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Professor autor/conteudista

ROBERTO BIANCO
Atualizado e revisado por
CARINA HELENA WASEM FRAGA
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pública, sob pena de responsabilização civil e criminal.
SUMÁRIO
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

1. Conceitos gerais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

2. Tecido ósseo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

3. Cartilagem articular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

4. Fibrocartilagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

6. Ligamento e tendão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

7. Tecido muscular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

8. Torque e alavancas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

Glossário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
INTRODUÇÃO

Na Biomecânica, a análise mecânica dos tecidos estuda as características de resposta das


estruturas do aparelho locomotor separadamente e em interação durante a realização do movimento
humano. Quando o movimento é realizado, o aparelho locomotor é constantemente submetido a
forças produzidas pelos músculos do corpo e recebidas pela interação com objetos. Por isso, a
análise mecânica das respostas dos tecidos destina-se a prevenir o surgimento de lesões nessas
estruturas e procurar aperfeiçoar a resposta deles no sentido de melhorar o rendimento e a eficiência
do movimento.

Prevenir o surgimento de lesões implica conhecer as características dos movimentos e de que


forma irão sobrecarregar o aparelho locomotor, conhecer a resistência e a característica de resposta
mecânica das estruturas do corpo e os efeitos das diferentes solicitações mecânicas sobre estas
(AMADIO; DUARTE, 1996).

A análise das respostas dos tecidos é alcançada pela aplicação da área da física que lida com
a mecânica dos corpos deformáveis. Esta estuda a relação entre cargas externas aplicadas sobre o
corpo e seus efeitos internos nos tecidos. Fica claro a partir da descrição que os tecidos respondem
às solicitações mecânicas se deformando, e é essa deformação que a biomecânica interna busca
observar. Para realizar essa observação e descrição, frequentemente o tecido necessita ser extraído
do corpo e investigado isoladamente. Caso contrário, torna-se difícil saber a extensão das respostas.

Obviamente, essa análise apresenta pontos positivos e negativos. O positivo é o controle das
variáveis e a análise mais precisa das respostas dos tecidos quando são submetidos a testes
mecânicos de resistência. O negativo é que, por questões éticas, as amostras analisadas, na
maioria das vezes, são extraídas de animais e não de seres humanos. Embora a característica do
tecido seja semelhante, é possível que existam certas diferenças que talvez ainda nem tenham sido
identificadas. Além disso, quando um animal é submetido à prática de um exercício físico qualquer,
o efeito da sobrecarga pode não ser o mesmo que no ser humano.

Infelizmente, estudos em seres humanos envolveriam o uso de cadáveres ou a análise in vivo


com a introdução de um instrumento de medição (transdutor) no tecido para registrar as forças e as
solicitações mecânicas. Em ambos os casos, problemas surgem, pois os cadáveres muitas vezes
apresentam uma faixa etária especifica e não representativa da população, além de deterioração
eventual que pode ter se instalado em diferentes níveis. Por sua vez, o uso de instrumentos de

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medição introduzidos no aparelho locomotor de forma invasiva afeta a naturalidade do movimento,
além de causar dor e alterar a resposta do próprio tecido que se quer observar.

1. CONCEITOS GERAIS
FIGURA 1 – Biomecânica

Por kentoh / Shutterstock

As estruturas investigadas em biomecânica interna são: tecido ósseo, cartilagem articular,


fibrocartilagens, ligamentos, tendões e tecido muscular. Para compreender adequadamente as
respostas dos materiais biológicos, inicialmente, é necessário saber os tipos de forças podem ser
aplicados sobre eles.

As estruturas do aparelho locomotor podem ter alguns tipos diferentes de forças aplicadas
sobre elas, chamadas de solicitações mecânicas. Estas podem ser de vários tipos: compressão,
tração, flexão, deslizamento e torção (figura 2) (HALL, 2009).

FIGURA 2 – Diferentes tipos de forças

Tipos diferentes de forças que podem ser impostas aos materiais.

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A compressão é uma solicitação mecânica que envolve duas forças aplicadas na mesma
direção e de sentidos opostos, tendendo para o centro do objeto. Tem como principal característica,
a aproximação que gera o esmagamento do material que constitui a estrutura. Sobre o aparelho
locomotor, um exemplo de força compressiva é aquela que o disco intervertebral sofre quando
transportamos uma carga nos braços.

A tração ou tensão é uma forma semelhante de solicitação mecânica à compressão. Ela também
envolve duas forças aplicadas na mesma direção e de sentidos opostos, só que tendem a afastar
o material do objeto. Um exemplo de força de tração seria o que os nossos tecidos sofrem quando
nos penduramos numa barra. A gravidade puxa para baixo, enquanto a barra traciona para cima
com mesma magnitude de força, mesma direção e sentido oposto.

A flexão ou envergamento é uma solicitação mecânica na qual a estrutura sofre forças que
tentam dobrar a estrutura. Ela pode ocorrer por ação de uma ou mais forças externas, geralmente
transversais à estrutura. Uma força de flexão caracteriza-se por ser a associação de uma força de
tração com outra de compressão, sendo que a última ocorre no sentido de aplicação da primeira.
Um exemplo disso sobre as estruturas do corpo pode ser obtido a partir de uma posição sentada,
quadril em flexão de 90º com os joelhos estendidos, em que uma caneleira no tornozelo produz
uma força de flexão sobre a tíbia e o fêmur. Se o segmento do membro inferior fosse menos rígido,
como um macarrão de piscina, notar-se-ia o envergamento sob a ação da caneleira.

O deslizamento ou cisalhamento é uma força tangencial que ocorre entre duas superfícies,
de forma que uma das estruturas se desloca em contato com a outra ou ambas se deslocam em
sentidos opostos. Trata-se de uma solicitação mecânica que ocorre em situações de movimento
articular, no qual os ossos se deslocam em contato um com o outro. Como exemplo, pode-se citar
o atrito que ocorre entre dois ossos em função dessa força, mesmo que em situações articulares
esse atrito seja baixo.

A torção é uma solicitação que ocorre de forma tangencial em rotação na estrutura, na qual duas
forças externas são aplicadas em sentidos opostos. Como consequência dessa rotação, ocorre
uma aproximação, um achatamento do material. Um exemplo de solicitação mecânica em torção
é o que ocorre no disco intervertebral quando realizamos uma rotação na coluna. Isso produz uma
rotação no disco e a aproximação da estrutura, ou seja, uma compressão.

Em situação de realização do movimento humano, observa-se nas diferentes estruturas do


aparelho locomotor a aplicação de solicitações mecânicas distintas. Em algumas, observa-se a

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combinação de mais de uma força. Cada movimento específico terá características diferentes de
solicitações mecânicas, e, para saber o efeito que terão sobre as estruturas do corpo, é importante
conhecer a resposta que cada uma apresenta mecanicamente (NORDIN; FRANKEL, 2003). Para
conhecer essas respostas mecânicas, é necessário analisar cada estrutura separadamente. Para
isso, é comum a utilização de teste mecânicos que envolvem máquinas capazes de produzir essas
forças distintas em magnitude progressivamente maior até o ponto de falência do tecido.

Por exemplo, um pedaço de osso pode ser submetido a um teste em compressão para analisar
o efeito que esta produzirá sobre o tecido. É certo que existe diferença entre a resposta de um
osso em interação com as outras estruturas corporais ou separado e analisado isoladamente.
Contudo, a intenção nesse tipo de analise é compreender a característica da resposta, que pode
ser extrapolada para situações de realização de movimentos complexos em associação com os
demais tecidos corporais.

Em todas as modalidades, diversas estruturas do aparelho locomotor estão sujeitas a lesões.


Estas exigem a interrupção do treinamento para seu tratamento, o que piora do rendimento na
modalidade. A prevenção do surgimento de lesões depende da estrutura em questão e da característica
de solicitação mecânica da modalidade. Portanto, em cada uma, observam-se lesões específicas
sobre diferentes estruturas do aparelho locomotor. Contudo, de forma geral, é possível identificar
elementos em comum associados ao surgimento de algumas lesões, como a magnitude da carga
aplicada ao movimento e a frequência da daquela aplicada ao longo da prática da modalidade
(gráfico 1).

GRÁFICO 1 - Análise da probabilidade de uma estrutura corporal sofrer uma lesão

Análise da probabilidade de uma estrutura corporal sofrer uma lesão em função de duas variáveis: (1)
magnitude de carga ou intensidade e (2) frequência de carga ou volume. Fonte: Adaptado de Hall (2009).

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De forma simplificada, pode-se observar que a probabilidade de desenvolver uma lesão depende
em primeira instância da magnitude e da frequência da carga aplicada. Portanto, se a magnitude
ou intensidade for alta, a quantidade de vezes que uma carga poderá ser aplicada com segurança
será menor do que outra mais baixa. Se essa carga alta for aplicada excessiva quantidade de
vezes, a probabilidade de desenvolver uma lesão será maior (HALL, 2009). Isso não é garantia de
que a lesão ocorrerá, pois isso ainda depende de uma série de fatores, como característica e tipo
de carga, estrutura do aparelho locomotor em questão, resistência do tecido em função do nível
de condicionamento do indivíduo e outros.

As lesões podem ser de dois tipos: agudas e crônicas. As lesões agudas, também conhecidas
como traumáticas, são aquelas nas quais a magnitude da força aplicada é tão alta que isso pode
ocorrer com apenas uma aplicação, pois magnitude da força ultrapassa a capacidade de o tecido
tolerá-la. Exemplos delas são as observadas em acidentes de uma forma geral. Em quedas de
alturas excessivamente altas, a magnitude da força será elevada o suficiente para promover uma
fratura, por exemplo.

Já nas lesões crônicas, também conhecidas como lesões por esforços repetitivos, a magnitude
da carga não é alta o suficiente para promovê-las com apenas uma aplicação, mas isso ocorre por
causa da quantidade de vezes em que ela é aplicada. A cada aplicação da carga, certa quantidade
de microtrauma é produzida, que individualmente não representa risco, mas em conjunto os efeitos
podem se somar e causar a lesão.

A somatória das forças aplicadas sobre o aparelho locomotor é denominado de sobrecarga. A


sobrecarga de uma atividade física por si só não é maléfica ao corpo humano, pois, em condições
adequadas, os microtraumas produzidos por ela serão regenerados e ainda servirão de estímulo
para que a resistência do tecido aumente gradativamente. Contudo, quando é alta, o tempo de
recuperação necessita ser maior. Caso isso não ocorra, a recuperação incompleta poderá ser
somada à nova sobrecarga do treinamento seguinte. Se esse processo ocorrer por muitas vezes,
fará com que a resistência do tecido diminua, deixando-o mais suscetível a uma lesão.

Um exemplo de carga alta é a observada na magnitude do impacto durante o salto. No salto


vertical, o impacto pode ser medido por meio da plataforma de força, que por sua vez mede o
componente vertical da força de reação do solo. Esse impacto pode ser relativizado em função do
peso corporal (PC), correspondendo a uma magnitude de força que pode chegar até aproximadamente
7 PC (ACQUESTA et al., 2007).

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Essa magnitude é a que pode ser observada no salto vertical para execução da bandeja no
basquete. Ela não é excessivamente alta a ponto de ultrapassar a capacidade de tolerância dos nossos
tecidos, mas certamente é mais alta que o impacto observado na corrida, 2 a 3 PC (BIANCO, 2005).
Por isso, a quantidade de saltos ao qual um sujeito é imposto deve ser controlada. Seguramente,
a quantidade de impactos de uma atividade como o basquete deverá ser menor do que a aplicada
durante uma prova de corrida de rua.

Isso não significa que cargas de menor magnitude como as da corrida não possam promover
lesões. Estas tornam mais fácil que o nosso corpo assimile a sobrecarga de um treinamento desse
tipo, porém, se uma quilometragem muito alta for empregada em relação ao nível de condicionamento
do sujeito, a probabilidade de adquirir uma lesão irá aumentar bastante.

FIGURA 3 – Salto vertical

Por sirtravelalot / Shutterstock

É claro que uma pessoa bem condicionada tolera uma sobrecarga muito maior que outra
descondicionada, devido às alterações adquiridas nos tecidos, que os tornam mais resistentes a
magnitudes e volumes de carga maiores. Por isso, genericamente, pode se considerar que cargas,
sejam altas ou baixas, quando aplicadas excessiva quantidade de vezes sem oferecer tempo suficiente
de recuperação, podem aumentar significativamente a probabilidade de se adquirir uma lesão.

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Certamente outros fatores também interferem no surgimento de lesões, que dependem da estrutura
em questão, da característica da força aplicada e de outros que se somam, como instabilidades
articulares, desvios posturais e fatores externos que não podem ser previstos. Essa soma torna o
mecanismo de lesão das estruturas do aparelho locomotor às vezes muito complexo, fazendo, em
alguns casos, ser difícil identificar a causa precisa da lesão ou mesmo predizer com segurança se
ela irá surgir ou não.

Para tentar desvendar essa complexidade, os tópicos a seguir analisarão separadamente as


características dos tecidos, apresentando suas respostas mecânicas, os principais mecanismos
que produzem lesões nessas estruturas e como deve ser a característica dos estímulos para que
elas possam se adaptar, aumentando sua resistência.

2. TECIDO ÓSSEO
FIGURA 4 - Tecido ósseo

Por Kateryna Kon / Shutterstock

O tecido ósseo é um dos mais rígidos do corpo humano. Ele tem como função proteger órgãos
internos e formar com os músculos um sistema complexo de alavancas, por meio dos quais o
movimento humano se torna possível.

Esse tecido é composto de uma matriz orgânica e de uma matriz inorgânica. A matriz orgânica é
constituída de células e, em sua grande maioria por fibras de colágeno (tipo I), enquanto que a matriz
inorgânica é composta por minerais, em sua grande maioria cálcio e fosfato. Ambas associadas
atribuem ao osso rigidez e dureza (matriz inorgânica) e flexibilidade e elasticidade (matriz orgânica)
(NORDIN; FRANKEL, 2003; NIGG; HERZOG, 2006).

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Essas duas características, aparentemente opostas, atribuem uma característica interessante
ao osso e são fundamentais para a resistência mecânica dele. A capacidade de deformação atribui
ao material a capacidade de absorver energia, que, por sua vez, permite dissipar as forças. Por outro
lado, a dureza permite que o osso resista mais contra a deformação e aumenta sua resistência.
Muitos pensam que o osso deveria ser o mais duro e rígido possível, mas na verdade o ideal é
a relação adequada desses dois componentes, pois dessa forma ele pode responder melhor às
demandas do movimento (HAMILL; KNUTZEN, 1999).

A matriz orgânica extracelular é composta principalmente por fibras de colágeno do tipo I, uma
fibra de proteína forte e flexível. No tecido ósseo, essas fibras estão organizadas em lamelas, que por
sua vez se encontram em camadas concêntricas para formar os ósteons, estruturas compactadas
dos ossos trabeculares. A matriz inorgânica é composta por cálcio e fosfato, combinados em fosfato
de cálcio, em forma de cristais chamados de cristais de hidroxiapatita (NORDIN; FRANKEL, 2003).

As células que compõem o tecido ósseo são os osteoblastos, os osteoclastos e os osteócitos.


Os osteoblastos são células responsáveis pela osteogênese, formação de matriz orgânica. É devido
à ação deles que ocorrem o crescimento e a regeneração óssea. Os osteoclastos são células
responsáveis pela reabsorção óssea. É pela ação deles que o tecido envelhecido ou danificado é
dissolvido para ser reabsorvido pela corrente sanguínea e posteriormente eliminado.

A ação conjunta dessas duas células garante a manutenção do tecido ósseo saudável e resistente,
e é na relação da intensidade de atividade delas que aumentamos ou diminuímos a nossa massa
óssea. Por exemplo, se a atividade osteoblástica for muito maior que a osteoclástica, ocorrerá
aumento; por sua vez, se a atividade osteoclástica for superior à osteoblástica, haverá diminuição.

Os osteócitos são células que se encontram em toda a extensão do tecido ósseo, em lacunas
entre as lamelas dos ósteons. Eles são osteoblastos modificados que ficaram aprisionados na
própria estrutura que criaram e, a partir desse momento, reduziram sua atividade e passaram a
ser responsáveis pelo metabolismo celular (SPENCE, 1991). Os osteócitos encontram-se em toda a
extensão do osso. Sua disposição nas lacunas e a grande quantidade de água que inunda o tecido
ósseo acabam por formar uma rede muito bem conectada e em comunicação.

Aparentemente, os osteócitos apresentam algum papel na percepção de carga que o osso


apresenta. O mecanismo não está muito claro, mas é possível que eles sejam capazes de fazer uma
sinalização bioquímica que afete a ação osteoblástica e osteoclástica e, portanto, ajam na dinâmica de
formação e degeneração óssea. Se esse mecanismo for realmente confirmado, os osteócitos podem
vir a ser um elemento fundamental na manutenção do tecido ósseo (TEMIYASATHIT; JACOBS, 1010).

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Todos os ossos contêm dois tipos distintos de tecido: osso compacto ou cortical e osso
esponjoso ou trabecular. Todos apresentam tecido trabecular internamente, em quantidade maior
ou menor, com um revestimento mais espesso ou mais fino de osso cortical. A quantidade de
cada tecido depende do tipo de osso. Por exemplo, ossos longos apresentam grande quantidade
de tecido trabecular nas epífises (extremidades), recoberto por uma fina camada de osso cortical.
Já na diáfise (região central), observa-se uma camada muito mais espessa de osso cortical e uma
fina camada interna de trabecular. Por outro lado, nos corpos vertebrais, há uma camada fina de
revestimento cortical preenchida com osso trabecular (HALL, 2009).

Os dois tipos de ossos apresentam características biomecânicas semelhantes, porém diferem


em rigidez e na deformação que são capazes de tolerar (ENOKA, 2000). A resposta mecânica do
tecido ósseo pode ser investigada pela curva de estresse deformação do tecido, obtida a partir do
teste mecânico, conforme descrito anteriormente (gráfico 2).

GRÁFICO 2 - Curva de estresse deformação do osso

Curva de estresse deformação do osso, que representa a resposta do tecido submetido a um teste
mecânico de compressão. Dois tipos de respostas podem ser observadas antes de ocorrer a fratura (C):
respostas elásticas (A-B) e respostas plásticas (B-C). Fonte: Adaptado de Nordin e Frankel (2003).

No gráfico, observa-se o efeito de deformação do tecido ósseo em função de uma força, que
nessa situação chamaremos de estresse. Este representa a força aplicada por determinada área de
tecido. Essa forma de análise torna-se necessária para que seja possível compararmos ossos de
dimensões distintas. A curva de estresse deformação demonstra que o osso, assim como qualquer
outro tecido biológico, se deforma quando sob a ação de uma força. Porém a deformação obtida
pode ser de dois tipos: elástica ou plástica.

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Segundo o gráfico, conforme uma força de compressão é aplicada sobre o osso, ocorrerá uma
deformação proporcional. Se essa deformação for elástica, isso significa que ela será reversível,
pois não há comprometimento do tecido, como o surgimento de uma lesão. Contudo, existe certa
tolerância à magnitude da força na qual o osso conseguirá responder dessa forma. Se a magnitude
for muito alta e ultrapassar um determinado limiar, no gráfico representado por B’, o osso passará
a responder com uma deformação plástica, na qual lesão é imposta ao tecido e a deformação será
irreversível. A lesão produzida, com o tempo, poderá ser regenerada. No entanto, a deformação
plástica não será desfeita, e a dimensão do osso terá sido modificada.

Nessa condição, a magnitude da força já é relativamente tão alta para esse osso que pequenos
aumentos produzirão grandes deformações. Se a força alcançar a magnitude representada por C’
ocorrerá a fratura por completo (NORDIN; FRANKEL, 2003).

São muitos os fatores que interferem na resposta mecânica do tecido ósseo. Dentre eles,
encontram-se: o tipo de solicitação mecânica (compressão, tração ou flexão), a quantidade de
massa óssea como consequência da aplicação regular de carga ou da sua ausência e outros, como
a fase maturacional do osso (criança, adulto e idoso), o tipo de osso (cortical ou trabecular), entre
outros. Para poder prevenir o surgimento de lesões crônicas no tecido ósseo, conhecidas como
fraturas por estresse, é necessário entender os efeitos que alguns desses fatores exercem sobre
ele (AMADIO; BARBANTI, 2000).

A resistência do osso sofre grande interferência do tipo de solicitação mecânica imposta sobre
ele. O gráfico 3 ilustra a magnitude máxima de estresse que um osso tolera até a fratura sob a ação
de uma compressão, uma tensão ou tração e uma força de cisalhamento (força tangencial). Observa-
se que a magnitude de força tolerada em compressão é muito superior às das outras solicitações.
Isso significa que o tecido ósseo de seres humanos é mais resistente a forças compressivas, que
são solicitações mecânicas muito comuns na natureza, em função da força exercida pela gravidade.

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GRÁFICO 3 - Máxima carga tolerada pelo tecido ósseo até a fratura

Estresse até Ocorrer Fratura

Cisalhamento
Compressão

Tensão

Máxima carga tolerada pelo tecido ósseo até a fratura nos diferentes tipos de solicitações
mecânicas. Resultado obtido a partir de testes mecânicos. Fonte: Adaptado de Hall (2009).

O intrigante é a baixa resistência que pode ser observada em forças tangenciais, por exemplo,
em forças de cisalhamento ou flexão. Essas solicitações mecânicas são bastante comuns na
natureza, trazendo certo risco à integridade do tecido ósseo. Por exemplo, na locomoção, como na
marcha e na corrida, é possível observar forças de compressão, de tração e tangenciais (NORDIN;
FRANKEL, 2003).

Um mecanismo importante para prevenir que essas forças indesejáveis possam trazer dano
ao tecido ósseo é a ação muscular. Esse mecanismo de proteção pode ser exemplificado por meio
da modalidade esqui na neve (figura 5). A bota usada nessa modalidade é rígida e impossibilita
movimentos na articulação do tornozelo. Por conta disso, se houver algum impedimento ao
deslocamento do esquiador, ele tenderá a cair para frente, levando a uma força de flexão na tíbia e
na fíbula com alto risco de fratura (figura 5A).

O mecanismo de ação muscular que proporciona certa proteção ao tecido ósseo envolve uma
contração muscular, neste exemplo do tríceps sural, que produzirá uma força de flexão em direção
oposta à gerada pela tendência de queda (figura 5B). Dessa forma, a associação das forças de
flexão pela tendência de queda e da força produzida pelo tríceps sural gera a neutralização de uma
sobre a outra. Com isso, a força resultante torna-se exclusivamente compressiva, e esse resultado
é importante, pois o osso é muito mais resistente a forças compressivas do que a forças de flexão
(GONÇALVES, 2000; NORDIN; FRANKEL, 2003).

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FIGURA 5 - Ação muscular capaz de promover proteção ao tecido ósseo

Ilustração da ação muscular capaz de promover proteção ao tecido ósseo. (A) Força de flexão gerada por suposta
queda que o esquiador está vivenciando. (B) Ação muscular neutralizando a força de flexão e transformando-a
em uma força puramente compressiva por meio da sua contração. Fonte: Adaptado de Nordin e Frankel (2003).

O exemplo, embora ilustre o comportamento, leva a crer que esse mecanismo somente é
desencadeado em situações de acidentes. Na realidade, o tempo todo, o tecido ósseo está sujeito
a forças de flexão pouco suportadas pelo osso. Elas podem ser percebidas sobre o colo da cabeça
do fêmur (figura 6).

Por questão de eficiência mecânica na produção de força para a movimentação da articulação


do quadril, a cabeça do fêmur forma um ângulo com sua diáfise. Isso significa que, em qualquer
situação de locomoção ou realização de movimento com os pés apoiados, essa parte do osso estará
sob a ação de uma força de flexão (figura 6B). Para se proteger dessa força indesejável, torna-se
necessário que os abdutores do quadril (glúteo médio e mínimo e tensor da fáscia lata) realizem
uma contração para neutralizar a ação do peso nesse sentido (figura 6A). Essa ação muscular
também é fundamental para permitir a permanência em apoio unipodal, ao contrabalancear o efeito
da força peso.

Uma vez que a ação desses músculos é muito importante para a manutenção da integridade dessa
região óssea, uma estratégia de otimização eficiente é garantir a manutenção e/ou o aumento de
força deles, que servirão como protetores do colo da cabeça do fêmur contra fraturas, principalmente
na terceira idade.

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FIGURA 6 - Ilustração do colo da cabeça do fêmur

Ilustração do colo da cabeça do fêmur submetido a forças de flexão sob o efeito do peso (B) e
mecanismo de proteção obtido por meio da contração muscular dos abdutores do quadril ao transformar
a força de flexão em força puramente compressiva (A). Fonte: Adaptado de Kapandji (1990).

Outra forma de otimização da proteção e de prevenção de lesão por fratura no colo da cabeça
do fêmur é a de manter o osso resistente por meio da manutenção e/ou do aumento da massa
óssea por remodelação. De nada adianta manter a massa muscular adaptada se o osso sofrer uma
redução significativa em sua massa a ponto de não tolerar nem sequer as forças compressivas.
Essa perda pode ocorrer por falta de estimulação adequada, o que promoverá maior reabsorção
do que formação óssea.

Um dos motivos mais observados para redução de massa óssea é o sedentarismo ou a


imobilização (gráfico 4). Isso porque o tecido ósseo é completamente dependente de aplicação
de cargas mecânicas para se manter saudável e resistente (NORIS-SUAREZ et al., 2007; BIANCO;
FRAGA, 2008). Por isso, na ausência de cargas aplicadas sobre ele, ocorre a perda inevitável da
massa óssea, com a redução da magnitude de força tolerada em deformação elástica e da força
máxima até a fratura. Felizmente, a estimulação produzida para a manutenção da força nos músculos
abdutores do quadril também servirá como estímulo mecânico à manutenção da massa óssea,
reduzindo ainda mais risco de fratura na região do colo do fêmur.

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GRÁFICO 4 - Curva de estresse deformação de vértebras de macacos

Curva de estresse deformação de vértebras de macacos submetidos à imobilização em


comparação com vértebras normais. Fonte: Adaptado de Nordin e Frankel (2003).

A redução da massa óssea pode também predispor à fratura por estresse em praticantes de
diversas modalidades físicas, seja em nível competitivo ou amador. Os praticantes de corrida de
fundo são os que maior incidência apresentam nos ossos do pé (HURWITZ, 2001). Uma vez que a
característica desse esporte é intensidade baixa de força compressiva na forma de impacto (BIANCO,
2005) e alto volume (sessões de treinamento e frequência semanal de treino), isso significa que a
fratura está muito mais associada ao volume do que à intensidade e provavelmente ao tempo de
recuperação também.

Entendendo que a resistência do osso é determinada pela quantidade de massa presente na


estrutura, observável por meio da área de secção transversa dele e da sua mineralização, uma
lesão que porventura venha a ocorrer, associada ou não a uma imobilização, pode levar a perdas de
massa óssea, que aumentam o risco de surgimento de uma fratura por estresse. Portanto, sempre
que houver retorno de um praticante de exercício físico a suas atividades após uma lesão, deve-
se ter atenção redobrada não somente para que a mesma estrutura não volte a se lesionar, mas
também para que outra estrutura, como o tecido ósseo, não venha a sofrer lesão em decorrência
do período de inatividade.

SAIBA MAIS

O artigo a seguir revisa os efeitos das diferentes modalidades esportivas e do treinamento de força na
remodelação óssea. A determinação de qual atividade física é ideal para aumentar o pico de massa
óssea na adolescência, ou mesmo mantê-la após a idade adulta, é muito importante para a prevenção
e o possível tratamento da osteoporose. Leia mais sobre o estudo clicando no link: http://www.lume.
ufrgs.br/handle/10183/71966.

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3. CARTILAGEM ARTICULAR
FIGURA 7 – Cartilagem articular

Por design36 / Shutterstock

A cartilagem articular hialina é um tecido que reveste as extremidades dos ossos que compõem
uma articulação sinovial (figura 8). É por meio do deslizamento das cartilagens articulares dos ossos
que os movimentos articulares ocorrem. Essa é uma estrutura pela qual não passam vasos sanguíneos
ou linfáticos e que também não apresenta inervação. Por conta disso, pode-se considerar que está
relativamente isolada das demais estruturas do corpo, o que traz consequências à manutenção
da integridade deste tecido.

As funções da cartilagem articular são de diminuir o estresse mecânico e o atrito entre os


ossos em interação. Ela é um tecido altamente deformável e com grande teor de água (60% a 85%).
Sob compressão, ocorre a saída de certa quantidade de líquido, trazendo como consequência
uma deformação na estrutura que aumentará a área de contato entre os ossos. Por sua vez, isso
distribui melhor a força aplicada sobre ela, reduzindo assim a pressão ou o estresse mecânico
entre as estruturas.

Ao mesmo tempo, a superfície extremamente lisa e banhada por líquido sinovial da cartilagem
articular promove um atrito mínimo, que é importante para minimizar ao máximo o desgaste articular
e tornar a realização do movimento mais fácil e econômica do ponto de vista do dispêndio de energia
(NORDIN; FRANKEL, 2003).

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FIGURA 8 - Articulação do joelho

Ilustração de uma articulação do joelho, na qual se observa que todas as extremidades ósseas que interagem
entre si por meio de contato apresentam cartilagem articular recobrindo-as. Fonte: Hall (2009).

A cartilagem articular é composta por uma matriz celular, uma matriz orgânica extracelular e
água. As células presentes na cartilagem são os condrócitos, responsáveis pela manutenção da
integridade da matriz extracelular. São eles que degeneram o tecido envelhecido ou lesionado e
ressintetizam o tecido orgânico.

A matriz orgânica extracelular é composta de fibras de colágeno do tipo II e de uma glicoproteína


chamada proteoglicano. As fibras de colágeno encontram-se emaranhadas numa densa malha
com alta concentração de proteoglicanos dispostos entre elas (figura 9). São essas duas estruturas
as grandes responsáveis por suportar as solicitações mecânicas que serão impostas sobre elas
durante a realização do movimento humano. Contudo, a contribuição de cada uma à resistência
mecânica da cartilagem é distinta.

Por exemplo, a fibra de colágeno é uma fibra elástica altamente resistente a forças tensivas ou
de tração; por isso, é essa estrutura que oferece resistência às forças tangenciais de deslizamento
às quais a cartilagem está exposta durante a realização dos movimentos articulares. Por outro lado,
mesmo sendo altamente resistentes à aplicação de forças, não respondem de forma satisfatória
a forças compressivas. As estruturas capazes de oferecer essa resistência são os proteoglicanos
(NORDIN; FRANKEL, 2003).

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FIGURA 9 - Fibras de colágeno e proteoglicanos

Ilustração representando as fibras de colágeno e os proteoglicanos, compostos por uma proteína


central (hialuronato) e pelos agrecanos ligados a ela. Ambas as estruturas estão imersas em líquido
intersticial dentro da cartilagem articular. Fonte: Adaptado de Nordin e Frankel (2003).

De forma simplificada, os proteoglicanos são grandes moléculas de proteína contendo estruturas


chamadas de agrecanos, que, por sua vez, são compostas por uma proteína central à qual diversas
cadeias de glicosaminoglicanos se encontram atadas. Os agrecanos estão presos a uma molécula
de ácido hialurônico, ou hialuronato, por meio de ligações de proteína (figura 9) (NORDIN; FRANKEL,
2003).

Os proteoglicanos oferecem resistência às solicitações mecânicas compressivas por conta de


sua estrutura bioquímica. Nos agrecanos, os glicosaminoglicanos são carregados com uma vasta
concentração de cargas negativas fixadas a ela (figura 10). Estas garantem uma força repulsiva que
estende a estrutura e a mantém rígida. Quando uma força compressiva é aplicada sobre ela, ocorre
a saída do líquido da estrutura, o que aumenta a concentração das estruturas dentro da cartilagem
e causa uma aproximação delas. A aproximação das estruturas faz com que o mesmo ocorra com
as cargas negativas, aumentando assim a sua força repulsiva até que um equilíbrio seja alcançado
e a cartilagem pare de se deformar.

A saída de fluido em situações como essa é fundamental à saúde da cartilagem articular, pois
permite o deslocamento de nutrientes para dentro da estrutura, que é um tecido avascular, conforme
já visto. Além de ser importante para que a cartilagem consiga se ajustar ao estresse compressivo,
também contribui com a lubrificação dela, pois aumenta a quantidade do líquido intra-articular e
diminui a densidade, o que é fundamental para a minimização do atrito entre as cartilagens durante
a realização do movimento.

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Essa saída de fluido pode ser de até 70% do conteúdo em situação de repouso (NORDIN; FRANKEL,
2003). A quantidade liberada pela cartilagem é proporcional à magnitude da carga compressiva
aplicada sobre ela. Isso significa que, sob ação de cargas compressivas de baixa magnitude, haverá
uma quantidade menor de fluido saindo da estrutura e, posteriormente, sendo reabsorvida do que
nas de maior magnitude. Isso, teoricamente, pode afetar a nutrição da estrutura, pois é pela entrada
de líquido sinovial rico em nutrientes que a ação dos condrócitos consegue mantê-la saudável. Por
isso, se a carga for baixa, e a saída de fluido, menor, a entrada de fluido com nutrientes também
será reduzida. Por conta disso, é plausível considerar que a cartilagem articular é completamente
dependente da aplicação cíclica e contínua de carga para manter sua integridade.

FIGURA 10 – Cargas negativas de glicosaminoglicanos

Ilustração representando o comportamento mecânico que as cargas negativas presas aos


glicosaminoglicanos, presentes nos agrecanos, apresentam quando sob a ação de uma carga
compressiva e em situação de ausência de carga. Fonte: Adaptado de Nordin e Frankel (2003).

Uma vez que a cartilagem será submetida a contínuas compressões, é importante que possa
se ajustar a essas cargas externas a fim de que não haja uma lesão à estrutura. É isso que a
resposta mecânica conhecida como efeito de relaxamento ao estresse representa: um ajuste
promovido internamente à cartilagem para adaptá-la e prepará-la a tolerar o estresse imposto
durante a aplicação de cargas compressivas, como as observadas durante a realização de uma
atividade física qualquer. Para entender esse mecanismo, imagine uma situação na qual uma carga
compressiva foi aplicada sobre a cartilagem promovendo uma determinada deformação, que será
mantida constante (figuras 11 e 12).

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FIGURA 11 – Representação da resposta da cartilagem ao estresse

Representação do mecanismo de resposta relacionado ao efeito de relaxamento ao estresse que a cartilagem


apresenta quando uma carga compressiva é aplicada sobre aquela. Fonte: Adaptado de Nordin e Frankel (2003).

No exemplo da figura 11, na condição inicial (t = 0), observa-se um pedaço de cartilagem com
alto teor de água uniformemente disposto na estrutura, representado pelas linhas horizontais.
Com a aplicação da carga compressiva (A e B), ocorrerá a saída de fluido da estrutura. Assim, a
região superficial da cartilagem será compactada e se encontrará sob grande estresse (figura 12,
momentos A e B). O fluido será preferencialmente perdido pela superfície, que se encontra com a
face voltada para o espaço intra-articular. A região profunda está em contato com o osso, portanto
não há a possibilidade da perda de fluido para esse lado.

Na condição B, a máxima deformação foi alcançada, e a cartilagem não irá se compactar mais
(figura 11), momento em que a cartilagem articular alcança seu máximo estresse interno na região da
superfície (figura 12). É a partir desse instante que ocorrerá o efeito de relaxamento ao estresse, que
envolve a redistribuição do líquido restante dentro da cartilagem, no intuito de reduzir a compactação
da matriz sólida na superfície e diminuir o estresse interno (figuras 11 e 12, momentos de B até E).
Na situação E, observa-se que um novo equilíbrio foi alcançado, no qual o fluido restante voltou a
ser uniformemente distribuído na estrutura e o estresse interno diminuiu, porém num patamar mais
alto do que na condição inicial, como mostra a figura 12 (NORDIN; FRANKEL, 2003).

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FIGURA 12 - Representação da variação do estresse

Representação da variação do estresse em função do tempo como resultado do efeito


de relaxamento ao estresse em situação de aplicação de uma carga compressiva
sobre a cartilagem articular. Fonte: Adaptado de Nordin e Frankel (2003).

Esse efeito é causado toda vez que uma carga compressiva é imposta à cartilagem, mas, se
o estresse causado na superfície for excessivo, ele poderá causar uma ruptura na matriz sólida.
Portanto, é importante, em situações como um treinamento físico, que esse efeito seja causado
por cargas controladas para que o equilíbrio na redistribuição de fluido seja alcançado antes que
cargas mais altas sejam aplicadas.

Uma forma bastante eficiente de promover o efeito de relaxamento ao estresse de forma controlada
é por meio do aquecimento específico que antecede o treinamento em si. Nele, a especificidade da
modalidade é mantida, o que garante que a cartilagem das articulações envolvidas será submetida
às forças compressivas, porém com intensidade menor. Dessa forma, o risco de lesão será menor.

O efeito de relaxamento ao estresse ocorre relativamente rápido. O tempo para que o equilíbrio na
redistribuição do fluido seja alcançado leva até cinco segundos. Porém, para que este seja mantido
por um certo período, as cargas compressivas precisam ser aplicadas por, aproximadamente, 30
ciclos (FUNG, 1993).

O cuidado com as cargas visa prevenir que a cartilagem articular sofra danos ou lesões que
tem pequena possibilidade de reparar. A capacidade de se adaptar aumentando a síntese de
matriz sólida por meio dos condrócitos parece ser alta; contudo, aparentemente, a capacidade da
cartilagem de se regenerar quando ocorre o rompimento dessa matriz parece ser bastante limitada
(NIGG; HERZOG, 2006). Por isso, é importante prevenir que esse tipo de lesão ocorra. As lesões da
cartilagem articular podem acontecer por interação das superfícies de apoio e por fadiga (NORDIN;
FRANKEL, 2003).

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As lesões provenientes de interação das superfícies de apoio estão relacionadas ao atrito que
pode ocorrer entre as cartilagens em situação de lubrificação inadequada, o que podem causar um
desgaste por adesão ou por abrasão.

O desgaste por adesão está associado a uma fixação forte entre as duas superfícies, que, ao
serem deslizadas, têm suas superfícies despedaçadas. O desgaste por abrasão ocorre em uma
situação na qual uma das superfícies é mais dura, de forma que, durante o deslizamento, a mais
macia será arranhada pela outra. O material mais duro pode ser um fragmento que se encontra
entre as superfícies, que pode promover dilacerações nelas. Esse material pode ser, ainda, a própria
superfície de contato da estrutura (NORDIN; FRANKEL, 2003).

O baixo atrito obtido pela superfície lisa da cartilagem em associação com a lubrificação do
líquido sinovial torna o risco desse tipo de lesão baixíssimo. Porém, quando a cartilagem já estiver
lesionada, a superfície torna-se mais irregular, e isso aumenta a predisposição a esse tipo de lesão
e a piora progressiva do desgaste (WHITING; ZERNICKE, 2001).

As lesões por fadiga são lesões crônicas, nas quais ocorre o acúmulo de danos microscópicos
causados por cargas mecânicas aplicadas repetidas vezes, a ponto de lesionar a superfície da
cartilagem. Essas lesões podem ocorrer por cargas altas e cíclicas aplicadas por curto ou longo
período de tempo (NORDIN; FRANKEL, 2003). Deve-se ter cuidado com cargas muito altas aplicadas
em curto intervalo e de forma repetitiva, pois nessa condição pode não haver tempo suficiente para
que o mecanismo de relaxamento ao estresse seja desencadeado, o que pode promover dano à
estrutura da cartilagem.

Se por um lado a magnitude da carga aplicada sobre a cartilagem precisa ser controlada,
também precisa de controle a distribuição dela na superfície de contato. A relação da carga imposta
com a sua área de contato remete a uma variável física conhecida como pressão, que é uma força
distribuída em uma determinada área. Para a análise da resposta de materiais como os biológicos,
geralmente a palavra pressão é substituída por estresse mecânico.

São muitos os fatores que interferem nas alterações da área de contato da cartilagem articular.
Por exemplo, no joelho, alguns desses fatores são a extração do menisco, as rupturas ligamentares e
a lateralização da patela. A extração de menisco, também conhecida como meniscotomia, predispõe
a lesões ligamentares, pois sem essas estruturas a distribuição das cargas será prejudicada. Já
na ruptura ligamentar, a estabilização passiva da articulação será comprometida, permitindo
movimentos excessivos entre os ossos que podem sobrecarregar a cartilagem de forma anormal.

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Por último, outro fator que pode alterar a área de contato é o deslocamento anormal da patela,
que geralmente envolve a lateralização dela. Em condições normais, durante a flexo-extensão
dos joelhos, os estabilizadores ativos e passivos da patela promoveriam uma excursão na qual as
forças estariam distribuídas adequadamente na articulação patelofemoral. Contudo, em algumas
condições, esse osso pode se deslocar de forma anormal, geralmente mais lateralizada do que
deveria, promovendo a perda de contato na região medial e concentrando as forças de compressão
entre o fêmur e a região lateral da patela. As causas para o deslocamento anormal da patela ainda
são muito discutidas, mas seguramente dependem de vários fatores.

Diante disso, nota-se que os mecanismos de lesão da cartilagem ainda não são plenamente
conhecidos. Além disso, devido às diversas formas de lesão que podem ocorrer, é bem possível
que ocorra a combinação desses mecanismos.

ACONTECEU

Pesquisadores da PUC-PR realizaram uma investigação sustentada por revisão sistemática da


literatura tendo como fonte de estudo indivíduos acometidos pela osteoartrose com idade superior
a 50 anos de idade. Na primeira etapa a investigação, foi realizado levantamento de artigos, e, na
segunda, uma leitura e seleção criteriosa.

Entre as regiões acometidas pela osteoartrose, o joelho foi o local mais mencionado no estudo,
seguido por quadril, mão, articulação temporomandibular e tornozelos.

Conheça o estudo completo clicando em: http://www2.pucpr.br/reol/index.php/RFM?dd1=7602&dd99=pdf.

4. FIBROCARTILAGEM
As fibrocartilagens são tecidos presentes em algumas articulações do corpo. Elas podem formar
um anel, como é o caso do disco intervertebral, ou apresentarem-se no formato de uma meia lua,
como nos meniscos do joelho. As fibrocartilagens são compostas por camadas concêntricas de
fibras de colágeno dispostas em diferentes direções. Dentre suas funções, estão: distribuir as cargas
nas superfícies articulares; promover melhor encaixe entre os ossos que formam a articulação,
gerando maior estabilidade articular; absorção de cargas mecânicas; entre outras (HALL, 2009).
São alguns exemplos de fibrocartilagens os meniscos dos joelhos e o lábio glenoidal.

Os meniscos do joelho são fibrocartilagens no formato de meia lua e encontram-se presos ao


platô tibial. Dois deles podem ser observados: o lateral e o medial. O formato dos dois meniscos é
ligeiramente diferente para acompanhar e possibilitar melhor encaixe com os côndilos do fêmur,
que também apresentam formatos ligeiramente diferentes (DUFOUR, 2003).

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São muitas as funções atribuídas aos meniscos, dentre as quais se destaca a melhora do encaixe
entre a tíbia e o fêmur, visando aumentar a estabilidade da articulação do joelho e distribuir melhor as
forças, reduzindo a pressão e o estresse articular (HALL, 2009; WHITING; ZERNICKE, 2001; NORDIN;
FRANKEL, 2003). Este é o motivo pelo qual a meniscotomia, extração de meniscos, predispõe a
lesões de cartilagem articular, bem como de ligamentos cruzados e colaterais do joelho (SMITH;
WEISS; DON LEHMKUHL, 1997). Com a extração do menisco, a área de contato entre os côndilos
do fêmur e o platô tibial diminui, e as forças compressivas passam a ser menos bem distribuídas
(figura 13). Isso concentra forças de compressão na cartilagem articular, predispondo-a a lesões
(NORDIN; FRANKEL, 2003).

FIGURA 13 - Função dos meniscos de distribuição das cargas na articulação do joelho

Força Força

Normal Menisco removido


Ilustração representando a função dos meniscos de distribuição das cargas na articulação do joelho. Com a
remoção deles, as cargas compressivas estariam concentradas em uma área de contato menor, aumentando o
estresse sobre a cartilagem articular e piorando a estabilidade articular. Fonte: Adaptado de Nordin e Frankel (2003).

Por melhorar o encaixe entre a tíbia e o fêmur, e considerando que nos movimentos de flexão
e extensão do joelho os meniscos se deslocam para acompanhar os movimentos dos côndilos, a
extração deles também afeta a estabilidade da articulação e aumenta o estresse sobre as estruturas
ligamentares, aumentando o risco de lesão sobre elas (NORDIN; FRANKEL, 2003).

As lesões de menisco geralmente são lacerações, que acometem cerca de 10 vezes mais os
mediais que os laterais. Uma possível causa para essa incidência é o menor deslocamento que o
menisco medial apresenta, devido à sua fixação maior ao platô tibial. Os mecanismos que podem
trazer lesão a esses meniscos, na sua maioria, são traumas causados por rotações com suporte
de peso e o joelho sustentando uma leve flexão.

Lesão no menisco medial podem ocorrer também devido a lesões no ligamento colateral tibial
(medial) que está inserido nele. Além disso, em situações de ruptura do ligamento cruzado anterior,
a menor estabilidade articular promove pior distribuição de cargas mecânicas e maior magnitude de

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forças compressivas aplicadas sobre essa estrutura. Felizmente, a reconstrução desse ligamento
tende a normalizar a distribuição das cargas mecânicas articulares e diminuir o risco de lesão nos
meniscos (NEUMANN, 2006; HALL, 2009).

Os discos intervertebrais, além da fibrocartilagem anelar, conhecida como anel fibroso, apresentam
um gel aquoso no seu interior, conhecido como núcleo pulposo, constituído basicamente de água e
proteoglicanos. Os discos intervertebrais têm a função de distribuir as cargas mecânicas e restringir
movimentos excessivos entre as vértebras (NORDIN; FRANKEL, 2003).

Vários tipos de solicitações mecânicas podem ser aplicados a eles, como forças de compressão,
de torção e de cisalhamento. Felizmente, as características estruturais do disco atribuem boa
resistência a essas forças. Por exemplo, o anel fibroso é composto por camadas concêntricas de
diversas fibras de colágeno dispostas obliquamente, com ângulos de aproximadamente 30 graus
(figura 14). Essa angulação é importante, pois fornece resistência a forças de cisalhamento, de
torção e de distração (afastamento ou separação vertical) aplicadas sobre o disco (NEUMANN,
2006; HALL, 2009).

Como as fibras de colágeno apresentam comportamento viscoelástico e são bastante resistentes


a forças de tração, quando ocorre uma torção na coluna e, consequentemente, no disco intervertebral,
por exemplo, elas terão suas extremidades afastadas e oferecerão resistência às deformações.
As distrações, ou forças que tendem à separação das vértebras, são comuns em situações de
movimentos de flexão, extensão e flexão lateral da coluna (NEUMANN, 2006). As implicações destes
serão analisadas mais à frente.

FIGURA 14 - Orientação oblíqua das fibras de colágeno

θ
θ θ

Ilustração da orientação oblíqua das fibras de colágeno nas camadas ou lâminas


concêntricas do anel fibroso. Fonte: Adaptado de Neumann (2006).

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Durante as atividades cotidianas e esportivas, as forças mais comuns observadas na coluna
são as de compressão. Essas forças, semelhante ao discutido na cartilagem articular, apresentam
grande importância para manter um aporte nutricional adequado às necessidades de manutenção
das estruturas do disco. Da mesma forma como na cartilagem articular, as forças de compressão
induzem a perda de água e a remoção de substâncias metabólicas produzidas pelas células. A
perda de água irá produzir uma diminuição na altura do disco até que as pressões externas e
internas à estrutura se igualem, momento em que as deformações passam a ser mínimas, a não
ser que a intensidade de compressão seja aumentada, gerando novos desequilíbrios. Assim que a
compressão diminuir, o disco intervertebral volta a absorver água, transportando nutrientes para
o interior da estrutura (HALL, 2009).

O disco intervertebral tem grande importância na distribuição das cargas no anel fibroso e na
transmissão de forças entre as vértebras. Esse mecanismo é exemplificado pela figura 15. Quando
sob efeito de uma força de compressão, o núcleo pulposo expande-se, gerando uma tensão sobre o
anel fibroso, que resulta na tensão das fibras de colágeno deste, restringindo a expansão daquele.
Sendo o núcleo pulposo composto essencialmente por água, haverá uma distribuição uniforme
da carga nas diferentes direções no anel fibroso (figura 15A). Essa distribuição é necessária, pois
nenhuma região do disco deve ser excessivamente sobrecarregada.

Embora as fibras de colágeno apresentem resistência relativamente alta, as forças de tensão


aplicadas sobre elas são mais fáceis de ser toleradas se distribuídas e não concentradas em algumas
poucas. Conforme o anel fibroso se opõe à expansão do núcleo pulposo, isso gera uma força em
sentido contrário desta (figura 15B), que aumenta a pressão hidrostática, fazendo com que o disco
suporte a carga de compressão aplicada e a distribua adequadamente sobre a vértebra adjacente
(figura 15C) (NEUMANN, 2006).

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FIGURA 15 - Efeito da solicitação mecânica em compressão sobre o disco intervertebral
B
A

Ilustração do efeito da solicitação mecânica em compressão sobre o disco intervertebral,


promovendo a expansão uniforme do núcleo pulposo em todas as direções e garantindo a adequada
distribuição das cargas sobre o anel fibroso. Fonte: Adaptado de Neumann (2006).

Na postura ereta, o peso corporal aplica uma força vertical ao solo em cada uma das vértebras.
Essa força pode ser decomposta em um componente que produz compressão sobre os discos e
um que produz uma tendência ao cisalhamento anterior da vértebra. Uma vez que a força peso
resultante passa anteriormente à coluna, isso gera um momento de força flexor sobre esta, que será
contrabalanceado pela ação dos músculos extensores da coluna. A tensão muscular produzirá uma
força de cisalhamento posterior que irá contrabalancear a força de cisalhamento anterior produzida
pelo peso corporal (HALL, 2009).

Contudo, quando uma força de flexão é aplicada sobre a coluna, isso gera uma flexão sobre o
disco intervertebral, significando que a região anterior do disco será comprimida, enquanto a posterior
será tracionada (figura 16). A compressão anterior irá projetar o núcleo pulposo contra a parede
posterior do disco intervertebral. Este estresse será de maior magnitude do que numa situação
semelhante, com mesmo suporte de peso, porém mantendo as curvaturas fisiológicas da coluna.

Isso não significa que, quando ocorre flexão da coluna, o disco corre risco de lesão. Para que
este seja considerável, a flexão deve estar associada a outros fatores que aumentam a compressão
discal. Alguns deles são rotação da coluna, inclinação do corpo à frente e/ou elevação, suporte e
transporte de carga. Também interfere na compressão discal a forma como a carga é transportada
ou suportada, pois quanto mais distante estiver do eixo de rotação, maior será a compressão. Se
esses fatores estiverem combinados, a compressão será ainda maior (NACHEMSON, 1975). Porém
isso ainda não significa que o disco corre risco de lesão, pois, se a coluna estiver com as suas
curvaturas fisiológicas mantidas, a resistência do disco é maior do que o estresse ao qual ele será
submetido.

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FIGURA 16 - Efeito da solicitação mecânica em flexão sobre a coluna
Compressão Tensão

A P

Flexão lombar (vista lateral)


Ilustração do efeito da solicitação mecânica em flexão sobre a coluna, promovendo uma força de compressão
na região anterior e uma força de tração na região posterior do disco intervertebral. Como consequência,
ocorre a projeção do núcleo pulposo contra a parede posterior do disco intervertebral. Fonte: https://
encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcRbSFzRVEZnT8vioobBZN1Qw4kFTqbBVylmFXRmDQruG8-IjoBm.

Portanto, manter a coluna na postura correta, ou seja, preservando as curvaturas fisiológicas, é


essencial para a integridade dela e do disco intervertebral. Para manter a coluna na postura correta,
é importante ter os músculos paravertebrais, oblíquo interno e transverso do abdome fortalecidos.
Os paravertebrais mantêm a coluna em extensão, e o oblíquo interno e o transverso do abdome
aumentam a pressão intra-abdominal para aumentar a rigidez dessa região e tornar mais difícil a
flexão da coluna lombar. Esses músculos fortalecidos protegem a coluna contra lesões.

CURIOSIDADE

A terapia regenerativa com células estaminais é uma grande promessa no tratamento. Esse tipo de
célula pode ter origem no embrião, no feto, no recém-nascido ou no adulto, existindo diversas fontes
para a sua colheita. Saiba mais a respeito clicando neste link: http://clinicajoelhoombro.com/ficheiros/
noticias/celulas_estaminais_em_ortopedia_aplicacoes_clinicas.pdf.

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6. LIGAMENTO E TENDÃO
FIGURA 17 – Ligamento e tendão

Por Alila Medical Media / Shutterstock

Uma vez que as características dos ligamentos e dos tendões são muito semelhantes, eles serão
tratados em conjunto, com o apontamento das diferenças que apresentam. A primeira diferença
dessas estruturas está na função delas. O tendão é uma estrutura que conecta o músculo ao osso.
Por conta disso, sua função é a de transmitir as forças de tensão produzidas pelo primeiro ao
segundo, para que movimento possa ser realizado. Já os ligamentos são estruturas que geralmente
estão conectadas a ossos com a função de estabilizar as articulações ao restringir movimentos
indesejáveis (FUNG, 1993).

Tanto os ligamentos quanto os tendões são compostos em grande parte por fibras de colágeno.
Como visto anteriormente, esta é uma fibra elástica e muito resistente, que responde bem a
solicitações mecânicas tensivas. O comportamento mecânico dessas estruturas pode ser analisado
por meio de testes mecânicos, nos quais se observa a resposta de deformação que apresentam a
uma solicitação mecânica de tração ou tensão (gráfico 5).

Tanto os ligamentos quanto os tendões apresentam quatro fases diferentes de resposta. A


fase 1 representa o alinhamento das fibras de colágeno. Quando essas estruturas não estão sendo
tracionadas, elas apresentam-se em uma disposição ondulada e relaxada. Com uma quantidade
relativamente pequena de carga em tração, ocorre o alinhamento, na qual as fibras passam a ficar
alinhadas e esticadas. A fase de alinhamento também é conhecida como região primária ou dos
artelhos.

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A fase 2 é a de resposta linear ou região secundária. Nela, as fibras respondem à tração por meio
de alongamento. A relação entre estas duas variáveis é mais ou menos linear, ou seja, quanto maior
for a força empregada, maior será o alongamento da estrutura, mas também quanto mais alongada,
maior será a sua rigidez. A fase 3 representa o instante a partir do qual as fibras de colágeno vão
aleatoriamente se rompendo na extensão da estrutura e a resistência delas vai gradativamente
sendo comprometida em função dessas rupturas. Essa é a chamada fase de falha ou microfalha.
Por último, a fase 4 representa a fase da ruptura total, na qual a carga máxima foi atingida e a
estrutura não é mais capaz de responder ao estímulo (NORDIN; FRANKEL, 2003).

GRÁFICO 5 - Resposta mecânica do tendão submetido a um teste mecânico em tração até a sua ruptura total

4
3
Carga (P)

Alongamento (%)
Gráfico representando a resposta mecânica do tendão submetido a um teste mecânico em tração até a sua ruptura
total. Os números 1, 2, 3 e 4 correspondem às quatro fases de resposta. Fonte: Adaptado de Nordin e Frankel (2003).

Apesar da importância de conhecer qual o limite superior de carga aplicada sobre o ligamento
e o tendão para promover o seu rompimento, é relevante mencionar que o máximo tolerado é muito
superior às cargas que são, em condições fisiológicas normais, aplicadas sobre essas estruturas.
Por exemplo, durante a execução da corrida e do salto, a máxima carga tensiva corresponde a 30%
da carga máxima necessária para promover a ruptura total (FUNG, 1993).

Mesmo assim, a ruptura total é possível, mas não pela magnitude da carga aplicada e sim
por uma associação de fatores que determinam o mecanismo de lesão desses tecidos. Nessas
duas estruturas, o rompimento dá-se por mecanismos distintos que precisam ser entendidos
separadamente.

Por serem predominantemente compostas por fibras de colágeno, tendões e ligamentos


apresentam um comportamento viscoelástico, que é, obviamente, a associação do comportamento
elástico com o comportamento viscoso. O comportamento elástico é bastante conhecido. Nele, a

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estrutura apresenta uma deformação com certo acúmulo de energia que será restituída ao término
da aplicação de carga, revertendo a deformação. Já o comportamento viscoso é tempo-dependente,
ou seja, o tempo no qual o tecido sofre a carga aplicada afeta a resposta dele.

Portanto, as repostas viscoelásticas de um tecido são influenciadas pela magnitude da carga


e pelo tempo de exposição a ela. Por isso, cada vez que uma carga é aplicada sobre um tecido
viscoelástico, como o tendão e o ligamento, observa-se certo comportamento não reversível, não
elástico, que, por sua vez, afeta a resposta do tecido nas cargas subsequentes. Em outras palavras,
uma carga de tração imposta a um tendão faz com que ele se deforme. Com a retirada dessa carga,
a deformação é revertida, porém não completamente. Numa nova aplicação, a deformação será
maior, e a remoção da carga promoverá um retorno menor ainda. Em outras palavras, cargas cíclicas
de tração promoverão o aumento agudo do comprimento do tecido, afetando a sua rigidez e sua
resistência a ponto de torná-lo suscetível a microfalhas, mesmo que sob ação de cargas fisiológicas
(ENOKA, 2000; NORDIN; FRANKEL, 2003).

As lesões sobre o tendão e o ligamento são consequência não da magnitude das cargas impostas
durante os movimentos cotidianos ou esportivos, mas do volume de aplicação delas, que podem
promover rupturas parciais (deformações plásticas em fase de microfalha) ou totais. Isso pode
acontecer numa sessão de treinamento ou no efeito somado de várias sessões. Contudo, como o
tecido se regenera com o passar do tempo, as lesões provenientes de sessões somadas dependem,
também, do intervalo de tempo de recuperação entre elas. Períodos curtos de recuperação levariam
às lesões, e períodos suficientes, não.

Os comportamentos mecânicos de um ligamento e de um tendão podem ser observados nos


testes de estresse deformação e de acomodação (gráfico 6). No primeiro (gráfico 6A), uma carga é
aplicada para promover uma deformação, que será mantida constante. Ao longo do tempo, nota-se
que a carga necessária para se manter a deformação diminui, ou seja, o mesmo comprimento passa
a ser mantido com uma carga menor e assim pode ser atingido mais facilmente. No movimento
humano, por exemplo, esse comportamento permite alcançar amplitudes de movimento maiores
com gastos menores de energia. Ele pode ser alcançado por meio da aplicação cíclica de carga, ou
seja, sucessivas trações fazem com que deformações iguais sejam alcançadas com cargas cada
vez menores. Nesse caso, esse efeito é de menor magnitude do que quando a carga for mantida
constante.

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No teste de acomodação (gráfico 6B), uma carga constante em tração é aplicada para se
analisar a deformação que resultará na estrutura. Dessa maneira, ocorrerá uma deformação inicial
rápida seguida de uma deformação lenta até que um equilíbrio seja alcançado. Este é denominado
acomodação. Esse efeito também pode ser produzido ciclicamente, porém com um resultado menor
(ENOKA, 2000; NORDIN; FRANKEL, 2003).

GRÁFICO 6 - Respostas mecânicas de relaxamento ao estresse e de acomodação a uma deformação


A

Relaxamento de carga
Carga

(comprimento mantido constante)

Fenômeno de acomodação
Tempo (carga mantida constante)
Deformação

Tempo

Respostas mecânicas de relaxamento ao estresse e de acomodação a uma deformação mantida constante e a


uma carga mantida constante, respectivamente, ao longo do tempo. Fonte: Adaptado de Nordin e Frankel (2003).

Diversas aplicações podem ser pensadas para esses comportamentos dos tecidos viscoelásticos.
Por exemplo, na execução de um movimento cíclico, seja uma corrida ou um treinamento de força,
deformações sucessivas serão impostas em comprimento relativamente constante. Com o avançar
dos ciclos, a força necessária para alcançar esse comprimento no tecido torna-se menor, reduzindo
a energia necessária para alcançar essa amplitude no movimento.

As respostas que os ligamentos e os tendões apresentam às forças de tração são semelhantes,


porém os fatores ou mecanismos que as promovem são diferentes nos dois tecidos. Os ligamentos
apresentam uma característica de tensão que depende da amplitude de movimento e da restrição
específica que proporcionam. Por exemplo, o ligamento cruzado anterior no joelho apresenta-se
em tensões de maior magnitude em amplitudes próximas da extensão total (NEUMANN, 2006).
Além disso, por restringir primariamente o deslocamento anterior e secundariamente a rotação
medial da tíbia, ele apresentará altas tensões quando essas restrições forem necessárias (NIGG;
HERZOG, 2006).

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No movimento humano, a estabilização da articulação dá-se por meio da contração muscular
inerente ao movimento (estabilização ativa) e principalmente da ação dos ligamentos (estabilização
passiva). Por isso, o estresse mecânico sobre as estruturas ligamentares não é alto o suficiente
para promover lesões. Contudo, devido a fatores como irregularidades do piso, forças externas
provocadas por oponentes na prática de modalidades esportivas e rápidas mudanças na execução do
movimento, a atividade muscular pode não apresentar tempo suficiente para se ajustar à demanda.
Assim, a necessidade de estabilização passiva será maior, podendo promover uma magnitude de
tração que cause uma deformação plástica no tecido ligamentar.

Portanto, os principais mecanismos de lesão dos ligamentos são os fatores externos e inesperados,
como os movimentos excessivos produzidos sem atividade muscular correspondente. Além disso,
movimentos como torções no joelho (rotação medial da tíbia e lateral do fêmur), associados ao
suporte de peso corporal, aumentam a probabilidade de lesões no ligamento cruzado anterior. Já
as entorses de tornozelo, representadas por inversão subtalar e flexão plantar, aumentam o risco
de lesões nos ligamentos calcaneofibular, talofibular anterior e/ou talofibular posterior (NEUMANN,
2006; NIGG; HERZOG, 2006).

Já os tendões apresentam solicitações mecânicas em tração dependentes de fatores diferentes


dos observados nos ligamentos, como a magnitude de tensão produzida pelos músculos e a
amplitude de alongamento do músculo ao qual o tendão está conectado (NORDIN; FRANKEL, 2003;
ZATSIORSKY, 2004). Isso significa que, em situações de execução de movimento normal, eles podem
ser excessivamente tensionados a ponto de promover uma lesão. Porém a maioria destas ocorre
como efeito de repetidas trações causadas numa mesma sessão de treinamento e somadas às
várias sessões, sem tempo suficiente para a recuperação do tecido, ou seja, lesões crônicas. As
lesões agudas podem ser observadas em situações de tendões bastante enfraquecidos devido a
longos períodos de sedentarismo e submetidos a atividades extenuantes numa sessão prolongada
(WHITING; ZERNICKE, 2001; NORDIN; FRANKEL, 2003).

Outro fator que predispõe as lesões tendíneas é a diminuição do aporte sanguíneo à estrutura.
Essa diminuição da vascularização pode ocorrer devido a compressões, como nos casos de
síndrome de pinçamento no ombro (WHITING; ZERNICKE, 2001; NEUMANN, 2006) ou devido a
torções impostas sobre o tendão, como em casos de excesso de pronação do tornozelo durante a
corrida (KADER et al., 2002).

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Vale lembrar que esses fatores, em muitos casos, estão associados para o surgimento de rupturas
parciais e totais de ligamentos e tendões, o que dificulta ainda mais o controle dessas lesões. Além
disso, em cada um, os mecanismos são complexos e ainda não plenamente compreendidos. Por
isso, deve-se ter muita cautela na determinação da causa de uma lesão.

7. TECIDO MUSCULAR
FIGURA 18 – Tecido muscular

Por BlueRingMedia / Shutterstock

O tecido muscular é o único tecido ativo do corpo humano, sendo que todos os outros são
passivos. Isso significa que é o único tecido capaz de produzir tensão e que os outros apenas
respondem às forças aplicadas sobre eles. O tecido muscular é constituído de células chamadas
de fibras musculares. Estas são células cilíndricas, longas e multinucleadas, que contêm estruturas
também cilíndricas conhecidas como miofibrilas. As miofibrilas estão em grande número no interior
da fibra muscular, dispostas em paralelo. Cada uma é composta de diversos sarcômeros em série,
formados pelos filamentos contráteis actina (filamento fino) e miosina (filamento grosso).

As fibras musculares são recobertas por uma membrana elástica fina chamada de sarcolema.
Recobrindo esta, observa-se uma camada de tecido conjuntivo chamada de endomísio. As fibras
agrupam-se no músculo em um conjunto chamado de fascículo, que por sua vez também é recoberto
por uma camada de tecido conjuntivo, o perimísio. O músculo como um todo é um conjunto de
fascículos, recoberto por uma camada externa de tecido conjuntivo chamado de epimísio (HALL,
2009; ENOKA, 2000; NORDIN; FRANKEL, 2003).

O músculo é formado por três componentes: componente contrátil, componente elástico em


paralelo e componente elástico em série. Os componentes contráteis correspondem aos filamentos

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contráteis actina e miosina. Os componentes elásticos em paralelo são as camadas de tecido
conjuntivo que recobrem o músculo, o fascículo e a fibra muscular, ou seja, o epimísio, o perimísio
e o endomísio, respectivamente. Essas camadas prolongam-se para formar uma nova estrutura,
o tendão. Os componentes elásticos em série correspondem aos tendões que se encontram em
série em relação aos componentes contráteis.

Para que a contração muscular possa ocorrer, um estímulo nervoso deve ser conduzido até a fibra
muscular, para que ela seja despolarizada e todo o processo químico que envolve esse mecanismo
seja desencadeado. Para saber mais sobre esse processo, sugere-se buscar informações sobre a
teoria dos filamentos deslizantes. Uma vez que a fibra muscular seja estimulada, a tensão muscular
será produzida com características específicas, dependendo do comprimento do músculo, dos
componentes envolvidos na produção de tensão, da velocidade de contração, do tipo de contração
envolvida e do arranjo que as fibras musculares apresentam, também conhecido como arquitetura
muscular (HAMILL; KNUTZEN, 1999; ENOKA, 2000; NORDIN; FRANKEL, 2003; HALL, 2009).

A tensão muscular e o encurtamento muscular tornam-se possíveis devido ao deslizamento da


actina sobre a miosina. O que causa esse deslizamento são as ligações das pontes cruzadas com
o sítio ativo localizado na actina. Como a tração desta para o centro do sarcômero é feita por essas
ligações, quanto maior for o número delas, maior será a tensão muscular produzida.

Do encurtamento total do músculo ao alongamento total, o sarcômero passa por disposições


distintas de actina e miosina, que afetam a produção de tensão muscular. Isso significa que, na
amplitude total de movimento, o músculo não é capaz de gerar uma tensão constante. Esta varia
em função do comprimento no qual o músculo se encontra. Essa característica em função do
componente contrátil pode ser observada na curva de comprimento-tensão (gráfico 7). Nesta,
observa-se que a produção de tensão nos componentes contráteis é baixa quando o músculo está
completamente encurtado ou alongado e que a tensão máxima é atingida quando ele se encontra
em um comprimento intermediário (2,0 µm a 2,25 µm), chamado de comprimento de repouso do
músculo.

Quando o sarcômero está completamente alongado, a produção de tensão é baixa, pois a


possibilidade de realizar ligações de pontes cruzadas depende de sobreposição dos filamentos de
actina sobre os de miosina. Em comprimentos progressivamente mais encurtados, a capacidade de
produzir tensão aumenta devido à maior sobreposição dos filamentos. No comprimento de repouso,
a tensão é máxima, pois a sobreposição é ideal, permitindo que todas as pontes cruzadas possam

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fazer ligação. Em comprimentos menores que esse, a capacidade de produzir tensão é mais baixa
devido à disposição estrutural dos filamentos, que novamente impossibilita que todas as pontes
cruzadas realizem conexão (NORDIN; FRANKEL, 2003; ZATSIORSKY, 2004; NIGG; HERZOG, 2006).

GRÁFICO 7 - Curva de comprimento-tensão do músculo


Tensão Relativa

1,0

0,5

1,27 1,65 2,0 2,25 3,6

Comprimento do Sarcômero (µm)

2,25_3,6 µm
Z M A
Z
2,0_2,25 µm

<1,65 µm

Curva de comprimento-tensão do músculo, na qual se observa a produção de tensão proveniente


dos seus componentes contráteis (tensão ativa). Fonte: Adaptado de Nordin e Frankel (2003).

Essa descrição representa a tensão ativa produzida pelo músculo, ou seja, aquela produzida
pelos componentes contráteis. Contudo, ele apresenta também componentes elásticos em série
e em paralelo, que são capazes de produzir tensão, porém de forma passiva e sob condições
específicas (gráfico 8). Os componentes elásticos, por serem compostos de fibras de colágeno,
apresentam um comportamento típico na produção de tensão. A partir do comprimento de repouso,
quando ocorre o encurtamento, nenhuma tensão é acumulada neles, pois as duas extremidades do
músculo estão sendo aproximadas. Por outro lado, quando este é alongado a partir do comprimento
de repouso, suas duas extremidades são afastadas, e os componentes elásticos acumulam energia
progressivamente maior.

Do comprimento de repouso para o encurtamento total, somente os componentes contráteis


produzem tensão. Já quando o músculo é alongado a partir do comprimento de repouso, a tensão
total corresponderá ao somatório da tensão ativa e da passiva, produzidas pelos componentes
contráteis e elásticos, respectivamente (HALL, 2009; ZATSIORSKY, 2004).

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GRÁFICO 8 - Curva de comprimento-tensão do músculo

Tensão
Total

Tensão
Ativa
Tensão

Tensão
Passiva

50 100 150

Comprimento (% do comprimento de repouso)


Curva de comprimento-tensão do músculo, ilustrando a tensão total produzida por ele nos diferentes comprimentos
musculares, a partir da tensão passiva e da tensão ativa. Fonte: Adaptado de Nordin e Frankel (2003).

O comportamento dos componentes contráteis e dos componentes elásticos ilustra que o


sistema musculotendíneo produz uma tensão total maior quando se encontra alongado do que
quando se encontra encurtado. Essa é uma ferramenta importante em situações de exigência de
força rápida. Em movimentos que envolvem velocidade, como saltos verticais, arremessos e chutes,
observa-se que eles são precedidos de um movimento preparatório, no qual ocorre o alongamento
do grupamento muscular envolvido. No alongamento, os componentes elásticos do músculo
são estirados e acumulam energia elástica, que, posteriormente, poderá ser restituída durante o
encurtamento e somada à tensão produzida nos componentes contráteis. Essa forma de produção
de força muscular é conhecida como ciclo alongamento-encurtamento (KOMI; HÄKKINEN, 1988).

A característica da tensão produzida pelo músculo é afetada pela velocidade na qual o movimento
é realizado (gráfico 9). Por exemplo, quanto maior a exigência de força, menor a capacidade de
realizar uma contração concêntrica com velocidade. Por isso, se a carga mobilizada for muito alta,
próxima do máximo, a capacidade de realizar o movimento rápido será baixa. Caso se deseje realizar
o movimento com velocidade maior, será necessário diminuir a exigência de força.

As diferentes modalidades esportivas encontram-se em regiões diferentes dessa curva de


força-velocidade. Por exemplo, os halterofilistas de levantamento básico necessitam levantar a
maior carga possível para ter êxito na modalidade, não sendo necessário que a velocidade seja
alta. Já corredores velocistas são avaliados pela capacidade de deslocar a massa corporal em alta
velocidade.

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Ao relacionar a força com a velocidade, obtém-se a variável potência, que é o produto da força
com a velocidade. No corpo humano, não é possível produzir alta potência com cargas baixas, mesmo
que a velocidade seja muito alta. Da mesma forma, isso não é possível com cargas excessivamente
elevadas, pois a velocidade do movimento será muito baixa. A potência máxima é alcançada a cerca
de 30% da velocidade máxima (ZATSIORSKY, 1999; ZATSIORSKY, 2004; NIGG; HERZOG, 2006).

De maneira geral, é difícil afirmar que uma modalidade se encontra exatamente nessa relação
de força-velocidade na qual a potência produzida seja máxima. Contudo, mesmo que a velocidade
de movimento esteja acima ou abaixo de 30%, a característica de produção de força pode ser
treinada para otimizar a produção de potência na velocidade exigida. Esses ajustes específicos
podem ser alcançados por meio de treinamentos que especificamente objetivam a velocidade e a
força exigidas na modalidade (KOMI; HÄKKINEN, 1988; ZATSIORSKY, 2004).

GRÁFICO 9 - Curva de força-velocidade e curva de potência-velocidade


Força/Potência

Pmax

0,3 V0 V0
Velocidade
Curva de força-velocidade e curva de potência-velocidade, na qual Vo indica a velocidade máxima e 0,3 Vo
indica a velocidade na qual a potência máxima é alcançada. Fonte: Adaptado de Zatsiorsky (2004).

A velocidade de execução de movimento e a correspondente velocidade desenvolvida sofrem


interferência do tipo de contração realizada (gráfico 10). Vimos a relação força-velocidade em
contração concêntrica. Em contração isométrica, obviamente a velocidade é zero, pois ela caracteriza-
se pela ausência de movimento. Nesse caso, a máxima força desenvolvida é maior que aquela na
contração concêntrica.

Em contração excêntrica, a relação entre força e velocidade é direta, ou seja, quanto maior a
velocidade de execução do movimento, maior a força máxima desenvolvida. Isso se deve, em parte,
à energia elástica adicionada à tensão produzida pelos componentes contráteis, mas também ao

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fato de que, em contração excêntrica, o torque produzido pelo músculo terá que ser menor que
o torque do peso, diminuindo ainda mais quanto maior a velocidade, permitindo maior facilidade
para mobilizar massas maiores com velocidades mais altas (KOMI; HÄKKINEN, 1988; HALL, 2009;
NORDIN; FRANKEL, 2003).

GRÁFICO 10 - Curva de força-velocidade

Excêntrico
Força

Concêntrico
Isométrico
Máximo

0
Velocidade

Curva de força-velocidade nas contrações concêntrica, excêntrica e isométrica. Fonte: Adaptado de Hall (2009).

Por último, a força e a velocidade são afetadas pelo arranjo das fibras no ventre muscular. Os
músculos podem apresentar dois arranjos ou arquiteturas diferentes: fusiforme ou peniforme. Os
músculos fusiformes apresentam fibras musculares dispostas paralelamente ou longitudinalmente
ao tendão do músculo, por exemplo, o bíceps braquial. Já os peniformes apresentam suas fibras
dispostas obliquamente ao tendão.

Os músculos peniformes podem ser unipenados, bipenados ou multipenados. Os unipenados


apresentam as suas fibras musculares dispostas todas em uma mesma direção, como o músculo
semimembranáceo. Os bipenados apresentam fibras dispostas em duas direções, como no caso
do músculo gastrocnêmio. Por último, os multipenados apresentam geralmente mais de um feixe
muscular e fibras dispostas em várias direções, como no caso do músculo deltoide, porção acromial
(HAMILL; KNUTZEN, 1999).

Esses arranjos diferentes afetam a produção de tensão e de velocidade. O gráfico 11 ilustra a


curva de comprimento-tensão (gráfico 11A) e a curva de força-velocidade (gráfico 11B) de ambos.
Na curva de comprimento-tensão, observa-se que os músculos fusiformes são capazes de produzir
tensão em um comprimento maior, em outras palavras, em uma amplitude de movimento (ADM)
maior. Isso se deve ao fato de as fibras musculares desses músculos serem mais longas que as
dos peniformes. O exemplo clássico é o bíceps braquial.

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Por outro lado, os músculos peniformes produzem maior magnitude de tensão que os fusiformes.
Isso se deve à maior área de secção transversa fisiológica (PCSA) que apresentam. Por apresentarem
fibras dispostas obliquamente ao tendão, o corte transverso deverá ser feito perpendicularmente
a elas. Assim, esses músculos apresentarão maior quantidade de fibras numa área de secção
transversa maior. O exemplo de músculo peniforme é o reto da coxa, que é bipenado.

GRÁFICO 11 - Curva de comprimento-tensão de um músculo de fibras curtas


A B

100 100
Fibras curtas,
grande PCSA
80 80
Força Muscular (N)

Força Muscular (N)


Fibras curtas,
60 60 grande PCSA
Fibras longas,
40 pequeno PCSA 40

20 20 Fibras longas,
pequeno PCSA
0 0
5 10 15 20 25 5 10 15 20 25
Comprimento Muscular (cm) Velocidade Muscular (cm/s)

(A) Curva de comprimento-tensão de um músculo de fibras curtas e grande área de secção


transversa fisiológica (PCSA), ou seja, um músculo peniforme, e um músculo de fibras longas
e pequena PCSA, ou seja, um músculo fusiforme. (B) Curva de força-velocidade para os
músculos fusiformes e peniformes. Fonte: Adaptado de Nordin e Frankel (2003).

No gráfico 11B, pode-se observar que a relação de força e velocidade desses músculos também é
influenciada. Os dois músculos são capazes de gerar ambos na contração, mas cada um apresenta
uma capacidade. Como já vimos, os peniformes apresentam capacidade maior de produzir tensão
que os fusiformes. No entanto, as fibras mais curtas e a disposição oblíqua delas faz com que o
encurtamento do músculo ocorra com pequeno deslocamento longitudinal e com velocidade mais
baixa que nos últimos (NORDIN; FRANKEL, 2003).

Como exemplo, observe a figura 19, representando o deslocamento em encurtamento de duas


fibras, uma disposta longitudinalmente (fusiforme) e a outra, obliquamente (peniforme). Supondo
que ambas tenham o mesmo comprimento (10 cm) e que elas se encurtem para a metade de
seu comprimento (5 cm), o encurtamento da fibra fusiforme está todo direcionado no sentido do
movimento. Já a peniforme terá uma extensão longitudinal de 6 cm, considerando hipoteticamente
um ângulo de penação de 60 graus com o eixo vertical. Nesse caso, com o mesmo encurtamento, o
deslocamento longitudinal das duas extremidades do músculo será de apenas 3 cm. Considerando
as duas fibras como tendo o mesmo tempo de encurtamento, a do músculo fusiforme tracionará
o tendão em velocidade maior.

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FIGURA 19 - Ilustração do deslocamento em encurtamento de duas fibras
10cm

10cm
3cm
5cm

6cm 5cm

Fusiforme Peniforme
Ilustração do deslocamento em encurtamento de duas fibras, uma disposta longitudinalmente
(fusiforme) e a outra, obliquamente (peniforme). Fonte: Elaborado pela autora.

Portanto, o direcionamento do encurtamento já promove maior capacidade de produzir velocidade.


Além disso, as fibras dos músculos fusiformes são mais longas, com maior número de sarcômeros
em série, e isso potencializa ainda mais a velocidade de contração (gráfico 11B). Na figura 19,
pode-se observar também que, na fibra oblíqua dos músculos peniformes, a tensão muscular será
produzida na direção da fibra e não na do tendão. Por isso, apenas parte dela irá gerar movimento.
Dessa forma, pode-se afirmar que uma única fibra produz uma tensão muscular menos eficiente para
gerar encurtamento no músculo peniforme do que no fusiforme. Por outro lado, como o peniforme
apresenta área de secção transversa maior, com maior número de fibras, há compensação da
eficiência menor delas, por isso ele é capaz de produzir mais força.

Considerando esses elementos que interferem na produção de tensão, é muito importante escolher
adequadamente o tipo de treinamento para aumentar o rendimento do músculo durante a realização
de modalidades específicas. A escolha adequada não apenas beneficiará o rendimento dentro da
modalidade, mas também prevenirá o surgimento de lesões, pois um sistema musculotendíneo
mais bem preparado para exercer suas funções estará menos suscetível à fadiga e a estresses
específicos sobre o tecido.

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8. TORQUE E ALAVANCAS
FIGURA 20 – Torque e alavancas

Por baranq / Shutterstock

A compreensão do conceito de torque e alavancas é imprescindível para o entendimento da


forma pela qual o músculo esquelético é capaz de produzir movimento em associação com os ossos
do aparelho locomotor. Contudo, para que esse entendimento seja pleno, é necessário conhecer
primeiramente os tipos de movimentos possíveis na natureza e as forças que os causam.

Todos os movimentos da natureza podem ser classificados em dois tipos distintos: translação
e rotação (ÖZKAYA; NORDIN, 1991; HALL, 2009). Obviamente, eles podem acontecer isoladamente
ou combinados. Os movimentos de translação são aqueles nos quais o corpo se desloca por
inteiro numa mesma direção e todas as moléculas dele se encontram com na mesma velocidade
ou aceleração (HALL, 2009). Um exemplo seria o de um carro que se desloca em uma rua. Se não
houver irregularidades na pista, todas as peças dele estarão se deslocando na mesma direção e
com a mesma velocidade.

No corpo humano, um exemplo desse tipo de movimento seria o que ocorre com a cabeça durante
a corrida. A orelha e o nariz de uma pessoa que corre na rua estariam se deslocando com uma mesma
velocidade e na mesma direção; a diferença seria que eles não estariam se deslocando em linha
reta e sim em sucessivas parábolas. Por meio desses dois exemplos, nota-se que um movimento
de translação pode ser de dois tipos: retilíneo, como o do carro, que se desloca em linha reta, ou
curvilíneo, como o movimento da cabeça, que não ocorre em linha reta, mas sim em parábolas.

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Já os movimentos de rotação ocorrem quando o corpo gira em torno de um eixo próprio. Nessa
situação, a velocidade de deslocamento das diferentes partes do corpo será diferente (HALL, 2009).
Um exemplo de movimento de rotação é o observado no balanço. Este, como um todo, se desloca
em rotação, significando que a extremidade mais distante, a cadeira, estará em velocidade linear
maior que um ponto localizado no meio da corrente que a prende à barra de sustentação. Contudo,
é importante notar que o corpo de uma criança sentada na cadeira do balanço estará se deslocando
em movimento de translação curvilíneo, pois o corpo como um todo está com a mesma velocidade
na mesma direção. O ponto em torno do qual a rotação do balanço está ocorrendo, eixo de rotação,
não se encontra no corpo da criança que está balançando.

A combinação dos movimentos de translação e de rotação é a mais comum no aparelho


locomotor, pois, ao mesmo tempo em que o corpo se desloca como um todo durante a locomoção,
as articulações estarão realizando rotações para permitir que esse movimento ocorra. Ou seja,
enquanto as mãos do corredor estariam se deslocando em translação devido ao deslocamento
anterior promovido pela locomoção, ao mesmo tempo elas estariam em rotação devido às flexões
e extensões realizadas na articulação do cotovelo por causa dos movimentos dos braços.

Uma vez compreendidos quais são os movimentos possíveis dos corpos na natureza, resta
entender o que os causa. Para tanto, torna-se necessário recorrer às Leis de Newton. As três Leis
de Newton explicam o comportamento de um corpo em movimento, de que forma esse estado d
pode ser alterado e a consequência decorrente da interação de dois corpos que eventualmente
colidem durante a realização do movimento (ÖZKAYA; NORDIN, 1991).

A primeira Lei de Newton determina que um corpo tenderá a manter o seu estado de movimento
quando a soma das forças aplicadas sobre ele for igual a zero, ou seja, se estiver parado, ele tenderá
a permanecer parado, e, se estiver em movimento, tenderá a permanecer se movimentando em
velocidade constante. Essa tendência em manter o estado de repouso ou movimento é o que se
denomina de inércia.

Portanto, para tirar um corpo de seu estado de movimento ou repouso, é necessário que haja
a aplicação de uma força. Isso é o que a segunda Lei de Newton determina. Por ela, quando um
corpo sofre a ação de uma ou mais forças cuja resultante é diferente de zero, ele irá acelerar na
direção da força resultante, e a magnitude da aceleração será proporcional à magnitude desta. Em
outras palavras, para iniciar ou alterar o movimento de um corpo, é necessário que haja uma força
aplicada sobre ele.

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Por último, a terceira Lei de Newton determina que toda vez uma força for aplicada, nessa
interação, o corpo que a aplicou receberá em si uma outra de mesma magnitude e direção, porém
com sentido oposto. Portanto, um pé que aplica uma força sobre uma bola durante um chute (ação)
receberá uma força que a bola aplicará sobre ele (reação), com mesma magnitude e direção, porém
com sentido oposto (ÖZKAYA; NORDIN, 1991).

A partir do exposto, fica claro que o movimento somente se inicia pela aplicação de uma força.
Contudo, esta causa apenas movimentos de translação. O que causa um movimento de rotação
não é uma força e sim um torque. Enquanto a força resulta do produto da massa pela aceleração
(F = m x a), o torque resulta do produto dessa mesma força com o braço de alavanca (T = F x d^).

O braço de alavanca é uma distância medida em metros a partir da linha de ação da força (direção
da força) até o eixo de rotação. Essa distância é perpendicular, ou seja, é a menor distância que une
a linha ao eixo. Uma vez que todos os movimentos articulares são movimentos de rotação, isso
significa que os músculos do corpo produzem força (tensão) que gera torques nas articulações.
Na figura 21, nota-se um exemplo de um músculo (bíceps braquial) que, por meio da contração
muscular, produziu uma força de tensão (Fm), que, por sua vez, produzirá um torque na articulação
do cotovelo. A força muscular será aplicada na inserção desse músculo, gerando uma tração sobre
o osso. Por conta disso, o braço de alavanca, nesta situação, é a distância indicada pelo símbolo d^,
que corresponde à distância perpendicular da linha de ação da força muscular ao centro de rotação.

FIGURA 21 - Sistema de alavanca

Tm = Fm X d

Fm

Centro de
rotação
d

Ilustração de um sistema de alavanca, no qual um bíceps braquial produz um torque muscular (Tm) sobre a
articulação do cotovelo (centro de rotação). Esse torque deriva do produto da força muscular (Fm) com o braço
de alavanca desse mesmo músculo (d^) para a articulação do cotovelo. Fonte: Adaptado de Hall (2009).

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Na natureza, todos os corpos sofrem a ação da gravidade, que os acelera na direção do centro da
Terra. Independentemente da nossa vontade, continuamente os corpos estão sobre a ação da força
peso, que é a força que surge a partir da gravidade acelerando a nossa massa em direção ao solo.
Isso significa que constantemente os músculos do aparelho locomotor devem se opor a essa força
para que uma determinada postura possa ser mantida ou para que um movimento desejado possa
ser realizado. Portanto, no movimento humano, sempre haverá no mínimo duas forças aplicadas
sobre os segmentos do corpo, produzindo cada uma um torque sobre as articulações.

Em grande parte da literatura, quando um torque produz o movimento, ele é denominado de


torque potente, e, quando resiste ou desacelera o movimento, é denominado de torque resistente.
Por questões didáticas, optou-se por denominar os torques em função da natureza da força que
os produz. Por isso, nas análises a seguir, eles serão definidos como torques musculares, quando
derivarem de uma força muscular, e torques dos pesos, quando forem gerados por forças pesos
de objetos ou segmentos que se quer movimentar.

A figura 22 representa uma situação na qual ocorre a interação desses torques produzidos por
forças de diferentes naturezas (HALL, 2009). Invariavelmente, as forças peso do antebraço (FB) e do
halter (FC) produzem um torque no sentido de estender o cotovelo, ou seja, um torque em extensão,
de magnitude correspondente ao produto da FB com o braço de alavanca dele (b), no caso do torque
B (TB), e ao produto da FC com o braço de alavanca dele (c), no caso do torque C (TC). Opondo-se
a TB e TC, está a força muscular (FA), produzindo um torque flexor na articulação do cotovelo. A
magnitude de TA será o produto da FA com o seu respectivo braço de alavanca (a). Portanto, nota-
se que cada força de um sistema apresentará seu respectivo braço de alavanca (SMITH; WEISS;
DON LEHMKUHL, 1997).

FIGURA 22 - Torque produzido sobre a articulação do cotovelo

a b c

Ponto B
Fixo
C

Representação do torque produzido sobre a articulação do cotovelo pelas forças peso do antebraço (B) e do
halter (C) e pela força muscular (A). Cada força apresenta um braço de alavanca, representado pelas letras
minúsculas a (força muscular), b (peso do antebraço) e c (peso do halter). Fonte: Adaptado de Hall (2009).

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Os movimentos no exemplo citado serão consequência da relação do torque flexor (TA) com
os torques extensores (TB + TC). Quando o primeiro for igual à soma dos últimos (TA = TB + TC), o
resultado será uma contração isométrica por parte do músculo em questão, o bíceps braquial. Já
para que ocorra um encurtamento do músculo e uma contração concêntrica, a força muscular terá
que aumentar a fim de tornar o torque flexor maior que a soma dos torques extensores (TA > TB +
TC). Por outro lado, para que ocorra o alongamento muscular e uma contração excêntrica, a força
muscular terá que diminuir a ponto de o torque flexor se tornar menor que a soma dos torques
extensores (TA < TB + TC). Portanto, nota-se que o resultado do movimento realizado na articulação
no sistema de alavancas depende predominantemente da produção de força muscular.

A disposição do eixo de rotação, do torque muscular e do torque do peso dá origem a três tipos
diferentes de alavancas: interfixa, ou de primeira classe; inter-resistente, ou de segunda classe; e
interpotente, ou de terceira classe (HAY, 1992; HAMILL; KNUTZEN, 1999). Cada uma delas apresenta
uma diferente característica que precisa ser conhecida para elucidar a facilidade ou a dificuldade
que o músculo apresentará para produzir movimento (figura 23).

FIGURA 23 - Representação dos três tipos de alavancas possíveis

M P M P

Alavanca Alavanca
Interfixa Interpotente
P M

Alavanca
Interresistente
Representação dos três tipos de alavancas possíveis: interfixa, inter-resistente e
interpotente. Elas representam a disposição distinta que seus elementos eixo, força
muscular (M) e força peso (P) podem apresentar. Fonte: Adaptado de Hall (2009).

Na alavanca inter-resistente, a força muscular (M) terá mais facilidade em movimentar o peso
(P), pois está mais distante do eixo de rotação e, consequentemente, o braço de alavanca dela será
maior. Por essa relativa facilidade em movimentar a resistência, caracteriza-se essa alavanca como
sendo ideal para gerar força (vantagem mecânica de força), ou seja, ideal para mobilizar grandes

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massas (SMITH; WEISS; DON LEHMKUHL, 1997). Os exemplos desse tipo são escassos no aparelho
locomotor. Um exemplo é a relação das forças presentes no tornozelo em situações nas quais a
pessoa se encontra em pé e a força é produzida pelo tríceps sural.

Na alavanca interpotente, a força muscular (M) encontra-se entre o eixo de rotação e a força
peso (P). Nessa condição, ela está em uma condição desfavorável, pois o seu braço de alavanca é
menor que o da força peso e, assim, a sua magnitude terá que ser superior à desta para sustentar
ou movimentar a resistência. Essa alavanca não é ideal para gerar força, pois pequenos aumentos
no peso exigem grandes aumentos na força para sustentá-lo. Por outro lado, como a resistência
encontra-se mais distante do eixo de rotação, a sua velocidade linear será maior, e, por isso, essa
alavanca é ideal para gerar velocidade (vantagem mecânica de velocidade). Esse tipo é o mais
comum no corpo humano. É o caso do deltoide atuando na articulação glenoumeral, do tibial anterior
atuando na articulação do tornozelo, do bíceps braquial atuando na articulação do cotovelo e do
quadríceps atuando na articulação do joelho (SMITH; WEISS; DON LEHMKUHL, 1997).

Por último, na alavanca interfixa, o eixo de rotação encontra-se entre a força muscular e a força
peso. Este tipo não apresenta uma característica previamente definida, pois o eixo pode estar próximo
da força muscular e distante do peso ou próximo do peso e distante da força muscular. Nas duas
situações, a alavanca continua sendo interfixa, porém com características distintas.

Isso se deve à relação dos braços de alavancas das duas forças desse sistema. Quando o eixo
estiver mais próximo da força muscular e mais distante do peso, a força terá dificuldade em mobilizar
o peso, porém, ao movimentá-la, a velocidade linear do peso será relativamente maior; por isso,
apresentará características de uma alavanca interpotente, ou seja, de produção de velocidade. Por
outro lado, quando o eixo estiver mais próximo do peso e mais distante da força muscular, o braço de
alavanca será maior do que o do peso e, assim, relativa facilidade ocorrerá para movimentar o objeto;
por isso, ela apresentará características de uma alavanca inter-resistente, ou seja, de produção de
força. No corpo humano, alguns exemplos de alavancas interfixas são a do tríceps para o cotovelo
e a da musculatura paravertebral para as diversas articulações facetárias da coluna. Em ambos os
casos, elas são de característica de produção de velocidade e não de força.

A característica das alavancas em uma determinada articulação é imutável. Por outro lado, há
uma variação na capacidade de cada músculo de produzir torque nos diferentes tipos de alavancas
do corpo, que está relacionada às formas específicas dele de produzir tensão ao longo da amplitude
de movimento. Essa variação está associada às alterações no braço de alavanca dos diferentes

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músculos, classificando o torque como ascendente (aumenta continuamente ao longo da amplitude
de movimento), descendente (diminui progressivamente) ou ascendente-descendente (aumenta até
certa amplitude e depois diminui progressivamente até a amplitude total). Essa configuração está
relaciona à capacidade de produção de torque máximo, conforme ilustra a figura 24.

FIGURA 24 - Ilustração dos diferentes torques


Torque Resultante Articular (Nm)

Ascendente

Descendente Ascendente-
Descendente

Amplitude de Movimento (graus)

Ilustração dos diferentes torques resultantes nas articulações ao longo da amplitude de movimento, que
podem ser descendentes, ascendentes ou ascendentes-descendentes. Fonte: Adaptado de Hay (1992).

Uma vez que a relação entre os torques musculares e os dos pesos depende da magnitude da
força produzida e dos seus respectivos braços de alavanca e que o braço de alavanca do músculo
varia ao longo da amplitude de movimento de forma constante, as exigências de torque muscular
serão essencialmente reguladas pelas alterações resultantes da variabilidade no toque do peso –
tanto no que se refere à magnitude da força peso quanto à localização do seu ponto de aplicação.

ATIVIDADE REFLEXIVA

Em 2013, o lutador Anderson Silva estava no auge e sofreu uma grave lesão, que encurtou sua
vitoriosa carreira.

Em uma luta com Chris Weidman, que valia o cinturão dos médios, no momento em que Anderson
chutou o rival, ele sofreu uma fratura da canela.

Para refletir: Analisando a forma do golpe, quais foram as possíveis causas da lesão? Foi um único
fator ou mais de um? Como Anderson poderia ter evitado essa lesão?

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CONCLUSÃO

Este texto buscou apresentar e discutir aspectos relacionados às características de resposta


mecânica das diferentes estruturas e tecidos do aparelho locomotor, bem como entender de que
forma o corpo humano é capaz de produzir e controlar os movimentos. Esse entendimento é
imprescindível para identificar e controlar variáveis que aumentam a probabilidade de uma lesão
se instalar e que permitem alcançar a melhora no rendimento, o que por sua vez é de fundamental
importância para o treinamento físico.

GLOSSÁRIO

Côndilo: Proeminência lisa e arredondada que se encaixa a ou contata uma cavidade de um osso
adjacente constituindo uma articulação. Essas articulações permitem movimentos em vários
sentidos, mas não permitem a rotação. (fonte: https://www.infopedia.pt/apoio/artigos/$condilo)

Diáfise: parte do osso que tem crescimento primário, ou seja, cresce longitudinalmente, alongando-
se. É a parte mais longa do osso. (fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Di%C3%A1fise)

Força tangencial: força dirigida, que segue a tangente à trajetória.

Tríceps sural: ou tricípete sural, é um conjunto de músculos da região posterior da perna humana.
(fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%BAsculo_tr%C3%ADceps_sural)

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