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Nocturno Indiano - Antonio Tabucchi PDF
Nocturno Indiano - Antonio Tabucchi PDF
An t o n i o Tabuc c h i
Romance
Cor r i g i d o
Noc t u r n o I n d i a n o
3ª ed i ç ã o
Tradu ç ã o de Mar i a Emí l i a Marque s Mano
Que t z a l
L i s b o a / 1989
T i t u l o da ed i ç ã o o r i g i n a l : Not t u r n o i n d i a n o
Capa e a r r a n j o g r á f i c o : Rogé r i o Pe t i n g a
1984 , Se l l e r i o ed i t o r e , v i a S i r a c u s a 50, Pa l e rmo
Di r e i t o s rese r v a dos pa r a a pub l i c a ç ã o em L í n g u a po r t u g u e s a :
Que t z a l Ed i t o r e s
Rua Sanche s Coe l h o , 3. 9. " Esq .
1600 L i s b o a
Te l e f o n e s : 761397/762593 Te l e x : 65732 PEGEST P
Compos t o e imp r e s s o po r : T i p o g r a f i a Guer r a , V i s e u
Depós i t o l e g a l n. " 83948
As pess oa s que do rmem mal pa r e c em se r mai s ou menos cu l p a d a s :
o que f a z em e l a s? To r n am a no i t e p r e s e n t e
Maur i c e B la n c h o t
NOTA
Es t e l i v r o , a l ém de uma i n s ó n i a , é uma v i a g em . A i n s ó n i a pe r t e n c e
a quem esc r e v e u o l i v r o , a v i a g em a quem a f e z . Por ém, como t ambém
eu t i v e de pe r c o r r e r os mesmos l u g a r e s que o p r o t a g o n i s t a des t a
his t ó r i a pe r c o r r e u , pa r e c e- me opo r t u n o f o r n e c e r um b r e v e í n d i c e
dos mesmos . Não se i bem se pa r a i s s o con t r i b u i u a i l u s ã o de que um
r e p o r t ó r i o t o p o g r á f i c o , com a f o r ç a que o r e a l poss u i , pudes s e da r
l u z a es t e Noc t u r n o onde se p r o c u r a uma somb r a , ou a i r r a c i o n a l
con j e c t u r a de que a l g um aman t e de i t i n e r á r i o s i n c o n g r u e n t e s venha
a pode r um d i a u t i l i z á - l o como gu i a .
A. T
Í n d i c e dos l u g a r e s des t e l i v r o
1. Kha j u r a h o Hot e l . Suk l a j i St r e e t , sem númer o , Bomba im .
2. Brea c h Candy Hosp i t a l . Bhu l a b a i Desa i Road , Bomba im .
3. Ta j Maha l I n t e r - Con t i n e n t a l Hot e l . Gateway o f I n d i a ,
Bomba im .
4. Ra i l w a y s Ret i r i n g Rooms. Vic t o r i a Sta t i o n ; Cen t r a l
Ra i l w a y , Bomba im . Dorm i d a com b i l h e t e de combo i o vá l i d o ou com o
I n d r a i l Pass .
5. Ta j Coromande l Hot e l . 5 Nungambakk am Road , Madra s t a .
6. Theosop h i c a l Soc i e t y . 12 Adya r Road , Adya r , Madra s t a .
7. Au t o b u s- Stop . Es t r a d a Madra s t a - Manga l o r e , ce r c a de
50 km de Manga l o r e , l o c a l i d a d e desc on he c i d a .
8. Arc eb i s p a d o e Co l é g i o de S. Boaven t u r a . Es t r a d a
de Ca l a n g u t e - Pana j i , ve l h a Goa, Goa.
9. Zua r i Ho te l . Swa t a n t r y a Pa t h , sem número , Vasco
da Gama, Goa.
10 . Pra i a de Ca l a n g u t e . Cer c a de 20 km de Pana j i , Goa.
11 . Mandov i Hot e l . 28 Bandod ka r Marg , Pana j i , Goa.
12 . Ober o i Hot e l . Bogma l o Beach , Goa.
Pr ime i r a Par t e
VI
VI I
Te r c e i r a Par t e
VI I I
IX
TUDO pode acon t e c e r na v i d a , a t é do rm i r no ho t e l Zua r i . Na a l t u r a
pode r á pa r e c e r - nos um acon t e c i m e n t o não pa r t i c u l a r m e n t e f e l i z ; mas
na reco r d a ção , como semp r e nas reco r d a ções , pu r i f i c a d a das
sensa ç õ e s f í s i c a s imed i a t a s , dos che i r o s , das co r e s , da v i s t a
daque l e b i c h a r o c o deba i x o do l a v a t ó r i o , a c i r c u n s t â n c i a pe r d e os
con t o r n o s e a imagem melho r a . A r e a l i d a d e pass ad a é semp r e menos
má do que e f e c t i v a m e n t e f o i : a memór i a é uma f a l s á r i a espan t o s a .
É-se desone s t o mesmo sem que r e r . Ho té i s como es t e j á povoam o
noss o imag i n á r i o : j á os encon t r ámo s nos l i v r o s de Con r a d ou de
Maugham, em ce r t o s f i l m e s amer i c a n o s baseado s nos r omance s de
K ip l i n g ou de Brom f i e l d : quase nos pa r e c e f am i l i a r .
Chegue i ao ho t e l Zua r i uma no i t e , j á t a r d e , e f o i uma esco l h a
f o r ç a d a , como mui t a s veze s acon t e c e
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na Í n d i a . Vasco da Gama é uma v i l a excep c i o n a l m e n t e f e i a do es t a d o
de Goa, escu r a , com vaca s que andam pe l a s r u a s , gen t e pob r e
ves t i d a à oc i d e n t a l , he r a n ç a da pe rmanên c i a po r t u g u e s a , e po r t a n t o
com um a r de misé r i a sem mis t é r i o Os ped i n t e s abundam, mas não há
aqu i t emp l o ou l u g a r e s sag r a d o s , e es t e s pob r e s não pedem e nome
de V i s h n u e não o f e r e c em bênção s e f ó rmu l a s re l i g i o s a s : são
t a c i t u r n o s e a t ó n i t o s , como mor t o s .
No ha l l do ho t e l Zua r i há um g r a n d e ba l c ã o sem i c i r c u l a r
at rás do qua l es t á um r e c e p c i o n i s t a go r d o semp r e a f a l a r ao
t e l e f o n e . Reg i s t a o c l i e n t e a f a l a r ao t e l e f o n e ; en t r e g a - l h e a
chave a f a l a r ao t e l e f o n e e, de madruga da , quando a p r ime i r a
c l a r i d a d e anunc i a que se pode f i n a l m e n t e r e n u n c i a r à hosp i t a l i d a d e
do qua r t o , l á es t á e l e a f a l a r ao t e l e f o n e em voz ba i x a , monó t o n a ,
indec i f r á v e l . Com quem es t a r á semp r e a f a l a r o r e c e p c i o n i s t a do
ho t e l Zua r i ?
Há t ambém um eno rme d i n i n g - r o om, no p r ime i r o anda r do ho t e l
Zua r i , con f o rme o l e t r e i r o po r c ima da po r t a : mas nessa no i t e
es t a v a às escu r a s e sem mesas e eu j a n t e i no pá t i o , um pequeno
pá t i o com buganv í l i a s e f l o r e s mui t o pe r f umada s e mesas ba i x a s com
banqu i n h o s de made i r a e uma l u z mui t o f r o u x a . Comi l a g o s t i n s do
t amanho de l a g o s t a s e doce de manga , beb i chá e uma espé c i e de
v i n h o que sab i a a cane l a ; t u d o po r uma quan t i a co r r e s p o n d e n t e a
t rezen tos escudo s , o que mui t o me an imou . Em vo l t a do pá t i o
e r g u i a - se a va r a n d a pa r a a qua l davam os qua r t o s e po r en t r e as
ped r a s do pá t i o co r r i a um coe l h o b r a n c o . Hav i a uma f am í l i a i n d i a n a
a j a n t a r numa mesa do f u n d o .
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Ao l a d o da minha mesa es t a v a uma senho r a l o u r a
com i d a d e i n d e f i n i d a , de uma be l e z a murcha . Comia
com t r ê s dedos , à moda i n d i a n a , f a z e n d o bo l i n h a s
pe r f e i t a s de a r r o z que ensopa v a no molho . Par e c e u- me i n g l e s a e
e r a- o. T i n h a um o l h a r de l o u c a , mas só de vez em quando . Depo i s
con t o u- me uma h i s t ó r i a que não me pa r e c e opo r t u n o r e l a t a r . Pode
mesmo t e r s i d o um sonho mau. De r e s t o , o ho t e l
Tua r i não é p r o p í c i o a sonho s co r- de- r o s a .
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ERA ca r t e i r o em F i l a d é l f i a , aos dezo i t o anos j á t r o t a v a
pe l a s r u a s com a mala a t i r a c o l o ,
semp r e , t o d a s as manhãs , de Verã o quando o as f a l t o é um mela ç o e
de I n v e r n o quando se esco r r e g a na neve ge l a d a . Ass im du r a n t e dez
anos , a l e v a r ca r t a s . Tu não imag i n a s quan t a s ca r t a s d i s t r i b u í ,
mi l h a r e s . Eram t o d o s senho r e s , nos enve l o p e s . Car t a s de t o d a s as
pa r t e s do mundo : Miam i , Par i s , Lond r e s , Cara c a s . Bom-d i a , senho r .
Bom-d i a , senho r a . Sou o ca r t e i r o , .
Levan t o u o b r a ç o e apon t o u um g r u p o de j o v e n s na p r a i a . O so l
es t a v a a pô r- se , a água c i n t i l a v a . Pescado r e s , ao noss o l a d o ,
p r e p a r a v am um ba r c o . Eram homens sem i n u s com um pano à c i n t u r a .
-Aqu i somos t o d o s i g u a i s " , d i s s e , não há senho r e s , . Olhou pa r a
mim com uma exp r e s s ã o mal i c i o s a . Tu és um senho r?"
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O que é que achas?
Olhou pa r a mim duv i d o s o .
Mai s l o g o t e dou a r e s p o s t a .
Depo i s i n d i c o u as pequena s ba r r a c a s de f o l h a s de pa lme i r a que se
e r g u i am à noss a esque r d a , apo i a d a s às dunas .
Nós v i v emos a l i , é a noss a a l d e i a , chama-se Sunn .
Sacou de uma ca i x i n h a de made i r a com mor t a l h a s e mis t u r a e en r o l o u
um c i g a r r o .
Fumas?
Norma lmen t e não , d i s s e eu , mas ago r a f umo , se me de r e s um".
Prepa r o u t ambém um pa r a mim e d i s s e :
Es t e t a b a c o é bom, dá a l e g r i a , t u és a l e g r e?
"Ouve , d i s s e eu , es t a v a a gos t a r da t u a h i s t ó r i a , con t i n u a a
con t a r .
Bem, d i s s e e l e , num d i a i a po r uma r u a de F i l a d é l f i a , es t a v a mui t o
f r i o , andava a en t r e g a r o co r r e i o , e r a de manhã , a c i d a d e es t a v a
cobe r t a de neve , é t ã o f e i a F i l a d é l f i a , pe r c o r r i a r u a s eno rmes ,
depo i s met i po r um beco l o n g o e escu r o , apenas um r a i o de so l que
conse gu i r a r ompe r a t r a v é s do nevoe i r o que o i l um i n a v a ao f u n d o . Eu
conhe c i a aque l e beco , i a l á l e v a r o co r r e i o t o d o s os d i a s , e r a uma
rua que t e rm i n a v a no muro que ci r cundava uma f á b r i c a de
au t omóve i s . Bem, sabes o que v i naque l e d i a? Ad i v i n h a . -.
Não f a ç o i d e i a , d i s s e eu .
Ad i v i n h a .
Des i s t o , é demas i a d o d i f í c i l .
O mar , d i s s e e l e . V i o mar . Ao f u n d o do beco ; hav i a um be l o mar
azu l com ondas enc r e s p a d a s de espuma e uma p r a i a arenosa e
pa lme i r a s . Que t e pa r e c e , hem?
Cur i o s o , d i s s e eu .
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O mar , t i n h a - o v i s t o apenas no c i n ema ou nos pos t a i s que v i n h am de
Miam i ou de Havana . E aque l e mar e r a pa r e c i d o , um oceano , mas sem
n i n g u ém , com a p r a i a dese r t a . Pense i : t r o u x e r am o mar a
Fi l adé l f i a . E a segu i r pense i : é uma mi r a g em como se l ê nos
l i v r o s . O que é que t u pensa r i a s ?
A mesma co i s a - , d i s s e eu .
Cla r o ; só que o mar não pode chega r a F i l a d é l f i a . E as mi r a g e n s
acon t e c em no dese r t o , quando o so l es t á a p i q u e e t e n s mui t a sede .
E naque l e d i a es t a v a um f r i o dos d i a b o s , es t a v a t u d o che i o de neve
su j a . Ass im , ap r o x i m e i - me devaga r i n h o , a t r a í d o po r aque l e mar , com
von t a d e de mergu l h a r ne l e , embo r a es t i v e s s e f r i o , po r q u e aque l e
azu l e r a um conv i t e e as ondas c i n t i l a v a m , o so l i l um i n a v a- as .
Fez uma b r e v e pausa e puxou uma f umaça . Sor r i a com a r ausen t e e
d i s t a n t e , r e v i v e n d o aque l e d i a .
Era uma p i n t u r a . T i n h am p i n t a d o o mar , aque l a s a lmas do d i a b o . Em
Fi l adé l f i a às veze s f a z em i s s o , é uma i d e i a dos a r q u i t e c t o s ,
p i n t am no c imen t o pa i s a g e n s , va l e s , bosque s e co i s a s no géne r o ,
ass im não t e pa r e c e t a n t o que v i v e s numa c i d a d e de merda . Es t a v a a
do i s passo s daque l e mar no muro , com a minha mala a t i r a c o l o , no
f u n d o do beco , o ven t o r e d emo i n h a v a e po r ba i x o da a r e i a dou r a d a
r o d o p i a v am f o l h a s seca s , papé i s , um saco de p l á s t i c o . Pra i a su j a ,
em F i l a d é l f i a . Olhe i pa r a e l e um momen t o e pense i : se o mar não
va i t e r com Tommy, Tommy va i t e r com o mar . Que achas?
-Conhec i a ou t r a ve r s ã o- , d i s s e eu , mas a i d e i a
é a mesma
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Pôs- se a r i r : I s s o mesmo, d i s s e e l e . E en t ã o
sabes o que f i z ? Ad i v i n h a .
Não f a ç o i d e i a , .
Ad i v i n h a .
Des i s t o , d i s s e eu , é demas i a d o d i f í c i l . Abr i o ca i x o t e do
l i x o e de i t e i l á a minha mala : F i c a a í qu i e t i n h a , co r r e s p o n d ê n c i a .
Depo i s f u i co r r e r aos co r r e i o s cen t r a i s e ped i pa r a f a l a r com o
d i r e c t o r . Prec i s o de t r ê s meses de o r d e n a d o ad i a n t a d o , d i s s e- l h e ,
o meu pa i t em uma doença g r a v e , es t á no hosp i t a l , ve j a es t e s
a t e s t a d o s méd i c o s .
E le d i s s e : p r ime i r o ass i n a es t a dec l a r a ç ã o . Eu ass i n e i e r e c e b i o
dinhe i r o .
Mas o t e u pa i es t a v a r e a lme n t e doen t e?
Cla r o que es t a v a , t i n h a um canc r o . Mas, de qua l q u e r modo, mor r i a
na mesma, a i n d a que eu con t i n u a s s e a l e v a r a co r r e s p o n d ê n c i a aos
senho r e s de F i l a d é l f i a .
É l ó g i c o , d i s s e eu .
Trou x e apenas uma co i s a , d i s s e e l e , ad i v i n h a - ,
Na ve r d a d e é demas i a d o d i f í c i l , é i n ú t i l , des i s t o .
A l i s t a t e l e f ó n i c a " , d i s s e e l e com sa t i s f a ç ã o .
A l i s t a te l e f ó n i c a?
Exac t o , a l i s t a t e l e f ó n i c a de F i l a d é l f i a . Fo i t o d a a minha
bagagem, é t u d o o que me r e s t a da Amér i c a .
Porq uê? , pe r g u n t e i - l h e . A co i s a começava a i n t e r e s s a r - me.
Esc r e v o pos t a i s . Ago r a sou eu que esc r e v o aos senho r e s de
Fi l adé l f i a . Pos t a i s com um be l o mar e a p r a i a dese r t a de
Ca l a n g u t e , e po r de t r á s esc r e v o mui t o s cump r imen t o s do ca r t e i r o
Tommy. Chegue i à l e t r a C. Cla r o que sa l t o os ba i r r o s que não
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me i n t e r e s s am e esc r e v o sem se l o , a mul t a paga- a o des t i n a t á r i o .
Há quan t o t empo es t á s aqu i?" , pe r g u n t e i - l h e .
Qua t r o anos" , d i s s e e l e .
A l i s t a t e l e f ó n i c a de F i l a d é l f i a deve se r ex t e n s a " .
S im, d i s s e e l e , é eno rme . Mas de qua l q u e r modo não t e n h o p r e s s a ,
tenho a v ida toda" .
O g r u p o na p r a i a t i n h a f e i t o uma g r a n d e f o g u e i r a , a l g u ém começou a
can t a r . Qua t r o pess oa s sepa r a r am- se do g r u p o e ap r o x i m a r am- se ,
t r a z i a m f l o r e s no cabe l o e so r r i a m pa r a nós . Uma r a p a r i g a t r a z i a
pe l a mão uma men i n a de ce r c a de dez anos .
A f e s t a va i começa r , d i s s e Tommy, va i se r uma grande
f e s t a , é o equ i n ó c i o .
Qua l equ i n ó c i o qua l h i s t ó r i a " , d i s s e eu , o equ i n ó c i o é a v i n t e e
t r ê s de Se t emb r o , es t amos em Dezembr o " .
En f im , uma co i s a pa r e c i d a " , r e p l i c o u Tommy.
A men i n a deu- l h e um be i j o na t e s t a e depo i s f o i - se embo r a com os
ou t r o s .
Não se pode d i z e r que se j am mui t o novos " , d i s s e eu , pa r e c em pa i s
de f am í l i a .
São os p r ime i r o s que chega r am" , d i s s e Tommy, os P i l g r i m s . Depo i s
o l h o u pa r a mim e d i s s e : Por qu ê , t u és como?"
Como e l e s " , r e s p o n d i .
-Es t á s a ve r?" , d i s s e e l e . Prepa r o u ou t r o c i g a r r o , pa r t i u - o ao
meio e deu- me metade . Que mot i v o t e t r o u x e aqu i?" , pe r g u n t o u .
Proc u r o um t i p o que se chama Xav i e r , às veze s pod i a t e r passa do
po r es t a s bandas " .
Tommy abanou a cabeç a . Mas e l e f i c a con t e n t e de t u o p r o c u r a r e s?
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"Não se i .
En t ã o não o p r o c u r e s .
Ten t e i f a z e r - l h e uma desc r i ç ã o po rmeno r i z a d a
de Xav i e r . Quando so r r i pa r e c e t r i s t e , conc l u í . Uma r a p a r i g a
sepa r o u- se do g r u p o e chamou- nos . Tommy chamou- a po r sua vez e e l a
ve i o a t é j u n t o de nós .
É a minha companhe i r a , exp l i c o u Tommy. Era uma l o u r i t a des l a v a d a
com o l h o s abso r t o s e duas t r a n c i n h a s i n f a n t i s apanhada s no a l t o da
cabeç a . Caminha v a ba l a n ç a n d o- se , um pouco insegu r a . Tommy
pe r g u n t o u - l h e se conhe c i a um t i p o des t a mane i r a e daque l a ,
con f o rm e a minha desc r i ç ã o . E la so r r i u i n c o n g r u e n t emen t e e não
r e s p o n d e u co i s a a l g uma . Depo i s es t e n d e u- nos as mãos docemen t e e
sus s u r r o u :
Hot e l Mandov i .
- Es t á a começa r a f e s t a - , d i s s e Tommy, anda t ambém.
Es t á v amos sen t a d o s na bo r d a de um ba r c o de aspe c t o mui t o
p r im i t i v o , com um t o s c o ba l a n c i m como os ca t ama r a n .
Ta l v e z vá t e r com você s mai s l o g o , d i s s e eu , -es t e n d o- me um bocado
no ba r c o e du rmo um sono .
Enquan t o se a f a s t a v a não r e s i s t i e gr i t e i - lhe que se t i n h a
esque c i d o de me d i z e r se eu t ambém e r a senho r . Tommy pa r o u ,
levan t o u o braço e dis se :
ad i v i n h a .
Rendo- me, d i s s e eu , é demas i a d o d i f í c i l .
Pegue i no meu gu i a e acend i a l g u n s f ó s f o r o s . Encon t r e i - o quase
imed i a t ame n t e . Davam-no como, a popu l a r t o p r a n g e Hot e l , com um
res t a u r a n t e respe i t á v e l . Loca l i d a d e Pana j i , ex- Nova Goa, no
in te r i o r . Es t e n d i - me no f u n d o do ba r c o e pus- me a o l h a r pa r a o
céu . A no i t e es t a v a ve r d a d e i r a m e n t e magn í f i c a . Segu i as
cons t e l a ç õ e s e pense i nas es t r e l a s
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e no t empo em que as es t u d a v a e nas t a r d e s pass ad a s no p l a n e t á r i o .
De r e p e n t e l emb r e i - me de l a s como as t i n h a ap r e n d i d o , segundo a
c l a s s i f i c a ç ã o da i n t e n s i d a d e l um i n o s a : S í r i o , Canopo , Cen t a u r o ,
Vega , Cape l a , Ar t u r , Or í o n . E depo i s pense i nas es t r e l a s va r i á v e i s
e no l i v r o de uma pesso a que r i d a . E depo i s nas es t r e l a s ex t i n t a s ,
cu j a l u z a i n d a con t i n u a a chega r a t é nós , e nas es t r e l a s de
neu t r õ e s , na f a s e f i n a l da evo l u ç ã o , e no déb i l r a i o que emi t em .
Di s s e em voz ba i x a : pu l s a r . E quase como se t i v e s s e s i d o aco r d a d a
pe l o meu sus s u r r o , como se t i v e s s e acc i o n a d o um g r a v a d o r , chegou
a t é mim a voz nasa l e f l e umá t i c a do p r o f e s s o r St i n i que d i z i a :
quando a massa de uma es t r e l a agon i z a n t e é supe r i o r ao dob r o da
massa so l a r , j á não ex i s t e es t a d o da maté r i a capaz de de t e r a
conce n t r a ç ã o , e es t a p r o c e d e a t é ao i n f i n i t o ; j á não sa i mai s
nenhuma r a d i a ç ã o dess a es t r e l a , que se t r a n s f o r m a ass im num bu r a c o
neg r o .
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XI
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