscetíveis de degradarem a qualidade ambiental, fi-
cam autorizados a celebrar, com força de título executivo extrajudicial,
termo de compromisso com pessoas físicas ou jurídicas responsáveis
pela construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabeleci-
mentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, considerados
efetiva ou potencialmente poluidores.
§ 1o O termo de compromisso a que se refere este artigo desti-
nar-se-á, exclusivamente, a permitir que as pessoas físicas e jurídicas
mencionadas no caput possam promover as necessárias correções de
suas atividades, para o atendimento das exigências impostas pelas au-
toridades ambientais competentes, sendo obrigatório que o respectivo
instrumento disponha sobre:
I — o nome, a qualificação e o endereço das partes compromissadas
e dos respectivos representantes legais;
II — o prazo de vigência do compromisso, que, em função da com-
plexidade das obrigações nele fixadas, poderá variar entre o mínimo de
noventa dias e o máximo de três anos, com possibilidade de prorroga-
ção por igual período;
III — a descrição detalhada de seu objeto, o valor do investimento
previsto e o cronograma físico de execução e de implantação das obras
e serviços exigidos, com metas trimestrais a serem atingidas;
IV — as multas que podem ser aplicadas à pessoa física ou jurídica
compromissada e os casos de rescisão, em decorrência do não cumpri-
mento das obrigações nele pactuadas;
V — o valor da multa de que trata o inciso IV não poderá ser supe-
rior ao valor do investimento previsto;
VI — o foro competente para dirimir litígios entre as partes.
§ 2o No tocante aos empreendimentos em curso até o dia 30 de
março de 1998, envolvendo construção, instalação, ampliação e fun-
cionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos
ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, a as-
sinatura do termo de compromisso deverá ser requerida pelas pesso-

FGV DIREITO RIO  94


Direito Marítimo

as físicas e jurídicas interessadas, até o dia 31 de dezembro de 1998,


mediante requerimento escrito protocolizado junto aos órgãos compe-
tentes do SISNAMA, devendo ser firmado pelo dirigente máximo do
estabelecimento.
§ 3o Da data da protocolização do requerimento previsto no § 2o e
enquanto perdurar a vigência do correspondente termo de compromis-
so, ficarão suspensas, em relação aos fatos que deram causa à celebração
do instrumento, a aplicação de sanções administrativas contra a pessoa
física ou jurídica que o houver firmado. (Incluído pela Medida Provi-
sória nº 2.163-41, de 23.8.2001)
§ 4o A celebração do termo de compromisso de que trata este artigo
não impede a execução de eventuais multas aplicadas antes da protoco-
lização do requerimento.
§ 5o Considera-se rescindido de pleno direito o termo de compro-
misso, quando descumprida qualquer de suas cláusulas, ressalvado o
caso fortuito ou de força maior.
§ 6o O termo de compromisso deverá ser firmado em até noventa
dias, contados da protocolização do requerimento.
§ 7o O requerimento de celebração do termo de compromisso de-
verá conter as informações necessárias à verificação da sua viabilidade
técnica e jurídica, sob pena de indeferimento do plano.
§ 8o Sob pena de ineficácia, os termos de compromisso deverão ser
publicados no órgão oficial competente, mediante extrato.

Curioso observar que existe a inclusão de 1% de recursos (pelo menos)


nos Projetos de Obras Federais para prevenção e correção de prejuízos de na-
tureza ambiental, conforme estabelecido pelo Decreto nº 95.733 de 198888,
ainda em vigor, com a seguinte redação:

DECRETO Nº 95.733, DE 12 DE FEVEREIRO DE 1988.


Dispõe sobre a inclusão, no orçamento dos projetos e obras federais,
de recursos destinados a prevenir ou corrigir os prejuízos de natureza
ambiental, cultural e social decorrente da execução desses projetos e
obras.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe
confere o artigo 81, item III, da Constituição, e
[...]
Art. 1° No planejamento de projetos e obras, de médio e grande
porte, executados total ou parcialmente com recursos federais, serão
considerados os efeitos de caráter ambiental, cultural e social, que esses 88
BRASIL. Decreto nº 95.733, de 12
de fevereiro de 1988. Disponível
empreendimentos possam causar ao meio considerado. em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/decreto/Antigos/D95733.
htm>.

FGV DIREITO RIO  95


Direito Marítimo

Parágrafo único. Identificados efeitos negativos de natureza ambien-


tal, cultural e social, os órgãos e entidades federais incluirão, no orça-
mento de cada projeto ou obra, dotações correspondentes, no mínimo,
a 1 % (um por cento) do mesmo orçamento destinadas à prevenção ou
à correção desses efeitos.

4.3 Transporte de Cargas Perigosas

Entendem-se como cargas perigosas aquelas que são explosivas, inflamá-


veis, oxidantes, venenosas, infectantes, radioativas, corrosivas ou contami-
nantes que podem apresentar riscos à tripulação, ao navio, às instalações por-
tuárias ou ao meio ambiente aquático (NORMAM 29).
Regulamentos nacionais e internacionais disciplinam as operações de iden-
tificação, acondicionamento, etiquetagem, empacotamento e documentação
de cargas perigosas nas instalações portuárias, entre os quais: IMDG Code
(International Maritime Dangerous Goods); “Revision of the Recommendations
on the Safe Transport of Dangerous Cargoes and Related Activities in Port Areas”
da IMO; a Norma Regulamentadora 29 (NR — 29) do Ministério do Tra-
balho e Emprego (MTE).
Na legislação brasileira, como o transporte aquaviário de cargas especiais
e perigosas é de competência da ANTAQ, conforme o disposto no art. 23 da
lei 10.233/01, e assim sendo, a agência publicou a Resolução 2.239, de 15 de
setembro de 2011, estimulando a integridade das instalações, protegendo o
meio ambiente e garantindo o trânsito seguro dessas cargas pelas instalações
dos portos.
Ademais, importante destacar a existência da Convenção Internacional
sobre Responsabilidade e Compensação por Danos Conexos com o Trans-
porte de Substâncias Nocivas e Perigosas por Mar (HNS), a qual foi nego-
ciada no ano de 1996, em Londres, porém sua adesão pelo Brasil ainda está
sendo estudada.

4.4 Dragagem

A dragagem é uma das operações essenciais para a construção e manuten-


ção dos portos, pois permite a continuidade operacional e das condições de
navegabilidade através da remoção, limpeza, desobstrução, derrocamento ou
escavação de material do fundo do mar.
Pode ser realizada no momento da implantação do porto para aumentar
ou manter a profundidade do canal de navegação, no cais de atracação e
na bacia de evolução, sendo também realizada periodicamente para manter

FGV DIREITO RIO  96


Direito Marítimo

ou alcançar as profundidades necessárias para a passagem de embarcações


maiores. Contudo, a dragagem sempre foi um desafio para empresas e órgãos
ambientais ante a dificuldade de estabelecer regras que ajustassem o respeito
aos parâmetros ambientais e a expansão das atividades econômicas.
Em 2003, a NORMAM 1189 estabeleceu algumas normas e procedimen-
tos para padronizar a autorização para as atividades de dragagem e de emissão
de parecer atinente a aterros, em águas jurisdicionais brasileiras (AJB), no que
concerne ao ordenamento do espaço aquaviário e à segurança da navegação.
Porém, foi apenas em 2004 que o CONAMA estabeleceu a Resolução
344/04 a nível federal devido à ausência de padrões ambientais nacionais
para sedimentos, a qual estabelece as diretrizes gerais e procedimentos míni-
mos para avaliação do material a ser dragado em águas jurisdicionais brasilei-
ras, em conformidade com a Convenção de Londres.

4.5 Outros Institutos

Por fim, cumpre pontuar que outros institutos reforçam a preocupação


ambiental no setor marítimo e portuário como, por exemplo, a Agenda Am-
biental Portuária (APP), Índice de Desempenho Ambiental Portuário (IDA)
e Auditoria Ambiental.

SUGESTÃO DE CASO GERADOR

No dia 01/01/2007, durante uma operação de transferência de nafta do


navio NT Jerry’n Gonsa para um terminal em Cubalatão, nove litros de pro-
duto foram ao mar.
Apurou-se que o fato foi originado por despressurização na conexão entre
os mangotes de transferência do navio para o terminal.
A Capitania dos Portos, em rápida inspeção no local, lavrou, no mesmo
dia, auto de infração em face da embarcação, enquadrando a conduta no art.
17 da Lei nº 9.966/2000 c/c art. 36 do Decreto nº 4.136/2002, oferecendo
prazo de 20 dias para a autuada apresentar defesa ou impugnação e aplicando
a multa de R$ 70.000,00.
O que o advogado da proprietária da embarcação poderia alegar em sua
defesa?

89
DPC. NORMAM 11. Disponível
em: <https://www.dpc.mar.mil.br/
normam/N_11/normam11.pdf>.

FGV DIREITO RIO  97


Direito Marítimo

REFERÊNCIAS

Bibliográficas

1 Utilizadas

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MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Curso de Direito Marítimo. 4º Edição.


Volume I — Teoria Geral. São Paulo: Manole, 2013.

MILARÉ, Edis. Direito do Meio Ambiente: doutrina, prática, jurisprudên-


cia, glossário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

PEREIRA, Rucemah Leonardo Gomes. Impactos ambientais em desastres


marítimos. Rio de Janeiro: FUNENSEG, 2003.

PETERS, Edson Luiz; PIRES, Paulo de Tarsa de Lara. Manual de Direito


Ambiental. Curitiba: Juruá, 2000.

POLIDO, Walter. Seguros para riscos ambientais. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005.

PORTO, Marcos; TEIXEIRA, Sergio. Portos e Meio Ambiente. São Paulo:


Aduaneiras, 2002.

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cional. Curitiba: Juruá, 2008.

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www.abtc.org.br/>.

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Associação Brasileira das Empresas de Apoio Marítimo: < http://www.abe-


am.org.br/>.

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Comissão Coordenadora dos Assuntos da Organização Marítima Internacio-


nal (CCA-IMO): <https://www.ccaimo.mar.mil.br>.

Diretoria de Portos e Costas: <https://www.dpc.mar.mil.br/pagina.html>.

ESPO — European Sea Ports Organisation: < http://www.espo.be/ >.

IBAMA — Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais


Renováveis: < http://www.ibama.gov.br/>.

IBGE — Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: < http://www.ibge.


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IPEA — Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada: < http://www.ipea.gov.


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Marinha do Brasil: < http://www.marinha.mil.br/>.

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Ministério dos Transportes: < http://www.transportes.gov.br/>.

Organização Marítima Internacional: <www.imo.org>.

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Secretaria de Portos: < http://www.portosdobrasil.gov.br/>.

Tribunal Marítimo: < https://www.mar.mil.br/tm/>.

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http://unctad.org/en/Pages/Home.aspx>.

FGV DIREITO RIO  99


Direito Marítimo

Legislativas

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BRASIL. Decreto Federal nº 4.871, de 06 de novembro de 2003.

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BRASIL. Decreto nº 5.129, de 6 de julho de 2004.

BRASIL. Decreto nº 6.478, de 09 de junho de 2008.

BRASIL. Decreto nº 6.511, de 17 de julho de 2008.

BRASIL. Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008.

BRASIL. Decreto nº 8.127, de 22 de outubro de 2013

BRASIL. Decreto nº 79.437, de 28 de março de 1977.

BRASIL. Decreto nº 87.566, de 16 de setembro de 1982.

BRASIL. Decreto nº 95.733, de 12 de fevereiro de1988.

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.508, de 04 de março de 1998.

BRASIL. Lei Complementar n° 104, de 10 de janeiro de 2001.

BRASIL. Lei Estadual n° 1.898, de 26 de novembro de 1991.

BRASIL. Lei Federal n° 7.203, de 03 de setembro de 1984.

BRASIL. Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981.

FGV DIREITO RIO  100


Direito Marítimo

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BRASIL. Lei Federal nº 7.542, de 26 de setembro de 1986.

BRASIL. Lei Federal nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.

BRASIL. Lei Federal nº 9.966, de 28 de abril de 2000.

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BRASIL. Lei n° 2.419, de 10 de fevereiro de 1955.

BRASIL. Lei n° 8.374, de 30 de dezembro de 1991.

BRASIL. Lei n° 9.866, de 9 de novembro de 1999.

BRASIL. Lei n° 9.966, de 28 de abril de 2000.

BRASIL. Lei no 10.233, de 5 de junho de 2001.

BRASIL. Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010.

BRASIL. Lei nº 12.815, de 5 de junho de 2013.

BRASIL. Lei nº 5.101, de 04 de outubro de 2007.

BRASIL. Lei nº 7.542, de 26 de setembro de 1986.

BRASIL. Lei nº 7.735, de 22 de fevereiro de 1989.

BRASIL. Lei nº 7.797, de 10 de julho de 1989.

BRASIL. Lei nº 8.617, de 04 de janeiro de 1993.

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BRASIL. Normam — Normas da Autoridade Marítima.

BRASIL. Portaria MMA n° 319, de 18 de 09 de 2003.

FGV DIREITO RIO  101


Direito Marítimo

BRASIL. Portaria nº 24, de 04 de abril de 2007.

BRASIL. Resolução ABNT NBR 10.004/2004, de 31 de maio de 2004.

BRASIL. Resolução ANTAQ nº 2190, de 28 de julho de 2011.

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BRASIL. Resolução CONAMA nº 344, de 7 de maio de 2004.

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BRASIL. Resolução CONAMA nº 398, de 11 e junho de 2008.

BRASIL. Resolução CONAMA nº 472, de 27 de novembro de 2015.

FGV DIREITO RIO  102


Direito Marítimo

AULA VI — SEGUROS MARÍTIMOS — P&I

ROTEIRO DE ESTUDO

1 SEGUROS MARÍTIMOS

1.1 Aspectos gerais do contrato de seguro

A indústria da navegação e do transporte marítimo, bem como outras


diversas operações comerciais relacionadas à área, envolve vultoso capital eco-
nômico, o que, por um lado, pode significar considerável retorno aos grandes
investimentos realizados e, por outro, grandes prejuízos.
Isto porque as atividades em comento, notadamente o transporte marí-
timo, normalmente estão submetidas a grandes riscos, os quais, caso mate-
rializados, podem resultar em prejuízos extraordinários que nem sempre são
passíveis de absorção pelas reservas financeiras das empresas envolvidas.
Nesse sentido, inclusive, emprega-se a expressão “Aventura Marítima” à
navegação sobre o mar, em razão da dificuldade de controlar ou suportar as
imprevisíveis, irresistíveis e inevitáveis intempéries da natureza.90
Em virtude dos riscos e probabilidades de ocorrência de grandes prejuízos
para os players da área marítima, ainda que presente a adoção de medidas de
prevenção rigorosas e teoricamente eficazes, insurge a necessidade de obten-
ção de garantias de forma a conceder a segurança imprescindível ao desem-
penho das atividades econômicas.
Trata-se do relevante instituto do seguro, segundo o qual se opera a trans-
ferência de risco para terceiro, o segurador. Sobre o assunto, registre-se, in-
clusive, que o primeiro ramo do seguro a ser praticado era relacionado exata-
mente à área marítima.
Nos termos da definição legal, “Pelo contrato de seguro, o segurador se
obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do
segurado, relativo à pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.” (Art.
757 do Código Civil).
A definição do contrato de seguro, nas palavras de César Fiúza,91 afigura-
-se pertinente, verbis: “É o contrato pelo qual uma das partes, o segurador,
se obriga para com a outra, o segurado, mediante recebimento de prêmio, a
indenizá-la, ou a terceiros, de prejuízos resultantes de riscos futuros e incer- 90
Registre-se que atualmente, com a
tos, mas previsíveis.” significativa evolução tecnológica, há
Trata-se de um contrato aleatório, uma vez que suas prestações poderão corrente doutrinária e jurisprudencial
que rechaça o referido conceito.
variar de acordo com o bem segurado; bilateral, pois gera direitos e obrigações 91
FIÚZA, César. Direito Civil – Curso
tanto para o segurado como para o segurador; oneroso, já que a prestação do Completo. 5. ed. Rio de Janeiro: Del
Rey, 2002.

FGV DIREITO RIO  103


Direito Marítimo

segurado corresponde uma contraprestação do segurador, visando sempre a


uma vantagem econômica; e solene, pois exige a forma escrita.
O seguro tem como fundamento a garantia prestada pelo segurador no
sentido de suportar (indenizar/ressarcir) prejuízos advindos de riscos prede-
terminados no contrato (apólice) e efetivamente materializados na realidade
(sinistros).
Neste aspecto, note-se que a interpretação da cobertura securitária sempre
deve ser levada a efeito de maneira restritiva, de forma a evitar o desequilíbrio
entre a relação prêmio — riscos cobertos, a qual é obtida por meio de com-
plexos cálculos atuariais.92
Importante registrar que algumas apólices preveem a participação do
segurado em um percentual previamente fixado sobre o prejuízo. Referida
participação denomina-se franquia, a qual normalmente é deduzida no paga-
mento da indenização securitária.
O contrato de seguro é regulamentado de forma geral no Código Civil de
2002, do artigo 757 a 802, havendo disposição específica sobre seguros ma-
rítimos no Código Comercial de 1850, do artigo 666 a 730, normas esparsas
(Decreto-Lei n° 73/1966, entre outras) e normas administrativas expedidas
pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) e Conselho Nacional
de Seguros Privados (CNSP), órgãos que regulamentam e fiscalizam o setor.
O Seguro Marítimo é definido pelo Código Comercial Brasileiro como o
contrato:

[...] pelo qual o segurador, tomando sobre si a fortuna e riscos do


mar, se obriga a indenizar ao segurado da perda ou dano que possa
sobrevir ao objeto do seguro, mediante um prêmio ou soma determi-
nada, equivalente ao risco tomado, só pode provar-se por escrito, a
cujo instrumento se chama apólice; contudo julga-se subsistente para
obrigar reciprocamente ao segurador e ao segurado desde o momento
em que as partes se convierem, assinando ambas a minuta, a qual deve
conter todas as declarações, cláusulas e condições da apólice. (art. 666)

1.2 Princípios básicos da operação de seguro

1.2.1 Princípio da boa fé


92
Nesse sentido: “Majoração do risco
coberto, descompasso existente entre
Em geral, para contratar o seguro de um determinado bem, o interessado a realidade resultante do risco atual e
do valor do prêmio.” BRASIL. Tribunal de
deverá fornecer à empresa seguradora uma descrição completa do mesmo, Justiça do Estado do Rio de Janeiro. AC
n. 2007.001.56739. Julgado em 05 de
especificando sua natureza, seu valor, peso bruto e líquido, riscos a serem dezembro de 2007. Vide também: BRA-
cobertos, a fim de que o segurador possa calcular o valor do prêmio e da SIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio
de Janeiro. AC n. 55760/2007. BRASIL.
franquia a ser fixada na apólice. Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo. AC n. 983625-0/1.

FGV DIREITO RIO  104


Direito Marítimo

Por isso, é indispensável que, ao fazer suas declarações, o segurado proceda


com estrita boa-fé, agindo de maneira transparente com o segurador, não
omitindo fatos que possam influir na avaliação do risco e na aceitação do
seguro.

1.2.2 Princípio da veracidade

Corolário óbvio do princípio da boa fé, o princípio da veracidade sustenta


que as declarações e informações prestadas pelo segurado correspondam exa-
tamente à estrita verdade dos fatos, sendo certo que a eventual constatação de
informações errôneas, feitas de má-fé, poderá ensejar a anulação do contrato
e consequente perda do direito ao seguro.93

1.2.3 Princípio do mutualismo

Sob a ótica do princípio do mutualismo, é mais fácil suportar coletiva-


mente as consequências danosas de acontecimentos individuais do que deixar
o indivíduo, só e isolado, às voltas de tais consequências. Dessa forma, o
seguro representa a divisão entre um grande número de pessoas do prejuízo
experimentado por elas em decorrência de um sinistro.

1.3 Elementos fundamentais do contrato de seguro

O elemento fundamental do seguro é o risco. Trata-se da possibilidade de


um acontecimento danoso, capaz de perturbar um equilíbrio econômico, de
um “evento incerto ou de data incerta que independe da vontade das partes
contratantes e contra o qual é feito o seguro. O risco é a expectativa de sinis-
tro.”94
De acordo com a Commission of Insurance Terminology da American Risk
and Insurance Association “risco é a incerteza que se tem no resultado de um
evento, quando existem duas ou mais possibilidades.” 93
Art. 766 do Código Civil: “Se o segu-
rado, por si ou por seu representante,
Contudo, é importante frisar que o risco aqui considerado como aconteci- fizer declarações inexatas ou omitir
mento danoso incerto não se confunde com a condição ou o termo, uma vez circunstâncias que possam influir na
aceitação da proposta ou na taxa do
que estes dependem da vontade humana, enquanto aquele é independente da prêmio, perderá o direito à garantia,
além de ficar obrigado ao prêmio
vontade do contratante. vencido.
O risco definirá a modalidade de seguro a ser contratada, sendo certo que, Parágrafo único. Se a inexatidão ou
omissão nas declarações não resultar
em nenhuma hipótese, o contrato de seguro poderá ter como objeto um risco de má-fé do segurado, o segurador terá
direito a resolver o contrato, ou a cobrar,
impossível de ocorrer. mesmo após o sinistro, a diferença do
prêmio.”
94
Dicionário de seguros do IRB, p. 123.

FGV DIREITO RIO  105


Direito Marítimo

Outra ferramenta do contrato de seguro é o cálculo das probabilidades.


Por meio desse cálculo prevê-se com grande aproximação o número de si-
nistros (acontecimentos de um mesmo gênero) que se deverão verificar em
prazo determinado, em uma certa região e em um dado número de casos.
Este cálculo de probabilidades aliado à espécie de risco que o segurado
estará sujeito a enfrentar permitem a fixação do prêmio de seguro devido pelo
segurado.

1.4 Resseguro

O resseguro é um mecanismo de transferência de riscos garantidos por


uma seguradora (que passa a ser denominada cedente ou ressegurada neste
processo), cuja retenção não é financeiramente viável e/ou estrategicamente
interessante, para outra seguradora (então ressegurador).
O resseguro é um tipo de pulverização em que o segurador transfere a ou-
trem, total ou parcialmente, o risco assumido, sendo, em resumo, um seguro
da seguradora.
Entretanto, há que se observar que a seguradora, independentemente das
cessões de resseguro que realizar, permanece integralmente responsável, pe-
rante o segurado, pela garantia dos riscos cobertos pela apólice emitida, bem
como pelo pagamento de eventual indenização securitária. Após mais de 60
anos de monopólio do IRB — Instituto de Resseguros do Brasil — nas ope-
rações de resseguro e retrocessão, ocorreu a abertura do mercado no ano
de 2007/2008. A Lei Complementar n° 126/2007 e a Resolução CNSP n°
168/2007 dispõem que as operações de resseguro e retrocessão passam a ser
realizadas por resseguradoras locais, admitidas e eventuais.
A regulamentação traz, dentre outras inovações, os critérios para as resse-
guradoras se registrarem junto à SUSEP, regras sobre a participação e opera-
ções das mesmas no mercado, etc.

1.5 Retrocessão

Operação feita pelo ressegurador e que consiste na cessão de parte das


responsabilidades por ele aceitas a outro ou outros resseguradores. Em outro
enfoque: é o seguro de um ressegurador.
Os contratos de retrocessão são, basicamente, da mesma natureza dos uti-
lizados em operações de resseguro, deles diferindo apenas na condição dos
participantes, pois enquanto o segurador direto faz cessões em resseguro, o
ressegurador faz retrocessões a outros resseguradores.

FGV DIREITO RIO  106


Direito Marítimo

Em qualquer caso, tanto nas operações de resseguro quanto nas de re-


trocessão, o ressegurador e o retrocessionário, como regra geral, obrigam-se
apenas com as entidades que lhes fizeram cessões ou retrocessões, e não dire-
tamente com os segurados ou com os cedentes anteriores.

1.6 Mercado internacional de seguros

1.6.1 O LLOYD’S

Em 1678 foi fundada, em Londres, uma das primeiras sociedades de so-


corro mútuo do mundo, o Lloyd’s. Esta sociedade nasceu em um bar, de
propriedade do comerciante Edward Lloyds, onde era comum o encontro
de navegadores e pessoas interessadas nos negócios envolvendo os riscos da
expedição marítima.
A partir desses encontros, a atividade seguradora que, até então, era rea-
lizada de forma individualizada, por meio de banqueiros ou de simples em-
prestadores de dinheiro, passou a ser também concretizada por meio de duas
companhias inglesas de seguro, que mantiveram o monopólio dessa atividade
até o início do século XIX.
Atualmente, o Lloyd’s tornou-se uma verdadeira bolsa de seguros e resse-
guros, sendo composto por companhias de seguros, ressegures e corretores.

1.7 Mercado segurador brasileiro

O mercado segurador encontra-se atualmente muito aquecido e em franca


expansão, particularmente considerando crescimento de renda e a ascensão
social de 50 milhões de brasileiros, bem como o ingresso de grandes empresas
multinacionais após a quebra do monopólio estatal do resseguro.
Em 2014 o mercado de seguros brasileiro atingiu R$ 322 bilhões em prê-
mios, alcançando uma participação de 7% no Produto Interno Bruto (PIB).
Em 2015, de acordo com a SUSEP, o primeiro trimestre do mercado de segu-
ros brasileiro apresentou crescimento de 22,4% em relação ao mesmo perío-
do de 2014, atingindo R$ 42,5 bilhões em prêmios, contra R$ 34,7 bilhões
no primeiro trimestre de 2014.

1.8 Seguro Casco e Máquinas

O Seguro Casco e Máquinas95 visa, sobretudo, a fornecer ao Segurado ou


Beneficiário garantia de indenização aos prejuízos que atinjam a embarcação 95
Hull & Machinery Insurance.

FGV DIREITO RIO  107


Direito Marítimo

segurada, no que concerne ao casco, suas máquinas e todos os seus aparelhos, 96


Art. 690 do Código Comercial:
Declarando-se genericamente na apó-
motores, instalações, equipamentos, peças, provisões, suprimentos e demais lice, que se segura o navio sem outra
alguma especificação, entende-se que
pertences ou parte dos mesmos96 e/ou a outro interesse em risco abrangido o seguro compreende o casco e todos
por este seguro, em viagem ou não, em quaisquer serviços e tráfegos no mar os pertences da embarcação, aprestos,
aparelhos, mastreação e velame, lan-
ou em rios, canais ou outra via navegável, em portos ou ancoradouros, ou em chas, escaleres, botes, utensílios e vir-
tualhas ou provisões; mas em nenhum
diques, estaleiros, carreiras ou rampas. caso os fretes nem o carregamento, ain-
da que este seja por conta do capitão,
Inicialmente, cumpre observar que o Código Comercial contém dispo- dono ou armador do navio.
sições relacionadas ao seguro de navios, sendo certo que algumas foram, in- 97
Circular SUSEP n° 001/85
clusive, inseridas na Circular SUSEP n° 001/1985 (alterada pelas Circulares 6 – RISCOS NÃO COBERTOS
6.1 – Falta de Condições de Nave-
SUSEP n°s. 08/1985, 40/1985 e 27/1987), a qual regulamenta a Apólice de gabilidade – A Seguradora não res-
ponderá por qualquer prejuízo nem
Casco e Máquinas, definindo condições gerais, cláusulas básicas e adicionais indenizará qualquer perda ou dano
proximamente causado ou atribuível à
de cobertura e outras questões atinentes. inavegabilidade da embarcação cober-
O seguro pode ser pactuado por viagem ou por prazo determinado. Sendo ta por esta apólice:
a) nos seguros por viagem, se a
que os riscos segurados são, via de regra, relacionados à fortuna do mar, in- embarcação não tiver, ao início do
risco, condições satisfatórias de nave-
cêndio, raio, terremoto, intempérie, ou alijamento, ou barataria, ou rebeldia gabilidade para levá-la a bom termo;
do capitão e/ou de tripulantes (inclusive motim a bordo, pilhagem, predação, e, se a viagem compreender etapas
distintas que demandem equipamento
detenção, retenção, desvio, encalhe, varação e afundamento da embarcação), ou aprestamento especial, se não tiver
tais condições em cada etapa de per si;
e por todos os outros riscos e perigos de tipo e natureza semelhantes, acidentes b) nos seguros a prazo quando, em
qualquer tempo e com o conhecimen-
no carregamento, na descarga, no manuseio ou na movimentação da carga, to e tácito assentimento do segurado,
ou no abastecimento da embarcação, acidentes na entrada, saída ou durante seu proprietário/armador ou adminis-
trador, a embarcação se fizer ao mar
a permanência em diques, estaleiros, carreiras ou rampas, explosões a bordo ou outra via navegável, iniciando ou
prosseguindo viagem ou operação, sem
ou fora, pane de geradores, motores ou de outra maquinaria elétrica, estouro que para tanto tenha condições satisfa-
tórias de navegabilidade e segurança.
de caldeiras, quebras de eixos ou qualquer defeito latente na maquinaria ou 6.2 – Vício Próprio – Esta apólice não
no casco (excluindo-se o custo de reposição ou de reparação da parte defeitu- cobre o vício próprio, o uso e desgaste,
ou a deterioração do objeto segurado
osa), pane ou acidentes com instalações ou reatores nucleares a bordo ou fora, ou de parte do mesmo, nem as des-
pesas necessárias à sua eliminação; e
negligência do capitão, de oficiais, de tripulantes ou de práticos, negligência a Seguradora não indenizará qualquer
de afretadores e/ou reparadores; contato com aeronave, foguete ou míssil perda ou dano proximamente causado
ou atribuível a quaisquer daqueles fa-
similar; contato com qualquer transportadora ou movimentadora terrestre, tores, salvo na hipótese de “Vício Ocul-
to” admitido pela Seguradora ou pelo
com equipamento ou instalação do cais ou do porto, erupção vulcânica. Tribunal Marítimo, ou pela autoridade
judicial competente, em decisão final.
No âmbito das Condições Gerais estabelecidas pela Circular SUSEP,97 6.3 – Fato do Segurado – A Segura-
restou definido que, salvo estipulação expressa em contrário na apólice, os dora não responderá por qualquer pre-
juízo proximamente causado ou atri-
seguintes riscos não estão cobertos: 1. Falta de Condições de Navegabilidade; buível a fato do Segurado, mas, salvo
disposição em contrário nesta apólice,
2. Vício Próprio; 3. Fato do Segurado; 4. Operações Ilícitas; 5. Roeduras por responderá por qualquer prejuízo pro-
Vermes; 6. Quarentena ou Estadia em Porto; 7. Lucros Cessantes; 8. Polui- ximamente causado por risco objeto da
cobertura, ainda que tal prejuízo não
ção; 9. Riscos de Radioatividade; 10. Roubo e Furto; 11. Riscos de Guerra; devesse ter ocorrido senão por falta
ou negligência do Capitão, dos Oficiais,
12. Greve ou Correlatos. do prático ou da tripulação. Para os
fins deste item, a palavra “Segurado”
Em conformidade com os riscos predeterminados nas Condições Gerais, compreende também o proprietário,
foram estabelecidas três coberturas básicas para o Seguro de Casco e Má- armador ou administrador que detiver
o efetivo controle e gerência da embar-
quinas: Cobertura 1 — Perda Total (PT), Assistência e Salvamento (AS), cação Segurada.
6.4 – Operações Ilícitas – Esta apó-
Avaria Grossa (AG); Cobertura Básica 2 — Perda Total (PT), Assistência e lice não dá qualquer cobertura, seja a
que título for, aos riscos diretamente
Salvamento (AS), Avaria Grossa (AG), Responsabilidade Civil por Abalroa- resultantes do emprego da embarcação
ção (RCA); Cobertura Básica 3 — Perda Total (PT), Assistência e Salvamen- no contrabando ou em outra operação,
tráfego ou comércio ilícito ou clandes-

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Direito Marítimo

to (AS), Avaria Grossa (AG), Responsabilidade Civil por Abalroação (RCA), tino, ou em violação de bloqueio, e
Avaria Particular (AP); a Seguradora não admitirá qualquer
pedido de indenização de prejuízos
Depreende-se da análise do sumário das Coberturas Básicas que a Cober- proximamente causados ou atribuíveis
àqueles riscos, quer tal emprego ocorra
tura Básica 1 é a garantia mínima a ser concedida, sendo que há ampliações com a conivência do Segurado, arma-
dor ou administrador da embarcação,
nas outras duas. quer decorra de sua negligência carac-
terizada ou omissão culposa (subitem
5.2.1) em relação ao disposto na alínea
“c” do item 5.2 da Cláusula 5.
6.5 – Desvio de Rota – Nos seguros
1.8.1 Perda Total (PT) por viagem, a agravação dos riscos re-
sultante do desvio ou prolongamento
voluntário da rota originalmente pre-
A Perda Total da embarcação, para fins do Seguro Casco e Máquinas, pode vista na apólice e os prejuízos daí de-
correntes só terão cobertura mediante
ser considerada Real ou Construtiva. o cumprimento do disposto no item 1.2
A Perda Total Real ocorre quando: a) o objeto segurado é destruído ou tão da Cláusula 1 (COBERTURA); salvo em
caso de força maior, como medida de
extensamente danificado que deixa de ter as características da coisa segurada; segurança para o navio e/ou sua carga,
ou para prestação de socorro ou assis-
b) o Segurado fica irremediavelmente privado do objeto ou interesse segu- tência a outra embarcação em apuros
e/ou visando ao salvamento de vida
rado; ou c) o objeto segurado é dado como desaparecido após um período humana em perigo.
razoável de efetivas buscas e pesquisas sem resultados positivos.98 6.6 – Roeduras por Vermes, etc.
– Esta apólice não cobre os danos
A Perda Total Construtiva ocorre quando o custo da preservação, recupe- causados a embarcação ou seus per-
tences por roeduras ou perfurações
ração, reparação e/ou reconstrução do objeto segurado for igual ou superior por vermes, insetos ou outros bichos,
nem as despesas de substituição das
a 75% de seu valor ajustado. partes afetadas; quanto aos prejuízos
No cálculo do percentual de 75% acima mencionado não deve ser con- consequentes daqueles danos e apenas
quando caracterizado o “vício oculto”,
siderado o valor que possa ter o objeto segurado ou o que dele restar após o aplica-se o disposto no item 6.2.
6.7 – Quarentena e Estadia em Por-
sinistro, nem a contribuição que se tornaria exigível de terceiros a título de to – Nenhuma reclamação ou indeni-
Avaria Grossa, porém, deve-se computar os custos das operações de salva- zação será admitida sob esta apólice
com base em despesas de invernada
mento ou remoção que se fariam necessárias e a contribuição que caberia à ou quarentena por motivos sanitários
ou regulamentares. Em caso de sinistro
embarcação em caso de Avaria Grossa. coberto por esta apólice, as despesas de
estadia só serão indenizáveis quando e
na medida em que compreendidas em
condição particular anexa à presente
apólice. Em nenhuma outra hipótese
1.8.2 Assistência e Salvamento (AS) caberá qualquer indenização a título
de demora ou estadia da embarcação
no porto.
A cobertura de Assistência e Salvamento refere-se: a) à remuneração ou 6.8 – Lucros Cessantes – Acham-
-se excluídos da cobertura concedida
recompensa devida pelo Segurado a quem atuando por iniciativa própria ou por esta apólice os lucros cessantes,
ou perdas equivalentes sofridas pelo
mediante acordo firmado em termos usualmente aceitos pelos seguradores Segurado ou beneficiário deste seguro,
seja qual for sua causa, origem ou con-
tenha salvado ou participado do salvamento da embarcação ou do objeto ceituação e ainda que decorrentes de
segurado quando em situação de grave perigo real de se perder totalmen- sinistro coberto por esta apólice.
6.9 – Poluição – A poluição que
te ou quando na iminência de sofrer ou gerar outros prejuízos indenizáveis venha a ser causada pela embarcação
segurada, ou que dela se origine, bem
sob apólice pactuada; b) às despesas razoáveis e necessárias, inerentes a tais como as multas, prejuízos, danos e
operações, bem como aos danos por elas causados à embarcação ou objeto responsabilidades que dela resultarem,
acham-se totalmente excluídas da co-
segurado.99 bertura concedida por esta apólice.
6.10 – Riscos de Radioatividade –
Importante destacar que se os serviços de salvamento, reboque ou ou- Ressalvado o disposto na alínea “e”
do item 1.3 da Cláusula 1, a presente
tra assistência, forem prestados por embarcação pertencente, no todo ou em apólice não dá qualquer cobertura aos
parte, ao mesmo armador, ou que seja por este administrada, o valor de tais riscos de radioatividades e às responsa-
bilidades decorrentes.
serviços e a responsabilidade da Seguradora serão igualmente apurados por 6.11 – Roubo e Furto – Não estão
compreendidos na cobertura, nem

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Direito Marítimo

arbitramento, como se as embarcações fossem de inteira propriedade e admi- equiparados à pilhagem e a predação,
para fins desta apólice, o roubo e/ou
nistração de armadores diferentes. furto de peças, pertences ou provisões
da embarcação ou de sua tripulação,
nem o da própria embarcação, pratica-
do por tripulantes ou por outrem.
6.12 – Riscos de Guerra, Greves e
1.8.3 Avaria Grossa (AG) Correlatos – Acham-se igualmente ex-
cluídos da cobertura, salvo disposição
expressa em contrário nas cláusulas
A cobertura de Avaria Grossa abrange a quota de contribuição da embar- ou condições particulares anexas a esta
apólice ou que a ela venham a incorpo-
cação segurada e do frete (este quando em risco e objeto de seguro específico) radas por endosso e apenas na medida
em que tais cláusulas ou condições par-
que for apurada na repartição da Avaria Grossa. ticulares revoguem e prevaleçam sobre
Saliente-se que, em nenhuma hipótese, haverá cobertura securitária para as exclusões objeto desta cláusula e
unicamente enquanto permaneçam
despesas e prejuízos quando feitos ou suportados visando exclusivamente ao em vigor.
I – qualquer perdas, danos ou des-
salvamento e preservação da carga e somente a esta beneficiarem. pesas proximamente causados por,
Importante destacar que a cobertura concedida a título de Avaria Grossa resultantes de, ou incorridas em con-
sequência de:
a) captura, sequestro, arresto, reten-
ção ou detenção ou qualquer tentativa
[...] entende-se absolutamente livre de reclamação por Avaria Par- nesse sentido;
b) hostilidade ou operações bélicas
ticular e de danos ao casco da embarcação segurada por ato de Avaria ou equivalentes tenha ou não havido
Grossa, porém a contribuição da embarcação em Avaria Grossa será uma declaração de guerra; ressalvado
que estas exclusões não se aplicam em
indenizável quando esta se originar da perda de, ou de dano ao equipa- casos de abalroação ou de contato com
aeronaves, foguetes ou mísseis simila-
mento, túneis de amarras, caldeiras, maquinaria, máquinas e motores res, ou com quaisquer objetos fixos ou
flutuantes que não minas, torpedos
auxiliares e de refrigeração, revestimentos térmicos, instalações elétri- ou engenhos de guerra semelhantes,
cas, controles de direção (excluído o leme), âncoras, amarras, cabos, de mau tempo, de encalhe, incêndio
ou explosão que não causados direta-
mastros, guindastes, vergas, velas, botes e respectivas conexões, bem mente por ato hostil de ou contra uma
potência beligerante e independente-
como de qualquer dano causado à embarcação ou a seu equipamento mente da natureza da viagem ou do
para extinção de incêndio a bordo, ou por contatos com outras em- serviço que a embarcação segurada ou
qualquer outra embarcação nela envol-
barcações que lhe estejam prestando assistência ou participando de seu vida esteja executando; e ressalvando
ainda que a expressão “potência”, na
salvamento.100 forma aqui empregada inclui qualquer
autoridade mantendo força naval, ter-
restre ou aérea em associação com uma
potência;
II – qualquer perda, dano, responsa-
1.8.4 Responsabilidade Civil por Abalroação (RCA) bilidade ou despesa causada por qual-
quer pessoa agindo maliciosamente ou
por motivação política e que se origine:
A cobertura de Responsabilidade Civil por Abalroação prevista no Seguro a) de detonação de um explosivo;
b) de qualquer arma de guerra.
de Casco e Máquinas garante o reembolso de 3/4 (três quartos) das indeni- III - qualquer perda, dano, responsa-
bilidade ou despesa que se origine de
zações que, em razão de abalroação ocorrida entre a embarcação segurada qualquer arma de guerra empregando
e outra ou outras embarcações, o Segurado seja condenado, por força de fissão e/ou fusão atômica ou nuclear
ou outra reação semelhante ou força ou
decisão proferida por autoridade competente (judicial ou arbitral) a pagar a matéria-radioativa.

terceiros, por perdas ou danos materiais, lucros cessantes e/ou outros prejuí- 98
Incumbe ao Segurado, ao reclamar
a indenização por Perda Total Real na
zos e despesas. hipótese em comento, fornecer ao Se-
gurador indícios convincentes de que o
Observe-se, por outro lado, que de acordo com o item 3.1 da Circular desaparecimento do objeto segurado
SUSEP n° 001/1985 a cobertura em questão não abrange a prestação de teve lugar durante a vigência desta
apólice.
qualquer fiança ou garantia, nem qualquer quantia que o Segurado custear 99
Circular SUSEP n° 001/1985.
relacionado à: 2.7 – Se a embarcação tiver carga
a bordo e os serviços de Assistência e
Salvamento, prestados ou aceitos sob
acordo formal e no interesse da pre-

FGV DIREITO RIO  110


Direito Marítimo

a) remoção ou eliminação de obstáculos à navegação, destroços ou cargas


ou qualquer outra coisa, por imposição de lei ou de regulamento;
b) perda ou dano real ou potencial causados a qualquer objeto, bem ou
propriedade, que não seja outra embarcação ou bem a bordo desta;
c) poluição ou contaminação de qualquer objeto, bem, propriedade, área
ou local, seja qual for, excetuadas unicamente, a poluição ou contaminação
da outra embarcação (e de bens a bordo desta) com a qual a embarcação se-
gurada tenha abalroado;
d) carga ou outro bem a bordo da embarcação segurada;
e) perdas de vidas ou danos às pessoas a bordo da embarcação segurada ou
em qualquer outra embarcação ou local;
Caso a responsabilidade pela abalroação não seja imputável a apenas uma
das embarcações envolvidas, mas haja uma concorrência de culpa, o Segura-
dor apenas será responsável por reembolsar 3/4 do percentual (grau de cul-
pabilidade da embarcação segurada definido por autoridade competente) do
prejuízo sofrido pela outra embarcação.
Em qualquer hipótese, o reembolso não excederá a 3/4 (três quartos) do
valor segurado ou do valor da embarcação segurada, qual seja o menor.
Note-se que na hipótese de outra ou outras embarcações envolvidas na
abalroação também serem seguradas sob esta apólice, ou pertencerem no todo
ou em parte ao Segurado ou ao mesmo armador, ou forem por ele afretadas
e administradas, a cobertura de RCA será aplicada como se as embarcações
estivessem seguradas sob apólices distintas, ou fossem de inteira propriedade
e responsabilidade de diferentes armadores ou administradores.
Encontra-se compreendido ainda na cobertura de RCA o reembolso de
3/4 das despesas incorridas na defesa dos interesses da embarcação segurada
no que for pertinente à rejeição e/ou limitação de responsabilidade pelo abal-
roamento, sendo necessária, entretanto, a prévia concordância da Seguradora.
servação comum, forem reconhecidos
Destaque-se, por oportuno, que é absolutamente vedado ao segurado, sob como Avaria Grossa, a responsabilidade
pena de perda de direito à indenização, reconhecer sua responsabilidade por da Seguradora pelas despesas e de-
mais prejuízos deles decorrentes será
abalroação ou indenizar diretamente terceiro sem decisão judicial ou arbitral limitada à contribuição proporcional
atribuível à embarcação na regulação
determinando tal providência, salvo em caso de anuência expressa do segu- da Avaria Grossa, ainda que o Segurado
renuncie à contribuição da carga; po-
rador.101,102 rém, se a embarcação estiver segurada
Caso reconhecida a configuração de caso fortuito ou força maior pela au- por importância inferior ao seu justo
valor, a indenização ao Segurado será
toridade competente, o segurado não será obrigado a indenizar terceiro, mo- reduzida na medida da insuficiência da
importância segurada.
tivo pelo qual, por óbvio, não há que se falar em reembolso pelo segurador. 100
Item 2.8 da Circular SUSEP n°
001/1985.
101
Art. 787, § 2º do Código Civil: É
defeso ao segurado reconhecer sua
1.8.5 Avaria Particular (AP) responsabilidade ou confessar a ação,
bem como transigir com o terceiro pre-
judicado, ou indenizá-lo diretamente,
Nos termos da Circular SUSEP n° 001/1985, a “cobertura de Avaria Par- sem anuência expressa do segurador.

ticular diz respeito a perdas ou avarias sofridas pelo objeto segurado que não 102
Item 3.6 da Circular SUSEP n°
001/1985.

FGV DIREITO RIO  111


Direito Marítimo

constituam prejuízo por Avaria Grossa e não sejam tratadas como Perda Total
Construtiva.”
Admite-se para fins de Avaria Particular: a) os custos razoáveis dos repa-
ros e/ou substituições recomendados ou reconhecidos como necessário por
peritos vistoriadores indicados ou aceitos pela Seguradora, comprovados,
por faturas quitadas ou documentos equivalentes; b) as despesas em que o
Segurado tenha incorrido em consequência da perda ou avaria e necessária
à execução dos reparos e/ou substituições, na medida em que forem assim
reconhecidos como parte integrante da Avaria Particular e tidas como razoá-
veis nas circunstâncias; c) os honorários e despesas de regulação de avaria; d)
outros custos e despesas admitidos pelo árbitro Regulador e pelo Segurador.
Via de regra, os reparos e/ou substituições devem ter caráter definitivo,
aprovando-se excepcionalmente provisórios quando: a) expressamente reco-
mendados pelo perito da Seguradora; ou, b) indispensáveis à boa execução
posterior dos reparos definitivos; ou, c) proporcionarem uma redução com-
pensadora nos custos e despesas com os reparos definitivos.
Necessário salientar que a cobertura de AP não engloba: a) reparos ou
substituições de partes ou peças que apresentem defeitos de construção, fa-
bricação, reparação ou instalação, vício próprio conhecido ou oculto ou afe-
tadas pelo uso e desgaste natural ou por deterioração gradual; b) despesas
de raspagem e/ou pintura do fundo do casco, salvo quando tais despesas
constituírem parte do reparo da avaria parcial indenizável do fundo do casco
e limitadas à parte assim preparada; c) despesas com rancho e soldadas do
Capitão, Oficiais e demais tripulantes, ou de qualquer deles, exceto quando
for necessário remover a embarcação de um para outro porto onde as avarias
devam ser reparadas, ou durante viagem de experiência para testar os reparos
efetuados, casos em que tais despesas serão admitidas em Avaria Particular
exclusivamente pelo tempo em que a embarcação estiver efetivamente sendo
removida ou em viagem de experiência e na medida em que não sejam, no
todo ou em parte recuperáveis em Avaria Grossa; d) despesas de ratificação
de Protesto Marítimo, feitas no exclusivo interesse da cobertura de Avaria
Particular concedida sob esta cláusula; e) perdas ou avarias parciais que não
tiverem sido substituídas ou reparadas, quando, ainda durante a vigência des-
ta apólice, ocorrer a Perda Total do objeto segurado, ou quando esta Perda
Total tiver ocorrido após o vencimento desta apólice e o objeto segurado não
houver sido vendido.

1.9 Clube P&I (Protection and Indemnity)

Os Clubes P&I são associações formadas pelos próprios armadores/ope-


radores e afretadores que têm como escopo o seguro mútuo dos riscos não

FGV DIREITO RIO  112


Direito Marítimo

abrangidos pelas apólices securitárias convencionais, tendo sido inicialmente


formados para suprir a lacuna de 25% dos danos causados a outra embarca-
ção em razão de abalroação (Cobertura RCA) que o seguro de Casco e Má-
quinas não garantia. Posteriormente, a cobertura oferecida pelos Clubes P&I
foi sendo estendida para diversos outros riscos.
Em linhas gerais, os Clubes P&I visam proteger os interesses e responsa-
bilidades das empresas envolvidas na exploração dos navios, não contendo
qualquer fim lucrativo, sendo importante notar que os prêmios recebidos dos
Armadores somados aos investimentos devem corresponder exatamente às
indenizações pagas, despesas incorridas e custos administrativos.
Importante salientar que a proteção concedida pelos Clubes P&I, em
princípio, não se confunde com um contrato de seguro, tendo em vista que
o instituto consiste na contribuição de todos os membros em determinado
prejuízo suportado por apenas um, não havendo o pagamento de indeniza-
ção propriamente dita pelo Clube ao membro. O Clube P&I funciona basi-
camente como um administrador/gerenciador do fundo destinado à garantia
de determinados riscos.
Nesse sentido, transcreva-se, por oportuno, doutrina inglesa, verbis:

[…] a person may belong to a society (such as a P. & I. Club) whose ru-
les do not entitle him to an indemnity but only to contributions from other
members towards his loss. Since the essence of a contract of insurance is that
the insured should be entitled to an indemnity, it seems that in such a case
there cannot be a contract of insurance.103

Atualmente, os Clubes P&I de maior tradição e com maior representa-


tividade de cobertura de riscos (90% da frota mundial) pertencem a uma
associação denominada “International Group of P&I Clubs”. São eles: Britan-
nia, Shipowners, West of England, North of England, London Club Swedish
Club, Liverpool & London, Standard Club, Skuld, Gard, Steamship Mutual,
American Club, Japan Club.
Todos os Clubes P&I encontram-se sediados no exterior e têm como ór-
gão máximo um Conselho de Diretores que são formados por representantes
dos membros e definem a política, o planejamento estratégico e nomeiam os
gerentes (managers) que serão responsáveis pela administração e condução
das atividades.
Os managers basicamente podem ser divididos em três principais setores
de atuação: underwriting (especialistas em subscrição de riscos), financing e
claims handling.
Por outro lado, ainda que sediados no exterior, os Clubes P&I possuem
correspondentes em praticamente todos os portos do mundo para prestar o
suporte necessário aos seus membros. 103
MCGILLIVRAY; PARKINGTON. Insuran-
ce Law. 8th ed. Londres: [s.d.], 1998.

FGV DIREITO RIO  113


Direito Marítimo

As empresas que pretendem se tornar membro de um Clube P&I e segu-


rar determinada embarcação devem preencher um formulário de aplicação
denominado Entry Form contendo, principalmente, as seguintes informa-
ções: nome do navio, país de registro, porto de registro, idade do navio, tipo
de navio, tonelagem, nome do membro, posição do membro (armador, ope-
rador, afretador etc.), endereço do membro, sociedade classificadora, trade da
embarcação (liner, tramp, tanker etc.), data de início dos riscos, nacionalida-
de da tripulação, nome e endereço dos administradores, agentes, operadores
e brokers, detalhes do Seguro Casco e Máquinas etc.
Note-se que, nesta fase, deve-se observar amplamente o princípio geral do
seguro no que se refere ao fornecimento irrestrito de todas as informações,
documentos e circunstâncias que impactam no risco a ser assumido pelo
P&I, o qual, por sua vez, é lastreado na inafastável boa-fé contratual.
Não obstante a existência de certificados emitidos por Sociedades Classi-
ficados sobre as embarcações cujos riscos pretende-se segurar por um Clube
P&I, é praxe a realização de vistorias por peritos nomeados pelo Clube, tendo
em vista que o escopo das classificadoras é atestar, sobretudo, a observância
dos critérios de seaworthiness, ao passo que o intuito da vistoria designada
pelo Clube é avaliar os potenciais focos de riscos/sinistros, notadamente no
que se refere ao transporte de carga, passageiros e tripulantes.
Note-se, entretanto, que a vistoria por perito nomeado pelo Clube P&I
não necessita ocorrer necessariamente a bordo, podendo ser realizada por
meio da análise de laudos de vistoria recentes.
Com base nas informações e documentos coletados, o formulário de apli-
cação será aceito ou rejeitado. Por outro lado, ressalte-se que existe a possibili-
dade de aceitação de aplicação ainda que a embarcação apresente grave defei-
to, sendo certo que será efetuada ressalva quanto à inexistência de cobertura
de prejuízos advindos da referida circunstância (Defects Warranty).
Destaque-se que a contraprestação dos membros é o pagamento de um
prêmio, o qual é calculado por meio da avaliação dos riscos de sinistro da
embarcação segurada. Nesse aspecto, algumas circunstâncias certamente são
levadas em consideração pelos subscritores tais como: qualidade de geren-
ciamento dos navios, experiência do armador, certificados, características da
embarcação, áreas de operação, tipo de carga, escopo da cobertura, solidez
financeira do membro etc.
Os Clubes P&I não emitem uma apólice formal para os membros aceitos,
sendo que as coberturas, detalhes de associação, obrigações e condições são
definidas e estabelecidas pelas Regras do Clube (Club Rules), as quais devem
ser lidas e interpretadas em conjunto com o formulário de aplicação, com os
atos constitutivos do Clube P&I (regulam a relação entre Membros e o Clu-
be), e outras informações e documentos trocados.

FGV DIREITO RIO  114


Direito Marítimo

Dentre as coberturas fornecidas pelos Clubes P&I, que, sobretudo, rela-


cionam-se com responsabilidade civil, vale destacar:
a) despesas de arribada;
b) avarias à propriedade de terceiros, em terra ou no mar, fixa ou flutuante;
c) responsabilidade por avaria, perda ou falta de carga;
d) avarias a outra embarcação decorrentes de abalroação, desde que não
cobertas por apólice de Casco e Máquinas;
e) custos e despesas com remoção de destroços (wreck removal);
f ) responsabilidade por perda de vida ou acidente pessoal causado à tripu-
lante, passageiro ou terceiro;
g) despesas e custos com desertores, clandestinos e refugiados;
h) despesas de salvamento e avaria grossa, desde que não cobertas por
apólice de Casco e Máquinas;
i) multas e indenizações relacionadas à poluição por óleo;
j) despesas incorridas para mitigação de prejuízos que teriam cobertura;

Uma cobertura especial oferecida pelos Clubes P&I denomina-se Freight,


Demurrage & Defense (FD&D), a qual concede cobertura para questões re-
lacionadas a frete, sobre-estadia e despesas de assistência na condução de
reclamações (ex.: assistência jurídica e de peritos).
Como a cobertura fornecida pelos Clubes P&I trata-se, principalmente,
de responsabilidade civil perante terceiros, o membro é obrigado a notificar
imediatamente a ocorrência de um sinistro e/ou reclamação (Prompt Notice)
para que as medidas cabíveis e adequadas possam ser tomadas em tempo há-
bil de forma a resguardar os interesses de ambas as partes (perícias, vistorias,
protestos, intervenção de advogados etc.).
Ainda nesse sentido, o membro é obrigado a tomar todas as medidas ne-
cessárias para mitigar eventuais prejuízos cobertos (Sue and Labor), sendo-lhe
ainda vedado reconhecer quaisquer responsabilidades sem a prévia anuência
do Clube P&I, sob pena de perda de direito ao ressarcimento.

1.10 DPEM

O seguro obrigatório DPEM, instituído pela Lei nº 8.374/1991 e regula-


do pela Resolução CNSP n° 128/2005 (alterada pelas Resoluções CNSP n°s
152/2006 e 237/2011), tem por finalidade dar cobertura aos danos pessoais
causados por embarcações ou por sua carga às pessoas embarcadas, transpor-
tadas ou não transportadas, inclusive aos proprietários, tripulantes e condu-
tores das embarcações, independentemente da embarcação estar ou não em
operação.

FGV DIREITO RIO  115


Direito Marítimo

A obrigatoriedade de contratar o DPEM atinge todos os proprietários ou


armadores em geral, de embarcações nacionais ou estrangeiras sujeitas à ins-
crição nas Capitanias dos Portos ou repartições a estas subordinadas.
Os danos pessoais cuja cobertura é fornecida pelo referido seguro com-
preendem as indenizações por morte (R$ 13.500,00), invalidez permanente
(até R$ 13.500,00) e despesas de assistência médica e suplementares (até R$
2.700,00).

1.11 Seguro de Transporte Marítimo (Carga)

Conforme anteriormente mencionado, as atividades desenvolvidas no


âmbito da navegação, nestas incluído o transporte marítimo, apresentam
consideráveis riscos para as partes envolvidas.
Nesse sentido, proprietários, armadores, operadores, afretadores e trans-
portadores procuram o amparo do instituto das coberturas fornecidas pelos
seguros de Casco e Máquinas e pelos Clubes P&I.
No que se refere aos interesses da carga transportada via marítima tam-
pouco há distinção. Os players (importadores, exportadores, trading compa-
nies etc.) deste ramo específico normalmente contratam seguro de transporte
para não suportar riscos de eventuais prejuízos relacionados à avaria, perda ou
falta de suas cargas ocorridas durante a operação de transporte.
Importante registrar que a responsabilidade pela contratação do seguro é
estabelecida entre as partes no contrato comercial de compra e venda da car-
ga, utilizando-se para a questão, via de regra, os INCOTERMS,104 os quais
definem qual será a parte que suportará os riscos do transporte marítimo.
O seguro do transporte marítimo, de acordo com o tipo de navegação,
pode ser classificado em:
a) seguro marítimo de cabotagem;
b) seguro fluvial, lacustre e no mesmo porto;
c) seguro de viagens internacionais (longo curso — importação ou expor-
tação).
As apólices de seguro relacionadas ao transporte são reguladas pela Cir-
cular SUSEP n° 354/2007, a qual se aplica aos bens segurados em viagens
aquaviárias, terrestres e aéreas, nos percursos nacionais e internacionais e
apresenta condições contratuais padronizadas.105
O Segurado, conforme sua conveniência, pode contratar apólice avulsa 104
International Commercial Terms – Câ-
(destina-se a cobrir um único embarque/viagem), apólice de averbação/aber- mara Internacional do Comércio.

ta (destina-se a cobrir diversos embarques, sendo estes comunicados à Segu- 105


Art. 3º da Circular SUSEP n°
354/2007: “É permitida a inclusão de
radora por meio de formulário ou meio eletrônico, denominado averbação) coberturas não previstas nestas con-
dições padronizadas, bem como even-
ou apólice anual com prêmio fracionado (destinada a cobrir diversos embar- tuais alterações, observadas as demais
ques, com prêmio fixo ou ajustável), sendo que as duas últimas afiguram-se disposições desta norma e de outros
normativos específicos.”

FGV DIREITO RIO  116


Direito Marítimo

mais comuns para uma empresa que possui um fluxo considerável e continu-
ado de negócios que demandam a utilização de transporte.
As condições padronizadas da Circular SUSEP n° 354/2007 apresentam
três tipos de coberturas básicas (A, B e C), as quais podem ser ampliadas com
a inserção de cláusulas adicionais.
A cobertura básica ampla (A — All Risks) oferece a garantia mais abran-
gente para eventuais prejuízos à mercadoria objeto do seguro sem enumerar/
limitar os riscos, sendo plenamente indenizáveis as avarias particulares (dano
ou perda parcial).
A cobertura básica restrita B abrange uma garantia intermediária sem co-
brir tantos riscos com a All Risks. Referida cobertura garante ao segurado os
danos causados ao objeto segurado exclusivamente por a) incêndio, raio ou
explosão; b) encalhe, naufrágio ou soçobramento do navio ou embarcação; c)
capotagem, colisão, tombamento ou descarrilamento de veículo terrestre; d)
abalroamento, colisão ou contato do navio ou embarcação com qualquer ob-
jeto externo que não seja água; e) colisão, queda e/ou aterrissagem forçada da
aeronave, devidamente comprovada; f ) descarga da carga em porto de arri-
bada; g) carga lançada ao mar; h) perda total de qualquer volume, durante as
operações de carga e descarga do navio; e i) perda total decorrente de fortuna
do mar e/ou de arrebatamento pelo mar; j) inundação, transbordamento de
cursos d’água, represas, lagos ou lagoas, durante a viagem terrestre; k) desmo-
ronamento ou queda de pedras, terras, obras de arte de qualquer natureza ou
outros objetos, durante a viagem terrestre; l) terremoto ou erupção vulcânica;
e m) entrada de água do mar, lago ou rio, na embarcação ou no navio, veícu-
lo, “container”, furgão (“liftvan”) ou local de armazenagem.
A cobertura básica restrita C apresenta amplitude de cobertura similar à
básica restrita B, com exclusão dos riscos cobertos descritos nos itens j a m
acima.
Importante observar que todas as três coberturas básicas apresentam ca-
racterísticas em comum, tais como cobertura para avaria grossa e despesas de
salvamento incorridas pelo Segurado e/ou Beneficiário e excludentes de in-
denização por perdas, danos ou despesas decorrentes direta ou indiretamente
por atos ilícitos do Segurado e/ou Beneficiário, inadequação ou insuficiência
de embalagem, vício próprio da mercadoria, atos terroristas, greve etc.
A importância segurada normalmente deve corresponder ao valor da mer-
cadoria segurada, contudo, é possível que outras verbas como frete, despesas,
lucros esperados e tributos sejam abrangidas, desde que haja cobertura adi-
cional pactuada.106
Para a contratação do seguro, o segurado deve fornecer as seguintes in-
formações básicas ao segurador viabilizando a avaliação do risco: descrição
e natureza da carga, peso bruto e líquido, cubagem, embalagem, valor total 106
Dentre outras coberturas adicionais,
podem-se citar ainda as específicas
para riscos de greve e de guerra.

FGV DIREITO RIO  117


Direito Marítimo

da mercadoria, local de embarque e desembarque, transbordo (se houver),


modal de transporte, identificação do veículo de transporte, etc.

1.12 Seguro Obrigatório RCA-C

O Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil do Transportador Aqua-


viário — Carga (RCA-C), instituído pelo art. 20, m do Decreto-lei 73/66 e
regulado pela Resolução CNSP nº 182/2008, tem como objetivo garantir o
transportador marítimo (segurado), até o valor da Importância Segurada, o
pagamento das reparações pecuniárias, pelas quais, por disposição de lei, for
ele responsável, em virtude de danos materiais sofridos pelos bens ou merca-
dorias pertencentes a terceiros e que lhe tenham sido entregues para transpor-
te, em viagem aquaviária, nacional, contra conhecimento de transporte aqua-
viário de carga, ou ainda outro documento hábil, desde que aqueles danos
materiais ocorram durante o transporte e sejam causados diretamente por:
I — encalhe, varação, naufrágio ou soçobramento, do navio ou embarca-
ção;
II — incêndio ou explosão, no navio ou embarcação;
III — abalroação ou colisão, ou contato, do navio ou embarcação com
qualquer corpo fixo ou móvel;
IV — incêndio ou explosão, nos depósitos, armazéns ou pátios usados
pelo Segurado nas localidades de início, pernoite, baldeação e destino da via-
gem, ainda que os referidos bens e mercadorias se encontrem fora do navio
ou embarcação.
Nos termos da Resolução, o Segurado será exclusivamente empresa brasi-
leira de navegação autorizada pela ANTAQ — Agência Nacional de Trans-
portes Aquaviários a operar no transporte aquaviário de cargas.
A Resolução CNSP nº 182/2008 prevê, ainda, que o pagamento poderá
realizado pela Seguradora diretamente em favor de terceiro, mediante anu-
ência do segurado.
A Resolução CNSP nº 182/2008 prevê, ainda, extenso rol de riscos não
cobertos pelo Seguro Obrigatório RCA-C, caracterizados por danos às mer-
cadorias decorrentes de vício próprio, diminuição natural de peso, furto, rou-
bo, extravio, má arrumação e/ou mau acondicionamento, entre outros.
Estão expressamente excluídos da cobertura danos morais, lucros cessantes
e multas, assim como obrigações fiscais, tributárias e/ou judiciárias, à exceção
do valor dos impostos suspensos e/ou benefícios internos relativos aos bens
ou mercadorias transportadas, desde que contratada a Cobertura Adicional
específica.
A importância segurada corresponderá ao valor integral declarado no conhe-
cimento de embarque e o limite máximo de garantia deverá ser fixado na apólice.

FGV DIREITO RIO  118


Direito Marítimo

2 SUB-ROGAÇÃO E RESSARCIMENTO 107


Código Civil
Art. 346. A sub-rogação opera-se, de
pleno direito, em favor:
(omissis)
Trata-se a sub-rogação de um instituto que, no âmbito do seguro, transfe- III - do terceiro interessado, que paga
re ao segurador todos os direitos e ações do segurado, operando-se por meio a dívida pela qual era ou podia ser obri-
gado, no todo ou em parte.
do pagamento da indenização securitária. Art. 349. A sub-rogação transfere ao
novo credor todos os direitos, ações,
Dessa forma, ao efetuar o pagamento de indenização securitária decor- privilégios e garantias do primitivo,
em relação à dívida, contra o devedor
rente de sinistro com cobertura prevista na apólice, o segurador sub-roga-se principal e os fiadores.
automaticamente até o montante desembolsado em todos os direitos e ações Art. 786. Paga a indenização, o se-
gurador sub-roga-se, nos limites do
em face de terceiros causadores do dano. valor respectivo, nos direitos e ações
que competirem ao segurado contra o
A sub-rogação securitária é matéria regulada pelo Código Civil,107 pelo autor do dano.
Código Comercial108 e, inclusive, já teve sua eficácia pacificada por meio do 108
Art. 728 do Código Comercial: “Pa-
gando o segurador um dano aconte-
enunciado n° 188 da Súmula de Jurisprudência do Supremo Tribunal Fede- cido à coisa segura, ficará sub-rogado
ral.109 em todos os direitos e ações que ao
segurado competirem contra terceiro;
Atualmente, ainda há controvérsia acerca de quais direitos e/ou obriga- e o segurado não pode praticar ato al-
gum em prejuízo do direito adquirido
ções seriam transmitidas para o segurador por meio da sub-rogação, parti- dos seguradores.”
cularmente quanto à questão do Código de Defesa do Consumidor110 (caso 109
“O segurador tem ação regressiva
contra o causador do dano, pelo que
aplicável ao segurado), das cláusulas de eleição de foro111 e das cláusulas com- efetivamente pagou, até o limite pre-
promissórias.112 visto no contrato de seguro.”

De qualquer forma, efetuado o pagamento, o segurador tem legitimidade 110


“TRANSPORTE MARÍTIMO DE MER-
CADORIA. SEGURADORA. COBRANÇA.
para acionar o real causador do dano (transportador, navio abalroador etc.) […] Como cediço, ao efetuar o pa-
gamento da indenização ao segurado
para ressarcir-se do valor da indenização, por meio de demanda regressiva de em decorrência de danos causados por
ressarcimento. terceiro, a seguradora sub-roga-se nos
direitos daquele, podendo, dentro do
prazo  prescricional aplicável à relação
jurídica originária, buscar o ressarci-
mento do que despendeu, nos mesmos
termos e limites que assistiam ao segu-
QUESTÕES DE AUTOMONITORAMENTO rado. Não se desconhece, outrossim,
que a seguradora ao sub-rogar-se nos
direitos e ações que competiriam ao se-
1. Após ler a apostila, você é capaz de resumir o caso gerador, identificando gurado contra o autor do dano, faz jus à
aplicação de todos os institutos do CDC,
as partes envolvidas, os problemas atinentes e as possíveis soluções cabíveis? evidentemente, quando no caso da re-
lação originária ser configurada como
2. Qual é o principal objetivo do seguro? Discorra sobre a importância no de consumo.” BRASIL. Superior Tribunal
referido instituto, notadamente na área marítima. de Justiça. AgRg noResp n. 1169418/
RJ. Relator: Min. Ricardo Villas Bôas
3. Quais são as coberturas oferecidas na Apólice de Casco e Máquinas de Cueva. Julgado em 06.02.2014.

acordo com a Circular SUSEP n° 085/2001? 111


“RECURSO ESPECIAL – CONTRATO DE
TRANSPORTE MARÍTIMO – AÇÃO DE RE-
4. Identifique três riscos excluídos da cobertura da Apólice de Casco e GRESSO – SUB-ROGAÇÃO – CLÁUSULA
DE ELEIÇÃO DO FORO – MATÉRIA PRO-
Máquinas de acordo com a Circular SUSEP n° 085/2001. CESSUAL – INOPONIBILIDADE AO SUB-
5. A negligência do comandante ou da tripulação da embarcação segurada -ROGADO – AUSÊNCIA DE INSURGÊNCIA
EM RELAÇÃO A TODOS OS FUNDAMEN-
configura excludente de cobertura na Apólice de Casco e Máquinas de acor- TOS DO V. ACÓRDÃO RECORRIDO – INCI-
DÊNCIA, POR ANALOGIA, DO ENUNCIA-
do com a Circular SUSEP n° 085/2001? DO N. 283 DA SÚMULA/STF – RECURSO
6. Defina Clube P&I e discorra sobre as principais coberturas oferecidas. NÃO CONHECIDO.
I - O instituto da sub-rogação
7. Discorra sobre a cláusula Sue & Labor. transfere o crédito apenas com suas
características de direito material. A
8. De acordo com a Circular SUSEP n° 354/2007, quais são as coberturas cláusula de eleição do foro estabelecida
no contrato entre segurado e transpor-
básicas do seguro de transporte, suas diferenças e similaridades? tador não opera efeitos com relação ao
9. Discorra sobre sub-rogação securitária e ação regressiva de ressarcimento. agente segurador sub-rogado.
II - Acórdão assentado em mais

FGV DIREITO RIO  119


Direito Marítimo

SUGESTÃO DE CASO GERADOR de um fundamento, sem que todos


tenham sido objeto de impugnação.
Aplicação, por analogia, da Súmula n.
283/STF.
O navio “Fast Dubay”, após terminar manobra de desatracação, navegava III - Recurso especial não conhecido.”
pelo canal próximo ao cais quando perdeu máquinas e acabou por abalroar o BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.
RESP n. 1038607/SP.
navio “Eagle”, o qual se encontrava atracado no Porto de Santos em operação “PROCESSO CIVIL. COMPETÊNCIA
RELATIVA. FORO DE ELEIÇÃO. DIREITO
de carga/descarga de containers. INTERNACIONAL PRIVADO. CONTRATO
DE TRANSPORTE MARÍTIMO. SUB-
Em virtude do acidente, ambos os navios sofreram avarias estruturais, sen- -ROGAÇÃO DE EMPRESA SEGURADORA.
do que o navio “Eagle” também teve vazamento de óleo combustível ao mar Válida é a cláusula de eleição de foro fi-
xada em contrato de transporte maríti-
e alguns de seus containers (bem como as cargas estufadas) foram avariados. mo. Precedentes do STJ (RESP 379949).
Transfere-se à empresa seguradora,
por sub-rogação, a relação jurídica
contratual intacta, incluindo os crédi-
Levando em consideração o cenário acima, responda: tos e suas peculiaridades contratuais.
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos
estes autos de Agravo de Instrumento
(i) Quais espécies de seguros marítimos poderiam estar envolvidas? 130439-2, acordam os Desembarga-
dores componentes da Quarta Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Estado
(ii) O Seguro Casco e Máquinas cobriria as avarias estruturais sofridas de Pernambuco, na conformidade da
ata de julgamento e das notas taqui-
pelos navios? Em que hipótese? gráficas respectivas, à unanimidade de
votos, em dar provimento ao recurso,
determinando o envio dos autos do
processo originário ao juízo de direito
(iii) Quais medidas devem ser tomadas pelos Armadores, na condição de da Comarca do Rio de Janeiro. Recife,
segurados? 13 de julho de 2006.” BRASIL. Tribunal
de Justiça do Estado do Ceará. AI n.
130439-2.

(iv) Quais seriam as possíveis ações regressivas de ressarcimento? 112


“SEGURO – Transporte marítimo de
mercadorias – Ação regressiva – Cláu-
sula compromissória assumida entre a
beneficiária dona da carga transpor-
(v) Em face de qual parte a seguradora que indenizou os interesses das tada e a responsável pelo transporte
cargas avariadas poderia ajuizar ação regressiva de ressarcimento? – Eficácia também em face da empresa
seguradora dada a subrogação não
somente dos direitos mas também dos
deveres contratualmente assumidos
por sua segurada [...] Entre as obriga-
REFERÊNCIAS ções assumidas pela segurada, está a
cristalizada naquela cláusula compro-
missória [...] a segurada não poderia
deixar de cumpri-la, acaso, ela própria,
Bibliográficas exercitasse [...] ação direta de cobrança
[...] Sem sombra de dúvida o ajuste da
cláusula compromissória é do cerne
1 Utilizadas do contrato, isto é, decorreu também
do acordo de vontades que desaguou
no conjunto dos pontos assumidos
pelas partes contratantes. [...] tendo
ALVIM, Pedro. Política Brasileira de Seguros. São Paulo: Manuais Técnicos de ajustado a cláusula compromissória,
Seguros, 1980. ‘ficam os contratantes vinculados à
solução extrajudicial da pendência’
(REsp 606.345-RS citado), vinculação a
que se deve sujeitar também a apela-
ANJOS, J. Haroldo dos; GOMES, Carlos R. C. Curso de Direito Marítimo. da, subrogada tanto nos direitos como
nos deveres de sua segurada.” BRASIL.
Rio de Janeiro: Renovar, 1992. Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo. AC n. 7307457000.
“[...] Ação regressiva decorrente de
AZUA, Daniel E. Real de. Transportes e Seguros Marítimo para o exportador. contrato de seguro. Cláusula arbitral
instituída com a segurada e não com
São Paulo: Aduaneiras, 1987. as seguradoras. Hipótese em que a
resolução de conflitos por arbitragem
só obriga as partes contratantes e
não terceiros. Aplicação da legislação
estrangeira, por esse mesmo motivo,

FGV DIREITO RIO  120


Direito Marítimo

BURANELLO, Renato Macedo. Do Contrato de Seguro. São Paulo: Quartier


Latin, 2006.

FIUZA, César. Direito Civil — Curso Completo. 5. ed. Rio de Janeiro: Del
Rey, 2002.

GILBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e Prática do Direito Maríti-


mo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

GUERREIRO, Marcelo da Fonseca. Seguros Privados: doutrina, legislação e


jurisprudência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

HAZELWOOD, Steven J. P&I Clubs: law and practice. Londres: Lloyd’s of


London Press Ltda, 1989.

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LACERDA, José Candido Sampaio de. Curso de direito privado da navegação.


3. ed. rev. e atual. por Aurélio Pitanga Seixas Filho. Rio de Janeiro: Freitas
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KEEDI, Samir; MENDONÇA, Paulo C. C. Transportes e Seguros no Comér-


cio Exterior. São Paulo: Aduaneiras, 2000.

MARQUES, Fernando José. Direito do Seguro Marítimo: doutrina e jurispru-


dência. Rio de Janeiro: FEMAR, 1998.

MCGILLIVRAY; PARKINGTON. Insurance Law. 8th ed. Londres: [s.d.],


1998.
que só poderia ser reconhecida em
OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Teoria Geral do Contrato de Seguro. V. 1. demanda própria entre aqueles que
figuram no primitivo contrato de pres-
Campinas: LZN, 2005. tação de serviços. Extinção do processo
inadmissível. Impossibilidade de se
negar a incidência de lei nacional. [...]
PEREIRA, Rucemah Leonardo Gomes. Avaria Grossa e Perigo: regras de York As seguradoras vieram a juízo pleitear
direito próprio decorrente do contrato
e Antuérpia. 2. ed. Rio de Janeiro: FEMAR, 1998. de seguro e não do contrato de presta-
ção de serviços firmado pela ARACRUZ
com a agravante e a co-ré A.B.B. LTDA.
SANTOS, Ricardo Bechara. Direito de seguro no novo Código civil e a legisla- A sub-rogação da seguradora não é do
mesmo direito material, por óbvio, por-
ção própria. Rio de Janeiro: Forense, 2006. que a origem do seu direito de regresso
é o contrato de seguro, enquanto que
o direito da segurada resulta do des-
cumprimento do contrato de prestação
SILVA, Claudio Ferreira da. Transportes, Seguros e Distribuição Física Interna- de serviços [...]” BRASIL. Tribunal de
cional das Mercadorias. 2. ed. São Paulo: Aduaneiras, 2003. Justiça do Estado de São Paulo. AI no.
1.257.807-7.

FGV DIREITO RIO  121


Direito Marítimo

SIMAS, Hugo. Compêndio de direito marítimo brasileiro. São Paulo: Saraiva


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TZIRULNIK, Ernesto. O contrato de seguro: de acordo com o novo código


civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

Jurisprudenciais

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RESP n. 302212/RJ.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RESP n. 1038607/SP.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. AI n. 130439-2.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. AC n. 55760/2007.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. AC n.


2007.001.56739. Julgado em 05 de dezembro de 2007.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. AC n. 983625-0/1.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. AI n. 1333155-8. Re-


lator: Desembargador Encinas Manfre. Julgado em 22 de fevereiro de 2005.

Legislativas

BRASIL. Código Civil.

BRASIL. Código Comercial.

BRASIL. Decreto-Lei n° 73, de 21 de novembro de 1966.

BRASIL. Lei nº 8.374, de 30 de dezembro de 1991.

BRASIL. Lei n° 9.307, de 23 de setembro de 1996.

BRASIL. Lei Complementar n° 126, de 29 de novembro de 2007.

FGV DIREITO RIO  122


Direito Marítimo

AULA VII — DIREITO PORTUÁRIO

ROTEIRO DE ESTUDO

1 HISTÓRICO / INTRODUÇÃO

A atividade portuária vem sofrendo impactantes alterações legislativas des-


de dezembro de 2012 quando a Presidência da República editou a Medida
Provisória nº 595 visando alterar o regime jurídico da antiga Lei dos Portos
de nº 8.630 de 1993, até então conhecida pelo meio portuário como um
grande marco legislativo e amplamente aclamada como a Lei de Moderniza-
ção dos Portos.
A Medida Provisória nº 595 teve a sua vigência iniciada em 06 de De-
zembro de 2012 e trouxe à baila muitas polêmicas em razão das enormes
alterações no Regime Jurídico de Exploração dos Portos.
Na exposição de Motivos da referida Medida Provisória, percebe-se o de-
sejo de mudanças na exploração da atividade portuária, conforme se verifica
na transcrição abaixo, de um trecho da exposição:

1. “Submetemos à apreciação de Vossa Excelência, a proposta de Me-


dida Provisória que dispõe sobre novo regime de exploração dos
portos organizados e instalações portuárias e sobre as atividades de-
sempenhadas pelos operadores portuários.

2. Os portos brasileiros são responsáveis por 95% (noventa e cinco


por cento) do fluxo de comércio exterior do país, o que demonstra
a importância estratégica do setor. Para fazer frente às necessidades
ensejadas pela expansão da economia brasileira, com ganhos de efi-
ciência, propõe-se modelo baseado na ampliação da infraestrutura
e da modernização da gestão portuária, no estímulo à expansão dos
investimentos do setor privado e no aumento da movimentação de
cargas com redução dos custos e eliminação de barreiras à entrada.

3. Para a consecução dos objetivos do modelo, faz-se necessário


retomar a capacidade de planejamento no setor portuário, re-
definir competências institucionais da Secretaria de Portos e da
Agência Nacional de Transportes Aquaviários — ANTAQ.”

4. Além disso, é importante aprimorar o marco regulatório, a fim de


garantir maior segurança jurídica e, sobretudo, maior competição

FGV DIREITO RIO  123


Direito Marítimo

no setor. Nesse sentido, a Medida Provisória proposta altera as Leis


nº 10.233, de 5 de junho de 2001 e nº 10.683, de 28 de maio de
2003, e revoga as Leis nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, e nº
11.610, de 12 de dezembro de 2007, lançando novas bases para o
desenvolvimento do setor portuário nacional, calcadas em regras
claras e precisas, que promovam a participação da iniciativa privada
com o Estado, da operação dos terminais portuários.

5. Propomos a adoção do conceito de concessão de uso de bem pú-


blico para as instalações portuárias dentro do porto organizado,
formalizado em contratos de concessão e de arrendamento. Adicio-
nalmente, é proposta a adoção do regime de autorização para a ex-
ploração de instalações portuárias fora do porto organizado. Serão
dois regimes diferentes, um associado a uma infraestrutura pública
(concessão e arrendamento) e outro a uma infraestrutura privada
(autorização).

6. O regime de exploração dentro do porto organizado terá como con-


dição de exploração — tanto para concessão quanto para o arrenda-
mento — a participação em processo de licitação, no qual poderá
ser adotada a modalidade leilão. O critério de licitação, nesses casos,
será, dentre outros requisitos, a maior movimentação de carga com
a menor tarifa. Pretende-se, com isso, garantir o aumento da oferta
com os menores custos possíveis. O prazo de exploração do porto
organizado e da instalação portuária nele localizada será de 25 anos,
prorrogável por no máximo igual período. Ao final do prazo contra-
tual, os bens e instalações reverterão ao poder concedente para nova
licitação.

7. A exploração fora do porto organizado será mediante autoriza-


ção, formalizada em contrato de adesão a ser celebrado entre o
interessado e a SEP. O prazo das autorizações também será de 25
anos, mas passível de sucessivas prorrogações, desde que o auto-
rizatário se comprometa com investimentos e dê continuidade às
atividades de operação portuária na instalação. Como regra geral
— e para garantir publicidade e transparência ao setor —, todas as
autorizações serão precedidas de chamada pública. O objetivo das
chamadas públicas será divulgar a existência de interesse na obten-
ção de autorização para construção e exploração de instalação por-
tuária. Sempre que houver necessidade, esta será promovido proces-
so de seleção público, a ser disciplinado por ato do Poder Executivo.

FGV DIREITO RIO  124


Direito Marítimo

8. O novo marco proposto elimina a distinção entre movimenta-


ção de carga própria e carga de terceiros como elemento essen-
cial para a exploração das instalações portuárias autorizadas.
Nada obstante a existência de dois regimes — um dentro do
porto e outro fora dele — a exploração dos portos organizados
e instalações será por conta e risco dos investidores.113”

Nos últimos 20 anos tivemos um histórico de crescentes mutações na ati-


vidade portuária e em seu marco regulatório: em 1993 o regime jurídico
da atividade portuária foi completamente alterado com a edição da Lei de
Modernização dos Portos (Lei nº 8.630/1993); nos anos seguintes, a criação
da ANTAQ em 2001 (Lei nº 10.233) e da Secretaria de Portos — SEP em
2007 (Lei nº 11.518); em 2008 adveio a publicação do Decreto nº 6.620 e,
finalmente, em 2012 a publicação da Medida Provisória nº 595.
A partir de fevereiro de 2013, com a Medida Provisória 595 em vigência
e tramitando junto ao Congresso Nacional para apreciação pela Comissão
Mista, formada por Deputados e Senadores, a atividade portuária tornou-se
matéria quase que diária na mídia nacional.
Às vésperas de perder a sua validade, a Medida Provisória nº 595 foi apro-
vada pela Câmara dos Deputados após 40 horas de votação — a mais longa
dos últimos 40 anos da história política do país.114 Apesar dos debates polê-
micos, a medida foi aprovada nas duas casas do Congresso em Maio de 2013.
No dia 05 de Junho de 2013, a Presidente da República sancionou a Me-
dida Provisória dos Portos, com 13 vetos, iniciando assim a vigência da nova
Lei dos Portos, a Lei 12.815.
Um dos principais vetos presidenciais em relação à medida provisória
aprovada no Congresso Nacional referia-se a um dispositivo que tratava da
criação do terminal-indústria.
Na justificativa, o governo alegava que o conceito do terminal indústria
retomaria a distinção entre a movimentação de carga própria e de terceiros,
“cuja eliminação era uma das principais finalidades do novo marco legal para
o setor portuário.”.
A Nova Lei dos Portos se apresentou como uma forma de garantir a aber-
tura e a competitividade do setor e afastar qualquer insegurança jurídica dos 113
EM Interministerial nº 00012-A -
investidores, permitindo que os antigos terminais privativos, agora denomi- SEP-PR /MF/MT/AGU.
nados terminais privados, pudessem movimentar cargas de terceiros, e não 114
Mais detalhes sobre a votação
podem ser encontrados em: Câma-
apenas escoar eventual produção própria, em livre concorrência com os ter- ra dos Deputados. Henrique Alves
minais públicos licitados. comemora aprovação de MP dos
Portos, após 40 horas de votações.
Entretanto, há que se destacar que, nos últimos vinte anos, a geração de 15/05/13. Disponível em <http://
www2.camara.leg.br/camaranoticias/
investimentos em infraestrutura e a modernização da operação por meio da noticias/POLITICA/442611-HENRIQUE-
-ALVES-COMEMORA-APROVACAO-DE-
aquisição pelo setor privado de equipamentos mais modernos e eficientes, -MP-DOS-PORTOS,-APOS-40-HORAS-
permitindo operações mais ágeis e a consequente redução do tempo de per- -DE-VOTACOES.html>. Acesso em
05/08/2013

FGV DIREITO RIO  125


Direito Marítimo

manência dos navios no porto, foram decorrências diretas da antiga Lei dos
Portos (Lei nº 8.630 de 1993).
É sabido que até o ano de 1993 o Estado detinha não apenas a administra-
ção dos portos como também a operação direta. Porém este formato não se
mostrava adequado às necessidades do mercado, tanto que os portos ficaram
sucateados e ineficientes por muitos anos quer seja pela falta de investimento
como pela pequena participação do capital privado.
Com o advento do Regime Jurídico preconizado na Lei nº 8.630/93, as
Companhias Docas de todo o Brasil (em geral sociedades de economia mista
com participação da União) passaram a administrar a atividade portuária,
como autoridades portuárias, arrendantes de terminais públicos, através de
licitação, onde as vencedoras —empresas privadas — passaram a realizar di-
retamente a operação portuária, sempre respeitando as regras do contrato de
arrendamento de caráter publico.
Além dos terminais públicos, o cenário portuário contava também com a
operação dos terminais de uso privativos exclusivos que movimentavam carga
própria e os terminais de uso privativos mistos que movimentavam cargas
próprias e de terceiros.
A ruptura com o antigo regime, onde o Estado detinha o controle prati-
camente absoluto da atividade portuária, foi um grande passo para a moder-
nização dos portos.
No entanto, com o passar dos anos, este modelo inicialmente festejado
pelo setor, se mostrou inadequado frente ao aumento de demandas do merca-
do mundial, gerando os chamados “gargalos logísticos”, fato que exigia nova
solução regulatória.
É previsível que mudanças regulatórias nunca ocorram de forma pacífica
e a atividade portuária não foi exceção, principalmente com as mudanças
radicais ocorridas no setor após a Lei de Modernização dos Portos de 1993.
Com a edição do Decreto nº 6.620 em 2008, os terminais privativos so-
freram restrições para movimentar cargas de terceiros, e, portanto, ficaram
impedidos de explorar a atividade portuária em concorrência com os termi-
nais de uso público.
Este modelo foi amplamente modificado pela já citada Medida Provisória
nº 595 de 2012, aprovada no Congresso Nacional e Convertida na Lei nº
12.815 de 5 de Junho de 2013 (sancionada pela Presidente da República com
vetos a alguns dispositivos acrescentados e alterados pelo poder Legislativo).
Não se pode deixar de observar que as mudanças regulatórias do setor
portuário ocorreram por meio de mecanismos legislativos inerentes ao Poder
Executivo, primeiro através de Decreto em 2008 que limitou a participação
do capital privado e, posteriormente, com a Medida Provisória n. 595 de
2012 que permitiu um maior protagonismo dos terminais privados.

FGV DIREITO RIO  126


Direito Marítimo

Destarte, em quatro anos vimos o setor alterar substancialmente o seu


regramento jurídico, de início preservando o mercado para os terminais pú-
blicos, e em seguida ampliando a possibilidade de concorrência dos terminais
privados.
É certo que essa nova legislação, ainda em fase prematura de implantação,
tem sido alvo de muitos debates pelo setor e farta regulamentação.

2 A NOVA LEGISLAÇÃO PORTUÁRIA — LEI Nº 12.815/2013

A Lei 12.815 de 5 de Junho de 2013 encontra-se dividida em nove capí-


tulos e setenta e seis artigos, e introduziu novos conceitos em seu artigo 2º,
senão vejamos:

“I — porto organizado: bem público construído e aparelhado para


atender a necessidades de navegação, de movimentação de passageiros
ou de movimentação e armazenagem de mercadorias, e cujo tráfego e
operações portuárias estejam sob jurisdição de autoridade portuária;
II — área do porto organizado: área delimitada por ato do Poder
Executivo que compreende as instalações portuárias e a infraestrutura
de proteção e de acesso ao porto organizado;
III — instalação portuária: instalação localizada dentro ou fora da
área do porto organizado e utilizada em movimentação de passagei-
ros, em movimentação ou armazenagem de mercadorias, destinadas ou
provenientes de transporte aquaviário;
IV — terminal de uso privado: instalação portuária explorada me-
diante autorização e localizada fora da área do porto organizado;
V — estação de transbordo de cargas: instalação portuária explo-
rada mediante autorização, localizada fora da área do porto organizado
e utilizada exclusivamente para operação de transbordo de mercadorias
em embarcações de navegação interior ou cabotagem;
VI — instalação portuária pública de pequeno porte: instalação
portuária explorada mediante autorização, localizada fora do porto or-
ganizado e utilizada em movimentação de passageiros ou mercadorias
em embarcações de navegação interior;
VII — instalação portuária de turismo: instalação portuária explo-
rada mediante arrendamento ou autorização e utilizada em embarque,
desembarque e trânsito de passageiros, tripulantes e bagagens, e de in-
sumos para o provimento e abastecimento de embarcações de turismo;
VIII — (VETADO):
a) (VETADO);
b) (VETADO); e

FGV DIREITO RIO  127


Direito Marítimo

c) (VETADO);
IX — concessão: cessão onerosa do porto organizado, com vistas à
administração e à exploração de sua infraestrutura por prazo determi-
nado;
X — delegação: transferência, mediante convênio, da administra-
ção e da exploração do porto organizado para Municípios ou Estados,
ou a consórcio público, nos termos da Lei nº 9.277, de 10 de maio de
1996;
XI — arrendamento: cessão onerosa de área e infraestrutura públi-
cas localizadas dentro do porto organizado, para exploração por prazo
determinado;
XII — autorização: outorga de direito à exploração de instalação
portuária localizada fora da área do porto organizado e formalizada
mediante contrato de adesão; e
XIII — operador portuário: pessoa jurídica pré-qualificada para
exercer as atividades de movimentação de passageiros ou movimen-
tação e armazenagem de mercadorias, destinadas ou provenientes de
transporte aquaviário, dentro da área do porto organizado.”

2.1 Terminais de Uso Privado

A grande distinção conceitual que separa o novo do antigo marco regu-


latório reside na definição e nomenclatura atinentes aos antigos terminais
privativos, que hoje são denominados Terminais de Uso Privado (TUP) e
não estão mais sujeitos à obrigatoriedade de movimentação de carga própria
(carga produzida pela própria empresa como parte da cadeia de produção).
Cabe destacar ainda que, a Nova Lei designou como terminal de uso privado
apenas as instalações portuárias localizadas fora da área do porto organizado. 115
A Resolução da ANTAQ nº 3.290 de
Portanto, instalação portuária de propriedade do particular localizada fora 14 de fevereiro de 2014 dispõe so-
bre procedimento para obtenção da
da área do porto organizado poderá ser explorada mediante simples autoriza- autorização referente à terminais de
ção da SEP a ser obtida mediante requerimento pelo interessado junto à AN- uso privado, estação de transbordo de
carga, instalação portuária pública de
TAQ. Após o cumprimento de todo o trâmite legal exigido,115 a Secretaria de pequeno porte e de instalação portu-
ária de turismo. No anexo da referida
Portos, na qualidade de Poder Concedente, com interveniência da ANTAQ, Resolução consta um modelo de reque-
poderá então celebrar o contrato de adesão com o requerente. rimento de autorização.
116
Informações detalhadas podem
A nova lei também determinou em seu artigo 8º que serão exploradas me- ser encontradas em tabela disponi-
diante autorização, além do terminal de uso privado, as seguintes instalações bilizada pela SEP em <http://www.
portosdobrasil.gov.br/assuntos-1/
localizadas fora do porto organizado: a) estação de transbordo de carga; b) investimentos/itens/tabela-de-
-tups-31-03-2016_atualizada.pdf/
instalação portuária pública de pequeno porte e c) instalação portuária de view> . Acesso em 27/06/2016
turismo. 117
A relação e visualização de todos os
contratos está disponível no sítio ele-
De acordo com informações da SEP 116e da ANTAQ117, desde a publica- trônico da ANTAQ em <http://www.
ção da Lei 12.815 em 06/06/13 até 31/03/16 foram autorizados pela SEP antaq.gov.br/Portal/Instalacoes_Por-
tuarias.asp>. Acesso em 27/06/2016

FGV DIREITO RIO  128


Direito Marítimo

um total de 51 instalações portuárias, sendo 35 terminais de uso privado,


14 estações de transbordo de carga e 2 instalações portuárias de turismo. Da
leitura dos contratos de adesão celebrados em relação aos terminais de uso
privado observam-se alguns aspectos limitadores, tais como:118
- cada contrato prevê expressamente o tipo de carga a ser movimen-
tada e/ou armazenada;
- alterações quanto ao tipo de carga movimentada ou capacidade de
sua movimentação e armazenagem devem ser autorizadas pela SEP;
- para iniciar a operação da instalação portuária é necessária a emis-
são do “Termo de Liberação de Operação” (TLO)119 pela ANTAQ.
- a operação deve ser iniciada dentro do prazo previsto em cronogra-
ma, sob pena de aplicação de penalidades pela ANTAQ;
- a autorizada deve enviar relatórios periódicos à ANTAQ informan-
do o estágio das obras;
- o uso da infraestrutura do porto organizado deve ser devidamente
remunerado;
- deve ser prestada garantia de execução contratual no percentual de
2% do valor global do investimento pela autorizada. Desse valor,
80% serão devolvidos a partir da emissão do TLO e 20% quando
ocorrer o termo do contrato;
Ainda, é possível notar que à ANTAQ caberá, em síntese, fiscalizar a rea-
lização das obras, a operação e prestação dos serviços pela instalação portuá-
ria, podendo exigir a observância das cláusulas contratuais e aplicar sanções
quando for preciso, conforme Resolução n. 3274 de 2014 publicada pela
ANTAQ.120

2.2 Concessão e Arrendamento

Importante ressaltar ainda a distinção que a lei trouxe em relação aos con- 118
Idem.
ceitos de concessão e arrendamento, deixando claro que a concessão é cessão 119
O Termo de Liberação de Operação só
é emitido após o cumprimento das eta-
onerosa do próprio porto organizado (administração e exploração de sua in- pas descritas no artigo 27 da Resolução
fraestrutura), enquanto que o arrendamento é a cessão onerosa de área loca- da ANTAQ 3.290 de 14 de fevereiro de
2014.
lizada dentro do porto organizado, portanto, cessão de apenas uma parcela 120
Ver art. 11 da Resolução nº 3274 da
do porto que pode ser denominada como instalação portuária ou terminal ANTAQ de 6 de fevereiro de 2014. Ain-
da, de acordo com o art. 3º da Resolu-
de uso público, ambas cedidas à iniciativa privada mediante procedimento ção nº 3259 da ANTAQ de 30 de janeiro
de 2014 “Cabe à ANTAQ fiscalizar e re-
licitatório. gular a prestação de serviços de trans-
De acordo com o artigo 17 da nova lei dos portos, a administração do portes aquaviários e a exploração da
infraestrutura aquaviária e portuária,
porto poderá ser exercida diretamente pela: i) União; ii) pela delegatária de ofício ou mediante Ação Fiscalizado-
ra, zelando pelo cumprimento de todos
(transferência através de convenio para Municípios, Estados ou Consórcios os dispositivos legais, regulamentares
e instrumentos contratuais sob sua
Públicos) ou iii) pela entidade concessionária do porto organizado (por meio regulação, em especial a adequada
de licitação). prestação do serviço ou exercício da
atividade.”.

FGV DIREITO RIO  129


Direito Marítimo

2.3 Operador Portuário

Cabe destacar ainda que, as operações portuárias dentro do porto organi-


zado devem ser realizadas por intermédio de operadores portuários. O opera-
dor portuário se constitui em empresa criada especialmente para a exploração
da atividade portuária, mas que não detém um terminal arrendado, ou seja,
não possui uma área fixa para atuar, mas se pré-qualifica junto à autoridade
portuária para exercer as atividades de movimentação de passageiros ou mer-
cadorias (embarque, desembarque e armazenagem) em área de cais público,
que em geral são administradas pela concessionária do porto organizado, mas
que por alguma razão operacional, econômica ou estratégica, não foram ar-
rendadas e por isso podem ser utilizadas por qualquer operador portuário.
A qualificação dos operadores portuários, anteriormente à edição da Lei
12.815, seguia norma editada por cada Companhia Docas em seu porto res-
pectivo, hoje, entretanto, há uma regra geral, a Portaria da SEP n. 111 de 07
de Agosto de 2013.

2.4 OGMO — Órgão Gestor de Mão de Obra e o Trabalho Portuário

Os OGMOs foram introduzidos pela Lei 8.630 de 1993, como alternativa


ao fornecimento de mão de obra avulsa por meio dos Sindicatos, modalidade
até então praticada pelo setor. Portanto, a antiga lei dos portos foi responsável
pela criação destas entidades sem fins lucrativos e de utilidade pública.121
Cada porto organizado passou a ter o seu próprio OGMO, constituído
por meio da união dos operadores portuários daquela localidade, ficando o
referido órgão responsável pela gestão da mão de obra portuária.122

A nova lei dos portos, Lei nº 12.815 de 2013 praticamente repete o mo-
delo aplicado a partir de 1993 e em seu artigo 32 prevê que, os operadores
portuários deverão constituir, em cada porto organizado, um órgão de gestão
de mão de obra do trabalho portuário destinado a:
• manter, com exclusividade, o cadastro do trabalhador portuário e o
registro do trabalhador portuário avulso;
• treinar e habilitar profissionalmente o trabalhador portuário, inscre-
vendo-o no cadastro; Conforme disposto na Lei nº
121

8.630/1993, art. 25 e hoje tratado na


• selecionar e registrar o trabalhador portuário avulso; Lei nº 12.815/2013 em seu art. 32 e
seguintes.
• estabelecer o número de vagas, a forma e a periodicidade para acesso 122
O órgão gestor de mão de obra
ao registro do trabalhador portuário avulso; possui uma diretoria executiva e um
conselho de supervisão, cuja composi-
• expedir os documentos de identificação do trabalhador portuário; e ção deve observar o disposto no art. 38,
§1º e §2º do Decreto nº 8.033 de 27 de
junho de 2013, bem como na Portaria
nº 252 de 6 de dezembro de 2013 da
Secretaria de Portos.

FGV DIREITO RIO  130


Direito Marítimo

• arrecadar e repassar aos beneficiários os valores devidos pelos operado-


res portuários relativos à remuneração do trabalhador portuário avul-
so.
• Aplicar aos TPAs, quando couber: a) repreensão verbal ou por escrito;
b) suspensão do registro pelo período de 10 (dez) a 30 (trinta) dias;
ou c) cancelamento do registro;
• Formar profissionalmente o trabalhador portuário e o trabalhador
portuário avulso;
• Promover treinamento multifuncional do trabalhador portuário e do
trabalhador portuário avulso; e
• zelar pelas normas de saúde, higiene e segurança no trabalho portuá-
rio avulso; e
• responder, solidariamente com os operadores portuários, pela remu-
neração devida ao trabalhador portuário avulso e pelas indenizações
decorrentes de acidente de trabalho.
Por ser considerado como dotado de utilidade pública123, o OGMO não
pode ter fins lucrativos, prestar serviços a terceiros ou exercer atividades não
vinculadas às suas finalidades.124
No que diz respeito ao pagamento da remuneração devida ao trabalhador
portuário avulso, a mesma deve ser recolhida pelo operador portuário ao
OGMO, cabendo a este último efetuar o pagamento ao trabalhador. Desta-
que-se que o operador portuário e o OGMO são solidariamente responsáveis
pelo pagamento dos encargos trabalhistas, das contribuições previdenciárias
e demais obrigações.125
Em resumo, o escopo precípuo da criação dos OGMOs foi contribuir
para a modernização do sistema portuário brasileiro, garantindo mão de obra
especializada aos operadores portuários e zelando pela melhoria da qualidade
do treinamento e vida do trabalhador.
Importante destacar que, a adoção pelo ordenamento jurídico brasileiro
de um sistema de gestão unificada de mão de obra portuária avulsa — OG-
MOs — facilita a observância das normas estabelecidas na Convenção nº
137 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
123
Sobre a utilidade pública do OGMO,
que já era reconhecida desde a anti-
ga lei, ver TRT-2. Recurso Ordinário
323200844202002/SP. Rel. Des. Rovirso
2.5 O Trabalho Portuário e suas categorias Aparecido Boldo, 8ª Turma, julgado em
28/05/2010. Na ementa do julgado
lê-se que “[...] O OGMO é entidade civil
As várias atividades do trabalho portuário nos portos organizados per- de utilidade pública, sem fins lucrativos,
constituída por operadores portuários,
manecem divididas em seis categorias distintas denominadas: (i) capatazia; e tem como finalidade administrar o
(ii) estiva; (iii) conferência de carga; (iv) conserto de carga; (v) vigilância de fornecimento de mão de obra do traba-
lhador avulso portuário. [...].”.
embarcações e (vi) bloco. 124
Lei nº 12.815/2013, art. 39.
As atividades desenvolvidas por cada uma dessas categorias encontram-se 125
Lei nº 12.815/2013, Artigo 33, inciso
descritas no artigo 40, § 1º, da Lei nº 12.815/2013 da seguinte forma: , § 2º; Lei Lei nº 9.719/1998, art. 2º,I e
§4º.

FGV DIREITO RIO  131


Direito Marítimo

I — capatazia: atividade de movimentação de mercadorias nas instala-


ções dentro do porto, compreendendo o recebimento, conferência, transpor-
te interno, abertura de volumes para a conferência aduaneira, manipulação,
arrumação e entrega, bem como o carregamento e descarga de embarcações,
quando efetuados por aparelhamento portuário;
II — estiva: atividade de movimentação de mercadorias nos conveses ou
nos porões das embarcações principais ou auxiliares, incluindo o transbor-
do, arrumação, peação e despeação, bem como o carregamento e a descarga,
quando realizados com equipamentos de bordo;
III — conferência de carga: contagem de volumes, anotação de suas ca-
racterísticas, procedência ou destino, verificação do estado das mercadorias,
assistência à pesagem, conferência do manifesto e demais serviços correlatos,
nas operações de carregamento e descarga de embarcações;
IV — conserto de carga: reparo e restauração das embalagens de merca-
dorias, nas operações de carregamento e descarga de embarcações, reembala-
gem, marcação, remarcação, carimbagem, etiquetagem, abertura de volumes
para vistoria e posterior recomposição;
V — vigilância de embarcações: atividade de fiscalização da entrada e
saída de pessoas a bordo das embarcações atracadas ou fundeadas ao largo,
bem como da movimentação de mercadorias nos portalós, rampas, porões,
conveses, plataformas e em outros locais da embarcação; e
VI — bloco: atividade de limpeza e conservação de embarcações mercan-
tes e de seus tanques, incluindo batimento de ferrugem, pintura, reparos de
pequena monta e serviços correlatos.
Conforme o disposto no artigo 40 da Lei nº Lei 12.815 de 2013, o tra-
balho portuário desenvolvido pelas categorias listadas acima, nos portos or-
ganizados, poderá ser realizado por trabalhadores portuários com vínculo
empregatício a prazo indeterminado e por trabalhadores portuários avulsos.
O trabalho portuário na modalidade avulsa é desenvolvido por trabalha-
dores registrados nos OGMOs e complementarmente pelos cadastrados,126
que se candidatam ao trabalho no local de escalação do porto (conhecido
como parede), concorrendo com outros trabalhadores de sua categoria aos
serviços disponíveis naquele momento.
Essa escalação é de responsabilidade OGMO e feita por meio de um siste-
ma de rodízio,127 de modo a garantir o acesso ao trabalho, de maneira iguali-
tária, a todos os trabalhadores que se apresentem para a escalação.
Por sua vez, o trabalho das categorias de capatazia, bloco, estiva, confe- 126
Lei nº 9.719/1998, art. 4º.
rência de carga, conserto de carga e vigilância de embarcações, realizado por 127
Lei nº 9.719/1998, art. 5º.

trabalhadores com vínculo empregatício a prazo indeterminado — regulado 128


Sobre a taxatividade das categorias
elencadas no artigo 40,§2º da nova lei
pelo Parágrafo Segundo do artigo 40, da Lei nº 12.815 de 2013 — terá dos portos, ver o julgado: BRASIL. Tribu-
nal Regional do Trabalho. Segunda Re-
que ser feito exclusivamente dentre trabalhadores portuários avulsos registra- gião. RO n. 00020823120125020445.
dos.128 Sexta Turma. Julgado em 11 de feve-
reiro de 2014.

FGV DIREITO RIO  132


Direito Marítimo

Sobre o tema, o TST já se pronunciou no sentido de que cabe ao operador


portuário, de modo discricionário, decidir qual forma de trabalho — com
vínculo empregatício a prazo indeterminado ou por trabalhador avulso— é
mais benéfica aos seus interesses, posto que a lei não estabelece nenhuma
ordem de preferência entre elas. Segue ementa do julgado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA.


TRABALHO PORTUÁRIO. TRABALHADOR COM VÍNCULO
DE EMPREGO POR PRAZO INDETERMINADO. TRABALHA-
DOR PORTUÁRIO AVULSO. CONTRATAÇÃO. Nos mesmos
moldes estabelecidos no art. 26 da Lei n.º 8.630/1993, a novel legis-
lação (art. 40 da Lei 12.815/2013) contempla a prestação do trabalho
portuário de capatazia, estiva conferência de carga, conserto de carga,
bloco e vigilância de embarcações, nos portos organizados, por tra-
balhadores portuários com vínculo empregatício por prazo indeter-
minado e por trabalhadores portuários avulsos. Além disso, a ordem
jurídica determina que a contratação dos trabalhadores portuários com
vínculo empregatício ocorra, exclusivamente, dentre os trabalhadores
portuários avulsos. Conforme se depreende da leitura da legislação em
comento, não existe a obrigatoriedade de que a prestação do trabalho
portuário seja realizada, de forma concomitante ou alternada, tanto
por trabalhador com vínculo empregatício quanto por trabalhador
portuário avulso. Na verdade, compete ao operador portuário a escolha
da forma de contratação que melhor atenda às suas necessidades, desde
que, é claro, a contratação de trabalhador com vínculo de emprego por
prazo indeterminado se dê dentre os trabalhadores portuários avulsos
registrados no órgão Gestor de Mão-de obra (OGMO). Precedentes.
Agravo de Instrumento não provido.
(TST. AIRR 122000-96.2009.5.01.0013. Rel. Des. Américo
Bedê Freire, julgado em 25/02/2015, 6ª Turma, publicado em DEJT
27/02/2015)

Note-se que, a nova lei trouxe relevante modificação quanto ao artigo 40,
acrescentando exclusividade para a contratação a vínculo empregatício, tam- Neste sentido verificar os seguintes
129

julgados: BRASIL. Superior Tribunal


bém em relação às categorias de capatazia e bloco, que na antiga lei haviam de Justiça. AgRg no REsp nº 964417/
SP. Primeira Turma. Julgado em 08
sido expressamente excepcionadas. de outubro de 2013. BRASIL. Tribunal
Regional do Trabalho. Primeira Região.
Portanto, no passado havia a interpretação de que seria possível a con- RO n. 00020-2006-027-01-00-8. Oitava
tratação de qualquer interessado para o trabalho com vínculo empregatício, Turma. Julgado em 14 de agosto de
2007. BRASIL. Tribunal de Justiça do Es-
mesmo sem registro ou cadastro no OGMO, para exercer as atividades de tado do Rio de Janeiro. Quarta Câmara
Cível. Apelação n. 20.116/02. Julgado
capatazia e bloco.129 No entanto, parece que a nova legislação pretendeu dar em 15 de outubro de 2002. BRASIL.
Tribunal Superior do Trabalho. Seção
exclusividade a todas as categorias. Especializada de dissídios coletivos. DC
n. 1746116-74.2006.5.00.0000. Julga-
do em 16 de agosto de 2007.

FGV DIREITO RIO  133


Direito Marítimo

Sobre a contratação a vínculo de trabalhadores portuários, há algumas in-


terpretações: (i) os trabalhadores que possuam apenas o cadastro no OGMO
não poderiam ser contratados com vínculo empregatício a prazo indeter-
minado, a exclusividade se daria apenas aos trabalhadores registrados; e (ii)
não poderia haver a contratação a vínculo, de trabalhadores fora do sistema
portuário, ou seja, que não fossem registrados no OGMO; (iii) que lançado
edital para contratação a vinculo empregatício, não havendo trabalhadores
portuários avulsos registrados e nem cadastrados interessados na contratação
a vínculo, poderia o empregador contratar trabalhadores fora do sistema do
OGMO.
Quanto à contratação fora do sistema OGMO, há jurisprudência pacífica
no TST no sentido de que a contratação deve ser feita prioritariamente com
trabalhadores avulsos registrados e cadastrados, de forma que apenas quando
as vagas ofertadas não forem preenchidas será lícita a contratação fora do
OGMO.130
A dificuldade de empregar mão de obra avulsa se dá em grande parte em
razão da ausência de subordinação, de vinculação direta, pois a cada opera-
ção, em turno de seis horas, há a escalação de trabalhadores diferentes para a
execução dos serviços. Logo, não há uma vinculação pautada na confiança e
comprometimento que se pretende obter na relação de trabalho, no relacio-
namento entre o empregador e empregado.
Ademais, para cada operação de seis horas, o operador portuário fica obri-
gado a requisitar junto ao OGMO um terno de trabalhadores de cada cate-
goria. A expressão “terno” é a designação histórica para equipe de trabalhado-
res, cujo número de componentes não é pré-definido na lei, pois esta optou
por tratar a matéria como parte da negociação coletiva entre os interessados
(trabalhador portuário avulso e operador portuário),.No entanto, o consenso
acerca do número adequado de trabalhadores a compor o terno para cada
operação não é tarefa fácil.
No passado a adoção do regime de trabalho avulso se justificava pela pou-
ca frequência de navios e operações realizadas, mas com o crescimento e de-
130
Ver: TST. AIRR 232-
senvolvimento da atividade portuária, esta modalidade de contratação passou 07.2010.5.01.0067. Rel. Min. Fernando
a ter menor relevância. Eizo Ono, julgado em 10/06/2015, 4ª
Turma, publicado em DEJT 03/07/2015.;
Atualmente, alguns operadores portuários vêm optando por desenvolver o TST. AIRR 24400-33.2010.5.17.0001.
Rel. Min. Fernando Eizo Ono, julgado
trabalho portuário utilizando exclusivamente trabalhadores com vínculo em- em 01/10/2014, 4ª Turma, plubicado
em DEJT 10/10/2014.;
pregatício, deixando de utilizar o trabalho portuário na modalidade avulsa.
131
Neste sentido verificar os seguintes
Essa opção tem causado a insatisfação de várias das categorias de traba- julgados: BRASIL. Tribunal Regional do
lhadores portuários, que por meio dos seus Sindicatos e também em ações Trabalho. Sexta Região. Tribunal Pleno.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho.
individuais, vêm discutindo perante o Judiciário a possibilidade, ou não, da Sexta Região. 00185-2004-000-06-00-
1. Julgado em 20 de janeiro de 2005.
utilização da mão de obra apenas de trabalhadores com vínculo empregatício, BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho.
Primeira Região. Seção Especializada
dispensada a utilização de mão de obra avulsa.131 em Dissídios Individuais. Mandado de
Segurança n. 07038-2008-000-01-00-
3. Julgado em 02 de abril de 2009.

FGV DIREITO RIO  134


Direito Marítimo

2.6 Administração Portuária

De acordo com a Nova Lei dos Portos a administração dos portos deverá
ser exercida atraves de algumas modalidades: i) diretamente pela União; ii)
pela delegatária ou iii) por entidade concessionária do porto organizado.
A administração do porto organizado é também denominada autoridade
portuária, e anteriormente detinha a competência para realizar as licitações
de terminais de uso público e celebrar os contratos de arrendamento, hoje
tais competencias foram transferidas respectivamente para Antaq e SEP.
Apesar de ter perdido algumas de suas competências típicas, conforme
disposto no art. 17,§1º da L. 12815/13 a administração do porto ainda esta
obrigada a:
I — cumprir e fazer cumprir as leis, os regulamentos e os contratos de
concessão;
II — assegurar o gozo das vantagens decorrentes do melhoramento e apa-
relhamento do porto ao comércio e à navegação;
III — pré-qualificar os operadores portuários, de acordo com as normas
estabelecidas pelo poder concedente;
IV — arrecadar os valores das tarifas relativas às suas atividades;
V — fiscalizar ou executar as obras de construção, reforma, ampliação,
melhoramento e conservação das instalações portuárias;
VI — fiscalizar a operação portuária, zelando pela realização das ativida-
des com regularidade, eficiência, segurança e respeito ao meio ambiente;
VII — promover a remoção de embarcações ou cascos de embarcações
que possam prejudicar o acesso ao porto;
VIII — autorizar a entrada e saída, inclusive atracação e desatracação, o
fundeio e o tráfego de embarcação na área do porto, ouvidas as demais auto-
ridades do porto;
IX — autorizar a movimentação de carga das embarcações, ressalvada a
competência da autoridade marítima em situações de assistência e salvamen-
to de embarcação, ouvidas as demais autoridades do porto;
X — suspender operações portuárias que prejudiquem o funcionamento
do porto, ressalvados os aspectos de interesse da autoridade marítima respon-
sável pela segurança do tráfego aquaviário;
XI — reportar infrações e representar perante a ANTAQ, visando à ins-
tauração de processo administrativo e aplicação das penalidades previstas em
lei, em regulamento e nos contratos;
XII — adotar as medidas solicitadas pelas demais autoridades no porto;
XIII — prestar apoio técnico e administrativo ao conselho de autoridade
portuária e ao órgão de gestão de mão de obra;

FGV DIREITO RIO  135


Direito Marítimo

XIV — estabelecer o horário de funcionamento do porto, observadas as


diretrizes da Secretaria de Portos da Presidência da República, e as jornadas
de trabalho no cais de uso público; e
XV — organizar a guarda portuária, em conformidade com a regulamen-
tação expedida pelo poder concedente.
A administração do porto tem como órgão consultivo o Conselho de Au-
toridade Portuária (CAP), o qual deve ser instituído em cada porto organi-
zado.

2.7 Planejamento Portuário

Existem dois mecanismos distintos de planejamento portuário: em âmbi-


to nacional temos o Plano Geral de Outorgas — PGO e em âmbito regional
(em cada porto), o Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto, o
chamado PDZ, este plano era anteriormente elaborado pela autoridade por-
tuária local (Companhias Docas) e submetido a aprovação do Conselho de
Autoridade Portuária. Com o novo marco regulatório, a competência para
elaborar o PDZ continua sendo das autoridades portuárias, porém a aprova-
ção deverá ser submetida à Secretaria de Portos.132
A Portaria da SEP nº 3 de 7 de janeiro de 2014133 estabelece as diretrizes
para elaboração e revisão do PDZ e PGO, trazendo o seu conceito no art.
1º, III e IV:

Art. 1º — São instrumentos de planejamento do setor portuário


nacional, de caráter contínuo:
II — O Plano de Desenvolvimento e Zoneamento — PDZ — ins-
trumento de planejamento operacional da Administração Portuária,
que compatibiliza as políticas de desenvolvimento urbano dos municí-
pios, do estado e da região onde se localiza o porto, visando, no hori-
zonte temporal, o estabelecimento de ações e de metas para a expansão
racional e a otimização do uso de áreas e instalações do porto, com
aderência ao Plano Nacional de Logística Portuária — PNLP e respec-
tivo Plano Mestre.
IV — O Plano Geral de Outorgas — PGO — instrumento de pla-
nejamento de Estado que consiste em um plano de ação para a exe- 132
Lei 12.815/2013, Art 17º §2º. A com-
cução das outorgas de novos portos ou terminais públicos e privados, petência para elaborar o plano Geral de
Outorgas - PGO é da Secretaria de Por-
reunindo a relação de áreas a serem destinadas à exploração portuária tos da Presidência da República confor-
me Decreto nº 8.033/2013, Art. 2º, I.
nas modalidades de arrendamento, concessão, autorização e delegação, 133
A Portaria SEP nº 206/2014 alterou
com respectivos horizontes de implantação, tomando como base o pla- o Anexo I da Portaria SEP 03/2014. Já
a Portaria SEP nº 499/2014 além de
nejamento do Poder Concedente, das Administrações Portuárias e da modificar o Anexo I alterou também a
iniciativa privada. redação do art. 2º,PÚ, art. 3º,PÚ e art.
9º,§1º.

FGV DIREITO RIO  136


Direito Marítimo

Ainda, de acordo com o art. 11 da portaria supracitada, o PDZ tem como


objetivo geral promover a modernização do porto e sua integração com os
demais meios de transporte.
Dentro dos portos organizados, a autoridade portuária interage com ou-
tras autoridades, quais sejam: autoridade marítima (Capitania dos Portos)
e autoridade aduaneira (Receita Federal), esta interação está expressamente
prevista na Lei, nos seguintes termos:

Art. 18. Dentro dos limites da área do porto organizado, compete à


administração do porto:
I — sob coordenação da autoridade marítima:
a) estabelecer, manter e operar o balizamento do canal de acesso e da
bacia de evolução do porto;
b) delimitar as áreas de fundeadouro, de fundeio para carga e descar-
ga, de inspeção sanitária e de polícia marítima;
c) delimitar as áreas destinadas a navios de guerra e submarinos, pla-
taformas e demais embarcações especiais, navios em reparo ou aguar-
dando atracação e navios com cargas inflamáveis ou explosivas;
d) estabelecer e divulgar o calado máximo de operação dos navios,
em função dos levantamentos batimétricos efetuados sob sua respon-
sabilidade; e
e) estabelecer e divulgar o porte bruto máximo e as dimensões má-
ximas dos navios que trafegarão, em função das limitações e caracterís-
ticas físicas do cais do porto;
II — sob coordenação da autoridade aduaneira:
a) delimitar a área de alfandegamento; e
b) organizar e sinalizar os fluxos de mercadorias, veículos, unidades
de cargas e de pessoas.

A Lei prevê ainda que, a entrada ou a saída de mercadorias procedentes


do exterior ou a ele destinadas somente poderá efetuar-se em portos ou ins-
talações portuárias alfandegados. O alfandegamento destas áreas depende de
efetivo cumprimento dos requisitos previstos na legislação específica.
As repartições aduaneiras têm suas competências previstas no artigo 24 da
nova Lei dos Portos, senão vejamos:

Art. 24. Compete ao Ministério da Fazenda, por intermédio das


repartições aduaneiras:
I — cumprir e fazer cumprir a legislação que regula a entrada, a per-
manência e a saída de quaisquer bens ou mercadorias do País;

FGV DIREITO RIO  137


Direito Marítimo

II — fiscalizar a entrada, a permanência, a movimentação e a saída


de pessoas, veículos, unidades de carga e mercadorias, sem prejuízo das
atribuições das outras autoridades no porto;
III — exercer a vigilância aduaneira e reprimir o contrabando e o
descaminho, sem prejuízo das atribuições de outros órgãos;
IV — arrecadar os tributos incidentes sobre o comércio exterior;
V — proceder ao despacho aduaneiro na importação e na exporta-
ção;
VI — proceder à apreensão de mercadoria em situação irregular, nos
termos da legislação fiscal;
VII — autorizar a remoção de mercadorias da área portuária para
outros locais, alfandegados ou não, nos casos e na forma prevista na
legislação aduaneira;
VIII — administrar a aplicação de regimes suspensivos, exonerativos
ou devolutivos de tributos às mercadorias importadas ou a exportar;
IX — assegurar o cumprimento de tratados, acordos ou convenções
internacionais no plano aduaneiro; e
X — zelar pela observância da legislação aduaneira e pela defesa dos
interesses fazendários nacionais.
§ 1o No exercício de suas atribuições, a autoridade aduaneira terá
livre acesso a quaisquer dependências do porto ou instalação portuária,
às embarcações atracadas ou não e aos locais onde se encontrem merca-
dorias procedentes do exterior ou a ele destinadas.
§ 2o No exercício de suas atribuições, a autoridade aduaneira pode-
rá, sempre que julgar necessário, requisitar documentos e informações
e o apoio de força pública federal, estadual ou municipal.

Ademais, a Secretaria de Portos da Presidência da República terá que rea-


lizar a coordenação da atuação integrada dos órgãos e entidades públicas nos
portos organizados e instalações portuárias, com a finalidade de garantir a
eficiência e a qualidade de suas atividades.

2.8 CAP — Conselho de Autoridade Portuária

A antiga Lei dos Portos (8.630 de 1993) criou o Conselho da Autoridade


Portuária (CAP) constituído por quatro blocos: (i) bloco do Poder Público
(governo federal, estadual e municipal), (ii) bloco de Operadores Portuários
(representante da administração portuária, armadores e das instalações por-
tuárias privadas localizadas dentro da área do porto), (iii) bloco da classe dos
Trabalhadores Portuários e (iv) bloco dos Usuários dos Serviços Portuários e
afins.

FGV DIREITO RIO  138


Direito Marítimo

O CAP possuía, à época, dentre outras, as seguintes atribuições:


• Aprovar o PDZ — Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Por-
to;
• Homologar o horário de funcionamento do porto;
• Opinar sobre a proposta de orçamento do porto;
• Zelar pelo cumprimento das normas de defesa da concorrência;
• Homologar os valores das tarifas portuárias;
• Manifestar-se sobre os programas de obras, aquisições e melhoramen-
tos da infraestrutura portuária; e
• Assegurar o cumprimento das normas de proteção ao meio-ambiente
e estimular a competitividade nos portos.

2.8.1 O Novo CAP

A nova Lei dos Portos, Lei nº 12.815 de 2013, através do seu artigo 20,
alterou de forma substancial a competência do CAP, pois antes o Conselho
detinha poderes de deliberação, mas com a nova lei, passou a ser apenas um
órgão consultivo da administração do porto.
Ademais, a lei reservou para regulamento próprio a previsão das atribui-
ções, o funcionamento, bem como a composição dos conselhos de autorida-
de portuária.
A competência atual do CAP está presvista no art. 36,§1º do Decreto
8.033/13, de onde se extrai que cabe ao CAP sugerir:

I — alterações do regulamento de exploração do porto;


II — alterações no plano de desenvolvimento e zoneamento do por-
to;
III — ações para promover a racionalização e a otimização do uso
das instalações portuárias;
IV — medidas para fomentar a ação industrial e comercial do porto;
V — ações com objetivo de desenvolver mecanismos para atração
de cargas;
VI — medidas que visem estimular a competitividade; e
VII — outras medidas e ações de interesse do porto.

Quanto a sua composição, o CAP deixou de ser formado por quatro blo-
cos para ter assegurada a participação apenas da classe empresarial, dos tra-
balhadores portuários e do poder público, ficando excluída a participação
dos usuários (os clientes, empresas que necessitam dos portos para escoar ou
receber as suas cargas) como bloco próprio.

FGV DIREITO RIO  139


Direito Marítimo

A composição dos novos CAPs deveobservar o regramento previsto no Pa-


rágrafo Terceiro, do artigo, 20 da nova Lei dos Portos que dispõe da seguinte
forma:

§ 3o A distribuição das vagas no conselho a que alude o caput obser-


vará a seguinte proporção:
I — 50% (cinquenta por cento) de representantes do poder público;
II — 25% (vinte e cinco por cento) de representantes da classe em-
presarial; e
III — 25% (vinte e cinco por cento) de representantes da classe
trabalhadora.

O artigo 37 do Decreto 8.033/13 dispõe de forma mais detalhada sobre a


composição do conselho, devendo o mesmo ser analisado em conjunto com
a Portaria nº 244 da SEP, de 26 de novembro de 2013 (alterada pela Portaria
nº 25 da SEP, de 7 de fevereiro de 2014), a qual define os procedimentos e
autoridades responsáveis pela escolha dos representates no CAP e seus su-
plentes. Vejamos o teor do artigo 37 supracitdado:

Art. 37. Cada conselho de autoridade portuária será constituído pe-


los membros titulares e seus suplentes:
I — do Poder Público, sendo:
a) quatro representantes da União, dentre os quais será escolhido o
presidente do conselho;
b) um representante da autoridade marítima;
c) um representante da administração do porto;
d) um representante do Estado onde se localiza o porto; e
e) um representante dos Municípios onde se localizam o porto ou os
portos organizados abrangidos pela concessão;
II — da classe empresarial, sendo:
a) dois representantes dos titulares de arrendamentos de instalações
portuárias;
b) um representante dos operadores portuários; e
c) um representante dos usuários; e
III — da classe dos trabalhadores portuários, sendo:
a) dois representantes dos trabalhadores portuários avulsos; e
b) dois representante dos demais trabalhadores portuários.
(Grifamos)

Conclui-se que, além de retirar o poder de decisão dos Conselhos de Au-


toridade Portuária, a nova legislação diminuiu a representatividade do Con-
selho, esvaziando a participação dos usuários — cuja representação passou a

FGV DIREITO RIO  140


Direito Marítimo

fazer parte da classe empresarial, conforme se infere do art. 37, II,c transcrito
—, dando maior peso à participação do poder público.

3 ANTAQ — AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTE AQUAVIÁRIO

A Agência Nacional de Transportes Aquaviários, mais conhecida como


ANTAQ, foi criada por meio da Lei nº 10.233 de 2001, com o objetivo de
regulamentar e fiscalizar as atividades de transportes aquaviários, bem como
a atividade portuária.134
A ANTAQ tem desempenhado importante papel na regulamentação da
legislação portuária por meio da edição de resoluções que tratam dos serviços
de transporte aquaviário e de exploração portuária, bem como por meio da
fiscalização das companhias docas, arrendatários, autorizatários e usuários.135

3.1 A Competência da ANTAQ nas Concessões e Arrendamentos

Com a edição da nova Lei dos Portos, a realização dos procedimentos


licitatórios (não apenas de concessões como também de arrendamentos, até
então realizados pelas Companhias Docas de cada Porto) passou a ser de
competência da ANTAQ, respeitadas as diretrizes do poder concedente.
Portanto, a competencia para elaborar os editais de todas as licitações pas-
sou a ser da Agência Reguladora.
As licitações dos contratos de concessão e arrendamento passaram a ter
como critérios para julgamento, conjunta ou isoladamente, a maior capaci-
dade de movimentação, a menor tarifa ou o menor tempo de movimentação
de carga, bem como outros critérios extras estabelecidos no edital, tudo con-
forme regulamento.136
A lei dispõe sobre os contratos de concessão e arrendamento, da seguinte
forma:

Art. 5o São essenciais aos contratos de concessão e arrendamento as


cláusulas relativas:
I — ao objeto, à área e ao prazo; Sobre a regulamentação das ativi-
134

dades de fiscalização da ANTAQ, ver a


II — ao modo, forma e condições da exploração do porto organiza- Resolução da ANTAQ nº 3259 de 30 de
janeiro de 2014. Em relação ao regi-
do ou instalação portuária; mento interno da ANTAQ ver a Resolu-
ção da ANTAQ nº 3585 de 18 de agosto
III — aos critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores de 2014.
da qualidade da atividade prestada, assim como às metas e prazos para 135
Sobre a fiscalização da prestação dos
o alcance de determinados níveis de serviço; serviços portuários e infrações e san-
ções administrativas, ver a Resolução
IV — ao valor do contrato, às tarifas praticadas e aos critérios e pro- da ANTAQ nº 3.274 de 6 de fevereiro
de 2014.
cedimentos de revisão e reajuste; 136
Ver Decreto nº 8.033/2013, art. 6º.

FGV DIREITO RIO  141


Direito Marítimo

V — aos investimentos de responsabilidade do contratado;


VI — aos direitos e deveres dos usuários, com as obrigações correla-
tas do contratado e as sanções respectivas;
VII — às responsabilidades das partes;
VIII — à reversão de bens;
IX — aos direitos, garantias e obrigações do contratante e do con-
tratado, inclusive os relacionados a necessidades futuras de suplemen-
tação, alteração e expansão da atividade e consequente modernização,
aperfeiçoamento e ampliação das instalações;
X — à forma de fiscalização das instalações, dos equipamentos e dos
métodos e práticas de execução das atividades, bem como à indicação
dos órgãos ou entidades competentes para exercê-las;
XI — às garantias para adequada execução do contrato;
XII — à responsabilidade do titular da instalação portuária pela ine-
xecução ou deficiente execução das atividades;
XIII — às hipóteses de extinção do contrato;
XIV — à obrigatoriedade da prestação de informações de interesse
do poder concedente, da Agência Nacional de Transportes Aquaviários
— ANTAQ e das demais autoridades que atuam no setor portuário,
inclusive as de interesse específico da Defesa Nacional, para efeitos de
mobilização;
XV — à adoção e ao cumprimento das medidas de fiscalização adu-
aneira de mercadorias, veículos e pessoas;
XVI — ao acesso ao porto organizado ou à instalação portuária pelo
poder concedente, pela Antaq e pelas demais autoridades que atuam
no setor portuário;
XVII — às penalidades e sua forma de aplicação; e
XVIII — ao foro.
§ 1o (VETADO).
§ 2o Findo o prazo dos contratos, os bens vinculados à concessão ou
ao arrendamento reverterão ao patrimônio da União, na forma prevista
no contrato.

No entanto, o § 5o do artigo 6o da nova Lei prevê que, o poder concedente


poderá determinar a transferência das competências de elaboração do edital
e a realização dos procedimentos licitatórios à Administração do Porto, dele-
gado ou não.
Cabe destacar que, o arrendamento de áreas e instalações portuárias será
sempre precedido de um Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Am- 137
A Portaria nº 38 da Secretaria dos
biental (EVTEA)137 que funcionará como base para a licitação, conforme Portos de 14 de março de 2013 autori-
zou a Estruturadora Brasileira de Proje-
estabelecido no art. 3º da Resolução da ANTAQ nº 3220 de 8 de janeiro de tos (EBP) a desenvolver projetos e/ou os
2014. EVTA dos novos contratos de concessão
e arrendamento.

FGV DIREITO RIO  142


Direito Marítimo

3.2 A Competência da ANTAQ nas Autorizações

A ANTAQ tem ainda a competência de apreciar os requerimentos de au-


torização para a exploração de terminais privados. Assim, os interessados em
obter a autorização de instalação portuária privada poderão requerê-la à AN-
TAQ a qualquer tempo, na forma prevista em regulamento138.
Recebido o requerimento de autorização de instalação portuária, a AN-
TAQ deverá:I — publicar em até 5 (cinco) dias o extrato do requerimento,
inclusive na internet; e II — promover em até 10 (dez) dias a abertura de
processo de anúncio público, com prazo de 30 (trinta) dias, para identificar
a existência de outros interessados na obtenção de autorização de instalação
portuária na mesma região e com características semelhantes.139
De acordo com o art. 8º,§2º da nova lei, a autorização de instalação por-
tuária terá prazo de até 25 (vinte e cinco) anos, prorrogável por períodos su-
cessivos, desde que:I — a atividade portuária seja mantida; e II — o autoriza-
tário promova os investimentos necessários para a expansão e modernização
das instalações portuárias, na forma do regulamento.
A ANTAQ deverá adotar medidas para assegurar o cumprimento dos cro-
nogramas de investimento previstos nas autorizações e poderá exigir garantias
ou aplicar sanções, inclusive a cassação da autorização.140
Em consonância com as diretrizes do planejamento e das políticas do setor
portuário, a ANTAQ poderá, a qualquer momento, em razão de determina-
ção do poder concedente, realizar a abertura de processo de chamada pública
para identificar a existência de interessados na obtenção de autorização de
instalação portuária privada, localizadas fora da área do porto organizado.
O instrumento da abertura de chamada ou anúncio público indicará obri-
gatoriamente os seguintes parâmetros:
I — a região geográfica na qual será implantada a instalação portuária;
II — o perfil das cargas a serem movimentadas; e
III — a estimativa do volume de cargas ou de passageiros a ser movimen-
tado nas instalações portuárias.
É preciso destacar que, o interessado em obter autorização de instalação
portuária deverá apresentar título de propriedade, inscrição de ocupação, cer-
tidão de aforamento, cessão de direito real ou outro instrumento jurídico 138
Para as regras de autorização de
que assegure o direito de uso e fruição do respectivo terreno, além de outros instalações portuárias, ver :Decreto nº
8.033/2013 – Art. 26 a 35 e Portaria
documentos previstos no instrumento de abertura. da Secretaria de Portos nº 110, de 2 de
agosto de 2013. Sobre o procedimento
Encerrado o processo de chamada ou anúncio público, o poder conceden- para autorização de instalações portuá-
rias, ver Resolução da ANTAQ n 3.290 de
te deverá analisar a viabilidade locacional das propostas e sua adequação às 14 de fevereiro de 2014.
diretrizes do planejamento e das políticas do setor portuário. 139
Decreto nº 8.033/2013, art. 27,pará-
Ademais, poderão ser expedidas diretamente as autorizações de instalação grafo único.

portuária quando: I — o processo de chamada ou anúncio público seja con- Em relação ao procedimento sancio-
140

nador de competência da ANTAQ, ver a


cluído com a participação de um único interessado; ou II — havendo mais Resolução da ANTAQ nº 3259 de 30 de
janeiro de 2014.

FGV DIREITO RIO  143


Direito Marítimo

de uma proposta, não haja impedimento locacional à implantação de todas


elas de maneira concomitante.
Havendo mais de uma proposta e impedimento locacional que inviabilize
sua implantação de maneira concomitante, a ANTAQ deverá promover pro-
cesso seletivo público, observados os princípios da legalidade, impessoalida-
de, moralidade, publicidade e eficiência.
O processo seletivo público deverá atender o disposto em regulamento e
considerará como critério de julgamento, de forma isolada ou combinada, a
maior capacidade de movimentação, a menor tarifa ou o menor tempo de
movimentação de carga, e outros estabelecidos no edital.141
Em qualquer caso, somente poderão ser autorizadas as instalações portu-
árias compatíveis com as diretrizes do planejamento e das políticas do setor
portuário.

4 SECRETARIA DE PORTOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA — SEP

A Secretaria de Portos da Presidência da República (SEP) foi criada por


meio da Medida Provisória n° 369 de 07 de maio de 2007. Após aprova-
ção pelo Congresso Nacional, o Presidente sancionou, em setembro daquele
mesmo ano, a Lei nº 11.518/07 que consolidou o funcionamento da SEP e o
novo modelo de gestão do setor portuário com a revogação das leis, decretos-
-lei e dispositivos legais diversos.
Ressalta-se que, antes da criação da SEP, a competência para tratar dos
portos em geral (marítimos, lacustres e fluviais) era do Ministério dos Trans-
portes. Com a criação dessa Secretaria com status de Ministério, a competên-
cia para tratar dos Portos Marítimos e dos portos outorgados às Companhias
Docas passou a ser da SEP, ficando para o Ministério dos Transportes, em um
primeiro momento, a competência para tratar dos Portos fluviais e lacustres.
142

Porém, com a publicação da nova Lei dos Portos, o art. 24-A da Lei nº
10.683, de 28 de maio de 2003, referente à competência da Secretaria de
Portos,143 passou a vigorar com as seguintes alterações:

Art. 24-A. À Secretaria de Portos compete assessorar direta e imedia- 141


Sobre o procedimento referente ao
tamente o Presidente da República na formulação de políticas e diretri- processo seletivo público, ver artigos
13 e seguintes da Resolução nº 3290
zes para o desenvolvimento e o fomento do setor de portos e instalações da ANTAQ de 13 de fevereiro de 2014.
portuárias marítimos, fluviais e lacustres e, especialmente, promover 142
Conforme o parágrafo único do art.
a execução e a avaliação de medidas, programas e projetos de apoio 6º da L. 11.518/07.
A Portaria da SEP nº 408, de 27 de
ao desenvolvimento da infraestrutura e da superestrutura dos portos e
143

novembro de 2014 dispõe sobre os


instalações portuárias marítimos, fluviais e lacustres. regimentos internos de cada órgão da
SEP.

FGV DIREITO RIO  144


Direito Marítimo

[...]
§ 2o
[...]
III — a elaboração dos planos gerais de outorgas;
[...]
V — o desenvolvimento da infraestrutura e da superestrutura aqua-
viária dos portos e instalações portuárias sob sua esfera de atuação, com
a finalidade de promover a segurança e a eficiência do transporte aqua-
viário de cargas e de passageiros.
[...] (NR)

Portanto, a competência para tratar dos portos fluviais e lacustres passou


também a ser da Secretaria de Portos, juntamente com a competência para
tratar dos portos marítimos144.
Ademais, a elaboração dos Planos Gerais de Outorga que antes da nova
lei eram de competência da ANTAQ passaram a ser da SEP, ampliando, por-
tanto, as competências da Secretaria que anteriormente apenas aprovava os
PGOs.
Entre as atribuições e competência da Secretaria, verifica-se a formulação
de políticas e diretrizes para o fomento do setor, além da execução de me-
didas, programas e projetos de apoio ao desenvolvimento da infraestrutura
portuária.
Compete, ainda, à SEP, a participação no planejamento estratégico e na
elaboração dos planos de outorgas, visando a assegurar eficiência e segurança
ao transporte de cargas e passageiros no país.
O artigo 16 da nova Lei dos Portos ampliou consideravelmente as com-
petências da SEP, considerada para todos os fins como o Poder Concedente.
Portanto, conforme art. 16,II da nova lei, a SEP passou a definir as dire-
trizes para a realização dos procedimentos licitatórios e respectivos editais e
instrumentos convocatórios, o que antes era de competência da ANTAQ.
A partir de agora a SEP deverá celebrar os contratos de arrendamento,
bem como os contratos de concessão e expedir as autorizações de instalação
portuária, antes competências exclusivas das Companhias Docas e ANTAQ.
As normas para a pré-qualificação dos operadores portuários que eram
estabelecidas pelas Companhias Docas com a aprovação dos Conselhos de
Autoridade Portuária, hoje passaram a ser de competência da SEP, de acordo
com o art. 16, IV da Lei 12.815/13.145
Assim, a criação de uma secretaria específica voltada para a atividade por-
144
Sobre a competência da Secretaria
tuária demonstrou a conscientização da relevância desta atividade no cená- de Portos da Presidência ver Lei nº
rio econômico brasileiro e a centralização de competências nesta Secretaria 12.185/2013, Art. 16 e Decreto nº
8.033/2013, art. 2º.
a partir do novo marco regulatório demonstra o desejo de fortalecimento e 145
Sobre o procedimento para pré qua-
centralização das estratégias para o setor portuário. lificação ver: Portaria nº 111, de 7 de
agosto de 2013 da Secretaria de Portos.

FGV DIREITO RIO  145


Direito Marítimo

5 REGULAMENTAÇÃO DA NOVA LEI DOS PORTOS

No dia 27 de junho de 2013 foi publicado no diário oficial o Decreto nº


8.033 para regulamentar o disposto na Lei no 12.815, de 5 de junho de 2013
(Nova Lei dos Portos), bem como as demais disposições legais que regulam a
exploração de portos organizados e de instalações portuárias.
O mencionado Decreto revogou expressamente os Decretos nº 4.391 de
2002 e nº 6.620 de 2008. Este último era alvo de amplo debate por conta de
sua total incompatibilidade com o novo modelo regulatório, pois tratava de
forma completamente diversa a exploração da atividade portuária nas Insta-
lações Portuárias de Uso Privado, apesar de não ter sido revogado pela nova
lei dos postos.
O Decreto nº 8.033/2013 veio dispondo de sete capítulos, e em seu pri-
meiro capítulo esclareceu que, na atividade portuária o poder concedente
seria exercido por intermédio da Secretaria de Portos da Presidência da Re-
pública (SEP), dando a esta a competência para elaborar o Plano Geral de
Outorgas — PGO do setor portuário e disciplinar o conteúdo, forma e pe-
riodicidade de atualização dos Planos de Desenvolvimento e Zoneamento
dos portos — PDZ. Assim, houve uma concentração da, definição da políti-
ca portuária nacional e regional em apenas uma entidade.
Este Decreto também transferiu para a SEP competências que anterior-
mente eram das Companhias Docas, tais como: a) definir as diretrizes para
a elaboração dos regulamentos de exploração dos portos; b) aprovar a trans-
ferência do controle societário ou de titularidade dos contratos de arrenda-
mento;146 c) aprovação de investimentos não previstos no contrato de arren-
damento.
Das competências da ANTAQ transferidas para a SEP podemos destacar
a condução e aprovação dos Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e
Ambiental do objeto da concessão ou do arrendamento.
Obviamente, com transferência da competência para celebrar contratos
de arrendamento para a SEP e de realização do procedimento licitatório pela
ANTAQ,147 não há mais o risco de termos uma administradora privada no
porto organizado tendo que licitar uma instalação portuária de uso público,
através de contrato de arrendamento, pois isto seria inviável pela total incom-
patibilidade dos regimes jurídicos de direito privado e público. 146
Sobre o procedimento para transfe-
O Decreto prevê ainda itens indispensáveis a serem considerados no edital rência de titularidade de autorizações,
ver a Portaria nº 249, de 29 de novem-
de licitação, estabelece o procedimento a ser observado, alguns critérios de bro de 2013 da Secretaria de Portos.

julgamento e suas definições, de modo a permitir maior transparência e ob- 147


Em relação às regras de licitação, ver
Seção II da Resolução ANTAQ nº 3708
jetividade na realização do certame licitatório.148 de 17 de outubro de 2014, a qual apro-
Os critérios de julgamento nas licitações de concessão e arrendamento, va norma reguladora da exploração de
áreas e instaçaões portuárias nos por-
previstos no art. 9º, foram recentemente alterados pelo Decreto 8.464/2015, tos organizados.

o qual prevê o uso combinado ou isolado dos seguintes: 148


Decreto nº 8.033/2013, Arts. 8º a
18º.

FGV DIREITO RIO  146


Direito Marítimo

I — maior capacidade de movimentação;


II — menor tarifa;
III — menor tempo de movimentação de carga;
IV — maior valor de investimento;
V — menor contraprestação do poder concedente;
VI — melhor proposta técnica, conforme critérios objetivos estabe-
lecidos pelo poder concedente;
VII — maior valor de outorga.

Destarte, o rol do art. 9º do Decreto 8.033/2013 foi ampliado, pois ante-


riormente contemplava apenas os critérios de maior capacidade de movimen-
tação, menor tarifa e menor tempo de movimentação da carga.
Ademais, o Decreto regulamenta o procedimento para a obtenção da au-
torização de exploração de instalação portuária de uso privado, prevendo de
que forma serão realizados os processos de anúncio público (quando há pe-
dido de algum interessado) e chamada pública (quando o poder conceden-
te pretende identificar a existência de interessados na obtenção de autoriza-
ção).149
Há também, por meio do Decreto, a previsão das competências dos Con-
selhos de Autoridade Portuária que poderão alterar o regulamento de explo-
ração do porto, alterar o PDZ, adotar ações para otimizar o uso das instala-
ções portuárias e adotar medidas para fomentar a ação industrial e comercial
do porto, com a atração de cargas e estímulo da competitividade.150
Como visto anteriormente, os novos CAPs deverão ser constituídos por
oito representantes do poder público, quatro da classe empresarial e quatro
da classe dos trabalhadores, com mandato de dois anos, admitida a recondu-
ção uma única vez, sendo considerada prestação de serviço público relevante
não remunerada, onde cada representante terá direito a um voto e o Presiden-
te do Conselho terá o voto de qualidade.
O Decreto dispõe em seu capítulo IV sobre a forma de composição do
Conselho de Supervisão e da Diretoria Executiva dos OGMOs. Cria ainda o
fórum permanente para qualificação do Trabalhador Portuário, para debate
permanente sobre a qualificação e formação do trabalhador portuário avulso
e sua adequação aos modernos processos de movimentação de carga, bem
como prevê a criação do Sine-Porto a ser instituído pelo Ministério do Traba-
lho e Emprego com o objetivo de identificar e organizar a oferta de mão de
obra qualificada para o setor portuário.151 149
Decreto nº 8.033/2013, Arts. 26 a
Portanto, diante de tantas modificações no cenário portuário, haverá ain- 35 e Portaria da Secretaria de Portos nº
110, de 2 de agosto de 2013.
da a necessidade de empenho, estudo e avaliação do impacto deste novo 150
Decreto nº 8.033/2013, Art. 36 e
marco regulatório do setor e as suas diferentes implicações. seguintes.
151
Decreto nº 8.033/2013, Art. 36 e
seguintes.

FGV DIREITO RIO  147


Direito Marítimo

6 ÓBICES AOS ARRENDAMENTOS.

Em virtude da demora na aprovação e das mudanças operadas pelo novo


marco regulatório, as licitações de 159 instalações e terminais portuários bra-
sileiros veem levando um tempo considerável para serem concluídas.152[1]
Os mencionados terminais foram, originalmente, divididos em qua-
tro blocos a serem licitados, conforme definido pela Portaria SEP/PR nº
15/2013.153[2] As fases para licitar os empreendimentos compreendem a ela-
boração de estudos de viabilidade (EVTEA), a análise dos estudos por comis-
são mista da SEP/ANTAQ154[3], a consulta e a audiência pública, o envio de
estudos e documentações ao Tribunal de Contas da União (TCU), a publica-
ção do edital e, por fim, o leilão.
Os editais de licitação do primeiro bloco (que compreende áreas nos esta-
dos de São Paulo e Pará) ficaram, por muito tempo, paralisados em virtude de
problemas encontrados na análise do TCU no processo nº 029.083/2013-3.
De início, o TCU havia apresentado no Acórdão nº 3.661/2013 um total
de 19 contestações em relação aos estudos preparatórios para a licitação, os
quais compreendem critérios ambientais, econômico-financeiros e de viabi-
lidade técnica.
Dentre as críticas levantadas por aquele órgão, destacam-se a ausência de
fixação de tetos tarifários máximos para alguns terminais, inexistência de es-
tudos sobre concorrência, projetos de engenharia pouco detalhados, infor-
mações insuficientes nas audiências públicas, necessidade de inventário dos
equipamentos e de diálogo com a legislação local, entre outras.155[4]
Ainda, o TCU determinou que a ANTAQ elaborasse um banco de dados
com informações sobre os terminais em operação, promovesse estudos para
indicar um nível de eficiência mínimo a ser exigido dos terminais e que, nos 152 [1]
Sobre AS 159 áreas a serem li-
citadas e a divisão por blocos, ver a
próximos estudos, a agência indicasse claramente as datas e fontes utilizadas. tabela elaborada pela SEP constante
em <http://www.portosdobrasil.gov.
Quanto à SEP, recomendou-se que esta interagisse com os municípios duran- br/assuntos-1/investimentos/arrenda-
mentos-1/blocos-de-arrendamentos-
te a elaboração dos estudos de viabilidade. -e-cronograma-de-licitacoes>. Acesso
Diante desse quadro, a SEP recorreu de 4 contestações e prestou escla- em 27/06/2016.

recimentos quantos aos outros pontos. Ocorre que o Ministro Raimundo Informações sobre quais áreas
153 [2]

serão licitadas e seus blocos podem


Carneiro pediu vistas do processo, fazendo com que a conclusão da análise do ser encontradas no sítio eletrônico da
SEP: <http://www.portosdobrasil.gov.
TCU e consequente liberação dos editais fossem postergadas mais uma vez. br/assuntos-1/investimentos/arrenda-
mentos-1/areas-passiveis-de-arrenda-
Desse modo, somente em 06/05/2015 foi prolatado o Acórdão nº mento-definidas-pela-portaria-sep-
1.077/2015 referente ao pedido de reexame apresentado pela SEP um ano e -pr-15>. Acesso em 05/08/2015.

meio antes, dando-lhe provimento parcial. 154 [3]


A Comissão Mista SEP/ANTAQ foi
criada através da Portaria Conjunta
No mencionado acórdão, ficou decidido que a SEP poderia licitar qual- SEP/ANTAQ nº 91/2013 para avaliar e
selecionar os projetos e estudos de via-
quer terminal previsto no primeiro bloco, desde que fossem atendidas as con- bilidade econômica, técnica, ambiental
dicionantes específicas consignadas no Acórdão nº 3.661/2013. Este posicio- e operacional.
Para acesso à análise detalhada
155 [4]
namento foi favorável ao pleito da SEP que havia argumentado no sentido de do TCU, ver TCU, Acórdão 3.361/2013.
ser possível licitar as instalações que já estivessem regulares, não sendo neces- Rel. Ana Arraes, Plenário, julgado em
10/12/2013.

FGV DIREITO RIO  148


Direito Marítimo

sário licitar todos os empreendimentos concomitantemente. Assim, apenas


fica impedida a licitação de terminais que não observarem as exigências do
Acórdão nº 3.661/2013.
O ponto de destaque da decisão diz respeito às tarifas-teto. No acórdão de
2013, o TCU havia determinado que fossem estabelecidas tarifas-teto para
os serviços prestados nos arrendamentos, imposição contra a qual a SEP re-
correu.
No Acórdão nº 1.077/2015, o tribunal decidiu retirar esta exigência, pon-
derando que a tarifa-teto é uma dentre as opções de metodologia de regu-
lação tarifárias que podem ser escolhidas pela SEP. O TCU frisou, contudo,
que a SEP e a ANTAQ devem remeter para sua análise os critérios utilizados
para fundamentar a política tarifária de cada arrendamento.
Ao final do processo, o TCU manteve válidos os itens do Acórdão nº
3.661/2013 que não foram alterados. Desse modo, a partir dessa última de-
cisão as licitações do primeiro dos quatro blocos sejam iniciadas ainda neste
ano.156[5]
Em 26 de outubro de 2015 e em 22 de janeiro de 2016, a ANTAQ pu-
blicou os Avisos de Licitação dos Leilões referentes, respectivamente a 3 e 6
áreas para arrendamentos de terminais em São Paulo e Pará. Tais ofertas eram
relativas a determinados terminais portuários dos Blocos de Concessões 1 e 2,
respectivamente. Sendo que, em ambos os processos licitatórios, o resultado
do leilão foi aquém do esperado pelo governo que, no momento, visa a arre-
cadação de altos valores de outorga.
A adoção do critério de maior outorga para seleção do licitante vencedor,
apesar de o TCU reconhecer que reduz a competitividade dos processos li-
citatório, de acordo com o Tribunal, não encontra obstáculos legais e é de
livre escolha do poder licitante. Esta escolha, porém, demonstrou-se a mais
adequada para o governo que vislumbrava aproveitar os leilões para aumentar
sua arrecadação, dada a crise econômica que o país vem enfrentando.
Atualmente, portanto, os principais óbices aos arrendamentos são econô-
micos, tendo em vista que a iniciativa privada não tem mostrado capacidade
de atingir os valores exigidos pelo governo em seus editais de licitação. Con-
clusão, algumas áreas colocadas a leilão não foram arrecadadas por falta de
ofertantes.
Cabe, finalmente, mencionar que, em 02 de junho de 2016, a ANTAQ
publicou a Resolução Normativa nº 7, que regula a exploração de áreas e
156 [5]
Ministério do Planejamen-
instalações portuárias sob gestão da Administração do Porto no âmbito dos to e Gestão. Ministros consultam
Portos Organizados, adaptando sua regulamentação à mencionada Lei dos TCU sobre licitação de áreas por-
tuárias do bloco 1 por outorga.
Portos. 16/06/2015. Disponível em <http://
www.planejamento.gov.br/assuntos/
Essa resolução é o resultado da Audiência Pública nº 4/2014 aberta pela logistica-e-tecnologia-da-informacao/
noticias/ministros-consultam-tcu-
ANTAQ para recolher contribuições relativas a esta matéria, que foi, ante- -sobre-licitacao-de-areas-portuarias-
-do-bloco-um-por-outorga>. Acesso
em 27/06/2016.

FGV DIREITO RIO  149


Direito Marítimo

riormente, regulamentada pela Resolução da ANTAQ nº 2.240/2011. Den-


tre as mudanças trazidas pela regulamentação, destacam-se:
1. Possibilidade de unificação de contratos de arrendamento indepen-
dentes firmados com o mesmo arrendatário;
2. A regulação quanto ao uso temporário de áreas e instalações portu-
árias disponíveis, contidas na poligonal do porto organizado;
3. Alterações em disposições relativas a passagem em área de uso co-
mum ou já ocupada por terceiros no âmbito da poligonal do porto
organizado.
4. Inclusão de um capítulo específico sobre a regularização temporária
de área ou instalação portuária que preste serviço de interesse públi-
co do Porto Organizado ou de sua região de influência.
5. Alterações nas regras de áreas e instalações portuárias não operacio-
nais.
6. Possibilidade de que a ANTAQ determine, em caráter emergencial,
a movimentação ou armazenagem de cargas ou a movimentação
de passageiros na instalação portuária arrendada, de acordo com as
hipóteses previstas.

7 CONCLUSÃO

Foram inúmeras as polêmicas decorrentes do novo marco regulatório


dos portos, ora envolvendo discussões encabeçadas pelos arrendatários dos
terminais públicos que vislumbravam uma abertura excessiva da exploração
portuária, com concorrência desigual e predatória por parte dos terminais
privados, ora sob o prisma dos terminais privados, que viram na nova lei
interferências excessivas em sua atividade com a necessidade de realização de
anúncio público, chamada pública e oferecimento de garantias contratuais.
Entre outros pontos, vimos surgir também questionamentos no aspecto
trabalhista da legislação que recebeu pequenas, mas impactantes modifica-
ções realizadas de última hora.
Entretanto, apesar de tantas divergências, é inegável a tentativa de avanço
do setor com a nova legislação, a abertura para participação dos terminais
privados não se deu de forma simples e os entraves burocráticos enfrentados
pelos terminais de uso público não foram sanados de modo a permitir uma
equidade nas relações concorrenciais.
Perdeu-se também uma grande oportunidade de modernização da legisla-
ção trabalhista portuária que ainda permanece sob os moldes e os anseios do
passado, tendo sido ultrapassada pela nova demanda do mercado.
Cabe agora acompanhar a regulamentação do novo marco regulatório
para que a nova legislação represente um avanço no setor e seja positivamen-

FGV DIREITO RIO  150


Direito Marítimo

te implantada, afinal a carência de infraestrutura portuária brasileira exige


céleres medidas de modernização.

QUESTÕES DE AUTOMONITORAMENTO

1. Após ler o material, você é capaz de resumir o caso gerador, identifi-


cando as partes envolvidas, os problemas atinentes e as possíveis soluções
cabíveis?
2. O interessado em obter a autorização de instalação portuária deverá
protocolizar o seu pedido perante qual órgão? Autoridade Portuária, AN-
TAQ ou SEP?
3. De acordo com o novo Marco Regulatório de Portos, quem é conside-
rado a Autoridade Portuária e quem é considerado o Poder Concedente?
4. Nas licitações de concessão e de arrendamento quais serão os critérios
utilizados para julgamento?
5. São os Sindicatos que representam as várias categorias de trabalhadores
portuários quem administra a mão de obra avulsa nos portos brasileiros?
6. É possível a contratação de mão de obra de capatazia fora dos quadros
dos trabalhadores registrados no OGMO? Em caso negativo, esse tipo de
contratação já foi possível? Por quê?
7. De quem é a competência para aprovar o Plano Geral de Outorgas —
PGO do Setor Portuário?
8. De quem é a competência para aprovar o Plano de Desenvolvimento e
Zoneamento do Porto — PDZ?
9. Existe algum erro ou imprecisão na frase “De acordo com a Nova Lei
dos Portos os Conselhos de Autoridade Portuária — CAPs passaram a atuar
como órgão deliberativos da administração do porto”.
10. Pense e descreva, mentalmente, alternativas para a solução do caso
gerador.

REFERÊNCIAS

Bibliográficas

BOTELHO, Martinho Martins. Coletânea de Legislação Brasileira de Direito


Marítimo e Portuário. São Paulo: Lex, 2007.

CASTRO JR., Osvaldo Agripino de. Direito Portuário, Regulação e Desenvol-


vimento. Belo Horizonte: Fórum, 2010.

FGV DIREITO RIO  151


Direito Marítimo

COLLYER, Wesley O. Lei dos Portos O Conselho de Autoridade Portuária e a


Busca da Eficiência. São Paulo: Lex, 2008.

GIBERTONI, Carla Comitre Adriana. A lei de modernização dos portos. In:


PASOLD, César Luiz. Lições preliminares de direito portuário. Florianópolis:
Conceito, 2007.

Jurisprudenciais

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental — ADPF nº 139,


em Trâmite Perante o Supremo Tribunal Federal.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp nº 964417/SP. Primei-


ra Turma. Julgado em 08 de outubro de 2013

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Pedido de Reexame AC 1077/15.


Plenário. Julgado em 10 de dezembro de 2013.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acompanhamento de Desestatização


AC 3661/2013. Plenário. Julgado em 06 de maio de 2015.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Seção Especializada de dissídios co-


letivos. DC n. 1746116-74.2006.5.00.0000. Julgado em 16 de agosto de
2007.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. AIRR 24400-33.2010.5.17.0001.


Quarta Turma. Julgado em 10 de outubro de 2014.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. AIRR 122000-96.2009.5.01.0013.


Sexta Turma. Julgado em 27 de fevereiro de 2015.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. AIRR 232-07.2010.5.01.0067.


Quarta Turma. Julgado em 03 de julho de 2015.

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Sexta Região. Mandado de Segu-


rança n. 00185-2004-000-06-00-1. Julgado em 20 de janeiro de 2005.

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Primeira Região. RO n. 00020-


2006-027-01-00-8. Oitava Turma. Julgado em 14 de agosto de 2007.

FGV DIREITO RIO  152


Direito Marítimo

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Primeira Região. Seção Especiali-


zada em Dissídios Individuais. Mandado de Segurança n. 07038-2008-000-
01-00-3. Julgado em 02 de abril de 2009.

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Segunda Região. RO n.


323200844202002. Oitava Turma. Julgado em 28 de maio de 2010.

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Segunda Região. RO n.


00020823120125020445. Sexta Turma. Julgado em 11 de fevereiro de 2014.

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Sexta Região. Tribunal Pleno.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Quarta Câmara


Cível. Apelação n. 20.116/02. Julgado em 15 de outubro de 2002.

Normativas

BRASIL. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

BRASIL. Decreto nº 4.391, de 26 de setembro de 2002.

BRASIL. Decreto nº 6.620, de 29 de outubro de 2008.

BRASIL. Decreto nº 8.033, de 27 de junho de 2013.

BRASIL. Decreto nº 8.464, de 08 de junho de 2015.

BRASIL. Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993.

BRASIL. Lei nº 9.719, de 27 de novembro de 1998.

BRASIL. Lei nº 10.233, de 05 de junho de 2001.

BRASIL. Lei nº 11.518, de 05 de setembro de 2007.

BRASIL.Lei nº 12.815, de 5 de junho de 2013.

BRASIL. Medida Provisória n° 369, de 07 de maio de 2007.

BRASIL. Resolução ANTAQ nº 55 de 2003.

FGV DIREITO RIO  153


Direito Marítimo

BRASIL. Resolução ANTAQ nº 1.660 de 2010 rerratificada pela Resolução


ANTAQ nº 1.695/2010.

BRASIL. Resolução ANTAQ nº 1.695, de 10 de maio de 2010.

BRASIL. Resolução ANTAQ nº 3.259, de 30 de janeiro de 2014.

BRASIL. Resolução ANTAQ nº 3.274, de 6 de fevereiro de 2014.

BRASIL. Resolução ANTAQ nº 3.290, de 14 de fevereiro de 2014.

BRASIL. Resolução ANTAQ nº 3.585, de 18 de agosto de 2014.

BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 38, de 14 de março de 2013.

BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 110, de 2 de agosto de 2013.

BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 111, de 7 de agosto de 2013.

BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 244, de 26 de novembro de


2013.

BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 249, de 29 de novembro de


2013.

BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 252, de 6 de dezembro de 2013.

BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 3, de 7 de janeiro de 2014

BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 25, de 7 de fevereiro de 2014

BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 206, de 11 de julho de 2014

BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 408, de 27 de novembro de


2014

BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 499, de 30 de dezembro de 2014

BRASIL. Portaria Conjunta da Secretaria de Portos/ ANTAQ nº 91, de 24


de junho de 2013

FGV DIREITO RIO  154


Direito Marítimo

Sítios Eletrônicos

Câmara dos Deputados. Henrique Alves comemora aprovação de MP


dos Portos, após 40 horas de votações. 15/05/13. Disponível em <http://
www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/442611-HENRI-
QUE-ALVES-COMEMORA-APROVACAO-DE-MP-DOS-PORTOS,-
-APOS-40-HORAS-DE-VOTACOES.html>. Acesso em 05/08/2013MI-
NISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E GESTÃO. Ministros consultam
TCU sobre licitação de áreas portuárias do bloco 1 por outorga. 16/06/2015.
Disponível em < http://www.planejamento.gov.br/assuntos/logistica-e-tec-
nologia-da-informacao/noticias/ministros-consultam-tcu-sobre-licitacao-de-
-areas-portuarias-do-bloco-um-por-outorga>. Acesso em 05/08/2015.

FGV DIREITO RIO  155


Direito Marítimo

AULA VIII — CAPITANIA OS PORTOS, TRIBUNAL MARÍTIMO E


ACIDENTES E FATOS DA NAVEGAÇÃO

ROTEIRO DE ESTUDO

1 DO TRIBUNAL MARÍTIMO

Durante a Revolução de 1930, com os ânimos acirrados e na iminência de


um golpe de Estado, um navio a vapor alemão chamado “BADEN”, registra-
do em Hamburgo, zarpou do porto do Rio de Janeiro ao anoitecer transpor-
tando mercadorias e numerosa tripulação em direção ao porto de Buenos Ai-
res. Ignorando a sinalização da Fortaleza Santa Cruz para retornar ao porto,
o BADEN, no jargão da navegação, “forçou a barra” da Baía de Guanabara,
recebendo dois tiros de advertência, disparados do Forte do Leme, na praia
de Copacabana. Ao insistir na manobra e aumentar a velocidade, o BADEN
foi então alvejado por um tiro de canhão que destroçou o mastro principal,
obrigando-o a retornar. O incidente, que causou repercussão internacional à
época, deixou 15 tripulantes mortos e diversos feridos.
Na ausência de um Tribunal administrativo especializado no Brasil, o in-
cidente foi processado e julgado perante o Tribunal Marítimo da Alemanha.
O Tribunal alemão, após ouvir o depoimento do comandante do BADEN,
atribuiu a responsabilidade principal do incidente à Fortaleza de Santa Cruz,
que não teria feito uso da sinalização internacional, impedindo que o co-
mandante do BADEN interpretasse adequadamente a ordem de retorno ao
porto. O Tribunal também responsabilizou a guarnição do Forte do Leme,
por não ter tentado contato via rádio antes de efetuar os disparos que atingi-
ram o navio. Ao comandante alemão, foi atribuída apenas responsabilidade
subsidiária pelo incidente, por não ter parado o navio ao receber sinalização
cujo significado ignorava.
A decisão do Tribunal Marítimo alemão foi vista como tendenciosa pe-
las autoridades brasileiras à época e, no ano seguinte, foi editado o decreto
20.829/31, que instituiu o Tribunal Marítimo no Rio de Janeiro, com com-
petência administrativa para apreciação dos incidentes e fatos da navegação
em todo o território nacional. Mas foi o Decreto n. 24.585 de 5 de julho de
1934, que criou o tribunal marítimo administrativo que, posteriormente,
passou a obedecer aos termos da lei 2.180/1954.
O Tribunal Marítimo, com jurisdição em todo o território nacional, é
um órgão autônomo da Administração Direta da União, auxiliar do Poder
Judiciário, vinculado ao Ministério da Defesa apenas para o provimento de
pessoal e material. Dentre suas atribuições podemos citar: julgar os acidentes

FGV DIREITO RIO  156


Direito Marítimo

e fatos da navegação marítima, fluvial e lacustre, em todo território nacional


(não importando a nacionalidade da embarcação envolvida) ou no exterior
para os navios de bandeira brasileira, bem como manter o registro da proprie-
dade marítima e demais ônus reais sobre embarcações, além do registro dos
armadores brasileiros e registro especial brasileiro (REB).

2 COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL MARÍTIMO

O Tribunal Marítimo, conforme determina o art. 2º da Lei nº 2.180/1954,


modificado pela Lei nº 5.056, de 29 de junho de 1966, é composto de sete
juízes na seguinte ordem: um Presidente, que é obrigatoriamente um oficial
general da armada; dois juízes militares, oficiais superiores da Marinha, sendo
um do corpo da armada e outro do corpo de engenheiros e técnicos navais
subespecializados em máquinas ou casco; dois juízes bacharéis em Direito,
especializados, um deles em Direito Marítimo e o outro em Direito Interna-
cional Público; um juiz especialista em armação de navios e navegação co-
mercial; e um juiz capitão de longo curso, da marinha mercante. Atualmente
a composição do Tribunal Marítimo é a seguinte:
• Vice-Almirante Marcos Nunes de Miranda — Juiz Presidente
• Juiz Sérgio Bezerra de Matos — Vice-Presidente
• Juiz Marcelo David Gonçalves
• Juíza Maria Cristina de Oliveira Padilha
• Juiz Nelson Cavalcante Silva Filho
• Juiz Geraldo de Almeida Padilha
• Juiz Fernando Alves Ladeiras
• Ana Paula — Diretora-Geral
Nesse contexto, o Tribunal Marítimo julga os fatos e acidentes da navega-
ção, em processo contencioso, com aplicação de normas técnicas e jurídicas
compatíveis à solução do conflito e aplicabilidade subsidiária dos códigos de
processo, e adota o mesmo procedimento de qualquer outro tribunal. Contu-
do, poderá, também, aplicar, subsidiariamente, os usos e costumes, analogia
ou equidade, o direito comparado, e os princípios gerais do direito, consubs-
tanciados pela prática internacional referente ao tráfego marítimo em geral.

3. DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL MARÍTIMO

Segundo a lição de José Haroldo dos Anjos e Carlos Rubens Caminha


Gomes,157 a competência do Tribunal Marítimo é estabelecida da seguinte
ANJOS, José Haroldo dos; GOMES,
forma:
157

Carlos Rubens Caminha. Curso de direi-


to marítimo. Rio de Janeiro: Renovar,
1992. p. 111.

FGV DIREITO RIO  157


Direito Marítimo

• Competência Administrativa Exclusiva — ocorre quando são verifi-


cados fatos ligados exclusivamente à navegação, sem qualquer reper-
cussão na esfera do direito administrativo, civil, comercial, criminal,
trabalhista, dentre outros ramos do direito.
• Competência Concorrente — quando verificadas situações de nature-
za civil, comercial, criminal, trabalhista, ou outros interesses conexos.
Nesse caso, o Tribunal Marítimo fica restrito à matéria de sua compe-
tência e atribuição, concorrendo, no mais, com órgão do Judiciário.

Segundo a Lei nº 2.180/1954, o Tribunal Marítimo exerce a jurisdição


contenciosa e a voluntária ou graciosa, sendo os processos divididos da se-
guinte forma: jurisdição contenciosa — processo administrativo punitivo ou
processo administrativo disciplinar; jurisdição voluntária ou graciosa — pro-
cesso administrativo de expediente ou processo de controle administrativo.
No que se refere à jurisdição contenciosa, que abrange processos adminis-
trativos punitivos e/ou disciplinares, o Tribunal Marítimo atua como órgão
judicante dos acidentes e fatos da navegação, definindo-lhes a natureza, as
causas, as circunstâncias e extensão do ilícito administrativo, além de proces-
sar e julgar os responsáveis nos limites das suas atribuições, podendo, inclu-
sive, propor medidas de segurança e preventivas, visando a resguardar as pe-
culiaridades da navegação e do acidente ou fato ocorrido, evitando com isso
que aconteçam fatos correlatos. Nesse particular, é importante observar que,
a fim de se evitar eventual prescrição em desfavor de alguma parte, não cor-
rerá prescrição até a prolação de decisão definitiva pelo Tribunal Marítimo.158
Já com relação à jurisdição voluntária, que envolve os processos admi-
nistrativos de expediente, o Tribunal Marítimo se restringe à expedição de
certidões, autuações, despachos de mero expediente etc. No que tange aos
processos de controle administrativo, suas atribuições são mais extensivas,
abrangendo as diversas atividades que dispõem sobre o registro da proprie-
dade naval, os direitos reais que incidem sobre as embarcações, as atividades
relacionadas à armação nacional e os registros marítimos, previstos na Lei nº
9.432/1997, regulamentada pelo Decreto nº 2.256, de junho de 1997.
Por oportuno, destaque-se que o Tribunal Marítimo poderá funcionar
como tribunal arbitral caso escolhido pelas partes.

4. VALOR DOS JULGADOS DO TRIBUNAL MARÍTIMO

Quando há uma explosão em um navio, com sérios danos materiais, a 158


Lei n° 2.180/1954 - “Art. 20. Não
corre a prescrição contra qualquer
perda total da embarcação e vítimas fatais, ocorrerá uma competência con- dos interessados na apuração e nas
consequências dos acidentes e fatos
corrente entre o Tribunal Marítimo, no deslinde técnico do acidente da na- da navegação por água enquanto não
houver decisão definitiva do Tribunal
Marítimo.”

FGV DIREITO RIO  158


Direito Marítimo

vegação, com a justiça civil (indenização às famílias das vítimas, por exemplo)
e criminal (morte dos tripulantes).
Nesta situação o Tribunal Marítimo julgará o acidente da navegação, de-
finindo-lhe a natureza e consequências, suas causas determinantes, seus res-
ponsáveis, além de propor medidas preventivas e de segurança, enviando de
imediato seu acórdão àquele que deve auxiliar: o Poder Judiciário.
No excelente modelo criado pelo legislador pátrio, a decisão técnica da
Corte Marítima — auxiliar do Judiciário — é enviada ao Poder Judiciário,
que não domina as peculiaridades da matéria, para que sirva como alicerce
técnico e científico nas suas sentenças.
A análise sobre os reflexos dos julgados do Tribunal Marítimo no Poder
Judiciário pode ser dividida em dois aspectos: a) a necessidade de os órgãos
do Poder Judiciário aguardarem o acórdão do Tribunal; e b) o valor, dentro
da ciência jurídica, dos julgados.

4.1 Deve ou não o Poder Judiciário esperar o Julgamento do Tribunal Marítimo?

A presente questão encontra-se positivada no art. 19 da Lei nº 2.180/1954:

Sempre que se discutir em juízo uma questão decorrente de matéria


da competência do Tribunal Marítimo, cuja parte técnica ou técnico-
-administrativa couber nas suas atribuições, deverá ser juntada aos au-
tos a sua decisão definitiva.

A jurisprudência não é uniforme, identificando-se três posições distintas


para o problema:
a) O acórdão do Tribunal Marítimo é uma condição da ação no Poder
Judiciário, não sendo possível iniciar-se o processo ou seu prosseguimento até
que seja juntada a decisão definitiva do Tribunal auxiliar do Poder Judiciário
(RE nº 7446-BA do STF);
b) O Poder Judiciário não está obrigado a esperar a decisão do Tribunal
Marítimo, estando desobrigado de aguardar o julgamento, podendo instruir
e julgar suas lides independentemente da juntada do acórdão do Tribunal
Marítimo (AC nº 46.271-RJ do TRF);
c) O acórdão do Tribunal Marítimo é imprescindível para o julgamento
do Poder Judiciário, contudo como o art. 19 da Lei nº 2.180/1954 não de-
fine o momento da juntada da decisão, o juiz não interrompe a ação, senão
antes do julgamento (AC nº 29682-GB, TRF).
Debruçando-se sobre o tema o renomado e experiente advogado mariti-
mista Pedro Calmon Filho, em artigo especialmente dedicado ao tema e pu-

FGV DIREITO RIO  159


Direito Marítimo

blicado na revista do Tribunal Marítimo comemorativa de seus 50 anos, com


maestria apontou a posição intermediária (letra “c”) como a ideal:

[...] diante do mandamento contido no art.19 da Lei 2.180, não


pode o juiz considerar desnecessária a referida decisão. Poderá reexa-
miná-la, e mesmo rejeitá-la, mas não prescindir dela para o seu julga-
mento. E como a lei, de fato, não menciona à época em que tal decisão
deverá ser produzida, é de se aceitar que o juiz poderá aceitar a ação
proposta, e prosseguir na instrução, até o ponto em que terá de suspen-
der o curso do processo, para antes da decisão, aguardar a juntada da
aludida decisão do TM. O que, sem dúvida, é claro indicativo do valor
das decisões do TM perante o Judiciário.

Com o advento do Novo Código de Processo Civil, o entendimento da


segunda corrente (letra ‘b”) está totalmente afastado, seguindo-se o disposto
no artigo 313, inciso VII:

“Art. 313. Suspende-se o processo:


[...]
VII — quando se discutir em juízo questão decorrente de acidentes e
fatos da navegação de competência do Tribunal Marítimo;”

Desta forma, a posição intermediária (letra “c”) é a que melhor se adapta à


necessidade do Poder Judiciário, desconhecedor dos complexos meandros da
navegação e do Direito Marítimo, suas regras internacionais e códigos con-
suetudinários. Agindo por economia processual, inicia o processo e preenche
a instrução, contudo, suspende seu andamento antes da sentença.
Assim, o Judiciário poderá apoiar-se na decisão profundamente técnica
do Tribunal Marítimo (por isso auxiliar do Poder Judiciário) no momento
de definir responsabilidades cíveis ou criminais em processos de competência
concorrente. Bem como, evitar-se-á a natural ação rescisória caso decida sem
levar em conta prova fundamental (decisão da Corte especializada) para o
deslinde do litígio.

4.2 As decisões do Tribunal Marítimo: competência quase jurisdicional — provas de


maior valia

O art. 18, da Lei nº 2.180/1954 prescreve:

FGV DIREITO RIO  160


Direito Marítimo

As decisões do Tribunal Marítimo quanto à matéria técnica referente


aos acidentes e fatos da navegação têm valor probatório e se presumem
certas, sendo, porém, suscetíveis de reexame pelo Poder Judiciário.

Da simples leitura da lei, vê-se que os acórdãos do Tribunal Marítimo não


vinculam as decisões do Poder Judiciário, até porque do contrário, estaria
sendo invertida a definição de órgão auxiliar e órgão auxiliado e desrespeitada
a Constituição Federal em seu art. 5º, XXXV (princípio da inafastabilidade
de apreciação do Poder Judiciário).
As decisões do Tribunal Marítimo, como já dito, são definitivas para o
Poder Executivo — “coisa julgada administrativa” — e valem como prova
técnica altamente especializada, com presunção de certeza, para o Poder Ju-
diciário.
Assim, o Poder Judiciário só pode revê-las em arguição de ilegalidade no
processo do Tribunal Marítimo, na existência de vícios formais ou no desres-
peito aos princípios do devido processo legal.
MS n. 24.803/DF do STF:

Remansosa é a jurisprudência desta Corte no sentido de que, se o


ato impugnado em mandado de segurança decorre de fatos apurados
em processo administrativo, a competência do Poder Judiciário cir-
cunscreve-se ao exame da legalidade do ato coator, dos possíveis vícios
de caráter formal ou dos que atentem contra os postulados constitucio-
nais da ampla defesa e do due process of law).

Neste diapasão, o advogado maritimista Matusalém Gonçalves Pimenta,


em recente e brilhante obra — Processo Marítimo — (Editora Lumen Juris,
Rio, 2010), com maestria analisou a questão da validade e da eficácia das
decisões do Tribunal Marítimo:

Haveria total desnecessidade de se abordar este tópico não fosse o


fato de ser ele mal compreendido por parte de alguns poucos profis-
sionais do direito. Os que militam no especializado ramo do direito
marítimo, muitas vezes, veem suas lides sobrestatas, aguardando deci-
são do Tribunal Marítimo, no sentido de robustecer o convencimento
do magistrado. Para alguns advogados da área, tal fato ganha status de
irritabilidade. Exemplificando, destaca-se extrato do texto de coautoria
do Dr. Paulo Henrique Cremoneze (http://jus2.uol.com.br/doutrina/
texto.asp?id=6856):
Na verdade, os “julgados” do Tribunal Marítimo são pareceres téc-
nicos, ora de maior, ora de menor importância, mas sempre e tão-só,
pareceres técnicos, donde se infere que as decisões do aludido órgão

FGV DIREITO RIO  161


Direito Marítimo

são extremamente limitadas [...] A decisão do Tribunal Marítimo não


pode, salvo casos específicos, influenciar diretamente e exclusivamente
o convencimento do Estado-juiz sob pena de, conforme o caso con-
creto, ferir os princípios básicos da responsabilidade civil que regem o
ordenamento jurídico.
Com todo respeito ao ilustre professor, as decisões finais do Tribunal
Marítimo não têm natureza jurídica de pareceres técnicos, mas de coisa
julgada administrativa, sendo, portanto, decisões definitivas no âmbi-
to administrativo, com força para apontar responsáveis, aplicando-lhes
penalidades cominadas em lei. Parecer técnico não tem força para jul-
gar, muito menos para punir, conforme se depreende da dedução lógica
extraída pelo simples conhecimento etimológico dos vocábulos usados
pelos articulistas.
[...] quanto à afirmação de que a decisão do Tribunal Marítimo não
pode influenciar o convencimento do Estado-juiz, é completamente
descabida e não guarda relação de pertinência com o próprio texto da
Lei Orgânica do Tribunal [...]
Ora, como não influenciar a decisão do Poder Judiciário se o Tribu-
nal Marítimo é órgão auxiliar deste Poder; se suas decisões têm valor de
prova técnica, produzida em tribunal especializado e, mais, presumem-
-se corretas? Assim, o magistrado, usando o princípio do livre con-
vencimento, apreciará a decisão do Tribunal Marítimo, consoante seu
estimado valor de prova expresso em lei.
Resumindo, as decisões do TM fazem coisa julgada administrativa,
podendo ser, por força de sua própria lei orgânica, reexaminadas pelo
Poder Judiciário. Este reexame não diminui, tampouco torna apouca-
da, a decisão do Colegiado do Mar, eis que é garantia constitucional,
no âmbito intangível da Carta Política. Entretanto, aquele que quiser
modificar uma decisão do Tribunal Marítimo, na esfera do Judiciário,
terá a herculana tarefa de ilidir prova robusta, vez que produzida pe-
rante tribunal especializado que goza de respeito tanto na comunidade
marítima brasileira, quando na internacional.
Em consonância com este pensamento, encontra-se o caudal da ju-
risprudência:
Resp 38082 / PR, Relator Ministro Ari Pargendler, terceira turma
— 20/05/1999.
Ementa: CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRIBUNAL
MARÍTIMO. As decisões do Tribunal Marítimo podem ser revistas
pelo Poder Judiciário; quando fundadas em perícia técnica, todavia,
elas só não subsistirão se esta for cabalmente contrariada pela prova
judicial. Recurso especial conhecido e provido.159 159
PIMENTA, Matusalém Gonçalves.
Processo Marítimo. Rio de Janeiro: Lu-
men Juris, 2010.

FGV DIREITO RIO  162


Direito Marítimo

No mesmo sentido: a decisão do Tribunal Marítimo é prova com presun-


ção de certeza, tem-se a decisão do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso
Especial n. 811.769, publicado em fevereiro de 2010.
Dentro da Jurisprudência, foi exatamente a principal corte do país — Su-
premo Tribunal Federal — quem mais se aprofundou na análise da posição
e valor dos julgados do Tribunal Marítimo, colocando assim uma “pá de cal”
sobre o assunto. Em suma o processo original foi movido pelos armadores do
navio “NAVISUL”, que naufragou quando rebocado entre Manaus e Belém,
contra os seguradores-casco e o IRB. À época a decisão do Tribunal Maríti-
mo deu como causa do acidente fortuna do mar, contudo, os seguradores se
recusaram a pagar, alegando que o naufrágio teria sido fraudulento. Apesar
do enorme esforço dos advogados dos seguradores em tentar provar que a de-
cisão do Tribunal Marítimo não deveria prevalecer, por ter sido incompatível
com a prova dos autos, o STF rejeitou o recurso, valorando sobremaneira a
decisão do Tribunal Marítimo.
Diante de sua importância para o atual estudo, faz-se necessária à transcri-
ção dos seus pontos principais:

AI 62811-RJ, Ministro Bilac Pinto.


Ementa: SEGURO MARÍTIMO. NAUFRÁGIO DE NAVIO.
Ação de cobrança da indenização correspondente a sua perda total.
Legitimidade da utilização da prova, das conclusões técnicas e da
decisão do Tribunal Marítimo Administrativo no julgamento da
ação no TRF. Tendência do Estado Moderno de atribuir o exercício
de funções quase jurisdicionais a órgãos da administração, alivian-
do os órgãos do Poder Judiciário do exame de matérias puramente
técnicas. Inviabilidade do extraordinário para o reexame das provas.
Agravo de Instrumento desprovido.
[...] a questão sub judice é de natureza eminentemente técnica e
o pronunciamento do Tribunal Marítimo vale como a melhor das
perícias. [...] quando se trata de caso eminentemente técnico, a con-
clusão deve ser a de fato declarado e logicamente deduzido pela
maioria dos que, imparcialmente, tem conhecimentos especializa-
dos sobre o objeto de seu pronunciamento.
A primeira arguição do recorrente é a de que o acórdão recorrido
teria se apoiado, quanto à prova do sinistro, da decisão do Tribunal
Marítimo, órgão administrativo que exerce funções jurisdicionais na
matéria específica sobre que versa a demanda. Essa alegação da recor-
rente está fundada numa velha concepção da separação dos poderes,
sobretudo no que diz respeito ao exercício da função jurisdicional.
A Constituição brasileira mantém, sem dúvida, o princípio da uni-
dade de jurisdição, que corresponde à supremacia do Judiciário. A in-

FGV DIREITO RIO  163


Direito Marítimo

terpretação dessa regra fundamental, entretanto, deve ser feita à luz das
transformações sofridas pelo Estado em razão de sua crescente inter-
venção no domínio econômico e na ordem social.
A palavra oracular de um juiz inglês, Lord Campbell, entretanto, já
nos antecipava o advento das modernas agências administrativas com
funções jurisdicionais, quando proclamou, perante a House of Lordes,
por ocasião da discussão do Railway and Canal Traffic Act, que aquele
projeto continha um Código que os juízes não poderiam interpretar e
que, afinal, procurava transformá-los em diretores de ferrovias. [...] Os
juízes, entre os quais se incluía, sentiam-se incompetentes para decidir
a respeito de tais assuntos. Ele havia devotado grande parte de sua vida
ao estudo do direito, mas confessava-se inteiramente desfamiliarizado
com a administração da ferroviária.
[...] O século XX presenciou notável desenvolvimento nas ativida-
des legislativas e jurisdicionais da Administração. Com frequência cada
vez maior, tendo-se permitido, ou mesmo exigido, que as autoridades
administrativas expeçam normas gerais ou regulamentares. Essa atitu-
de constitui legislação administrativa. [...] Mais frequentemente ain-
da, têm essas autoridades de resolver questões concernentes a certos
direitos. Quando a atividade administrativa, em tal caso, dá margem
a controvérsia dirimível por autoridade administrativa, com compe-
tência jurisdicional, essa decisão é realmente judicial por natureza. [...]
Os mais ortodoxos autores foram forçados a reconhecer a existência de
funções que denominam de quase legislativas ou quase judiciais, dese-
nhadas como parte da atividade administrativa. Atualmente, nos EUA,
as regulamentações e as decisões emanadas de autoridades administra-
tivas são tão numerosas, tão importantes e de tão largo alcance, que a
vida particular de cada cidadão está sob a sua influência. A legislação e
a jurisdição administrativas tornaram-se características significativas da
função governamental.
[...] Essa ampliação da atividade estatal provocou efeitos profundos
na Administração. Em primeiro lugar, resultou em confirmar-se um
ramo administrativo do governo grande variedade de funções nem se-
quer imaginadas há bem poucos anos. Esses novos encargos exigiram
a criação de novos serviços, redistribuição do trabalho, a alteração das
relações entre os diferentes órgãos, a seleção de pessoal mais numero-
so e melhor aparelhado, o estabelecimento de novos métodos para o
controle do pessoal e a idealização de novas normas, métodos ou pro-
cessos para a melhor execução do trabalho. Mas, não é tudo. O grande
aumento da atividade do Governo, especialmente reguladora e contro-
ladora, obriga a Administração a proferir decisões muito semelhantes
às jurisdicionais, quanto à natureza. Tão grande é o seu número, tão

FGV DIREITO RIO  164


Direito Marítimo

técnicos são os conhecimentos exigidos para proferi-las, tão misturadas


podem elas estar com o processo administrativo, tão importante é que
elas sejam proferidas com rapidez, que os tribunais judiciais não são
obviamente as autoridades ideais para elaborá-las. A tarefa de pronun-
ciar tais decisões deve caber a certas autoridades administrativas,
sejam elas da própria administração ativa ou tribunais administra-
tivos.
[...] A criação do Tribunal Marítimo, órgão administrativo in-
tegrado por técnicos, a que se atribui competência quase jurisdi-
cional para o deslinde de questões de direito marítimo se insere na
tendência do Estado Moderno de aliviar as instituições judiciais de
encargos puramente técnicos, para os quais não estão elas prepara-
das.
[...] As conclusões de natureza técnica do Tribunal Marítimo
inscrevem-se, entretanto no particular, entre as provas de maior
valia, devendo merecer a mais destacada consideração, de juízes e
tribunais, por tratar-se de órgão oficial e especializado. Sem prova
mais convincente em contrário, nada autoriza se desprezarem as
conclusões técnicas do Tribunal Marítimo.

5 DOS PROCESSOS NO TRIBUNAL MARÍTIMO

5.1 Apuração Administrativa Preliminar — NORMAM nº 9

O Inquérito Administrativo sobre Acidentes e Fatos da Navegação (IAFN)


será instaurado conforme as regras das Normas da Autoridade Marítima nº
9 (NORMAM 9), que regulamenta a instauração e instrução do Inquérito.
O IAFN será instaurado sempre que chegar ao conhecimento de uma
Agência da Autoridade Marítima a ocorrência de acidente ou fato da navega-
ção, como dispõe o art. 33 da Lei n° 2.180/1954.160
O órgão competente para instaurar o inquérito é a Capitania do Porto ou
a Delegacia em cuja jurisdição ocorreu o evento, a capitania do primeiro por-
to de escala ou arribada do navio, a capitania do porto de inscrição do navio,
ou em qualquer outra designada pelo Tribunal Marítimo.
Somente as Capitanias dos Portos e Delegacias poderão instaurar o in-
quérito administrativo. Assim, quando uma agência da capitania dos portos
toma conhecimento da ocorrência de um acidente ou fato da navegação,
deve comunicar, imediatamente, à capitania que estiver subordinada, a fim
de que esta instaure o IAFN. Note-se que na ocorrência de sinistro com uma 160
Lei n° 2.180/1954 – “Art. 33. Sempre
que chegar ao conhecimento de uma
embarcação brasileira em águas estrangeiras, o inquérito deve ser instaurado Capitania dos Portos qualquer acidente
pela autoridade consular da zona. ou fato da navegação será instaurado
inquérito.”

FGV DIREITO RIO  165


Direito Marítimo

No caso de acidente ou fato da navegação envolvendo navio da marinha


do Brasil, exceto se empregado em atividade comercial, não cabe instauração
de IAFN, mas a abertura de sindicância e/ou inquérito policial militar.161
Durante a fase de instrução do IAFN são colhidas, pelo encarregado do
inquérito, prova testemunhal, pericial e documental em busca da causa de-
terminante e do responsável pelo evento.162 Dessa maneira, são partes inte-
grantes do inquérito: os depoimentos do capitão, do prático, dos tripulantes
e dos passageiros; exame pericial com o respectivo laudo; cópias dos diários
de bordo e de máquinas; termos de vistorias; certificados de sociedades clas-
sificadoras; manifesto de carga; rol de equipagem; cartas náuticas utilizadas;
croqui explicativo acerca da dinâmica do acidente etc.
A conclusão do inquérito deverá ocorrer em noventa dias contados da
instauração até a ciência e o de acordo do capitão dos portos ou delegado.163
Encerrada a coleta de provas, o encarregado do inquérito deve elaborar
um relatório claro expondo os resultados colhidos, concluindo de modo co-
erente com as provas dos autos e de forma imparcial, apenas apontando pos-
síveis responsáveis, se houver.
Quando um acidente ou fato da navegação for decorrente de culpa ou
dolo devido à imprudência, imperícia ou negligência, o encarregado do in-
quérito deve indicar os possíveis responsáveis, sendo indispensável a noti-
ficação destes para o oferecimento de defesa prévia no prazo de dez dias.164
Contudo, o encarregado do inquérito poderá concluir que o acidente ou fato
da navegação se deu por força maior, caso fortuito ou fortuna do mar.
Por fim, ao término do relatório, a autoridade que conduziu o IAFN de-
verá encaminhá-lo ao capitão dos portos ou delegado para apreciação e poste-
rior despacho final. O capitão dos portos ou delegado, ao apreciar o relatório,
poderá concordar ou não com a conclusão a que chegou o encarregado do
inquérito. Caso não concorde deverá devolver os autos para execução de no-
vas diligências, com a consequente elaboração de um novo relatório.
O IAFN não pode ser cancelado, senão por decisão do Tribunal Maríti-
mo, mesmo na hipótese de ter havido acordo entre as partes envolvidas no
acidente ou fato da navegação, ou ainda se durante a fase inicial de investiga-
ção for constatado que o evento não se caracterizou como tal.
Após a apreciação do relatório do inquérito, os autos serão encaminhados
ao Tribunal Marítimo por meio de um ofício especial de remessa.

161
NORMAM 9, item 0107, alínea a.
162
NORMAM 9, item 0108, alínea a.
163
NORMAM 9, item 0111, alínea a.
164
NORMAM 9, item 0111, alínea a.

FGV DIREITO RIO  166


Direito Marítimo

5.2 Do Rito Processual

5.2.1 Instauração

A instauração do processo administrativo pode ocorrer por iniciativa pú-


blica, privada ou por decisão do próprio Tribunal,165 conforme o disposto no
artigo 41 da Lei nº 2.180/1954, sendo instaurado por exposição escrita e cir- 165
Lei n° 2.180/1954 – “Art 41. O pro-
cesso perante o Tribunal Marítimo se
cunstanciada por meio de portaria, representação, auto de infração, petição e inicia:
a) em virtude de representação do
despacho da autoridade competente. interessado;
Provocado por iniciativa pública, o processo inicia-se com a representação b) por iniciativa da Procuradoria;
c) por decisão do próprio Tribunal.”
da Procuradoria Especial da Marinha, ou por meio da decisão do próprio 166
Lei n° 2.180/1954 – “Art. 41. O pro-
Tribunal Marítimo. Pela iniciativa privada, o processo inicia-se por requeri- cesso perante o Tribunal Marítimo se
inicia:
mento ou petição do interessado. Nesse particular, caso a PEM entenda pelo I - por iniciativa da Procuradoria;
II - por iniciativa da parte interes-
arquivamento dos autos, poderá a parte interessada requerer a instauração do sada;
processo.166 III - por decisão do próprio Tribunal.
§ 1º O caso do número II dar-se-á:
Uma vez instaurado o processo por recebimento da denúncia ou sendo a) por meio de representação, devi-
damente instruída, quando se tratar
negado o arquivamento do inquérito a pedido da Procuradoria Especial da de acidente ou fato da navegação, no
decorrer dos 30 dias subsequentes ao
Marinha, se procederá a citação do acusado, conforme previsto no art. 42 da prazo de 180 dias da sua ocorrência, se
Lei nº 2.180/1954.167 até o final deste, não houver entrado no
Tribunal o inquérito respectivo;
b) Por meio de representação, nos
autos de inquérito, dentro do prazo de
dois meses, contado do dia em que os
autos voltarem da Procuradoria, quan-
5.2.2 Defesa do a promoção for pelo arquivamento,
ou ainda no curso do processo dentro
do prazo de três meses, contado do dia
Respeitando-se o devido processo legal, a defesa nos autos do processo da abertura da instrução, ou até a data
de seu encerramento, se menor for a
administrativo está prevista no art. 56 da Lei nº 2.180/1954,168 devendo ser sua duração. [...]
interposta de forma escrita, especificando os meios de provas que se pretende 167
Lei n° 2.180/1954 – “Art. 42. Rece-
produzir, no prazo de quinze dias contados a partir da notificação, sendo bido o inquérito ou a representação
de que trata o artigo precedente será
obrigatoriamente subscrita por advogado constituído nos autos, conforme imediatamente feita a sua distribuição,
cabendo ao relator designado ordenar,
determina o art. 31 da mesma lei.169 em seguida a notificação, por edital,
de todos os possíveis interessados no
acidente ou fato em apuração.”
168
Lei n° 2.180/1954 – “Art. 56. Dentro
5.2.3 Instrução em quinze dias da notificação poderá
o notificado oferecer defesa escrita,
juntando e indicando os meios de prova
que entender convenientes.
A instrução, assim como em qualquer procedimento judicial, é a fase com- Parágrafo único. A decisão do Tribu-
probatória que visa a elucidar os fatos. É nesta fase que se dará o depoimento nal Marítimo só poderá versar sobre os
fatos constantes da representação ou
pessoal do representado, as inquirições das testemunhas envolvidas no caso, da defesa.”

todas as inspeções e perícias técnicas necessárias, juntada de documentos, 169


Lei n° 2.180 – “Art. 31. O patrocínio
das causas no Tribunal Marítimo é pri-
dentre outras diligências inerentes à instrução do processo. vativo dos advogados e solicitadores
provisionados, inscritos em qualquer
Cumpre salientar que esta fase é de fundamental importância, uma vez seção da Ordem dos Advogados do
que qualquer omissão, dúvida ou restrição aos meios e recursos utilizados Brasil.
Parágrafo único. As proibições e im-
pelas partes poderá invalidar a decisão final da causa sob apreciação. pedimentos de advocacia no Tribunal
Marítimo regem-se pelo disposto no
Regulamento da Ordem dos Advogados
do Brasil.”

FGV DIREITO RIO  167


Direito Marítimo

5.2.4 Relatório

O relatório é a fase que sucede à instrução do feito. Assim, após as alega-


ções finais das partes, no prazo de dez dias sucessivos, iniciando-se pela acu-
sação e, em seguida, com vista dos autos à defesa do representado, conforme
determina o art. 65 da Lei nº 2.180/1954,170 os autos serão conclusos ao juiz
relator, que terá, então, o prazo de dez dias para a elaboração do relatório e o
pedido de inclusão do processo em pauta para julgamento, nos termos do art.
67 da Lei nº 2.180/1954,171 devendo sanar, nesta oportunidade, qualquer
irregularidade ou omissão processual, bem como ordenar diligências necessá-
rias ao esclarecimento da causa sob análise.
Em observância aos limites objetivos da coisa julgada administrativa, a
conclusão dos fatos estabelecidos na fundamentação do relatório e os motivos
determinantes para a conclusão da decisão, bem como as questões prejudi-
ciais decididas incidentalmente no curso processual não farão coisa julgada
administrativa, uma vez que se aplica, subsidiariamente, a regra do art. 469
do Código de Processo Civil.172

5.2.5 Julgamento 170


Lei n° 2.180/1954 – “Art. 65. Finda
a instrução, será aberta vista dos autos
por dez dias, sucessivamente, ao autor
O julgamento é a decisão proferida pelo órgão judicante, nos limites e ao representando para que aduzam,
por escrito, alegações finais, e em se-
objetivos da causa, não possuindo qualquer vinculação com o relatório ela- guida serão os autos conclusos ao rela-
tor para pedido de julgamento.”
borado pelo juiz relator, que servirá tão somente como fundamento para o 171
Lei n° 2.180/1954 – “Art. 67. O re-
julgamento da causa, devendo, conforme determina do art. 68 da Lei nº lator terá dez dias a fim de estudar os
autos que lhe forem conclusos para
2.180/1954,173 obedecer às seguintes normas: pedido de julgamento afora o tempo
consumido nos atos a que se refere o
artigo precedente.”
• Relatório; 172
Código de Processo Civil – “Art. 469.
• Sustentação das alegações finais pelas partes; Não fazem coisa julgada:
I – os motivos, ainda que importan-
• Apreciação das questões preliminares e dos agravos retidos nos autos; tes para determinar o alcance da parte
dispositiva da sentença;
• Discussão da matéria em julgamento pelo colegiado; II – a verdade dos fatos, estabelecida
• Decisão, iniciando-se a votação pela leitura do voto do relator, prosse- como fundamento da sentença;
III – a apreciação da questão pre-
guindo com os votos dos demais juízes. judicial, decidida incidentemente no
processo.”
173 Lei n° 2.180/54 – “Art. 68. O
Nesta fase, o Tribunal Marítimo não diverge da ordem processual de qual- julgamento do processo obedecerá às
seguintes normas:
quer outro órgão colegiado. A condição de validade e eficácia jurídica da a) relatório;
b) sustentação das alegações finais,
decisão depende da regularidade em todas as demais fases processuais, no- sucessivamente, pelas partes;
c) conhecimento das preliminares
tadamente, por ocasião do julgamento, na forma estabelecida nos arts. 68 e suscitadas e dos agravos;
seguintes da Lei nº 2.180/1954 e no Regimento Interno, que dispõe sobre a d) discussão da matéria em julga-
mento;
ordem processual dos procedimentos no Tribunal Marítimo. e) decisão, iniciando-se a votação
pelo relator, e seguido este pelos de-
mais juízes, a partir do mais moderno
no cargo.”

FGV DIREITO RIO  168


Direito Marítimo

5.2.6 Dos Recursos no Tribunal Marítimo

Diante da decisão exarada pelo órgão judicante são cabíveis três espécies
de recursos, previstos no Título IV da Lei nº 2.180/1954:
• Embargos Infringentes;
• Agravo, por simples petição;
• Embargos Declaratórios.
A respeito do referido tema, a irretocável lição do professor Theophilo de
Azeredo Santos:174

a) Embargos de nulidade ou infringentes de decisão final sobre o


mérito do processo, versando os embargos exclusivamente matéria
nova, ou baseando-se em prova posterior ao encerramento da fase pro-
batória, ou ainda, quando não unânime a decisão, e, neste caso, serão
os embargos restritos à matéria objeto da divergência. Devem ser opos-
tos nos 10 dias seguintes ao da publicação do acórdão no órgão oficial.
b) Agravo, por simples petição: dos despachos e decisões dos juízes
que não admitirem a intervenção de terceiro na causa como litiscon-
sorte ou assistente; que concederem ou denegarem inquirição e outros
meios de prova; que concederem grandes ou pequenas dilações para
dentro ou fora do País e que deferirem, denegarem ou renovarem o
benefício da gratuidade. Também é cabível agravar dos despachos e
decisões do presidente que admitirem ou não o recurso ou apenas o
fizerem em parte; que julgarem ou não reformados autos perdidos em
que não havia ainda decisão final; sobre erros de contas ou custas e que
o concederem ou denegarem registro.
O prazo para a interposição do agravo, assim como para o preparo
do recurso, será de 48 horas175, contadas do despacho que mantiver a
decisão, sob pena de deserção.
c) Embargos de Declaração, no prazo de 48 horas, contadas da pu-
blicação da decisão no órgão oficial, quando apresentar ambiguidade,
obscuridade, contradição ou omissão.

É de ser notar certa peculiaridade entre os prazos e procedimentos estabe-


lecidos aos recursos supracitados, com os prazos previstos no Código de Pro-
cesso Civil. Todavia, a Lei nº 2.180/1954 possui caráter específico e especial, 174
SANTOS, Theophilo de Azeredo. Di-
reito da Navegação (Marítima e Aérea).
e, portanto, deverão ser aplicadas em caráter imediato e, subsidiariamente, as Rio de Janeiro: Forense, 1964. p. 429.

demais regras processuais vigentes. Quando expresso na lei, o efeito da inter- 175
Cumpre salientar que, com o advento
da Lei n° 5.056, de 29 de junho de 1966,
posição de recursos será sempre meramente devolutivo. Por outro lado, sendo que alterou, dentre outros, o parágrafo
2º do art. 112 da Lei n° 2.180/1954, o
a lei omissa, o recurso será recebido no seu duplo efeito, ou seja, devolutivo e prazo para a interposição do agravo
suspensivo, por esta ser a regra geral do direito processual. passou de 48 horas para cinco dias,
sendo o seu processamento na forma
dos arts. 522 e seguintes do Código de
Processo Civil.

FGV DIREITO RIO  169


Direito Marítimo

Cumpre salientar que, a despeito do que ocorre nos órgãos jurisdicionais,


admite-se no Tribunal Marítimo a reformatio in pejus (reforma da decisão
com prejuízo do recorrente, como, por exemplo, ampliar o prazo de suspen-
são), uma vez que o Tribunal Marítimo, no reexame da decisão recorrida,
poderá concluir de modo contrário ao interesse do recorrente na busca da
verdade real ou material. Observe-se, neste contexto, que os recursos serão
apreciados pelo órgão julgador que prolatou a decisão de mérito.

5.2.7 Do processo de execução

Uma vez proferida a decisão administrativa, o Tribunal Marítimo encerra


sua atividade cognitiva, tal como ocorre no processo de conhecimento co-
mum, passando à fase de execução do julgado, com previsão no art. 115 e se-
guintes da Lei nº 2.180/1954. Nesse contexto, pela natureza da condenação
administrativa divide-se o processo executório da seguinte forma:

• Execução de fazer — A decisão condena o acusado a uma determina-


da obrigação de fazer, isto é, ao cumprimento de uma certa prestação.
• Execução de não fazer — Quando a penalidade implica na abstenção
da prática de um ato.
• Execução por quantia certa — No caso de aplicação de multa e o pa-
gamento das custas pelo vencido e, nesse caso, a guia de sentença será
remetida à repartição competente, cobrada em execução fiscal.

A guia de sentença é título constitutivo originário da instauração do pro-


cesso de execução, com a finalidade prática assemelhada às cartas de sentença
extraídas pelos tribunais da justiça comum, devendo conter os requisitos pre-
vistos no art. 115 da Lei nº 2.180/1954,176 sendo aí incluídas, ainda, as custas
processuais vencidas. Ressalte-se que o não pagamento da multa permite ao
Tribunal Marítimo inscrever o nome do devedor na dívida ativa do Estado.

5.2.8 — Das penalidades no Tribunal Marítimo

O Tribunal Marítimo em âmbito administrativo, observando os antece-


dentes e a personalidade do responsável, a existência de dolo ou grau de
culpa, além das circunstâncias que levaram à ocorrência da infração e suas 176
Lei n° 2.180/1954 – “Art. 115 – Para
consequências, poderá aplicar diferentes penalidades. cumprimento de decisão do Tribunal
Marítimo será expedida guia com os
As penalidades aplicadas pelo Tribunal marítimo são as seguintes: seguintes requisitos:
• repreensão, medida educativa concernente à segurança da navegação a) o nome da autoridade que a man-
da cumprir;
ou ambas; b) a indicação da autoridade incum-
bida do seu cumprimento;”

FGV DIREITO RIO  170


Direito Marítimo

• suspensão de pessoal marítimo;177 177


“Art. 124. O Tribunal poderá aplicar
a pena de suspensão ou multa, ou
• interdição para o exercício de determinada função; ambas cumulativamente, às pessoas
• cancelamento da matrícula profissional e da carteira de amador; que lhe estão jurisdicionadas, quando
ficar provado que o acidente ou fato da
• proibição ou suspensão do tráfego da embarcação; navegação ocorreu por:
I - erro da navegação, de manobra ou
• cancelamento do registro de armador; de ambos;
II - deficiência da tripulação;
• multa, cumulativamente ou não, com qualquer das penas anteriores. III - má estivação da carga;
IV - haver carga no convés, impedin-
do manobras de emergência, ou preju-
Dentre as penalidades supra, é importante ressaltar que no caso da multa dicando a estabilidade da embarcação;
V - avarias ou vícios próprios conhe-
seu montante deverá atender às condições financeiras do infrator, podendo cidos e não revelados à autoridade,
ser convertida em repreensão ou suspensão (a análise deverá ser feita caso a no casco, máquinas, instrumentos e
aparelhos;
caso), e deverá ser paga em 10 dias contados da ciência da guia de sentença, VI - recusa de assistência, sem moti-
vo, à embarcação em perigo iminente,
podendo tal prazo ser dilatado. do qual tenha resultado sinistro;
VII - inexistência de aparelhagem de
Ademais, a Lei estipula em seu art. 121, § 5° que multa aplicada pelo Tri- socorro, ou de luzes destinadas a preve-
bunal pode variar de onze a quinhentas e quarenta e três Unidades Fiscais de nir o risco de abalroações;
VIII - ausência de recursos destinados
Referência (UFIR), ressalvada a elevação do valor máximo nos casos previstos a garantir a vida dos passageiros ou tri-
pulantes;
na lei, podendo ainda tal multa ser aumentada em 10 vezes caso trate-se de IX - prática do que, geralmente, se
pessoa jurídica. Por fim, cumpre-se observar que o valor da UFIR foi conge- deva omitir ou omissão do que, geral-
mente, se deva praticar.
lado no valor de R$ 1,604. § 1º O Tribunal poderá aplicar, até o
décuplo, a pena de multa ao proprie-
tário, armador, operador, locatário,
afretador ou carregador, convencido
da responsabilidade, direta ou indireta,
6 ÓRGÃOS AUXILIARES DO TRIBUNAL MARÍTIMO nos casos a que se referem este artigo e
o anterior, bem como na inobservância
dos deveres que a sua qualidade lhe
impõe em relação à navegação e ativi-
6.1 Procuradoria Especial da Marinha dades conexas.
§ 2º Essa responsabilidade não exclui
a do pessoal marítimo que transigir
A Procuradoria Especial da Marinha — PEM, composta por Advogados com os armadores na prática daquelas
infrações.
da União, é responsável perante o Tribunal Marítimo pela fiel observância da 178
Constituição da República Federativa
CRFB/1988,178 das leis e dos atos emanados dos poderes públicos, referentes do Brasil de 1988.

às atividades marítimas, fluviais e lacustres. 179


“Art. 5º Compete à Procuradoria Es-
pecial da Marinha - PEM:
A competência da PEM está prevista no art. 5º da Lei nº 7.642/1987179 I - assessorar, juridicamente, o Mi-
nistro da Marinha, o Estado-Maior da
que, dentre outras funções, deve atuar nos processos da competência do Tri- Armada, a Secretaria-Geral da Mari-
bunal Marítimo, em todas as suas fases. nha e a Diretoria-Geral de Navegação,
nas consultas concernentes ao Direito
O cargo de Diretor da PEM é exercido por um Oficial Superior, ou, quan- Marítimo Administrativo e ao Direito
Marítimo Internacional, bem como
do a necessidade de serviço não o permitir, será nomeado pelo alvedrio do de- naquelas atinentes a acidentes ou fatos
legante, como cargo de provimento em comissão, pelo critério de confiança, da navegação;
II - atuar nos processos da compe-
consoante dispõe o art. 3º e parágrafo único da Lei nº 7.642/1987. tência do Tribunal Marítimo, em todas
as suas fases;
III - oficiar em todas as consultas fei-
tas ao Tribunal Marítimo;
IV - requerer, perante o Tribunal Ma-
6.1.1 Da atuação dos advogados da União em processos administrativos relativos rítimo, o arquivamento dos inquéritos
provenientes de órgão competente;
aos Acidentes e /ou Fatos da Navegação V - oficiar à autoridade competente,
solicitando a instauração de inquérito,
sempre que lhe chegar ao conheci-
mento qualquer acidente ou fato da
Após despacho do juiz Relator para a PEM se manifestar, os autos do in- navegação;
quérito relativos aos acidentes e fatos da navegação são enviados à Procurado- VI - oficiar nos processos promovidos
mediante representação de interessa-

FGV DIREITO RIO  171


Direito Marítimo

ria Especial da Marinha, sendo distribuídos a um dos Advogados da União,


para pronunciamento inicial, o qual pode consistir em:
a) Pedido de realização de diligências complementares;
b) Pedido de arquivamento do inquérito;
c) Arguição de Incompetência do Tribunal Marítimo; ou
d) Oferecimento de representação.

O pedido de realização de diligências complementares tem lugar, basica-


mente, quando as provas carreadas aos autos do inquérito mostram-se insufi-
cientes para a imediata formação do convencimento do Advogado da União
com relação às causas, circunstâncias e extensão dos acidentes e/ou fatos da
navegação, bem como no tocante aos eventuais responsáveis por tais inciden-
tes da navegação.
O pronunciamento do Advogado da União, pugnando pelo arquivamen-
to do inquérito, por seu turno, ocorre em resumo quando:
a) o acidente e/ou fato da navegação se deu por força maior, caso fortuito
ou fortuna do mar; ou
b) não foi possível esclarecer, com precisão, as causas determinantes do
acidente e /ou fato da navegação, a despeito dos esforços de investigação le-
vados a efeito pela autoridade encarregada da elaboração do inquérito.

A arguição de incompetência do Tribunal Marítimo dispensa maiores co-


mentários e, por óbvio, tem lugar quando falece competência ao Tribunal
Marítimo para o exame do caso.
Por outro lado, o oferecimento de representação pelo Advogado da
União ocorre quando existentes no inquérito elementos probatórios que in-
diquem as causas, circunstâncias e extensão dos acidentes e/ou fatos da nave-
gação e que denunciem culpa ou dolo de seus causadores.
Para melhor compreensão da figura da representação, pode-se dizer que
ela tem para o processo administrativo sobre acidente e/ou fato da navegação
papel similar ao da denúncia para o processo penal.
Também compete aos Advogados da União:
a) a interposição de recursos contra as decisões emanadas do colegiado dos ou por decisão do Tribunal Marí-
(embargos infringentes e embargos de declaração), bem como contra as sin- timo, acompanhando-os em todas as
fases;
gularmente proferidas (agravo e embargos de declaração); e VII - oficiar em todos os processos de
registro de propriedade marítima, de
b) manifestar-se acerca da regularidade formal de eventual representação armador, de hipoteca e demais ônus
reais sobre embarcação;
privada ofertada por administrado possuidor de legítimo interesse econômi- VIII - promover a assistência judi-
co ou moral no julgamento do acidente ou fato da navegação (arts. 41, inciso ciária gratuita aos acusados que não
disponham de recursos para constituir
II, c/c 42, letra a, c/c 45, todos da Lei nº 2.180/1954), acompanhando e advogado, aos revés, ausentes ou fo-
ragidos, assim declarados, e aos que o
intervindo em todas as fases (instrução, alegações finais escritas e sustentação Tribunal Marítimo considere indefesos;
IX - servir de curadoria, nos casos
oral) de processo administrativo instaurado em decorrência de ter sido a re- previstos em lei; e
presentação privada recebida pela Corte Marítima. X - promover e manter estágio foren-
se perante o Tribunal Marítimo.”

FGV DIREITO RIO  172


Direito Marítimo

Conveniente ressaltar que a atuação dos Advogados da União nos processos


administrativos sobre acidentes e/ou fatos da navegação opera-se em prol da
salvaguarda da vida humana nas águas e da segurança do tráfego aquaviário.

6.1.2 Da atuação dos Advogados da União em Processos Administrativos relativo


aos Registros disciplinados na Lei nº 7.652/1988

Conforme salientado anteriormente, cabe ao Tribunal Marítimo manter


os registros de armador de embarcações brasileiras e de propriedade marítima
de embarcações que possuam arqueação bruta superior a cem toneladas, bem
como o registro de direitos reais e de outros ônus que gravem embarcações
brasileiras em geral, incluindo penhoras judiciais (art. 13, inciso II, letras a, b
e c, da Lei nº 2.180/1954 c/c arts. 4º, 12 e 14 da Lei nº 7.652/1988).
Destaque-se que os pedidos para a obtenção dos registros anteriormen-
te citados, bem como os de seus respectivos cancelamentos, darão ensejo a
instauração de processos administrativos específicos, a serem instruídos com
variados documentos pertinentes aos pedidos, cumprindo ressaltar que tais
processos são enviados à Procuradoria Especial da Marinha e, uma vez distri-
buídos entre os Advogados da União, serão objeto de manifestação destes úl-
timos acerca do preenchimento ou não, pelos requerentes, dos requisitos le-
gais exigidos para o deferimento dos pedidos formulados pelos administrados
(art. 5º, inciso VII, da Lei nº 7.642/1988, c/c art. 19-A Lei nº 9.028/1995,
c/c art. 131 da Constituição Federal).
Imperioso sublinhar que, de acordo com o estatuído no art. 12 da Lei nº
7.652/1988, o registro de direitos reais e de outros ônus que incidam sobre
embarcações brasileiras deverá ser feito no Tribunal Marítimo, sob pena de
não valer contra terceiros.
De se registrar, outrossim, que compete aos Advogados da União a in-
terposição de recurso contra a decisão de primeiro grau proferida pelo Juiz
Presidente, em matéria de registro (art. 22, letra “g” c/c art. 111, inciso II,
letra “d”, da Lei nº 2.180/1954), o qual será submetido a julgamento pelo
colegiado da Corte Marítima.

6.1.3 Da atuação dos Advogados da União em Processos Administrativos relati-


vos ao Registro Especial Brasileiro (REB), disciplinado na Lei nº 9.432/1997

Finalmente, como destacado anteriormente, compete ao Tribunal Maríti-


mo manter o chamado Registro Especial Brasileiro, instituído pelo art. 11 da
Lei n.º 9.432/1997, com o propósito específico de promover o desenvolvi-
mento da Marinha Mercante brasileira, por meio de uma série de incentivos.

FGV DIREITO RIO  173


Direito Marítimo

Destaque-se que os pedidos de inscrição no Registro Especial Brasilei-


ro, bem como os de cancelamento, darão ensejo a instauração de processos
administrativos específicos, a serem instruídos com documentos diversos,
cumprindo-nos ressaltar que tais processos são enviados à Procuradoria Espe-
cial da Marinha e, uma vez distribuídos entre os Advogados da União, serão
objeto de manifestação destes últimos acerca do preenchimento ou não, pe-
los requerentes, dos requisitos legais exigidos para o deferimento dos pedidos
formulados pelos administrados.
De se registrar que compete, de igual sorte, aos Advogados da União a
interposição de recurso contra a decisão de primeiro grau proferida pelo Juiz
Presidente, em matéria de registro (art. 22, letra “g” c/c art. 111, inciso II,
letra “d”, da Lei n.º 2.180/1954), o qual será submetido a julgamento pelo
Colegiado da Corte Marítima.

6.2 Defensoria Pública da União

O art. 138 da Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994,


enunciou que os cargos de Advogado de Ofício da Procuradoria Especial
da Marinha, cujos ocupantes tivessem sido aprovados em concurso público
de provas ou de provas e títulos e que optassem pela carreira, seriam trans-
formados em cargos de Defensor Público da União. E, com embasamento
no aludido dispositivo legal, os então ocupantes dos cargos de Advogados de
Ofício da Procuradoria Especial da Marinha optaram pela carreira da Defen-
soria Pública da União, mantendo, todavia, suas atribuições originárias pe-
rante o Tribunal Marítimo, de maneira que se encontram tacitamente revo-
gadas as regras constantes nos incisos VIII e IX, do art. 5º da Lei 7.642/1987,
bem como parcela do art. 4º da lei ordinária em questão, por integrarem as
funções institucionais da Defensoria Pública da União.
A referida Lei Orgânica da DPU prevê a atuação da Defensoria Pública
e a reconhece como instituição essencial à função jurisdicional do Estado,
prestando assistência jurídica judicial e extrajudicial, integral e gratuita, aos
necessitados, assim considerados na forma da lei (art. 1º).
O art. 4º da Lei Complementar n.º 80/1994 prevê, dentre outras atri-
buições dos Defensores Públicos da União, atuar como Curador Especial
nos casos previstos em lei (inciso VI) e que caberá à DPU assegurar aos seus
assistidos em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o
contraditório e a ampla defesa (inciso IX).

FGV DIREITO RIO  174


Direito Marítimo

6.3 Advogados e solicitadores

O patrocínio das causas no Tribunal Marítimo é privativo de advogados e


solicitadores inscritos na OAB — Ordem dos Advogados do Brasil (art. 31
da Lei 2.180/1954).

6.4 Secretaria

É por meio da secretaria que os serviços processuais, técnicos e adminis-


trativos decorrentes das atribuições do Tribunal serão exercidos. A secretaria
é dirigida por um bacharel em Direito que exerce o cargo de Diretor-Geral.

7 ACIDENTES E FATOS DA NAVEGAÇÃO

Os Acidentes e Fatos da Navegação são definidos pela Lei n° 2.180/1954,


sendo o Tribunal Marítimo órgão competente para julgá-los.
Conforme determina a Lei nº 2.180/1954 no seu art. 14, alínea “a”,180
são considerados Acidentes da Navegação: o naufrágio, o encalhe, a colisão,
a abalroação, a água-aberta, a explosão, o incêndio, a varação, o alijamento
e a arribada.
O naufrágio ocorre quando uma embarcação afunda nas águas, sem que
esta possa emergir por meios próprios, devido à entrada de água na embar-
cação, adernamento, emborcamento, alagamento etc. O encalhe significa
o contato do fundo da embarcação com o fundo do mar, dificultando a
movimentação da embarcação. A colisão é o choque da embarcação contra
qualquer objeto que não seja outra embarcação. Já a abalroação é o choque
de uma embarcação com outra embarcação. O acidente denominado água-
-aberta decorre de abertura abaixo da linha d’água permitindo a entrada
de água nos espaços internos da embarcação, provocada por quaisquer fa-
lhas que comprometam a vedação da embarcação. Considera-se explosão a
combustão brusca ocasionando abrupta pressão. Quanto ao incêndio, diz-se
de destruição causada por fogo decorrente, por exemplo, de combustão de
materiais a bordo. A varação significa fazer encalhar, intencionalmente, em-
barcação que apresenta quaisquer falhas técnicas / operacionais que compro-
metam sua locomoção, visando a evitar maiores danos à mesma, tais como o
naufrágio. Denomina-se alijamento o ato de lançar ao mar objetos carrega-
dos pela embarcação a fim de melhorar seu deslocamento ou beneficiar sua
estabilidade. Finalmente, a arribada significa levar a embarcação a um porto 180
“Art. 14. Consideram-se acidentes da
ou lugar que não seja de escala ou de destino, que não tenha sido previsto no navegação:
a) naufrágio, encalhe, colisão, abal-
planejamento da viagem. roação, água-aberta, explosão, incên-
dio, varação, arribada e alijamento;”

FGV DIREITO RIO  175


Direito Marítimo

Em sua apuração e julgamento, o Tribunal Marítimo avalia se o acidente


ocorreu por uma razão “justificada”, como caso fortuito decorrente de força
maior; se decorrente de causa “injustificada”, isto é, ocasionada por defeito
na embarcação ou por negligência de tripulante; ou, ainda, se resultou de ato
voluntário, devido à vontade ou interesse do Capitão, dos tripulantes ou do
armador.
Consideram-se também acidentes da navegação quaisquer avarias ou de-
feitos no navio, ou nas suas instalações, que ponham em risco a embarcação,
as vidas, as mercadorias e os bens transportados, conforme o artigo 14, alínea
“b” da Lei n° 2.180/1954.181
Ressalte-se que, embora defeito ou avaria não provoque um acidente
(como um naufrágio ou um incêndio), o mesmo já é considerado como um
acidente da navegação, devendo, portanto, ser processado e julgado pelo Tri-
bunal Marítimo.
Enquanto na ocorrência de um acidente da navegação configura-se um
acontecimento material relacionado a um dano, os fatos da navegação se ca-
racterizam por uma ocorrência de natureza formal, vinculada à ideia de risco.
Conforme alínea “a” do art. 15 da Lei n° 2.180/1954,182 são considerados
“fatos da navegação”: a deficiência de equipagem, mau emparelhamento da
embarcação, impropriedade da embarcação para o serviço em que é utilizada.
Ressalte-se que a falta ou deficiência quanto à quantidade e à qualificação de
tripulantes, em desacordo com as exigências regulamentares, é caracterizada
como deficiência de equipagem.
A impropriedade, a falta ou a deficiência de funcionamento de aparelhos,
equipamentos, peças sobressalentes, acessórios e materiais, quando em desa-
cordo com as exigências dos regulamentos, denomina-se mau aparelhamento
da embarcação. Denomina-se, por sua vez, a impropriedade da embarcação
para o serviço em que é utilizada quando esta é usada em desacordo com
sua destinação, ou em desacordo com a área de atuação estabelecida em sua
classificação.
Faz-se mister ressaltar que, muitas vezes, os “fatos da navegação” são con-
siderados apenas infrações à Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário (LES-
TA), com sanções administrativas aplicadas diretamente pela Capitania dos
Portos.
As causas mais comuns dos acidentes e fatos da navegação podem ser clas-
181
“Art. 14. Consideram-se acidentes da
sificadas por: navegação:
• Ação do meio ambiente, ou seja, decorrente de fenômenos da natureza, b) avaria ou defeito no navio, nas
suas instalações, que ponha em risco
os quais se convencionou chamar de decorrentes de “fortuna do mar”. a embarcação, as vidas e fazendas a
bordo.”
• Deficiência dos auxílios à navegação, causa que ocorre, não tão fre- 182
“Art. 15. Consideram-se fatos da
quentemente, por mau posicionamento de boias, incorreções carto- navegação:
a) mau aparelhamento ou impro-
gráficas etc. priedade da embarcação para o serviço
em que é utilizada e a deficiência da
equipagem;”

FGV DIREITO RIO  176


Direito Marítimo

• Deficiência do material, devido a avarias, defeitos, mau funcionamen-


to, ruptura e deformações excessivas de estruturas, equipamentos,
máquinas e material, relacionados com o desempenho de casco, das
máquinas, acessórios etc.

Ademais, o fator operacional também contribui para a ocorrência de aci-


dentes, devido às falhas na atuação dos responsáveis pela operação da embar-
cação e de seus equipamentos, podendo-se enumerar tais falhas como:
• Erro de manobra em decorrência de falha na aproximação, por veloci-
dade indevida, deficiência de vigilância ou não cumprimento de ação
recomendada para evitar abalroamento etc.;
• Erro da navegação por equívocos na escolha de rumos ou velocidades,
na interpretação de cartas ou auxílios à navegação, na condução da
embarcação sob mau tempo etc.;
• Erro de operação ou de condução de equipamentos por falhas devi-
do ao acionamento inoportuno de aparelhos e utensílios, utilização
de meio inadequado para acesso, operação indevida de equipamento
apresentando indícios de mau funcionamento etc.;
• Erro de manutenção de equipamentos e estruturas que decorram da
falha na revisão, previsão de estoque, no controle de qualidade de
materiais utilizados a bordo etc.;
• Erro de projeção ou construção que ocorre por falhas na construção
da embarcação, como, por exemplo, devido à deficiência de estabili-
dade, por falha na reserva de flutuabilidade etc.;

É importante destacar que a ação intencional do Comandante, de tri-


pulantes ou até mesmo do armador, é fator determinante para a ocorrência
de acidentes, tais como arribadas, varação, abandono e alijamento de carga,
causados na maior parte das vezes com a intenção de evitar um mal maior.

7.1 Das Avarias

De acordo com o artigo 761 do Código Comercial,183 avaria é todo dano


causado ao navio ou à carga ou qualquer despesa extraordinária que se faça
em benefício de um ou de outro, ou comum a ambos, desde o embarque e
partida até seu retorno e desembarque.
Considera-se como avaria os danos, as perdas e as despesas de caráter ex-
cepcional que o navio ou sua carga sofrem durante a expedição marítima, 183
Código Comercial – “Art 761. Todas
as despesas extraordinárias feitas à
desde o embarque e partida até a sua chegada e desembarque. São, portanto, bem do navio ou da carga, conjunta
ou separadamente, ou todos os danos
todos os danos e perdas ocorridos durante o percurso da viagem, e que te- acontecidos àquela ou a esta, desde o
nham afetado total ou parcialmente as mercadorias, o navio ou ambos. embarque até a sua volta e desembar-
que, são reputadas avarias.”

FGV DIREITO RIO  177


Direito Marítimo

Com efeito, a classificação mais importante das avarias é a que as divide


em: simples ou particulares e grossas ou comuns. Pois, o montante das ava-
rias simples ou particulares é suportado, ou só pelo navio, ou só pela coisa
afetada, enquanto o das avarias grossas é repartido proporcionalmente entre
o navio, o frete e a carga.

7.2 Abalroação e Colisão

Entende-se por abalroação, abalroamento ou abalroada o choque entre


duas embarcações. Já a colisão é considerada como o choque de determinado
navio com um corpo fixo (recife, cais, barragem, estacada) ou contra um
corpo flutuante insuscetível de navegar, como um iceberg (monte de gelo),
um banco de areia, uma boia, ou até mesmo uma embarcação desativada
transformada em um hotel flutuante, uma vez que, neste caso, a mesma não
estaria em condições de navegar.
Portanto, a colisão se distingue da abalroação por se tratar de choque entre
o navio e um objeto qualquer, já que a abalroação é o choque entre navios.

7.3 Da Arribada

Segundo ensina João Vicente Campos,184 “arribada é a entrada do navio


em porto ou lugar diferente dos determinados na viagem projetada”.
Quando a arribada independe do desejo do capitão, ela denomina-se ar-
ribada forçada; enquanto a que decorre de um ato de vontade do mesmo, é
uma arribada voluntária.

7.4 Naufrágio, assistência e salvamento no mar

Haverá naufrágio não só quando o navio é destruído pelas ondas ou em-


borca, mas, também, quando se verifica o abalroamento ou colisão com obje-
to flutuante ou submerso, ou desaparece, sem notícias, por mais de um ano.
O afundamento do navio determina também seu naufrágio. A jurisprudên-
cia, porém, exige que a submersão dure certo tempo, pois se a emersão é logo
possível, não se pode sustentar ter havido naufrágio.
No que se refere à “assistência e salvamento” podemos conceituar, de acor-
do com a Lei n° 7.203/1984, que é todo ato ou atividade efetuado para
assistir e salvar uma embarcação, coisa ou bem em perigo no mar e nas vias
navegáveis interiores. 184
CAMPOS, João Vicente. Dos Sinistros
Marítimos. Rio de Janeiro: Forense,
1961. p. 139.

FGV DIREITO RIO  178


Direito Marítimo

Nesse particular, cumpre destacar que quando a “assistência e salvamento”


envolvem embarcação brasileira e ocorre em águas sob jurisdição nacional,
aplica-se a Lei n° 7.203/1984.
Nos demais casos, o documento legal cabível é a Convenção Internacional
de Bruxelas.

7.5 Alijamento, encalhe, varação, água-aberta, explosão e incêndio

Considera-se alijamento lançar à água as coisas de bordo, inclusive a carga. O


alijamento é sempre um ato voluntário e pode constituir ou não avaria grossa.
Com efeito, existem duas possibilidades de a carga ser alijada, ou seja,
jogada ao mar, pelo capitão:
• quando, em caso de perigo iminente, é feito com fim de salvar o navio
e o restante das mercadorias transportadas;
• quando, por si só, representarem risco à segurança do navio e das ou-
tras cargas, ou descritas de modo fraudulento pelo embarcador, forem
estivadas de maneira a representar algum risco.

O encalhe é considerado juridicamente como o fato de o navio dar em


seco, ficando, desta forma, impedido de navegar, momentânea ou perma-
nentemente, não sendo provocado intencionalmente pelo capitão. Quando o
navio é colocado em seco intencionalmente pelo capitão chama-se “varação”.
“Dar em seco” não significa permanecer fora da água, mas quer dizer que
o calado do navio é maior que a profundidade do local, e, consequentemente,
o fundo da embarcação repousa no fundo do mar.
A “água aberta”, outro acidente elencado na Lei n° 2.180/1954, trata-se da
entrada de água por meio do casco abaixo da linha de flutuação.
Os incêndios e as explosões também são considerados acidentes da nave-
gação de acordo com a Lei n° 2.180/1954.

QUESTÕES DE AUTOMONITORAMENTO

1. Após ler o material, você é capaz de resumir o caso gerador, identifi-


cando as partes envolvidas, os problemas atinentes e as possíveis soluções
cabíveis?
2. Defina o Tribunal Marítimo.
3. Conceitue e diferencie os acidentes e fatos da navegação.
4. Quais as principais etapas dos processos administrativos no Tribunal
Marítimo?
5. Quais as penalidades aplicadas pelo Tribunal Marítimo?

FGV DIREITO RIO  179


Direito Marítimo

6. Com o não pagamento da multa aplicada, é possível a inscrição do de-


vedor na dívida ativa da União?
7. Pense e descreva, mentalmente, alternativas para a solução do caso ge-
rador.

SUGESTÃO DE CASO GERADOR

O navio N/M “Santiago” encalhou quando navegava pelo canal de acesso


ao Porto de Paranaguá.
No passadiço do N/M “Santiago”, a manobra estava sendo conduzida
pelo Prático José Alfredo, devidamente habilitado pela autoridade marítima,
com 23 anos de experiência naquela zona de praticagem, e assistida pelo co-
mandante Júlio Veiga.
Cientificada a autoridade marítima da ocorrência do acidente, foi instau-
rado Inquérito Administrativo sobre Acidentes e Fatos da Navegação, pela
Capitania dos Portos, tendo o Encarregado do Inquérito, após a coleta de
diversos depoimentos e realização de prova pericial, concluído pela respon-
sabilidade do comandante do N/M “Santiago”, por ter cometido erro de na-
vegação na condução do navio, que deu ensejo ao encalhe, e pela responsabi-
lidade do prático que orientou erroneamente a manobra do comandante do
N/M “Santiago”, tendo em vista a hipótese de o balizamento estar deficiente
(boia demarcatória do canal fora de sua posição original).
Enviado o inquérito ao Tribunal Marítimo, a Procuradoria Especial da
Marinha, ao se manifestar, houve por bem formular representação em face
do prático, tão somente.
Nesse contexto, responda:
1. Quais são as medidas que podem ser tomadas pelo Tribunal Marítimo
na sessão de recebimento da representação?
2. Qual seria a medida cabível a ser tomada por uma das partes interessadas
para a responsabilização administrativa de um dos envolvidos no acidente, na
hipótese de o Tribunal ter recebido a representação apenas contra o prático?
3. Poderia o Tribunal Marítimo desconsiderar a representação e determi-
nar o arquivamento dos autos?
4. A decisão do Tribunal Marítimo vincularia eventual julgamento na es-
fera judicial?

FGV DIREITO RIO  180


Direito Marítimo

REFERÊNCIAS

Bibliográficas

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reito marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1992.

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FERREIRA, Waldemar Martins. Instituições de Direito Comercial. São Paulo:


Max Limonad, 1955.

GILBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e prática do direito marítimo.


Rio de Janeiro: Renovar, 1998.

LACERDA, Jozé Cândido Sampaio de. Curso de direito privado da navegação


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1984.MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Curso de direito marítimo. 1. v.
Barueri: Malone, 2005.

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Eletrônicas

Site da AMERICAN Club: <http: www.american-club.com>.

Jurisprudenciais

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 811.769.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI n. 62811-RJ. Relator: Ministro Bilac


Pinto.

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FGV DIREITO RIO  182


Direito Marítimo

BRASIL. Lei nº 5.056 de 29 de junho de 1966.

BRASIL. Lei n° 7.203/1984.

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BRASIL. Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994.

BRASIL. NORMAM 9 — Diretoria de Portos e Costas.

FGV DIREITO RIO  183


Direito Marítimo

AULA IX — CONTRATOS MARÍTIMOS I

1 TIPOS DE CONTRATOS

A indústria internacional de transporte marítimo opera através de diversos


tipos de contrato.
Os contratos mais praticados são:
a) Contratos de afretamento por viagem;
b) Contratos de afretamento por período;
c) Contratos de afretamento a casco nu;
d) Contrato de tonelagem; e
e) Contrato de transporte.
Antes de conceituar tais contratos, é oportuno lembrar que recaem sobre
uma embarcação os atributos da propriedade de coisas, a saber: os direitos de
usar, fruir e dispor.
O direito de usar se associa ao direito de ter a posse da embarcação, e,
consequentemente, o direito de exercer a gestão náutica. A gestão náutica do
navio consiste em dotar o navio com comando, tripulação adequada, com-
bustível, provisões e todas as demais providências necessárias para que o na-
vio se lance ao mar.
O direito de fruir a embarcação consiste na obtenção dos benefícios de-
correntes do emprego comercial do navio, o qual se dá através de contratos
de afretamento ou transporte.
O direito de dispor da embarcação é aquele que dá ao proprietário o direito
de alienar a embarcação a terceiros, ou até mesmo alterá-la ou desmanchá-la.
A partir destes conceitos, podemos definir os contratos de afretamento
como sendo aqueles em que o fretador transfere ao afretador, por certo pe-
ríodo, o direito de fruir e, no caso do afretamento a casco nu, é transferido,
também, o direito de usar a embarcação.
No afretamento por viagem, a duração do contrato é delimitada pela rota
que o navio irá cumprir, começando no porto de carga e terminando no
porto de descarga. Em inglês, este tipo de contrato é conhecido como Voyage
Charter Party (VCP).
No afretamento por período, a duração do contrato é definida por um
período medido cronologicamente (meses ou anos). Em inglês, este contrato
é conhecido como Time Charter Party (TCP).
Os direitos de fruir a embarcação são, na prática, concedidos de forma mais
ampla nos afretamentos por período do que nos afretamentos por viagem.
No contrato de afretamento a casco nu, é transferido para o afretador,
além do direito de fruir, o direito de usar a embarcação. Por esta razão, neste
tipo de contrato, o afretador toma posse da embarcação sendo, portanto,

FGV DIREITO RIO  184


Direito Marítimo

contratualmente responsável pela gestão náutica do navio, diferentemente


dos afretamentos por viagem e período, que em sentido inverso, a posse e ges-
tão náutica do navio permanecem com o fretador. Ressalte-se que, por razões
de ordem econômica e prática, a duração de um contrato de afretamento a
casco nu é sempre em anos. Em inglês, estes contratos são conhecidos como
Bareboat Charter Party (BCP ou BBC).
Contrato de tonelagem é aquele em que o fretador (ou transportador) se
obriga a transportar determinado volume de carga, em um determinado perí-
odo, em navios previamente nomeados no contrato. Em inglês, este contrato
é conhecido como Contract of Afreightment (COA). Cada viagem do COA é
tratada como um VCP. Desse modo, um COA é um conjunto de VCPs que
tem entre si um vínculo comum.
O contrato de transporte tem como objeto o transporte de mercadorias
de um porto a outro. Estes diferem dos contratos de afretamento, pois neste
último o objeto não é transporte, mas sim a disponibilidade do navio para
o exercício de suas funções. Vale destacar que o contrato de afretamento por
viagem é comumente empregado no transporte de mercadorias, sendo, por
esta razão, que há o entendimento de que a sua natureza jurídica é a mesma
do contrato de transporte.

2 FORMAÇÃO DOS CONTRATOS

A dinâmica dos negócios faz com que o tempo disponibilizado para se


negociar um afretamento seja exíguo demais, não havendo assim, tempo su-
ficiente para se negociar cada cláusula e seu respectivo texto. Por esta razão a
indústria lança mão de formulários ou contratos-padrão, os quais servirão de
base para a celebração do contrato.
Os termos dos formulários já são de amplo conhecimento e aceitação dos
players do mercado, não havendo, por isso, necessidade de negociá-los. Além
disso, os formulários, por serem muito usados, já tiveram diversas de suas
cláusulas discutidas nas principais cortes, sobretudo a inglesa e americana,
que são os principais foros adotados nos contratos de afretamento. As de-
cisões sobre estes casos formam uma extensa base jurisprudencial, que traz
ampla segurança jurídica sobre a aplicação das cláusulas nos mais variados
casos in concreto.
Os formulários são especializados para os diversos setores da indústria,
sendo que para um mesmo setor pode haver mais de um formulário adotado.
Na indústria do transporte de petróleo e derivados, por exemplo, existem,
entre outros, os formulários Shellvoy, Exxonvoy, BPvoy e Asbatankvoy para
os afretamentos por viagem e os formulários Shelltime, BPTime e Exxontime
para o afretamento por período.

FGV DIREITO RIO  185


Direito Marítimo

Em regra, quem escolhe o formulário é o afretador. A adequada escolha do


formulário deverá levar em conta os seguintes aspectos:
a) Aspecto comercial: o formulário deverá ter ampla aceitação pelos
fretadores;
b) Aspecto técnico-operacional: o formulário deverá preencher as prá-
ticas operacionais (técnica e comercial) do afretador;
c) Aspectos jurídicos: o formulário deverá ter tradição nas cortes e
arbitragens.

É comum os contratantes negociarem cláusulas adicionais específicas de


suas empresas, chamadas de riders.
Quando um contrato é formado, primeiro emite-se um documento cha-
mado RECAP (vem de recapitulação), que é a descrição de todos os termos
do formulário padrão que foram preenchidos ou alterados, assim como a
aceitação e negociação dos termos do “rider” (cláusulas adicionais). A emissão
do instrumento contratual completo, com assinaturas, nem sempre é feita.
Muitas empresas aceitam somente o RECAP, não havendo necessidade de
mais esta formalização.
É oportuno citar que, nos contratos de afretamento, são largamente usa-
das abreviaturas para representar palavras e, até mesmo, longas expressões.
Estas abreviaturas são aceitas e reconhecidas como expressões válidas no di-
reito inglês.
Como exemplo de abreviatura cita-se: NDFOCAPMQS, que significa:
non deadfreight on charterers account provided minimum quantity supplied.

3 CONTRATOS E A LEI

Todo contrato deve ser regido por um sistema legal. Quando o contrato
não mencionar o sistema legal regente haverá disputa sobre esta definição.
Este problema se agrava quando o contrato tem natureza internacional.
Os critérios de definição da lei regente podem ter as seguintes origens:
a) Nacionalidade (domicílio) das partes;
b) Local da prestação dos serviços; e
c) Livre escolha das partes.
É oportuno citar que a lei brasileira de arbitragem (Lei 9.307/1996) ad-
mite a eleição de lei estrangeira para reger contratos que envolvam empresas
brasileiras.
As funções da lei no contrato são:
a) Assegurar o pacta sunt servanda (o contrato faz lei entre as partes).
Este importante princípio contratual é o que traz a necessária segu-
rança jurídica para que os negócios possam prosperar;

FGV DIREITO RIO  186


Direito Marítimo

b) Orientar o modo de interpretar os contratos;


c) Suprir as lacunas do texto contratual, uma vez que não existe con-
trato com redação perfeita;
d) Garantir a execução de sentenças judiciais ou laudos arbitrais que
determinem a uma parte contratante prestar obrigação a outra.
O contrato também deve definir de que forma as disputas contratuais
serão resolvidas.
As disputas podem ser resolvidas pelo Poder Judiciário (poder estatal) ou
por Arbitragem (sistema privado).
Em qualquer dos casos, deve-se especificar o nome da corte que solucio-
nará a disputa.
Quando o contrato não mencionar o foro (se estatal ou privado), haverá
disputa sobre esta definição, devendo-se observar que não há presunção de
arbitragem.
Em geral o foro (estatal ou arbitral) tem a mesma nacionalidade da lei,
mas nem sempre.
Pelas razões expostas acima, as cláusulas de lei e foro são as pedras funda-
mentais dos contratos de afretamento e transporte.
A lei inglesa é a mais adotada nos contratos de afretamento e transporte
do mundo inteiro, tendo em vista o vasto arcabouço legal que aborda o tema.
Além disso, há nas cortes inglesas varas especializadas em assuntos marítimos.
O sistema de arbitragem inglês também é largamente usado nos contratos,
por haver tradição, competência e eficiência no julgamento das lides.
Outros países, igualmente, dispõem de juízos e arbitragens especializados
em causas marítimas (Estados Unidos, Cingapura, Panamá etc.).

4 CONTRATOS DE AFRETAMENTO POR VIAGEM

Relacionamos a seguir o conteúdo das principais cláusulas, segundo os


principais formulários e a lei inglesa.

4.1 Descrição do Navio

Nesta cláusula devem ser informadas, de modo detalhado, as caracterís-


ticas principais do navio que afetam a execução do contrato. As principais
informações utilizadas são: nome do navio, porte bruto, capacidade volu-
métrica, capacidade de descarga, velocidade etc. É comum a utilização de
questionários a respeito de diversos outros dados técnicos e operacionais do
navio, tais como sua tripulação e administração em terra.

FGV DIREITO RIO  187


Direito Marítimo

4.2 Condições do Navio

A prática do mercado é exigir que o navio tenha boas condições de nave-


gabilidade (seaworthiness) e adequação à carga (cargoworthiness).
Em relação a tais obrigações, a primeira questão que se observa é qual a sua
duração — se durante toda a vigência do contrato ou se apenas no momento
da apresentação para iniciar a execução do contrato — e quanto a esta ques-
tão a maioria dos formulários exige que a obrigação seja apenas no momento
da apresentação do navio.
Outra questão que se abre é quanto à natureza destas obrigações, se obri-
gação de resultados (obrigação absoluta) ou obrigação de meios (envidar to-
dos os esforços para que assim aconteça, mas sem haver obrigação de obter o
resultado desejado). A indústria de transporte marítimo consagra a prática de
fazer com que o fretador tenha de exercer a devida diligência (due diligence)
para fazer com que o navio tenha seaworthiness e cargoworthiness.
Deve-se ressalvar que um navio pode estar em boas condições de navega-
bilidade, sem, contudo, estar completamente aderente às condições assumi-
das no questionário. Alguns formulários tentam estender as obrigações de
condição do navio, de forma a incluir também os termos do questionário.
Em relação à condução do navio pela tripulação, a obrigação assumida
pelo fretador é que a tripulação esteja na quantidade adequada, tenha a qua-
lificação exigida e que exerça a devida diligência para carregar, transportar e
descarregar a mercadoria transportada pelo navio.
É conveniente lembrar que, quando um navio sai ao mar, há o que a
doutrina chama de aventura marítima. Os riscos do fretador são grandes, e
a ocorrência de um sinistro que cause danos à carga costuma ter elevado im-
pacto econômico. A forma como as obrigações são estabelecidas no contrato
faz com que haja compartilhamento de riscos, favorecendo o oferecimento de
um frete menor ao afretador, já que os riscos absorvidos pelo fretador nessa
formulação contratual são compartilhados.

4.3 Viagem

Os afretamentos por viagem contêm cláusula estabelecendo que o navio


deva cumprir a programação de viagem dada pelo afretador, devendo estar
em conformidade com o contrato. Há previsão para que o navio fique funde-
ado e aguarde ordens para operar.
Uma vez nomeados os portos da viagem, o afretador não tem mais o direi-
to de alterá-los. Todavia, alguns contratos dão ao afretador o direito de alterar
a programação do navio, tendo a contrapartida de remunerar o fretador pelo
desvio efetuado.

FGV DIREITO RIO  188


Direito Marítimo

4.4 Portos

Os contratos estabelecem para o afretador a obrigação de nomear portos


e berços seguros, a serem visitados pelo navio (safe berth/port). O porto ou
berço é considerado seguro quando o navio específico pode entrar, usar e sair
do mesmo, sem estar exposto a perigo que não possa ser evitado por meio de
boas práticas de navegação e marinharia, desde que na ausência de ocorrên-
cias anormais.
A obrigação do afretador de nomear o safe port/berth pode ser de due dili-
gence ou absoluta, dependendo do formulário.

4.5 Frete

O pagamento do frete é uma obrigação precípua do afretador. A cláusula


de frete define o critério de preço: lumpsum; US$/t. Também define a data
devida para pagamento: na carga; emissão de B/L; descarga. Quando a for-
mação do frete se dá a partir de um preço unitário, a cláusula deve definir
qual a quantidade da carga que servirá de referência para a apuração: B/L,
bordo origem; bordo destino.
A lei inglesa considera ilegal que se faça deduções no frete, sendo admi-
tidas algumas exceções, tais como adiantamento de verbas para despesas do
navio, e outras previstas no contrato.
Em relação às taxas do porto, o contrato deve estipular quais as que são do
encargo do fretador e do afretador.
A cláusula também estabelece que o fretador tenha direito ao pagamento
de frete morto, se a quantidade mínima no contrato não for embarcada.

4.6 Faixa de Carga (laydays) e Cancelamento de Contrato

Nesta cláusula está estipulada a faixa de datas (laydays) que o navio deverá
chegar ao porto de carregamento.
Se o navio chegar antes da data inicial do laydays, a sua chegada não será
considerada, não havendo início da contagem do tempo de estadia.
Se o navio chegar fora da faixa, o afretador poderá cancelar o contrato, ou
alterá-la, a seu critério.
O fretador deverá informar antecipadamente o seu atraso, e o afretador
deverá decidir por uma nova faixa ou cancelar o contrato.
O atraso na chegada pode ensejar indenização se houver má-fé.

FGV DIREITO RIO  189


Direito Marítimo

4.7 Sobrestadia

Os contratos de afretamento estipulam o tempo máximo de estadia que


o navio poderá ter para carregar e descarregar. Em inglês este tempo é deno-
minado laytime.
O afretador deverá indenizar o excesso de estadia que o navio teve devido
à inadimplência do afretador. Este excesso de tempo é denominado sobresta-
dia ou demurrage.
A sobrestadia é determinada pela seguinte expressão:
Demurrage = (Estadia real — Estadia permitida) x taxa demurrage
A sobrestadia tem natureza jurídica de indenização por inadimplência
contratual com liquidação prevista em contrato.
A estadia real é calculada deduzindo-se do tempo total do navio no porto,
o tempo em que o navio estava em situações específicas previstas no contrato.
Na seção seguinte serão detalhadas diversas situações em que o tempo de
estadia não é contado.
A estadia permitida pode ser um tempo já previamente determinado no
contrato, como é típico na indústria de petróleo e derivados, mas também
pode ser calculada a partir de fórmulas previstas no contrato, que relacionam
a estadia permitida ao volume carregado, sua forma de carregamento, a exis-
tência de dias úteis etc, tal como acontece no trade de granéis sólidos.
A taxa de demurrage é diária, sendo que ao calcular a sobrestadia a sua
apuração é pro-rata.
Alguns contratos limitam a quantidade máxima de sobrestadia. Sendo
assim, a partir desta quantidade, a sobrestadia precisa se tornar líquida. A
liquidação é feita em juízo ou arbitragem, conforme previsto no contrato,
aplicando-se o valor de mercado da data da ocorrência da sobrestadia.
As exceções de responsabilidade previstas no contrato para o afretador não
excluem este de pagar pela sobrestadia causada.
Em situações de força maior nos portos, os contratos estipulam um trata-
mento especial na apuração da sobrestadia (meia taxa).
O contrato ainda estabelece um prazo máximo para que seja comunicada
a ocorrência de sobrestadia, e outro prazo para que o fretador apresente a
documentação de cobrança (timebar).
Os contratos não estipulam quando a sobrestadia deve ser paga. Presume-
-se que seja imediatamente.
Tal como dito anteriormente, a sobrestadia ocorre quando um navio tem
estadia em excesso nos portos do contrato. Todavia, pode ocorrer que o navio
tenha a viagem interrompida, por culpa do afretador, tendo este fato ocorrido
fora dos portos do contrato. Nesta situação ocorre o que se denomina detenção.
Como exemplo de detenção pode-se citar o caso em que o afretador pede para o
navio aguardar, no meio da viagem, a definição de onde será o porto de descarga.

FGV DIREITO RIO  190


Direito Marítimo

Nada impede que o contrato estipule a forma de se fazer líquida a de-


tenção, tal como ocorre com a sobrestadia. O contrato SHELLVOY 6, por
exemplo, estipula que a detenção deve ser tratada da mesma forma que a
sobrestadia.
Alguns contratos admitem a possibilidade do fretador pagar ao afretador o
dispatch (contraestadia), quando este consegue carregar e descarregar o navio
em tempo inferior à estadia permitida, criando assim um ganho econômico
para o fretador, que passa a ter seu navio liberado do contrato mais cedo.
É importante destacar que a sobrestadia aqui discutida é aquela referente
aos contratos de afretamento. Todavia este instituto contratual também ocor-
re nos contratos de compra e venda dos produtos e nos contratos de aluguel
de containers, associados aos contratos de transporte.
Há diferenças nas regras de apuração nestes outros contratos, porém, di-
versos dos princípios aqui apresentados também se aplicarão.

4.8 Estadia Permitida, NOR e Contagem da Estadia

A estadia permitida pode ser discriminada separando-se a parcela referente


ao(s) porto(s) de carga e aquela referente ao(s) portos de descarga, ou pode
ser contada como um todo referente a os portos de carga e descarga.
A primeira é conhecida como estadia irreversível, enquanto a outra é de-
nominada estadia reversível. O uso de um tipo ou outro depende do trade
empregado. A área de petróleo e derivados pratica o uso das estadias reversí-
veis, ao passo que em granéis sólidos costuma ser não reversível.
A fim de permitir a apuração da sobrestadia é necessário apurar o tempo
real de estadia, observando as regras do contrato para determinação do início
e do término da contagem do tempo, bem como das deduções previstas.
Sempre que um navio chega a um porto, ele deve comunicar a sua chegada
ao afretador ou ao seu agente. Este aviso é denominado em inglês como No-
tice of Readiness (NOR). O contrato deve definir se o NOR deve ser escrito,
pois de outra forma o aviso verbal será válido. Ao emitir o NOR o navio
deverá estar nas condições estabelecidas no contrato, o que inclui o local ade-
quado para sua emissão (fundeadouro do porto), certificado de livre prática
emitido pelas autoridades competentes (free pratique), caso contrário o NOR
será considerado inválido.
As regras básicas da contagem de tempo da estadia são:
a) A estadia se inicia com a emissão do NOR;
b) O NOR deve ser emitido dentro do laydays. A contagem do tempo
começa com o navio atracado ou NOR+ 6 horas (turn time), o que
vier primeiro.

FGV DIREITO RIO  191


Direito Marítimo

c) A contagem do tempo de estadia não se interrompe, salvo as exce-


ções, dentre as quais destacamos:

i. Deslocamento do ancoradouro ao berço;


ii. Feriados, sábados e domingos;
iii. Bombeio deficiente, no caso de petroleiros, ou tempo de carga
ou descarga em navios dotado e contratado com equipamentos
para tais fainas (carga geral, containers etc.);
iv. Inoperância do navio para a operação em curso.
d) Se o navio já estiver em sobrestadia, as exceções previstas no item
anterior não se aplicam (once on demurrage, always on demurrage), a
não ser que o contrato estipule o contrário.
e) A estadia termina na desconexão dos magotes ou na desatracação.
Vale observar que algumas das regras acima só se aplicam a navios petro-
leiros.
A contagem da estadia é baseada em documentos operacionais emitidos pelo
navio, terminal etc., assinados pelas partes envolvidas. Os principais documen-
tos usados na apuração da estadia são: time-sheet; pumping log; cartas protesto.

4.9 Subafretamento

O afretador poderá subfretar o navio para terceiros, independente de au-


torização do fretador original. Todavia o afretador deve manter-se responsá-
vel pelo adimplemento das obrigações assumidas no primeiro contrato.
Esta cláusula é que faz do transporte marítimo uma commodity.

4.10 Liberdade de desviar-se

Como regra geral o fretador não pode desviar-se do compromisso con-


tratado. Isso inclui o desvio geográfico da rota e/ou o da atividade corrente.
As Regras de Haia-Visby estabelecem as hipóteses de desvios justificados,
incluindo o salvamento de pessoas e embarcações em risco.
Em geral se aceita o direito de fazer bunkering durante a viagem.
Alguns contratos estabelecem limites para este direito do fretador.

4.11 Responsabilidade do Fretador

A responsabilidade civil contratual ocorre quando há dano decorrente de


inadimplência contratual. Os danos comuns mais comuns de responsabilida-

FGV DIREITO RIO  192


Direito Marítimo

de do fretador são: danos à carga, acidentes com prepostos do afretador, co-


lisões com píeres ou dolfins e atrasos. O afretador pode ser responsabilizado
por conta de danos ou atrasos ocorridos nos portos por ele indicados.
Alguns formulários, ao invés de conter uma cláusula com o título “Res-
ponsabilidades do Fretador” (Liabilities), possuem uma cláusula que denomi-
nam de “Exclusão de Responsabilidade” (Exceptions) que além de estabelecer
as hipóteses de exclusão de responsabilidade do fretador, tratam também das
regras de definição de responsabilidades.
A exclusão de responsabilidade se aplica quando, havendo incidência de
responsabilidade, a parte infratora tem sua responsabilidade excluída por for-
ça da aplicação desta cláusula.

A) Danos à carga

Os danos à carga costumam ter um regime específico de responsabilidade


(Regras de Haia-Visby e Regras de Hamburgo). Estas regras, apesar de não
se aplicarem a contratos de afretamento, são incorporadas aos contratos por
meio de cláusulas específicas.
As Regras de Haia foram criadas em 1924 e revisadas em 1968 e 1979,
passando a se denominar Regras de Haia-Visby. É o regime de responsabili-
dade mais adotado no transporte marítimo internacional. Dentre os países
que incorporaram as ditas regras ao seu ordenamento jurídico estão: Estados
Unidos, quase toda a Europa, China Japão etc.
As Regras de Hamburgo foram criadas em 1978, sendo uma tentativa de
reduzir os privilégios concedidos aos transportadores no Regime de Haia-
-Visby. Tal regime, entretanto, encontrou pouca adesão, tendo sido adotado
somente em 29 países, destacando-se entre este Chile e Egito.
As inquietações da comunidade do transporte marítimo internacional fi-
zeram com que se discutisse sobre a criação de um novo regime de respon-
sabilidades, de modo a melhor equilibrar os interesses dos transportadores
e embarcadores. Após 16 anos de negociações, em 2009 foram criadas as
Regras de Rotterdam. A convenção que a criou recebeu a assinatura de 22 pa-
íses, destacando-se dentre Estados Unidos, diversos países da Europa e África.
No momento, somente a Espanha adotou a Convenção. As Regras de Rotter-
dam entrarão em vigor quando 20 países a tiverem adotado.
Para melhor conhecer o regime de responsabilidade de cada uma destas
regras, apresentamos a seguir como funcionam as suas disposições de ônus
da prova.

FGV DIREITO RIO  193


Direito Marítimo

4.12 Bills of Lading (Conhecimentos de Embarque)

O comandante do navio está sob as ordens do afretador e deve assinar os


Bs/L tal como solicitado, não sendo obrigado a assinar Bs/L ilícitos.
O afretador deve indenizar o comandante no caso deste ser responsabilizado.
O BL deve incorporar os termos contratuais previstos no contrato.
O contrato costuma estabelecer algumas hipóteses em que o navio des-
carregue a carga sem a apresentação do BL, devendo para tanto o afretador
oferecer ao fretador uma carta de garantia de indenização. Esta carta, deno-
minada Letter of indemnity — LOI, é emitida nas seguintes hipóteses:
A. Entregar a carga sem BL;
B. Porto de descarga diferente do BL.
Deve-se ter cautela ao se aceitar a emissão de LOI para situação em que a
quantidade descarregada difere da do BL.
A LOI em geral é válida por 36 meses.
Conflitos com a LOI são habitualmente julgados pela corte inglesa, e não
por arbitragem.

4.13 Cláusulas que discutam a exposição do Navio a áreas em Guerra

No direito inglês, o direito de cancelamento do contrato está sujeito a re-


gras estritas, oriundas do princípio da frustração da aventura convencionada.
Neste sentido, está previsto que o contrato pode ser rescindido de acordo
com a regra de que comercializar com o inimigo é ilegal.
Alguns sistemas legais contêm estipulação expressa, dando direito a ambas
as partes de cancelar o contrato de afretamento no caso de guerra.
Entretanto, geralmente, as disposições legais dão orientação insuficiente
aos problemas originários de uma situação de guerra, sendo comum inserir
nos contratos a chamada “war clause”. Esta cláusula estabelece as regras que
as partes devem seguir, se a execução do contrato é afetada por guerra ou
conflito similar.
Na Voywar 1950, procura-se conceituar os riscos de guerra tratados pela
mesma, os quais incluem bloqueio e diversas outras ações tomadas por na-
ções beligerantes.
É dado ao fretador o direito de cancelar o contrato se o navio ou sua tri-
pulação estiverem sujeitos a riscos de guerra. Se a viagem tiver sido iniciada,
e após for constatado risco de guerra, o navio deverá ser desviado para outro
porto, segundo orientação do afretador, ou, na sua falta, pelo próprio fre-
tador. Todas as despesas decorrentes do risco de guerra, tais como seguros,
descarga não prevista, deverão ser arcadas pelo afretador.

FGV DIREITO RIO  194


Direito Marítimo

4.14 Cláusula Both to Blame

Esta cláusula só se aplica nas situações em que a lei americana rege o con-
trato, ou atrai competência para jurisdicionar determinadas situações.
Pela lei americana os danos à carga, ocorridos no abalroamento entre dois
navios, são indenizados inteiramente.
Imagine-se a seguinte situação: o navio “A” com carga “A” abalroa navio “B”
com carga “B”, havendo danos em ambas as cargas. A contribuição da culpa de
cada um dos navios em relação ao acidente foi definida em juízo ou regulação.
Pelo USCOGSA, lei americana que incorpora as Regras de Haia-Visby, há
excludente de responsabilidade do navio A em relação à carga A em caso de
negligência da navegação.
Assim, para que a carga “A” seja indenizada na totalidade, o navio “B”
teria que pagar pela sua parcela de culpa, e também pela parcela do navio “A”.
O navio B, por sua vez, cobraria do navio “A”, através de direito de regres-
so, a parcela que deveria ser paga pelo navio “A”.
No fim das contas, o navio “A” teria que arcar com os danos da carga “A”,
apesar de sua exclusão de responsabilidade, dada pelo USCOGSA.
A cláusula Both to blame visa a restituir a direção do USCOGSA, operan-
do no sentido de fazer com que o dono da carga “A” restitua ao navio “A” a
parcela em que não caberia indenização.

4.15 Cláusula de Avaria Grossa

A avaria grossa é um instituto típico do direito marítimo, definida no or-


denamento jurídico de vários países, inclusive do Brasil.
A avaria grossa ocorre quando um sacrifício ou despesa extraordinária e
voluntária é efetuado, de modo razoável, com o propósito de preservar as
propriedades envolvidas na aventura marítima que estejam em perigo.
Normalmente, as propriedades envolvidas em uma aventura marítima são:
o navio, a carga e o frete, mas também podem estar envolvidos o combustível
e os pertences pessoais de passageiros.
Os proprietários de quaisquer das propriedades em risco, as quais comple-
tam a aventura marítima em segurança, devem contribuir em relação à perda
por sacrifício ou a despesa extraordinária, na proporção dos valores dos bens
que sobreviveram.
Os contratos devem estipular qual o sistema que regulará a avaria grossa,
podendo ser a lei do contrato qualquer outra lei ou regra pactuada pelas partes.
Comumente os contratos adotam as Regras de York e Antuérpia para re-
gular os processos de avaria grossa. Estas regras foram criadas pela comuni-

FGV DIREITO RIO  195


Direito Marítimo

dade internacional com o propósito de unificar as disposições sobre o tema,


sendo estas de grande aceitação pela indústria.

4.16 Cláusula Paramount

A legislação de muitos países estabelece que a emissão de BL gere entre o


navio (transportador) e o embarcador da carga (não sendo este último, ne-
cessariamente, o afretador) um contrato de transporte inteiramente distinto
do contrato de afretamento.
A cláusula Paramount visa a estipular que esta relação contratual formada
a partir do BL é regulada pelas Regras de Haia-Visby, ressalvando que juris-
dições que atraem competência para regular a matéria substituem o efeito das
Regras de Haia-Visby.
O objetivo desta cláusula é fazer com que o sistema de responsabilidades
do contrato de transporte em relação à carga seja o mesmo do contrato de
afretamento.

4.17 Cláusula de Lien

A história do transporte marítimo está repleta de casos em que os afreta-


dores não adimpliram suas obrigações de pagamento. Devido a estes fatos o
direito de retenção sobre a carga (“lien”) é um importante instrumento para
dar ao negócio jurídico a necessária estabilidade.
O direito de retenção sobre a carga pode ser definido como uma garantia,
de origem legal ou contratual, para forçar o afretador a cumprir suas obriga-
ções para com o fretador.
Os contratos costumam conter cláusula que assegura ao fretador o direito
de reter a carga, não a entregando ao seu consignatário, até que o afretador
pague as reclamações por frete, por contribuição de avaria grossa devida em
razão da carga e também as despesas de preservação dos bens.
Por conseguinte, o fretador não tem o direito, a não ser por acordo expres-
so, de reter as mercadorias para assegurar o pagamento de reclamações que
ele possa ter por sobrestadia, detenção ou por frete-morto. O escopo deste
direito pode ser alterado por disposição contratual para incluir também ou-
tros tipos de reclamações.

FGV DIREITO RIO  196


Direito Marítimo

4.18 Cláusula de Lei e Foro

Tal como mencionado anteriormente, o contrato deve informar qual a lei


que irá regê-lo e o foro de solução de disputas, que poderá ser por meio de
arbitragem.

5 CONTRATOS DE AFRETAMENTO POR PERÍODO

Relacionamos a seguir o conteúdo das principais cláusulas, segundo os


principais formulários e a lei inglesa.

5.1 Cláusulas Análogas aos Afretamentos por Viagem

Os contratos de afretamento por viagem têm diversas cláusulas semelhan-


tes aos afretamentos por período. Estas, por sua vez, têm seus termos adapta-
dos tendo em conta que se trata de um afretamento por período, e não para
apenas uma viagem. São elas:
a) Descrição do navio;
b) Condições do navio;
c) Portos;
d) Laydays e Laycan;
e) Agente;
f ) Subafretamento;
g) Bills of Lading;
h) Exclusões de responsabilidade;
i) Exposição do navio a áreas de guerra;
j) Both to blame;
k) Avaria grossa;
l) Paramount;
m) Lien; e
n) Lei e foro.

5.2 Direito de direcionar o Navio

Os contratos dispõem de cláusulas que estipulam as áreas em que o navio


pode operar.
Em geral o navio pode operar em todo o mundo, restringindo-se apenas
áreas de águas que se congelam, áreas de risco de guerra e países que têm si-
tuações diplomáticas delicadas.

FGV DIREITO RIO  197


Direito Marítimo

Nos afretamentos por período, o afretador tem direito de direcionar o


navio para cumprir programações de viagem entre quaisquer portos em que
não há restrição de acesso.

5.3 Duração do Contrato

O período de afretamento normalmente é estipulado em “mês calendário”


ou “em anos”, durante o qual o afretador terá o navio a sua disposição. A con-
tagem se inicia quando o navio e sua tripulação são colocados à disposição
do afretador. O término do contrato se dá quando o afretador libera o navio
de volta para o fretador (reentrega), guardando este interregno relação com o
período contratado.
Ocorre que, na prática, é impossível programar as viagens do navio para
que, exatamente ao término da última viagem, o contrato chegue ao seu
termo final. Sendo assim, surge um overlap ou um underlap, se o término da
última viagem se dá depois, ou antes, do aprazado, respectivamente.
Geralmente certa margem é concedida ao afretador em relação à sua obri-
gação de reentregar o navio ao término do período, através da inserção da pa-
lavra about antes do período declarado. A determinação da margem razoável
dependerá do período contratual previsto.
Para se analisar a última viagem e a relação com o término do contrato,
o direito inglês utiliza o conceito de ordem de viagem válida ou legítima. A
ordem é válida ou legítima se for razoável estimar que a viagem final e a con-
sequente reentrega do navio ocorra dentro do período contratual. A validade
da ordem é medida no momento em que ela começa a ser executada, e não
no momento em que ela é transmitida.
Em primeiro momento as cortes entendiam que se a ordem para a viagem
final fosse legítima não haveria que se falar em quebra contratual do afreta-
dor. Esta compreensão se alterou, passando-se a entender que haverá quebra
se a reentrega do navio ocorrer após o período contratual adicionado a uma
margem razoável.
Quando ocorre tal quebra o fretador passa a fazer jus a receber, a partir do
termo final do contrato, até a efetiva reentrega:
a) o valor de mercado, se este for superior ao valor do aluguel;
b) o valor do aluguel, se este for superior ao valor do mercado.

Para regular a questão do termo final do contrato, diversos formulários fa-


zem uso de cláusulas que regulam em detalhes a viagem final, ou que definem
com exatidão a margem a ser admitida, para mais ou para menos, em relação
ao período contratual.

FGV DIREITO RIO  198


Direito Marítimo

O contrato define os locais de início do contrato, o qual poderá ser de-


finido pelo fretador ou afretador, conforme convencionado, e, de modo se-
melhante, os locais possíveis para término do contrato. O contrato não será
considerado iniciado ou terminado fora destes locais.
O navio deverá iniciar o contrato dentro do laydays, sob pena do afretador
usar da sua faculdade de cancelar o contrato.

5.4 Distribuição dos Encargos

O fretador é responsável pelos seguintes encargos: salários e encargos da


tripulação, seguros do navio, provisões, docagem, manutenção do casco e dos
equipamentos do navio, água para consumo e caldeiras, sobressalentes e seu
desembaraço etc. (gestão náutica).
O afretador é responsável pelos seguintes encargos: combustíveis, reboca-
dores, práticos, agentes da carga, tarifas portuárias e outros encargos da carga.
Quando o navio está off-hire (indisponível para o serviço) o afretador dei-
xa de ter seus encargos.

5.5 Aluguel e Forma de Pagamento

O aluguel (“hire”) pode ser definido em valor diário ou mensal. Em qual-


quer dos casos as deduções são pró-rata em horas e minutos. Os preços cos-
tumam ser fixos durante toda a vigência do contrato, todavia, há contratos
que estruturam uma fórmula de preços, fazendo com que o valor do aluguel
varie na vigência do contrato, guardando paridade com o mercado ou mesmo
prevendo reajuste do preço pactuado segundo variação econômica de indica-
dores definidos no contrato.
O pagamento é mensal e feito antecipadamente.
Se o pagamento não for feito no dia devido, o fretador poderá rescindir o
contrato, não cabendo ao afretador qualquer reclamação. Se o aluguel for fi-
xado em cenário de mercado baixo e depois de vigente o contrato, o mercado
fica aquecido, esta disposição se torna uma brecha para o fretador terminar
o contrato.
Salvo exceções (legais ou contratuais), o aluguel não pode sofrer deduções.

5.6 Combustíveis

O afretador está obrigado a fornecer combustíveis para propulsão e gera-


ção de energia em conformidade com o previsto na especificação do navio.

FGV DIREITO RIO  199


Direito Marítimo

O afretador deverá comprar os combustíveis existentes a bordo no início


do contrato. O fretador deverá comprar os combustíveis existentes a bordo
no término do contrato.
Alguns formulários definem que o afretador deverá reentregar o navio
com as mesmas quantidades existentes na entrega.

5.7 Off-Hire

O afretador poderá deduzir do aluguel a ser pago, os períodos em que o


navio deixou de estar disponível ao afretador, desde que tenha ocorrido perda
de tempo por tal fato.
Os contratos devem relacionar os motivos que podem causar tal situação,
tais como: quebra ou deficiência de equipamentos, falta de tripulantes, qua-
rentena etc.

5.8 Desempenho Operacional (Performance)

O fretador se obriga a navegar em velocidade(s) previamente pactuada(s).


Caso a velocidade efetiva do navio seja inferior a do desempenho compro-
missado, o afretador poderá deduzir do aluguel a perda de tempo ocorrida
entre o tempo real e o tempo ideal.
O fretador assume compromisso de consumir uma quantidade máxima de
combustível por dia para a(s) velocidade(s) pactuada(s). O consumo a maior
enseja desconto no aluguel a ser pago.
Os contratos possuem regras detalhadas de cálculo da avaliação do desem-
penho operacional.
Possibilidade de incluir outros itens de compromisso em desempenho
operacional: bombeio, self-unloading etc.

6 CONTRATOS DE AFRETAMENTO A CASCO NU

Relacionamos a seguir o conteúdo das principais cláusulas, segundo os


principais formulários e a lei inglesa.

FGV DIREITO RIO  200


Direito Marítimo

6.1 Cláusulas Análogas aos Afretamentos por Período

Os contratos de afretamento por viagem têm diversas cláusulas semelhan-


tes aos afretamentos por período e a casco nu, tendo seus termos adaptados,
levando-se em conta que se trata de um afretamento a casco nu. São elas:
a) Descrição do navio;
b) Laydays e Laycan;
c) Prazo;
d) Locais de entrega e reentrega;
e) Áreas de atuação do navio;
f ) Aluguel e forma de pagamento;
g) Lien;
h) Bills of Lading;
i) Riscos de guerra;
j) Lei e foro.

6.2 Direitos de Inspeção

O contrato dispõe de cláusula que autoriza o fretador a inspecionar o na-


vio em qualquer ocasião.

6.3 Reentrega

O contrato dispõe de cláusula que obriga o afretador a restituir o navio


nas mesmas condições recebidas, salvo o desgaste natural que equipamentos,
acessórios e casco sofrem com o decorrer do tempo do contrato.

6.4 Estoques

Na ocasião da entrega, será feito um inventário em conjunto pelas partes


contratantes para se determinar os estoques de sobressalentes, consumíveis e
combustíveis, os quais serão adquiridos pelo afretador a valores de mercado.
Na reentrega, o mesmo procedimento será adotado, sendo a compra feita
pelo fretador.

FGV DIREITO RIO  201


Direito Marítimo

6.5 Manutenção e Operação do Navio

O afretador deverá manter às suas próprias expensas, o navio conservado


e em classe, arcando inclusive com as despesas de docagem. O afretador não
poderá, sem autorização do fretador, alterar o nome do navio, a sua bandeira
e sociedade classificadora.

6.6 Seguros

O afretador deverá, na vigência do contrato, manter o navio com seguro


casco, proteção contra guerra e seguro P&I.

6.7 Navios em Construção

Existem cláusulas a serem observadas se o navio que estiver sendo afretado


estiver em construção.

7 CONTRATOS DE TONELAGEM (COA)

Relacionamos a seguir o conteúdo das principais cláusulas.

7.1 Carga a ser Transportada

O contrato deverá informar a especificação da carga a ser transportada e


o volume por período. É importante observar que este não precisa ser fixo,
podendo variar em grande escala, dentro de faixa estipulada no contrato.
Quanto mais precisão houver no volume menor o preço, pois menos o
fretador absorve menos incertezas na apuração dos seus custos.

7.2 Portos

O contrato deverá informar os possíveis portos de carga e descarga envol-


vidos nas viagens.

FGV DIREITO RIO  202


Direito Marítimo

7.3 Frete e Forma de Pagamento

O frete pode ser fixo ou variável, proporcional ao volume ou não. Poderá


haver cláusula de reajuste se o prazo do contrato for muito longo, sendo co-
mum o uso da cláusula de bunker escalation.
Em geral os pagamentos são feitos antes ou depois de cada viagem.

7.4 Navios Nomeados

O contrato deverá nomear e descrever os navios que poderão ser usados


no contrato, sendo que a definição do navio a ser usado é do fretador. Os
contratos costumam estipular regras para que outros navios não listados no
contrato sejam utilizados.

7.5 Programação

A programação do navio consiste na definição do navio, da quantidade


de carga a ser transportada, da data de carregamento, do porto de carga e
descarga.
Os contratos devem conter cláusulas que estabeleçam a antecedência mí-
nima necessária para que o afretador defina as informações da carga, datas e
portos, e para que o fretador nomeie o navio.
Deve haver também regras para definir direitos de cancelamentos.
Esta cláusula é de vital importância para o sucesso do contrato.

7.6 Formulário

O contrato deve estipular qual será o formulário que apresentará os termos


que suportarão cada uma das viagens. Os termos deste formulário devem ser
adaptados para se compatibilizar com os termos do COA.

8 CONTRATOS DE TRANSPORTE

Os contratos de transporte se evidenciam pelo conhecimento de embar-


que (Bill of lading). Relacionamos a seguir os principais termos que devem
figurar em um B/L.

FGV DIREITO RIO  203


Direito Marítimo

8.1 Carga

O BL deverá conter a descrição da carga pormenorizada, incluindo a sua


especificação e quantidade e seu estado de conservação, apurado pelo coman-
dante do navio, na ocasião do embarque.

8.2 Navio

O BL deverá informar o nome do navio em que a carga embarcou e o seu


comandante.

8.3 Portos

O BL deverá informar o nome do porto de embarque e o porto em que a


carga será desembarcada.

8.4 Frete

O BL deverá informar o valor do frete e sua forma de pagamento.

8.5 Vínculo ao Contrato de Afretamento

Sempre que aplicável, o BL deverá mencionar seu vínculo ao contrato


de afretamento de origem. A omissão desta cláusula poderá acarretar sérios
problemas em caso de conflitos com o embarcador ou consignatário da carga.

8.6 Cláusulas Jurídicas

O BL deverá conter os termos das seguintes cláusulas jurídicas: lien, para-


mount, incorporação das Regras de Haia ou outra aplicável, exceptions, cláu-
sula de guerra etc.

QUESTÕES DE AUTOMONITORAMENTO

1. Após ler a apostila você é capaz de responder as questões formuladas no


caso gerador para um afretamento por viagem?

FGV DIREITO RIO  204


Direito Marítimo

Que obrigações o fretador assume no contrato?


b) Que obrigações o afretador assume no contrato?
c) Em caso de acidentes, tais como danos a carga, danos ao píer e poluição,
provocados pelo navio, que responsabilidade o fretador assume?
Por que o contrato é regido pela Legislação inglesa? É possível adotar a
legislação brasileira?
Há expectativa de greve na produção de petróleo, tendo risco de o navio
chegar à plataforma e não haver carga disponível. Que cuidados devem ser
tomados nesta situação?
2. Você é capaz de responder às perguntas abaixo para um afretamento
por período?
a) Que obrigações o fretador assume no contrato?
b) Que obrigações o afretador assume no contrato?
c) O que acontece se no meio da viagem o navio tem avarias no motor
e passa a navegar em velocidade correspondente a 60% da contrata-
da?
d) O que acontece se o navio for reentregue ao armador antes do prazo
estipulado no contrato? E se for após?
3. O que acontece se em um contrato de tonelagem, a carga total mencio-
nada no contrato não for disponibilizada para transporte?
4. Qual a relação entre um contrato de afretamento e um de transporte?
5. Quais são as vantagens e desvantagens de se repartir um contrato de
afretamento por período em um contrato de serviços e outro de afretamento?

CASO GERADOR

Estamos em 2020, a produção de petróleo no Brasil é superior a 4 milhões


de barris por dia. Desta produção, mais de 500 mil barris diários são produ-
zidos e comercializados por diversas empresas que não a Petrobras.
O Brasil, como um dos grandes produtores mundiais, tem ativa participação
no mercado internacional de petróleo, já que boa parte da produção é exporta-
da, participando neste comércio inúmeras empresas, além da própria Petrobras.
Uma empresa brasileira denominada CRUDETRADE, recém-criada, ad-
quiriu um lote de petróleo de 1 milhão de barris, tendo em seguida vendido
este mesmo lote para uma refinaria localizada na América Central. O negócio
foi fechado na modalidade CIF, devendo, portanto, o vendedor afretar o na-
vio que fará o transporte da carga de petróleo.
Tendo em vista que a lei brasileira exige que as exportações de petróleo
produzido no país sejam feitas por empresas brasileiras de navegação, a CRU-
DETRADE contratou a empresa brasileira BRASTANKERS, que lhe ofere-
ceu um navio de bandeira liberiana para fazer o transporte.

FGV DIREITO RIO  205


Direito Marítimo

A proposta da BRASTANKERS incluiu uma minuta do contrato a ser ce-


lebrado, porém os traders da CRUDETRADE não possuem experiência em
afretamento de navios, tendo grande dificuldade de compreender os termos
do contrato.
O tempo urge, e uma decisão precisa ser tomada dentro de poucas horas.
Sendo assim, os traders procuram o departamento jurídico da empresa, soli-
citando as seguintes informações:
a) Que obrigações a BRASTANKERS assume no contrato?
b) Que obrigações a CRUDETRADE assume no contrato?
c) Em caso de acidentes, tais como danos a carga, danos ao píer e
poluição, provocados pelo navio, que responsabilidade a BRAS-
TANKERS assume?
d) Por que o contrato é regido pela legislação inglesa? É possível adotar
a legislação brasileira?
e) Há expectativa de greve na produção de petróleo, tendo risco de o
navio chegar à plataforma e não haver carga disponível. Que cuida-
dos devem ser tomados nesta situação?
Você é o advogado da CRUDETRADE, tendo o encargo de responder a
consulta dos traders. Suas repostas devem ser todas fundamentadas tendo por
base o contrato.

REFERÊNCIAS

Bibliográficas

1 Utilizadas

COOK, Julian et all. Voyage Charters. Londres: Lloyd’s of London Press,


2001.

FERNANDES, Paulo e Leitão, Walter. Contratos de Afretamento à Luz dos


Direitos Inglês e Brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007.

FERNANDES, Paulo e Leitão, Walter. Responsabilidades no Transporte Marí-


timo. São Paulo: Editora Aduaneiras, 2010.

WILFORD, Michael et all. Time Charters. Londres: Lloyd’s of London Press,


1995.

FGV DIREITO RIO  206


Direito Marítimo

AULA X — CONTRATOS MARÍTIMOS II

ROTEIRO DE ESTUDO

1 INTRODUÇÃO

O Contrato de transporte marítimo é o instrumento pelo qual um empre-


sário transportador se obriga, mediante remuneração, a transportar por mar,
de um porto para outro, certa quantidade de mercadoria que lhe foi entregue
pelo embarcador e a entregá-la a um destinatário.185
Nesse tipo de contrato, figuram como principais partes contratantes:
a) o transportador ou condutor — é a parte que, contra pagamento do
frete, realiza o transporte da mercadoria, conforme convencionado no con-
trato. O transportador nem sempre será o proprietário ou armador do navio.
b) o embarcador ou expedidor — é a parte que contrata o transporte de
mercadorias e as fornece para o transportador.
c) o consignatário — é aquele que recebe as mercadorias transportadas.
É importante destacar também a figura do armador que é a pessoa ou
empresa que explora comercialmente as capacidades do navio.
Ressalte-se que, muito embora seja uma espécie de contrato de utilização
de navio, o contrato de transporte marítimo não se confunde com o contrato
de fretamento.
A diferença entre esses contratos reside essencialmente no objeto de cada
um deles. O primeiro tem como objeto o transporte da carga de um ponto
ao outro, enquanto o segundo visa à exploração comercial e utilização do
próprio navio, ou seja, tem como finalidade a disponibilidade do navio para
exercer determinada função.
Em geral, os contratos de transporte marítimo são regidos pelas regras
comuns aos contratos de transporte de mercadoria (Código Civil e Código
Comercial) e por algumas regras especiais quando no plano internacional,
dentre as quais se destacam as Regras de Haia, Regras de Haia-Visby e as
Regras de Hamburgo, que serão oportunamente estudadas.

185
CALABUIG, Rosário Espinosa. El
contrato internacional de transporte
marítimo de mercancías: questiones de
ley aplicable. Granada: Comares, 1999.
p. 304.

FGV DIREITO RIO  207


Direito Marítimo

2 MODALIDADES DO CONTRATO DE TRANSPORTE MARÍTIMO DE MER-


CADORIAS

2.1 Contrato de transporte por viagem

O Contrato de Transporte por Viagem (Voyage Charterparty) é aquele em


que o transportador se obriga a pôr à disposição do embarcador um navio,
ou parte dele, para que este o utilize numa ou mais viagens, única ou conse-
cutivas, previamente fixadas para o transporte de determinadas mercadorias.
Trata-se de um verdadeiro contrato de depósito, sendo facultado ao con-
tratante fretar todo o navio (full cargo), parte do navio (part cargo) ou apenas
um espaço do navio (space charter).
Neste caso, tanto a gestão náutica, quanto a gestão comercial do navio
ficarão a cargo do transportador. Todavia, cabe observar que a contratação
do transporte por viagem não implica arrendamento do navio pelo afretador.
Muito embora figure como a modalidade menos utilizada, o transporte
por viagem representa algumas vantagens comerciais para o embarcador, na
medida em que este não ficará sujeito às instabilidades do mercado.

2.2 Contrato de transporte por conhecimento

Por meio do contrato de transporte por conhecimento, o embarcador ini-


cia uma relação jurídica com o transportador marítimo, para o transporte de
uma mercadoria de um porto a outro. Esta relação será evidenciada por meio
de um Conhecimento de Embarque (Bill of Lading — BL), também chama-
do de Conhecimento de Transporte ou de Carga.
No cenário do transporte marítimo mundial destacam-se três tipos de
contratos-padrão: Conlinebill, Bimco e Viscombill.
Vale dizer que, diferentemente do que ocorre nos contratos de transporte
por viagem, aqui o embarcador não contrata toda ou parte da capacidade do
navio, mas sim, apenas, o transporte de sua mercadoria de um porto a outro.
Em geral, neste tipo de contrato, a carga poderá ser transportada solta no
porão do navio, como carga geral, ou unitizada em contêineres, cujo frete
será calculado com base no peso ou volume da carga transportada (ad rem),
podendo, ainda, ser calculado com base no valor declarado da mercadoria
transportada (ad valorem).
O Conhecimento de Transporte é um documento emitido pelo transpor-
tador e assinado pelo comandante do navio ou pela agência marítima respon-
sável pelo transporte, que confirma o recebimento da mercadoria a bordo.
Por ocasião do embarque das mercadorias, é realizada normalmente a
emissão de três vias do Conhecimento de Transporte, que acobertará a carga

FGV DIREITO RIO  208


Direito Marítimo

transportada e contém as cláusulas que regerão o transporte contratado, sen-


do a primeira entregue ao Embarcador, a segunda permanece com o Trans-
portador e a terceira via original é remetida pelo Embarcador ao Consigna-
tário da mercadoria, para que este possa apresentá-la e receber sua carga no
porto de destino.
Este documento, portanto, faz prova não somente do recebimento da
mercadoria a bordo do navio pelo Capitão, como também constitui a própria
evidência do contrato de transporte, cabendo ao transportador, conforme
determina o artigo 754 do Código Civil, a obrigação de entregar a carga ao
consignatário no porto de destino, mediante a apresentação de sua respectiva
via original do conhecimento de transporte a ele consignado ou endossado.
É comum que, antes da emissão do conhecimento do transporte, seja emi-
tido outros documentos, geralmente o mate’s receipt, o booking note e o tally
clerk’s receipt. O mate’s receipt é o recibo provisório do embarque da mercado-
ria. O booking note é conhecido como a reserva de espaço em uma determi-
nada embarcação para o transporte de mercadoria. Já o tally clerk’s receipt tem
a função de documentar o carregamento e o descarregamento da mercadoria
na embarcação.
Assim, o conhecimento de transporte adquire características de evidência
do contrato, recibo e de título de crédito, já que a sua posse e apresentação
por parte do Consignatário o legitima junto ao Capitão do navio como pro-
prietário da mercadoria nele descrita.
Neste sentido, o ilustre maritimista Theóphilo de Azeredo Santos ensina
que “o conhecimento tem dupla natureza: inicialmente, consubstancia a pro-
va do contrato de transporte e, uma vez criado, passa a valer como título de
crédito”.186

2.2.1 O conhecimento de transporte como evidência do contrato

O contrato de transporte de mercadorias é, via de regra, concluído antes


da emissão do conhecimento de transporte. Por este motivo, o conhecimento
de transporte serve como evidência do contrato de transporte estabelecido
entre as partes.
O consagrado maritimista inglês Stephen Girvin aduz que “os termos no
verso do conhecimento de transporte não constituem o contrato em si, mas
mera evidência do mesmo. Assim, o contrato de transporte é concluído antes
da emissão do conhecimento de transporte, o que não permite ao transpor-
tador, de forma unilateral, alterar os termos do contrato”.187 (tradução livre) 186
SANTOS, Theóphilo de Azeredo. Direi-
Quando o conhecimento de transporte é transferido ao terceiro de boa-fé to da Navegação Marítima e Aérea. São
Paulo: Forense, 1964.
por meio do endosso, é reconhecida a presunção absoluta (conclusive evidence) 187
GIRVIN, Stephen. Carriage of Goods
dos termos do contrato e das informações pertinentes à carga transportada. by Sea. Birmingham: Oxford University
Press, 2007. p. 76.

FGV DIREITO RIO  209


Direito Marítimo

2.2.2 O conhecimento de transporte como recibo

O conhecimento de transporte serve como prova documental ao transpor-


tador do recibo da mercadoria para transporte em sua embarcação. Assim, a
responsabilidade do transportador quando recebe a mercadoria tem início no
momento de recebimento da mesma, e persiste até a entrega ao consignatário.
O ilustre maritimista John Wilson conceitua uma das funções do conheci-
mento de transporte como “um mero recibo de depósito, que vai ser requerido
para obter a entrega da mercadoria no porto de desembarque. Normalmente,
serão incluídas informações quanto à quantidade e descrição da mercadoria
embarcada, em conjunto com as condições em que tais mercadorias foram
recebidas pelo transportador”.188 (tradução livre)
Para se resguardar, é facultado ao transportador inserir cláusulas no co-
nhecimento de transporte, conhecidas como said to contain, said to be, dentre
outras.189 Tais cláusulas são extremamente importantes para uma eventual
defesa em reclamação por faltas à mercadoria embarcada.
Importante ressaltar que, inexistindo dúvidas quanto à veracidade das in-
formações prestadas pelo embarcador em relação às mercadorias embarcadas
(quantidade, qualidade, estado da carga, embalagem etc.), o conhecimento
de transporte é emitido “limpo”, isto é, sem reservas ou ressalvas.190 No en-
tanto, quando se verifica que a mercadoria embarcada não corresponde com
a descrita pelo embarcador, serão ressalvadas no conhecimento de transporte
tais impropriedades.191
Como se vê, as informações constantes no conhecimento de transporte
são extremamente importantes para demandas relacionadas à carga, tanto em
face do transportador, quanto em face do embarcador.
188
WILSON, John. Carriage of Goods
by Sea. 6. ed. [S.l.]: Person Longman,
2007. p. 116.
189
“Responsabilidade civil – Danos ma-
2.2.3 O conhecimento de transporte como título de crédito teriais – Transporte – Ação regressiva
da seguradora – Situação dos autos
onde a empresa transportadora se de-
A terceira função do conhecimento de transporte é servir como título de sincumbiu do mister de entregar incó-
lume o volume recebido, não podendo
crédito a quem o detém. Isto ocorre em razão do conhecimento de transporte ser responsabilizado pelo conteúdo do
ser o documento que representa a mercadoria perante o transportador. ‘container’ ao qual não teve acesso –
Hipótese de manutenção íntegra da
O Mestre alemão Schmitthoff, ao conceituar o conhecimento de trans- sentença atacada, inclusive quanto à
fixação dos honorários advocatícios,
porte como título de crédito aduz que se trata de posto que inexiste condenação – Ape-
los desprovidos”. BRASIL. Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo. Apela-
[...] um documento que permite ao detentor do conhecimento de ção n. 1.151.058-8.

transporte ‘dispor’ da mercadoria enquanto a mesma estiver em trânsi- 190


Usualmente chamado de clean on
board bill of lading.
to. Na prática mercantil, posse do conhecimento de transporte equivale 191
Usualmente chamado de unclean bill
à posse da mercadoria, e a transferência do conhecimento de transpor- of lading ou claused bill of lading.

te tem, normalmente, o mesmo efeito da entrega da mercadoria. O 192


SCHMITTHOFF. Export Trade: The Law
and Practice of International Trade.
conhecimento de transporte é, portanto, o símbolo da mercadoria.192 11. ed. [S.l]: Sweet & Maxwell, 2007.
p. 325.
(tradução livre)

FGV DIREITO RIO  210


Direito Marítimo

Trata-se de um título de crédito perante terceiros, que pode ser emitido “à


ordem”, “não à ordem” e “ao portador”.
Quando o conhecimento de transporte é emitido “à ordem”, o mesmo
pode ser transferido por meio do endosso. Trata-se da forma mais utilizada
de conhecimento de transporte, em razão da possibilidade de transferência.
Quanto ao conhecimento de transporte consignado “não à ordem”, o
mesmo só pode ser transferido por cessão. Quando o conhecimento de trans-
porte é emitido “ao portador”, não é indicado o nome do destinatário. Pode
ser transferido por tradição.

3 LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

O notável crescimento das relações econômicas internacionais, alinhado


ao fenômeno da globalização, vem contribuindo de forma significativa para
o aumento do comércio internacional de mercadorias.
Nesse contexto mundial, o modal marítimo vem assumindo um papel de
destaque no comércio internacional, representando 90% do transporte inter-
nacional de mercadorias.
Por tudo isso, tem-se buscado uma constante sistematização do direito
marítimo, por meio da uniformização, em nível mundial, das inúmeras nor-
mas que envolvem a matéria.
Uma das primeiras iniciativas de sistematização das normas internacionais
de direito marítimo ocorreu em 1921, na Holanda, onde foram promulgadas
as Regras da Convenção de Haia, posteriormente ratificadas por mais de 80
países.
As Regras de Haia sofreram algumas modificações, introduzidas pelo pro-
tocolo de Visby (Convenção de Bruxelas em 1968), passando a figurar no
cenário mundial como Regras de Haia-Visby.
Em geral, as Regras de Haia-Visby preveem um regime de responsabilida-
de moderada do transportador marítimo. Para tanto, consagraram dezessete
causas de exoneração da responsabilidade do transportador.
Mais tarde, em 1978, foi realizada a Convenção das Nações Unidas sobre
o Transporte Marítimo (a United Nations Convention on the Carriage of Goods
by Sea), conhecida como Regras de Hamburgo.
Contrariando os interesses dos transportadores, as Regras de Hamburgo
aplicam o princípio da presunção da culpa daquele, instituindo, inclusive,
uma indenização por atraso na entrega de mercadoria, cujo valor ultrapassa
aquele previsto nas Regras de Haia-Visby.
Com efeito, as Regras de Hamburgo entraram em vigor apenas a partir de
1992, sendo certo que sua aplicabilidade afigura-se ainda limitada.

FGV DIREITO RIO  211


Direito Marítimo

Com o objetivo, mais uma vez, de buscar uma uniformização das normas
que envolvem o direito marítimo, no dia 23 de setembro de 2009 foi reali-
zada a cerimônia para assinatura das Regras de Roterdã (nome dado em ho-
menagem à cidade sede da cerimônia de assinatura), as quais versam sobre os
direitos e obrigações envolvidas no transporte internacional de mercadorias
no todo ou em parte por via marítima.
As Regras de Roterdã objetivam atualizar as disposições das Regras de
Haia e o respectivo Protocolo de Haia-Visby e as Regras de Hamburgo, in-
corporando os novos conceitos, práticas e costumes do comércio marítimo
internacional e integrado com outros modais.
Os dispositivos das Regras de Roterdã procuram atender tanto aos interes-
ses da “carga” como dos “armadores”, servindo como instrumento de regula-
mentação para uma maior harmonia no mundo globalizado e estabelecendo
regras contemporâneas e uniformes para o transporte de mercadorias pelo
mar, conectando ao transporte terrestre, assim como para o desenvolvimento
do comércio eletrônico no transporte marítimo.
No entanto, é importante ressaltar que, apesar de ter sido signatário das
regras de Hamburgo, o Brasil não ratificou nenhuma convenção internacio-
nal neste sentido, prevalecendo as normas internas comuns aos contratos de
transporte em geral.
Em vista disso, percebe-se que não obstante o esforço desempenhado por
diversos países na busca pela uniformização das normas atinentes aos contra-
tos de transporte marítimo, até hoje não se vislumbra a total sistematização
da regulamentação desses contratos no cenário mundial.

4 DIREITOS E OBRIGAÇÕES

4.1 Transportador

Nos termos do artigo 749 do Código Civil, “o transportador conduzirá a


coisa ao seu destino, tomando todas as cautelas necessárias para mantê-la em
bom estado e entregá-la no prazo ajustado ou previsto”.
A regra contida no diploma acima encerra a principal responsabilidade do
transportador marítimo, por meio da consagração da obrigação de entrega
incólume da carga que lhe é confiada inerente aos contratos de transporte.
Ainda nos termos do artigo 750 do nosso Código Civil, a responsabili-
dade do transportador se inicia no momento em que recebe a mercadoria,
tornando-se ele um depositário da coisa, e termina no momento em que a
carga é entregue ao seu destinatário.
A ideia da devida diligência (due diligence) no transporte de mercadorias
foi incutida de forma tão expressiva que ao transportador é concedido in-

FGV DIREITO RIO  212


Direito Marítimo

clusive o direito de recusar a mercadoria recebida do embarcador quando


verificar que esta não foi embalada de forma adequada (art. 476 do CC) ou
que se encontra avariada, bem como de exigir sua reestiva a fim de resguardar
a segurança do transporte contratado.
Há casos, ainda, em que o transportador marítimo terá mesmo a obriga-
ção de recusar a mercadoria. Isso ocorre quando o transporte de determinada
mercadoria não é permitido por lei ou quando a carga não está acompanhada
dos devidos documentos que lhes são exigidos.
Ainda dentre as obrigações do transportador, o art. 3º do Decreto-Lei nº
116, de 25/01/1967, que dispõe sobre as operações inerentes ao transporte
marítimo de mercadorias nos portos brasileiros, delimitando suas responsa-
bilidades e tratando das faltas e avarias, prevê que “os volumes em falta, ava-
riados, sem embalagem ou embalagem inadequada ao transporte por água,
serão desde logo ressalvados pelo recebedor e vistoriados no ato da entrega,
na presença dos interessados”.
Além disso, incumbirá também ao transportador a fiscalização das opera-
ções de carga e descarga de mercadorias, visando mais uma vez a garantir a
entrega incólume da carga transportada.
Importante ressaltar que por se tratar de obrigação de resultado,193 a res-
ponsabilidade civil do transportador por perdas e avarias na mercadoria é
objetiva perante o Embarcador.
Vale dizer que o ônus da prova será sempre do transportador, cabendo a
este, portanto, a demonstração de ocorrência de uma das causas excludentes
de culpabilidade (caso fortuito, força maior, vício da carga, culpa exclusiva
da vítima e fato de terceiro), a fim de exonerar-se de sua responsabilidade.194

4.2 Embarcador
193
Nesse sentido: VENOSA, Silvio. Direito
Civil: teoria geral das obrigações e teo-
ria geral dos contratos. 3. ed. V. 2. São
Paulo: Atlas, 2003; e MOURA, Geraldo
O pagamento do frete acordado na celebração do contrato de transporte Bezerra de. Direito de navegação em
comércio exterior. São Paulo: Aduanei-
é a principal obrigação do embarcador. Em determinados casos, porém, é ras, 1991.
possível que a dita obrigação seja suportada pelo consignatário da carga, se o 194
“[...] Tanto o transporte, como o
contrato estabelecer, por exemplo, o pagamento do frete antes da descarga ou acondicionamento e depósito de mer-
cadorias, são atividades empresariais
no local do destino. de risco e, portanto, a responsabilidade
dessas empresas sobre as cargas a elas
Fora algumas excludentes, se o embarcador ou o consignatário não paga- confiadas, em realidade, é objetiva,
independente da comprovação de cul-
rem o frete devido, o transportador poderá acioná-los judicialmente por meio pa. Somente podem ver excluída sua
de Ação de Cobrança, sendo certo que, em geral, a responsabilidade tanto do responsabilidade sobre danos, avarias
ou desvios de carga, se comprovarem
embarcador quanto do consignatário da mercadoria poderá ser solidária.195 a inexistência do dano, o fato exclusi-
vo de terceiro, ou a ocorrência de caso
Além da obrigação de pagamento do frete, compete ainda ao embarcador fortuito ou força maior. [...]” BRASIL.
acondicionar a mercadoria de maneira correta, sob pena de ser facultada a Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro. AC n. 04659/2007.
recusa do transportador, ou mesmo a isenção de responsabilidade do trans- 195
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado
portador por qualquer dano à carga. Deve o embarcador, ainda, entregar a de São Paulo. Ap. Civil n. 885.59-8. Jul-
gado em 19 de outubro de 2005.

FGV DIREITO RIO  213


Direito Marítimo

carga devidamente “caracterizada por sua natureza, valor, peso e quantidade,


e o mais que for necessário para que não se confunda com outras, devendo o
destinatário ser indicado ao menos pelo nome e endereço”, conforme precei-
tua o art. 743 do Código Civil.
Na hipótese de serem prestadas informações falsas ou inexatas pelo embar-
cador, será cabível indenização ao transportador se este experimentar eventu-
ais prejuízos oriundos de tais informações, na forma do artigo 745 do Código
Civil.

4.3 Destinatário

O destinatário é aquele que deverá receber as mercadorias descarregadas


pelo transportador de acordo com as condições previstas no Conhecimento
de Transporte.
Conforme já destacado acima, nos contratos em que houver estipulação
de cláusula freight payable at destination collect (frete pagável no destino) ou
freight to be paid before breaking bulk (frete pagável antes da descarga) a obri-
gação do pagamento de frete caberá ao destinatário, e não ao embarcador,
como de costume.
Outra obrigação contratual atribuída ao Consignatário no caso de car-
gas unitizadas é aquela oriunda da sobrestadia de contêineres (demurrage/
detention). Assim, nos contratos de transportes em que houver cláusula de-
terminando o pagamento de taxa em razão da não devolução da unidade de
carga no prazo estipulado, salvo se houver disposição em contrário, caberá ao
destinatário que o retirar, arcar com essa prestação.
Além das obrigações contratuais, o Consignatário também possui respon-
sabilidades impostas por lei, dentre as quais se destaca a responsabilidade
pela conferência da mercadoria descarregada pelo transportador. Daí decorre
outra importante obrigação do destinatário: a consignação de protesto, caso
se verifique, no ato da descarga, a existência de alguma avaria ou perda da
carga recebida.
Este protesto poderá ser feito no próprio BL ou em documento apartado
por escrito, devendo conter as indicações das avarias ou faltas constatadas
pelo consignatário, bem como a solicitação de vistoria, caso este entenda
necessária.
Registre-se que, nessas hipóteses, a vistoria da carga afigura-se necessária
para a verificação da causa e da extensão da avaria suscitada pelo consigna-
tário, servindo, ainda, como prova relevante para o ajuizamento de eventual
Ação Indenizatória em face do causador do dano.

FGV DIREITO RIO  214


Direito Marítimo

Por fim, dentre os valores que são devidos pelo destinatário no momento
da retirada de suas mercadorias, cabe destacar a contribuição denominada
Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante.
Trata-se de contribuição parafiscal, atualmente regulada pela Lei nº
10.893/2004, incidente sobre o frete cobrado pelas empresas de navegação
que operam em portos brasileiros (art. 5º), cuja finalidade principal é anga-
riar recursos para o desenvolvimento da Marinha Mercante Brasileira.

5 CLÁUSULAS ESPECIAIS

Nos contratos de transporte marítimo de mercadorias poderão ainda ser


encontradas algumas cláusulas especiais, tais como, as cláusulas de não inde-
nizar e as cláusulas que exoneram ou limitam a responsabilidade do trans-
portador.
No que tange às cláusulas exonerativas e de não indenizar, é importante
atentar-se para o fato de serem as mesmas inoperantes nos contratos de trans-
porte executados no Brasil, sendo tal entendimento sumulado pelo Supremo
Tribunal Federal.196
Contudo, a cláusula de limitação de responsabilidade do transportador
vem sendo amplamente utilizada nos contratos de transporte de mercado-
rias, por causa das enormes vantagens que, a princípio, representam para os
transportadores.
Em contrapartida a esta limitação, quando da negociação do transporte
da carga, o embarcador terá a opção de não declarar o valor da mercadoria no
Conhecimento de Transporte, limitando-se a descrevê-la e indicar o seu peso
total, pagando um frete menor, calculado sobre a dimensão da carga (ad rem)
e não sobre o valor total do bem transportado (frete ad valorem).
Na medida em que a cláusula limitadora estabelece um valor máximo para
pagamento de eventual indenização, que será calculada por unidade de vo-
lume ou peso da carga, esta representa uma significativa redução da respon-
sabilidade do transportador perante o embarcador pela carga transportada.
Por sua vez, a inteligência da cláusula diz que, caso o embarcador pretenda
ser indenizado pelo valor total de sua carga no caso de uma eventual avaria
ocorrida durante o transporte marítimo, este deverá optar pelo pagamento
do frete com base no valor declarado da mercadoria, o que é pouco utilizada
tendo em vista que encarece em muito o custo do embarque.
Entretanto, há parte da doutrina que não reconhece a validade desta cláu-
sula por entender que a redução do valor da indenização a parte muito in-
ferior ao prejuízo verificado (valor da carga) implicaria a negação do princí-
pio que assegura a reparação do dano, restando a mesma caracterizada como 196
Súmula nº  161: “Em contrato de
cláusula de não indenizar. transporte, é inoperante a cláusula de
não indenizar.”

FGV DIREITO RIO  215


Direito Marítimo

Certo é que a jurisprudência nacional vem caminhando para o reconhe-


cimento da validade e eficácia da cláusula de limitação de responsabilidade,
exceto quando tiverem como objetivo disfarçar uma exoneração de respon-
sabilidade.197

6 AVARIAS

6.1 Conceito e classificação

De acordo com o art. 761 do Código Comercial, consideram-se avarias


“todas as despesas extraordinárias feitas a bem do navio ou da carga, conjunta
ou separadamente, ou todos os danos acontecidos àquela ou a esta, desde o
embarque até a sua volta e desembarque”.
Nas palavras de Ávio Brasil, avaria “é o prejuízo material, extraordinário
e imprevisto, resultante de transporte, e que os proprietários do navio ou da
sua carga suportam conjunta ou separadamente.”198
Como se vê, a acepção jurídica do termo avaria é bem mais ampla do que
o seu significado comum, pois compreende não só o dano causado à carga
ou ao navio, como também as despesas extraordinárias realizadas durante a
expedição marítima.
Não obstante as inúmeras classificações doutrinárias, chamamos de avarias
simples ou particulares as avarias comumente incorridas apenas na carga.
Em geral, as avarias simples encontram-se enumeradas no artigo 766 do
Código Comercial.

197
“Transporte marítimo. Cláusula li-
mitativa de responsabilidade. É válida
6.2 Titularidade do direito de reclamar a cláusula limitativa da responsabili-
dade de indenizar inserta em contrato
de transporte marítimo. Precedentes.
Depois de constatadas as avarias e apurada sua responsabilidade por meio Recurso Especial conhecido e provido”.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.
de vistoria, aquele que se sentir lesado terá o direito de ser ressarcido daquele REsp n. 153.787-SP. Quarta Turma. Re-
lator: Ministro Barros Monteiro. In: DJ,
que causou o dano. de 06 de abril de 1998. p. 136.
No entanto, tendo em vista que grande parte das mercadorias transpor- “Recurso Especial - Contrato de
transporte marítimo - Opção por frete
tadas via mar encontra-se sob o abrigo de cobertura securitária, muitas vezes de valor reduzido - Cláusula limitativa
de responsabilidade da transportadora
será o próprio Segurador da carga, que após o pagamento da indenização à - Validade - Decreto-lei nº 19.473/30 -
Inaplicabilidade, na espécie - Preceden-
sua cliente (embarcadora ou destinatária), ficará sub-rogado no direito de tes do STJ - Aferição acerca de eventual
reclamar os danos originados pela avaria. pagamento integral do valor do frete e
de sobretaxa reputada ilegal - reexame
de provas e análise de cláusulas con-
tratuais - Impossibilidade - Incidência
dos enunciados nºs 5 e 7 da súmula/
STJ - Recurso não conhecido”. (STJ, REsp
n. 233.023/SP, j. 25/03/2008).
198
BRASIL, Ávio. Transportes e Seguros
Marítimos e Aéreos. In: Oficinas Gráficas
do Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1955.

FGV DIREITO RIO  216


Direito Marítimo

6.3 Prescrição

O prazo prescricional para ajuizamento da Ação Indenizatória com vistas


ao ressarcimento, pelo embarcador ou consignatário, dos prejuízos sofridos
em virtude de falta ou avaria de mercadorias decorrentes do transporte marí-
timo ainda é debatido na doutrina e jurisprudência brasileira.
O Código Comercial Brasileiro estabelecia o prazo prescricional de um
ano em seu Art. 449, o qual foi revogado pela Lei no 10.406/ 2002, O Có-
digo de Processo Civil, que não estipulou prazo específico.
Por essa razão, parte da doutrina sustenta que o prazo prescricional seria
de 3 anos, seguindo o prazo do art. 206, §3° do Código Civil, prazo estipu-
lado para a pretensão de reparação civil em geral.
No entanto, a legislação especial continua a regulamentar o prazo prescri-
cional de um ano para tais ações, como disposto no Decreto-Lei n° 116/1967,
a Lei de Transporte Multimodal (Lei 9611/98), a Lei de Transporte Rodovi-
ário (Lei 11.442/07) e a Súmula 151 do STF.
Algumas discussões vêm sendo travadas nos Tribunais acerca da aplica-
bilidade do Código de Defesa do Consumidor para efeito de incidência do
prazo de cinco anos (artigo 27 do CDC), sendo tal posição sustentada por
seguradores e interesses da carga. O Código Civil, por sua vez, estabelece o
prazo de três anos para a reparação civil (artigo 206, §3º, inciso V do CC).
A propósito, tramitava no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº
1.285/2007, de autoria do Deputado Federal Carlos Bezerra (PMDB —
MT), que pretendia alterar o Decreto-Lei nº 116, de 25 de janeiro de 1967,
a fim de ampliar de 1 (um) para 3 (três) anos, o prazo prescricional para o
ajuizamento de ações que buscam o ressarcimento contra extravios, falta de
conteúdo, diminuição, perdas ou avarias causadas à mercadorias transporta-
das pelo meio aquaviário.
Contudo, o referido Projeto foi arquivado definitivamente, em 25 de ju-
nho de 2013, nos termos do artigo 101, §1º do Regimento Interno do Sena-
do Federal, através do Ofício nº 1.474/13-SF.
O objetivo do referido projeto era o de supostamente estabelecer a com-
patibilização do prazo prescricional de 1 (um) ano previsto no decreto-lei,
que delimita as responsabilidades sobre as operações inerentes ao transporte
aquaviário de mercadorias, com a regra trazida pelo Código Civil, em vigor
desde 2003, cujo prazo para este tipo de reparação é de 3 (três) anos.
Outrossim, o preceito contido na Lei n° 2.180/52, que estabelece a sus-
pensão do prazo prescricional em casos que estejam sob julgamento no Tri-
bunal Marítimo, também é uma relevante disposição legal no Direito Marí-
timo brasileiro.
Já nas Regras de Haia e nas Regras de Haia-Visby, o prazo é de um ano
para ajuizar ações relacionadas às perdas e avarias à carga, ou a atrasos na

FGV DIREITO RIO  217


Direito Marítimo

entrega da mesma.199 Nas Regras de Hamburgo e nas Regras de Roterdã, o


prazo é de dois anos.200 A prescrição constante nessas Convenções não tem
qualquer aplicabilidade no Brasil, uma vez que o país não as ratificou.

QUESTÕES DE AUTOMONITORAMENTO

1. Após ler a apostila, você é capaz de resumir o caso gerador, identificando


as partes envolvidas, os problemas atinentes e as possíveis soluções cabíveis?
2. Defina o contrato de transporte marítimo e suas modalidades.
3. Discorra acerca dos limites da responsabilidade do transportador marí-
timo no contrato de transporte.
4. Discorra sobre as obrigações e direitos do embarcador e do transporta-
dor marítimo.
5. Discorra sobre a validade da cláusula de limitação de responsabilidade.
6. Defina a sua posição acerca da incidência do CDC nos contratos de
transporte marítimo, justificando-a.
7. Pense e descreva, mentalmente, alternativas para a solução do caso ge-
rador.

CASO GERADOR

A empresa Shipper contratou a empresa Carrier para o transporte de mer-


cadorias da Inglaterra ao Brasil. Para tanto, Shipper embarcou 1.000 rádios e
5.000 CDs no navio Essence, da empresa Carrier, para o transporte marítimo
do Porto de Southampton ao Porto do Rio de Janeiro. A carga foi acondi-
cionada em dois contêineres. O primeiro conhecimento de transporte des-
creveu a mercadoria como “1 container contendo 1.000 rádios”, e o segundo
conhecimento de transporte descreveu a mercadoria como “1 container ‘said
to contain’ 5.000 CDs”.
Shipper vendeu os rádios e os CDs para Consignee e enviou-lhe a cor-
respondente via do conhecimento de transporte para a retirada da carga no
Porto do Rio de Janeiro. Durante a travessia oceânica, o navio Essence se
deparou com uma tempestade violenta. Em decorrência, algumas avarias
ocorreram a bordo, sendo que o primeiro contêiner, contendo 1.000 rádios,
foi severamente avariado, e o outro contêiner, contendo os CDs, nada sofreu.
Ao atracar no porto do Rio de Janeiro, Consignee constatou na confe-
rência final do manifesto realizado pela Inspetoria da Receita Federal no pri-
meiro contêiner que os rádios estavam, em sua maioria, avariados. Quanto 199
Artigo III, 6, das Regras de Haia e das
ao segundo contêiner, foi constatado nesta mesma conferência que a carga Regras de Haia-Visby.
200
Artigo 20, 1, das Regras de Hambur-
go e Artigo 62 das Regras de Roterdã.

FGV DIREITO RIO  218


Direito Marítimo

chegou intacta, porém faltando cerca de 1.000 CDs. Foi constatado também
que os lacres dos contêineres estavam intactos.
Na qualidade de advogado da Carrier, empresa responsável pelo transpor-
te marítimo das mercadorias, oriente seu cliente sobre que medidas legais
poderão ser adotadas contra reclamação formulada pelo Consignatário.

REFERÊNCIAS

Bibliográficas

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Relator: Ministro Barros Monteiro. In: DJ, de 06 de abril de 1998. p. 136.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RESP nº 233.023-SP. Relator: Minis-


tro Relator Massami Uyeda. In: DJU, de 16 de junho de 2008.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. AC n° 885.59-8. Julga-


do em 19 de outubro de 2005.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação n. 1.151.058-8.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. AC n. 04659/2007.

Legislativas

BRASIL. Código Civil.

BRASIL. Código Comercial.

FGV DIREITO RIO  220


Direito Marítimo

BRASIL. Código de Processo Civil.

BRASIL. Decreto n° 2.681, de 07 de dezembro de 1912.

BRASIL. Decreto-Lei nº 116, de 25 de janeiro de 1967.

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.

BRASIL. Lei n° 10.893, de 13 de julho de 2004.

FGV DIREITO RIO  221


Direito Marítimo

AULA XI — RESPONSABILIDADE CIVIL E CONFLITOS NA SEARA


MARÍTIMA

1 DISPUTA MARÍTIMA

1.1 Conceito

A primeira definição internacional unificada de reclamação de natureza


marítima surgiu com o advento da Convenção de Bruxelas de 1926, que
arrola os créditos marítimos de natureza privilegiada em um rol semelhante 201
“Art. 470 - No caso de venda voluntá-
ao do artigo 470 do nosso Código Comercial. 201 ria, a propriedade da embarcação passa
para o comprador com todos os seus
O conceito legal de disputa marítima atualmente em vigor foi delineado encargos; salvo os direitos dos credores
pela Convenção de Arresto de 1999202 (não ratificada pelo Brasil). privilegiados que nela tiverem hipoteca
tácita. Tais são:
A Convenção de arresto de 1999 traz em seu artigo primeiro a definição 1 - os salários devidos por serviços
prestados ao navio, compreendidos os
de reclamação marítima: de salvados e pilotagem;
2 - todos os direitos de porto e im-
postos de navegação;
Reclamação marítima (maritime claim) significa uma reclamação 3 - os vencimentos de depositários e
despesas necessárias feitas na guarda
decorrente de um ou mais dos seguintes eventos: do navio, compreendido o aluguel dos
armazéns de depósito dos aprestos e
(a) perda ou dano causados pela operação do navio; aparelhos do mesmo navio;
4 - todas as despesas do custeio do
(b) perda de vida ou danos pessoais que ocorram, em terra ou no navio e seus pertences, que houverem
mar, diretamente resultantes da operação do navio; sido feitas para sua guarda e conserva-
ção depois da última viagem e durante
(c) operações de salvamento ou qualquer contrato de salvamento a sua estadia no porto da venda;
5 - as soldadas do capitão, oficiais e
incluindo, onde couber, remuneração especial relativa a operações de gente da tripulação, vencidas na última
salvamento de um navio que, por si ou por sua carga constitui ameaça viagem;
6 - o principal e prêmio das letras
ao meio ambiente; de risco tomadas pelo capitão sobre o
casco e aparelho ou sobre os fretes (Art.
(d) danos ou ameaça de danos causados pelo navio ao meio ambien- 651) durante a última viagem, sendo o
contrato celebrado e assinado antes do
te, ao litoral ou a interesses a estes relacionados, medidas empreendidas navio partir do porto onde tais obriga-
para prevenir, minimizar ou remover tais danos, compensação por tais ções forem contraídas;
7 - o principal e prêmio de letras de
danos; custos de medidas razoáveis para a recomposição do meio am- risco, tomadas sobre o casco e apa-
relhos, ou fretes, antes de começar a
biente efetivamente empreendidas ou a serem empreendidas; perdas última viagem, no porto da carga (Art.
incorridas ou provavelmente a serem incorridas por terceiros relativa- 515);
8 - as quantias emprestadas ao capi-
mente a tais danos; e danos, custos ou prejuízos de natureza similar aos tão, ou dívidas por ele contraídas para
o conserto e custeio do navio, durante
identificados neste subitem (d); a última viagem, com os respectivos
prêmios de seguro, quando em virtude
(e) custos ou despesas relativos ao içamento, remoção, recuperação, de tais empréstimos o capitão houver
destruição ou com tornar inofensivo um navio naufragado, destroça- evitado firmar letras de risco (Art. 515);
9 - faltas na entrega da carga, prê-
do, encalhado ou abandonado, incluindo qualquer coisa que esteja ou mios de seguro sobre o navio ou fretes,
e avarias ordinárias, e tudo o que res-
tenha estado a bordo de tal navio, e os custos e despesas relativos à pre- peitar à última viagem somente.”
servação de um navio abandonado e à manutenção de sua tripulação; 202
O texto completo da United Nations/
International Maritime Organization
(f ) qualquer acordo relativo ao uso ou afretamento do navio, quer Diplomatic Conference On Arrest Of
parte de um contrato de afretamento quer de outra forma acordado; Ships, 1999. A/CONF.188/6 pode ser
encontrado em: <http://www.unctad.
org/en/docs/imo99d6.pdf>. Acesso
em: 20 de junho de 2014.

FGV DIREITO RIO  222


Direito Marítimo

(g) qualquer acordo relativamente ao transporte de bens ou passa-


geiros a bordo do navio, quer parte de um contrato de afretamento
quer de outra forma acordado;
(h) perda ou dano a ou em relação a bens (incluindo bagagem)
transportados a bordo do navio;
(i) avaria grossa;
(j) reboque;
(k) praticagem;
(l) bens, materiais, suprimentos, combustível, equipamento (in-
cluindo containers) fornecidos ou serviços prestados ao navio para sua
operação, gestão, preservação ou manutenção;
(m) construção, reconstrução, reparo, conversão ou equipamento
do navio;
(n) taxas e encargos portuários, de uso de canais, berços, atracações
e de outras vias aquaviárias;
(o) salários e outras quantias devidas ao comandante, oficiais e ou-
tros tripulantes do navio, relativamente a seus empregos a bordo do
navio, incluindo custos de repatriamento e contribuições de seguridade
social pagáveis em benefício dos mesmos;
(p) desembolsos incorridos em benefício do navio ou de seus arma-
dores;
(q) prêmios de seguros (incluindo chamadas de clubes de P&I) refe-
rentes ao navio, pagáveis por ou em nome do armador ou do afretador
a casco nu.
(r) quaisquer comissões, corretagens ou taxas de agenciamento pa-
gáveis relativamente ao navio ou por parte do armador ou afretador a
casco nu;
(s) qualquer disputa quanto à propriedade ou posse do navio;
(t) qualquer disputa entre coproprietários quanto ao uso ou receita
do navio;
(u) hipoteca ou “hypothèque” ou encargo de igual natureza sobre o
navio;
(v) qualquer disputa decorrente de um contrato para a venda do
navio.

As partes que podem integrar uma disputa marítima são múltiplas:


— proprietários;
— fretadores (disponent owners);
— operadores (Non Vessel Common Carrier — NVOCC);
— afretadores;
— subafretadores;
— embarcadores;

FGV DIREITO RIO  223


Direito Marítimo

— consignatários;
— agentes marítimos;
— corretores de navios;
— fornecedores de combustível (bunker);
— estaleiros;
— bancos (hipotecas e arrestos);
— seguradores (ações regressivas);
— sociedades classificadoras;
— tripulantes;
— práticos;
— estivadores;
— operadores portuários;
— container leasing;
— terceiros;
— Estados e autoridades (ex: marinha, fisco e ambiental).

1.2 Conflitos contratuais típicos do direito marítimo

Conhecimento de Embarque (Bill of Lading):

• avaria;
• faltas (quebra do granel);
• atrasos (ex: deviation) ou não entrega da carga e inexecução do contra-
to de transporte;
• inadimplemento do frete e sobrestadias (contêiner);
• entrega do conhecimento e endossos fraudulentos;
• cláusulas clean on board;
• cautelares do exportador para busca e apreensão dos conhecimentos
limpos;
• embargo da carga por dívidas de frete.

Contratos de afretamento:

• navegabilidade (seaworthiness);
• atrasos no delivery ou redelivey;
• bad performance (velocidade e/ou consumo);
• inadimplementos contratuais (ex: não pagamento das taxas de afreta-
mento x off-hire);
• disputas contratuais (ex: cobrança de alegado excesso de combustível
nas embarcações pelo Afretador);

FGV DIREITO RIO  224


Direito Marítimo

• desequilíbrios contratuais (hardship & force majeure) e rescisão anteci-


pada.

Contratos de compra e venda de embarcações:

• navegabilidade (seaworthiness);
• atrasos no delivery;
• cancelamentos;
• inadimplementos contratuais (pagamento do preço);
• credores antigos exercendo ação superveniente na venda voluntária
(os créditos são transferidos ao novo proprietário).

Contratos de construção e reparos:

• atrasos na entrega da obra e defeitos durante a construção;


• vício oculto;
• garantia técnica;
• desequilíbrios econômicos.

Contratos de seguro: negativa de cobertura por falta do segurado (ma-


nutenção dos certificados, manutenção da embarcação em estado de nave-
gabilidade usualmente aceito e due diligence da administração do armador/
segurado).
Contratos de financiamento: inadimplemento das prestações e execução
do crédito hipotecário; arresto de navio.
Contratos de salvamento (LOF): a questão controvertida inerente ao ar-
bitramento do prêmio de salvamento.
Contratos de fornecimento de combustível: baixa qualidade ou forneci-
mento fora da especificação ou inadimplemento.
Há, ainda, o contencioso marítimo decorrente de relações extracontra-
tuais (Tort Actions), os quais decorrem de acidentes e fatos da navegação, os
quais podem ser deflagrados em virtude das situações abaixo arroladas:
• Colisão;
• Encalhe;
• Varação;
• Incêndio;
• Naufrágio;
• Poluição no mar.

FGV DIREITO RIO  225


Direito Marítimo

1.3 Peculiaridades do contencioso marítimo

As disputas marítimas podem atrair diversas jurisdições e legislações apli-


cáveis — exemplo típico: colisão com perdas de vidas humanas e poluição de
um navio afretado a casco nu — (i) disputa privada entre fretador e afretador
e seus seguradores no foro do contrato — culpabilidade e indenizações e
(ii) interesses difusos, lei de ordem pública do País onde ocorreu o acidente
(familiares das vítimas, MP, autoridades ambientais, município, pescadores).
Casos marítimos demandam grande especialidade, atendimento imediato
dos advogados e técnicos (engenheiro naval ou comandante), produção de
provas in loco (vistorias conjuntas — judiciais); relevância da matéria de fato
nas disputas envolvendo acidentes e outras matérias marítimas.
As medidas cautelares para obtenção de garantias — como arrestos — são
procedimentos usuais no contencioso marítimo. As medidas assecuratórias
são procedimentos essenciais para o êxito de uma reclamação marítima, isto
porque muitas vezes os devedores não possuem bens no território em que os
procedimentos judiciais são ajuizados.
Cláusula de solução de conflitos — mediação e arbitragem pela LMAA
(London Maritime Arbitrators’ Association — Londres) ou SMA203 (Society
of Maritime Arbitrators — Nova Iorque) — padrão dos contratos BIMCO
(cláusula cheia):

(a) este contrato será regido e interpretado pelas leis da Inglaterra, e


qualquer disputa dele decorrente ou a ele relacionado será submetida a
arbitragem em Londres, em conformidade com a lei de arbitragem (Ar-
bitration Act) de 1996, ou qualquer alteração estatutária ou reedição
da mesma, exceto até onde for necessário conferir efeito às disposições
desta cláusula.

A arbitragem será conduzida em conformidade com as regras da


associação dos árbitros marítimos de Londres (London Maritime Arbi-
trators’ Association) — LMAA em vigor quando do início do processo
de arbitragem.

Serão nomeados três árbitros. Uma parte que deseje submeter uma
disputa a arbitragem nomeará seu árbitro e notificará a outra parte de
tal nomeação por escrito, solicitando a outra parte que nomeie seu pró-
prio árbitro dentro de 14 dias corridos a partir de tal notificação, e in-
formando que nomeará seu árbitro como árbitro único salvo se a outra
parte nomear seu próprio árbitro notificar tê-lo nomeado dentro dos
14 dias acima especificados. Se a outra parte não nomear seu próprio 203
Para mais informações acesse:
árbitro e assim notificar dentro dos 14 dias especificados, a parte que <http://www.smany.org/>. Acesso
em: 20 de junho de 2014.

FGV DIREITO RIO  226


Direito Marítimo

estiver submetendo uma disputa a arbitragem poderá, sem necessidade


de qualquer notificação adicional à outra parte, nomear seu árbitro
como árbitro único e assim avisará a outra parte. A decisão de um ár-
bitro único obrigará ambas as partes como se tivesse sido nomeado de
comum acordo.

Nada contido nesta cláusula impedirá as partes de acordar por escri-


to em variar estas disposições, para determinarem a nomeação de um
único árbitro.

Nos casos em que nem a reclamação nem a reconvenção excederem


o valor de US$50,000 (ou qualquer outro valor que vier a ser acorda-
do pelas partes) a arbitragem será conduzida em conformidade com
os procedimentos para pequenas causas (small claims procedure) da
LMAA em vigor quando do início do processo de arbitragem.

(b) não obstante (a) acima, as partes poderão acordar a qualquer


tempo a submeter a mediação qualquer divergência e/ou disputa resul-
tante deste contrato ou a ele relacionado.

No caso de uma disputa relativamente à qual arbitragem tenha sido


iniciada sob (a), acima, o seguinte se aplicará:

(i) qualquer uma das partes poderá a qualquer tempo e de tempos


em tempos optar por submeter a disputa ou parte da disputa a media-
ção através de notificação por escrito à outra parte (a “notificação de
mediação”), intimando a outra parte a concordar com mediação.

(ii) a outra parte então confirmará, dentro de 14 dias corridos a


partir do recebimento da notificação de mediação, que concorda com
a mediação, caso em que as partes então concordarão quanto a um
mediador dentro de 14 dias corridos adicionais. Caso não haja tal con-
cordância, mediante solicitação de qualquer uma das partes o tribunal
arbitral (“o tribunal”) ou qualquer pessoa que o tribunal indicar para
tal fim, prontamente nomeará um mediador. A mediação será condu-
zida em local e de acordo com o procedimento e sob termos acordados
pelas partes ou, no caso de desacordo entre as partes, as que vierem a
ser estabelecidas pelo mediador.

(iii) caso a outra parte não concordar com a mediação, este fato
poderá ser trazido à atenção do tribunal e poderá ser levado em con-

FGV DIREITO RIO  227


Direito Marítimo

sideração pelo tribunal quando da alocação de custos da arbitragem


entre as partes.

(iv) a mediação não afetará o direito de qualquer das partes de bus-


car o auxílio ou tomar as medidas que julgar necessários para proteger
seus interesses.

(v) qualquer uma das partes poderá avisar o tribunal que concor-
daram com a mediação. O procedimento de arbitragem prosseguirá
durante a condução da mediação, mas o tribunal poderá levar em conta
o cronograma da mediação ao estabelecer o cronograma dos passos da
arbitragem.

(vi) salvo acordo ou especificação em contrário nas condições da


mediação, cada uma das partes arcará com seus próprios custos incor-
ridos na mediação e as partes compartilharão igualmente os custos e as
despesas do mediador.

(vii) o processo de mediação será realizado sem prejuízo do procedi-


mento arbitral e correrão de forma confidencial, e nenhuma informa-
ção e nenhum documento serão divulgados ao tribunal durante o pro-
cesso, salvo até onde sejam divulgáveis por lei e pelos procedimentos
que governam a arbitragem.

Cláusula similar e alternativa submetendo as disputas à arbitragem


em Nova Iorque, com base nas regras da SMA.
Exceção a essas jurisdições de adesão: conhecimentos marítimos (ge-
ralmente foro judicial e lei do domicílio do armador/carrier — adesão
— controvérsia nos tribunais nacionais e estrangeiros).

1.4 Disputas marítimas no Brasil

No Brasil, tradicionalmente as disputas marítimas sempre foram objeto


de solução judicial originando vasta jurisprudência desde o extinto Tribunal
Federal de Recursos — memorável acórdão do STF do início do século pas-
sado “San Lorenzo” — 1908 — sobre a inconstitucionalidade do artigo 482
do Código Comercial com relação à proibição de arresto de navio estrangeiro
por dívidas não contraídas no território nacional.
Com relação à competência judiciária brasileira, a lei permite que as par-
tes elejam o foro competente para dirimir questões decorrentes do contrato

FGV DIREITO RIO  228


Direito Marítimo

internacional. O Novo Código de Processo Civil dispõe sobre essa matéria


nos artigos 21, 22 e 23.
Os artigos 21 e 22 do CPC regula, a competência concorrente da justiça
brasileira. A jurisdição brasileira poderá apreciar questões decorrentes dos
contratos quando: I — o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver
domiciliado no Brasil; II — no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação; III
— a ação se originar de fato ocorrido ou de fato praticado no Brasil; IV —
ação de alimentos; V — decorrentes de relação de consumo; VI — em que as
partes se submeterem à jurisdição nacional.
Já o artigo 23 do CPC estabelece a competência exclusiva da jurisdição
brasileira, ou seja, casos em que não se admite outra jurisdição para conhecer
e julgar ações relativas a imóveis situados no Brasil; nem para proceder ao in-
ventário e a partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança
seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional.
Segundo a regra do artigo 24 do CPC: “A ação intentada perante tribunal
estrangeiro não induz litispendência, nem obsta a que a autoridade judiciária
brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas.”
A jurisprudência brasileira contempla disputas decorrentes dos contratos
de transporte (avarias, fretes, sobre estadias, ações regressivas) e alguns acór-
dãos isolados sobre os contratos internacionais, afretamentos, colisão, arresto
e acidentes.
Vale registrar, ademais, a obrigatoriedade de ratificação judicial dos pro-
testos formados a bordo no prazo de 24 horas da chegada do navio no pri-
meiro porto brasileiro (Dec. Lei n° 1.608/39 e arts. 766 a 770, do Código de
Processo Civil).

Dec. Lei n° 1.608/39


Art. 725. O protesto ou processo testemunhável formado a bordo
declarará os motivos da determinação do capitão, conterá relatório cir-
cunstanciado do sinistro e referirá, em resumo, a derrota até o ponto do
mesmo sinistro, declarando a altura em que ocorreu.

Art. 726. O protesto ou processo testemunhável será escrito pelo


piloto, datado e assinado pelo capitão, pelos maiores da tripulação —
imediato, chefe de máquina, médico, pilotos, mestres, e por igual nú-
mero de passageiros, com a indicação dos respectivos domicílios.

Parágrafo único. Lavrar-se-á no diário de navegação ata, que prece-


derá o protesto e conterá a determinação motivada do capitão.

Art. 727. Dentro das vinte e quatro (24) horas úteis da entrada do
navio no porto, o capitão se apresentará ao juiz, fazendo-lhe entrega do

FGV DIREITO RIO  229


Direito Marítimo

protesto ou processo testemunhável, formado a bordo, e do diário de


navegação.
O juiz não admitirá a ratificação, se a ata não constar do diário.

Art. 728. Feita a notificação dos interessados, o juiz, nomeando


curador aos ausentes, procederá na forma do art. 685.

Art. 729. Finda a inquirição e conclusos os autos, o juiz, por senten-


ça, ratificará o protesto, mandando dar instrumento à parte.

Código de Processo Civil:

Seção XII — Da Ratificação dos Protestos Marítimos e dos Proces-


sos Testemunháveis Formados a Bordo

Art. 766. Todos os protestos e os processos testemunháveis forma-


dos a bordo e lançados no livro Diário da Navegação deverão ser apre-
sentados pelo comandante ao juiz de direito do primeiro porto, nas
primeiras 24 (vinte e quatro) horas de chegada da embarcação, para sua
ratificação judicial.

Art. 767. A petição inicial conterá a transcrição dos termos lançados


no livro Diário da Navegação e deverá ser instruída com cópias das pá-
ginas que contenham os termos que serão ratificados, dos documentos
de identificação do comandante e das testemunhas arroladas, do rol
de tripulantes, do documento de registro da embarcação e, quando
for o caso, do manifesto das cargas sinistradas e a qualificação de seus
consignatários, traduzidos, quando for o caso, de forma livre para o
português.

Art. 768. A petição inicial deverá ser distribuída com urgência e


encaminhada ao juiz, que ouvirá, sob compromisso a ser prestado no
mesmo dia, o comandante e as testemunhas em número mínimo de 2
(duas) e máximo de 4 (quatro), que deverão comparecer ao ato inde-
pendentemente de intimação.

§ 1o Tratando-se de estrangeiros que não dominem a língua portu-


guesa, o autor deverá fazer-se acompanhar por tradutor, que prestará
compromisso em audiência.

§ 2o Caso o autor não se faça acompanhar por tradutor, o juiz deve-


rá nomear outro que preste compromisso em audiência.

FGV DIREITO RIO  230


Direito Marítimo

Art. 769. Aberta a audiência, o juiz mandará apregoar os consigna-


tários das cargas indicados na petição inicial e outros eventuais interes-
sados, nomeando para os ausentes curador para o ato.

Art. 770. Inquiridos o comandante e as testemunhas, o juiz, con-


vencido da veracidade dos termos lançados no Diário da Navegação,
em audiência, ratificará por sentença o protesto ou o processo testemu-
nhável lavrado a bordo, dispensado o relatório.

Parágrafo único. Independentemente do trânsito em julgado, o juiz


determinará a entrega dos autos ao autor ou ao seu advogado, mediante
a apresentação de traslado.

Assinale-se a inexistência de cortes especializadas em direito marítimo (ex-


ceção das Varas Empresarias do Rio de Janeiro, que padece de 2ª. instância
especializada) no Brasil, diferentemente da Inglaterra, Estados Unidos e ou-
tras nações com vocação marítima.
Embora ainda não sedimentada em nosso ordenamento, pode ser conside-
rada uma tendência no Brasil a adoção da alternativa arbitral para as disputas
marítimas privadas (por motivo de celeridade e especialidade da matéria).
Uma ressalva importante a ser observada para os armadores estrangeiros
(navegação mercante) é que a solução dos conflitos por meio da jurisdição
brasileira pode não ser a melhor opção, já que o Brasil não ratificou as regras
da Convenção de Bruxelas 1924 — Visby 1968 — limitação de responsabili-
dade do armador — per package (Brasil — jurisdição favorável aos interesses
da carga) — questão controversa — aplicação da lei consumerista.

1.5 Arbitragem no Brasil — linhas gerais

1.5.1 Fontes de procedimentos arbitrais

Lei Brasileira:
Lei de Arbitragem (LA n° 9.307/1996) — regras sobre procedimentos,
execução e reconhecimento de decisões brasileiras e estrangeiras. Regras e
procedimentos similares aos da convenção de Nova Iorque e da UNCITRAL.
Anteriormente à LA, arbitragens eram reguladas por poucas disposições inse-
ridas no Código de Processo Civil, de modo que poucos conflitos brasileiros
eram resolvidos através de arbitragem e a cultura de litígio judicial era muito
forte.

FGV DIREITO RIO  231


Direito Marítimo

A LA permaneceu sob discussão no Supremo Tribunal Federal durante 5


anos. Em 2001, o Supremo finalmente declarou a constitucionalidade da lei
de arbitragem que hoje está em pleno vigor. O uso da arbitragem é hoje bas-
tante comum no Brasil, ocupando o quarto lugar no ranking dos países usu-
ários da arbitragem internacional, ficando atrás apenas dos Estados Unidos,
França e Alemanha, respectivamente. As partes estão optando por arbitragem
principalmente devido à grande demora nos processos judiciais — muitos
recursos — que podem levar de 8 a 10 anos até a sua decisão final e também
por conta do aumento considerável do valor da causa por conta da aplicação
da taxa de juros e correção monetária.
A Emenda Constitucional nº. 45, de 30 de dezembro de 2004, transferiu
a competência para reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras do
Supremo Tribunal Federal para o Superior Tribunal de Justiça.
Ademais, em 2015 foram promulgadas a nova Lei de Arbitragem e a Lei
Brasileira de Mediação. A reforma da Lei de Arbitragem prevê que a arbitra-
gem possa ser aplicada para contratos firmados por empresas com a Adminis-
tração Pública, o que deve gerar confiança em investidores estrangeiros, bem
como a arbitragem será permitido também para dirimir conflitos societários,
com cláusula a ser instituída por assembleia de acionistas, ficando assegurado
o direito de retirada dos sócios minoritários.
A Lei de Mediação por sua vez, regulamentou o procedimento feito ex-
trajudicialmente com a finalidade de desafogar o judiciário, eis que qualquer
tipo de conflito poderá ser submetido à mediação.

Convenção de Nova Iorque (ratificada pelo Congresso Nacional em 2002).


O Brasil também é Estado contratante das:
• Convenção Interamericana de Arbitragem Internacional (Panamá)
desde 1995;
• Convenção Interamericana Sobre Validade e Eficácia Extra-Territorial
de Sentenças Estrangeiras (Montevideo) desde 1997;
• Acordo sobre Arbitragem Comercial Internacional do Mercosul (des-
de 2003).
Convém ressaltar que o Brasil não assinou quaisquer acordos bilaterais
relativos à arbitragem, mas assinou vários acordos bilaterais de cooperação ju-
diciária, incluindo algumas regras envolvendo arbitragem: Espanha, França,
Argentina, Itália e Uruguai.

1.6 Disputas marítimas no exterior

Inglaterra — Londres:
— Importante centro do comércio marítimo mundial;

FGV DIREITO RIO  232


Direito Marítimo

— Atividade marítima altamente segurada — mercado securitário do


Lloyds — P&I Clubs, seguros e resseguros de casco e máquinas,
trade disruption;
— O grupo internacional de P&I — relevância e influência na escolha
da jurisdição inglesa. Cobertura defence;
— Universidades tradicionais em direito marítimo (ex: Southampton,
UCL, Swansea, Cardiff, dentre outras);
— LMAA — respeitada câmara arbitral — small claims procedures (até
US$ 50.000,00);
— Decisões das cortes inglesas (authorities) sobre matéria marítima re-
troagem ao século XIX — grande acervo jurisprudencial. Case law
system;
— Exemplo: 120 decisões sobre colisão — recente pesquisa;
— Côrtes especializadas em 1ª e 2ª instância — notória especialização
— London High Court — custos semelhantes à arbitragem e maior
celeridade;
— Mediação (ADR) — adotada para situações de contratos de longo
prazo e durante a própria vigência dos mesmos e durante o processo
arbitral (vide: cláusula LMAA) — breves notas sobre a mediação;
— Merchant Shipping Act 1855 (início de operação do primeiro P&I)
e o Arbitration Act 1996;
— 70% das arbitragens marítimas são realizadas em Londres (confe-
rência da IBA — março de 2007 — Hamburgo);
— Pontos negativos da arbitragem em Londres: altos custos — decisão
é apelável — irregularidade processual, violação à lei matéria de
interesse público (art.67/69 a.a.);
— Outras jurisdições arbitrais reconhecidas: Nova Iorque (SMA —
publicidade das decisões), Hamburgo, Paris (Chambre Arbitra-
le Maritime de Paris — Camp) e, mais recentemente, Cingapura.
Curiosidade: Chile (arbitragem compulsória) — breves conside-
rações sobre outras jurisdições. Conferência de Hamburgo-IBA.
Competição. Forum shopping.

2 ARRESTO DE NAVIOS

2.1 Fontes de direito nacional

As fontes de direito processual relativas ao arresto de navios e alienações


marítimas atualmente em vigor no Brasil são basicamente o Código Comer-
cial Brasileiro (CCB), a Convenção de Bruxelas para a Unificação de Certas

FGV DIREITO RIO  233


Direito Marítimo

Regras Relativas à Alienações e Hipotecas Marítimas de 1926 e o Código de


Processo Civil (CPC).

2.1.1 O Código Comercial Brasileiro, 1850 (CCB)

O CCB foi promulgado em 1850, baseado no Código Comercial Por-


tuguês. Esta é a única lei nacional brasileira que lida especificamente com o
arresto de embarcações. Foi alterado pelo novo Código Civil Brasileiro (de
10 de janeiro de 2002). No entanto, as disposições que tratam de direito
marítimo não foram atualizadas.
O mencionado CCB rege questões marítimas relevantes, tais como os
efeitos da venda voluntária e judicial de embarcações, créditos privilegiados
e a ordem de credores marítimos, o seguro marítimo, responsabilidade por
colisão e avaria grossa, direitos sobre a carga como garantia de frete, entre ou-
tras. Algumas dessas disposições já foram revogadas por legislação específica
superveniente, enquanto outras permanecem em vigor e/ou devem ser cuida-
dosamente interpretadas para harmonizarem com o atual passo dinâmico do
comércio marítimo internacional. O CCB aborda especificamente o arresto
de navios nos seus Artigos 479 a 483 e 607 a 609, que serão examinados
abaixo.
Vale a ressalva de que tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei
nº. 1.572/2011 e no Senado Projeto de Lei nº. 487/2013 com o objetivo de
instituir o novo Código Comercial Brasileiro, trazendo um capítulo desti-
nado ao Direito Comercial Marítimo. Dentre as regras ali previstas, tem-se
algumas destinadas ao arresto de embarcações com os seguintes destaques:
• Possibilidade de arrestar embarcação estrangeira independentemente
do local de cumprimento da obrigação, ainda que esta não se origine
de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil;
• Comprovada a existência do crédito privilegiado, o juiz decretará li-
minarmente o arresto da embarcação, independentemente de contra
caução e sem ouvir a parte contrária;
• Possibilidade de arresto de embarcações irmãs (sister ships);
• Provisão específica sobre o arresto de combustível para garantia de
dívidas dos afretadores; e,
• Provisão específica sobre as consequências do arresto desfavorável.
Possibilidade de a indenização ser liquidada nos mesmos autos em
que a medida tiver sido concedida.

2.1.2 A Convenção de Bruxelas para a Unificação de Certas Regras Relativas a Alie-


nações e Hipotecas Marítimas (1926)

FGV DIREITO RIO  234


Direito Marítimo

Embora o Brasil não tenha ratificado nenhuma convenção que trate es-
pecificamente sobre o tema de arresto de embarcações, não se pode deixar
de mencionar a Convenção de Bruxelas de 1926, “Convenção Internacional
para Unificação de Certas Regras Relativas aos Privilégios e Hipotecas Marí-
timas”, promulgada por meio do Decreto nº 351, de 1 de outubro de 1935.
Inobstante a referida Convenção não trazer em seus artigos nenhuma
menção ao arresto de embarcações, sua importância para o instituto é notável
quando se verifica a atualização significativa do rol dos créditos privilegiados,
os quais, conforme já visto, poderiam ser considerados pressuposto para o
arresto de embarcação, fato esse já superado pela jurisprudência pátria.
Assim, a Convenção de Bruxelas de 1926 serviu para estender as hipóteses
de cabimento do arresto de embarcações, até então limitados aos créditos
privilegiados elencados nos artigos 470, 471 e 474 do Código Comercial de
1850.
Para fins exemplificativos, destaca-se o artigo 2º da referida Convenção,
merecendo em especial destaque a inovação para configuração como crédito
privilegiado, no que tange as remunerações devidas pelo socorro e assistência
e a contribuição do navio ás avarias comuns, bem como a indenização devida
resultante de colisões ou qualquer outro acidente marítimo.

Artigo 2º — São Privilegiados sobre o navio, sobre o frete da viagem du-


rante a qual se origine o credito privilegiado e sobre os accessorios do navio
e frete adquirido desde o inicio da viagem:
1 — As custas judiciaes devidas ao Estado e despesas feitas no interes-
se commum dos credores, para a conservação do navio ou para conseguir
sua venda e bem assim a distribuição do respectivo preço; os direitos de
tonelagem,de pharol ou de porto e outras taxas e impostos publicos da mes-
ma especie; os gastos de pilotagem; as despesas de guarda e conservação desde
a entrada do navio no ultimo porto;
2 — Os creditos resultantes do contracto de engajamento do capitão, da
tripulação e de outras pessoas engajadas a bordo;
3 — As remunerações devidas pelo socorro e assistencia e a contribuição
do navio ás avarias communs;
4 — As indemnizacões pela abordagem ou outros accidentes de nave-
gação, assim como pelos dannos causados as obras de arte dos portos, docas
e vias navegaveis; as indemnizações por lesões corporaes aos passageiros e
aos tripulantes; as indemnizações por perdas ou avarias carregamento e
bagagens;
5 — Os creditos provenientes de contractos lavrados ou de operações
realizadas pelo capitão fóra do porto de registro, em virtude de seus poderes
legaes, para as necessidades reaes da conservação do navio ou do prosegui-
mento da viagem, sem levar em conta si o capitão é ou não, ao mesmo

FGV DIREITO RIO  235


Direito Marítimo

tempo, proprietario do navio e si o credito é seu ou dos fornecedores, dos


reparadores, àos prestamistas ou de outros contractantes.

Em que pese alguns créditos privilegiados elencados acima já constarem


no Código Comercial de 1850, a repetição dos mesmos é relevante para ju-
risdição interna tendo em vista que, ao estarem presentes na referida Conven-
ção, a eles foi atribuída uma categoria de preferência daqueles listados tão so-
mente no CCom. Aliás, a Convenção de 1926 ressalva expressamente que as
leis nacionais dos Estados signatários poderão estabelecer outros créditos de
natureza privilegiada, não estando assim, revogados os créditos privilegiados
tratados em legislação interna e não mencionados pela Convenção. Assim, a
lista final do ranking do crédito privilegiado deve ser interpretada de forma
harmônica, considerando-se o rol previsto por ambos diplomas.
É importante notar também que no Brasil os créditos privilegiados cons-
tituem hipotecas tácitas sobre o navio, abrangendo, a Convenção de Bruxelas
de 1926, apenas os créditos motivadores do arresto “in rem”. A critério de es-
clarecimento, cumpre relembrar que esse tipo de arresto se oriunda de dívida
contraída pela própria embarcação, devida esta que adere ao bem e o acom-
panha, sendo transferida, inclusive, para o novo proprietário da embarcação,
a não ser em caso de alienação judicial.
Outro ponto que merece destaque é o fato da Convenção de Bruxelas de
1926, diante de sua promulgação ser posterior ao Código Comercial de 1850,
servir como fundamento para superar as exigências e restrições do CCom, até
porque a Convenção traz especificamente no seu artigo 11 a previsão de que
os créditos privilegiados não estão sujeitos a nenhuma formalidade.
Em julgado no qual se debatia a validade de exigência do artigo 479 do
Código Comercial, mais especificamente a proibição legal de arresto quando
o navio está carregado com mais de 25% (vinte e cinco por cento) de sua car-
ga, o i. Ministro Antonio Carlos Ferreira, citou doutrina especializada, para
reconhecer que, diante da ausência da referida obrigatoriedade na Conven-
ção de Bruxelas de 1926, o arresto no aludido caso não necessitaria cumprir
tal pressuposto, superando esta questão antiquada do CCom.
Verifica-se, portanto, que tanto a doutrina quanto a jurisprudência ten-
dem a se valer das Convenções Internacionais para superar as desatualizações
normativas internas.

2.1.3 O Código de Processo Civil de 2015 (CPC)

O novo Código de Processo Civil simplificou a questão das cautelares e


tutelas antecipadas.

FGV DIREITO RIO  236


Direito Marítimo

Nesse sentido foi criado o instituto da Tutela Provisória, intitulada no Li-


vro V do referido código. Conforme se verifica pelo artigo 294 do CPC/15,
a tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência. Podendo
esta primeira ser concedida em caráter antecedente, ou seja, antes da citação
do réu, ou incidental, ao longo do processo.
A principal diferença entre essas duas categorias ocorre pelos requisitos
específicos para suas concessões. Enquanto a tutela de urgência, descrita nos
artigos 300 a 310 do Código de Processo Civil de 2015, será concedida quan-
do houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de
dano ou o risco ao resultado útil do processo, na tutela de evidência, expressa
no artigo 311 do CPC/15, não será necessária tal demonstração.
Assim, o fundamento para sua aplicação é justamente evitar o prolonga-
mento desnecessário do processo, sendo possível quando: (i) ficar caracteri-
zado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da
parte, (ii) as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documen-
talmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em
súmula vinculante, (iii) se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova
documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada
a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa, ou, por
fim, (iv) a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos
fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz
de gerar dúvida razoável.
Tendo em vista que o instituto do arresto encontra respaldo na tutela de
urgência, iremos nos atentar mais para tal modalidade, a qual pode ser divi-
dida em antecipada, pelos artigos 303 e 304 do CPC/15, ou cautelar, pelos
artigos 305 a 310 do mesmo código.
A fim de realizar tal distinção, o que se deve ter em mente é justamente
a natureza satisfativa que a concessão de eventual tutela irá gerar perante o
pedido principal.
Na tutela de urgência antecipada, a sua própria concessão satisfaz o pedido
da demanda principal, sendo, contudo, uma vez deferida, ainda necessária
a complementação da argumentação no prazo de quinze dias sob pena de
extinção do processo sem resolução do mérito.
Já na tutela de urgência cautelar, que abrange o arresto, a sua concessão
não satisfaz a pretensão principal. Nesse sentido, inobstante o artigo 301
mencionar expressamente o arresto como tutela de urgência de natureza cau-
telar, tal classificação se faz possível por própria dedução lógica.
Conforme visto anteriormente, o arresto de embarcações visa assegurar o
pagamento de eventual dívida e, assim, não se pretende deter ou possuir a
própria embarcação arrestada, como aconteceria no instituto do sequestro.
O arresto de embarcações se insere na tutela de urgência cautelar sendo o

FGV DIREITO RIO  237


Direito Marítimo

pedido principal o pagamento do crédito, não estando, portanto, satisfeita a


pretensão pelo próprio arresto.
A tutela cautelar, conforme visto acima, poderá ser realizada em caráter
antecedente ou incidental. A respeito desta primeira, os artigos 305 a 310 do
novo Código de Processo Civil, detalham o novo procedimento a ser adotado
para sua aplicação.
Considerando que o arresto de embarcações é, na maior parte das vezes,
requerido em caráter antecedente, torna-se oportuno verificar os aspectos
processuais para sua concessão e sua manutenção.
Nesse sentido, observa-se que o artigo 305 já expressa a necessidade da
exposição sumária do direito, comumente denominado “fumus boni iuris”,
bem como da necessidade de comprovar o perigo de dano ou risco ao resul-
tado útil do processo, o conhecido “periculum in mora”.
Contudo, tal questão foi mais organizada no novo Código de Processo
Civil, estando, inclusive, expressa no próprio artigo que trata da tutela de
urgência, a possibilidade do Magistrado exigir caução real ou fidejussória
idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer.
Além disso, o Código de Processo Civil de 2015, apresentou nova ques-
tão que não constava no CPC/73 quando mencionadas as possibilidades de
extinção da cautelar em seu artigo 808. O que no setor internacional é co-
nhecido como “wrongful arrest”, ou seja, arresto equivocado, evidentemente
gera um dano reverso à parte arrestada, motivo pelo qual o CPC/15 tratou de
normatizar a devida indenização dentro dos próprios autos, incluindo junto
dos requisitos para concessão da tutela de urgência. Dessa maneira, o artigo
302 estabelece que:

“Art. 302. Independentemente da reparação por dano processual, a par-


te responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à
parte adversa, se:
I — a sentença lhe for desfavorável;
II — obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer
os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias;
III — ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese
legal;
IV — o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão
do autor.
Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que a me-
dida tiver sido concedida, sempre que possível.”

Tem-se em vista que, diante da possibilidade processual de se conseguir


arrestar uma embarcação é necessária uma proteção mais expressa ao réu que
venha a sofrer, porventura, um arresto indevido.

FGV DIREITO RIO  238


Direito Marítimo

Uma das principais inovações trazidas pelo CPC/15 a respeito da substi-


tuição da medida cautelar foi a desnecessidade de propositura de ação princi-
pal autônoma. Pelo artigo 308 do referido código, uma vez efetivada a tutela
cautelar, o pedido principal será formulado no prazo de 30 dias, e será apre-
sentado nos próprios autos em que foi deduzido o pedido de tutela cautelar,
não sendo necessário o adiantamento de novas custas processuais.
Tal instrução processual é relevante, considerando que o processo passa a
ser mais organizado, o que gera uma agilidade em seu deslinde, bem como
economia significativa para o autor a respeito da desnecessidade de recolher
novamente custas processuais.
Convém ressaltar que antes ou após a decisão do arresto, é possível ao
Magistrado designar uma audiência especial ou conciliatória entre as partes,
sobretudo considerando que deve ser de interesse de ambas as partes que se
faça cessar os riscos que existem ao se arrestar uma embarcação.
Como afirmado anteriormente, para o autor da ação não é interessante
que a embarcação fique indefinidamente atracada ao porto, seja porque (i)
sua deterioração reduz o valor garantido, (ii) o custo fixo oriundo do trabalho
para conservação do navio poderia estar sendo destinado para quitação da
dívida, (iii) a embarcação pode estar propensa a riscos e outras despesas inclu-
sive de cunho privilegiado, que pode até afetar o crédito da parte arrestante,
ou, ainda, (iv) os prejuízos causados ao réu, caso a sentença seja improceden-
te, poderia gerar dívida significativa para o autor em sede de dano reverso.
Sobre esse ponto, atenta-se que o arresto de embarcações se torna com-
plexo quando se trata da conservação trabalhosa do navio arrestado, sendo,
muitas vezes, necessário nomear depositário responsável pela manutenção do
navio, o qual, obviamente, deverá receber por isso, aumentando o valor da
dívida contraída.
Considerando a hipótese de eventual deterioração da embarcação diante
do arresto, que, por si só, iria gradativamente desvalorizar o bem arrestado,
reduzindo o valor econômico da garantia de pagamento do crédito, o Código
de Processo Civil de 2015 em seu artigo 852, tratou de questão que já era
adotada pelo antigo código, qual seja, a possibilidade de alienar antecipada-
mente o bem móvel sujeito a depreciação ou à deterioração.
Assim, pode-se concluir que as inovações trazidas pelo Novo Código de
Processo Civil são pontuais, mas de relevante impacto para o instituto de ar-
resto, como a extinção da seção sobre Arresto, no capítulo de Procedimentos
Cautelares Específicos (art. 813 a 821, CPC/73), bem como a previsão do
arresto como uma das tutelas provisórias de urgência, a ser requerida em ca-
ráter cautelar ou, ainda, a extinção na propositura da Ação Principal apartada
da cautelar.

FGV DIREITO RIO  239


Direito Marítimo

2.2 Convenções internacionais aplicáveis

As convenções internacionais somente são aplicáveis no Brasil quando


promulgadas pelo Congresso e sancionadas pelo Presidente da República.
Sob nosso sistema jurídico, Convenções Internacionais não têm precedência
sobre a legislação doméstica, mas são tão executáveis quanto qualquer outra
lei federal brasileira. Assim, ao entrar em vigor, uma Convenção revoga leis
anteriores que conflitem com suas disposições e pode igualmente ser revoga-
da por uma lei nacional conflitante subsequente. Esta foi a posição adotada
pelo Supremo Tribunal Federal em um julgamento de 1977.
Assim, no caso de conflito entre quaisquer disposições da Convenção de
Bruxelas de 1926 e do CCB, a Convenção deverá prevalecer, não devido a
um status mais elevado, mas simplesmente porque a Convenção foi aprovada
e sancionada em data posterior à do CCB.
A única Convenção Internacional que possui relação com o arresto de
navios ratificada pelo Brasil é a Convenção de Bruxelas para a Unificação de
Certas Regras Relativas a Alienações e Hipotecas Marítimas de 1926, que
rege a execução de hipotecas marítimas, foi ratificada e promulgada pelo Go-
verno Brasileiro no Decreto n° 351 de 1º de outubro de 1935.
O Governo Brasileiro não possui tradição de ratificar Convenções de Ar-
resto. O Brasil não ratificou as Convenções de Arresto de 1952 nem a de
1999, apesar de ter assinado esta última. Na verdade, parece ser muito pouco
provável que o Brasil ratificará tais Convenções já que em 2001, o Consultor
Jurídico do Ministério das Relações Exteriores recomendou contra a ratifica-
ção, argumentando que o arresto disposto nas Convenções violava a ordem
pública interna e as exigências processuais gerais para arrestos contidas no
CPC e no Código Comercial Brasileiro. A recomendação do Consultor Ju-
rídico invocou conceitos totalmente superados incluindo o disposto no art.
482 do Código Comercial há muito declarado inconstitucional pelo Supre-
mo Tribunal Federal.
A falha do Brasil em ratificar a Convenção de Arresto de 1999 é um re-
trocesso, já que nossa legislação processual sobre o arresto de navios está ul-
trapassada e esta seria uma boa oportunidade para atualizá-la. Além disso, se
o Brasil adotasse a Regra nº 2 da Convenção de Arresto de 1999, seria um
importante avanço para o Direito Marítimo Brasileiro já que, como veremos
mais adiante, atualmente é extremamente difícil arrestar uma embarcação no
Brasil como garantia de reclamação ou arbitragem a ser submetida à jurisdi-
ção de outro país.

FGV DIREITO RIO  240


Direito Marítimo

2.3 Competência dos Tribunais ou de outras autoridades

Os processos de arresto no Brasil quer in rem quer in personam, estão sujei-


tos à jurisdição dos juízes cíveis em geral nos respectivos Tribunais Estaduais.
À exceção do Tribunal Estadual do Rio de Janeiro que desde 2001 mantém
Varas especializadas em Direito Marítimo, os demais estados não possuem
esta jurisdição separada, e os processos marítimos ficam a cargo de juízes
cíveis com conhecimentos gerais de Direito Comercial e Civil. Os Tribunais
Federais têm competência para decidir assuntos marítimos apenas no caso de
envolvimento de embarcação da Marinha Brasileira.
Deve ser observado que o Tribunal marítimo, localizado no Rio de Ja-
neiro, é uma entidade administrativa do Ministério da Defesa e rege apenas
casos envolvendo acidentes e questões marítimas, emitindo penalidades aos
oficiais e/ou tripulantes responsáveis. O Tribunal Marítimo não é parte in-
tegrante do nosso Sistema Judiciário, não é competente para arrestar navios
nem para reclamações cautelares.
A decisão quanto ao arresto de um navio no Brasil deve ser cuidadosamen-
te estudada com antecedência, já que o Brasil é um país muito extenso, com
27 estados e jurisdições locais diferentes. A ação de arresto geralmente deve
ocorrer na jurisdição da cidade onde o porto é localizado. Não obstante, em
situações urgentes é possível obter medida cautelar em uma das jurisdições
portuárias locais e executá-la no próximo porto de escala.
Para que uma ação seja processada pela jurisdição brasileira, uma das cir-
cunstâncias a seguir deve obrigatoriamente existir:
a) O Réu, independentemente de sua nacionalidade, deve ser domici-
liado no Brasil;
b) A obrigação deve ser executada no Brasil;
c) O fato que originou a reclamação deve resultar de fato ocorrido ou
de ato realizado no Brasil.

Entretanto, é preciso observar que a legislação brasileira de arbitragem


permite a eleição da lei e arbitragem brasileiras, com ressalvas. Assim, se o
processo estrangeiro for fundamentado em cláusula de comprometimento
entre as partes contratantes, o Judiciário brasileiro aceitará a decisão estran-
geira, desde que não haja violação dos bons costumes nem da ordem pública
(Lei nº 9.307/96, art. 2º).
Como é possível observar, a lei brasileira não atribui jurisdição a seus Tri-
bunais quando algum fato ou ato tenha ocorrido em território estrangeiro,
de modo que será de competência da jurisdição brasileira quando houver
de cláusula de foro e jurisdição ou em virtude de fato ocorrido no Brasil.
Há, portanto, poucas possibilidades de arrestar embarcações estrangeiras no

FGV DIREITO RIO  241


Direito Marítimo

Brasil quando o contrato de transporte ou a disputa comercial não forem de


alguma forma ligados ao Brasil ou a partes estabelecidas no Brasil.
Uma vez iniciada uma ação de arresto, Autores e Réus terão, em tese, dois
caminhos recursais a seguir: o Tribunal de Justiça Estadual e o Superior Tri-
bunal de Justiça ou o Supremo Tribunal Federal. Este último é sujeito a pro-
cedimentos extremamente restritos, já que o recurso terá que seguir diversas
exigências jurídicas para ser admitido, tais como clara violação de lei federal
e discrepâncias com a jurisprudência sobre a matéria conforme decisão do
Tribunal Estadual.
Por fim, deve-se observar que o CPC não dispõe que os Tribunais brasi-
leiros possam ser escolhidos para solucionar conflitos entre estrangeiros sob
condições de forum shopping.

2.4 Imunidade de embarcações estatais

Em uma abordagem genérica e mais ampla, sob os termos do CPC, não


há possibilidade de obter, junto a um Tribunal brasileiro, ordem de arresto
de uma embarcação pertencente ao Estado por dois motivos. O primeiro é
que não será possível equiparar a dívida do Estado sob as exigências do CPC,
quer como medida de pré-execução, quer como medida cautelar. Segundo,
de acordo com o CPC existe procedimento específico para obter o pagamen-
to de uma dívida do Estado (art. 910 do CPC).
Sob este procedimento, o credor deve primeiro ter seu crédito adjudicado;
subsequentemente será colocado em uma fila em que aguardará até que o Es-
tado providencie um orçamento específico para pagamento daquela dívida.
Leva muitos anos para receber este crédito.
Da mesma forma, se a embarcação for um navio de guerra ou embarcação
utilizada no serviço público ela será, via de regra, imune a arresto, conforme
disposto no artigo 15 da Convenção de Bruxelas de 1926.

2.5 Tipos de Reclamações para as quais um arresto pode ser solicitado

2.5.1 Conceito clássico de arresto

É uma tutela cautelar de garantia da futura execução por quantia certa,


através da qual se apreendem (“embargam-se”) judicialmente bens do devedor.
Pressupõe um pedido principal (ação na qual o mérito causal será deci-
dido), podendo ser preparatória ou incidental. Se for preparatória o pedido
principal deverá ser apresentado em 30 dias da efetivação da medida.

FGV DIREITO RIO  242


Direito Marítimo

2.5.2 Introdução

Existem duas classes de arresto no Brasil:


— Arrestos in rem, baseados no CCB e na Convenção de Bruxelas de
1926;
— Arrestos in personam, baseados no CPC.
Arrestos in rem são aplicáveis quando o proprietário do navio não é pesso-
almente responsável na reclamação, mas existe crédito privilegiado pendente
sobre a embarcação.
Arrestos in personam se aplicam quando o proprietário do navio é pesso-
almente responsável pelo débito, e, assim, responde com todos os seus bens.
Nestes casos, qualquer embarcação pertencente àquele proprietário pode ser
arrestada por qualquer tipo de reclamação cível.
Ambos os tipos de arresto podem ser realizados como medida de pré-
-execução (título de crédito legal e executável) ou sob a forma de tutela de
urgência.

2.5.3 ARRESTOS IN REM

Nos casos em que se aplica a Convenção de Bruxelas para a Unificação


de Certas Regras Relativas a Alienações e Hipotecas Marítimas de 1926, as
reclamações listadas nos artigos 1 a 4 darão ao credor o direito de solicitar
um arresto. Se a Convenção não for aplicável, o credor do crédito marítimo
poderá solicitar o arresto nos termos dos artigos 479 a 483 do Código Co-
mercial (CCB), que estabelece a seguinte ordem de preferência:
a) Remuneração devida por serviços prestados à embarcação, incluin-
do aquela resultante de salvamento e praticagem;
b) Despesas portuárias e impostos de navegação;
c) Honorários de depositários e despesas necessárias incorridas com a
custódia da embarcação, incluindo armazenagem da aparelhagem e
equipamento do navio;
d) Todas as despesas relacionadas à manutenção do navio incorridas
para fins de custódia e guarda do mesmo após a última viagem e
durante a permanência do navio no porto de venda;
e) Remuneração do Comandante, oficiais e tripulantes devidos pela
última viagem;
f ) Principal e juros dos empréstimos contraídos pelo Comandante so-
bre o casco e equipamentos ou fretes (artigo 651) durante a última
viagem, o contrato tendo sido celebrado e assinado antes do navio
zarpar do porto onde tais obrigações foram assumidas;

FGV DIREITO RIO  243


Direito Marítimo

g) Principal e juros dos empréstimos tomados sobre o casco e equi-


pamentos ou frete, antes do início da última viagem no porto de
carregamento;
h) Valores emprestados ao Comandante, ou dívidas contraídas pelo
Comandante para reparos e manutenção da embarcação durante a
última viagem, juntamente com os respectivos prêmios de seguro,
quando devido a tais empréstimos o Comandante tenha evitado
assinar empréstimos comerciais;
i) Faltas na entrega da carga, prêmios de seguro sobre a embarcação
ou frete e danos comuns e tudo que for incorrido referente apenas
à última viagem;
j) Dívidas resultantes do contrato de construção naval e respectivos
juros por um período de três anos, a contar da data de conclusão da
construção da embarcação;
k) Despesas relacionadas ao reparo da embarcação e seus equipamen-
tos, por um período de dois anos a contar da data de conclusão de
tais reparos;
l) Valor pendente do preço de aquisição da embarcação e respectivos
juros, por um período de três anos, a contar da data do instrumento
contratual.

2.5.4 Arrestos in personam

Os arrestos in personam se aplicam quando o proprietário do navio é pes-


soalmente responsável em uma reclamação e, devido a isto, qualquer tipo de
reclamação cível está sujeita a este procedimento.

2.5.5 Tipos de procedimento para arrestos (in rem ou in personam)

Arrestos podem ser solicitados como medida de pré-execução ou medida


cautelar sob procedimentos específicos e não específicos.

2.5.5.1 O ARRESTO COMO MEDIDA DE PRÉ-EXECUÇÃO — TÍTULO DE CRÉDITO


LEGAL E EXECUTÁVEL

Em casos de execução de título judicial ou extrajudicial, não há mais dis-


cussão do mérito ou da interpretação do contrato, já que a dívida efetiva-
mente existe e o juiz determina a penhora dos ativos do devedor através de
um arresto. O arresto será convertido em alienação para a futura venda judi-
cial dos ativos. Portanto, este tipo de arresto não diz respeito a uma medida

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Direito Marítimo

cautelar para garantir uma eventual reclamação ou arbitragem ainda sujeita


à contestação do réu, os méritos da qual ainda serão analisados e decididos
pelos Tribunais.
Consoante o procedimento deste tipo de arresto, antes que o arresto seja
concretizado o Réu terá um prazo para designar os ativos que prefere apre-
sentar como garantia de execução, observada a seguinte sequência de prefe-
rência: (i) dinheiro, (ii) títulos de créditos do governo, (iii) papéis comerciais,
(iv) veículos, (v) imóveis, (vi) móveis e utensílios, (vii) sememoventes, (viii)
navios e aeronaves; (ix) ações e cotas de sociedades simples e empresárias; (x)
percentual do faturamento de empresa devedora; (xi) pedras e metais precio-
sos; (xii) direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de
alienação fiduciária em garantia. Navios e aeronaves estão em 8º lugar nesta
lista de prioridades.
No que tange ao arresto na forma cautelar, há, na verdade, considerável
controvérsia na doutrina e jurisprudência brasileiras, já que a maioria con-
sidera que as exigências para o arresto de um navio consoante o CCB são
cumulativas com as exigências da lei processual.

2.6 Venda forçada no procedimento de arresto: Prioridade de créditos in rem

A venda judicial de embarcações no Brasil segue as mesmas regras gerais


para leilão de ativos. Os leilões são conduzidos por um leiloeiro público que
cobra entre 2 (dois) e 5 (cinco) por cento do preço de venda. Sua comissão
será deduzida do pagamento feito pelo arrematador. O leiloeiro adotará todas
as formalidades necessárias à condução do leilão, incluindo publicidade.
O leilão é geralmente realizado em uma sala do Tribunal ou nas depen-
dências do leiloeiro. Antes do leilão, entretanto, o juiz nomeará um perito
contador para avaliar o ativo.
Um lance mínimo inicial é indicado pelo juiz com base na avaliação do
perito. O CPC determina que a embarcação não pode ser vendida em pri-
meiro leilão por valor menor que o de sua avaliação oficial. No segundo
leilão, entretanto, que ocorrerá entre 10 e 20 dias após o primeiro, a embar-
cação poderá ser vendida por qualquer preço, desde que não seja considerado
um montante vil pelo Tribunal. Não há definição deste “montante vil”, já que
varia dependendo das circunstâncias. Não obstante existe certa jurisprudên-
cia estabelecendo o limite em 40% do valor avaliado.
A ordem de venda geralmente exige que o maior lance deposite 20 por
cento do lance em dinheiro ou em cheque visado imediatamente após o lei-
lão, o saldo a ser pago dentro de determinado número de dias úteis. Se o valor
residual não for pago, o leilão pode ser anulado e a embarcação oferecida ao
segundo maior lance.

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Direito Marítimo

Uma vez devidamente realizada a venda, o juiz emitirá uma ordem de


venda e o vencedor registrará a propriedade da embarcação junto ao Tribunal
Marítimo.
Quando diferentes credores privilegiados disputam o produto da venda
judicial, a liberação do valor depositado pelo lance vencedor respeitará a or-
dem de preferência e a cronologia das respectivas penhoras judiciais. A ordem
das prioridades, baseada na aplicação harmoniosa do Código Comercial e da
Convenção de Bruxelas de 1926 é como segue:
1. Impostos Federais;
2. Custas e despesas judiciais;
3. Reclamações resultantes da contratação do Comandante, tripula-
ção e pessoal de bordo;
4. Indenizações devidas por salvamento;
5. Contribuições de avaria grossa;
6. Obrigações assumidas pelo Comandante fora do porto de registro
para necessidades reis de manutenção ou para prosseguimento da
viagem;
7. Indenizações resultantes de colisões ou de qualquer outro acidente
marítimo;
8. Hipotecas marítimas;
9. Despesas portuárias que não impostos;
10. Pagamentos pendentes devidos a depositários, aluguéis de armazéns
e armazenagem, equipamentos do navio;
11. Despesas com a manutenção do navio e de seus equipamentos, des-
pesas de manutenção no porto de venda;
12. Faltas e perdas de carga;
13. Dívidas resultantes da construção da embarcação;
14. Despesas incorridas para reparos da embarcação e de seus equipa-
mentos;
15. Preço pendente da embarcação.

O Tribunal emitirá uma decisão juntamente com a ordem final a ser res-
peitada para pagamentos a credores.
No Brasil, a venda judicial encerra qualquer reclamação existente sobre a
embarcação na data de venda, consoante artigo 477 do Código Comercial
Brasileiro.
Deve ser observado que a embarcação não está proibida de operar em
águas territoriais brasileiras até o leilão mas deve manter todos seguros de
casco e máquinas e os certificados de classe em pleno efeito e vigor. É muito
pouco provável que um juiz conceda autorização para navegar em águas in-
ternacionais sem que tenha sido prestada alguma garantia.

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Direito Marítimo

Um fiel depositário, que é uma pessoa física brasileira e representante dos


interesses da embarcação, será nomeado e pessoalmente responsabilizado
pela manutenção e custódia da embarcação até que esta seja leiloada e, se a
embarcação eventualmente fugir para águas internacionais de má fé, poderá
ser indiciado e condenado pela Justiça Criminal.

QUESTÕES DE AUTOMONITORAMENTO

1. Após ler a apostila, você é capaz de resumir o caso gerador, identificando


as partes envolvidas, os problemas atinentes e as possíveis soluções cabíveis?
2. Indique a Convenção Internacional que arrolou e conceituou mais re-
centemente as reclamações marítimas.
3. Enumere cinco espécies de reclamações marítimas.
4. Enumere cinco espécies de créditos marítimos privilegiados.
5. Qual o principal atributo do crédito marítimo privilegiado?
6. Indique as fontes aplicáveis ao procedimento de arresto de embarcações
no Brasil.
7. Na utilização do arresto como medida cautelar específica quais são os
requisitos essenciais para que o juiz conceda a ordem de arresto da embarca-
ção?
8. Quais as dificuldades encontradas para arrestar uma embarcação com
fundamento no Código Comercial Brasileiro?
9. O que são os requisitos do fumus bonis iuris e do periculum in mora?
10. Pense e descreva, mentalmente, outras alternativas para a solução do
caso gerador.

SUGESTÃO DE CASO GERADOR

O armador panamenho DREIFUS, afretador do navio de bandeira ciprio-


ta “Argos” contendo carga geral (contêineres), contratou a agência marítima
PECUS com sede no Rio de Janeiro para atender à embarcação no porto do
Rio de Janeiro, na qualidade de agente consignatário. O contrato de agencia-
mento imposto pelo armador, em formulário padrão, estabeleceu o foro da
Cidade do Panamá como próprio para as disputas entre as partes.
Cumprindo tal mister, a PECUS providenciou a contratação de estiva
para descarga e carga da embarcação, adiantando diversas despesas e supri-
mentos para a mesma. Tendo solicitado o reembolso de tais despesas e o pa-
gamento da remuneração contratada, o referido armador não providenciou o
pagamento, estando próxima a data de partida da referida embarcação.

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Direito Marítimo

Considerando que o armador inadimplente não possui bens no Brasil,


seria possível arrestar a embarcação no Porto do Rio de Janeiro?
Seria possível questionar a validade da cláusula de eleição de foro constan-
te do contrato de agenciamento?
Quais seriam os fundamentos da ação de arresto?
Como seria procedida a citação do devedor em território brasileiro?
O crédito em questão seria de natureza privilegiada?
Quais os desdobramentos processuais necessários após o ajuizamento da
ação de arresto?

REFERÊNCIAS

Bibliográficas

1 Utilizadas

ANJOS, José Haroldo dos & GOMES, Carlos Rubens Caminha. Curso de
direito marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1992.
FERNANDES, Paulo Campos & MENDES VIANNA, Godofre-
do. “Arrest of Vessels. Part I”. In Maritime Law Handbook. BREITZKE,
Christian; LUX, Jonathan & VERLAAN, Philomene. Ed. Kluwer Law,
sup. 31 out. 2007.
FARINA, Francisco. Derecho Comercial Maritimo. Madrid: Depar-
tamento Editorial del Comisariado Español Marítimo, 1948, 1ª ed.
PEREIRA, Rucemah Leonardo Gomes. Arbitragem marítima: uma
visão global Rio de Janeiro. Fundação de Estudos do Mar: FEMAR,
1997.
RAPOSO, Mário. Estudos sobre arbitragem comercial e direito marí-
timo. Coimbra: Almedina 2006.
RIPERT, Georges. Précis de droit maritime. Dalloz: Paris, 1949.
RODIÊRE, René. Droit Maritime. Paris: Dalloz, 1977, 7ª ed.
SANTOS, Theophilo de Azeredo. Direito da Navegação (Marítima e
Aérea). Rio de Janeiro: Forense, 1964, 1ª ed.

Legislativas

Lei n° 9.307/1996

Constituição Federal de 1988

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Direito Marítimo

Código de Processo Civil

Código Comercial

Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro

Emendas 55 e 56 ao Projeto de Lei nº. 1.572/2011

Eletrônica

http://www.admiraltylawguide.com/

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http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1
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http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid
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GODOFREDO MENDES VIANNA


Graduado em Direito pela PUC-RJ. Presidente da Comissão de Direito
Marítimo, Portuário e do Mar da OAB-RJ para o triênio 2016 — 2018.
Vice-presidente do Comitê de Transport and Maritime Law da Interna-
tional Bar Association — IBA. Membro do IAB — Instituto dos Advo-
gados Brasileiros. Palestrante em seminários e eventos no Brasil e no
exterior em suas áreas de atuação. Autor de diversos artigos publicados
em jornais e revistas especializadas no Brasil e no exterior. Sócio sênior
do escritório Kincaid |Mendes Vianna Adv. Associados.

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Fundação Getulio Vargas

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