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SÉRIE O F T A L M O L O G I A BRASILEIRA

CO N S ELH O BRASILEIRO DE OFTALM O LO G IA

3á Edição

Coordenador
MILTON RUIZ ALVES

DOENÇAS EXTERNAS
OCULARES E CÓRNEA

ANA LUISA HÖFLING-LIMA


MARIA CRISTINA NISHIWAKI-DANTAS
MILTON RUIZ ALVES
CONSELHOBRASILEIRODEOFTALMOLOGIA

SERIE
OFTALMOLOGIA BRASILEIRA

3aEdição

DOENÇAS EXTERNAS
OCULARES E CÓRNEA

2013-2014
CONSELHOBRASILEIRODEOFTALMOLOGIA

SERIE
OFTALMOLOGIA BRASILEIRA

3a Edição

DOENÇAS EXTERNAS
OCULARES E CÓRNEA

2013-2014
SÉRIE
OFTALMOLOGIA BRASILEIRA
Conselho Brasileiro de Oftalmologia - CBO

DOENÇAS EXTERNAS
OCULARES E CÓRNEA

EDITORES

Ana Luisa Höfling-Lima Milton Ruiz Alves

Titular de Oftalmologia da Escola Paulista Professor Associado da Faculdade de


de Medicina da Universidade Federal de São Medicina da Universidade de São Paulo -
Paulo - UNIFESP/EPM - Instituto de Visão de USP, SP
Visão - Departamento de Oftalmologia, SP Diretor do Serviço de Córnea e Doenças
Externas do Hospital das Clínicas da
Maria Cristina Nishiwaki-Dantas
Faculdade de Medicina da Universidade de
Chefe de Clínica Adjunta do Hospital da São Paulo - HCFMUSP, SP
Santa Casa de São Paulo, SP
Professora Adjunta da Faculdade de Ciências
Médicas da Santa Casa de São Paulo, SP

COORDENADOR
Milton Ruiz Alves

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GUANABARA C u ltu ra Médica®
KOOGAN
Rio de Janeiro - RJ - Brazil

V
CIP-BRASIL CATALOGAÇAO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

D672
3. ed.

Doenças externas oculares e córnea/editores Ana Luisa Höfling-Lima, Maria Cristina


Nishiwaki-Dantas, Milton Ruiz Alves coordenador Milton Ruiz Alves. - 3. ed. - Rio de Janeiro:
Cultura Médica: Guanabara Koogan, 2013.
II. (Oftalmologia Brasileira / CBO)

Inclui bibliografia e índice


ISBN 978-85-7006-579-7

1. Córnea - Doenças. 2. Córnea - Cirurgia. I. Höfling-Lima, Ana Luisa. II. Nishiwaki-Dantas,


Maria Cristina. III. Alves, Milton Ruiz. IV. Conselho Brasileiro de Oftalmologia. V. Série.

13-02871 CDD: 617.719


CDU: 617.713

© Copyright 2013 Cultura Médica®

Esta obra está protegida pela Lei nfí 9.610 dos Direitos Autorais, de 19 de fevereiro de 1998, sanciona­
da e publicada no Diário Oficial da União em 20 de fevereiro de 1998.
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e-mail: cultura@culturamedica.com.br

VI
Colaboradores

Acácio Alves de Souza Lima Filho Gustavo Victor


Aloisio Fumio Nakashima Hamilton Moreira
Ana Carolina C. Vieira Hélia Soares Angotti
André Torricelli Jackson Barreto Jr.
Andréa Santucci César João Baptista Nigro Santiago Malta
Annette Silva Foronda José Antonio Almeida Milani
r

Arles Silva dos Santos José Alvaro Pereira Gomes


Arthur Rubens Cunha Schaeffer José Américo Bonatti
Augusto Akio Nakashima José Luis Teixeira Ferreira Pires
Carolina Dourado Cardoso Tonhá Junia Cabral Marques
Claudia Francesconi Luciano Bellini
Consuelo Bueno Diniz Adán Luciene Barbosa de Souza
Débora Marcolini Schneider Felberg Lúcio Dantas
Denise de Freitas Luís Felipe Lynch
Diane Marinho Luiz Antonio Vieira
Diego Ricardo Hoshino Ruiz Marcelo Vieira Netto
r
Erika Alessandra G. Silvino Rodrigues Marcelo Weslley Lopes DalPCol
Fabio Ramos de Souza Carvalho Márcia Higashi
Fabrício Witzel de Medeiros Maria Cecília Zorat Yu
Fernando Betty Cresta Maria Emilia Xavier dos Santos Araújo
Flavio Fernandes Villela Marília Cavalcante Araújo
Gustavo Barreto de Melo Marinho Jorge Scarpi

VII
Marta de Filippi Sartori Renato Teixeira Ferreira Pires
Mauro Campos Ricardo Holzchuh
Micheline Borges Lucas Richard Hida
Nilo Holzchuh Rogério Alberto Mendes Moreira
Patrícia Cabral Zacharias Serapicos Ruth Miyuki Santo
Patrícia Novita Garcia Samuel Rymer
Paula Mareia F. S. Ferreira Pires Sandra Naufal
Paulo Elias Correa Dantas Sérgio Kwitko
Paulo Galvão Neto Sérgio Felberg
Paulo José Martins Bispo Suzana Matayoshi
Paulo Schor Taís Hitomi Wakamatsu
Rafael Franco de Melo Vanessa Macedo Batista Fiorelli
Ramon Coral Ghanem Vera Mascaro
Regina K.H. Mitsuhiro Vinícius Coral Gahnem
Renata Rezende Walton Nosé
Renato Corrêa Souza de Oliveira Yoshitaka Nakashima

VIII
Apresentação

Quando do lançamento da Serie Oftalmologia Brasileira, o Professor Hamilton Moreira, então


presidente do CBO, inicia o seu prefácio da seguinte maneira: são acima de 6000 páginas, es-
r
critas por mais de 400 professores. E a maior obra da maior instituição oftalmológica brasilei­
ra: o Conselho Brasileiro de Oftalmologia.
A concretização da Série Oftalmologia Brasileira representa a continuidade de um traba­
lho, um marco, a realização de um sonho.
Com o pensamento voltado na defesa desse sonho que, tenho certeza, é compartilhado
pela maioria dos oftalmologistas brasileiros, estamos dando início a uma revisão dos livros
que compõem a série. Além das atualizações e correções, resolvemos repaginá-los, dando-lhes
uma nova roupagem, melhorando sua edição, de maneira a tornar sua leitura a mais prazerosa
possível.
Defender, preservar e aperfeiçoar a cultura brasileira, aqui representada pelo que achamos
de essencial na formação dos nossos Oftalmologistas, é responsabilidade e dever maior do
Conselho Brasileiro de Oftalmologia.
O conhecimento é a base de nossa soberania, e cultuar e difundir o que temos de melhor
é a nossa obrigação.
O Conselho Brasileiro de Oftalmologia se sente orgulhoso por poder oferecer aos nossos
residentes o que achamos essencial em sua formação.
Sabemos que ainda existirão erros e correções serão sempre necessárias, mas também
temos consciência de que todos os autores fizeram o melhor que puderam.
Uma boa leitura a todos.

Marco Antônio Rey de Faria


Presidente do CBO

IX
Agradecimentos

O projeto de atualização e impressão desta terceira edição da “Série Oftalmologia Brasileira”


contou, novamente, com a parceria privilegiada estabelecida pelo Conselho Brasileiro de Oftal­
mologia com importantes empresas do segmento oftálmico estabelecidas no Brasil.
Aos autores e colaboradores, responsáveis pela excelente qualidade desta obra, nossos
mais profundos agradecimentos pela ampla revisão e atualização do conteúdo e, sobretudo,
pelo resultado conseguido que a mantém em lugar de destaque entre as mais importantes
publicações de Oftalmologia do mundo.
Aos presidentes, diretores e demais funcionários da Alcon, Genom, Johnson & Johnson e
Varilux nossos sinceros reconhecimentos pela forma preferencial com que investiram neste
projeto, contribuindo de modo efetivo não só para a divulgação do conhecimento, mas, tam­
bém, para a valorização da Oftalmologia e daqueles que a praticam.
Aos jovens oftalmologistas, oferecemos esta terceira edição da “Série Oftalmologia Bra­
sileira”, importante fonte de transmissão de conhecimentos, esperando que possa contribuir
tanto para a formação básica quanto para a educação continuada. Sintam orgulho desta obra,
boa leitura!

Milton Ruiz Alves


Coordenador da Série Oftalmologia Brasileira

Alcori
a Novartis company GENOM
OFTALMOLOGIA

um a Lente CssiLor Ossilor

XI
Sumário

Parte I
Conceitos Básicos e Clínicos em Doenças Externas e da Córnea

Seção I
Conceitos Básicos

Estrutura e Função da Região Externa do Olho e Córnea...............................................................5


Luiz Antonio Vieira • Ana Luisa Hõfling-Lima

Imunologia Básica - Imunologia da Superfície O cu lar..................................................................13


Márcia Regina Kimie Higashi Mitsuhiro • Ana Luisa Hõfling-Lima

Respostas Normal e Patológica em Doenças da Córnea e da Conjuntiva........................... 23


Luiz Antonio Vieira • Ana Luisa Hõfling-Lima

Conceitos Básicos de Infecção Ocular.....................................................................................................31


Luciene Barbosa de Souza • Ana Luisa Hõfling-Lima • Acácio Alves de Souza Lima Filho
Maria Cecília Zorat Yu • Renata Rezende • Paulo fosé Martins Bispo • Gustavo Barreto de Melo

A - Mecanismos de Defesa - Microbiota Ocular Normal - Patogênese


da Infecção O cu la r........................................................................................................................................... 31
Luciene Barbosa de Souza • Ana Luisa Hõfling-Lima

B - Técnicas de Diagnóstico O cular........................................................................................................33


Maria Cecília Zorat Yu • Acácio Alves de Souza Lima Filho • Ana Luisa Hõfling-Lima
Paulo José Martins Bispo • Gustavo Barreto de Mello
C - Microbiologia ocular................................................................................................................................ 65
Renata Rezende • Ana Luisa Hõfling-Lima

D - Diagnóstico Molecular das Infecções Oculares Externas....................................................71


Gustavo Barreto de Melo • Paulo José Martins Bispo • Ana Luisa Hõfling-Lima

Seção II
Propedêutica Clínica

Propedêutica com Lâmpada de Fenda, Fotografia e Sinais Clínicos de Inflamação . . .79


Vera Mascaro • Ana Luisa Hõfling-Lima

Propedêutica da Córnea I: Paquimetria, Ceratometria e Topografia Corneana................ 93


Vera Mascaro • Ana Luisa Hõfling-Lima

Propedêutica da Córnea II: Microscopia Confocal e Especular da C ó rn ea.........................97


Ana Luisa Hõfling-Lima • Vera Mascaro • Gustavo Victor

Propedêutica do Segmento Anterior: Tomografia e Biomicroscopia Ultrassónica . . .109


Vera Mascaro • Ana Luisa Hõfling-Lima

Parte II
Clínica de Doenças Externas e da Córnea

Seção III
Epidemiologia das Doenças Externas Oculares

Epidemiologia das Doenças Externas Oculares............................................................................... 119


Marinho Jorge Scarpi

Seção IV
Doenças Infecciosas

Infecções Bacterianas...................................................................................................................................125
Luciene Barbosa de Sousa • Ana Luisa Hõfling-Lima

Infecções Virais................................................................................................................................................ 135


Renata Rezende • Ana Luisa Hõfling-Lima
12 Infecções Fúngicas..........................................................................................................................................155
Luiz Antonio Vieira • Ana Luisa Hõfling-Lima

13 Infecções Parasitárias: Ceratite por Acanthamoeba spp................................................................159


Denise de Freitas • Fábio Ramos de Souza Carvalho • Annette Silva Foronda

Infecções Clamidianas...................................................................................................................................167
Marinho Jorge Scarpi • Ana Luisa Flõjling-Lima

Seção V
Doenças Imunológicas

15 Alergia O cular.................................................................................................................................................... 173


Maria Cristina Nishiwaki-Dantas • Débora Marcolini Schneider Felberg • Andréa Santucci César

16 Doenças Cicatriciais da Conjuntiva.........................................................................................................183


Paulo Elias Correa Dantas • Sérgio Felberg • Maria Cristina Nishiwaki-Dantas • Ricardo Flolzchuh
Nilo Flolzchuh • Junia Cabral Marques • Érika Alessandra G. Silvino Rodrigues
Rogério Alberto Mendes Moreira • Arthur Rubens Cunha Schaeffer • Richard Hida

17 Conjuntivite e Hipersensibilidade aFárm acos.................................................................................. 195


Junia Cabral Marques • Maria Cristina Nishiwaki-Dantas

18 Ceratoconjuntivite Flictenular....................................................................................................................199
Maria Cristina Nishiwaki-Dantas • Andréa Santucci César

19 Úlcera de M ooren............................................................................................................................................201
Patrícia Novita Garcia • Maria Cristina Nishiwaki-Dantas

20 Doenças Imunológicas da Esclera........................................................................................................... 205


ÉrikaAlessandra G. Silvino Rodrigues • Vanessa Macedo Batista Fiorelli • Maria Cristina Nishiwaki-Dantas

Seção VI
Doenças da Superfície Ocular

21 Estudo do Filme Lacrimal e da SuperfícieO cular............................................................................ 213


José Álvaro Pereira Gomes

Disfunção do Filme Lacrimal...................................................................................................................... 219


José Álvaro Pereira Gomes • Taís Flitomi Wakamatsu

XV
23 Síndrome de Sjõgren...................................................................................................................................... 225
Sérgio Felberg • José Álvaro Pereira Gomes • Renato Corrêa Souza cie Oliveira • Taís Hitomi Wakamatsu

24 Blefarites...............................................................................................................................................................237
Consuelo Bueno Diniz Âdán • Maria Emilia Xavier S. Araújo • Ana Luisa Hõfling-Lima

25 Erosão Recorrente da Córnea.................................................................................................................... 253


Ana Luisa Höfling-Lima

26 Ceratoconjuntivite Límbica Superior......................................................................................................257


Ana Luisa Hõfling-Lima

27 Conjuntivite Lenhosa...................................................................................................................................... 261


Maria Cristina Nishiwaki-Dantas • João Baptista Nigro Santiago Malta

28 Rosácea..................................................................................................................................................................265
Ana Luisa Höfling-Lima

29 Ceratite Superficial de T hygeson........................................................................................................... 269


Ricardo Holzchuh • Paulo Elias Correa Dantas • Diego Ricardo Hoshino Ruiz

30 Ceratite Filamentar......................................................................................................................................... 273


Arthur Rubens Cunha Schaejfler • Maria Cristina Nishiwaki-Dantas

31 Ceratopatia Neurotrófica.............................................................................................................................. 277


AnaCarolina Vieira • Ana Luisa Höfling-Lima

Seção VII
Doenças Metabólicas e Anomalias Congênitas

32 Anomalias Congênitas da Córnea e Esclera....................................................................................... 285


Paulo Elias Correa Dantas • Carolina Dourado Cardoso Tonhá • Maria Cristina Nishiwaki-Dantas

33 Doenças Metabólicas......................................................................................................................................295
Sérgio Felberg • Sandra Naufal • Maria Cristina Nishiwaki-Dantas • Nilo Holzchuh

XVI
Seção VIII
Tumores da Conjuntiva e da Córnea

34 Tumores da Conjuntiva e da Córnea.....................................................................................................309


Ru th Miyuki Santo

A - Tumores Epiteliais....................................................................................................................................311

B-Tum ores Pigmentados............................................................................................................................316

Seção IX
Trauma

35 Traumas Químicos, Térmicos, Elétricos, Barométricos e por R adiação........................... 325


Milton Ruiz Alves • Yoshitaka Nakashima • Augusto Akio Nakashima

36 Traumas Mecânicos........................................................................................................................................ 333


Milton Ruiz Alves • Yoshitaka Nakashima • Aloisio Fumio Nakashima

Seção X
Distrofias e Degenerações da Córnea

Distrofias e Ectasias da Córnea......................................................... 349


Vanessa Macedo Batista Fiorelli • Maria Cristina Nishiwaki-Dantas • Paulo Elias Correa Dantas

A - Distrofias da Córnea.............................................................................................................................. 349

B - Desordens Ectásicas.............................................................................................................................. 365

38 Degenerações Corneais................................................................................................................................ 369


Paulo Elias Correa Dantas • João Baptista Nigro Santiago Malta
Rafael Franco de Melo • Maria Cristina Nishiwaki-Dantas

Seção XI
Deficiências Nutricionais

39 Deficiências Nutricionais............................................................................................................................. 381


Ana Luisa FIõfling-Lima • Ana Carolina Vieira

XVII
Parte III
Terapêutica de Doenças Externas e da Córnea

Seção XII
Uso de Lentes de Contato no Tratamento de Doenças da Córnea

Uso de Lentes de Contato no Tratamento de Doenças da Córnea...................................... 393


Milton Ruiz Alves • Flavio Fernandes Villela

Seção XIII
Suporte e Proteção

Adesivos Teciduais...........................................................................................................................................403
Sérgio Felberg • José Álvaro Pereira Gomes

Transplante de Córnea Tectônico.......................................................................................................... 407


Fernando Betty Cresta • Micheline Borges Lucas • Milton Ruiz Alves

Retalhos de Conjuntiva.................................................................................................................................415
José Américo Bonatti • Aries Silva dos Santos
Marcelo Weslley Lopes DalFCol • Milton Ruiz Alves

Transplante Escleral.........................................................................................................................................425
Milton Ruiz Alves • Suzana Matayoshi

Seção XIV
Reabilitação

Transplante de Membrana Am niótica...................................................................................................433


Renato Teixeira Ferreira Pires • José Luis Teixeira Ferreira Pires
Paula Mareia F S. Ferreira Pires • Milton Ruiz Alves

Transplante de Células Germinativas......................................................................................................443


Sérgio Kwitko • Samuel Rymer • Diane Marinho • Luciano Bellini

Pterígio..................................................................................................................................................................455
Milton Ruiz Alves • FIélia Soares Angotti

Transplante de Córnea Penetrante........................................................................................................ 465


José Antonio Almeida Milani
49 Transplante de Córnea em Crianças.....................................................................................................479
Maria Emilia Xavier dos Santos Araújo

50 Transplantes Lamelares e o Uso do Laser de Femtossegundo................................................. 489


Luís Felipe Lynch • Luciene Barbosa de Sousa

51 Anel Intraestromal.......................................................................................... 503


Ana Luisa Hojling-Linia • Marta de Filippi Sartori

52 Ceratectomia Fototerapêutica com Excimer Laser (PTK)........... 519


Claudia Francesconi • Hamilton Moreira

53 Ceratoprótese...................................................................................................................................................527
José Álvaro Pereira Gomes • Lúcio Dantas • Marília Cavalcante Araújo • Paulo Galvão Neto • Paulo Schor

Seção XV
Cirurgia Refrativa

54 Laser em Cirurgia de Córnea....................................................................................................................... 537


Fabrício WitzeI de Medeiros • Milton Ruiz Alves

55 Ceratectomia Fotorrefrativa com Excimer Laser (PRK).................................................................. 541


Marcelo Vieira Netto • Jackson Barreto Jr. • André Torricelli

56 LASER e Epi-LASIK............................................................................................................................................547
Ramon Coral Ghanem • Vinícius Coral Ghanem • Gustavo Victor • Milton Ruiz Alves

57 Ceratomileusis com Excimer Laser in Situ (LASIK)..............................................................................551


Walton Nosé • Gustavo Victor • Milton Ruiz Alves

58 Personalização na Cirurgia Refrativa......................................................................................................573


Paulo Schor • Mauro Campos

59 Crosslinking do Colágeno Corneano.........................................................................................................577


Patrícia Cabral Zacharias Serapicos • Ana Luisa Höfling-Lima

r
Indice Remissivo...............................................................................................................................................587

XIX
Conceitos Básicos e Clínicos em
Doenças Externas e da Córnea
o
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Conceitos Básicos
Estrutura e Função da Região
Externa do Olho e Córnea

LUIZ ANTONIO VIEIRA • ANA LUISA HÖFLING-LIMA

A REGIÃO EXTERNA DO OLHO E CÓRNEA

A região externa do olho está em constante contato com o ambiente externo, sendo suscetível
a traumas, assim como a outras agressões.
O olho possui seus próprios mecanismos de defesa, porém mantém homeostasia com o
restante do organismo para proteção contra fatores adversos do ambiente. A participação ge­
nética e nutricional determina a embriogênese e o crescimento do olho. Os sistemas nervoso
e vascular intactos asseguram o metabolismo e as defesas autoimunes.
Os tecidos perioculares e estruturas ósseas, como o rebordo orbitário, ajudam na prote­
ção do globo ocular. As sobrancelhas e cílios conseguem captar pequenas partículas estranhas,
além de poderem estimular o reflexo do piscar. O piscar induz sincronicamente um estímulo
reflexo no aparelho lacrimal, ajudando a eliminar corpos estranhos. O filme lacrimal ajuda a
diluir substâncias estranhas, como toxinas e proteínas, equilibrando a flora microbiana local. A
camada de mucina localizada na superfície epitelial conjuntival e na corneana, é uma barreira
protetora contra a invasão de microrganismos.
A adesão mais forte do epitélio à membrana basal em algumas áreas, como, por exemplo,
a córnea, constitui resistência aos traumas e à penetração de microrganismos.
Os epitélios conjuntival e corneano apresentam processo de regeneração rápido e eficien­
te, dependendo do estado de preservação das células germinativas (stem cells).
A matriz extracelular da mucosa ocular é rica em tecidos vascular e linfoide, compondo
importante mecanismo de defesa.
Para melhor entendimento dos mecanismos de funcionamento ocular, é importante que
se conheçam embriologia, anatomia, fisiologia e bioquímica do olho normal.

5
Doenças Externas Oculares e Córnea

Desenvolvimento embriológico do segmento anterior


No desenvolvimento do olho, são importantes o ectoderma neural, superfície ectodérmica,
crista neural e, em menor proporção, o mesoderma. Em relação ao olho, acredita-se atualmen­
te que o mesoderma contribui somente para a formação da musculatura extraocular estriada
e endotélio vascular. O início do desenvolvimento ocular ocorre na quarta semana de gestação
como uma evaginação do neuroectoderma.
Na quinta semana de gestação, o placoide lenticular, formado a partir do ectoderma su­
perficial, leva ao surgimento do epitelio conjuntivocorneano e da epiderme palpebral; nesse
período, também ocorre a primeira onda mesoectodérmica (crista neural), que se estende sob
o epitélio, partindo do limbo, para formar o endotélio. Uma onda subsequente ocorre na sexta
semana, dando início à formação do estroma corneano e da esclera.
Quando o cálice lenticular se separa da superfície ectodérmica cerca de 33 dias após a fer­
tilização, o desenvolvimento da córnea pode ter se iniciado. A superfície ectodérmica torna-
se contínua cobrindo o cálice óptico e a vesícula lenticular, posteriormente desenvolvendo
o epitélio corneano. A seguir, as células mesenquimais crescem centralmente entre a lâmina
basal do cristalino e o epitélio corneano. Posterior à lâmina basal do epitélio corneano, o me-
sênquima tem produzido uma dupla fileira de células aplanadas, o futuro endotélio corneano.
A membrana de Descemet surge na oitava semana, assemelhando-se inicialmente a material
da membrana basal, e o seu aparecimento corresponde ao início da formação do humor aquo­
so. Seguindo a formação do endotélio, o mesênquima, originário da crista neural, continua a
migrar e a preencher o espaço entre o endotélio e o epitélio (oitava semana).
A partir da 10-/12- semana, o epitélio conjuntival já se diferencia da pálpebra e córnea.
A invaginação do epitélio no fórnice conjuntival forma as glândulas lacrimais Krause e Wol-
fring. Aos 3 meses, todos os componentes corneanos já estão formados, exceto a camada de
Bowman, que aparece no quarto mês. As pálpebras começam a abrir durante o sexto mês. Ao
nascimento, o globo possui 80% do seu tamanho adulto. A esclera e córnea, ainda distensíveis
ao nascimento, adquirem maior rigidez nos dois primeiros anos de vida.

Pálpebras
Os humanos possuem uma das maiores fissuras interpalpebrais, proporcional à massa corpo­
ral. Os cílios se dispõem em maior número na pálpebra superior que na inferior, são substituí­
dos a cada 3 a 5 meses, crescem em 2 semanas quando cortados e em 2 meses se arrancados.
A epiderme palpebral é similar a outros na face. Ocorre uma mudança abrupta de querati-
nizado para não queratinizado na junção mucocutânea da margem palpebral ao longo dos ori­
fícios das glândulas de Meibomius. Glândulas sebáceas e sudoríparas estão presentes na pele
palpebral. Nas proximidades das margens palpebrais estão as glândulas sudoríparas apócrinas,
chamadas glândulas de Moll, bem como numerosas glândulas sebáceas, as de Zeiss, sendo a
primeira de importância clínica por possibilitar a formação de tumores císticos e a última pela
transformação maligna para carcinomas de células sebáceas.
A inervação sensorial da pálpebra superior é feita a partir dos seguintes nervos: infratro-
clear, supratroclear, supraorbital e lacrimal, originários do V par craniano (trigêmeo). A pálpe­
bra inferior é suprida pelo infratroclear, na região mediai, e o restante pelo nervo infraorbital.
Estrutura e Função da Região Externa do Olho e Córnea 7

A inervação do músculo orbicular palpebral dá-se através do nervo facial. Os músculos lisos
das pálpebras (músculos tarsais superior e inferior) são supridos por fibras nervosas simpáti­
cas oriundas do gânglio simpático cervical superior.
O piscar ocorre a cada 3 a 4 segundos, estando o indivíduo em condições normais. Os mo­
vimentos palpebrais durante o piscar são realizados não somente com o encontro das pálpe­
bras, mas também através de um movimento medial coordenado, facilitando o escoamento da
lágrima. O fechamento palpebral durante o sono envolve um tônus ativo do músculo orbicular
e consequente inibição do elevador das pálpebras.
O suprimento sanguíneo arterial das pálpebras é feito através das artérias palpebrais la­
teral e medial. A artéria palpebral lateral é derivada da lacrimal, que é ramo da oftálmica, en­
quanto a palpebral medial, superior e inferior, surge da artéria oftálmica. Cada artéria divide-
se em dois ramos, que passam lateralmente, formando dois arcos em cada pálpebra. Os arcos
anastomosam-se com as artérias palpebrais laterais e com ramos da temporal superficial, facial
transversa e infraorbital.
A drenagem venosa, maior e mais numerosa que as artérias, drena medialmente para as
veias oftálmica e angular e lateralmente para a veia temporal superficial.
A drenagem linfática é feita dos 2/3 laterais das pálpebras superior e inferior para o nódulo
linfático parotídico superficial, enquanto a região medial vai para os nódulos submandibula-
res.
O tarso é composto de um tecido fibroso denso, situado no interior da pálpebra superior
e da inferior, sendo uma estrutura de adesão a músculos e septo orbitário. O tarso apresenta
uma espessura média de 0, 75 mm, medindo no sentido vertical 10 mm na pálpebra superior
e 4 mm na pálpebra inferior.
O septo orbitário separa as pálpebras do conteúdo da cavidade orbitária e é aderido à
margem orbitária, onde é contínuo com o periósteo.
Glândulas tarsais (glândulas de Meibomius) estão em íntima associação ao tecido tarsal,
sendo observadas como estruturas longas, amareladas e no sentido vertical, localizadas logo
abaixo da conjuntiva. Apresentam-se em número de 20 a 25 em cada pálpebra, dispostas em
uma linha simples, e seus duetos excretam nas margens palpebrais.

Conjuntiva
A conjuntiva é uma membrana mucosa fina que se reflete nos fórnices superior e inferior, for­
mando um espaço potencial, chamado saco conjuntival, que é aberto na fissura palpebral. O
saco conjuntival inclui conjuntiva bulbar, fórnice, dobra semilunar e conjuntiva tarsal.
Os fórnices estão ausentes na região medial, sendo substituídos pela carúncula e prega
semilunar, enquanto, na região temporal, se estendem até 14 mm do limbo, atingindo a região
posterior ao equador do olho. As fibras da musculatura lisa do elevador da pálpebra mantêm
o fórnice superior. Fibras que se estendem dos tendões do reto horizontal para a conjuntiva
temporal e pregas semilunares vão formar o fundo-de-saco durante o olhar horizontal. A ca­
rúncula, localizada no canto medial, contém pelos e glândulas sebáceas. A conjuntiva tarsal é
firmemente aderida aos tecidos profundos, enquanto a bulbar tem frouxa adesão à cápsula de
Tenon e esclera.
No limbo encontram-se projeções radiadas, chamadas de paliçadas de Vogt.
8 Doenças Externas Oculares e Córnea

O epitélio varia de estratificado cuboidal na região tarsal, colunar na região do fórnice


para escamoso no globo ocular. O epitélio conjuntival é disposto de forma mais irregular que
o corneano, sendo as organelas celulares mais abundantes. Muitas dobras estão presentes.
Células caliciformes compõem de 5 a 10% das células epiteliais basais, com número de 1.000 a
56.000 células/mm2, sendo encontradas em maior frequência na conjuntiva bulbar inferonasal.
A substância própria da conjuntiva consiste em tecido frouxo, é composta superficialmen-
te por uma camada linfoide, formada a partir da oitava à 12â semana de vida e profundamente
por vasos linfáticos, vasos e nervos. Linfócitos e outros leucócitos estão presentes em maior
número na região inferior do fundo-de-saco conjuntival.
A conjuntiva palpebral divide sua nutrição sanguínea com a pálpebra, através do arco
arterial marginal e do periférico; o primeiro nutre a conjuntiva palpebral, e o segundo, os fór-
nices superior e inferior. A conjuntiva bulbar é suprida pelas artérias ciliares anteriores, ramo
da oftálmica. Esses capilares são fenestrados, vazando fluoresceína, assemelhando-se a corio-
capilar. As veias são mais numerosas que as artérias, acompanham estas e drenam para a veia
palpebral ou diretamente para as veias oftálmicas superior e inferior.
Os vasos linfáticos são dispostos em dois plexos: superficial e profundo, na submucosa.
Drenam a região lateral para o gânglio parotídico superficial (pré-auricular) e a medial para o
submandibular.
A inervação sensorial da conjuntiva bulbar é feita por meio dos nervos ciliares longos, que são
ramos do nasociliar e divisão oftálmica do trigêmeo. A conjuntiva palpebral superior e o fórnice
superior são inervados pelo nervos frontal e lacrimal, ramos da divisão oftálmica do trigêmeo.
A inervação da conjuntiva palpebral inferior e do fórnice inferior é realizada através dos nervos
lacrimal e infraorbital, sendo o primeiro ramo oftálmico e o segundo, ramo maxilar do trigêmeo.

Cápsula de Tenon
r

E um tecido denso, composto principalmente de fibras colágenas e poucos fibroblastos. Na re­


gião posterior ao limbo, funde-se com a conjuntiva. Estendendo-se posteriormente, a cápsula
de Tenon é perfurada por nervos e vasos, fundindo-se com as meninges. A cápsula de Tenon
também se reflete nos tendões musculares quando estes se inserem no globo ocular.
Sua principal função é posicionar e apoiar o globo ocular dentro da cavidade orbitária,
permitindo a ação da musculatura extrínseca.

Córnea
A córnea é um tecido transparente, avascular, medindo horizontalmente 11 a 12 mm e vertical­
mente, 9 a 11 mm. A espessura corneana central e periférica média é de aproximadamente 0,5
e 0,7 mm, respectivamente. A córnea é asférica. O raio de curvatura médio da córnea central
é 7,8 mm (6,7 a 9,4 mm).
A córnea contribui com 74% do poder dióptrico do olho (43,25 D), de um valor total de
58,60 D, e a maior parte desse grau encontra-se na superfície ar-lágrima. O poder refrativo da
córnea central é de aproximadamente 43 D, sendo a soma dos poderes dióptricos do ar-lágri-
ma (+ 44,00 D), lágrima-córnea (+ 5,00 D) e córnea-humor aquoso (-6,00 D). O índice refrativo
do ar, lágrima, córnea e humor aquoso é, respectivamente, 1.000, 1.336 e 1.376.
Estrutura e Função da Região Externa do Olho e Córnea 9

As células epiteliais e endoteliais corneanas são metabolicamente ativas. A nutrição da


córnea depende da glicose que se difunde através do humor aquoso. O oxigênio se difunde
principalmente pela lágrima, sendo em menor quantidade pela circulação limbal e aquoso.
A córnea possui grande inervação, sendo a maior densidade de terminações nervosas
do organismo, apresentando sensibilidade 100 vezes maior que a da conjuntiva. A inervação
corneana é feita através dos nervos ciliares longos, formando um anel perilimbal, de onde
penetram na córnea através do estroma profundo, radialmente, e cursam anteriormente para
compor um plexo subepitelial. A perda do epitélio expõe as terminações nervosas, resultando
em dor ocular intensa.
Estudos histoquímicos revelam a presença de vários neurotransmissores, tais como acetil-
colina, catecolaminas, substância P e calcitonina.

Epitélio
O epitélio corneano compõe 10% da espessura corneana (50 jLim) e é composto por epitélio
r

escamoso estratificado. E formado por 5 a 6 camadas de células, sendo uma basal, duas a três
aladas e superficiais. O epitélio corneano diferencia-se da pele por não se queratinizar, salvo
na presença de condições patológicas. A regularidade da superfície epitelial é fundamental na
manutenção da transparência corneana. As fortes junções celulares previnem a penetração de
líquidos para o estroma. Ocorre um constante processo de diferenciação das células epiteliais
basais, formando as superficiais, em um período de 7 a 14 dias. As células superficiais formam
microvilos na sua superfície externa, permitindo maior troca de nutrientes e oxigênio com a
lágrima.
Componentes celulares epiteliais participam da imunologia corneana. As células de Lan-
gerhans (dendríticas) são encontradas na periferia, estando ausentes na região central corne­
ana.
As células basais secretam uma membrana basal, com 50 nm de espessura, composta prin­
cipalmente de colágeno tipo IV, laminina e outras proteínas.

Membrana basal epitelial


As células basais secretam a membrana basal, que apresenta 50 nm de espessura. Seus maiores
r

componentes são colágeno tipo IV e laminina. E composta por duas camadas: lâmina lúcida e
lâmina densa. A membrana basal ajuda a fixar a polaridade das células epiteliais, assim como
facilita a sua migração. Lesão nesse tecido pode levar a defeito cicatricial crônico.

Camada de Bowman
r

E acelular, com 12 pm de espessura, encontrada em humanos, mas não em todos os mamíferos.


r
E formada por uma condensação de fibras colágenas, dispostas ao acaso, sendo considera­
da como região anterior do estroma. Não se regenera e sua função fisiológica ainda é obscura.

Estroma
O estroma representa 70% do peso da córnea desidratada e é composto pela matriz extracelular,
queratócitos e fibras nervosas.
10 Doenças Externas Oculares e Córnea

O componente celular ocupa 2 a 3% do volume estromal. O colágeno estromal é prima-


riamente tipo I e, em menor quantidade, tipos II, V e VI. As fibras colágenas são produzidas
pelos queratócitos, apresentando diâmetro e distância entre elas, uniforme, contribuindo para
a transparência corneana. São encontradas aproximadamente 300 lamelas estromais em toda
a córnea, orientadas paralelamente à superfície corneana. As lamelas anteriores estromais são
mais curtas, estreitas e interconectadas, enquanto as posteriores são mais largas, longas e
menos interconectadas.
Entre as fibras colágenas são encontrados vários glicosaminoglicanos (GAG), sendo o mais
frequente o queratan sulfato (65% do total). Os GAG apresentam capacidade de absorver e re­
ter água. O lumican, associado ao queratan sulfato, e decorin, com o dermatan sultafo, são os
principais proteoglicanos estromais.
Os queratócitos formam uma complexa rede, interconectada através degap junctions, par­
ticipando da homeostase estromal através da síntese e degradação de moléculas.
Os queratócitos apresentam timwver de 2 a 3 anos e estão em número total aproximado
de 2,4 milhões por córnea.
A córnea humana tem pouca elasticidade e se distende com pressão intraocular normal,
somente 0,25%.
A córnea necessita de uma superfície epitelial muito regular para atingir sua perfeição óp­
tica de transparência, com um índice de refração uniforme e mínima dispersão de luz.
A disposição regular das estruturas celulares e extracelulares estromais é importante para
manter a transparência da córnea. A conformação lattice das fibras colágenas embebidas na
matriz extracelular, sendo seu tamanho menor que o comprimento de onda de luz visível, tam­
bém contribui decisivamente para a transparência corneana.
A transparência corneana também depende da sua hidratação. O controle da hidratação
dá-se por meio de diversos fatores, barreiras epiteliais e endoteliais, superfície de evapora­
ção, pressão intraocular, pressão de edema estromal, bem como pela bomba endotelial, que
é ligada a um sistema de transporte iônico controlado por enzimas, tais como Na, K-ATPase.

Membrana de Descemet
r

E a membrana basal do endotélio. Aumenta de espessura do nascimento à fase adulta.


Histologicamente é formada por duas camadas: uma anterior bandeada, formada na época
r

gestacional, e a outra, não bandeada, que é sintetizada durante toda a vida. E composta de
colágeno tipo IV e laminina. O colágeno do estroma é contínuo com a Bowman e não com a
Descemet. Quando o estroma edemacia, pode haver formação de dobras na Descemet.

Endotélio
São células interdigitadas, dispostas em um padrão mosaico, formando camada única, com
formas hexagonais e regulares. As células endoteliais não proliferam in vivo em humanos, ma­
cacos e gatos, ocorrendo em coelhos.
As células não apresentam desmossomos. São ativas em metabolismo e secreção, e, fun­
cionando adequadamente, ajudam a manter a hidratação corneana em 78%.
Quando existe perda endotelial, ocorre um deslizamento das células vizinhas na tentativa
de recompor o espaço.
Estrutura e Função da Região Externa do Olho e Córnea

A bomba metabólica endotelial é controlada por enzimas (Na/K-ATPase), localizadas na


membrana lateral das células endoteliais, chegando a existir aproximadamente 3 milhões de
sítios por célula.

Limbo
A transição entre a córnea periférica e a esclera anterior é chamada de limbo. A passagem da
córnea clara para a esclera opaca se estende em aproximadamente 1 a 1,5 mm. A sua impor­
tância dá-se pela relação com o ângulo da câmara anterior e como ponto de referência cirúr­
gica. São encontradas as seguintes estruturas nessa região: paliçadas limbares e conjuntivais,
cápsula de Tenon, episclera, estroma escleral, vias de drenagem do aquoso. Seus limites cen­
trais são formados pelo término das camadas de Bowman e da Descemet (linha de Schwalbe).
Seu limite posterior é uma linha perpendicular à superfície, localizada a 1,5 mm da linha ante­
rior e passando pelo esporão escleral.
Os achados histológicos dessa região se assemelham aos da córnea. As células-mãe são
encontradas na camada basal do epitélio limbal e sua ausência ou disfunção resulta na perda
da capacidade proliferativa do epitélio corneano.
As paliçadas de Vogt são projeções radiais do epitélio limbal com distinto suprimento
sanguíneo que se estendem para córnea, apresentando largura de 0,5 mm. A superfície nes­
sa região é plana, aspecto acinzentado, onde são provavelmente encontradas as células-mãe
corneanas (stem cells).

Esclera
A esclera se inicia anteriormente no limbo e termina posteriormente, onde o nervo óptico a
perfura, região conhecida como lâmina crivosa. A esclera compõe 90% da área superficial do
globo ocular. A sua espessura varia da região anterior para a posterior, atrás da inserção dos
músculos retos 0,3 mm, aumentando de 0,5 mm no equador para 1,0 mm na região do nervo
óptico. Essas diferenças são mais evidentes a partir dos 10 anos de idade.
As fibras colágenas esclerais são maiores e mais espessas que as corneanas, formando
espaços mais irregulares.
O colágeno tipo I é o mais encontrado na esclera adulta. Entre os glicosaminoglicanos,
o condroitin e dermatan sulfato são os mais comumente encontrados e em igual proporção
(36%). Outros componentes também são encontrados, tais como elastina e fibronectina.
A esclera é um tecido denso, que se torna translucente quando afinado ou hidratado, abai­
xo de 40% ou acima de 80% de hidratação.
A esclera tem função importante na proteção das estruturas internas do globo ocular. Sua
forma é mantida mesmo durante a contração da musculatura extrínseca ocular, cujos tendões
se inserem na sua superfície.
A natureza opaca da esclera, em contraste com a transparência corneana, deve-se à disposi­
ção irregular das fibras colágenas, variabilidade do diâmetro das suas fibras (28 a 280 nm), alto
conteúdo de água e reduzido revestimento das fibras colágenas pelos glicosaminoglicanos.
A esclera pode ser dividida em três camadas: episclera, estroma escleral e lâmina fusca. A
episclera é a mais externa, estando conectada à cápsula de Tenon por finas adesões teciduais,
12 Doenças Externas Oculares e Córnea

sendo muito vascularizada na sua porção anterior. O estroma escleral é um tecido denso for­
mado por fibras colágenas que conferem propriedade viscoelástica, respondendo a forças que
provoquem deformação. A lâmina fusca é a mais interna, de coloração amarronzada devido à
presença de melanócitos.
A função da esclera é proteger o conteúdo intraocular de trauma e deslocamento mecâ­
nico. A firmeza e resistência da esclera, juntamente com a pressão intraocular, preservam a
forma do globo ocular

BIBLIOGRAFIA

Ophthalmology AAO. Basic and Clinical Science Course - External Disease and Cornea. San Francisco, 1998.
Imunologia Básica -
Imunologia da Superfície
Ocular
MÁRCIA REGINA KIMIE HIGASHI MITSUHIRO • ANA LUISA HÖFLING-LIMA

O sistema imune tem como função a proteção do organismo contra agentes patogênicos ex­
ternos (bactérias, vírus, fungos, protozoários e parasitas multicelulares) e tumorais. Há duas
formas funcionais de atuação do sistema imune: inespecífica e específica.
A resposta inespecífica é limitada no reconhecimento do patógeno e não apresenta me-
r

mória, ou seja, não é exacerbada por uma exposição prévia. E composta pelas barreiras físicas
e químicas. As barreiras físicas incluem a pele, a conjuntiva e as membranas mucosas. Essas
barreiras são constituídas pelo epitélio íntegro, muco ou secreção serosa que contém compo­
nentes antimicrobianos como a lisozima, a lactoferrina, a betalisina e o sistema complemen­
to. O sistema complemento consiste em uma série de proteínas que facilitam a lise osmótica
de bactérias, a opsonização de microrganismos permitindo sua fagocitose por macrófagos e
neutrófílos, a quimiotaxia de leucócitos ao sítio da infecção, a solubilização de complexos
imunes e a localização de antígenos para a produção de anticorpos e células apresentadoras
de antígenos.
A reação inflamatória inespecífica consiste também em modificações vasculares, teciduais
e humorais em resposta a uma ameaça à integridade local, cuja intensidade depende da natu­
reza da agressão.
Em contato com o agente agressor, o processo inflamatório tem início, com a fase vascular
aguda composta de vasodilatação, diminuição do fluxo sanguíneo local, edema e diapedese
de leucócitos. Essa fase depende de vários mediadores como histamina, serotonina, leuco-
trienos, bradicininas, prostaglandinas e complemento (C3 e C5). Atraídas ao tecido-alvo por
fatores quimiotáticos, as células inflamatórias promovem a fagocitose e a digestão enzimática
do antígeno e sua identificação, que permitirá seu reconhecimento em caso de novo contato,
gerando a memória imunológica.
A resposta específica é caracterizada pela habilidade de distinguir os organismos pato­
gênicos e apresentar uma resposta mais intensa e rápida a uma segunda exposição (memória
r ___
imunológica). E constituída pelos linfócitos T e B, pelas células apresentadoras de antígenos

13
14 Doenças Externas Oculares e Córnea

(APC) e pelas células plasmáticas. A imunidade específica apresenta duas grandes subdivisões:
a resposta celular e a resposta humoral.
A resposta celular, mediada pelos linfócitos T e pelas APC, desempenha um importante
papel nas infecções intracelulares por vírus, fungos, na eliminação de células tumorais e na
destruição de antígenos de enxertos (transplantes). A resposta humoral envolve a produção de
anticorpos pelas células plasmáticas, que são o produto de diferenciação final dos linfócitos
B ativados.
Ambas as respostas, inespecífica e específica, atuam de forma conjunta e complementar.
O epitélio conjuntival participa das defesas da superfície ocular unindo-se ao receptor LFA-1
dos linfócitos e fagócitos e expressando a molécula de adesão ICAM-1, que permite que essas
células migrem pelo epitélio. Sob a ação do IFN-y, o epitélio expressa o antígeno de histocom-
patibilidade maior (MHC) HLA-DR classe II, que confere suas propriedades imunológicas, vistas
em tracoma, olho seco e uso crônico de colírios. Além disso, o epitélio sintetiza citoquinas
como interleucinas (IL) 1,6 e 8, que amplificam a reação inflamatória local e apresenta recep­
tores Hl para histamina, cuja ativação leva a liberação de citoquinas.
O tecido conjuntivo subepitelial ou substância própria tem uma ampla superfície e é ri­
camente vascularizada. Apresenta diferentes tipos celulares para defesa inespecífica (macró-
fagos, neutrófilos, mastócitos) e proteção imunológica específica (linfócitos, plasmócitos e
células dendríticas). Principalmente no fórnice conjuntival, a lâmina própria, sob o epitélio,
contém linfócitos, células plasmáticas, mastócitos, alguns polimorfonucleares e raros macró-
fagos que, às vezes, formam folículos. Os nódulos ou folículos linfoides não estão presentes
no recém-nascido, tornam-se numerosos pouco antes da puberdade e lentamente diminuem
em número com o avançar da idade. A linfa drena para linfonodos pré-auriculares, onde ocorre
comunicação com outras estruturas do sistema imunológico.
A presença do antígeno desencadeia uma resposta inicialmente inespecífica à custa das
APC, como as células mononucleares e dendríticas. As células dendríticas do estroma da con­
juntiva bulbar são mais frequentes no quadrante súpero-nasal. Iniciam a resposta inflama­
tória partindo da medula óssea, ainda imaturas. Sofrem maturação provavelmente sob ação
de citoquinas, adquirem vários antígenos de superfície e moléculas de adesão, migram para
os órgãos linfoides e tornam-se eficazes células apresentadoras de antígenos. As APC se en­
contram em vários tecidos não linfoides, mas podem migrar via linfáticos aferentes ou pela
corrente sanguínea para regiões T-dependentes de órgãos linfoides. Maduras, são ineficien­
tes como células fagocíticas em comparação com os macrófagos, porém são apresentadoras
de antígeno muito potentes e essenciais na ativação das células T durante o contato inicial.
Na conjuntiva, essas células, quando apresentam algumas diferenças antigênicas, atividade
adenosina trifosfatase (ATPase) e grânulos citoplasmáticos de Birbeck, são conhecidas como
células de Langerhans. As células de Langerhans formam uma densa rede nas camadas mais
profundas do epitélio da conjuntiva, principalmente bulbar. Possuem finas projeções e migram
entre as células epiteliais diante de um antígeno para capturá-lo e reconhecê-lo. As células de
Langerhans expressam o MHC classe II e o antígeno CD1 em sua superfície e centralizam uma
organizada e complexa rede imunológica. Como APC, apresentam o antígeno e sensibilizam,
ativam e proliferam as células T subepiteliais e formam anticorpos dependentes de células T.
Essas células apresentam também pelo menos três receptores de superfície para IgE, parecen-
Imunologia Básica - Imunologia da Superfície Ocular

do ter um importante papel nas reações alérgicas. Estima-se que a densidade das células de
Langerhans no limbo seja de 250 a 300 células por mm2.
Os macrófagos são células com origem na medula óssea e são largamente distribuídos
pelo organismo, com uma diversidade de ações. Dentre elas, participa na imunidade celular,
exerce papel antineoplásico e antimicrobiano e secreta inúmeras moléculas fundamentais para
a regulação da imunidade (fator de necrose tumoral-a, óxido nítrico), regeneração celular
(elastase, colagenase, fator de crescimento fibroblástico - FGF) e angiogênese. A fagocitose é
a função mais importante dos macrófagos, complementando a ação dos neutrófilos polimorfo-
nucleares. A endocitose dos macrófagos é particularmente eficiente para proteínas, vírus, bac­
térias, restos celulares e outras células (em especial se estiverem opsonizadas pelo receptor Fc
de imunoglobulina, receptor de complemento e receptor de manose). A ligação do receptor de
superfície com a partícula da célula opsonizada desencadeia a formação de pseudópodos que
englobam o antígeno para dentro do vacúolo fagocítico do macrófago. Os macrófagos podem
expressar os antígenos classe II e a molécula CD1, que conferem o papel de célula apresenta­
dora de antígeno.
Os linfócitos são derivados de células primordiais na medula óssea e constituem duas
populações morfologicamente idênticas, os linfócitos T e B, que se diferenciam no timo e no
fígado, baço e medula óssea, respectivamente, cujas funções são distintas de acordo com seus
marcadores de superfície.
Os linfócitos B representam 5 a 15% dos linfócitos circulantes e são responsáveis pela rea­
ção de imunidade humoral. Apresentam imunoglobulinas (principalmente IgM e IgD) em suas
membranas, que servem como receptores de antígenos, antígenos de superfície classe II e
receptores para algumas frações de complemento, outros mediadores e fatores de crescimen­
to. Em contato com um antígeno específico, são ativadas pelas APC e pelos linfócitos T auxi­
liadores, transformam-se em células plasmáticas, produzem imunoglobulinas (IgM no contato
inicial e depois IgG) e as liberam para a circulação sanguínea.
Os linfócitos T participam de forma indireta na produção de imunoglobulinas e estão
basicamente envolvidos nas reações imunes celulares (citotoxicidade, rejeição de transplan­
tes, reação de hipersensibilidade tardia vista na flictênula e na síndrome de Sjõgren). Estão
continuamente em circulação no sangue, na linfa, nos linfonodos, no baço e nos tecidos não
linfoides. Expressam antígenos característicos de células de memória (CD45RO) e, em situa­
ções de inflamação, citoquinas (IFN-y, IL-1, fator de necrose tumoral - TNF) induzem as células
endoteliais dos capilares a expressar integrinas e selectinas que permitem a migração dos
linfócitos através da parede vascular. Exercem funções heterogêneas como células T auxilia­
doras, citotóxicas e supressoras reconhecidas de acordo com seus marcadores de membrana,
subdividindo-se em dois grupos principais, CD4+ (auxiliadoras) e CD8 + (supressoras). Os
linfócitos são mais numerosos na conjuntiva bulbar que na tarsal, sendo a razão CD4/CD8 de
aproximadamente 0,3 na camada basal do epitélio conjuntival, ao contrário da lâmina própria,
onde 70% dos linfócitos T são CD4+ e 30% são CD8 + . Os CD8 + intraepiteliais expressam an­
tígenos de superfície característicos de células de memória e de ativadores de células T.
Os linfócitos T auxiliadores subdividem-se em duas subpopulações de acordo com os me­
diadores que produzem: Thl e Th2. Os linfócitos Thl produzem citoquinas (IL-2, IL-12, IFN-y
e TNF) que ativam macrófagos, estimulam a síntese de IgA e IgG pelas células B e dirigem a
reação inflamatória para mecanismos de hipersensibilidade tardia. Os Th2 recrutam e diferen­
16 Doenças Externas Oculares e Córnea

ciam mastócitos e eosinófilos e estimulam a produção de IgE pelas citoquinas IL-3, IL-4, IL-5 e
GM-CSF, e estão envolvidos nas respostas alérgicas (conjuntivite vernal) e antiparasitárias. Am­
bos os linfócitos Thl e Th2 estão presentes simultaneamente no processo inflamatório, mas
a diferenciação do subtipo predominante depende do tamanho do antígeno (grande tende a
estimular Th2), sua concentração (baixa concentração induz mais Th2) e cofatores estimula­
dores liberados pelas APC (a presença de IFN-y e/ou IL-2 induz a resposta T h l, enquanto IL-4
induz a resposta Th2). Um desequilíbrio entre o Thl e o Th2 e suas respectivas citoquinas
é responsável pelo desenvolvimento das doenças oculares alérgicas. Uma vez determinado
o subtipo predominante, um tipo de resposta inibe o outro. Assim, o IFN-y produzido pelo
Thl bloqueia a reação Th2 e reduz a secreção de IgE. Por outro lado, IL-10 secretada pelo
Th2 inibe a síntese de IFN-, reduz a densidade de moléculas classe II das APC e, portanto,
reduz o estímulo T h l. Um terceiro tipo de linfócito T auxiliador parece existir e atenuar a res­
posta imune local.
O tecido linfoide associado à mucosa (MALT) é encontrado nas mucosas gastrintestinal,
respiratória, urogenital e conjuntival (tecido linfoide associado à conjuntiva - CALT). O tecido
linfoide organizado da conjuntiva foi descrito pela primeira vez como CALT por Chandler e
Axelrod, em 1980. Nessas regiões, os linfócitos T, B e células plasmáticas secretoras de imuno-
globulinas formam agregados esparsos ou se organizam em folículos secundários de formato
oval com diâmetro médio de 0,3 mm e com centro germinativo. Há recirculação de células en­
tre os diferentes órgãos mucosos conectados entre si por uma migração regulada que compõe
o sistema imune associado à mucosa. Na forma “organizada” ou folicular do MALT, há as cha­
madas células M, que compõem o epitélio associado ao folículo (FAE) e que recolhem os antí-
genos do ambiente e os apresentam aos linfócitos, representando o braço aferente da imuni­
dade mucosa. A apresentação do antígeno estimula a ativação, a proliferação e a diferenciação
dos linfócitos B e T em células efetoras. Linfócitos ativados em um sítio do MALT (geralmente
gastrintestinal) abandonam o tecido pela via aferente linfática, migram para linfonodos regio­
nais e, depois, para a circulação sanguínea antes de se espalharem por outras mucosas, glân­
dula lacrimal e conjuntiva. Assim, uma IgA secretória específica contra determinado antígeno
de uma membrana mucosa pode ser encontrada na glândula lacrimal e na substância própria
da conjuntiva. Da mesma forma, outras mucosas se tornam protegidas quando a imunização
ocorre na mucosa conjuntival. A forma organizada do CALT sofre alterações relacionadas à
idade, sendo menos presente nos recém-nascidos e nos idosos. A forma “difusa” do tecido
linfoide, em contraste, constitui o braço eferente da imunidade mucosa e é composta pelas
células efetoras vindas dos vasos pós-capilares. As células linfoides ficam dispersas ao longo da
maioria das membranas mucosas conhecidas como linfócitos da lâmina própria (LPL) do tecido
conjuntivo e como células plasmáticas ou como linfócitos intraepiteliais (IEL) dentro das cama­
das basais do epitélio. O tecido linfoide associado ao olho (EALT) na superfície ocular e anexos
é contínuo da glândula lacrimal, passando pela conjuntiva (CALT) até o sistema de drenagem
lacrimal (LDALT), e é funcionalmente conectado pelo fluxo da lágrima sobre a superfície ocular
e pelos vasos linfáticos que permitem uma recirculação das células linfoides no organismo. O
EALT é observado predominantemente na conjuntiva tarsorbital, mais na pálpebra superior
que na inferior. Essa posição promove uma proteção da córnea que é em si carente de células
linfoides, agindo durante o piscar como um “limpador de parabrisa imunológico” e durante o
sono como uma “almofada imunológica”.
Imunologia Básica - Imunologia da Superfície Ocular

Os mastócitos são células grandes, redondas ou ovais, com um núcleo central e granula­
ções abundantes, geralmente são encontrados no tecido conjuntivo, na pele e nas mucosas
próximas aos vasos linfáticos e sanguíneos e ao redor dos nervos. Essa posição perivascular é
estratégica para a inflamação, já que sua ativação leva a vasodilatação, aumento da permea­
bilidade vascular e diapedese de leucócitos. Assim como os basófilos do sangue, apresentam
receptores de alta afinidade para IgE e histamina, proteoglicanos e proteases. A adesão do
antígeno à IgE da superfície do mastócito leva à agregação de IgE, que desencadeia uma de-
granulação abrupta e a liberação de mediadores armazenados nesses grânulos. Esse evento
é o centro da inflamação vista nas reações anafiláticas, alérgicas e antiparasitárias. Também
parecem estar envolvidos na alergia de contato, no penfigoide bolhoso e em tumores. Outras
moléculas podem ativar os mastócitos, como as frações C3 e C5a do complemento, fármacos
(p. ex., codeína), veneno de insetos e citoquinas (IL-1, IL-3, IL-5, IL-8 e IFN-y). O IFN-y é crucial
para a manifestação da conjuntivite alégica. Moléculas coestimulatórias influenciam a indução
de respostas imunes do Th2 e a resposta imediata da alergia, enquanto células T regulatórias
modulam a expressão da fase tardia da conjuntivite alérgica. Há dois tipos de mastócitos: os
do tecido conjuntivo (CTMC) do cório, que contêm quimase e triptase, e os da mucosa (MMC)
no cório superficial, no epitélio e nos folículos linfoides, que contêm somente triptase. No­
venta e sete por cento dos mastócitos da conjuntiva são CTMC. Em situações como conjunti­
vite papilar gigante e conjuntivite vernal, a proporção de MMC aumenta (20%). A ativação dos
mastócitos e consequente liberação de mediadores inflamatórios, como histamina, triptase
(que converte C3 em C3a que causa mais degranulação de mastócitos), calicreína (que ativa
quininas pró-inflamatórias), TNF-a, aminas vasoativas, fatores quimiotáticos e enzimas (prote­
ases e hidrolases), leva a infiltrado de neutrófilos polimorfonucleares seguido de aumento no
número de macrófagos entre oito e vinte e quatro horas. A histamina é um dos principais me­
diadores envolvidos na alergia e regula os capilares pelos receptores Hl e H2, sendo responsá­
vel por edema, vasodilatação, prurido, lacrimejamento, rinorreia, broncoespasmo. A histamina
pode também ser liberada tardiamente mais de vinte e quatro horas após a ativação inicial. Os
mastócitos sintetizam ainda várias citoquinas, incluindo IL-1, IL-3, IL-4, IL-5, IL-6, IFN-y, TGF-(3
e GM-CSF envolvidos em respostas inflamatórias inespecíficas, ativam a coagulação e têm ação
autócrina (ativando receptores de células que os sintetizam) ou parácrina (atuando em células
vizinhas). Outra forma de degranulação de mastócitos envolve o sistema nervoso com a libe­
ração de neuropeptídeos pelas terminações nervosas.
Os polimorfonucleares eosinófilos são granulócitos que ficam na corrente sanguínea por
seis a doze horas até uma interação entre uma integrina e uma molécula de adesão endotelial
(p. ex., ICAM-1) que permite a adesão celular e sua migração extravascular. Após entrarem no
tecido conjuntivo, os eosinófilos permanecem no espaço perivascular por alguns dias. Pos­
suem receptores para complemento e porção Fc de IgG, IgA, IgM e IgE. Seus grânulos contêm
proteínas pró-inflamatórias para a eliminação de parasitas e bactérias, além de histamina e
arilsulfatase, que inativam substâncias produzidas pelos mastócitos e tendem a atenuar a res­
posta inflamatória (geralmente, as proteínas pró-inflamatórias induzem seus próprios antago­
nistas para que suas atividades sejam inativadas no decorrer da reação, evitando-se lesão do
tecido pela própria inflamação).
As imunoglobulinas compõem uma família de moléculas estruturalmente relacionadas,
cuja principal função é a de reconhecer antígenos (anticorpos). Outras propriedades são ati­
18 Doenças Externas Oculares e Córnea

vação de complemento e ligação com receptores celulares. Todas as cinco imunoglobulinas


são normalmente encontradas na conjuntiva humana, principalmente no tecido subepitelial,
e quase nenhuma está presente no epitélio. A principal imunoglobulina das mucosas é a IgA
secretória, resistente a enzimas proteolíticas e distribuída e aderida ao longo de toda a su­
perfície por da ação de integrinas. A glândula lacrimal é uma parte integrante do sistema
imunológico como produtora de IgA e de sua proteína transportadora SC. Acreditava-se que
a produção de IgA ocorria exclusivamente pela glândula lacrimal, porém sua produção local
também pela conjuntiva é plenamente reconhecida.
Na reação de hipersensibilidade imediata, como a vista na conjuntivite alérgica, há ede­
ma, hiperemia e infiltrado de grande quantidade de eosinófilos e neutrófilos mediados por
IgE e IgG. Clinicamente, ainda são observados lacrimejamento e prurido. Da mesma forma,
as ceratoconjuntivites vernal e atópica são provavelmente causadas pela IgE liberada pelos
mastócitos.
Uma vez terminada a fase vascular e o agente agressor eliminado, ocorre apoptose dos
leucócitos, dando lugar ao reparo tecidual por fíbroblastos, células endoteliais vasculares e
células epiteliais.
Inúmeros mecanismos desempenham um papel na autorregulação da resposta imune
após a ativação antigênica. O mais simples é a falta de estímulo induzido pelo antígeno que
foi eliminado. Devido ao fato de vários produtos da ativação linfocitária como anticorpos
e citoquinas terem duração e ação curtas e serem secretados por breves períodos após a
estimulação celular, a ausência do antígeno resulta na eliminação dessas moléculas efeto-
ras. As células plasmáticas são efêmeras e não são autorrenováveis. Além disso, as células
T supressoras, ofeedback dos anticorpos e as interações Fas/Fas ligante (FasL) constituem o
mecanismo regulatório da resposta imune. As células T supressoras inibem a resposta imune
pela liberação localizada de TGF-(3 e da atuação sobre as células T auxiliares. Ocorre uma
diminuição da imunidade celular e na reação de hipersensibilidade tardia por ação sobre os
Thl e uma supressão da produção de IgE por ação sobre os Th2. No feedback dos anticorpos,
o próprio anticorpo produzido pela célula B ativada se liga ao seu receptor Fc e induz a um
sinal intracelular para parar a produção de mais anticorpos. Fas são moléculas de superfície
que podem mediar a apoptose celular. As células T ativadas têm Fas e também o Fas ligante
em sua superfície. Quando a quantidade de antígenos diminui, aumentam as chances de o
FasL se ligar ao Fas levando à apoptose celular.
Os componentes físicos e as respostas celular e humoral, ou seja, as barreiras vascu­
lares, a ativação de macrófagos, a proliferação de células T locais e a ativação do sistema
complemento devem estar em alerta contra a constante ameaça de situações patogênicas
inflamatórias, infecciosas e tumorais. Porém, somente a ativação do sistema imune leva à
perda do equilíbrio e conduz ao dano tecidual. A compreensão dos mecanismos imunoló-
gicos permitiu oportunidades terapêuticas potenciais também para suprimir a inflamação
em curso e restaurar a homeostase. Por exemplo, na síndrome do olho seco, pesquisas
recentes mostram que a terapia anticitoquinas-interferon e fator de ativação da célula B
(BAFF) poderão ser uma modalidade terapêutica combinada ou não com a depleção das
células B.
Evidências têm apontado diferentes moléculas e parâmetros celulares como potenciais
biomarcadores para olho seco e alergia. Biomarcadores para olho seco incluem algumas pro­
Imunologia Básica - Imunologia da Superfície Ocular

teínas como S100A8, S100A9, lipocalina-1, fosfolipase A2 secretória e algumas citocinas e


quimiocinas. Os níveis de expressão de mRNA de mucina-1 da conjuntiva parecem ser um bio-
marcador diagnóstico muito sensível e específico de olho seco. O nível de metaloproteinase-9
na lágrima é aceito como um bom biomarcador de olho seco. Parâmetros celulares, tais como
a viabilidade das células da conjuntiva e a capacidade proliferativa, foram também propostos
como biomarcadores de olho seco. Na alergia ocular, a proteína receptor-2 ativada, a proteí­
na choque térmico-70, a proteína catiônica eosinofílica e a hemopexina têm sido apontadas
como potenciais biomarcadores. Os níveis de neuromediadores na lágrima estão envolvidos
tanto em alergia quanto em olho seco.
Fatores anti-inflamatórios, como a expressão do receptor-3, o fator de crescimento endo-
telial vascular (VEGFR-3) em células da córnea, células apresentadoras de antígenos imaturas e
células T reguladoras desempenham um papel ativo na proteção da superfície ocular.

TIPOS DE REAÇÃO DE HIPERSENSIBILIDADE

As reações de hipersensibilidade são reações imunológicas excessivas ou inapropriadas que


causam dano ao organismo. De acordo com a classificação de Gell e Coombs, podem ser de
quatro tipos, como descritos a seguir.

Reação de hipersensibilidade tipo I: hipersensibilidade imediata


Ocorre na alergia quando um antígeno específico ativa mastócitos sensibilizados cobertos por
IgE. Inicialmente, há a degranulação dos mastócitos minutos após a exposição ao alérgeno, e,
quatro a seis horas após, há a participação dos eosinófilos e dos macrófagos. Uma síntese ex­
cessiva de IgE é observada em atópicos que pode ser detectada por exames de IgE específica
e total no soro ou na lágrima. Além disso, os testes cutâneos (prick test ou patch test) ajudam
na investigação de fatores desencadeantes da alergia.

Reação de hipersensibilidade tipo II: citotoxicidade dependente de


anticorpo
Anticorpos (principalmente IgG) reagem contra antígenos de superfície de células, levando a
lise pela ativação de complemento ou pela ação de linfócitos T citotóxicos contra essas IgG
nas células-alvo. A seguir, neutrófilos, mastócitos e macrófagos liberam mediadores solúveis,
causando grande inflamação local. Esse mecanismo é observado, por exemplo, em glomerulo-
nefrites, mistenia e penfigoide cicatricial.

Reação de hipersensibilidade tipo III: hipersensibilidade mediada por


imunocomplexo
Imunocomplexos com IgG ou IgM são depositados no tecido e ativam complemento, levando
a grande reação inflamatória e necrose tecidual vistas nas ceratites ulcerativas periféricas e
esclerites.
20 Doenças Externas Oculares e Córnea

Reação de hipersensibilidade tipoVI: hipersensibilidade tardia


Antígenos pequenos chamados haptenos atravessam a pele ou a mucosa, tornam-se imunogê-
nicos ao formarem complexos com receptores de membrana e são reconhecidos por linfócitos
T específicos. A sensibilização inicial ocorre após 10 a 14 dias. Os complexos são capturados
pelas APC (células de Langerhans) que migram por linfáticos eferentes até os linfonodos, onde
apresentam o complexo ao linfócito T auxiliador em associação com antígenos classe II. Cé­
lulas de memória são então estimuladas e desencadeiam uma reação mais rápida no contato
subsequente. A hipersensibilidade ocorre 4 a 8 horas após o contato, e é máxima após 48 a 72
horas, levando a edema, infiltrado principalmente de células CD4+ e menos de CD8 + , além
de células de Langerhans e macrófagos. Mastócitos e basófilos aparecem secundariamente.
Várias citoquinas são secretadas, como o IFN-y, que estimula a expressão de HLA-DR e ICAM-1
em queratócitos e células conjuntivais, promovendo a migração de células imunocompeten-
tes. O granuloma, como observado no eczema alérgico, apresenta células epitelioides, linfóci­
tos e células gigantes multinucleadas com uma área central de necrose ou fibrose.

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Imunologia Básica - Imunologia da Superfície Ocular

MECANISMOS DE DEFESA DA SUPERFÍCIE OCULAR

Pálpebras
As pálpebras protegem o globo ocular de exposição e ressecamento, e são a primeira barreira
contra as agressões mecânicas, tóxicas e microbianas do meio externo.

Lágrimas
A lágrima protege a superfície ocular pela lavagem e diluição de elementos externos, agindo
de forma mecânica.
Possui vários mecanismos antibactericidas inespecíficos. É rica em mediadores quími­
cos liberados durante as reações imunológicas (lisozimas antibacterianas, lactoferrina e
betalisina). A lisozima representa 30 a 40% das proteínas da lágrima e é uma enzima an-
tibacteriana que rompe a membrana dos microrganismos sensíveis. A lactoferrina liga-se
ao ferro e depriva a bactéria de seu crucial nutriente, além de ativar os linfócitos natural
killers. O muco engloba partículas estranhas e facilita sua eliminação mecânica pelos fórni-
ces conjuntivais. O radical livre da mucina também tem propriedades bactericidas. A flora
bacteriana local, composta basicamente de Staphylococcus epidermidis, Corynebacterium e
Propionibacterium acnes, inibe a proliferação de microrganismos agressores.
A principal imunoglobulina encontrada na camada mucosa da lágrima é a IgA secretória
(100-500 mg/1) produzida pelas células plasmáticas da parte externa dos ácinos das glândulas
lacrimais e da conjuntiva. A IgA impede a adesão bacteriana e neutraliza algumas toxinas e
vírus. A IgG está presente em pequena quantidade (3-10 mg/1); IgM, prostaglandinas, leucotrie-
nos, interferons, a2-macroglobulina, transferrina, al-antitripsina, (32-microglobulina e frações
de complementos são encontrados em pequena quantidade e IgD não é detectável. IgE pode
ser detectada por meio de radioimunoensaio e está aumentada em pacientes alérgicos. Além
disso, outras proteínas podem ser sintetizadas pelo tecido conjuntivo da conjuntiva em pro­
cessos inflamatórios.
A lágrima é rica também em fatores tróficos (fatores de crescimento, principalmente o
fator de crescimento epidérmico - EGF).

Conjuntiva
A conjuntiva forma uma barreira mecânica que protege a superfície ocular e participa na com­
posição da lágrima pela produção de mucina. Além disso, a conjuntiva é rica em vasos sanguí­
neos e linfáticos e em células imunocompetentes.
A conjuntiva normal humana contém um número elevado de células inflamatórias, como
linfócitos, neutrófilos e mastócitos, cujas funções básicas são fagocitose e processamento
de antígenos para defesa e memória imunológica. Por outro lado, eosinófilos e basófilos não
estão normalmente presentes na conjuntiva. As células epiteliais da conjuntiva também têm
ação fagocitária e, como os leucócitos, possuem lisossomos com hidrolases com forte efeito
antimicrobiano.
22 Doenças Externas Oculares e Córnea

Córnea
A córnea é avascular e sem drenagem linfática, características que conferem seu “privilégio
imunológico” (privilégio corneolinfoangiogênico), muito importante para a sua integridade,
transparência, e colaboram para o bom prognóstico dos enxertos. Apesar de a córnea também
estar em contato direto com o meio externo, ao contrário da conjuntiva, que possui recursos
para uma resposta inflamatória potente e imediata, as funções de defesa da córnea são míni­
mas e parecem estar até inibidas, como, por exemplo, a não expressão de ICAM-1, molécula
envolvida na migração intraepitelial de células inflamatórias. Além disso, o fato de os antíge-
nos e de outras substâncias terem que entrar na córnea pelos vasos corneoesclerais do limbo
parece impedir que moléculas grandes, como a IgM, cheguem ao centro da córnea.
Apenas na camada basal do epitélio periférico junto ao limbo, células de Langerhans com
características semelhantes às vistas na epiderme (grânulos de Birbeck. ATPase, MHC classes I
e II, receptores Fc de IgG) são observadas. As células de Langerhans do centro da córnea não
expressam CD1, antígeno necessário para a troca de informações com outras células do siste­
ma imunológico.
No entanto, reações inflamatórias ocorrem na córnea em situações patológicas. A neovas-
cularização da córnea, ou seja, a presença de vasos novos e anormais na córnea, ocorre em
situações de inflamação por hipóxia (lente de contato), infecção, alergias e qualquer condição
local que estimule fatores angiogênicos. O anel de Wessely, um infiltrado inflamatório com
formato em anel no estroma da córnea, concêntrico ao limbo, parece estar relacionado a uma
reação imunológica e precipitação de antígeno-anticorpo no estroma corneano.
Com o advento de novos fármacos antilinfoangiogênicos tornou-se possível testar con­
ceitos novos para o tratamento de doenças neovasculares da córnea e da superfície ocular
inicialmente em modelos animais. Vários desses novos conceitos já estão na fase de tradução
no âmbito dos ensaios clínicos ou uso ojf-label. O desenvolvimento na compreensão dos meca­
nismos moleculares das doenças, com o advento de novas tecnologias e a aplicação de agentes
imunomoduladores, como moléculas pequenas (corticosteroides, ácido acetilsalicílico, agen­
tes antioxidantes), inibidor da calcineurina, ciclosporina, terapia genética e estratégias de
interferência no ácido ribonucleico, permitirá uma abordagem terapêutica adaptada a cada
paciente conforme seu perfil genético.

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Respostas Normal e Patológica
em Doenças da Córnea
e da Conjuntiva
LUIZ ANTONIO VIEIRA • ANA LUISA HÖFLING-LIMA

A conjuntiva é um tecido complexo do sistema de defesa imune e participa ativamente na res­


posta imune ocular contra agentes estranhos.
Encontram-se na conjuntiva uma variada subpopulação de células linfocitárias, mastóci-
tos, células dendríticas, fibroblastos, entre outros elementos.
O sistema de defesa linfoide das mucosas também é verificado na conjuntiva ocular
(MALT), e é composto de glândula lacrimal, conjuntiva, córnea e filme lacrimal, tendo sido
denominado também de CALT (tecido linfoide conjuntival associado).
Os leucócitos predominantes na conjuntiva são células T (90%), e destes 76% de CD8 e
16% de CD4. Existem diferenças regionais na distribuição dos linfócitos, pois, na conjuntiva
epibulbar, o número de Ts (supressor) é mais alto que o de Th (helper) e a maioria se encontra
no epitélio. No fórnice são mais concentrados na substância própria. As células plasmáticas
são geralmente ausentes no epitélio e estroma conjuntival, estando mais restritas na região
das glândulas lacrimais acessórias (Krause e Wolfring). As células M também são encontradas
em folículos linfoides especializados da conjuntiva, localizados na lâmina própria; apresentam
microvilos alongados e acredita-se que possam aumentar a capacidade da mucosa em captu­
rar antígenos. Dentre as principais células do sistema regulatório da superfície ocular estão as
células apresentadoras de antígeno (APC), sendo a célula de Langerhans a principal, altamente
móvel e que responde prontamente a estímulos quimiotáticos, ao fator de necrose tumoral
(TNF-alfa) e interleucina-1 liberada pelas células epiteliais; sua maior distribuição é no fórnice
inferior e região epibulbar medial, e bem pouco na região tarsal.
Os eosinófilos participam ativamente nas doenças alérgicas da conjuntiva ocular. Na con-
juntivite primaveril estão localizados mais superficialmente, sendo facilmente observados em
avaliações citológicas de superfície. A presença dessa célula na conjuntiva confirma o diagnós­
tico, porém a sua ausência não o afasta, pois pode se localizar em tecidos mais profundos. As
proteínas liberadas por essa célula podem provocar efeitos citotóxicos, causando liberação de
histamina.

23
24 Doenças Externas Oculares e Córnea

Os mastócitos localizados na pele e mucosas do organismo participam efetivamente como


coadjuvantes das reações inflamatórias da conjuntiva ocular. Mastócitos são raros na con­
juntiva e limbo, e seu aumento é associado a doenças alérgicas. A ligação dos antígenos que
cobrem a sua superfície, a IgE, pode levar à abrupta degranulação com a liberação de media­
dores. Neuropeptídeos, citoquinas e algumas frações do complemento também podem contri­
buir na degranulação. O principal mediador liberado é a histamina. Esse mediador desenvolve
um papel na regulação dos vasos capilares via receptores Hl e H2.
O epitélio conjuntival apresenta uma densa rede de células de Langerhans (LC), chegando
a 250 a 300 por mm2na região limbal.
O papel dos leucócitos polimorfonucleares na defesa imune é baseado na habilidade de
ingerir e matar microrganismos. Sua atividade bactericida dá-se através de vias dependentes e
independentes do oxigênio, sendo as defensinas o principal representante desta última.
O muco é mecanismo de barreira protetor conjuntival, o seu epitélio produz diferentes
mucinas associadas a membranas, sendo hidrofóbicas, com cargas altamente negativas, preve­
nindo a penetração de patógenos. Dentro da rede de mucina existe um sistema de produção
de radicais (oxigênio) com propriedades antibacterianas. O epitélio conjuntival é bem aderido
entre eles, formando uma forte barreira contra a invasão microbiana patogênica ou penetra­
ção de material antigênico.
A substância própria da conjuntiva consiste em um tecido altamente vascularizado, frouxo
e rico em células imunes, principalmente nos fórnices, possuindo poucos polimorfonucleares
(exceto em agressões microbianas) e raros macrófagos. Na verdade, é dividida em camadas:
uma mais externa, linfoide, não presente ao nascimento, e outra mais interna, fibrosa.

QUERATINIZAÇÃO

A xeroftalmia é um exemplo relevante de queratinização da superfície ocular, mostrando uma


área acometida irregular, sem brilho e pouco úmida, geralmente associada à avitaminose A,
formando a mancha de Bitot na região interpalpebral. A biópsia mostra hiperqueratose e acan-
tose com uma proeminente camada de células granulares.

FOLÍCULO

A camada adenoide da conjuntiva apresenta aproximadamente 50 a 70 pm de espessura. Não


está presente ao nascimento, começando a se formar a partir de 8 a 12 semanas de vida.
Folículos são compostos de agregados de tecido linfoide dentro do estroma superficial da
conjuntiva. São encontrados entre a margem do tarso e o fórnice, como elevações arredon­
dadas ou ovaladas, mas podem aparecer na conjuntiva bulbar ou na tarsal. Pequenos folículos
surgindo na conjuntiva palpebral produzem uma leve e irregular aparência aveludada. Os folí­
culos, ao contrário das papilas, são essencialmente avasculares; pequenos vasos geralmente o
circundam. Os tecidos subepiteliais em volta dos folículos exibem moderada a grave infiltra­
ção com linfócitos e células plasmáticas. Folículos encontrados na conjuntiva tarsal superior
são bem demarcados, devido a sua íntima aderência ao tarso e tecido mucoso subepitelial.
Respostas Normal e Patológica em Doenças da Córnea e da Conjuntiva 25

Folículos no fórnice são menos regularmente espaçados e maiores. Folículos na conjuntiva não
são encontrados no período neonatal porque o sistema imune está imaturo e eles são menos
aparentes em crianças com menos de 2 anos de idade.
Normalmente, os folículos são pequenos (0,5 a 1,5 mm), pálidos, arredondados ou ova­
lados e sobrelevados. Folículos são lesões avasculares, consistem histologicamente em agre­
gados de linfócitos na substância própria. O tecido subepitelial em volta dos folículos pode
exibir moderada a grave infiltração linfocitária e células plasmáticas. Alguns são organizados
em centros germinativos e contêm células histiocitárias, com estruturas celulares intracito-
plasmáticas fagocitadas.
Em uma conjuntiva sadia não existem folículos verdadeiros com centros germinativos,
contudo linfócitos podem ser estimulados a formar folículos reativos com centro germinativo.
Os folículos são comumente encontrados em associação com infecções virais agudas, su-
bagudas e crônicas, ou também por longo uso de medicamento tópico. Em pacientes imunos-
suprimidos, a resposta pode se apresentar bem diminuída.
Em tracoma, os folículos são predominantes na conjuntiva tarsal superior, podendo per­
sistir por anos.
Na fase inicial da doença, coleções de linfócitos são vistas abaixo do epitélio ou profundamen­
te no tecido conjuntivo, não apresentando centro germinativo, consistindo principalmente em
pequenos linfócitos. Com a evolução da doença, os aglomerados linfocitários desenvolvem uma es­
trutura semelhante a linfonodos, com uma camada externa de linfócitos pequenos e densos, com
coloração mais leve e mais citoplasma. Ao contrário dos linfonodos centrais, o centro germinativo
desse folículo é deslocado em direção à superfície. Os linfócitos do folículo parecem infiltrar o epi­
télio conjuntival, que é relativamente aplanado e frouxo, permitindo o pronto acesso do material
estranho ao folículo. Essa estrutura pode ser análoga às placas de Peyer intestinais.
Em estágios mais avançados do tracoma, os centros germinativos do folículo podem evo­
luir com microulcerações e tornar-se necróticos.
Folículos podem ser observados na conjuntivite bacteriana em menor quantidade que as
papilas.
Os linfócitos em tracoma infiltram a camada basal do epitélio (que sofre hiperplasia) com
a formação de folículos. Com a evolução da doença, a conjuntiva torna-se espessada pelo infil­
trado celular e hiperplasia folicular. Tardiamente, a hiperplasia epitelial torna-se mais pronun­
ciada, continuando a infiltração linfocitária da camada basal. Sua degeneração e descamação
ocorrem nas camadas superficiais.
Os folículos podem surgir sem sinais evidentes de inflamação, formando uma entidade clí­
nica, a foliculose, sendo encontrados nas conjuntivas superior e inferior, bem como na região
tarsal superior; são normalmente pequenos, localizam-se mais comumente na margem supe­
rior do tarso. Folículos na região central do tarso são geralmente patológicos.

PAPILAS

São estruturas sobrelevadas, separadas por áreas pálidas, podendo ser encontradas em toda
a conjuntiva e inclusive no limbo; as maiores são localizadas mais comumente na conjuntiva
tarsal superior.
26 Doenças Externas Oculares e Córnea

Essas sobrelevações apresentam um centro vascular, que, alcançando a superfície, forma


uma figura vascular arborizada.
Os septos ancorantes normalmente dividem a conjuntiva em padrão de mosaico, de papi­
las poligonais, menores que 1 mm de diâmetro. Quando ocorre rotura desse septo, as peque­
nas papilas se coalescem, formando papilas gigantes.
A resposta papilar é um sinal não específico de inflamação conjuntival e resulta de edema
e infiltração de células polimorfonucleares da conjuntiva. Com a quebra dos septos, pode ha­
ver a formação de grandes papilas, mais comumente na conjuntiva tarsal superior.
Papilas na conjuntiva tarsal superior tendem a ser planas, enquanto na região limbal se
apresentam sob forma de vírgula.
As papilas são produzidas por infiltrados perivasculares da conjuntiva palpebral por célu­
las inflamatórias e transudatos. Sua configuração e localização em parte dependem do padrão
e resistência das ligações fibrosas entre o epitélio e o tarso adjacente, distribuição dos tufos
vasculares subepiteliais e gravidade da inflamação.
Estudos mostraram que menos de 1%dos indivíduos normais apresentam papilas com di­
âmetro menor que 0,3 mm e pacientes normais geralmente não têm papilas maiores que 0,5
mm.
As papilas histologicamente são cobertas com epitélio hiperplástico.
As papilas grandes ou gigantes têm um significado clínico mais específico, sua aparência
varia de acordo com sua causa. Em ceratoconjuntivite primaveril palpebral são frequentemen­
te grandes, poligonais e com superfície plana, levando a um aspecto de “paralelepípedo”,
localizadas na conjuntiva tarsal superior. Na conjuntivite primaveril limbal, as papilas gigantes
assumem uma aparência gelatinosa, arredondada e lisa, sendo frequentemente associadas
com pontos de Trantas.
As papilas gigantes em conjuntiva tarsal superior associadas com o uso de lentes de con­
tato variam de lesões levemente elevadas, simétricas e pálidas, até grandes e poligonais, com
superfície plana.
Estudo morfológico por microscopia eletrônica de papilas mostrou que as células superfi­
ciais apresentam bordas com microvilosidades. As microvilosidades cobrindo a superfície das
células têm um aspecto aveludado e partículas de muco aderidas. As células demonstram um
aspecto claro ou escuro, dependendo do estágio de desenvolvimento; células claras são meno­
res, tendo poucos microvilos, porém mais longos, enquanto as escuras apresentam superfície
irregulare são cobertas com microvilos densos e curtos. Também aberturas de criptas foram
observadas, variando de 1 a 60 jum (criptas de Henle). Em conjuntivas que sofreram a ação do
uso da lente de contato, as microvilosidades são mais agrupadas na região central com muco.
Em infecções bacterianas, as papilas são pequenas, hiperêmicas, poligonais e mais fre­
quentemente na conjuntiva palpebral, com aparência aveludada.
Nas conjuntivites alérgicas, tais como primaveril e atópica, predominam as papilas con-
juntivais. Estudos histopatológicos da papila conjuntival mostram grandes coleções de cé­
lulas mononucleares, fibroblastos e novos colágenos formados, além de células tipicamente
associadas às reações alérgicas, como mastócito e eosinófilos. Estudos imuno-histoquímicos
mostram a presença de células T helper (CD4), particularmente Th2 (células secretoras de in-
terleucina-4). As citoquinas produzidas pelas células inflamatórias são, entre outras, indutoras
da expressão de glicoproteínas, HLA classe II nas células epiteliais e estromais da conjuntiva.
Respostas Normal e Patológica em Doenças da Córnea e da Conjuntiva 27

Papilas são projeções hiperêmicas que se desenvolvem em áreas onde a conjuntiva é fir­
memente aderida ao tecido adjacente pelos septos de tecido conjuntivo. As adesões fibrosas
são encontradas no tarso, dobras semilunares e limbo. Papilas são formadas por projeções
vasculares centrais, os vales entre estas; são pálidas e relativamente avasculares. O tecido es-
tromal que envolve as papilas é edematoso com células inflamatórias crônicas.
Papilas localizadas na conjuntiva limbal apresentam forma de vírgula, enquanto na tarsal,
achatada.
Papilas na conjuntivite papilar gigante mostram-se arredondadas, com centro claro, po­
dendo confundir-se com folículos, porém estes nunca são encontrados no fórnice inferior.

MEMBRANA E PSEUDOMEMBRANA

Membranas são compostas primariamente de fibrina que coagula na superfície epitelial.


A membrana em conjuntivite membranosa é composta de fibrina, leucócitos e materiais
necróticos depositados dentro da superfície conjuntival.
A retirada da membrana da conjuntiva expõe uma superfície com áreas de sangramento e
algum tecido de granulação. A cicatrização da conjuntiva é comum. O protótipo da conjuntivi­
te membranosa é a conjuntivite diftérica.
A pseudomembrana na conjuntivite pseudomembranosa é composta de fibrina, leucóci­
to e material necrótico. Ao ser retirada da conjuntiva, a superfície está relativamente intacta
e ocorrerá pouco sangramento. O protótipo dessa conjuntivite é a ceratoconjuntivite epi­
dêmica. Conjuntivite por herpes simples é causa importante de conjuntivite pseudomem­
branosa.
A distinção entre as duas realmente reflete o grau de resposta inflamatória, sendo a mem­
brana verdadeira um quadro mais intenso.
A conjuntivite lenhosa é uma doença rara, caracterizada por lesões membranosas conjun-
tivais, podendo comprometer também outras mucosas, tais como respiratória, gastrenterite e
r

genital. E provável que ocorra inicialmente alteração na permeabilidade vascular, levando ao


transudato serofibrinoso, sofra coagulação, com um resultante tecido de granulação e acú­
mulo de tecido hialino. Ocorre um infiltrado celular predominante de linfócito T, a taxa de
T /ie/per/indutor-supressor/citotóxico era de 3:1. O maior componente do material hialino é
a imunoglobulina, sendo a IgG a mais predominante. Os fibroblastos anormais encontrados
na substância própria podem não produzir colágeno, mas sim mucopolissacarídeo, fibrina e
material amiloide.

GRANULOMA

O granuloma conjuntival sempre afeta o estroma. E comumente elevado diversos milímetros


acima da superfície conjuntival, usualmente vascularizado, mostrando aspecto de massa poli-
poide e séssil. O protótipo da conjuntivite granulomatosa é a tuberculosa, onde encontramos
nódulos, com células epitelioides, células gigantes de Langerhans e necrose caseosa, acome­
tendo mais frequentemente a conjuntiva tarsal e o fórnice.
28 Doenças Externas Oculares e Córnea

O granuloma pode ser visto na sarcoidose ou por reação a corpo estranho. Conjuntivite
oculoglandular de Parinaud é uma doença pouco comum, porém sempre associada a granulo­
ma conjuntival.
O calázio é uma inflamação crônica das glândulas meibomianas ou de Zeiss, que, quando
rompe, desencadeia um crescimento de tecido de granulação (fibroblastos, capilares jovens,
linfócitos e células plasmáticas), resultando em massa polipoide. Os linfócitos, células plasmá-
ticas e polimorfonucleares podem ser encontrados em abundância nessa reação inflamatória.

CICATRIZAÇÃO CONJUNTIVAL

Trauma ao epitélio não provoca cicatriz, que surge quando compromete o estroma conjunti­
val. Conjuntivite membranosa pode levar à fibrose subepitelial e, às vezes, a simbléfaro, sem
predileção por regiões específicas da conjuntiva.
Cicatrização conjuntival em doenças alérgicas da conjuntiva ocorre mais frequentemente
nas atopias, levando a retrações de fundo-de-saco inferior e alterações na superfície das papi­
las. Normalmente não evolui com triquíase nem entrópio.
No tracoma, o processo cicatricial é patognomônico na região limbal superior, com o apa­
recimento das fossetas de Hebert. Uma linha de fibrose pode ser encontrada na conjuntiva
tarsal superior, próxima à borda superior, chamada de linha de Arlt, podendo ser encontrada
em outras doenças, mas é um importante sinal no tracoma. Essa doença evolui com mais in­
tensidade na pálpebra superior que na inferior.
A membrana basal se conecta com as células basais e estroma adjacente conjuntival, sen­
do uma importante estrutura no processo cicatricial. Apresenta três funções: age como apoio
na replicação celular, na orientação espacial das células e como barreira entre o epitélio e
estroma.
A disfunção da membrana basal é comum devido a hiper ou hipoprodução de compo­
nentes dessa membrana, tais como o diabetes ou ataque proteolítico, como em doenças não
imunes. Todas as doenças bolhosas podem estar associadas com conjuntivite cicatricial. As
principais são: dermatite herpetiforme, epidermólise bolhosa bem como pênfigo vulvar e pen-
figoide.
A fibrose conjuntival que ocorre nas conjuntivites cicatrizantes, como no penfigoide cica­
tricial ocular, é grave e progressiva. Os macrófagos se apresentam bem aumentados em núme­
ro, na região subepitelial conjuntival, e, juntamente com os fibroblastos, são os principais cau­
sadores dessa fibrose; o aumento dessas células reflete a atividade da doença. Os fibroblastos
são hiper-reativos, produzindo matriz extracelular e colágeno anormais. As células dendríticas
estão aumentadas em 25 vezes o normal. Existe aumento dos linfócitos no epitélio conjuntival
e mais de 20 vezes na substância própria da conjuntiva bulbar.

BIBLIOGRAFIA

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da Conjuntiva e Glândula Lacrimal. São Paulo: Phoenix, 2005; p. 37-42.
Conceitos Básicos
de Infecção Ocular
LUCIENE BARBOSA DE SOUZA • ANA LUISA HÖFLING-LIMA
ACÁCIO ALVES DE SOUZA LIMA FILHO • MARIA CECÍLIA ZORAT YU
RENATA REZENDE • PAULO JOSÉ MARTINS BISPO • GUSTAVO BARRETO DE MELO

A - MECANISMOS DE DEFESA - MICROBIOTA OCULAR NORMAL -


PATOGÊNESE DA INFECÇÃO OCULAR

Luciene Barbosa de Souza


Ana Luisa Höfling-Lima

O olho possui diferentes mecanismos de defesa, anatômicos e imunológicos, responsáveis


pela manutenção do equilíbrio da microbiota conjuntival normalmente existente no ser hu­
mano.
A pálpebra e os cílios formam uma proteção mecânica durante o sono, ajudando na remo­
ção de impurezas e distribuição da lágrima com o reflexo de piscar. A pálpebra ainda contribui
com a estabilidade do filme lacrimal, através da secreção do seu componente lipídico pelas
glândulas meibonianas.
A lágrima, por sua vez, além de representar um fator de diluição de toxinas, alérgenos e
microrganismos, ainda é rica em imunoglobulinas, lactoferrinas, lisozimas e outras proteínas,
que atuam diretamente na microbiota ocular, com atividade antimicrobiana (Tabela I). Sua ca­
mada de mucina, que recobre as microvilosidades epiteliais, inibe a adesão de alguns patóge-
nos na superfície da córnea. O pH neutro da lágrima pode contribuir para a neutralização de
substâncias tóxicas na superfície ocular.
Conjuntiva e Córnea - O epitélio da córnea e conjuntiva, formado por camadas de células
estratificadas, não queratinizadas, firmemente aderidas, representa uma forte barreira contra
a invasão de microrganismos ou material antigênico. Quando lesionado, sua cicatrização é
rápida, mantendo o estroma protegido de exposições prolongadas. A camada de Bowman,
formada por densas fibras colágenas, é uma barreira adicional à penetração de patógenos.

31
Doenças Externas Oculares e Córnea

TABELA I Componentes do filme lacrimal

Eletrólitos Concentração em mmol/l


Na+ 120 a 170
K+ 6 a 26
Ca++ 0,5 a 1,1
Mg++ 0,3 a 0,6
Cl- 118a 138
HCO-3 26
Antiproteases mg%
Alfal -antitripsina 1,5
Alfal-antiquimotripsina 1,4
Inibidor inter-alfa-tripsina 0,5
Alfa2-macroglobulina 3
Fatores Antimicrobianos Função
Lisozima Use de parede bacteriana
Lactoferrina Ligação com ferro usado em metabolismo microbiano
P-lisina Rotura de membrana celular
Imunoglobulina A Interfere na aderência bacteriana
Imunoglobulina G Promove fagocitose e fixação de complemento
Imunoglobulina E Ativação de mastócito
Complemento Causa lise bacteriana

Além de representar uma barreira mecânica, as células epiteliais resistem à invasão bacte-
riana pela fagocitose e digestão de bactérias pelos fagossomos. Células epiteliais estimuladas
pela presença de citoquinas facilitam a resposta imunológica e a hipersensibilidade tardia (tipo
IV), apresentando antígenos aos linfócitos CD4 (T helper). O rápido ciclo de renovação epitelial
da córnea também serve como mecanismo de defesa ocular, por possibilitar a remoção de pató-
genos que possam estar aderidos ou mesmo já ter invadido as camadas superficiais do epitélio.
A córnea e conjuntiva, frente à invasão viral ou na presença de mediadores inflamatórios,
ainda secretam interleucina-1 e outras citoquinas inflamatórias que auxiliam na resposta imu­
nológica.
A conjuntiva possui um rico e complexo sistema vascular e sistema linfático, que promo­
vem componentes de defesa imunológica e celular. O epitélio conjuntival e substância própria
contêm linfócitos, plasmócitos, mastócitos, polimorfonucleares e células de Langerhans, que
estão presentes durante a inflamação.
A córnea, sendo uma estrutura avascular, é praticamente desprovida de células imunoló-
gicas. Normalmente, existem alguns linfócitos e células de Langerhans localizados no epitélio
e estroma periférico, responsáveis pela apresentação de antígenos para células CD4 (T helper).
Células epiteliais, ceratócitos e células endoteliais podem secretar interleucinas e outras ci­
toquinas, estimulando o processo inflamatório. Durante um quadro inflamatório, linfócitos e
neutrófilos chegam à córnea através do filme lacrimal, vasos limbares e câmara anterior.
Conceitos Básicos de Infecção Ocular

B - TÉCNICAS DE DIAGNÓSTICO OCULAR

Maria Cecília Zorat Yu


Acácio Alves de Souza Lima Filho
Ana Luisa Hõfling-Lima
Paulo José Martins Bispo
Gustavo Barreto de Mello

O diagnóstico laboratorial de processos infecciosos inclui análise das amostras do sítio de in­
fecção para esfregaços e cultivo de bactérias, parasitas, fungos e vírus.
Os esfregaços podem ser analisados com colorações variadas na busca de um diagnóstico
etiológico e também corados para a realização da citologia da amostra obtida.
Técnicas de biologia molecular estão sendo introduzidas e comparadas às técnicas clás­
sicas, e trazem informações valiosas, com uma abordagem mais atual na interpretação dos
resultados.

COLETA DE MATERIAL

A coleta de material dos processos infecciosos externos oculares para cultura e antibiograma
deve ser feita anteriormente ao exame citológico, pois este exige o uso de um anestésico tó­
pico, que possui preservativos capazes de inibir o crescimento bacteriano (Figs. 1A-C).

Figs. ( ) A. P se u d o m o n a s a e ru g in o sa . B. S tre p to c o c c u s (Três casos


v irid a n s. C, P se u d o m o n a s a e ru g in o sa .
de úlcera de córnea em que houve crescimento bacteriano apenas nas estrias feitas antes da instilação de
colírio anestésico.)

Para o exame citológico são necessárias três lâminas, para as colorações de Gram, Giemsa
e Acridine orange. Mesmo no caso de afecção unilateral conjuntival, preconiza-se a coleta de
material dos dois olhos, para comparação dos resultados.
A espátula usada para coleta foi idealizada por Kimura, inicialmente fabricada em platina,
o que a tornava flexível e resistente ao processo de flambagem. Atualmente, essas espátulas
são fabricadas em aço inoxidável e, após algumas esterilizações, apresentam a superfície ru-
gosa e queimada (Fig. 2).
Como alternativa, pode-se utilizar uma espátula descartável produzida a partir de uma
cânula ou agulha descartável, laminando sua ponta até torná-la plana e flexível (Fig. 3).
Doenças Externas Oculares e Córnea

Espátula de Kimura.

Fig. 3 Espátula descartável desenvolvida pelo Setor de Bioen-


genharia do Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista
de Medicina juntamente com a iniciativa privada (Oftalmolab).

Essa espátula pode ser esterilizada previamente com óxido de etileno e ser flambada no
momento do uso (Fig. 4).
Nas doenças blefaroconjuntivais, o material deve ser raspado do local de alteração mais
evidente e também das conjuntivas tarsais. Nas úlceras de córnea, as amostras para estudo são
obtidas da borda e do fundo da úlcera.

Fig. 4 Espátula descartável esterilizada com óxido de etileno.

Coleta de material: conjuntiva e pálpebra


Material necessário:
■ Meios sólidos - 1 placa de ágar-sangue, 1 placa de ágar-chocolate;
■ Meios líquidos - 2 tubos com TSB, para enriquecimento; 2 tubos com tioglicolato, para
anaeróbios;
■ 3 lâminas etiquetadas para cada olho (Gram, Giemsa eAcridine Orange) e 1 lâmina para imu-
nofluorescência (clamídia);
1 espátula de Kimura e 4 zaragatoas estéreis;
1 frasco com soro fisiológico estéril, colírio anestésico, lamparina, fita adesiva, álcool me-
tílico.

Os meios de cultura devem ser armazenados em geladeira e, antes da coleta das amostras,
devem ser colocados em estufa a 37°C durante 10 minutos. Após a coleta, os meios devem ser
deixados em temperatura ambiente e encaminhados ao laboratório. As placas devem ficar com
a tampa virada para baixo e vedadas.
Conceitos Básicos de Infecção Ocular

Procedimentos para a cultivo de conjuntiva e pálpebra (Figs. 5 a 10)


1. Flambar a boca do tubo que contém o soro fisiológico e, em seguida, umedecer a za-
ragatoa.
2. Raspar a zaragatoa umedecida na conjuntiva e no fundo-de-saco conjuntival.
3. Semear na placa de ágar-sangue, fazendo estrias em zigue-zague. Flambar a boca do
tubo que contém o TSB e semear nesse meio. Identificar os tubos com a letra D (para
o olho direito) ou E (para o olho esquerdo).
4. Flambar novamente o tubo que contém o soro fisiológico, umedecer outra zaragatoa
e repetir a coleta.
5. Semear na placa de ágar-chocolate, fazendo estrias em zigue-zague. Semear no tubo
com tioglicolato, sem agitar o meio. Identificar os tubos.
6. Umedecer outra zaragatoa e coletar material da borda palpebral inferior.
7. Semear nas placas “escrevendo” a letra D (olho direito) ou E (olho esquerdo) sem tocar
na estria já feita.
8. Repetir os mesmos procedimentos para o outro olho. Vedar as placas com fita adesiva.

Fig.5 com o material necessário para coleta de material.


K it
(Oftalmolab - Microbiologia e Patologia Ocular).

Fig.6 Coleta de material (conjuntiva).

Fig.7 Semeadura em meio líquido (tioglicolato).


36 Doenças Externas Oculares e Córnea

Fig.8 Semeadura em meios sólidos (placa e laminobac® Cefar).

Fig.9 Semeadura em meios sólidos (placa e laminobac® Cefar).

Placa de ágar-sangue: crescimento bacteriano em toda


a extensão da semeadura.

Procedimentos para bacterioscopia e citologia (Figs. 77 e 12)

1. Anestesiar os olhos com 1 gota de colírio anestésico. Utilizar três lâminas para cada
olho - Gram, Giemsa e Acridine orange.
2. Com a espátula de Kimura, coletar o material do fundo-de-saco conjuntival ou da con­
juntiva tarsal inferior, raspando para retirar as células epiteliais. Fazer o esfregaço na
lâmina sem deixar grumos. Repetir o procedimento para as outras lâminas do mesmo
olho e para as três lâminas do outro olho.
3. As lâminas para Gram devem ser fixadas aquecendo-as suavemente sobre a chama de
um bico de bunsen ou de uma lamparina, e para Giemsa e Acridine orange pelo álcool
metílico (cobrir com álcool metílico e deixar secar em temperatura ambiente).
Conceitos Básicos de Infecção Ocular

4. Para Chlamydia, coletar o material da conjuntiva tarsal superior raspando com a espá­
tula de Kimura e colocar o material dentro do círculo da lâmina, sendo um círculo para
cada olho. Não fazer esfregaço. Fixar com álcool metílico (Figs. 13 e 14).

Fig. 11 Coleta para citologia.

Fig. 1 Esfregaço em lâmina.

Fig. Coleta para C h la m y d ia .

Fig. 14 Lâmina para C h la m y d ia .


38 Doenças Externas Oculares e Córnea

Coleta de material: córnea


Material necessário:
■ 1 placa de ágar-sangue, 1 placa de ágar-chocolate, 1 placa de ágar-Sabouraud.
2 tubos com TSB, para enriquecimento e 2 tubos com tioglicolato, para anaeróbios.
■ 1 frasco com soro fisiológico estéril.
■ 1 frasco com solução para pesquisa e cultura de Acanthamoeba sp.
3 lâminas etiquetadas (Gram, Giemsa eAcricline orcinge).
1 espátula de Kimura, zaragatoas estéreis, colírio anestésico, lamparina, fita adesiva, álcool
metílico.

Os meios de cultura devem ser armazenados em geladeira e, antes da coleta das amostras,
devem ser colocados em estufa a 37°C durante 10 minutos. Após a coleta, os meios devem
ser deixados em temperatura ambiente e encaminhados ao laboratório. As placas devem ficar
com a tampa virada para baixo.

Procedimentos para o cultivo de amostras da córnea

1. O procedimento de coleta pode ser feito com ou sem anestesia tópica, dando-se pre­
ferência ao procedimento sem anestesia.
2. Flambar a boca do tubo que contém o soro fisiológico.
3. Com a espátula de Kimura, coletar material do centro e da borda da úlcera, utilizando
a lâmpada de fenda para melhor exame.
4. Semear na placa de ágar-sangue, fazendo uma fileira de três letras “C” na placa. Cuida­
do para não cortar os meios de cultura no processo de semeadura. Flambar a boca do
tubo que contém o TSB e semear nesse meio (Fig. 15).
5. Repetir o procedimento de coleta e semear do mesmo modo na placa de ágar-choco-
late. Flambar a boca do tubo que contém o tioglicolato e semear, sem agitar o meio.
6. Repetir o procedimento de coleta e semear na placa de ágar-Sabouraud.

Fig. 15 Placa de ágar-sangue: crescimento bacteriano em toda


a extensão da semeadura.
Conceitos Básicos de Infecção Ocular

7. Repetir o procedimento de coleta e semeadura mais 2 vezes em cada placa (3 séries de


“C”).
8. Repetir o procedimento de coleta e colocar o material na solução para pesquisa de
Acanthamoeba. Fazer o raspado da córnea em profundidade.
9. Vedar as placas com fita adesiva e mantê-las viradas com a tampa para baixo.

Procedimentos para bacterioscopia e citologia da córnea

1. Anestesiar o olho.
2. Flambar o tubo que contém o soro.
3. Com a espátula de Kimura, coletar o material do centro da úlcera e fazer o esfregaço
no lado esquerdo das lâminas. Com o material coletado da borda da úlcera, fazer o
esfregaço no lado direito das lâminas.
4. Esfregar o material nas lâminas, sem deixar grumos.
5. Fixar as lâminas para bacterioscopia (Gram) pelo calor e as lâminas para citologia (Gie-
msa eAcridine orcinge) pelo álcool metílico (cobrir com álcool metílico e deixar secar em
temperatura ambiente).

CITOLOGIAS CONJUNTIVAL E CORNEANA

O exame citológico é importante para o diagnóstico de muitos processos inflamatórios e in­


fecciosos da conjuntiva e córnea. A presença predominante de certos tipos celulares ou altera­
ções dessas células estão associadas com alguma doença. O objetivo das citologias conjuntival
e corneana é a diferenciação entre as afecções bacterianas, virais, alérgicas, degenerativas ou
tumorais.
As principais indicações dos exames de citologia ocular são: úlceras corneanas, conjunti-
vites hiperagudas ou crônicas, oftalmia neonatal, endoftalmites, síndrome oculoglandular de
Parinaud, dacriocistites (micóticas ou bacterianas), blefarites (bacterianas, alérgicas ou micó-
ticas) e tumores.
A coleta de material correta é importante para que o resultado obtido represente a re­
alidade. Para se conseguir uma boa coleta de material, deve-se usar um anestésico tópico,
preferencialmente sem preservativo, e raspar a conjuntiva tarsal ou úlcera corneana com a
espátula de Kimura. Deve-se ainda coletar material equivalente da conjuntiva contralateral
para comparação. Os raspados devem ser feitos cuidadosamente para evitar sangramentos.
Os esfregaços devem ser feitos esparramando-se delicadamente o material sobre a lâmina,
evitando a destruição das células.
Para coleta de material na citologia de impressão, utiliza-se uma membrana de acetato de
celulose (Millipore HTTP 0,47 mm, hidrofílica, malha com 0,4 jll) pressionada delicadamente
sobre uma superfície específica (córnea ou conjuntiva) que retira as células superficiais por
impressão (imprint), usando-se anestesia tópica.
40 Doenças Externas Oculares e Córnea

Interpretação dos resultados na citologia


Células epiteliais normais de conjuntiva e córnea: nas conjuntivites crônicas, as células
epiteliais podem apresentar sinais degenerativos, tais como vacuolização, eosinofilia e ca-
riopicnose.
Células epiteliais queratinizadas e em queratinização: podem ser observadas quando há
exposição da conjuntiva, como nos casos de ectrópio, penfigoide ocular, tracoma, eritema
multiforme, conjuntivites membranosas e pseudomembranosas. São também observadas
nas deficiências de vitamina A, ceratoconjuntivite seca, conjuntivite límbica superior, sín-
drome de Stevens-Johnson, na irradiação da conjuntiva e das placas epiteliais.
Células caliciformes: são encontradas com maior frequência nas conjuntivites crônicas, es­
pecialmente nos casos de ceratoconjuntivite seca e em pessoas idosas ou com problemas
reumáticos.
Polimorfonucleares neutrófilos: são encontrados caracteristicamente nas conjuntivites agu­
das bacterianas. Nas infecções bacterianas crônicas, há associação de reação polimorfonu-
clear e mononuclear, com predominância de mononucleares, com exceção das infecções
por estafilococos, nas quais a predominância é de polimorfonucleares, mesmo nos estados
crônicos. São encontrados também, no tracoma, conjuntivites de inclusão, síndrome de
Reiter e eritema multiforme. As infecções micóticas apresentam em geral reação polimor-
fonuclear, e as infecções virais, raramente (Fig. 16).
Mononucleares (linfócitos e monócitos): são as células predominantes e típicas nas infec­
ções virais da conjuntiva, como as causadas por adenovirus, herpes simples e zóster, verru­
gas e molusco contagioso. São também predominantes nas conjuntivites por tuberculose,
lues e tracoma.
Eosinófilos e grânulos de eosinófilos: constituem um achado anormal, considerado típico
das conjuntivites alérgicas, ao lado de polimorfonucleares. Também são encontrados no
penfigoide ocular, na conjuntivite parasitária, na alergia a cosméticos e na sensibilidade à
atropina, antibióticos tópicos ou seus conservantes (Fig. 17).
Basófilos e grânulos de basófilos: são caracteristicamente encontrados nos processos alér­
gicos e especialmente na conjuntivite primaveril. Ocasionalmente podem ser encontrados
no tracoma.
Células de Leber: são macrófagos grandes, geralmente contendo restos celulares fagocita-
dos encontrados em casos de tracoma.

Fig. 16 Coloração de Giemsa: polimorfonucleares neutrófilos.


Conceitos Básicos de Infecção Ocular

Fig. 1 Coloração de Giemsa: eosinófilos e polimorfonucleares neutrófilos.

Plasmócitos: aparecem em casos de tracoma.


Filamentos de muco: aparecem em maior quantidade na conjuntivite seca, nas conjuntivites
crônicas e na fase de resolução das conjuntivites agudas.
Fibrina: aparece em quantidade aumentada nas conjuntivites por diplobacilos e por Neisse­
ria catarrhalis, e em pequena quantidade na fase aguda de qualquer conjuntivite.
Células epiteliais multinucleadas: aparecem nas infecções virais por herpes simples e her-
pes-zóster (3 a 5 núcleos), no tracoma, onde as células são necróticas (5 a 6 núcleos), em
casos de tumores e após irradiação.
Corpúsculos de inclusão: podem ser encontrados nas células epiteliais, nas infecções agu­
das por clamídia (no citoplasma das células) e no herpes simples (no núcleo).

COLORAÇÕES USUAIS

Coloração de Gram (modificada por Hucker)


No método de Gram, a coloração está relacionada à estrutura e composição da parede celular
bacteriana. As bactérias Gram-positivas contêm em sua parede um complexo de mucopeptí-
deo, mucopolissacarídeos e ribonucleático de Mg++, e suas paredes são mais espessas. As
Gram-negativas contêm grande quantidade de lipídios e são mais finas.
As bactérias Gram-positivas retêm o complexo para iodo rosa anilina formado pelo cristal
violeta com o lugol, em sua parede proteica, mesmo após a descoloração pelo álcool-acetona
(corando-se em roxo-azulado), enquanto as bactérias Gram-negativas não retêm esse precipi­
tado e tomam a coloração do corante de fundo (fucsina ou safranina) vermelho. O precipitado
sai das bactérias Gram-negativas pelo tratamento com álcool usado no processo de coloração,
através da parede bacteriana (Figs. 18 e 19).
42 Doenças Externas Oculares e Córnea

Fig. 18 Coloração de Gram: cocos e bacilos Gram (+).

Fig. 19 Coloração de Gram: hifas de F u sa riu m sp. (identificado pela cultura).

Procedimento
Cobre-se a lâmina com cristal violeta por 1 minuto.
Lava-se com água destilada.
Cobre-se com lugol por 1 minuto.
Descora-se com álcool e lava-se com água destilada para interromper o processo.
Contracorar com safranina O ou fucsina por 30 segundos.
■ Lava-se.
■ Com a lâmina seca, observa-se em microscopia com aumento de 1.000 X.

As bactérias Gram-positivas coram-se em roxo e as Gram-negativas, em rosa.

Coloração de Ziehl-Neelsen
r

E usada para observação de bacilos álcool-ácido-resistentes, Micobacterium sp. e também para


a observação de Nocarclia sp.
A coloração de Ziehl-Neelsen é feita a quente pela fucsina concentrada e as bactérias áci­
do-resistentes retêm o corante após a descoloração do esfregaço com uma mistura de álcool
Conceitos Básicos de Infecção Ocular

e ácido clorídrico. Como a coloração de fundo é feita pelo azul de metileno, as bactérias que
não são ácido-resistentes tornam-se azuis.

Procedimento

Cobre-se a lâmina com fucsina fenicada e deixa-se por 5 minutos sob aquecimento (utiliza-
se uma chama para aquecer os esfregaços).
Espera-se esfriar.
Lava-se a lâmina com água corrente.
Coloca-se álcool-ácido e deixa-se por 2 minutos para descorar.
Lava-se com água corrente para parar a descoloração.
■ Acrescenta-se o azul de metileno e deixa-se por 2 minutos.
Lava-se com água corrente e seca-se a lâmina com papel de filtro.
Observa-se a lâmina ao microscópio, com aumento de 1.000 X.
Os bacilos ácido-álcool-resistentes (BAAR) apresentam-se corados em rosa, e o fundo do
esfregaço, completamente azul.

Coloração de A crid in e o ra n g e
r

E uma coloração recomendada para detecção de vários microrganismos, por microscopia de


fluorescência, em amostras diretas de material clínico ou não. As estruturas que contêm DNA
apresentam fluorescência verde, e as que contêm RNA, de laranja a vermelho (identificam-se
apenas formas).

Procedimento
Fixa-se a lâmina com metanol por 5 minutos.
■ Deixa-se secar em posição vertical.
■ Cobre-se com o corante por 2 minutos.
Lava-se com água destilada.
Deixa-se a lâmina secar em posição vertical.
Observa-se em microscopia de fluorescência em aumentos de 100, 400 e 1.000 X.

Faz-se primeiramente a pesquisa de fungos, nos aumentos de 100 e 400 X, e, em seguida,


a pesquisa de bactérias, com aumento de 1.000 X.
Bactérias, leveduras, inclusões clamidiais e cistos de Acanthamoeba fluorescem de laranja
a vermelho. Filamentos fúngicos usualmente coram de verde brilhante.

Coloração de Giemsa
A coloração de Giemsa é feita usando um dos derivados do corante de Romanowsky, constitu­
ído de uma mistura de eosinatos de azul de metileno, eosinato de violeta e azul de metileno,
usualmente dissolvidos em álcool metílico para fixação. A diferença entre os vários corantes
derivados do corante primitivo de Romanowsky acha-se na proporção que se emprega o azul
44 Doenças Externas Oculares e Córnea

de metileno e a eosina, ou no método de tratamento do azul de metileno antes de sua com­


binação com a eosina.

Procedimento

Cobre-se a superfície da lâmina com álcool metílico, para fixar o esfregaço, durante 5 mi­
nutos.
Escorre-se o álcool metílico e deixa-se secar espontaneamente, colocando a lâmina em po­
sição vertical.
Cobre-se o esfregaço com a solução diluída de Giemsa (1 gota para cada cm3 de água desti­
lada). Deixa-se atuar durante 40 minutos.
Mergulha-se a lâmina em uma cubeta com álcool metílico, para retirar o excesso de corante.
Deixa-se secar espontaneamente, colocando a lâmina em posição vertical.
■ Observa-se em aumento de 1.000 X.

PESQUISA DE SENSIBILIDADE AOS ANTIMICROBIANOS (PSA)

A PSA é realizada para todos os microrganismos identificados, exceto os difteroides que não
possuem importância clínica no material de conjuntiva. A suscetibilidade aos antimicrobia-
nos pode ser medida in vitro, utilizando-se princípios de difusão em ágar. O método clássico
utilizado para medir a sensibilidade de bactérias isoladas é o de Kirby-Bauer. Os antibióticos
diferem na capacidade de difusão no ágar de modo que o tamanho da zona de inibição, e não
simplesmente sua presença, é um indicador da suscetibilidade do microrganismo isolado.
No método de Kirby-Bauer, suspendem-se as colônias isoladas em TSB até obter uma tur-
bidez aproximadamente igual ao tubo 0,5 da escala de MacFarland (os estreptococos devem
ser incubados por um período maior que os outros organismos, em razão de seu crescimento
lento).
Inocula-se a suspensão, com técnica de esgotamento em duas placas (pequena e grande)
de ágar-Müeller-Hinton. Para os cocos Gram-positivos, semelhantes a estreptococos com he-
mólise, inocula-se a suspensão em três placas pequenas de ágar-sangue e, para diplococos
semelhantes a Neissehas e cocobacilos semelhantes a Haemophiliis sp., inocula-se a suspensão
em três placas pequenas de ágar-chocolate.
Distribui-se os antibióticos começando pela placa menor em forma de círculo na perife­
ria, exceto a rifamicina B, que é usualmente colocada no centro da placa maior, devido ao seu
grande halo de inibição e aos antibióticos de identificação que são colocados no centro da
placa menor.
Incuba-se por 18 a 24 horas a 37° C. Para os estreptococos a e P-hemolíticos, Neissehas e
cocobacilos, a incubação é feita em atmosfera com 10 %de C02.

Relação dos antibióticos utilizados na PSA


1. Amicacina (AMI) - 30 mcg
2. Ampicilina (AMP) - 10 mcg
Conceitos Básicos de Infecção Ocular

3. Bacitracina (BAC) - 10 UI
4. Carbenicilina (CAR) - 100 mcg
5. Cefalotina (CFL) - 30 mcg
6. Cefoxitina (CDF) - 30 mcg
7. Ciprofloxacino (CIP) - 5 mcg
8. Clindamicina (CLI) - 2 mcg
9. Cloranfenicol (CLO) - 30 mcg
10. Cotrimoxazol (SUT) - 25 mcg
11. Eritromicina (ERI) - 15 mcg
12. Estreptomicina (EST) - 10 mcg
13. Gentamicina (GEN) - 10 mcg
14. Imipenem (IPM) - 10 mcg
15. Lincomicina (LIN) - 2 mcg
16. Lomefloxacino (LMX) - 10 mcg
17. Neomicina (NEO) - 30 mcg
18. Norfloxacino (NOR) - 10 mcg
19. Ofloxacino (OFX) - 5 mcg
20. Oxacilina (OXA) - 1 mcg
21. Penicilina G (PEN) - 10 UI
22. Polimixina B (POL) - 300 UI
23. Rifamicina B (RFM) - 30 mcg
24. Rifampicina (RIF) - 5 mcg
25. Sulfonamidas (SUL) - 300 mcg
26. Tetraciclina (TET) - 30 mcg
27. Tobramicina (TOB) - 10 mcg
28. Vancomicina (VAN) - 30 mcg

Interpretação
Os tamanhos da zona são comparados com os organismos de referência (tabelados) e o resul­
tado é assinalado com S (sensível), M (moderadamente sensível, ou seja, é suscetível em doses
altas) e R (resistente).
Além desse método, utilizam-se os métodos de diluição seriada e do E-Test, para determi­
nação das concentrações mínimas inibitórias, além dos métodos automatizados.

PESQUISA DE ANAERÓBIOS

As bactérias anaeróbias são incapazes de se multiplicar na superfície de meios sólidos, na pre­


sença de ar. As infecções por anaeróbios no homem podem comprometer qualquer órgão ou
Doenças Externas Oculares e Córnea

tecido do organismo quando as condições são adequadas. Alguns sinais clínicos sugerem a pos­
sibilidade de infecção por anaeróbio, como odor fétido das lesões ou secreções, infecção secun­
dária a mordeduras, presença de gás nas secreções, tecido necrosado e gangrena, entre outros.
A maioria dos anaeróbios isolados em amostras clínicas se enquadra na categoria de anaeró­
bio obrigatório moderado. Esses microrganismos não requerem oxigênio como aceptor final de
elétrons e seu desenvolvimento é inibido por este, se o nível de oxigênio passar de 2 a 8%. São en­
contrados em vários tipos de habitat como parte da microbiota normal. No homem, os anaeróbios
predominam normalmente na cavidade oral, ao redor dos dentes, no trato geniturinário e na pele.
A maioria desses habitats tem baixa tensão de oxigênio e baixo potencial de oxirredução, resultan­
tes das atividades metabólicas dos microrganismos que consomem oxigênio durante a respiração.
Os anaeróbios de maior incidência são:
Grupo dos Bacteroides (bacilos Gram-negativos): Bacteroides sp., Bacteroides fragilis, Fusobac-
terium sp.
Bacilos Gram-positivos esporulados: Clostridium perfrigens.
Bacilos Gram-positivos não esporulados: Propionibacterium acnes, Actinomyces sp.
Cocos Gram-positivos: Peptococcus sp., Peptostreptococcus sp.
Cocos Gram-negativos: Veillonella sp.

Procedimentos
■ Semear os materiais em placa de ágar-sangue e incubar em jarra de anaerobiose a 37° C
r

durante 7 dias. E necessário verificar se houve crescimento por volta do terceiro dia.
Quando houver crescimento em tioglicolato, proceder como no item anterior.
Fazer um esfregaço corado pelo Gram.
Comparar o crescimento das placas em anaerobiose com o das placas em atmosfera de C 0 2.
Realizar testes para diferenciação de anaeróbios: indol, catalase, lipase, urease, redução do
nitrato, motilidade, sensibilidade a determinados antibióticos (kanamicina, vancomicina,
colistina), crescimento em bile etc.

IDENTIFICAÇÃO DE FUNGOS E LEVEDURAS

Identificação dos microrganismos que possuem características próprias, por isso são classifica­
dos no reino Fungi, e causam doenças denominadas micoses. Existem dois grupos de agentes
causadores de micoses humanas: os fungos filamentosos (bolores) e as leveduras (fermentos).
O diagnóstico é feito mediante a demonstração do fungo nos diferentes materiais e pelo
cultivo dos mesmos em meios especiais. As infecções oportunistas só podem ser confirmadas
após repetidas demonstrações do agente pelo exame direto ou em cultura.

Micológico direto
O exame micológico direto, se necessário com hidróxido de potássio a 10% (com ou sem tinta
nanquin), e as colorações de Gram, Giemsa e Acridine orange permitem a observação de leve­
duras ou hifas de fungos no material.
Conceitos Básicos de Infecção Ocular

As estruturas relatadas são:


Estruturas leveduriformes.
Estruturas leveduriformes sugestivas de Cryptococcus sp.
Estruturas leveduriformes sugestivas de Paracoccidioides sp.
Estruturas leveduriformes com pseudofilamentos micelianos.
Filamentos micelianos.

Exame a fresco - processamento de amostras de biópsias e fragmentos


■ Coloca-se o material em placa de Petri estéril e, com auxílio de um bisturi, fraciona-se em
minúsculos pedaços ou mesmo leves macerados.
Utiliza-se uma parte do material para a realização de cultura de fungos e outra para a con­
fecção da lâmina. O restante deverá ser colocado em tubo de ensaio estéril.

Preparo das lâminas

Material líquido
Coloca-se três alçadas do material e cobre-se com lamínula.
Observa-se em aumento de 400 X.

Material viscoso, biópsia ou fragmento


Coloca-se duas alçadas do material, 1 gota de solução fisiológica e cobre-se com lamínula.
■ Observa-se em aumento de 400 X.

Exame a fresco com tinta nanquin


r

E usado para observar cápsulas que envolvem leveduras. Através da tinta nanquim (tinta da
China), pode-se proporcionar um fundo negro que evidencia as estruturas celulares com cáp­
sula (“efeito halo”). Por ser muito concentrada, essa tinta deve ser diluída na proporção de 1:3
em solução fisiológica.

Acridine orange
Observam-se as estruturas fúngicas em microscopia de fluorescência com aumento de 400
vezes. Esse método é prioritário, por sua sensibilidade.

Cultura de fungos
O material clínico deve ser processado imediatamente após a coleta, para permitir que o
fungo cresça em meios apropriados e na temperatura adequada. Seu crescimento é neces­
sário para sua identificação, através das características das colônias e das estruturas micros­
cópicas.
Doenças Externas Oculares e Córnea

Material líquido
Pinga-se diretamente na superfície do ágar-Sabouraud e realizam-se movimentos giratórios
na placa, para espalhar o material.

Material coletado com Zaragatoa


Semeia-se com movimentos em zigue-zague, diretamente na superfície do ágar-Sabouraud.

Biópsia

Coloca-se em placas de Petri estéril e, com bisturi, fraciona-se o máximo possível; adicionam-
se algumas gotas de água destilada estéril.
Semeia-se o maior número possível de pequenos fragmentos em ágar-Sabouraud.

As culturas são mantidas em temperatura ambiente. A observação é feita diariamente.


Considera-se a cultura negativa se não houver crescimento em até 15 dias.

Análise do crescimento em meio de cultura


Se houver crescimento de fungo filamentoso ou de leveduras, seguir a sequência de identifi­
cação. No caso de leveduras, deve-se fazer inicialmente uma lâmina corada pelo Gram, para
verificar se é realmente uma colônia de levedura e não um crescimento bacteriano.

Identificação de fungos filamentosos


Análise macroscópica da colônia

■ Observa-se a cor, textura, pigmentos, exsudados, topografia e tempo de crescimento.

Análise microscópica da colônia (microcultivo)

Semeado em ágar pobre nutricionalmente, como o ágar-batata, o fungo filamentoso produ­


zirá um número maior de conídios, o que facilitará a sua identificação.

Confirmação do dimorfismo
Se o fungo analisado é suspeito de ser dimórfíco, deve-se fazer a conversão da fase miceliana
para a leveduriforme. A conversão não precisa ser total para demonstrar o dimorfismo e, mui­
tas vezes, ela poderá ser de difícil realização, necessitando de múltiplos subcultivos e meios
especiais.

Procedimento
Remove-se, em fluxo laminar, uma pequena porção da colônia e transfere-se para dois tubos
de ágar-Sabouraud ou sangue.
■ Deixa-se um tubo à temperatura ambiente e outro a 37°C.
Conceitos Básicos de Infecção Ocular

Observam-se, semanalmente, áreas de crescimento leveduriforme (podem ser necessárias


várias semanas para a conversão).

Resultado positivo: conversão da forma miceliana para a leveduriforme.

Identificação de leveduras
São utilizadas várias técnicas que avaliam características morfológicas e bioquímicas para a
diferenciação dos gêneros e espécies. A morfologia é primariamente usada para estabelecer o
gênero, enquanto a bioquímica para diferenciar as espécies (Fig. 20).

Fig. 20 Coloração de Giemsa: leveduras em raspado de córnea.

Técnicas que analisam a morfologia


Formação do tubo germinativo
Suspende-se a colônia da levedura em 0,5 a 1 ml de plasma humano, em um tubo de ensaio.
■ Incuba-se a 37°C durante 2 a 3 horas.
Após incubação, colocam-se 2 a 3 gotas da suspensão entre lâmina e lamínula e observa-se
a formação do tubo germinativo, com aumento de 400 vezes.

A presença de tubo germinativo identifica Candicla albiccins.

Antifungigrama
Os métodos utilizados para determinação da sensibilidade dos fungos e leveduras aos antifún-
gicos incluem difusão em disco (E-Test) e diluições seriadas em caldo, para determinação das
concentrações mínimas inibitórias. Os antifúngicos disponíveis no E-Test são: anfotericina B,
flucitosina, fluconazol, itraconazol e cetoconazol.
50 Doenças Externas Oculares e Córnea

Fungos isolados no laboratório de doenças externas oculares da EPM-


UNIFESP e no oftalmolab - laboratório de microbiologia e patologia
ocular (Figs. 21 a 30)

F ig . 2 4 Phaeoisaria sp.
F ig . 21 Exserohilum rostratum.

F ig . Exophiala jeanselmei. F ig . 2 5 Scedosporium apiospermum.

F ig . Paecilomyces lilacinus F ig . 2 6 Fusarium sp.


Conceitos Básicos de Infecção Ocular

Fig. Aspergillus sp. Fig. 29 Alternaria sp.

Fig. 28 Pénicillium sp. Fig. 30 Candida albicans.

DIAGNÓSTICO LABORATORIAL PARA C H L A M Y D IA T R A C H O M A T IS

A Chlamydia trachomatis é uma bactéria intracelular obrigatória que infecta as superfícies mu­
cosas do aparelho geniturinário, da nasofaringe ou da conjuntiva.
O teste da imunofluorescência permite a coloração direta de amostras clínicas. Todos
os sorotipos de Chlamydia trachomatis têm em comum uma proteína antigênica localizada na
membrana externa da parede celular. Anticorpos monoclonais marcados com fluoresceína
(FITC) e dirigidos contra a membrana externa proteica podem ser usados para detectar esse
antígeno. O anticorpo marcado com FITC fixa-se especificamente à C. trachomatis, se presen­
te, no esfregaço fixado com metanol, feito na lâmina especial para imunofluorescência. Uma
etapa de lavagem remove os anticorpos não fixados. Quando examinada em microscópio de
fluorescência, a clamídia apresenta coloração verde-maçã brilhante, e os corpos elementares
extracelulares ou corpos reticulados (CE ou CR) contrastam com a cor castanho-avermelhada
do material contracorante.
Um diagnóstico positivo pode ser concluído quando a amostra fixada e corada apresenta
pelo menos 10 corpos clamidiais em ambos os olhos.
52 Doenças Externas Oculares e Córnea

Um diagnóstico negativo pode ser obtido quando o esfregaço fixado e corado apresenta-
se livre de corpos clamidiais, mas células epiteliais intactas ou rompidas encontrarem-se pre­
sentes. Pelo menos 10 células epiteliais devem estar presentes.
Deve-se assegurar que o paciente não tenha sido examinado com fluoresceína, antes da
coleta de material para este exame, para se evitar um resultado falso-positivo.
Outros métodos para pesquisa de Chlamydia trachomatis são o PCR, pela qual se procuram
DNA clamidial na amostra e as determinações sorológicas de IgG e IgA, e o ELISA, pelo qual
procuramos os anticorpos anticlamídia.

PESQUISA DE A C A N T H A M O E B A SP

A pesquisa de Acanthamoeba sp. é feita pela observação de trofozoítos com tamanho variando
de 25 a 40 jum, e são formas vegetativas da célula no exame a fresco ou pela observação de
cistos no exame citológico, pela coloração de Giemsa. Também é feita a cultura para identificar
o agente (Figs. 31 a 33).
A cultura para pesquisa de Acanthamoeba é feita em ágar não nutriente recoberto com Es­
cherichia coli, e a interpretação dos resultados é feita por observação direta.
Apenas 7 das 22 espécies de Acanthamoeba (A. castellanni, A. culbertsoni, A. hatchett, A. lug-
dunensis,A. polyphaga,A. quina, A. rhysodes) causam úlcera de córnea em seres humanos.

Fig. 3 Acanthamoeba : cisto s c o ra d o s p e lo G ie m sa (a u m e n to


1 .000 X ).

Fig. Acanthamoeba: c is to s c o ra d o s p e lo G ie m sa (a u m e n to
1 .0 0 0 X ).
Conceitos Básicos de Infecção Ocular

Fig. C u ltu ra d e Acanthamoeba: tro fo z o íto s m o s tra n d o


v a c ú o lo s c o n trá te is (a u m e n to 100 X ).

Identificação
Cultura: inocular em ágar sem nutrientes, cobrir com suspensão de E. coli, deixar a 30°C duran­
te 7 dias. Examinar diariamente em microscópio tipo invertido; geralmente crescem em 3 dias.
Em seguida são feitos subcultivos para o isolamento da espécie. Todo material proveniente de
lesões com suspeita clínica de Acanthamoeba também deve ser inoculado em meio de cultura
de rotina para identificação de bactérias.
Quando não for possível inocular o espécime diretamente no meio de cultura para Acan­
thamoeba,, o material poderá ser colocado em um meio de transporte específico para a mesma
ou simplesmente em uma solução salina a 0,5%. Manter em temperatura ambiente, não deven­
do ser refrigerado nem congelado até o transporte para o laboratório.
Fazer raspados da lesão para coloração de Giemsa, Diff-Quik, Calcofluor White.
■ Giemsa: as paredes dos cistos coram-se em azul-escuro e o citoplasma em azul-claro.
■ Diff-Quik: o procedimento é mais rápido, mas a qualidade da coloração é inferior ao Gie­
msa.
Calcofluor White: é um corante fluorescente, mais rápido do que o Giemsa e tem a vantagem
de corar elementos fúngicos e cistos de Acanthamoeba; contudo, não permite o estudo de
células inflamatórias e epiteliais nem detecta a presença de bactérias.

MICROBIOTA DE CONJUNTIVA, CÓRNEA E ANEXOS

A possibilidade de microrganismos participarem da composição dos sistemas do corpo huma­


no sem causar doença é de conhecimento dos cientistas desde o início do uso da microscopia
óptica.
A microbiota normal é uma coleção heterogênea de bactérias controlada por processos
regulados pela própria microbiota e pelo hospedeiro. Os mecanismos reguladores da micro­
biota incluem a competição por nutrientes, a inibição metabólica e a produção de bacterioci-
nas. Os mecanismos reguladores do hospedeiro são de dois tipos: gerais, como a imunidade,
a resistência natural, a barreira anatômica; e específicos, como os mecanismos imunológicos.
Durante a vida pré-natal, o ser humano desenvolve-se em ambiente protegido e reco­
nhecidamente estéril, embora, durante a gestação, o feto possa ser acometido por doenças
54 Doenças Externas Oculares e Córnea

infecciosas, tais como sífilis, rubéola, toxoplasmose e listeriose, entre outras, transmitidas por
via transplacentária. No início da vida, geralmente o recém-nascido está isento de microrganis­
mos, protegido pela membrana amniótica íntegra, mas, logo após o nascimento, passa a viver
em um mundo altamente contaminado.
Após a rotura da bolsa amniótica, no parto vaginal, o recém-nascido sofre invasão das
microbiotas materna, fecal e cutânea. No parto cesariano, sem rotura de bolsa amniótica, as
fontes de contaminação fetal são pertinentes ao meio ambiente.
Qualquer que seja a via do nascimento, após essa exposição inicial a inúmeros microrga­
nismos, o recém-nascido sofre uma invasão bacteriana maciça, que evolui para um processo
de colonização, de início caótico e desordenado, acompanhado pelo estabelecimento de uma
microbiota bacteriana característica, que parece ser específica para cada região do organismo.
O processo de colonização está confinado às superfícies externas, como a pele, e inter­
nas, como as mucosas. Essa colonização é considerada normal e a maioria dos recém-nascidos
evolui sem apresentar doença infecciosa. Cada hospedeiro possui determinação genética para
aceitação dos colonizadores específicos, formando secreções compatíveis com suas necessida­
des e, frequentemente, podem colonizar receptores epiteliais particulares.
A colonização, que ocorre imediatamente após o nascimento, é conhecida como micro­
biota transitória, derivada fundamentalmente da mãe.
O passo seguinte na sequência normal é a persistência de microrganismos nas secreções
externas do hospedeiro. Variações nas superfícies, muitas das quais geneticamente determi­
nadas, influenciam a colonização, cuja extensão depende das secreções produzidas e da velo­
cidade de remoção dos agentes.
Habitualmente, os agentes microbianos chegam ao recém-nascido por meio de:
Transmissão, sobretudo fecal-oral, durante o trabalho de parto.
■ Mãe ou pessoas em contato direto.
■ Transferência do recém-nascido para outro no berçário.
Contaminação de alimentos e medicamentos.
■ Disseminação aérea.
Contaminação através da complexa tecnologia invasiva, como cateteres, sistemas de hidra­
tação e alimentação parenteral, equipamentos de terapia inaladora, aparelhos de pressuri-
zação e aspiração.

Estudos sobre a microbiota da conjuntiva normal destacam a participação das bactérias Sta­
phylococcus sp. coagulase-negativa, Staphylococcus sp. coagulase-positiva e Corynebacterium sp.
como microrganismos mais frequentes. Quando a cultura de secreção conjuntival é feita em
meios específicos, outros organismos podem ser isolados, tais como bactérias anaeróbias,
fungos leveduriformes e filamentosos e os parasitas.
Estudos evidenciaram a possibilidade de fazerem parte da comunidade microbiana habitual da
conjuntiva e pálpebras, tanto bactérias quanto fungos, não havendo relatos de parasitas nem
de vírus como parte dessa comunidade.
A população de microrganismos que habitam o olho humano depende do sítio anatômico
e da idade do hospedeiro, e, em muitas situações, essa composição é independe do clima
ou região.
Conceitos Básicos de Infecção Ocular

Microbiota normal
Microbiota é um termo que vem do grego mikrós = pequeno, e bios = vida - tipo de vida.
Alguns autores brasileiros, buscando informações locais, iniciaram as pesquisas sobre mi­
crobiota conjuntival em 1942. Nessa primeira avaliação, utilizaram-se para diagnóstico apenas
esfregaços das amostras coradas pelo método de Gram, em que amostras de secreção conjun­
tival obtidas antes de cirurgia oftalmológica apresentaram positividade em 65,4% dos casos.
Na sequência, vários outros estudos foram publicados já incluindo cultivos para identificação
de bactérias, tendo-se isolado bactérias Staphylococcus sp. coagulase-negativa, Corynebactehum
diphteriae (incluso na tabela como Corynebactehum sp.) e Staphylococcus sp. coagulase-positiva.
Ainda sobre microbiota estudada no Brasil e em adultos, dois levantamentos foram feitos:
um em 1975 e outro em 1996, ambos destacando a maioria de culturas positivas com isola­
mento de cocos Gram-positivos. Quando estudada a variação sazonal da microbiota, obser­
vou-se variação estatisticamente significante de bactéria Staphylococcus sp. coagulase-negativa
e Staphylococcus sp. coagulase-positiva, mais frequentes no outono e inverno.
Na avaliação da microbiota ocular é válido discutir a microbiota palpebral de forma in­
dependente da microbiota conjuntival, pois observamos que a porcentagem de isolamentos
positivos na microbiota palpebral tem sido sempre maior, e a modificação da microbiota con­
juntival pelo uso tópico de colírios é mais evidente. Algumas pesquisas ressaltam a diferença
das microbiotas conjuntival e palpebral. Marcon obteve positividade em 100% das culturas
dos exames da margem palpebral e apenas 45% nos exames da conjuntiva; já Höfling-Lima
encontrou positividade em 90,8% dos exames da margem palpebral e 60% nos da conjuntiva.
A frequência em que são observados os microrganismos isolados não diferiu de modo estatis­
ticamente significante nos dois estudos.
Na avaliação da microbiota habitual da conjuntiva de recém-nascidos, verifica-se também
a presença de bactérias anaeróbias facultativas e obrigatórias, sendo esses microrganismos
observados com maior frequência no grupo de recém-nascidos com mais de 15 dias de vida.
Verificamos, pelos vários estudos, que a microbiota conjuntival é principalmente compos­
ta de organismos Gram-positivos. A microbiota anaeróbia normal foi também analisada em
quatro estudos realizados no Brasil, com identificação de várias bactérias.
A composição da microbiota durante a vida do indivíduo sofrerá variações, dependendo da
idade, clima e exposição. Traumatismos oculares, procedimentos cirúrgicos, alterações dos siste­
mas imunológicos local e sistêmico podem atuar como fatores modificadores da microbiota con­
juntival (Tabela II). Existem descrições de aumento do número de isolamentos de bactérias Gram-
negativas em indivíduos mais idosos, o que não foi comprovado em nenhum estudo brasileiro.
Outro estudo interessante sobre microbiota conjuntival é o de Martins et aL, que avalia
a microbiota em diabéticos e sua relação com o nível de retinopatia diabética, concluindo-
-se que pacientes diabéticos tiveram uma porcentagem significante de culturas da conjuntiva
positiva e que a presença de retinopatia estava relacionada com aumento das culturas com
identificação positiva de Staphylococcus aureus coagulase-negativa.
Analisando-se a microbiota presente na conjuntiva de pacientes portadores de conjun-
tivite alérgica, observa-se também que o número de cultivos positivos é significantemente
maior nos pacientes com alergia, mas que a população microbiana é semelhante à observada
na conjuntiva normal.
56 Doenças Externas Oculares e Córnea

TABELA [ R e la çã o d as e s p é c ie s d e m ic ro rg a n is m o s a n a e ró b io s iso la d o s na c o n ju n tiv a e sa co la c rim a l em


p o p u la ç õ e s e s tu d a d a s , s e g u n d o as s itu a ç õ e s d e in te rfe rê n c ia

A u to re s T o m im a tsu Cam pos

In te rfe rê n cia D a c rio cistite crô n ica HIV C a v id a d e a n o ftá lm ica

A ctinom yces sp. +

Clostridium sp. +
P eptococcus sp. + + +
Propionibacterium sp. + + +
P acnes + +

P avidum + +

P granulosum + +

S. parvulus +

Veillone lia sp. + +

HIV = vírus da imunodeficiência humana.

Nas avaliação da microbiota em pacientes com conjuntivites adenovirais, verificou-se que


um maior número de pacientes com conjuntivite apresenta cultivos de conjuntiva positivos e o
tipo bacteriano identificado é também diferente do da população normal, pois há Haemophilus
influenzae e Streptococcus pneumoniae na maior parte dos casos.
A microbiota conjuntival de pacientes com alteração do sistema imunológico não difere
de modo significativo da microbiota de indivíduos hígidos. Anormalidades na função granulo-
cítica e na imunidade mediada por linfócitos T podem contribuir para a ocorrência de proces­
sos infecciosos em pacientes imunodeficientes, mesmo quando a imunidade mediada pelos
linfócitos B permanece intacta.
A microbiota normal pode também sofrer interferência dos agentes antimicrobianos a que
é exposta.
A influência da utilização tópica de antimicrobianos na modificação da microbiota ocular
também já foi avaliada, tendo sido o primeiro trabalho brasileiro realizado por Salles em 1956,
que estudou alterações na microbiota decorrentes da realização de limpeza local e uso de anti­
microbianos tópicos (cloranfenicol e penicilina), encontrando modificação significativa da mi­
crobiota expressa por redução de positividade nos exames. Em 1999, Höfling-Lima estudou a
microbiota da margem palpebral e conjuntiva de pacientes a serem submetidos à cirurgia, bem
como sua variação após uso de antimicrobianos (lomefloxacino e tobramicina) tópicos. Obser­
vou redução na positividade da cultura nos dois sítios, sendo essa redução mais frequente nos
exames da conjuntiva, possivelmente por terem sido utilizados antimicrobianos sob a forma
de colírio. Esses antimicrobianos permaneciam por mais tempo em contato com a conjuntiva
e o saco conjuntival do que com a margem palpebral, não havendo modificação das espécies
isoladas tanto da margem palpebral quanto da conjuntiva. Acredita-se que a utilização de anti­
biótico tópico de forma crônica pode selecionar a microbiota de forma que germes mais viru­
lentos possam colonizar a conjuntiva e a pálpebra. Essa colonização selecionada pode facilitar
que processos infecciosos de tecidos oculares tenham início na presença de fatores de risco e
desencadeantes de forma diferente da observada quando a microbiota normal está mantida.
Conceitos Básicos de Infecção Ocular

Mais recentemente, observou-se um exemplo interessante em portadores da síndrome


da imunodeficiência adquirida e que fazem uso de antimicrobianos (sulfas) por via sistêmica:
modificações interessantes da sensibilidade dos Staphylococcus coagulase-negativos isolados.
Observou-se que, no grupo tratado, a porcentagem de resistência especificamente às sulfas
por esses microrganismos é maior do que na população normal.
Na avaliação da conjuntiva, a inoculação concomitante em meios sólidos e líquidos forne­
ce a possibilidade da identificação de maior número de microrganismos.
No estudo da microbiota de pacientes com retinoblastoma, é interessante notar que a
menor frequência de culturas positivas na conjuntiva foi observada em órbitas e bulbo ocular
irradiados. Esses resultados sugerem que a anoftalmia é um fator importante nas modificações
quantitativa e qualitativa dos microrganismos que compõem a microbiota.

Microbiota
Estudos sobre a microbiota ocular em pacientes normais mostram a presença de fungos não
patogênicos nas superfícies conjuntivais oculares. Como as bactérias, os fungos necessitam
de condições ideais de pH, temperatura, umidade e luminosidade para estabelecer coloni­
zação.
A conjuntiva e os anexos oculares, estando em contato direto com o meio ambiente,
ficam expostos a fatores que influenciam os fungos que compõem a microbiota. Há influên­
cia sazonal de fatores climáticos (umidade, velocidade dos ventos, temperatura), altitude e
outros fatores abióticos. Os fungos do ar, ou anemófilos, também interferem na colonização
bacteriana da conjuntiva. Alterações na microbiota são observadas em situações de baixa
resistência do hospedeiro, uso abusivo de medicações tópicas, como antimicrobianos ou
corticosteroides.
O conceito de fungo patogênico e não patogênico em Oftalmologia é controverso, pois
alguns fungos causadores de endoftalmite no pós-operatório de cirurgia oftalmológica não
são patogênicos.
Em geral, os fungos comportam-se como parasitas ou saprófitos nas superfícies oculares,
e alguns autores acreditam que as células descamadas da conjuntiva são utilizadas como nu­
trientes da microbiota fúngica.
O conhecimento dos componentes da microbiota conjuntival pode orientar as hipóteses
diagnósticas das infecções após traumas oculares e no acompanhamento dos pacientes no
pós-operatório de cirurgias oftalmológicas. Foi ressaltada a importância da limpeza pré-ope-
ratória da conjuntiva com o objetivo de diminuir a positividade das culturas.
Na literatura mundial, os primeiros trabalhos sobre a microbiota da conjuntiva ocular fo­
ram realizados por Fazakas em 1937 e 1938, obtendo frequências de 24,3 e 25,2%, respectiva­
mente, em conjuntivas sadias cippiid.
No Brasil, a frequência dos isolamentos de fungos na conjuntiva sadia varia de zero a 72%
(Tabela III).
Scarpi, estudando a microbiota conjuntival, isolou 53 espécies de fungos e Vieira, 61. To­
dos os pacientes eram sadios e expostos a ambiente atípico (campos de agricultura da cana-
de-açúcar); no total foram analisados 154 pacientes.
58 Doenças Externas Oculares e Córnea

TABELA I Porcentagens de isolamentos positivos de fungos em conjuntivas oculares sadias no Brasil,


entre os anos de 1962 e 1990 por unidade da Federação, ano de publicação e número de pacientes
analisados

A u to r(es) E sta d o Ano N ú m ero d e p a c ie n te s F re q u ê n c ia

AZEVEDO SP 1962 12 0%
COSTA MG 1975 60 15% *
SCARPI SP 1985 50 72%
VIEIRA PB 1989 104 38,5%
CHA SP 1990 60 15%
*COSTA considerou, entre os isolamentos fúngicos, dois isolamentos de Actinomycetaceae. Se concordarmos com essa inclusão, a
frequência passa a 20%, como no texto original.

Cha avaliou a microbiota na conjuntiva normal de 60 moradores da cidade de São Paulo,


com idades entre 20 e 51 anos, distribuídos em 52 homens e 8 mulheres, comparando com a
microbiota de 85. No Brasil, somente esse estudo isolou Fusarium sp. em um caso de micro­
biota de conjuntivas sadias.
Os fungos filamentosos isolados na conjuntiva de pacientes normais, segundo as zonas
rural e urbana, estão descritos na Tabela IV.

TABELA I Relação dos fungos filamentosos* (N=104) isolados na conjuntiva ocular normal de seres
humanos nas zonas urbana e rural, entre os anos de 1943 e 1990, segundo os autores, ano de publicação e
unidades da Federação pesquisadas, Brasil

Z o n a Rural (N=70) Z o n a U rb a n a (N=34)

A u to re s SC A R P I V IEIR A A ZEV ED O ** CO STA CH A R elato s

Anos 1985 1989 1962 1975 1990 —

E sta d o s SP PB SP MG SP MG

Acrem onium sp. (C epholosporium sp.) 2 — — —


1 —

A spergillus sp. 7 2 —
1 — —

Chrysosporium sp. —
1 — — — —

C lodosporium sp. 3 4 6 —
3 —

Curvuloria sp. — — —
1 — —

Fuso ri um sp. 2 12 — —
1 —

Fonsecaeo sp. (Florm odendrum sp.) — — —


6 — —

Fonsecaeo p ed ro sso i — — — — —
1
{Florm odendrum p ed ro sso i)

Graphium sp. 3 — — — — —

H elm inthosporium sp. — —


1 — — —

Wollemia sp. (Flem ispora sp.) 2 — — — — —

M onilia sitophilia 3 — — — — —
Conceitos Básicos de Infecção Ocular

Z o n a Rural (N=70) Z o n a U rb a n a (N=34)

A u to re s SCA R PI V IEIR A A ZEV ED O ** CO STA CH A R elato s

Anos 1985 1989 1962 1975 1990 —

E sta d o s SP PB SP MG SP MG

M u co r sp. 2 —
1 — — —

Poecilom yces sp. 1 — — — — —

Pénicillium sp. 21 1 1 — — —

A ureobasidium sp. (Pulluloria sp.) — —


1 — — —

N igrosporo sp. 1 — — — — —

Trichoderm o sp. 3 — — — — —

M ycelia sterilio — —
6 1 3 —

Total 50 20 16 9 8 1
*Não incluídos os fungos não identificados.
**Pacientes submetidos a cirurgia de catarata ou portadores de processos inflamatórios nos olhos ou anexos.

Os fungos leveduriformes isolados na conjuntiva de pacientes normais, segundo as zonas


rural e urbana, estão descritos na Tabela V.

TABELA \ Relação dos fungos leveduriformes* (N=54) isolados na conjuntiva ocular sadia em seres
humanos nas zonas urbana e rural, entre os anos de 1962 e 1990, segundo os autores, ano de publicação e
unidades da Federação pesquisadas, Brasil

V a riá v e is a n a lis a d a s Z o n a Rural (N=44) Z o n a U rb a n a (N=10)

A u to r SCA R PI V IEIR A A Z EV ED O ** CO STA CHA

Ano 1985 1989 1962 1975 1990

E sta d o SP PB SP MG SP

Condido sp. 2 37 1 —
1
('Torulopsis sp.)
Cryptococcus sp. 3 — — —

Cryptococcus 1 — — — —

uniguttulotus
Rhodotorulo sp. 1 —
8 —

Total 3 41 1 8 1

*Não incluídos os fungos não identificados.


**q Pacientes submetidos a cirurgia de catarata.

Nos estudos sobre a microbiota da conjuntiva, realizados nas zonas urbana e rural, verifi-
cou-se maior frequência de isolamentos de fungos filamentosos. Os fungos leveduriformes fo­
ram isolados da conjuntiva em 44 (81,5%) pacientes da zona rural e de 10 (18,5%) pacientes da
zona urbana, enquanto os fungos filamentosos foram detectados na conjuntiva de 70 (67,3%)
pacientes da zona rural e de 34 (32,7%) pacientes na zona urbana.
60 Doenças Externas Oculares e Córnea

Pela diferença de metodologia nos estudos que avaliam a microbiota e a variação do ta­
manho das amostras nas pesquisas realizadas no Brasil, em populações urbanas e rurais, os
resultados são inconclusivos para as afirmações sobre a frequência de determinado gênero
ou espécie fúngica. Costa obteve maior porcentagem de isolamentos em indivíduos da região
metropolitana, enquanto Azevedo, estudando populações urbanas, não isolou fungos.
Os incentivos do governo brasileiro nas décadas de 1970 e 1980, objetivando expandir as
plantações de cana-de-açúcar com o Programa Nacional do Álcool, despertaram a necessidade
de investigação da microbiota da conjuntiva ocular em trabalhadores dessas plantações.
Duas pesquisas foram feitas relacionando a microbiota conjuntival e os fungos anemófilos,
bem como os resultados das culturas da superfície epidérmica do colmo e da palha da cana-de-
açúcar. As positividades de 72 e 38,5%, respectivamente, são as mais altas observadas entre
as investigações realizadas no Brasil. Esses trabalhos possibilitaram estabelecer comparações
dos resultados entre duas regiões distintas do Brasil, o Sudeste e o Nordeste brasileiros.
Vieira identificou os gêneros Candida (59,1%) e Fusaríum (19,7%) na microbiota conjuntival
normal, enquanto, em estudo semelhante, Scarpi isolou os gêneros Aspergillus (37,5%) e Peni-
cillium (12,5%).
Candida sp. foi o fungo mais frequente na conjuntiva isolado por Vieira; contudo, no ar,
esse isolamento não foi significante. O autor justificou essa frequência por contaminação dos
olhos dos trabalhadores por contato direto pelas mãos.
Scarpi verificou que Penicillium sp. foi o gênero mais frequente na conjuntiva, e, entre os
fungos anemófilos, esse foi o segundo isolamento mais comum.
Analisando os gêneros isolados na conjuntiva e os encontrados no ar e nas folhas da cana-
de-açúcar, foi detectada concordância, confirmando que a superfície ocular pode ser contami­
nada por microrganismos do meio ambiente.
A comparação entre a microbiota de populações rurais e urbanas foi realizada por Costa.
Nesse trabalho é observada ausência de discriminação das espécies fúngicas isoladas por ori­
gem da população (se urbana ou rural) e imprecisão na definição da procedência do paciente
(se urbano ou rural), pois indivíduos residentes em áreas periféricas de grandes cidades pode­
riam ser considerados de origem urbana e não rural. Outro fator importante observado foi o
pequeno tamanho da amostra avaliada.
O estudo comparativo sobre a microbiota em indivíduos diabéticos e não diabéticos iden­
tificou a microbiota em conjuntiva sadia em diabéticos e não diabéticos, não sendo do número
de isolamentos positivos entre as duas populações estudadas.

Portadores de síndrome da imunodeficiência adquirida


Pacientes imunocomprometidos, portadores de baixa imunidade celular, AIDS, linfomas, lin-
focitopenia de CD4 idiopática, ou submetidos a tratamento com corticosteroides, podem ser
alvos de infecções oportunistas, porém não há evidência de que fungos saprófitas ou não pa-
tógenos do olho, em situações de baixa imunidade do hospedeiro, possam causar infecção.
Dois estudos sobre a microbiota conjuntival em pacientes soropositivos foram realizados
no Brasil. Os autores isolaram fungos filamentosos e leveduriformes, porém não apresentaram
diferenças significativas nos isolamentos na população HIV+, em relação aos isolamentos na
população não comprometida.
Conceitos Básicos de Infecção Ocular

Os métodos aplicados nesses estudos ficariam mais completos se, na época da coleta
dos dados e acompanhamento de tais pacientes, as dosagens de linfócitos T CD4, linfócitos
T CD8 e a carga virai fossem rotinas do atendimento, permitindo a avaliação dos níveis das
defesas imunológicas de cada indivíduo. A possibilidade de infecção por fungos leveduri-
formes em populações imunocomprometidas é maior do que nas populações normais. Nos
estudos sobre microbiota conjuntival não foi possível demonstrar de forma significativa
maior frequência de fungos leveduriformes na população imunocomprometida em relação
à não comprometida.

Portadores de diabetes
Na avaliação de diabéticos tipos 1 e 2 não se verificou associação estatisticamente significa­
tiva quanto à presença ou não de isolamentos de fungos em relação à idade, sexo, tempo de
doença, tipo de tratamento e estádio de retinopatia diabética desses indivíduos. Todos os
fungos identificados foram filamentosos: Aspergillus sp. representou 59,5% (25/42) dos iso­
lamentos, sendo 47,6% (20/42) Aspergillus niger. Ocorreu crescimento de fungos anemófilos
do ar ambiente da sala, observando-se coincidências entre as espécies isoladas no ar e na
conjuntiva.
Foi identificada presença de microbiota em conjuntiva sadia de diabéticos, não havendo
associação entre a maior positividade de isolamentos fúngicos e o tipo de diabetes, idade,
sexo, tempo de doença, tipo de tratamento e estádio da retinopatia diabética.

Influência seletiva na microbiota normal

Barreiras anatômicas
As pálpebras servem como barreira anatômica e mecânica para a colonização da conjuntiva;
o reflexo de piscar protege contra deposição de microrganismos presentes no meio ambiente
e promove o direcionamento destes para o saco lacrimal, com subsequente drenagem pra o
nariz.

Aderência microbiana
A aderência microbiana inicia-se pela interação molecular entre as adesinas glicoproteicas da
superfície bacteriana e os receptores proteicos da parede da célula epitelial da conjuntiva. A
aderência de bactérias nas células epiteliais é um fator crucial para que a infecção se estabele­
ça, pois protege as bactérias da lavagem mecânica do filme lacrimal.

Bacteriocinas
Bacteriocinas são proteínas bacterianas letais para as bactérias relacionadas. As bactérias
que produzem uma bacteriocina específica são resistentes a sua ação antagonista, mas
são suscetíveis às bacteriocinas produzidas por outras bactérias. As bacteriocinas podem
dar às bactérias vantagem competitiva sobre outras que tentem viver no mesmo nicho
ecológico.
62 Doenças Externas Oculares e Córnea

Produtos finais do metabolismo bacteriano


Produtos inibidores que lembram a atividade das bacteriocinas são ácidos lácticos e acéticos;
piocinamina, hialuronidase e peróxido de hidrogênio podem inibir o crescimento de determi­
nados grupos bacterianos.

Lípides palpebrais
A presença de ácidos graxos insaturados no filme lacrimal produzidos pelas glândulas meibo-
mianas garantem as propriedades ótimas do filme lacrimal e são bactericidas para algumas
bactérias. O pH baixo pode ser vantajoso para alguns membros da comunidade microbiana;
dessa forma, acredita-se que alterações das funções das glândulas meibomianas podem mo­
dificar a microbiota.

Componentes solúveis do filme lacrimal


O filme lacrimal contém numerosas proteínas, eletrólitos, aminoácidos e vitaminas que têm ação
antimicrobiana indireta, subvertendo o acesso dos microrganismos a nutrientes essenciais.
A lisozima acelera a destruição de bactérias Gram-negativas e não interfere nas bactérias
Gram-positivas. A diminuição natural da produção de lisozima com o envelhecimento seria a
responsável pela consequente diminuição da inibição da multiplicação das bactérias Gram-
-negativas. Em alguns estudos, demonstrou-se a possibilidade de bactérias Gram-negativas
passarem a fazer parte da microbiota normal da conjuntiva em indivíduos mais idosos. Lac-
toferrina e outras proteínas quelantes de metal têm ação bactericida e bacteriostática e po­
dem interagir com anicorpos e complementos específicos. (3-lisina é uma proteína bactericida
que age diretamente na membrana citoplasmática da bactéria e funciona otimamente quando
combinada com a lisozima pelo efeito sinegístico. O complemento é uma série de proteínas
que, quando ativadas, iniciam a cascata de reações que resultam em lise da bactéria.
Imunoglobulinas estão presentes nas lágrimas em condições normais, e são a defesa nos
processos infecciosos. IgD e IgM são raramente detectadas na lágrima normal.

Componentes celulares do filme lacrimal


Um grande número de células mortas ou em descamação da conjuntiva, pálpebra e córnea está
presente no filme lacrimal, e as células viáveis têm limitada capacidade fagocítica.

Interpretação de exames
Entre as infecções mais comuns do olho, a possibilidade de interpretação equivocada ocorre
na conjuntivite bacteriana, uma condição infecciosa autolimitada, mas que, com o uso de an­
tibióticos, associa-se significativamente à remissão clínica e laboratorial precoce do processo.
Uma das principais questões que o oftalmologista enfrenta ao solicitar um exame labo­
ratorial de cultivo de amostras da conjuntiva e pálpebra é a interpretação do que seria um
resultado positivo ou negativo. Ressalta-se que a única maneira de chegar à conclusão dessa
interpretação é com a correlação clínico-laboratorial, que leva em consideração os sinais clí­
nicos do caso em questão.
Conceitos Básicos de Infecção Ocular

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Conceitos Básicos de Infecção Ocular

C - MICROBIOLOGIA OCULAR

R e n a ta R e z e n d e
A n a L u is a H ö flin g - L im a

VÍRUS

Os vírus são estruturas formadas por moléculas de RNA ou DNA, emvolvidos por uma proteína
tubular ou isométrica (capsídeo). Alguns vírus ainda apresentam um envelope de lipoproteínas
(como herpes simples, HIV).

Vírus DNA
Família Herpesviridae: os vírus dessa família que afetam o olho incluem o herpes simples
(HSV) tipos 1 e 2, varicela-zóster (HZV), Epstein-Barr, citomegalovírus (CMV) e herpes vírus 8.
O vírus herpes simples é um vírus DNA, envelopado, em que o sorotipo 1 é o mais frequen­
temente envolvido nas patologias oculares. Após a exposição ao vírus, o hospedeiro pode
desenvolver um quadro de infecção primária, caracterizado por blefarite e conjuntivite, ou
apresentar quadro assintomático de infecção. O vírus é transportado para o gânglio trigemi­
nal, onde permanece em estado de latência. A sua reativação pode levar a diferentes manifes­
tações oculares. O comprometimento ocular do HSV pode ser difuso, comprometendo desde
a pálpebra ao nervo óptico. As lesões corneanas são variadas. Podem apresentar lesão epi-
telial (dendrítica, geográfica, meterpética ou neurotrófica), comprometimento estromal com
necrose (necrosante) ou sem necrose (disciforme, anel imunológico), ou ainda formas mistas
de comprometimento. Podem ocorrer iridociclite, trabeculite, endotelite. A identificação do
vírus é possível nas lesões epiteliais virais, com uso de métodos de identificação de antígenos,
DNA ou cultura do vírus; a pesquisa de anticorpos pode ser útil quando a cultura é negativa.
O HZV é um vírus DNA, envelopado, que envolve uma infecção primária (varicela), com
subsequente latência. Sua reativação pode ocorrer vários anos após a infecção primária. O
comprometimento ocular durante a priminfecção geralmente é leve, com conjuntivite e hi-
peremia palpebral. Aproximadamente 20% dos pacientes apresentam recorrência, geralmente
quando idosos. Nos casos de dermatite por zóster, 15% apresentam envolvimento do ramo
oftálmico do nervo trigêmeo, levando a um comprometimento ocular com ceratite, infiltrados
marginais, ceratite estromal e ceratopatia neurotrófica.
A contaminação com o vírus Epstein-Barr é comum e pode levar à mononucleose infec­
ciosa. O vírus pode manter latência nos linfócitos B e células epiteliais de mucosas por toda a
vida. A manifestação ocular é incomum. O diagnóstico é feito através da detecção de anticor­
pos no organismo.
A manifestação causada por CMV geralmente é subclínica, exceto em pacientes imunode-
primidos. Em pacientes HIV+, a retinite por CMV é mais comum quando o nível de linfócitos
CD4 é menor que 50/jlíI.
O herpes vírus humano 8 (HHV8) está associado ao aparecimento de sarcoma de Kaposi
em pacientes HIV+.
Doenças Externas Oculares e Córnea

Adenovirus: são vírus DNA, não envelopados, que possuem dois tipos de capsídeo. Os
sorotipos 3, 4, 7, 8, 19, 37 e outros causam conjuntivites foliculares agudas, com ou sem ma­
nifestações de vias respiratórias superiores. Alguns sorotipos podem levar à ceratite puncttata
e infiltrados subepiteliais. Os vírus podem ser identificados através de cultura, métodos imu-
nodiagnósticos e dosagem de anticorpos.
Poxvirus: o molusco contagioso é um poxvirus que leva a comprometimento ocular, com
lesões esbranquiçadas, umbilicadas e pruriginosas na pele palpebral. O comprometimento de
células conjuntivais pode produzir uma conjuntivite folicular crônica, por toxicidade. O exame
histopatológico da lesão mostra inclusões intracitoplasmáticas eosinofílicas (corpúsculos de
Henderson-Patterson) entre as células epidérmicas.
Papovavírus: causam lesões verrucosas e são relacionados com as neoplasias mucocutâ-
neas. Alguns sorotipos (6, 11 e 16) têm sido associados com lesões tumorais de conjuntiva, de
papilomas a displasias escamosas e carcinomas.

Vírus RNA
Picornavírus são vírus não envelopados, que incluem rinovírus e enterovirus. O enterovirus
tipo 70 e vírus coxsackie tipo A24 causam a conjuntivite aguda hemorrágica.
Ortomixovírus e paramixovírus: os vírus da influenza e parainfluenza são ortomixovírus,
que causam infecção respiratória, algumas vezes com conjuntivite leve. Os paramixovírus são
representados pelos vírus da caxumba, sarampo e doença de Newcastle. Além de parotidide,
o vírus da caxumba pode levar a dacriocistite, conjuntivite, episclerite e ceratite estromal. O
vírus do sarampo pode levar a conjuntivite e ceratite epitelial leve. Em casos mais graves, pode
ocorrer ceratite intersticial. Crianças desnutridas, com hipovitaminose A, podem desenvolver
ceratomalacia e perfuração corneana. A doença de Newcastle pode se manifestar em pessoas
que lidam com galinhas, com quadro de conjuntivite folicular.
Retrovirus: o mais importante retrovirus é o vírus da imunodeficiência humana tipo 1
(HIV-1), agente etiológico da AIDS. O vírus penetra nas mucosas ou diretamente na circulação,
ocasionando uma viremia nos linfonodos, com linfadenopatia. Com a evolução, os pacientes
infectados podem permanecer assintomáticos por vários anos, mas progressivamente ocorre
diminuição de linfócitos CD4 +T. As infecções oculares associadas ou oportunistas mais co­
muns são a retinite por CMV, zóster oftálmico, uveíte luética, toxoplasmose ocular, ceratocon-
juntivite por microsporidiose, sarcoma de Kaposi em conjuntiva e órbita. O diagnóstico é feito
com pesquisa de anticorpos anti-HIV (LISA), com confirmação por Western blot.
Bactérias: são células procatiotas, com DNA disperso no citoplasma e em plasmídeos.
Possuem uma parede celular responsável por sua forma e reação ao Gram. Sua classificação
é feita através de sua morfologia, composição de DNA e reações bioquímicas, entre outros
testes.
Chlamydia e riquetsiose: A Chlamydia trachomatis é uma bactéria intracelular, com afini­
dade por células epiteliais de mucosas. Os organismos se multiplicam e formam corpúsculos
de inclusão com corpos elementares. Ela é classificada de acordo com seus antígenos. Os
sorotipos de A a C estão associados com o tracoma, enquanto os sorotipos de E a I< causam
infecções genitais e conjuntivite de inclusão do adulto e neonatos. Clinicamente, os padrões
de manifestações são diferenciados através de mecanismos de disseminação, epidemiologia e
Conceitos Básicos de Infecção Ocular

recorrência da doença. O diagnóstico é feito com vários métodos imunodiagnósticos e cultura


de células (Fig. 34).
A Bartonella henselae e Afipia felis são riquétsias causadoras da doença da arranhadura do
gato. A identificação desses patógenos não é facilmente realizada. O diagnóstico pode ser fei­
to através de biópsia da conjuntivite granulomatosa, que pode mostrar pequenos organismos
pleiomórficos.
Cocos Gram-negativos: a família Neisseriaceae inclui Moraxella, Acinetobacter e Neisseria. A N.
gonorrhoeae pode causar conjuntivite purulenta aguda em adultos e neonatos, sendo capaz de
penetrar o epitélio corneano íntegro, levando a supuração e ulceração. N. meningitidis pode le­
var a quadro de conjuntivite, mesmo sem manifestação sistêmica. O raspado de secreção ocular
mostra estruturas Gram-negativas, diplococos em forma de rim. São identificados extracelular-
mente ou em neutrófilos. Essas bactérias são aeróbicas e crescem em ágar-sangue e chocolate,
sendo o último mais indicado, especialmente com incubação em 5 a 10% de C02 (Fig. 35).
Bastonetes Gram-negativos: Moraxella sp. pode variar sua forma de cocobacilo a diploba-
cilo. As espécies isoladas em patologias oculares incluem a M. lacunata, M. nonliquefaciens e M.
catarrhalis (Branhamella). A Moraxella produz exoenzimas que levam a escoriações na margem
palpebral e conjuntiva (blefarite angular). Lesões epiteliais podem ser colonizadas pelo pató-
geno, levando a infecções estromais.
As espécies Acinetobacter sp. são bactérias pleiomórficas, Gram-negativas e oxidase-nega-
tivas. Podem causar poucas vezes ceratite ou conjuntivite.
Pseudomonas sp. inclui várias espécies, dentre as quais a maior representante é a P. aerugi­
nosa. Esses microrganismos crescem em praticamente todos os meios de cultura, são contami­
nantes de soluções aquosas e podem levar a infecções oculares graves, com perda da função
visual em curto tempo (Fig. 36).

Fig. 3^ Imunofluorescência positiva para C h la m y d ia . Note os


pontos fluorescentes amarelo-esverdeados.

Fig. D ip lo c o c c u s Gram-negativos. Estruturas avermelha­


das, intracelulares.
68 Doenças Externas Oculares e Córnea

Fig. 36 Bacilos Gram-negativos. Note estruturas avermelha­


das em forma de bastão.

A família Enterobacteriaceae inclui vários gêneros, como Escherichia coli, Klebsiella sp., En-
terobacter sp., Citrobacter sp., Serratia sp., Proteus sp. e Morganella sp. A identificação de cada
bactéria é feita através de testes bioquímicos e aspecto morfológico das colônias.
Haemophilus sp. varia em sua morfologia de cocobacilos a bastonetes. Sua cultura exige
meios enriquecidos. O H. influenzae pode ser dividido em biotipos de acordo com reações bio­
químicas. Pode causar conjuntivites, celulites, ceratites e endoftalmites.
Pasteurella sp. é causa comum de infecções respiratórias e conjuntivites em experimentos
animais. A contaminação humana pode ocorrer por mordidas ou abrasões provocadas pelos
animais, com manifestação de celulite e ceratite.
Cocos Gram-positivos: Staphylococcus sp. são estruturas Gram-positivas que se apresentam
em cadeia ou em forma de cachos de uva (Fig. 37). O 5. aureus é um agente coagulase-positivo
e se diferencia de outras espécies por fermentação aeróbica do manitol. Entre os agentes
coagulase-negativos, manitol-negativos estão os S. epidermidis, S. hominis e 5. auricularis. A pro­
dução de penicilinase é comum entre essas cepas, bem como a resistência a agentes sintéticos
P-lactamase, como metacilina e primeira geração de cefalosporinas. Os S. aureus e 5. epider­
midis produzem dermatotoxinas responsáveis pelas manifestações encontradas nas blefarites
estafilocócicas. Podem ocasionar reações de hipersensibilidade ocular, com ceratites e infil­
trados marginais. São reconhecidos como agentes de conjuntivites, ceratites e endoftalmites.
Streptococcus sp. e Enterococcus sp. são cocos Gram-positivos que crescem em pares ou ca­
deia (Fig. 38). Os Streptococcus são classificados de acordo com a sua capacidade de produzir
hemólise em ágar-sangue e com sua composição de carboidratos (Lancefield):
a-hemolítico: área visível de descoloração esverdeada em torno das colônias.
P-hemolítico: zona clara em torno das colônias.
P-hemolítico: ausência de hemólise.

Fig. Cocos Gram-positivos. Note estruturas azul-roxeadas,


em forma arredondada, em cadeia.
Conceitos Básicos de Infecção Ocular

Fig. 38 Úlcera de córnea por S tre p to c o c c u s.

Eles produzem exotoxinas que estimulam o processo inflamatório, podendo ocasionar


quadros graves de conjuntivite, ceratite, endoftalmite. Frequentemente são resistentes a ami-
noglicosídeos e fluoroquinolonas.
Bastonetes Gram-positivos: Corynebacterium sp. são bacilos pleiomórficos. Várias espécies
são descritas, sendo C. diphtheriae uma importante causa de conjuntivite membranosa.
Propionibacterium acnes é um bacilo anaeróbico, mas pode crescer em condições de pouca
aerobiose. São causadores de endoftalmites tardias, crônicas, decorrentes de cirurgias intra-
oculares.
Os Bacillus sp. produzem endosporos e vários são relacionados com ceratites. O Bacillus
cereus é uma importante causa de endoftalmite pós-trauma, principalmente na presença de
corpo estranho intraocular.
Filamentos Gram-positivos: esse grupo inclui as espécies Mycobacterium, Nocarclia e Acti­
nomyces.
M. tuberculosis e outras espécies são Gram-positivos, aeróbicos, bacilos álcool-ácido-resis-
tentes. O M. tuberculosis pode crescer em ágar-sangue, sendo o meio especial para seu cultivo
o Lõwenstein-Jensen. O M. leprae não pode ser isolado em meios artificiais. Existem outras
micobactérias atípicas que podem ser isoladas em ceratites, como M.fortuitum e M. chelonei.
A Nocarclia sp. raramente causa ceratites e endoftalmites.
Várias espécies de Actinomyces podem causar canaliculites.
Espiroquetas: Treponema pallidum é o agente causador da lues ou sífilis. Seu diagnóstico é
feito por meio de exames sorológicos classificados como testes não treponêmicos.
VDRL= venerai research laboratory assays, RPR= rapid plasma reagin e testes treponêmicos
(FTA-ABS= fluorescent treponemal antibody absortion, MHA-TP= microhemagglutination assay-T.
pallidum).
Borrelia burgdorferi é o agente causador da doença de Lyme, transmitida aos humanos por
picada de carrapatos. O diagnóstico é determinado com testes sorológicos. A manifestação
clínica é representada com doença cardíaca, meningoencefalite, paralisia de nervo craniano e
conjuntivite. Manifestação imunológica pode ser desencadeada, com artrite, ceratite estromal
e uveíte posterior.
70 Doenças Externas Oculares e Córnea

FUNGOS

O reino Fungi subdivide-se em dois grandes grupos: Myxomycota (constituído por fungos infe­
riores sem parede celular e não patogênico aos seres humanos e aos animais) e Eumycota (cons­
tituído por fungos verdadeiros, com parede celular e patogênicos aos seres humanos e animais).
O grupo Eumycota está subdividido em cinco filos: Zigomycotina, Ascomycotina, Basidio-
mycotina, Deuteromycotina e Mastigomycotina. Os quatro primeiros filos são de interesse na
micologia médica porque algumas doenças podem ser causadas aos seres humanos ou aos
animais por fungos pertencentes a eles.
Os fungos são seres eucarióticos e heterotróficos. A estrutura da célula fúngica é consti­
tuída por parede celular, membrana, citoplasma e núcleo. A membrana celular fúngica, assim
como as membranas celulares animais e vegetais obedecem ao modelo do “Mosaico Fluido”. O
tipo de divisão celular é a mitose, diferindo da clássica apenas pela permanência do envoltório
nuclear e do nucléolo.
Quanto à sua morfologia, os fungos são classificados em leveduras, filamentosos e dimór-
ficos. O grupo dimórfico pode apresentar forma filamentosa ou leveduriforme, dependendo
da temperatura a que está exposto: à temperatura ambiente (25 a 28°C), o comportamento
é de fungo filamentoso e, a 35 a 37°C, comporta-se como levedura. No ambiente há grande
quantidade de espécies fúngicas desde as leveduras, que são formas mais simples e unicelula­
res, até as mais complexas, como as formas filamentosas, que são as mais frequentes.
Os fungos filamentosos podem apresentar estruturas, as hifas, septadas e não septadas.
As septadas são detectadas ao exame em microscopia óptica com maior facilidade. Os fungos
com hifas não septadas apresentam septos, porém de forma mais espaçada e em menor núme­
ro do que as septadas, dificultando a observação na microscopia óptica.
Algumas espécies de fungos somente são diferenciadas pelas estruturas fenotípicas e bio­
químicas. O padrão enzimático, a micromorfologia e o tipo de nutriente são instrumentos
utilizados para a diferenciação das espécies fúngicas. A micromorfologia e o padrão enzimáti­
co são atributos fundamentais na diferenciação das leveduras. Para os fungos filamentosos, a
micromorfologia geralmente é suficiente.
A nomenclatura há muito tempo constitui uma dificuldade na classificação dos fungos. A
classificação morfológica que divide os fungos em filamentosos, leveduriformes e dimórficos
tem maior utilidade didática, porque tem base no tipo de crescimento que o fungo apresenta in
vitro ou in vivo, não havendo correlação entre essa classificação e a posição taxonômica do fungo.
Os agentes de doenças oculares quase sempre são classificados em fungos leveduriformes, fila­
mentosos ou dimórficos. Outros agentes não entram nessa classificação, como o Rhinosporídium
seeberi, mas também são agentes de micose ocular. Recentemente foi proposto enquadrar Rhi-
nosporidium seeberi em novo grupo ecológico, como fungo hidrofllico. Esses fungos são microrga­
nismos previamente classificados como fungos ou parafungos, que possuem história natural de
vida livre em habitat aquático sobre matéria orgânica morta ou sobre plantas aquáticas.

A c a n th a m o e b a

Além de ser a ameba mais frequentemente isolada, estima-se que o gênero Acanthamoeba pos­
sa ser o protozoário de vida livre mais comum, o que confere ao gênero uma grande impor-
Conceitos Básicos de Infecção Ocular

tância ecológica, uma vez que as amebas se alimentam de bactérias, fungos, cianobactérias e
protozoários. Além disso, Acanthamoeba sp. é o hospedeiro natural de diversas bactérias que
vivem como endossimbiontes, especialmente da Legionella pneumophila, causadora da “doença
dos legionários” em humanos.
As Acanthamoebas possuem um único núcleo com um grande cariossomo central rodeado
por um halo claro, citoplasma abundante e granuloso, vacúolos pulsáteis na periferia da célula
que desaparecem temporariamente e reaparecem em um movimento de sístole-diástole, além
de vacúolos digestivos que são menores do que os pulsáteis. Possuem um movimento polidire-
cional através da emissão de um ou dois pseudópodes globosos e hialinos. Os trofozoítos têm
uma característica única que são os acantopódios, projeções aciculiformes da membrana celu­
lar, cuja função mais provável é de aderência à célula hospedeira (Page, 1988; Martinez, 1993;
Penland et al., 1992; Shukla et al., 1990). A outra forma em que se pode encontrar o organismo
são os cistos, com diâmetro entre 15 e 28 /um, uninucleados e resistentes por longos períodos
à dessecação, condições extremas de temperatura, pH e produtos químicos diversos. O gêne­
ro é facilmente distinguível de outras amebas, devido às formas características dos cistos, que
possuem duas paredes, o endocisto e o ectocisto, providos de poros chamados ostíolos e um
opérculo, que é um ponto determinado do cisto por onde a ameba sai ao desencistar. Geral­
mente, o ectocisto é esférico, enquanto o endocisto apresenta formas poligonais que depen­
dem do isolado, variando de triangular a estrelado. Os dois envoltórios são separados entre
si, mas se unem nos ostíolos (Page, 1988; Casemore DP, 1977; Schuster & Visvesvara, 2004 ).

D - DIAGNÓSTICO MOLECULAR DAS INFECÇÕES OCULARES


EXTERNAS

G u s t a v o B a rre to d e M e lo
P a u lo J o s é M a r tin s B is p o
A n a L u is a H õ flin g - L im a

INTRODUÇÃO

A introdução de técnicas de diagnóstico molecular na medicina diagnóstica, como a reação


de polimerização em cadeia (polymerase chain reaction - PCR) e sua aplicação no diagnóstico
de doenças infecciosas, estabeleceu uma nova era na detecção e caracterização de micror­
ganismos, e está sendo hoje largamente utilizada para a elucidação diagnóstica de infecções
oculares causadas por diversos microrganismos. Com a utilização da técnica de PCR e suas
variações, tornou-se possível proceder à caracterização de microrganismos de difícil ou im­
possível detecção por métodos microbiológicos tradicionais, à detecção de patógenos a partir
de amostras clínicas com baixo inoculo microbiano, assim como reduzir significativamente o
72 Doenças Externas Oculares e Córnea

tempo necessário para emissão de resultados, provocando importante impacto para o diag­
nóstico tanto de infecções oculares internas quanto externas. Entretanto, em muitas situações
a detecção de um possível agente pela PCR pode aumentar a dúvida diagnóstica. Essa alta
sensibilidade das técnicas moleculares que identifica organismos não viáveis também cria uma
situação que ressalta a importância da correlação clínico-laboratorial - como microbiologia
clássica de bancada, sendo executada paralelamente à avaliação pelas técnicas de biologia
molecular. Outra técnica de biologia molecular aplicável em Oftalmologia é a eletroforese em
gel de campo pulsado. Com ela, é possível confirmar se microrganismos da mesma espécie
identificados a partir de diferentes fontes (p. ex., raspado de córnea e solução de limpeza das
lentes de contato) constituem um único clone, e também para a determinação de surtos cau­
sados pela disseminação clonal de determinada cepa.

CONJUNTIVITE

As técnicas de biologia molecular apresentam ampla aplicação nas conjuntivites de causas


diversas, especialmente as causadas por vírus e clamídia. As conjuntivites bacterianas não se
beneficiam tanto devido à alta sensibilidade das técnicas convencionais de diagnóstico, como
bacterioscopia e cultura.
r

E importante a diferenciação entre conjuntivites causadas por adenovirus, herpes e clamí­


dia. As primeiras podem estar associadas a surtos que podem ser contidos mediante medidas
de profilaxia. As causadas por herpes podem evoluir para ceratite e trazer comorbidade ocular
intensa. Já a infecção por clamídia é responsável por uma das maiores causas de cegueira no
mundo, especialmente nos países em desenvolvimento. Portanto, é de grande utilidade uma
técnica laboratorial que seja capaz de fazer uma distinção entre essas causas.

Adenovirus
A PCR pode ser a única forma de chegar a um diagnóstico rápido e confiável de ceratocon-
juntivite por adenovirus. Essa técnica apresenta maior acurácia, sensibilidade e rapidez para
detectar e tipar os casos de conjuntivite por esse vírus, quando comparada à cultura.
Trabalhos que compararam o PCR com cultura para o adenovirus mostraram sensibilidade
e especificidade de mais de 90% para a PCR contra aproximadamente 60% pela cultura. A imu-
nocromatografia e os ensaios imunoenzimáticos podem gerar resultados em poucos minutos,
mas apresentam baixa sensibilidade (em torno de 50%), apesar de boa especificidade (próximo
a 100%).
Outros estudos também mostraram bons resultados com o uso de PCR em tempo real. Sua
grande vantagem é a rapidez do resultado em relação às técnicas convencionais (poucas horas)
e a possibilidade de quantificação do inoculo. Recentemente, foi desenvolvido o RPS Adeno
Detector (Rapid Pathogen Screening Inc.), baseado em imunocromatografia. Sua maior vanta­
gem seria a possibilidade de ser realizado em consultórios oftalmológicos com os resultados
disponíveis em apenas 10 minutos. Em comparação à PCR, apresentou sensibilidade de 89% e
especificidade de 94%. São valores aceitáveis para uma técnica capaz de oferecer resultados
tão rápidos.
Conceitos Básicos de Infecção Ocular

Herpes simples
Apesar das diferenças no tempo de evolução da doença, as técnicas de biologia molecular po­
dem auxiliar no diagnóstico preciso e precoce dessa doença com elevado potencial de gravi­
dade. A PCR chega a ter sensibilidade de 95% em comparação com 55% do diagnóstico clínico,
usando a cultura celular como padrão-ouro.

Tracoma
Foi mostrado que a PCR apresenta alta sensibilidade em comparação à imunofluorescência
direta (IFD) para Chlcimyclia trcichomatis em casos com suspeita de tracoma. Em pacientes com
quadro clínico de tracoma folicular, a PCR foi positiva em 54% em comparação com 28% da IFD.
Nos que tinham tracoma intenso, a PCR foi positiva em 95% contra 60% da IFD. Em áreas endê­
micas, mesmo na ausência de alterações clínicas de tracoma, a PCR mostrou positividade em
24% em comparação com 1%pela IFD. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que essas
pessoas com positividade, mas sem doença clinicamente evidente, têm maior probabilidade
de desenvolver tracoma 1 a 6 meses após. A técnica de PCR em tempo real já foi usada para
identificação de clamídia, mostrando bons resultados.
Considerando que os microrganismos anteriormente citados causam conjuntivite folicular
de difícil diferenciação clínica em um primeiro momento, uma forma rápida, eficiente e mais
barata de detectar tanto diferentes vírus quanto a clamídia é o uso da PCR multiplex. Em uma
única reação, são utilizados primers para vários microrganismos. Isso elimina a necessidade de
realizar testes diferentes, que encarecem e levam a um maior tempo para obtenção do resul­
tado final.

CERATITE

Ceratite infecciosa é definida como uma inflamação do epitélio da córnea induzida pela in­
filtração de microrganismos no estroma epitelial, e constitui uma das principais causas de
cegueira em todo o mundo. O rápido e acurado diagnóstico etiológico do microrganismo cau­
sador da infecção é um ponto importante na escolha do tratamento e na instituição precoce
e efetiva da antibioticoterapia de forma a auxiliar na restauração da visão. Tendo em vista a
subjetividade da apresentação clínica e a dificuldade em diferenciar clinicamente as infecções
causadas por bactérias, fungos, vírus e parasitas, é importante que métodos diagnósticos ca­
pazes de diferenciar efetivamente cada tipo de microrganismo em tempo hábil para auxiliar
na conduta médica sejam desenvolvidos e aplicados para auxiliar no diagnóstico diferencial
das ceratites infecciosas.
As técnicas convencionais de microbiologia são aplicadas rotineiramente para elucidação
dos casos de ceratite infecciosa, mas possuem algumas desvantagens. A análise microscópica
direta do raspado de córnea, após coloração por Gram, permite a imediata identificação do
tipo de bactéria presente. No entanto, a sensibilidade dessa técnica pode ser menor que 40%
em alguns casos. Culturas bacterianas e fúngicas são realizadas rotineiramente, mas a emissão
de resultados finais pode demorar de dias a semanas, e a sensibilidade da técnica varia de 40 a
Doenças Externas Oculares e Córnea

80%. As razões para as culturas de raspado de córnea de pacientes com diagnóstico clínico de
ceratite infecciosa apresentarem resultados negativos podem estar relacionadas ao início da
terapia antibiótica empírica antes da coleta da amostra, pequena quantidade de amostra co­
letada para cultivo e presença de microrganismos fastidiosos e que não podem ser cultivados
pelas técnicas empregadas na rotina como vírus e parasitas, causando a infecção.

Ceratites bacterianas
A caracterização microbiológica dos casos de ceratites bacterianas pode ser realizada através
de PCR para a região 16S do RNA ribossomal (16S rRNA), uma sequência de DNA que apresenta
regiões altamente conservadas entre todas as espécies bacterianas descritas, e regiões alta­
mente variáveis que permitem diferenciar uma espécie de outra. Com o desenho de primers
complementares, as regiões conservadas flanqueando as regiões variáveis do gene, é possível
a realização de PCR diretamente da amostra clínica e posterior sequenciamento do produto
amplificado, tornando possível a identificação da espécie da bactéria causadora da infecção
por meio do alinhamento das sequências em bancos de dados disponíveis. Trata-se de uma
técnica que oferece algumas vantagens em relação aos métodos microbiológicos convencio­
nais, pois pode gerar resultados em menor tempo e ser aplicada em casos nos quais as culturas
sejam negativas e o paciente já esteja recebendo antibioticoterapia.

Ceratites fúngicas
Para detecção de fungos causadores de ceratite a partir de raspados de córnea, PCR para se­
quências do rRNA seguido por sequenciamento também pode ser aplicada. Alvos comumen-
te utilizados para a amplificação são os genes 18S, 5,8S e 28S, codificadores do rRNA, e as
subunidades não transcritas de rRNA denominadas ITS (intergenic transcribecl spacer) 1 e 2. A
sensibilidade da PCR pode ser superior à cultura, podendo gerar resultados em tempo extre­
mamente menor do que as culturas, que, em alguns casos, demoram semanas até a liberação
de um resultado. Isso certamente representa um importante avanço para o melhoramento na
conduta terapêutica dessas infecções.

Ceratites virais
A PCR tem se mostrado especialmente apropriada para o diagnóstico de ceratites virais pelo
fato de estas apresentarem um número limitado de agentes causadores, o que facilita o
desenvolvimento de conjuntos de primers específicos e limitados a esses patógenos. Dessa
forma, reações de multiplex PCR, para pesquisar em apenas uma reação todos os agentes
virais presentes em casos de ceratite, podem ser aplicadas a partir de amostras clínicas, e
apresentam alta sensibilidade e especificidade. A técnica de Nested PCR também pode ser
aplicada para a detecção de vírus em casos suspeitos de ceratite, para aumentar a sensibi­
lidade da detecção do DNA virai, que geralmente se encontra em pequena quantidade em
materiais oriundos da córnea. Para a detecção de HSV-1 e VZV, por exemplo, a sensibilidade
da técnica pode ser de 87,5 e 75%, quando aplicada em amostras de raspado de córnea e
lágrima, respectivamente.
Conceitos Básicos de Infecção Ocular

Ceratite por A c a n th a m o e b a sp.


Apesar de aparecer com menor frequência, a ceratite causada por espécies de Acanthamoeba
pode apresentar sérias consequências para os pacientes infectados, principalmente em usuá­
rios de lentes de contato. O diagnóstico precoce melhora significativamente o prognóstico da
infecção, já que o tratamento pode ser altamente eficiente quando instituído na fase inicial
da doença. No entanto, a sensibilidade das técnicas convencionais aplicadas rotineiramente
pelos laboratórios de microbiologia é baixa, sendo cerca de 33% para microscopia e 7% para
cultura. Diagnóstico baseado na técnica de PCR pode aumentar a sensibilidade de detecção
do parasita para 66%, quando realizada em amostras de lágrima, e para 84 a 94% dos casos em
que são utilizados raspados de córnea. A sensibilidade pode chegar a 100% quando utilizada
a técnica de Nested PCR.

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Propedêutica Clínica
Propedêutica com Lâmpada
de Fenda, Fotografia e Sinais
Clínicos de Inflamação
V E R A M A S C A R O • A N A L U IS A H Ö F L IN G - L IM A

A lâmpada de fenda apresenta dois braços giratórios, um para a iluminação alternada e o ou­
tro para o biomicroscópio, ambos instalados em um mesmo eixo. A unidade de iluminação
é, essencialmente, um projetor com uma fonte de luz ajustável em termos de largura, altura,
direção, intensidade e cor. Um descanso para a cabeça imobiliza o paciente e uma alavanca do
tipo joystick e oculares ajustáveis permitem ao examinador focalizar a imagem estereoscópica.
A iluminação e os braços do biomicroscópio são parafocais, estando ambos os focos, des­
sa forma, no mesmo ponto, sendo o feixe de luz centralizado no campo de visão. Esse arran­
jo permite uma iluminação direta, e o deslocamento intencional do alinhamento leva a uma
iluminação indireta. Variações dessas técnicas de iluminação, usando campos de contraste
em campo escuro e campo luminoso, são usadas para examinar o segmento anterior do olho.
Leibowitz HM, Waring GO III, eds. Corneai Disorders: Clinicai Diagnosis and Management. 2nd ed. Philadelphia: Saunders;
1998:34-81.

Belfort Jr R, Kara-José N. Biomicroscopia da córnea. In: Córnea Clínica - Cirúrgica. São Paulo: Roca, 1996.

MÉTODOS DE ILUMINAÇÃO DIRETA

Iluminação difusa (Fig. 1): a iluminação difusa é usada geralmente quando se quer uma ampla
visão das pálpebras, da conjuntiva, da esclera e da córnea. Para obtermos esse tipo de ilumina­
ção, o feixe de luz deve estar ampliado e com a intensidade reduzida, sendo dirigido ao olho
obliquamente.
Iluminação em fenda (Figs. 2 e 3): a luz e o biomicroscópio focalizam o mesmo ponto, e a
abertura da fenda é ajustada de larga para estreita. A iluminação de um feixe de luz mais amplo
ou intenso, usando uma amplitude de abertura de cerca de 3 mm, pode ajudar o examinador
a observar lesões opacas. A iluminação alternada, usando uma amplitude de abertura de cerca

79
80 Doenças Externas Oculares e Córnea

F ig . 1 Ilu m in a ç ã o d ifu sa . (F o to g ra fa d o p o r FD G - U N IF E S R )

F ig . 2 Ilu m in a ç ã o em fe n d a . (C e d id o p o r FD G - U N IFESP.)

F ig . 3 Ilu m in a ç ã o em fe n d a . (F o to g ra fa d o p o r F D G - U N IFESP.)

de 1 mm ou menos, possibilita uma secção óptica corneana. Uma fenda de luz muito reduzida
ajuda a identificar diferenças nos índices de refração em estruturas transparentes como raios
de luz que passam através da córnea, da câmara anterior e do cristalino.
O examinador pode reduzir a intensidade da luz para determinar detalhes e a presença e
a quantidade de células inflamatórias na câmara anterior.
Reflexão especular: são reflexos luminosos normais observados na superfície corneana.
Um exemplo é o ponto de luz circular ou oval observado como reflexo na superfície ocular,
Propedêutica com Lâmpada de Fenda, Fotografia e Sinais Clínicos de Inflamação

após o uso de flash fotográfico no olho. Essas imagens especulares da fonte luminosa podem
atrapalhar o exame e, portanto, tenta-se, de maneira subliminar, ignorá-las. Entretanto, a qua­
lidade da imagem dessas projeções no filme lacrimal é importante na avaliação das condições
do tecido sob observação.
Um tênue reflexo provém também da parte posterior da superfície corneana. O examina­
dor pode realçar essa reflexão especular usando um feixe de luz num ângulo apropriado, de
maneira a observar as células endoteliais corneanas da seguinte maneira:
Iniciar com o deslocamento da haste da lâmpada de fenda num ângulo de 60° a partir da
haste com os visores e usar uma fenda pequena.
Identificar a imagem especular corneana mais brilhante dos filamentos luminosos da lâm­
pada e os pares de reflexos luminosos epiteliais e endoteliais de Purkinje.
Sobrepor o reflexo luminoso do endotélio corneano à imagem especular do filamento, le­
vando a um clarão brilhante.
Usar o joystick para movimentar a lâmpada de fenda ligeiramente adiante no sentido de
focalizar o reflexo endotelial.

A microscopia especular é sempre monocular, e apenas uma ocular deve ser colocada em
evidência. Um aumento de 25 a 40 vezes geralmente é necessário para obter uma visão clara
do mosaico endotelial. Nesse exame, observam-se a densidade e a morfologia das células en­
doteliais.

MÉTODOS DE ILUMINAÇÃO INDIRETA

Iluminação proximal: desbloqueando a haste iluminadora ligeiramente, descentraliza-se o


raio de luz de sua posição isocêntrica, induzindo o raio de luz e o biomicroscópio a focarem
em pontos diferentes, porém adjacentes. Essa técnica realça uma lesão mais opaca em relação
às camadas mais profundas da córnea, além de permitir a observação de pequenas irregula­
ridades que têm um índice de refração semelhante aos tecidos circundantes. Movimentar o
raio de luz para trás e para frente, em pequenas oscilações, pode ajudar a detectar pequenas
lesões tridimensionais.
Disperção escleral (Fig. 4): essa técnica de exame permite que áreas de opacidade reflexi­
va surjam em um campo sombreado, permitindo que lesões de reduzida transmissão luminosa
na córnea sejam observadas. Descentraliza-se a iluminação isocêntrica de modo que uma lu-

Fig.4 Fo to s d e ilu m in a ç ã o - C a m p o N eg ro . (F o to g ra fa d o p o r
FD G - U N IFESP.)
82 Doenças Externas Oculares e Córnea

minosidade intensa brilhe no limbo e se disperse em direção da esclera dessa forma obtém-se
uma diminuição significativa da luminosidade corneana (Campo Negro).
Retroiluminação (Figs. 5 a 7): essa técnica é utilizada quando se quer examinar mais de
uma área. A retroiluminação a partir da íris ocorre deslocando-se a haste luminosa tangencial­
mente, enquanto se examina a córnea (Campo Amarelo). O examinador, observando a área
situada entre o claro e o escuro, pode detectar anormalidades sutis da córnea. A retroilumina­
ção do fundo do olho é obtida alinhando-se o raio de luz quase paralelamente ao eixo visual
do examinador e variando a luminosidade tal que ela brilhe através da extremidade da pupila
(Campo Vermelho).

Fig.5 Fo to s d e ilu m in a ç ã o - C a m p o A m a re lo . (F o to g ra fa d o
p o r FD G - U N IFESP.)

Fig.6 Fo to s d e ilu m in a ç ã o - C a m p o B ra n c o . (F o to g ra fa d o p o r F D G - U N IFESP.)

Fig.7 Fo to s d e ilu m in a ç ã o - C a m p o V e rm e lh o . (F o to g ra fa d o p o r F D G - U N IFESP.)


Propedêutica com Lâmpada de Fenda, Fotografia e Sinais Clínicos de Inflamação

O campo branco pode ser obtido quando a fonte de iluminação secundária é o cristalino,
podendo ser examinadas as estruturas do cristalino, íris, câmara anterior e córnea.
Com essa técnica, as opacidades corneanas ou do cristalino são realçadas contra o reflexo
vermelho da retina, e os defeitos da íris são transiluminados.
Farrell TA, Alward WLM, Verdick RE. Fundamentals of Slit-Lamp Biomicroscopy. Videotape. San Francisco: American Acade­
my of Ophthalmology, 1993.

USO CLÍNICO

O exame biomicroscópico ocular com auxílio da lâmpada de fenda deve ser feito numa sequ­
ência coordenada, como se segue:
Pálpebras.
Bordas palpebrais.
■ Filme lacrimal.
Conjuntiva.
■ Córnea.
■ Humor aquoso.
r

■ íris.
Cristalino.
■ Humor vítreo.

O examinador e o paciente devem estar sentados confortavelmente, devendo a luminosi­


dade da sala ser reduzida.
Depois de ajustar o foco das oculares, inicia-se o exame pela iluminação direta da con­
juntiva e da esclera. Em seguida, uma luz difusa ilumina a córnea e o filme lacrimal, que se
distribui ao longo da secção óptica. Pode-se estimar a altura do menisco lacrimal e medir le­
sões discretas utilizando-se o micrômetro da lâmpada de fenda. O examinador usa, a seguir, a
técnica de reflexão especular para investigar o endotélio, mantendo o paciente fixando o olhar
em diferentes direções, de modo que cada quadrante da córnea possa ser avaliado.
Uma iluminação em fenda é usada para avaliação da espessura corneana e da profundida­
de da câmara anterior. Para a avaliação de flare e células no humor aquoso, a fenda deve estar
diminuída. As técnicas direta, em fenda e retroiluminação são então usadas para identificar anor­
malidades da córnea, da íris e do cristalino.
O ato de piscar pode também auxiliar no sentido de distinguir alterações na superfície
ocular a partir dos minúsculos pontos obscurecidos que flutuam no filme lacrimal. Após a ava­
liação inicial de curto alcance, a maior parte do exame com lâmpada de fenda será desenvol­
vida utilizando ampliações maiores.
Com exceção do humor vítreo anterior, o exame de outras estruturas intraoculares requer
lentes especiais. Uma lente de contato associada a espelhos e prismas angulares permite exa­
minar a porção média e posterior do olho, além da gonioscopia e investigação da periferia da
retina. Lentes de não contato de 78 e 90 D são bastante úteis e práticas para essa avaliação.
84 Doenças Externas Oculares e Córnea

CORANTES VITAIS

Os corantes de fluoresceína e de rosa-bengala têm sido usados na clínica por mais de um sécu­
lo. Servem para detectar lesões corneanas epiteliais, para auxiliar na tonometria de aplanação
e na avaliação da drenagem lacrimal. Na prática clínica, a fluoresceína é usada para detectar a
quebra de junções intercelulares (defeitos epiteliais), impregnando-se nesses locais e o coran­
te rosa-bengala é usado para avaliar as células epiteliais anormais e as alterações da superfície
ocular frequentemente associadas com uma deficiência do filme lacrimal.
Fluoresceína (Fig. 8): é um corante solúvel em água, sendo utilizado na forma de colírio a
2% e em tiras de papel impregnadas. A fluoresceína a 0,35% é utilizada para a avaliação das len­
tes de contato, pois não se impregnam a ela. A fluoresceína é facilmente detectada utilizando-
se um filtro azul-cobalto, presente na haste iluminadora da lâmpada de fenda.
A fluoresceína é mais comumente usada na avaliação de defeitos epiteliais, na tonometria de
aplanação e na avaliação do filme lacrimal. O tempo de rompimento do filme lacrimal é medido
após a instilação da fluoresceína, pedindo-se ao paciente que mantenha as pálpebras abertas
depois de duas ou três piscadas; contam-se os segundos até que uma área seca apareça.
A fluoresceína cora pequenos defeitos ou grandes áreas e pode realçar as lesões que se pro­
jetam através do filme lacrimal (coloração negativa). Diferentes tipos de alterações da superfície
ocular podem produzir na córnea modelos típicos de coloração. A fluoresceína, após corar um
defeito epitelial, difunde-se no estroma corneano, podendo causar um flcire esverdeado.
O teste de Seidel é usado para detectar saída de humor aquoso através de uma perfuração
da córnea. O examinador aplica a fluoresceína usando gotas ou uma tira de papel impregnada
com o corante no local do vazamento suspeito, e procura por um fluido claro que conflua em
direção ao corante laranja.
r

Rosa-bengala (Fig. 9): é corante vital do grupo dos xantenos, solúvel em água. E usado em
oftalmologia na avaliação do segmento externo. Possui a propriedade de corar em vermelho-
róseo células dos epitélios conjuntival e corneano desvitalizadas, bem como muco e filamen­
tos corneanos. Ela é facilmente detectada em azul utilizando-se um filtro verde.
r

E apresentado na concentração de 1%, sob a forma de solução ou em bastonetes em papel


filtro. A apresentação que deve ser preferida é a solução, uma vez que os bastonetes em geral
não produzem uma impregnação adequada no filme pré-ocular para promover a coloração das
estruturas em estudos.

Fig. 8 Fo to s d e ilu m in a ç ã o d ifu sa , u sa n d o filtro d e a zu l d e c o b a lto e c o ra d o co m c o ra n te d e flu o re s c e ín a .


(F o to g ra fa d o p o r FD G - U N IFESP.)
Propedêutica com Lâmpada de Fenda, Fotografia e Sinais Clínicos de Inflamação

Fig.9 Fo to s d e ilu m in a ç ã o d ifu sa , u sa n d o c o ra n te ro sa -b e n g a la . (F o to g ra fa d o p o r FD G - U N IFESP.)

O teste rosa-bengala é realizado instilando-se uma gota da solução no fundo de saco con-
juntival. A remoção do excesso pode ser feita com soro. Deve-se evitar a realização desse teste
após a realização do teste de Schirmer, uma vez que a área que tomou contato com o papel-
filtro se apresentará corada. O teste de rosa-bengala é importante na avaliação dos pacientes
r

portadores de deficiências lacrimais. E um parâmetro que nos permite julgar a intensidade


do comprometimento de córnea e conjuntiva por doenças que levem a sofrimento epitelial.
A coloração característica na deficiência lacrimal ocorre na conjuntiva bulbar sob a forma de
dois triângulos, situados na área da fenda palpebral, com base no limbo e vértices nos cantos
internos e externos da comissura palpebral. Em pacientes com exposição noturna por má oclu­
são palpebral, a coloração ocorre no polo inferior da córnea e conjuntiva bulbar adjacente.
O rosa-bengala é um corante vital que tinge tanto células desvitalizadas como células
sadias, e a impregnação epitelial só não ocorre em situações normais devido à presença da
camada de mucina.
r

E extremamente útil na avaliação das lesões ativas de ceratite herpética, corando a mar­
gem da lesão ulcerada, demonstrando o local da replicação do vírus onde há abundância de
células desvitalizadas.
Em pacientes com hiperprodução de muco e ceratite filamentar, observa-se coloração
positiva dos filamentos pelo corante. Na ceratoconjuntivite do limbo superior, a área limbar
superior cora em forma de trapézio, sendo elemento importante no diagnóstico.
Em pacientes com alterações da superfície ocular, como aqueles portadores de pinguécu-
las, pterígios e outros observa-se teste positivo nas áreas alteradas.
Como reações adversas à instilação de rosa-bengala, podem ocorrer ardor, irritação e hi-
peremia conjuntival. Não se têm notícias de efeitos tóxicos graves ou reações alérgicas ao uso
desta substância.
Krakmer JH, Mannis MJ, Holland EJ (eds.). Córnea. St. Louis: Mosby, 1997; 1:243-73.

Krachmer JH, Mannis MJ, Holland EJ (eds.). Córnea. St. Louis: Mosby, I997; 1:237-42.

Azul de toluidina: o corante nuclear azul de toluidina tem sido utilizado com bons resul­
tados no diagnóstico e orientação cirúrgica de diversos tumores em mucosas. Neves et al. fize­
ram estudo de 42 pacientes com lesões de conjuntiva. Esses olhos foram avaliados por exame
biomicroscópico simples antes e depois de corados com solução aquosa de azul de toluidina a
\% e, em seguida, submetidos a biópsia excisional da lesão para comparação com o exame ana­
tomopatológico. Dos 42 pacientes, houve concordância em 40 deles (95%) e dois resultados
86 Doenças Externas Oculares e Córnea

falso-positivos, explicados pela celularidade das lesões. Todos os diagnósticos de malignidade


pelo exame histopatológico foram identificados pelo método do azul de toluidina. A análise
estatística mostrou sensibilidade de 100% especificidade de 94%. O uso desse método estaria
indicado por ser simples, barato, inócuo, e não necessitar de ambiente cirúrgico ou narcose
em casos disseminados e em crianças. Além disso, em casos de lesões grandes e múltiplas,
sugeriria o local apropriado para biópsia.

Neves R A, Pavesio C E N, Nose W, Belfort Junior R. Coloração in vivo para o diagnóstico de lesões neoplásicas e displásicas
da conjuntiva / In vivo staining test for the diagnosis of conjuntival neoplasms and dysplasias. Aeq Bras Oftalmol, 1993;
56(6):308-14.

Verde de lissamina: o corante verde de lissamina tem a mesma função do rosa-bengala,


porém é muito menos irritante. Pode ser usado em gotas ou impregnado no papel de filtro.
O tempo para avaliação do resultado do teste com corante verde de lissamina é crítico, sendo
idealmente observada a conjuntiva entre 1 e 4 minutos após a instilação.
Os padrões de ceratite ponteada estão na Tabela I, e as alterações comuns da superfície
ocular estão na Tabela II (Fig. 10).

TABELA [ P ad rõ e s d e c e ra tite p o n te a d a da s u p e rfíc ie o c u la r

L o c a liz a ç ã o C a u sa

Difuso C o n ju n tivite virai


Traum a
Inferior B lefaro co n ju n tivite
Interpalpebral Sín d ro m e do olho seco
Exposição
Ceratopatia neurotrófica
Superior C erato co n ju n tivite lím bica superior
3 e 9 horas Lentes de contato

Leibowitz HM, Waring GO III (eds.). Corneal Disorders: Clinical Diagnosis and Management. 2nd ed. Philadelphia: Saunders, 1998;
502-42.

TABELA I A lte ra ç õ e s c lín ic a s c o m u n s da s u p e rfíc ie o c u la r

T ecid o A chad o D e scriçã o

Pálpebra M ácula Área de alteração na cor da pele


Pápula Área elevad a, sólida
Vesícula Bolha repleta de fluido seroso

Bolha Vesícula grande


Pústula Vesícula p urulenta
Ceratose D escam ação das células com acú m u lo de queratina

Eczem a Crosta d escam ada com base hiperem iada


Erosão D efeito d escam ativo do epitélio
Úlcera Erosão ep itelial com perda de tecido m ais profundo

C o njuntiva H iperem ia D ilatação local ou difusa do plexo sub ep itelial dos vasos san g uíneos
co n ju n tivais, g eralm en te com au m en to do fluxo san g u ín eo ; outras
alterações incluem d ilatações vascu lares fusifo rm es, an eu rism as
saculares, petéquias e hem orragia in traco n ju n tival
Propedêutica com Lâmpada de Fenda, Fotografia e Sinais Clínicos de Inflamação

T ecid o A chad o D e scriçã o

C o njuntiva Q uem ose Edem a co n ju n tival causado por vazam en to tipo tran su d ação dos
cap ilares co n ju n tivais com o resultado de um a alteração da integ rid ad e
va scu lar (p. ex., alterações vaso m o to ras e inflam ações) ou alterações
h em o d in âm icas (p. ex., d ren ag em veno sa en fraq u ecid a ou
h ip o sm o ralid ad e intravascular)

Lacrim ejam en to Excesso de lágrim as por au m en to da produição ou d ren ag em d im inuíd a


Excesso de m uco Q u an tid ad e au m en tad a de m uco em relação ao co m p o n en te lacrim al
aquoso
Secreção Exsudação na su p erfície co n ju n tival, varian d o de proteico (seroso) a
celular (purulento)
Papila Vasos san g u ín eo s co n ju n tivais telan g iectásico s dilatados, varian d o
desde alterações isoladas até ag ru p am en to s m aiores en vo lvid o s por
edem a e células in flam atórias

Folículo Nódulo linfoide focal com vascu larização acessória


Pseud om em brana A cú m u lo de células na su p erfície co n ju n tival que não sangram durante
a rem oção
M em brana Coágulo inflam ató rio d ifu n d id o pelo ep itélio que sangra quando
rem ovido
G lan u lo m a Nódulo de células in flam ató rias crônicas com proliferação fib ro vascu lar
Flictênula Nódulo de células in flam ató rias crônicas fre q u en tem en te no lim bo ou
perto dele
Erosão epitelial Perda de células epiteliais in d ivid u ais ponteada em um padrão
ponteado
D efeito epitelial Área focal de perda epitelial
Córnea Erosão epitelial Ponteam ento sup erficial causado por alteração ou d escam ação do
ep itélio superficial
C eratite epitelial Células ep iteliais au m en tad as e ed em aciad as, que podem estar
d ispersadas, ag rup ad as g ro sseiram ente, ou org an izad as segundo um
padrão arb o rescente
Edem a epitelial C élulas ep iteliais in ch ad as (edem a intraep itelial) ou vacú o lo s
intercelulares (edem a m icrocístico)
Bolha C oleção de flu id o dentro ou abaixo do ep itélio
D efeito epitelial Área focal de perda ep itelial, causada por trau m a ou outra condição

Úlcera D efeito ep itelial, com alteração do estrom a, inflam ação estrom al ou


q u alq u er co m b in ação dessas alterações

Filam ento Fibra (filam ento) ou pedaço (placa m ucosa) de m uco recoberto por
células ep iteliais d eg enerad as ligadas a um a su p erfície o cu lar alterada

Infiltrado O p acid ad e inflam atória em form a de m oeda sub ep itelial na porção


an terio r da cam ada de Bow m an

C eratite estrom al Infiltrado focal am arelo -sup u rativo esb ran q u içad o com posto de
sup urativa neutrófilos

C eratite estrom al Infiltrado focal cin za-esb ran q u içad o não su p u rativo de linfócitos e
não sup urativa outras células m o n o n u cleares; tam b ém ch am ad o ceratite intersticial,
esp ecialm en te qu an d o aco m p an h ad o por n eo vascu larização estrom al
Esclera Ep isclerite D ilatação focal ou difusa dos vasos ep isclerais sup erficiais

Esclerite Vasos ep isclerais profundos não nécrosantes dilatados com edem a


escleral

Esclerite nécrosante Área de esclera avascu lar


88 Doenças Externas Oculares e Córnea

Fig. 10 Ilu m in a ç ã o d ifu sa . P ro ce sso s in fla m a tó rio s e d e c o n s u m o d e e sc le ra . (F o to g ra fa d o p o r FD G -


U N IFESP.)

O cuidado de instilar rosa-bengala e lissamina verde em olhos que serão submetidos à


detecção do herpes pelo método PCR deve ser observado, pois ocorre interferência no resul­
tado.
Seitzman GD, Cevallos V, Margolis TP. Rose bengal and lissamine green inhibit detection of herpes simplex virus by PCR.
Am J Ophthalmol, 2006; 141 (4):756-8.

SINAIS DE INFLAMAÇÃO CONJUNTIVAL

A maioria das conjuntivites melhora sem complicações, mas alterações permanentes podem
ocorrer seguindo inflamações crônicas ou graves. A queratinização do epitélio da superfície
ocular pode ocorrer por causa de uma lesão persistente ou inflamação crônica. A cicatrização
conjuntival pode levar desde a fibrose reticular subepitelial até a formação de simbléfaro com
distorção da pálpebra e alterações secundárias de olho seco.
A identificação das características clínicas principais de uma inflamação ocular pode aju­
dar no diagnóstico diferencial das causas de conjuntivite mais comuns. As características das
diferentes formas de conjuntivite são descritas na Tabela III. As duas alterações mais comuns
são papila e folículo.
Papila: são alterações vasculares, mais facilmente observadas na conjuntiva tarsal supe­
rior, onde as divisões fibrosas fixam a conjuntiva ao tarso (Fig. 12). Com a progressão, esses va­
sos dilatados desenvolvem, da mesma forma, capilares que são circundados por edema e por
infiltrado inflamatório celular, produzindo nódulos elevados sobre o epitélio da conjuntiva.
Propedêutica com Lâmpada de Fenda, Fotografia e Sinais Clínicos de Inflamação

TABELA I C a u sa s c o m u n s d e in fla m a ç ã o c o n ju n tiv a l

A chad o E x e m p lo s

C o n ju n tivite papilar C o n ju n tivites alérgicas


C o n ju n tivites bacterian as

C o n ju n tivite fo licu lar C o n ju n tivite ep id êm ica (ad en o virus ou enterovirus)


C o n ju n tivite por herpes sim ples
B lefaro co n ju n tivite por m olusco contagioso
C o n ju n tivite por Chlamydia
C o n ju n tivite induzida p o rfá rm a c o

M em brana ou p seu d o m em b ran a C o n ju n tivite bacteriana ou virai grave


co n ju n tival Sínd ro m e de Stevens-Johnson
Q u eim adura quím ica

G ranulo m a co n ju n tival D oença da arranh ad u ra do gato


Sarcoidose
Reação a corpo estranho

U lceração co n ju n tival Sínd ro m e de Stevens-Johnson


Penfigoide o cu lar cicatricial
C o n ju n tivite crônica

Uma reação papilar leve produz uma aparência regular, aveludada. As alterações crônicas
ou progressivas resultam em tufos vasculares alargados que obscurecem os vasos sanguíneos
em volta. O tecido conjuntivo restringe as alterações inflamatórias ao núcleo fibrovascular,
produzindo a aparência de elevações aumentadas, poligonais e hiperêmicas.
Cada papila tem um ponto central vermelho que representa um capilar dilatado, se consi­
derado seu final. Com uma inflamação conjuntival prolongada, recorrente ou grave, as fibras

Fig. 1 Ilu m in a ç ã o d ifu sa . P se u d o m e m b ra n a e lin fo m a salmon patch. (F o to g ra fa d o p o r F D G - U N IFESP.)

?-r *
F % t*

Ilu m in a ç ã o d ifu sa . P a p ila s g ig a n te s . (F o to g ra fa d o p o r V K A


#
\

I
F D G - U N IF E S P .)
90 Doenças Externas Oculares e Córnea

de fixação da conjuntiva tarsal se alongam e se enfraquecem, conduzindo à hipertrofia papilar


confluente (papilas gigantes). Os sulcos entre essas estruturas fibrovasculares alargadas cole­
tam muco e pus.
Folículos: exceto nos recém-nascidos, o tecido linfoide conjuntival está normalmente pre­
sente dentro da substância própria. Os folículos conjuntivais estão lotados de linfócitos com
um centro germinal ativo circundado por células plasmáticas e alguns mastócitos (Fig. 13).
Pequenos folículos são frequentemente encontrados no fórnice inferior normal. Aglomerados
de folículos alargados e não inflamados são ocasionalmente encontrados na conjuntiva palpe-
bral inferotemporal e no fórnice de crianças e adolescentes, uma condição conhecida como
foliculose linfoide benigna (Fig. 14).
A conjuntivite folicular implica vermelhidão e folículos novos ou alargados. Os vasos cer­
cam e invadem a superfície aumentada dos folículos, mas não são notavelmente visíveis den­
tro destes. Os folículos podem ser encontrados na conjuntiva tarsal (inferior e superior) e,
menos frequentemente, na conjuntiva bulbar ou limbar. Eles devem ser diferenciados dos
cistos, produzidos pela involução epitelial tubular durante a inflamação crônica e a partir das
glândulas meibomianas distendidas.

SINAIS DE INFLAMAÇÃO CORNEANA

A inflamação pode afetar qualquer camada corneana. O padrão da inflamação corneana ou


ceratite pode ser descrito de acordo com o seguinte:
Distribuição: difusa, focal ou multifocal.
Profundidade: epitelial, subepitelial, estromal ou endotelial.
Propedêutica com Lâmpada de Fenda, Fotografia e Sinais Clínicos de Inflamação

Localização: central ou periférica.


Forma: dendrítica, disciforme etc.

A ceratopatia epitelial ponteada é um termo inespecífico que inclui um leque de alterações


biomicroscópicas a partir de alterações epiteliais ponteadas até as inflamatórias e erosivas.
As características mais importantes da inflamação estromal referem-se ao tipo de infiltra­
ção inflamatória (p. ex., supurativa, não supurativa ou necrosante) e à presença de neovasos. A
inflamação estromal corneana ativa caracteriza-se pela infiltração interlaminar de leucócitos.
As células inflamatórias vêm comumente das arcadas vasculares limbais e migram para dentro
da córnea periférica. As células podem também penetrar no estroma através do filme lacrimal
por um defeito epitelial ou, menos frequentemente, do humor aquoso inflamado na presença
de dano endotelial. Na córnea vascularizada, as células inflamatórias procedem diretamente
do sangue infiltrado e dos vasos linfáticos.
A inflamação estromal é caracterizada como supurativa ou não supurativa (Fig. 14). As vá­
rias alterações morfológicas da inflamação corneana, organizadas segundo as características
clínicas principais, ajudam no diagnóstico diferencial (Tabela IV).
A disfunção endotelial frequentemente acompanha a inflamação estromal, contribuindo
para o edema epitelial e estromal. As células endoteliais intumecidas, chamadas pseudo-
gotas inflamatórias (pseudogutata), são visíveis pela reflexão especular como áreas escuras
do padrão mosaico normal. Precipitados ceráticos são acúmulos de células inflamatórias no
endotélio corneano, originários da úvea anterior durante o curso da ceratite e/ou uveíte. A
aparência clínica dos precipitados ceráticos depende da composição:
• Fibrina e outras proteínas coagulam-se em pequenos pontos ou linhas.
• Neutrófilos e linfócitos se agregam em opacidades ponteadas.
• Macrófagos formam grandes depósitos (mutton-fat).

TABELA I C a u sa s c o m u n s d e in fla m a ç ã o c o rn e a n a

A chados E x e m p lo s

Erosão ep itelial ponteada Sínd ro m e do olho seco


Toxicidade
C erato co n ju n tivite atópica

Ceratite ep itelial ponteada C erato co n ju n tivite ep id êm ica


Ceratite epitelial por herpes sim ples
Ceratite d e T h y g e so n

Ceratite estrom al, sup urativa Ceratite bacteriana


Ceratite fúngica

Ceratite estrom al, não Ceratite estrom al por herpes sim ples
supurativa Ceratite estrom al por varicela-zóster
Ceratite intersticial luética

Ceratite periférica Infiltração m arginal por blefarite


Ceratite ulcerativa periférica causada por d oenças do tecid o co n ju n tivo
Úlcera de M ooren
92 Doenças Externas Oculares e Córnea

A inflamação pode levar à opacificação da córnea. Os ceratócitos estromais alterados pro­


duzem novas fibras colágenas desalinhadas, que formam uma densa cicatriz. Tais cicatrizes
podem, também, incorporar complexos de cálcio, lipídios e material proteico. A pigmentação
escura de uma opacidade corneana é frequentemente o resultado da incorporação de melani-
na ou sais de ferro.
Inflamação corneana pode também levar a neovascularização. Os vasos sanguíneos es­
tromais superficiais originam-se das arcadas vasculares limbais. Vasos linfáticos podem igual­
mente se formar, mas não podem ser distinguidos clinicamente. O crescimento de um tecido
fibrovascular subepitelial a partir da periferia é chamado pannus, podendo invadir a córnea em
diferentes níveis, dependendo da natureza e da localização do estímulo inflamatório. Quais­
quer vasos tendem a permanecer num plano laminar único enquanto crescem, a não ser que
ocorra uma desorganização estromal.
Leibowitz HM, Waring GO III (eds.). Corneai Disorders: Clinicai Diagnosis and Management. 2nd ed. Philadelphia: Saunders;
1998; 432-79.

SINAIS DE INFLAMAÇÃO ESCLERAL

Episclerite e esclerite podem ser nodulares ou difusas. Um filtro de luz recl-free da lâmpada
de fenda é usado para observar em qual nível os vasos sanguíneos se encontram dilatados.
As áreas de translucência aumentada são detectadas pela observação direta e também pela
transiluminação.
Utilizam-se colírios com vasoconstritores para a diferenciação de olho vermelho causado
por dilatação de vasos da conjuntiva e de vasos da episclera.

FOTOGRAFIA EXTERNA E PELA LÂMPADA DE FENDA

A fotografia da parte externa do olho é usualmente feita com uma câmera reflexiva de lente
única. Ampliações acima de 1:1 (tamanho natural) podem ser obtidas com um anel extensor
tipo fole, ou com lentes de foco aproximado. Uma câmera de 35 mm pode também ser aco­
plada, mediante um adaptador à lâmpada de fenda, mas o nível baixo de iluminação e o longo
tempo de exposição comprometem uma boa foto.
A fotografia pela lâmpada de fenda e a videofotografia permitem uma gravação permanente
da maioria das alterações do segmento anterior.
Krachmer JH, Mannis MJ, Holland EJ (eds.). Córnea. St. Louis: Mosby, 1997; 1:283-304.
Propedêutica da Córnea I:
Paquimetria, Ceratometria e
Topografia Corneana
V E R A M A S C A R O • A N A L U IS A H Ö F L IN G - L IM A

PAQUIMETRIA

O paquímetro mede a espessura corneana, que é um indicador sensível da fisiologia endote-


lial, a qual se correlaciona perfeitamente com medidas funcionais, tais como a fluorfotometria
do humor aquoso. A córnea normal tem uma espessura central de cerca de 0,52 mm e torna-se
mais espessa na zona paracentral (entre 0,52 e 0,57 mm, níveis inferior e superior) e na zona
periférica (entre 0,63 e 0,67 mm, níveis inferior e superior). A região mais fina da córnea está
cerca de 1,5 mm temporal do centro geográfico.
A paquimetria óptica pode ser realizada usando-se um dispositivo acoplado à lâmpada de
fenda, sendo, porém, pouco precisa. O paquímetro ultrassónico é tanto mais fácil de mani­
pular como mais acurado nas medidas. O aparelho baseia-se na velocidade do som na córnea
normal (1.640 m/s). A ponta aplainada deve estar perpendicular à superfície corneana, uma
vez que erros podem advir da movimentação ou inclinação da mesma. O aperfeiçoamento dos
sinais e outros métodos, como a interferometria a laser, permitem realizar o mapeamento da
espessura corneana com muito mais precisão.
A paquimetria corneana auxilia no diagnóstico das alterações que levam ao afmamento da
córnea e pode ser também usada para avaliar indiretamente a função do endotélio corneano.
Embora o verdadeiro papel da espessura corneana na avaliação da função das células endote-
liais em olhos normais seja ambíguo, alguns autores consideram que a espessura corneana é mera­
mente um parâmetro independente da córnea normal. Porém, quando existe disfunção das células
endoteliais, está bem estabelecida a correlação entre esta e o aumento da espessura corneana.
Embora a espessura corneana seja geralmente independente de outros parâmetros morfo-
métricos no olho humano normal e não mude significantemente durante a vida, há diferenças
substanciais individuais nos valores da espessura. Causas que aumentam a espessura cornea­
na incluem várias doenças do segmento anterior do olho, uso de lentes de contato, cirurgias
intraoculares.

93
94 Doenças Externas Oculares e Córnea

Quando a espessura corneana aumenta em 10%, aparecem dobras na membrana de Desce-


met; o edema epitelial secundário à alteração de função endotelial ocorre geralmente quando
a espessura corneana excede 0,70 mm. Uma espessura corneana central de mais de 0,64 mm
sugere um risco maior de edema irreversível após cirurgia intraocular.

ESTESIOMETRIA (SENSIBILIDADE PERCEPTIVA)

A estesiometria é a medição da sensibilidade corneana, uma função do ramo oftálmico do V


nervo craniano. Seu principal uso é na avaliação da ceratopatia neurotrófica. Clinicamente, a
sensibilidade corneana reduzida pode ser diagnosticada qualitativamente sem a necessidade
de instrumentos especiais, porém a estesiometria quantitativa é útil nos casos de dúvida diag­
nóstica.
A sensibilidade corneana é mais facilmente testada usando-se como comparação o olho
contralateral. Um chumaço de algodão enrolado em um aplicador apropriado é tocado leve­
mente nos quadrantes correspondentes de cada córnea. O paciente é estimulado a responder
acerca do grau de sensibilidade no primeiro olho relativamente ao outro olho, e a sensação é
anotada como normal, reduzida ou ausente em cada quadrante. Esse método pode ser usado
para detectar a maioria dos casos clinicamente relevantes de sensibilidade corneana reduzida.
O estesiômetro manual informa quantitativamente sobre a sensibilidade corneana. Esse
dispositivo contém um filamento fino, flexível e retrátil. A córnea do paciente é tocada com o
filamento estendido por inteiro em seus 6 cm. O filamento é então retraído progressivamente
a distâncias de 0,5 cm, até que se torne rígido o suficiente para permitir que o paciente sinta
seu contato. Esse comprimento final é então anotado. As leituras estesiométricas podem va­
riar com o uso contínuo da técnica, mas em geral um número mais baixo/filamento mais curto
indica sensibilidade córnea reduzida. Depois que a sensibilidade central for medida, faz-se um
mapeamento da córnea (e, algumas vezes, da conjuntiva bulbar), testando-se os quadrantes
superior, temporal, inferior e nasal sequencialmente.
Krachmer JH, Mannis MJ, Holland EJ. Córnea. St. Louis: Mosby, 1997; 1:275-81.

RETINOSCOPIA

A retinoscopia pode detectar astigmatismo irregular mostrando reflexos não lineares ou múl­
tiplos que não são completamente neutralizados com uma lente esferocilíndrica. O astigma­
tismo irregular e uma córnea multifocal podem ocorrer no ceratocone e após cirurgia cerator-
refrativa. As anormalidades encontradas com a retinoscopia podem ajudar a explicar por que
um paciente com uma córnea clara não enxerga bem.
A retinoscopia pode também revelar reflexos luminosos ininterruptos causados por dis­
túrbios da superfície corneana. Nos casos em que os achados retinoscópicos excedem as des­
cobertas que correspondem aos resultados à lâmpada de fenda, a retinoscopia pode ajudar a
escalonar o impacto relativo das alterações da superfície corneana na visão.
Krachmer JH, Mannis MJ, Holland EJ. Córnea. St. Louis: Mosby, 1997; 1:215-21.
Propedêutica da Córnea I: Paquimetria, Ceratometria e Topografia Corneana

CERATOMETRIA

A ceratometria determina a curvatura corneana pelo uso do ceratômetro. Esses aparelhos


medem a distância entre dois pontos verticais e horizontais refletidos na superfície corneana
e convertem essa medida ou raio de curvatura em milímetros ou dioptrias. Para essa interpre­
tação de medida, a córnea é opticamente simplificada como sendo um espelho esférico e pela
óptica geométrica se calcula o raio da curvatura.
Para a maioria das córneas normais, a ceratometria permite que a curvatura corneana seja
inferida com precisão suficiente para adaptação de lentes de contato ou cálculo do poder de
lentes intraoculares. A ceratometria tem utilidade limitada no astigmatismo irregular, uma vez
que as imagens ceratométricas não podem ser superpostas nem são regularmente ovais. Em
alterações como no ceratocone ou após a ceratotomia radial, as propriedades ópticas da cór­
nea podem surgir em outras zonas que aquelas medidas pela ceratometria.

TOPOGRAFIA CORNEANA

O ceratoscópio é um instrumento que reflete uma série de anéis circulares concêntricos na


superfície anterior da córnea. O aparelho é colocado frente à superfície corneana e observam-
se, através de uma abertura no centro, os anéis refletidos na córnea. A ceratoscopia tem a
vantagem de avaliar uma superfície corneana maior que a do ceratômetro; entretanto, ambos
avaliam apenas a zona intermediária, não analisando a zona central e a periferia corneana.
A topografia preserva a imagem virtual dos círculos concêntricos em foto, e a videocera-
toscopia armazena as imagens no vídeo.
A análise da topografia da córnea auxiliada por computador consiste em um videocera-
toscópio com um disco de plácido, um monitor de vídeo e um computador equipado com
programa para análise da imagem ceratoscópica. Ao longo de cada anel projetado são gerados
inúmeros pontos, que são analisados por computador, podendo-se determinar com precisão
o raio de curvatura ou o poder dióptrico da córnea. As córneas apresentam um código para a
sua interpretação, e as cores “quente” (vermelho e laranja) representam as áreas mais curvas,
e as cores “frias” (verde e azul), as áreas mais planas (Fig. 1).
A análise qualitativa da imagem ceratoscópica se inicia com o exame de artefatos como da
ponta do nariz e das sombras causadas pelos cílios, bem como do tempo de rompimento do
filme lacrimal. Três aspectos da imagem são então investigados.

R e p re se n ta ç ã o v id e o c e ra to s c ó p ic a da s u p e rfíc ie
c o rn e a n a .
96 Doenças Externas Oculares e Córnea

O formato da mira central é examinado para determinar se o astigmatismo da córnea


central é regular ou não ortogonal. Um formato arredondado ou oval indica uma superfície es­
férica ou esferocilíndrica; um formato distorcido é um sinal de astigmatismo central irregular.
O tamanho do anel central é determinado. Quanto maior o anel central, menor a potência.
O espaçamento entre os anéis é examinado, iniciando-se a partir do centro da córnea para a
periferia. Os anéis que estão muito próximos sugerem um contorno da córnea mais curvo; a
separação maior dos anéis adjacentes indica áreas mais planas.
Cerca de 66% de pacientes com córneas normais têm um padrão topográfico simétrico,
que é arredondado, oval ou no formato de gravata borboleta, como mostra a Figura 1. Os ou­
tros padrões topográficos são classificados como assimétricos, sendo o encurvamento maior
inferior ou superior e padrões assimétricos do tipo “gravata borboleta” ou irregularidades
inespecíficas.
Valores diferentes obtidos em exames seriados podem assinalar uma alteração no contor­
no da córnea se o alinhamento do olho e do instrumento for o mesmo. Os modelos de vide-
oceratoscópios computadorizados permitem ao clínico detectar variações mínimas e sutis na
distribuição dos poderes dióptricos na superfície corneana anterior.
O coeficiente de asfericidade (Q) descreve quantitativamente a forma da córnea [Holladay
JT]. O coeficiente de asfericidade de uma esfera é zero (0,00). Córneas normais são mais curvas
na região central e achatam-se ligeiramente na direção da periferia (Rabinowitz YS, Bogan SJ)
(forma prolada), e o coeficiente de asfericidade é -0,26. O valor de Q das superfícies asféricas
que se achatam na direção da periferia (forma prolada) é negativo, enquanto as superfícies
asféricas que se encurvam na direção da periferia (forma oblada) têm um coeficiente de asfe­
ricidade positivo.
Vários mapas topográficos podem ser gerados pelos topógrafos.
Holladay JT. Corneai topography using the Holladay Diagnostic Summary. J Cataract Refract Surg, 1997; 23:209-21.

Rabinowitz YS, Yang H, Brickman Y et al. Videokeratography database of normal human córneas. Br J Ophthalmol, 1996;
80:610-6.

Bogan SJ, Warning III GO, Ibrahim O et al. Classification of normal corneai topography based on computer-assisted
videokeratography. Arch Ophthalmol, 1990; 108:945-9.
Propedêutica da Córnea II:
Microscopia Confocal e
Especular da Córnea
ANA LUISA HÖFLING-LIMA • VERA MASCARO • GUSTAVO VICTOR

MICROSCOPIA ESPECULAR

Ana Luisa Höfling-Lima


Vera Mascaro

O endotélio mantém a transparência corneana por intermédio de duas funções: como uma
barreira à entrada de humor aquoso e facilitando o bombeamento metabólico. A alteração
de ambas as funções, por dano ou malformação, pode levar ao edema corneano. A permeabi­
lidade aumentada e, o bombeamento insuficiente ocorrem geralmente quando a densidade
endotelial celular é inferior a 500 céls./mm2.
O edema corneano é uma condição de homeostase anormal que resulta em excesso de
fluido dentro do estroma e/ou do epitélio. O edema agudo é frequentemente o resultado de
um efeito de barreira alterado do endotélio ou do epitélio. O edema crônico ocorre geral­
mente por uma função da bomba endotelial inadequada. O edema estromal altera a trans­
parência corneana, mas a perda visual torna-se mais crítica quando ocorrem microcistos ou
bolhas epiteliais.
Vários mecanismos traumáticos, inflamatórios e distróficos podem produzir edema cor­
neano (Tabela I). Deve-se levar em consideração a duração, a lateralidade e a presença de
doenças oculares associadas, na identificação da etiologia de base. Sinais precoces incluem a
perda de transparência difusa do epitélio, espessamento estromal, dobras estromais profun­
das (linhas de Waite-Beetham) e dobras na membrana de Descemet.

97
98 Doenças Externas Oculares e Córnea

TABELA [ C a u sa s d e e d e m a c o rn e a n o

T ip o C a u sa

A gudo Traum a (p. ex., defeito ep itelial, cirurgia intraocular)


Inflam ação (p. ex., ceratite infecciosa ou im u n o m ed iad a, rejeição ao tran sp lan te)
H ipóxia (p. ex., uso in ad eq u ad o de lentes de contato)
H idropisia por ro m p im en to da m em brana de D escem et (p. ex. ceratocone)
A u m en to da pressão in trao cu lar

Crônico Traum a ou to xicid ad e (p. ex., cirurgia intraocular)


Distrofia de Fuchs
Distrofia p olim orfa p osterior
Sín d ro m e irid oco rn eo en d o telial

Fotomicroscopia especular
Em função de as técnicas de iluminação pela lâmpada de fenda serem somente semiquantita-
tivas, os microscópios especulares eletrônicos são valiosos para avaliar e documentar o endo-
télio. A reflexão especular permite a observação do mosaico corneoendotelial. O microscópio
especular de amplo alcance pode avaliar toda a córnea, permitindo o estudo de variabilidade
regional.
A maioria das técnicas de microscopia especular implica no uso de um fotomicroscópio
acoplado ao cone de aplanação e ao fluido que os une. A transparência da camada corneana é
fundamental para a realização desse exame. Assim que o foco adequado é obtido, o mosaico
endotelial fica mais evidente (Fig. 1). O estroma e o epitélio podem também ser examinados e
fotografados. A maioria dos instrumentos tem um paquímetro óptico acoplado ao aparato fo­
cal para que a espessura corneana possa ser medida. As características do endotélio corneano
que podem ser avaliados a partir da imagem incluem:
Densidade: A densidade das células endoteliais normais decresce com a idade. Normal­
mente excedem 3.500 céls./mm2nas crianças e gradualmente declinam com a idade até cerca
de 2.000 céls./mm2nos idosos. Um valor médio para adultos é de 2.400 céls./mm2(1.500/3.500),
com um tamanho celular médio de 150 a 350 pm2. Outros parâmetros morfométricos que po­
dem ser calculados pela análise da microscopia especular, são usados para avaliar polimegatis-
mo e pleomorfismo celular.
r

Coeficiente de variação: E a área celular principal dividida pelo desvio médio da área da
célula principal, resultando num coeficiente de variação normalmente menor que 0,30. O po-
limegatismo endotelial é uma variação do aumento da área da célula.

Fig. 1 M ic ro sc o p ia e s p e c u la r c o rn e a n a .
Propedêutica da Córnea II: Microscopia Confocal e Especular da Córnea

Porcentagem de células hexagonais: A porcentagem de células com seis ápices deve al­
cançar o ideal de aproximadamente 100%. Valores menores indicam um estado de saúde dimi­
nuído do endotélio. O pleomorfismo é o aumento na variabilidade do formato celular.
O microscópio especular é uma ferramenta diagnóstica importante, especialmente para
diferenciar entidades diagnósticas difíceis ou sobrepostas, tais como a síndrome iridocorneo-
endotelial e a distrofia polimorfa posterior.
Os seguintes parâmetros do endotélio corneano podem comprometer o resultado de uma
cirurgia intraocular:
■ Baixa densidade (p. ex., menos que 1.000 céls./mm2); córneas doadas para transplante
devem ter pelo menos 2.000 céls./mm2
Alto polimegatismo (coeficiente de variação maior que 0,40).
Alto pleomorfismo (proporção de células não hexagonais maior que 50%).
American Academy of Ophthalmology. Ophthalmic procedures assessment. Corneal endothelial photography.
Ophthalmol. 1991;98:1464-8.

Krachmer JH, Mannis MJ, Holland EJ, Cornea. St. Louis: Mosby, 1997; 1:313-34.

Leibowitz HM, Waring GO III. Corneal Disorders: Clinical Diagnosis and Management. 2nd ed. Philadelphia: Saunders; 1998:
83-122.

MICROSCOPIA CONFOCAL IN V IV O DA CÓRNEA

Gustavo Victor

Introdução
O desenvolvimento do microscópio foi uma das grandes conquistas da ciência. A partir de
então, o universo microscópico pôde ser estudado diretamente. O microscópio confocal (MC)
in vivo possibilita seccionar opticamente a córnea, conjuntiva e as estruturas em que ele pode
ser empregado, não invas iva mente, in vivo, em tempo real e a nível celular.

História da microscopia confocal in vivo


O design óptico do MC é baseado no princípio de Lukosz, no qual a resolução pode ser me­
lhorada à custa do campo de visão. Marvin e Minsky desenvolveram o primeiro MC, em 1955,
para estudar redes neuronais no cérebro in vivo. Nesse MC, a luz é focada pela lente conden­
sadora em uma pequena área do tecido, com concomitante foco da lente objetiva na mesma
área. Pelo fato de ambas as lentes, condensadora e objetiva, terem o mesmo ponto focal, o
microscópio foi chamado de confocal.
Com a evolução tecnológica, o efeito limitador da difração foi acoplado aos aparelhos.
Assim, os raios de luz de um ponto luminoso passam através de um orifício (pinhole) para
iluminar uma área pequena do espécime, e, ao refletirem, são observados, através de outro
orifício. Essa técnica diminuiu a justaposição de imagens fora do foco estudado, melhorando
a qualidade da imagem e a resolução, tanto lateral (x, y) como axial (z); entretanto, ainda não
era possível “escanear” o espécime.
100 Doenças Externas Oculares e Córnea

O primeiro scanning MC (Petran, 1968; Petran, 1985), também chamado tandem scanning
confocal microscope (TSCM), usa um disco contendo milhares de orifícios (pinholes) conjugados
opticamente dois a dois (iluminador/detector). Os raios de luz atravessam um orifício ilumi-
nador, são focados no espécime por uma lente objetiva, dela refletidos para um conjunto de
espelhos, que os redirecionam para um orifício detector conjugado, que se encontra do ou­
tro lado do disco, na mesma linha vertical do primeiro, para serem observados ou filmados
(S-VCR). A rotação do disco proporciona o “escaneamento” do espécime em tempo real. Essa
propriedade de seccionamento óptico foi primeiramente demonstrada por Boyde, em 1985,
ao observar osteócitos em osso não desmineralizado e não submetido a nenhuma técnica de
processamento.
Em 1986, Lemp foi o primeiro a estudar a córnea in vitro, e seu estudo contribuiu para o
desenvolvimento do TSCM com a lente objetiva na horizontal, que o tornou apropriado para
o uso oftalmológico. Em 1990, Cavanagh foi quem primeiro estudou a córnea in vivo com a
MC. Não há aparelhos de TSCM na América do Sul. Mais recentemente, Masters e Thaer (1994)
desenvolveram uma nova variação da MC, utilizando fendas conjugadas em vez de orifícios
(scanning-slit confocal microscope - SSMC). A oscilação das fendas conjugadas proporciona o “es­
caneamento” óptico em tempo real do espécime. Os modelos ConfoScan® 1 (único de contato
e analógico), ConfoScan 2®, ConfoScan 3® e ConfoScan 4® utilizam o sistema de fendas conju­
gadas (SSMC) e são comercializados pela Nidek® (Fig. 2). Em 2001, Victor et a i realizaram os
primeiros estudos com SSCM no Brasil.
Nos aparelhos modelo ConfoScan®, há três opções para o exame da córnea: modo ma­
nual, semiautomático e automático. Os dois primeiros modos são utilizados para exame de
regiões específicas da córnea. No modo automático, há três opções: “EPI” , “ENDO” e “FULL” ,
para o exame do epitélio, endotélio e de toda a espessura da córnea, respectivamente. A ca­
beça do aparelho está montada sobre o braço robótico e possui os sistemas de iluminação,
varredura, foco e filmagem das estruturas observadas. A iluminação provém de lâmpada ha-
lógena de 100 W /12 V (8,3 A). Os raios de luz oriundos da fonte atravessam a primeira fenda
em movimento, transformam-se em scanners ou “blocos” luminosos, são refletidos por dois
espelhos para dentro da primeira metade da lente objetiva-condensadora, onde são con-
a

densados e iluminam apenas uma pequena área da córnea. A medida que as estruturas são
iluminadas, os raios de luz refletidos formam a imagem invertida das estruturas observadas
e percorrem a segunda metade da lente objetiva-condensadora. Saem de maneira paralela,
são refletidos por dois espelhos e atravessam a segunda fenda em movimento. Essa fenda

Fig. 2 ConfoScan® ( N id e k ) m o d e lo s 1, 2, 3 e 4, re s p e c tiv a m e n te .


Propedêutica da Córnea II: Microscopia Confocal e Especular da Córnea

seleciona a imagem do plano focal estudado, seccionando opticamente novamente o bloco


luminoso, que representa uma pequena área da córnea estudada. Desse modo, a imagem de
interesse se transforma em frente de onda de espessura, tamanho e largura determinada, e
então é filmada e reinvertida por uma câmera CCD de alta sensibilidade, que trabalha a 25
Hz. O movimento anteroposterior da cabeça do aparelho proporciona o estudo de todas as
camadas corneanas isoladamente.
As fendas são verticais, trabalham conjugadas à distância de 50 mm, e oscilam a 12,5 Hz.
Medem 15 mm de altura por 0,28 mm de largura e 0,3 mm de espessura. A lente padrão dos
aparelhos da Nidek é a Achroplan 40/0,75 W 8/0, que apresenta distância focal de 1,98 mm.
Essa lente corrige as aberrações cromáticas e reproduz o objeto plano como uma imagem
plana. O número 40 significa a ampliação da lente. Com a ampliação da câmera e do monitor
de 15 polegadas (1.024 x 768 pixels), o aumento total é de 500 vezes. O valor 0,75 indica
a abertura numérica (NA) da lente, que se correlaciona diretamente com a resolução axial
(z). A letra W indica que a lente foi produzida para uso na água ou gel similar (imersão). O
símbolo 8 indica que os raios da imagem saem paralelos. O número 0 indica que essa lente
é feita para uso sem o pequeno corpo, frequentemente usado em preparações permanen­
tes em microscópios convencionais. Antes de atingir o espécime, os raios UV (ultravioleta)
e IR (infravermelhos) são filtrados. A resolução lateral é de 1 j L t m e a de profundidade 5 pm.
O campo de visão de cada imagem é de 440 pm X 330 pm. Podem ser adquiridas até 350
imagens por exame.
O microscópio varre toda a espessura de uma porção da córnea, no sentido do endotélio
para o epitélio, várias vezes durante um único exame. Cada varredura completa dura aproxi­
madamente 3 segundos. As imagens são digitalizadas e analisadas pelo software ConfoScan 2.0
for NAVIS®. Os dados do paciente e as imagens obtidas são organizados pelo software NAVIS®.
As imagens gravadas são caracterizadas pela sua posição anteroposterior (eixo z) da córnea e
pela intensidade de reflexão da luz do MC.
Algumas limitações do uso da MC in vivo na córnea são: movimentação do paciente, opa­
cidades corneanas, habilidade técnica, conhecimento de microscopia, conhecimento de pato­
logia e interpretação das imagens.

Aplicações clínicas

Exame da córnea normal


No exame do epitélio superficial corneano, observam-se células epiteliais com citoplasma
grande, núcleos hiper-refletivos e aumento do espaço intercelular, enquanto, ao observar o
epitélio basal, notam-se células menores e mais juntas, com consequente maior densidade ce­
lular, logo abaixo, o plexo nervoso subepitelial. No exame do estroma corneano, observam-se
os núcleos dos ceratócitos; por fim, as características das células endoteliais (Fig. 3).
102 Doenças Externas Oculares e Córnea

C o m p a ra ç ã o e n tre as im a g e n s d o e x a m e da M C in vivo d a s d ife re n te s c a m a d a s da c ó rn e a n o rm a l


co m os da m ic ro sc o p ia ó p tic a . A c im a , o e p ité lio s u p e rfic ia l (à e s q u e rd a ) e o b asal (à d ire ita ). Na s e q u ê n c ia
p ara b a ix o : in e rv a ç ã o d o p le x o n e rv o so s u b e p ite lia l, e stro m a (n ú c le o s d o s c e ra tó c ito s em c o lo ra ç ã o b ra n ca )
e e n d o té lio .

Ceratite por Acantham oeba


A MC é uma importante ferramenta no auxílio diagnóstico da ceratite por Acanthamoeba. Com
essa ferramenta, há a oportunidade do auxílio no diagnóstico desse tipo de ceratite, que é
mais confiável quanto mais avançada se torna a infecção. Porém, nos casos mais precoces, essa
ferramenta pode prorrogar ou evitar, algumas vezes, cicatrizes corneanas devido à coleta de
material para pesquisa laboratorial e/ou a evolução do quadro, em pacientes que ainda pos­
suem 1,0 de acuidade visual.

Fig.4 C a so c lín ic o co m b io m ic ro s c o p ia d e c e ra tite p o r Acanthamoeba e c isto s à M C in vivo. A p e sq u isa


la b o ra to ria l c o n firm o u o d ia g n ó s tic o - ú ltim a fo to à d ire ita .
Propedêutica da Córnea II: Microscopia Confocal e Especular da Córnea

Cera tite fúngica


Assim como na ceratite por Acanthamoeba, a MC é uma importante ferramenta no diagnóstico
dessa patologia. Em muitos casos, é possível observar hifas e coleções fúngicas (Fig. 5).

Fig.5 C aso d e c e ra tite fú n g ic a q u e já tin h a se s u b m e tid o a d u a s c o le ta s d e m a te ria l c o rn e a n o a n te s do


e x a m e d e M C. Da e sq u e rd a p ara a d ire ita : b io m ic ro s c o p ia , e x a m e d e M C m o s tra n d o h ifas e c o le ç õ e s fú n g ic a s ,
e re s u lta d o (p ro n to a p ó s 15 d ia s) d e n o va c o le ta la b o ra to ria l re a liz a d a no m e s m o d ia do e x a m e co m M C.

Depósitos corneanos por amiodarona


Os depósitos corneanos por amiodarona e seu metabólito ativo, desetilamiodarona, resultam
da secreção destes pela glândula lacrimal, a qual depende de uma concentração no soro que
deve ser alcançada para uma excreção significativa pela glândula lacrimal. Essa condição é for­
temente relacionada à dose diária e duração do tratamento.
Empregando a microscopia confocal in vivo, observou-se que os microdepósitos epiteliais
corneanos constituem o achado mais comum da ceratopatia por amiodarona, com maior con­
centração no epitélio basal, possivelmente pela maior proximidade das células e tigh junctions
dessa região, agindo como barreira à penetração do fármaco. Verificou-se também que os mi­
crodepósitos não estão confinados ao epitélio, aparecendo em todas as camadas corneanas
quanto maior for a ceratopatia induzida. Há descrição de redução significativa da densidade
de ceratócitos no estróina anterior em casos mais avançados desse tipo de ceratite. A obser­
vação das estruturas corneanas pela MC nessa ceratopatia induzida mostrou que o epitélio
basal é o mais acometido em qualquer estágio da ceratopatia. Nos pacientes do estágio 1 à
biomicroscopia, os microdepósitos estão restritos ao epitélio superficial e basal, e, nos pa­
104 Doenças Externas Oculares e Córnea

cientes dos estágios 2 e 3, os microdepósitos afetam todas as camadas corneanas. Quanto


maior e mais avançada a ceratopatia induzida, maior o acometimento das camadas corneanas
mais profundas. A medida que a ceratopatia avança, os nervos corneanos ficam mais afilados
e tortuosos (Figs. 6 a 9).

Fig. 6 D e p ó s ito s c o rn e a n o s da c e ra to p a tia p o r a m io d a ro n a


(c ó rn e a verticillata).

E p ité lio s u p e rfic ia l co m a u m e n to da re fle tiv id a d e da m e m b ra n a c e lu la r d e a lg u m a s c é lu la s (a cim a e


à e s q u e rd a ). E p ité lio b asal co m m ic ro d e p ó s ito s d e alta re fle tiv id a d e (o u tra s 3 im a g e n s ). A s d u a s im a g e n s da
d ire ita m o stra m a a fe riç ã o do d iâ m e tro d e um m ic ro d e p ó s ito (se ta) no n íve l d o e p ité lio b asal (15 m m ).
Propedêutica da Córnea II: Microscopia Confocal e Especular da Córnea

Fig.8 N e rvo s d o p le xo n e rv o so s u b e p ite lia l: à e s q u e rd a , e x a m e d e um p a c ie n te no e s tá g io 2 e, no m e io e


à d ire ita , e x a m e s d e 2 p a c ie n te s no e s tá g io 3 da c e ra to p a tia . N o ta m -se o a c ú m u lo d e m ic ro d e p ó s ito s ao re d o r
d o s n e rv o s, o a u m e n to da to rtu o s id a d e e o a fila m e n to d as fib ra s n e rv o sa s .

Fig.9 N e rvo s p e n e tra n te s no e stro m a a n te rio r. Da e s q u e rd a p ara a d ire ita , n o te o a fila m e n to p ro g re ssiv o
d as fib ra s n e rv o sa s e n tre os p a c ie n te s no e s tá g io 1 (e s q u e rd a ), no e s tá g io 2 (m e io ) e no e s tá g io 3 (d ire ita ).

Cirurgia refrativa
A MC tem sido utilizada na cirurgia refrativa, aferindo a espessura da lamela e do estroma resi­
dual, a quantidade de ablação, a densidade e localização de partículas, avaliar a epitelização da
interface, avaliar os cortes da ceratotomia radial, avaliar a qualidade de corte da ceratomelusis,
estudar a ceratite lamelar difusa e quantificar as opacidades corneanas, mesmo que subclíni-
cas, entre outras aplicações.

Conclusão
Essa técnica oferece a possibilidade de seccionar opticamente tecidos vivos, ou in vitro, não
invasivamente e em tempo real. Imagens são obtidas de diferentes profundidades dentro de
um espécime, eliminando a necessidade de procedimentos de corte e processamento, e, dessa
forma, é possível proceder à avaliação e monitoração estrutural e biológica dos espécimes,
em nível celular e em condições mais fisiológicas, nas quatro dimensões: x, y, z e t (tempo).
A MC é uma importante ferramenta no estudo de toda a superfície ocular, especialmente
a córnea, contribuindo no diagnóstico das patologias da superfície ocular, estudo anatômico
e funcional dessas estruturas, assim como no estudo da interação da superfície ocular com
fatores externos, que vão desde cirurgias a depósitos por fármacos nessa superfície.
106 Doenças Externas Oculares e Córnea

Fig. 10 In te rfa c e a p ó s L A S IK . À e s q u e rd a : in te rfa c e no s e x to m ê s p ó s-o p e ra tó rio : a u m e n to da re fle tiv id a d e


e a u s ê n c ia d e c e ra tó c ito s . No m e io : re p o v o a m e n to da in te rfa c e p o r c e ra tó c ito s a tiv a d o s (1 se m a n a pós-
o p e ra tó rio ). À d ire ita : in te rfa c e no s e x to m ês p ó s-o p e ra tó rio co m p a rtíc u la s na in te rfa c e e d im in u iç ã o do
b rilh o d o s c e ra tó c ito s e da re fle tiv id a d e .

Fig. 11 M C na c e ra tite la m e la r d ifu sa (D L K ). Na h o riz o n ta l, d e c im a p ara b a ix o : D L K 1, D L K 2, D L K 3 e D L K


g rau 4 . No D L K 1, o b se rv a -s e u m a p re d o m in â n c ia d e in filtra d o s d e p o lim o rfo n u c le a re s d ifu so s (se ta s). No D L K
2, há u m a a g lo m e ra ç ã o d e sse s p o lim o rfo n u c le a re s (à e s q u e rd a ) e im a g e n s em fo rm a d e a g u lh a s , d e s c rito s
c o m o in fla m a ç ã o d o s c a m in h o s p e rc o rrid o s p e lo s p o lim o rfo s. No D L K 3, há d im in u iç ã o d o n ú m e ro d e p o li­
m o rfo s e te n d ê n c ia ao a p a re c im e n to d e c ic a triz e s c o rn e a n a s . No D L K 4 , há a u s ê n c ia q u a se to ta l d o s p o lim o r­
fo s (q u e p o d e m a p a re c e r em a lg u m a s á re a s da c ó rn e a ) e p re se n ç a m a is m a rc a n te d as c ic a triz e s c o rn e a n a s .
Propedêutica da Córnea II: Microscopia Confocal e Especular da Córnea

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Propedêutica do Segmento
Anterior: Tomografia e
Biomicroscopia Ultrassónica
VERA MASCARO • ANA LUISA HÖFLING-LIMA

CONCEITOS EM TOMOGRAFIA DO SEGMENTO ANTERIOR

Até recentemente, a maioria das informações conhecidas sobre o segmento anterior do olho
eram obtidas com a utilização das técnicas convencionais de gonioscopia, biomicroscopia,
paquimetria e biometria.

CONCEITOS DO SISTEMA SCHEIMPFLUG

Em geral, nas câmeras fotográficas convencionais o plano do objeto a ser fotografado é para­
lelo ao plano da imagem. O sistema Scheimpflug é uma técnica que possibilita o registro foto­
gráfico da imagem de um objeto localizado em um plano não paralelo ao plano do filme, com
suficiente profundidade de foco, por meio da indução de uma inclinação no plano da imagem.
Essa técnica teve seus princípios inicialmente descritos por Jules Carpentier, em 1901, e, pos­
teriormente, aprofundados e patenteados por Theodor Scheimpflug, que empresta seu nome
à técnica, em Viena, no ano de 1904.
O princípio de Scheimpflug determina que a inclinação do plano do objeto que favorece
o melhor foco é aquela que intersecta o plano da lente e o plano da imagem em uma única
linha. A utilização do sistema Scheimpflug na Oftalmologia permite a análise segmentar da
porção anterior do olho em planos sagitais, da superfície anterior da córnea à face posterior
do cristalino, possibilitando a obtenção das medidas e distâncias reais entre as estruturas, e a
quantificação dos meios analisados quanto à transparência.
Há diversos aparelhos que utilizam o sistema Scheimpflug atualmente; entre os mais di­
fundidos estão as câmeras Topcon SL-45, Zeiss SLC e Nidek EAS-1000, e, mais recentemente,
o Galilei e o Pentacam.

109
110 Doenças Externas Oculares e Córnea

PENTACAM

O Pentacam (Oculus) utiliza uma câmera rotatória dotada do princípio de Scheimpflug, que
obtém múltiplas fotos, construindo imagens tridimensionais do olho e calculando as medidas
do segmento anterior.
Com o uso do Pentacam podemos obter: 1) imagens detalhadas da superfície anterior da
córnea até a face posterior do cristalino; 2) medidas do ângulo, volume e profundidade da
câmara anterior; 3) mapa paquímetro e dados densiométricos de opacidades da córnea e do
cristalino, que podem ser exibidos graficamente ou quantitativamente; 4) mapas topográficos
de elevação das superfícies anterior e posterior da córnea, e o mapa retrativo; e 5) caracterís­
ticas corneanas, como excentricidade, astigmatismo e raio de curvatura central.
O Pentacam utiliza uma técnica de não contato para obtenção das informações. O instru­
mento possui uma fenda central e uma câmera periférica, e, com uma rotação de 360°, são
obtidas imagens em diversos medianos. Podem ser escolhidas três técnicas para a realização
do exame, com obtenção de 15,25 ou 50 imagens. A duração total do exame varia de 0,5 a 2
segundo. Durante a obtenção das imagens, o aparelho monitora os movimentos oculares em
um sistema eye tracking, característica que aumenta a precisão na determinação das medidas,
entre outras estruturas, da superfície posterior da córnea.

GALILEI

O Galilei (Ziemer Ophthalmic Systems) é um sistema para avaliação topográfica da córnea e


análise tridimensional da câmara anterior do olho, baseado em um sistema que alia informa­
ções obtidas por meio de um sistema Scheimpflug duplo e do disco de Plácido. O sistema
Scheimpflug do Galilei obtém imagens em sentido contrário à fenda, sendo as informações de
áreas correspondentes utilizadas, juntamente com as obtidas por meio do disco de Plácido,
para construção dos mapas e obtenção de outros valores. A utilização do disco de Plácido tem
como proposta aumentar a acurácia na determinação do poder corneano central.

ARTEMIS

O Artemis 2 VHF Digital Ultrasound Eye Arc-Scanner (Ultralink LLC, St. Petersburg, FL), utilizan­
do o ultrassom de alta frequência e processamento digital, foi desenvolvido com a proposta
de aperfeiçoar o diagnóstico anatômico para o planejamento cirúrgico e acompanhamento
pós-operatório de cirurgias do segmento anterior. A resolução do Artemis, quando utilizado
para analisar a córnea, é suficiente para individualizar as suas camadas, como o epitélio cor­
neano, o flap corneano e estroma residual em pós-operatórios de LASIK. Mesmo anos após o
procedimento cirúrgico, o Artemis é capaz de detectar as interfaces das lamelas, a despeito
da existência de transparência óptica total. Ele utiliza um transdutor de 50 MHz (faixa de 10
a 60 MHz), através de um arco de raio ajustável, que segue o contorno da estrutura analisada,
as imagens são adquiridas. Uma vez obtidas as imagens, elas são digitalizadas e processadas,
e o que aumenta a resolução e a precisão do método, quando comparado com processamento
analógico convencional.
Propedêutica do Segmento Anterior: Tomografia e Biomicroscopia Ultrassónica

Apesar de ser uma técnica de não contato, o Artemis precisa de um meio para propagação
do ultrassom, sendo dotado de um mecanismo de imersão reversa. Com o paciente sentado,
ajusta-se o olho a ser estudado em uma espécie de recipiente semelhante a óculos de mergu­
lho, contendo o meio adequado para propagação do som.
A utilização de ultrassom para estudo da câmara anterior tem como principal vantagem
o fato de não ser influenciado por meios opacos, como o corpo ciliar e a íris, o que permite a
análise das áreas localizadas posteriormente a essas estruturas. A utilização do Artemis pode
ser particularmente útil para o planejamento pré-operatório em implante de lente intraocular
em olhos fácicos, e no planejamento pré-operatório e tratamentos primários e retratamentos
nas cirurgias refrativas, bem como no acompanhamento pós-operatório e de outras situações.
Apesar da capacidade de analisar as mesmas estruturas, os instrumentos ópticos e os basea­
dos no ultrassom de alta frequência, devido aos diferentes princípios e características, podem
funcionar como tecnologias complementares, com indicações específicas em uma séria de
situações.

TOMOGRAFIA DE COERÊNCIA ÓPTICA (OCT)

A tomografia de coerência óptica (OCT) tem sido empregada cada dia mais para o estudo de
doenças e da anatomia cirúrgica do segmento anterior, especificamente na biometria da câ­
mara anterior, paquimetria corneana, avaliação do ângulo e obtenção de imagens em secções
transversas de alta resolução.
Os princípios da OCT podem ser comparados aos princípios de um exame ultrassonográfi-
co, uma vez que as duas técnicas geram imagens baseadas na reflexão da estrutura estudada,
mensurando o eco obtido a um estímulo específico. Na ultrassonografia, o atraso no retorno
do sinal do ultrassom é mensurado diretamente. Como a velocidade da luz é muito maior que
a velocidade do som, na OCT, o atraso no retorno da luz refletida é determinado indiretamente
pelo método da interferometria de baixa coerência.

VISANTE

O Visante (Cari Zeiss Meditec) é uma OCT, baseada na tecnologia Time-Domain OCT (TD-OCT),
r

desenvolvida para estudo do segmento anterior do olho. E um aparelho de fácil utilização e


alta resolução e, particularmente, útil para estudo dinâmico do olho, possuindo a capacidade
de oferecer um estímulo acomodativo para o olho estudado. O Visante é um aparelho de não
contato e, pelo princípio envolvido no seu funcionamento, apresenta uso potencial em diver­
sas situações, como avaliar a acomodação, medir o ângulo do seio camerular em portadores
de glaucoma de ângulo estreito, medir a espessura do flcip e do estroma residual em pacientes
submetidos a LASIK, candidatos a retratamento, e como uma ferramenta para medida das di­
mensões da câmara anterior para implante de lente intraocular em olhos fácicos, auxiliando a
aprimorar os critérios de seleção e aumentar as chances de sucesso nessas situações.
Apesar de a utilização do Visante para estudo das relações anatômicas do segmento an­
terior ser possível mesmo na presença de opacidades corneanas, o comprimento de onda
112 Doenças Externas Oculares e Córnea

utilizado no exame (1.310 nm) é bloqueado por pigmentos, impedindo o estudo de regiões
localizadas atrás da íris, o que representa uma limitação do método.
O método da espessura da córnea em toda a extensão do tecido, o estudo de opacidades
e suas localizações, alterações da câmara anterior, bem como sua dimensão, a anatomia de íris
podem ser facilmente documentadas com essa tecnologia.

RTVUE
r
E uma OCT baseada na tecnologia Fourier-Domain (FD-OCT). Possui velocidade e sensibilidade
muito maiores comparada à tecnologia TD-OCT.
RTVue FD-OCT captura 26.000 scans axiais por segundo, que é 260 vezes mais rápido do
que OCT 1 e 13 vezes mais rápido do que o Visante.
O RTVue captura uma imagem de 1.000 linhas em 0,04 segundo, enquanto o OCT 1 captu­
ra uma imagem de 100 linhas em 1,00 segundo e o Visante (TD-OCT) captura uma imagem de
512 linhas em 0,26 segundo. Assim, o efeito do movimento ocular na medida deve ser menor
com FD-OCT.
Além disso, RTVue-CAM tem uma geometria telecêntrica que reduz a distorção da ima­
gem no segmento anterior. O RTVue-CAM também possui programa que remove a distorção
da imagem devido à diferença do índice ar-tecido e permite calibração apropriada e medida
das estruturas do segmento anterior. Somando-se a isto, o RTVue-CAM tem um maior poder
resolutivo (5 jli) do que o sistema OCT anterior.
Zhou etal. Reproducibility of tear meniscus measurement by Fourier-Domain Optical Coherence Tomography: a pilot
study. Ophtahlmic Surg Lasers Imaging. 2009; 40(5):442-7.

ORBSCAN

As tentativas para determinar as medidas e características da córnea datam do século XVII,


quando Scheier comparava os reflexos produzidos por esferas de diâmetro conhecidos com os
reflexos produzidos pela córnea.
O principal método disponível para estudo da córnea atualmente é baseado no disco de
Plácido, que, associado a uma análise computadorizada, tornou-se um exame muito comum
na prática oftalmológica. A utilização do disco de Plácido apresenta, como limitação, a análise
à superfície anterior da córnea que utiliza como artifício para compensar a influência da super­
fície posterior da córnea, um índice de refração conhecido como índice refratométrico, e que
difere do índice de refração real da córnea. Outra limitação da utilização do disco de Plácido é
o fato de que esse método não mede diretamente o real formato ou elevação corneana.
O princípio do Orbscam, inicialmente, baseava-se exclusivamente na mensuração da dimen­
são de fendas de luz projetadas na córnea. Posteriormente (Orbscam II), a reflexão corneana
gerada a partir dos discos de Plácido foi associada ao princípio das fendas de luz, com o objetivo
de obter as vantagens de cada método, o que aparentemente aumentou a reprodutibilidade e
a precisão do exame. A topografia de rastreamento em fenda combina a tecnologia derivada da
reflexão do disco de Plácido com a análise de imagens reais de secções ópticas corneanas.
Propedêutica do Segmento Anterior: Tomografia e Biomicroscopia Ultrassónica

A última atualização do aparelho (Orbscam IIz) é integrada com um aberrômetro e permite


auxiliar na programação das ablações personalizadas.
O Orbscan rastreia o olho usando um sistema de fendas de luz, do tipo Scheimpflug, pro­
jetado em um ângulo de 45°, método conhecido como triangulação.
Vinte fendas são projetadas no olho sequencialmente, da direita para a esquerda, e outras
20 da esquerda para a direita, em um total de 40 fendas, que resultam em 240 pontos por fenda,
com um total de 9 mil pontos para cada superfície. Esses pontos são utilizados para construir
mapas topográficos que dão informação sobre elevação das superfícies anterior e posterior da
córnea, espessura corneana (paquimetria) e profundidade da câmara anterior. Para os mapas de
elevação, os pontos medidos em cada área da superfície corneana são comparados aos de uma
superfície de referência criada pelo computador para esse olho (Best Fit Sphere ou BFS).

ANGIOGRAFIA FLUORESCENTE DO SEGMENTO ANTERIOR

A angiografía fluorescente do segmento anterior tem sido usada para estudar a dinâmica circu­
latória dos vasos sanguíneos: bulbar, conjuntival, episcleral, escleral e iriano, tanto nos casos
normais quanto nos alterados. Essa técnica é desenvolvida usando uma câmera acoplada à
lâmpada de fenda equipada com um suprimento de energia para fotografia de fundo fluores­
cente para alta velocidade em série. Essa técnica raramente é usada na clínica e parece ser
mais valiosa na avaliação de pacientes que tenham áreas de não aspersão vascular, como na
esclerose nécrosante e algumas formas de irite.

ECOGRAFIA DO SEGMENTO ANTERIOR

A imagem ultrassónica oftálmica é baseada na emissão de um pulso acústico e recepção desse


pulso após ter sido refletido pelos tecidos oculares.
A melhor qualidade e resolução das imagens são obtidas pelo transdutor de 50 MHz, mas
o campo do scan é limitado a 5x5 mm2. UBM de alta frequência provê imagens de alta resolu­
ção com uma resolução axial de 25 jum e resolução transversa de cerca de 50 jum. Tem uma
profundidade de penetração de 5 mm no tecido e pode atravessar meio opaco.
A ecografía do segmento anterior é ocasionalmente usada para detectar corpos estranhos
e a extensão de traumas, para avaliar a íris e tumores no corpo ciliar e na determinação da
posição do cristalino ou das lentes intraoculares. Deve-se usar uma técnica de imersão, a qual
implica a inserção de uma pequena lente entre as pálpebras, preenchendo-a com metilcelulo-
se. Essa técnica pode ser usada para examinar a córnea, a câmara anterior, a íris, o cristalino,
os espaços atrás do cristalino ou da íris, e o corpo ciliar pelos métodos de esquadrinhamento
A e B. O método de observação B, chamado biomicroscopia ultrassónica, favorece uma alta
resolução no exame das estruturas do segmento anterior.
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Clínica de Doenças
Externas e da Córnea
Epidemiologia das
Doenças Externas Oculares
Epidemiologia das Doenças
Externas Oculares

MARINHO JORGE SCARPI

Epidemiologia é o estudo da ocorrência, distribuição e determinantes das doenças em grupos


humanos. Além dos assuntos científicos, ela abrange também os administrativos de serviços
de saúde, os ambientais, os nutricionais, os sociais e outros assuntos. Fornece informação
para as tomadas de decisões na área da Saúde Pública.
Leucoma corneai constitui a segunda causa do número global estimado de pessoas cegas,
que é de 45 milhões, e dos 135 milhões de portadores de déficit visual grave em ambos os
olhos. Informações sobre a problemática da cegueira não incluem a baixa de visão unilateral
que as úlceras corneais e trauma têm como suas principais causas. Ênfase maior é dada à
catarata pela maior prevalência (muito próxima da metade dos casos de cegueira) e cosmo­
politismo. Doenças corneais como segunda causa de cegueira são negligenciadas por muitos
programas de prevenção, apesar de responderem por cerca de 33% dos casos.
A epidemiologia das doenças externas oculares é muitas vezes discordante, por ser ge­
ográfica e endemicamente dependente. A diversidade de causas infecciosas e inflamatórias
que podem comprometer a transparência corneai complica a disponibilidade de informação
adequada para tomada de decisão em programas de atenção à saúde ocular. No grupo das do­
enças corneais como causa global de cegueira, as mais frequentes são tracoma, oncocercose,
hanseníase, oftalmia neonatal e xeroftalmia. No Brasil, a maior consistência dos dados ocorre
para o tracoma e para a hanseníase devido aos grupos de estudos e pesquisas bem formados.
Tracoma é descrito como causa de cegueira em comunidades da Região Nordeste (prevalência
de 1% de opacidade corneai) e merece vigilância em muitas outras áreas dessa região e em
outras regiões, devido à prevalência do quadro cicatricial da doença em faixas etárias mais jo ­
vens e à maior expectativa de vida. A oncocercose aparece em informações de poucos estudos
transversais isolados na Região Norte e em comunidades indígenas exclusivas, descritivos e
não dirigidos à cegueira. Oftalmia neonatal e xeroftalmia, por não serem de notificação com­
pulsória, têm seus raros dados observacionais falhos para o reconhecimento como problema

119
120 Doenças Externas Oculares e Córnea

nacional da saúde ocular. No Brasil é importante considerar as lesões corneais causadas pela
hanseníase como causa de deficiência visual devido à alta prevalência dessa doença. A pre­
valência da hanseníase tem diminuído globalmente devido às ações dos programas de saúde
pública, especialmente a distribuição de medicamentos para tratamento. Mycobactehum leprcie
é o microrganismo que prolifera principalmente nas partes frias do corpo, por isso raramente
afeta o segmento posterior do bulbo ocular. A ceratite intersticial ocorre por invasão direta do
microrganismo, mas o que é mais comumente encontrado são as lesões corneais secundárias
à exposição pelo lagoftalmo e pela perda da sensibilidade. Essas lesões oculares promovem
deficiência visual grave em cerca de 250 mil pessoas no mundo.
Déficit visual monocular grave ocasionado por cicatriz corneai foi encontrado em cerca de
6% de uma população de idosos da cidade de São Paulo (Araújo, 2006).
Dados sobre a ocorrência e a distribuição das doenças externas oculares aparecem no
Brasil em investigações individuais realizadas em populações escolhidas por conveniência,
principalmente sobre a demanda de pacientes em serviços de referência, não fazendo parte
de um registro nacional que permita conhecer a epidemiologia delas.
Ceratites infecciosas ocorrem predominantemente em países em desenvolvimento e tro­
picais, onde os fatores de risco estão mais presentes, facilitando o seu aparecimento.
Entre esses fatores, destacam-se: as condições climáticas, que facilitam o desenvolvimen­
to e a diversidade de microrganismos; e o baixo desenvolvimento socioeconômico, que não
promove de forma adequada a saúde, dificulta a assessibilidade aos serviços de saúde no
tempo seguro para receber a atenção, favorece o envolvimento das pessoas em atividades de
maior risco, não oferece as condições sanitárias necessárias e outros.
O trauma é o principal fator desencadeante das ceratites infecciosas nos países com baixo
desenvolvimento socioeconômico, enquanto, nos economicamente mais favorecidos, é o uso
de lentes de contato.
No Brasil, a causa bacteriana de infiltrado corneai foi encontrada em 7,33% dos casos
registrados em serviço de referência (Sacramento et a/., 2005). Ocorreu a associação dessas
ceratites bacterianas com: uso de lentes de contato (27,2%), trauma ocular (25%), alterações
de superfície ocular (blefarite, ceratoplastia penetrante e perfuração da córnea) e doenças sis­
têmicas (diabetes, artrite reumatoide, alcoolismo e infecção por AIDS. Cocos Gram-positivos
foram responsáveis por mais de 50% desses casos; bacilos Gram-negativos, por cerca de 35%; e
bacilos Gram-positivos, por 16,3%.
O patógeno mais isolado foi o Staphylococcus coagulase-negativo (26,7%). Lentes de conta­
to mostraram-se como o maior risco para ceratites bacterianas.
Na Bélgica, entre 1998 e 2003, dos 100 casos de úlceras de córnea que necessitaram in­
ternação para tratamento, 100% eram de usuários de lentes de contato e, destes, 87% usavam
lentes gelatinosas. Pseiiclomoncis sp. foi responsável por 65% dessas infecções (o parasita Acan-
thamoeba, por 18%). Ocorreu perda de visão igual a 4 linhas da tabela de Snellen, 18% necessi­
taram de transplante de córnea e 1%foi eviscerado (Verhelst et a i, 2005).
Em serviço de referência em São Paulo, a causa micótica das ceratites ocorreu em 12,8%
dos registros e a parasitária em 16,3% (Sacramento et a/., 2005).
A causa virai das ceratites predominante é o herpes simples. Nos EUA, cerca de 29.000
pessoas com ceratite herpética apresentam, em média, dois episódios anuais de recorrência.
Essas pessoas recebem tratamento supressivo com aciclovir oral com custo de US$ 8.532 por
Epidemiologia das Doenças Externas Oculares

recorrência evitada em um total anual aproximado de US$ 17,7 milhões. A validade dessa con­
duta é questionada, pois o custo cairia pela metade, se a profilaxia antiviral fosse mais efetiva,
e em cerca de 20%, se o risco de recorrência fosse maior; a efetividade é a mesma se tal con­
duta for assumida para qualquer caso de doença ocular prévia pelo herpes simples (Lairson et
al., 2003).
Conjuntivite é a doença ocular mais comum, resultante de inúmeras causas: simples irri­
tações por poluentes do ar; toxicidade por mediações tópicas, alergias; infecções bacterianas,
virais, micóticas e parasitárias; queimaduras por agentes físicos e químicos; e o comprometi­
mento por doenças sistêmicas e da superfície ocular, incluindo olho seco.
Os agentes bacterianos são os mais frequentes. Staphylococcus aureus é a causa predomi­
nante.
A conjuntivite aguda bacteriana não grave tem como agentes mais frequentes 5. aureus, S.
pneumoniae, Haemophilus sp. e Moraxella sp. A conjuntivite bacteriana aguda grave tem Neisseria
sp. e Haemophilus influenzae como agentes mais frequentes.
Entre as causas crônicas de conjuntivite bacteriana, o Staphylococcus aureus também predo­
mina e Chlamydia trachomatis é o segundo microrganismo prevalente (tracoma e paratracoma).
Chlamydia trachomatis é também a principal causa de oftalmia neonatal. Agentes menos
frequentes da oftalmia neonatal são: Staphylococcus sp., Streptococcus sp., Haemophilus sp., Neis­
seria gonorrhoeae e herpes simples. Ocasionalmente pode ocorrer associação de agentes.
Nas conjuntivites virais, o adenovirus é o agente mais frequente. Na França, um surto de
conjuntivite adenoviral custou a um hospital cerca de US$ 29.527, sendo $ 1.085 com despe­
sas médicas, $ 8.210 com investigações, $ 3.048 com medidas preventivas e $ 17,184 com a
perda de produtividade (Piednoir et al., 2002). Herpes simples raramente é reconhecido como
causa de conjuntivite; não estando associado a lesões palpebrais herpéticas, é confundido
com adenovirus. Na rara oportunidade de observar uma úlcera conjuntival rasa sem sinais
inflamatórios ao seu redor, o herpes simples deve ser o primeiro diagnóstico. Varicela-zóster
tem o diagnóstico facilitado pelo quadro sistêmico. Outros agentes virais de conjuntivite são:
vírus Epstein-Barr, citomegalovírus, vírus Molluscum contagiosum e vírus RNA são agentes.
O homem é mais acometido por conjuntivite provocada por alergia nas cinco primeiras déca­
das de vida (6:4) (Marback et al., 2007). As formas primaveril e atópica são responsáveis por cerca
de 78% dos casos, na mesma proporção. Os pacientes com a forma atópica apresentam alergia
extraocular com maior frequência (91,25%) do que aqueles com a forma primaveril (32,5%).
Olho seco tem prevalência estimada em 5 a 15% da população em geral, sendo mais co­
mum em idades avançadas e no sexo feminino.

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o
*< Doenças Infecciosas
U"
Infecções Bacterianas

LUCIENE BARBOSA DE SOUSA • ANA LUISA HÖFLING-LIMA

BLEFARITE ESTAFILOCÓCICA

Patogênese: blefarite é causa frequente de irritação ocular externa. A etiologia da blefarite


pode ser infecciosa (causada normalmente por Staphylococcus aureus), inflamatória (blefarite
seborreica ou por secreção anormal das glândulas meibomianas) ou mista. O termo blefarite
estafilocócica normalmente é utilizado quando o fator predominante é a infecção bacteriana
palpebral. Blefarite seborreica e por disfunção meibomiana quando a irritação é causada pela
presença de secreção oleosa anormal crônica.
Quadro clínico: a blefarite estafilocócica atinge mais os indivíduos jovens. Sintomas fre­
quentes são queimação, sensação de corpo estranho, prurido e presença de crostas nas pál­
pebras. Os sintomas são mais intensos pela manhã, melhorando durante o dia, provavelmente
pela dispersão da secreção da margem palpebral acumulada durante a noite.
Os sinais clínicos incluem a presença de crostas e escamas na borda anterior da pálpebra,
que podem formar colaretes em volta dos cílios. Em certos casos, quando as crostas são remo­
vidas, pode ser notada a presença de ulceração por baixo. A ocorrência de madarose (perda
ciliar) também é comum nos casos crônicos.
Tratamento: consiste em higiene palpebral, antibióticos e anti-inflamatórios. Uma das me­
didas mais importantes é a realização da higiene palpebral com uso de água morna e xampu
neutro (diluído 1 para 2) que ajuda na diminuição da colonização bacteriana e na remoção da
secreção e crostas. Essa higiene consiste na limpeza mecânica da base dos cílios com cotone-
te, gaze ou mesmo a ponta dos dedos. Existem produtos prontos para realizar essa higiene.
O uso de antibiótico é indicado nos casos mais graves e crônicos, e, como o tratamento
muitas vezes é longo, o ideal é utilizar antibióticos de espectro de ação específico para Sta­
phylococcus sp., evitando-se toxicidade e desenvolvimento de resistência bacteriana. Pomadas
com antibiótico, como bacitracina, sulfacetamida ou eritromicina são indicadas, sendo pres­
critas para aplicação à noite, ao deitar, durante 20 a 30 dias.

125
126 Doenças Externas Oculares e Córnea

Os colírios de corticoide devem ser utilizados com parcimônia e nos casos mais graves, e,
uma vez obtido o controle da inflamação, devem ser retirados de maneira gradativa. O pacien­
te deve ser alertado dos riscos do uso crônico e sem controle da cortisona, como glaucoma,
catarata e infecção secundária.

CONJUNTIVITE BACTERIANA EM CRIANÇAS E ADULTOS

Patogênese: conjuntivite bacteriana é relativamente incomum, sendo a viral a etiologia infec­


ciosa mais frequente. A fonte da infecção pode ser por contato direto com indivíduo infecta­
do ou por microrganismos presentes na própria conjuntiva e mucosas das vias respiratórias
superiores.
Normalmente, a conjuntivite bacteriana é autolimitada, raramente atingindo a córnea,
com exceção de bactérias muito virulentas, como a Neisseria gonorrhoeae e N. meningitidis. No
caso da N. meningitidis existe até o risco de vida secundário a meningite.
Quadro clínico: o diagnóstico deve ser suspeitado quando a hiperemia ocular é acompa­
nhada de secreção purulenta. Pode ser acompanhada de quemose, fotofobia e dor discreta.
Dependendo da virulência bacteriana, a conjuntivite pode ser hiperaguda (< 24 h) ou ter um
início mais insidioso (Quadro 1).

QUADRO 1 C la s s ific a ç ã o c lín ic a d as c o n ju n tiv ite s b a c te ria n a s

Início Graduação Microrganismos


H iperaguda (24 h) Intensa Neisseria gon orrhoeae
Neisseria m eningitidis

Subaguda ou aguda M oderada-intensa H aem ophilus influenzae biotipo III *


(24 horas a 7 dias) H aem ophilus influenzae
Streptococcu s pn eu m on iae
Staph ylococcu s aureus

Crônica (dias a sem anas) M oderada-leve Staph ylococcu s aureus


M oraxella lacunata
Proteus sp.
P seudom onas sp.
En terobacteriaceae

*Anteriormente referido como H a e m o p h ilu s a e g y p tiu s .

Conjuntivite gonocócica
Caracterizada por ser uma conjuntivite purulenta hiperaguda causada por Neisseria gonor­
rhoeae (mais frequentemente) e N. meningitidis, com produção maciça de secreção purulenta,
quemose intensa e edema palpebral. Pode causar linfadenopatia pré-auricular e membrana
conjuntival. Sem tratamento, pode evoluir para ceratite (ocorre em 15 a 40% dos casos), com
necrose corneana e perfuração.
A conjuntivite por N. gonorrhoeae é considerada uma doença sexualmente transmitida,
resultado de transmissão direta secreção genital-olho, secreção genital-mão-olho ou conta­
Infecções Bacterianas

minação via canal de parto da mãe para o recém-nascido. Quando o agente envolvido é a N.
meningiticlis, a notificação à vigilância sanitária deve ser imediata, para que todas as medidas
de controle de disseminação da doença sejam tomadas.
O tratamento deve ser sempre sistêmico, tópico adjuvante. Na conjuntivite gonocócica
sem acometimento corneano, é indicado o uso de única dose de 1 g de ceftriaxona IM. Outra
opção é o uso de penicilina G, 4,8 milhões de unidades IM divididas em 2 doses aplicadas em
duas áreas diferente associada a 1 g de probenecida VO antes da injeção. Nos casos com aco­
metimento corneano, o ideal é a internação com aplicação de ceftriaxona EV (1 g de 12/12 h)
durante 3 dias.
Deve ser realizada irrigação constante do fundo-de-saco conjuntival com solução salina
para remoção de células inflamatórias, enzimas e debris celulares que podem contribuir para
a necrose corneana. Associa-se também uso de pomadas de gentamicina, eritromicina ou ba-
citracina ou colírio de fluoroquinolona.
Como é frequente a infecção concomitante por Chlamyclia (até 33% dos casos), é indicado
o tratamento suplementar desses pacientes (ver Conjuntivite por Chlamyclia).

CONJUNTIVITE BACTERIANA AGUDA

A conjuntivite aguda é caracterizada por ter duração de até 3 semanas e, normalmente, ser
autolimitada. Os agentes etiológicos mais comuns são Streptococcus pneumoniae, Staphylococcus
aureus e Haemophilus influenzae, Staphylococcus coagulase-negativo.
Pacientes apresentam hiperemia ocular com secreção mucopurulenta, referindo acordar
com as pálpebras grudadas pela manhã. Ao exame, nota-se reação conjuntival papilar, não se
encontrando adenopatia pré-auricular. Petéquias conjuntivais podem ser encontradas princi­
palmente nas infecções por Streptococcus pneumoniae e Haemophilus sp.
A infecção por Streptococcus pneumoniae é uma das mais frequentes, podendo levar à for­
mação de membranas inflamatórias, sendo o acometimento corneano incomum.
A conjuntivite por Haemophilus influenzae é relativamente comum em crianças abaixo de 5
anos e normalmente é mais grave que a causada por Streptococcus pneumoniae, podendo estar
associada à otite média.
Staphylococcus aureus pode causar blefaroconjunvite, e a secreção tende a ser mais seropu-
rulenta do que mucopurulenta.
A respeito da realização de exames laboratoriais nas conjuntivites, estes são recomenda­
dos na conjuntivite neonatal ou conjuntivite grave, não responsiva. O tratamento é convencio­
nal para algumas conjuntivites crônicas.
O tratamento, na maioria dos casos de conjuntivite bacteriana, pode ser empírico com
utilização de antibióticos tópicos de amplo espectro, tais como tobramicina, fluoroquinolonas
de segunda ou quarta geração e cloranfenicol. O tratamento deverá ser feito com instilação de
1 gota 6 a 8 vezes/dia durante 7 a 10 dias. O tratamento sistêmico com ampicilina (50 a 100
mg/kg/dia VO) está indicado nas conjuntivites por Haemophilus em crianças, devido ao risco de
infecção sistêmica.
128 Doenças Externas Oculares e Córnea

CONJUNTIVITE BACTERIANA CRÔNICA

A blefaroconjuntivite estafilocócica é uma das causas mais frequentes de conjuntivite crônica


(duração > 3 semanas). Normalmente, o microrganismo coloniza a borda palpébral e induz
reações conjuntival e corneana pelas toxinas liberadas e pela resposta imunológica do hospe­
deiro.
Moraxella, bacilo G, pode causar conjuntivite folicular crônica, teoricamente por uma rea­
ção alérgica do hospedeiro, e blefaroconjunvite angular, que se caracteriza por uma ulceração
do canto palpébral, mais frequentemente lateral.

CONJUNTIVITE BACTERIANA NEONATAL

As causas mais frequentes de conjuntivite bacteriana neonatal, em ordem decrescente de


incidência, são: Chlamydia trachomatis, Streptococcus viridans, Staphylococcus aureus, Haemo­
philus influenzae, Streptococcus do grupo D, Moraxella catarrhalis, Escherichia coli e Neisseria
gonorrhoeae.
A conjuntivite por Chlamydia em neonatos se caracteriza pela ausência de reação folicular
devido à imaturidade linfocitária da conjuntiva neonatal. Ao exame, apresenta-se com uma
secreção mucopurulenta, que pode apresentar pseudomembranas. Pneumonite por Chlamydia
pode ocorrer em 10 a 20% dos casos, sendo, portanto, indicada associação de tratamento
sistêmico com eritromicina (12,5 mg/kg VO ou EV 4 vezes/dia durante 14 dias). Topicamente,
pode-se prescrever pomada de eritromicina ou sulfacetamida.
Felizmente, a conjuntivite por Neisseria gonorrhoeae é cada vez mais rara. Porém, uma vez
diagnosticada, deve ser tratada para prevenir lesões oculares e sistêmicas (artrite, pneumonia,
meningite e sepse). O tratamento consiste em injeção em dose única IM de 125 mg de ceftria-
xona ou cefotaxima 25 mg/kg EV ou IM 8/8 h durante 7 dias. Outra opção é o uso de penici­
lina G, 4,8 milhões de unidades IM divididas em 2 doses aplicadas em duas áreas diferentes,
associada a 1 g de probenecida VO antes da injeção. Associa-se tratamento local com limpeza
constante com solução salina e aplicação de pomada de eritromicina.

CONJUNTIVITE DA ARRANHADURA DO GATO

Síndrome oculoglandular de Parinaud


Trata-se de conjuntivite granulomatosa associada à linfoadenopatia regional. A causa mais fre­
quente é a doença da arranhadura do gato, porém outras doenças podem causar esse tipo de
conjuntivite, tais como tularemia, linfogranuloma venéreo, tuberculose, sífilis e esporotricose.
Na doença da arranhadura do gato, o agente etiológico é a bactéria Bartonella henselae,
que parasita o gato.
Após inoculação, o paciente apresenta-se com quadro de conjuntivite folicular com lesões
granulomatosas. Mais tarde, nota-se aumento e supuração dos linfonodos regionais (pré-auri­
cular, submandibular e até cervical).
Infecções Bacterianas

0 diagnóstico é realizado por biópsia conjuntival. O tratamento consiste no uso sistêmico


de eritromicina, doxiciclina ou fluoroquinolona.

CERATITE BACTERIANA
r

Ulcera bacteriana normalmente se associa a situações em que ocorrem alterações nos meca­
nismos de defesa corneana. Os fatores predisponentes são: uso de lentes de contato, trauma
corneano, alterações palpebrais, cirurgias corneanas, ceratite herpética em uso de corticoïdes,
olho seco grave, ceratite neurotrófica e conjuntivites bacterianas. O fator de risco mais fre­
quente é o uso de lentes de contato, encontrado em 19 a 42% dos pacientes. O risco de cerati­
te aumenta em 10 vezes nos pacientes que dormem com as lentes, e também é maior quanto
mais tempo o paciente dorme com as mesmas lentes sem retirá-las. Portanto, deve-se orientar
o paciente para evitar dormir com as lentes.
Normalmente é necessário ocorrer uma lesão epitelial para penetração da bactéria no es-
troma, causando supuração corneana. Porém, algumas bactérias têm a capacidade de penetrar
o epitélio corneano íntegro, tais como Neisseria gonorrhoeae, Neisseria meningitidis, Corynebac-
terium diphtheriae, Haemophilus influenzae biotipo III (antigo H. aegyptius), Listeria monocytogenes
e Shigella sonnei.
Os sinais e sintomas da úlcera corneana dependem da agressividade da bactéria, porém
caracterizam-se pelo início de dor ocular, acompanhada de injeção ciliar, fotofobia e baixa da
acuidade visual. A ceratite causada por bactéria tem normalmente ulceração epitelial, supu­
ração estromal com bordas não bem delimitadas circundadas por edema estromal. Hipópio e
reação de câmara anterior podem estar ou não presentes. Nos casos de ulceração por Pseudo­
monas aeruginosa, devido à liberação de enzimas proteolíticas, o estroma corneano distante
da lesão também pode apresentar um infiltrado inflamatório, causando um aspecto de vidro
fosco.
No caso de ceratite por bactérias que causam infecção de evolução mais lenta, como Myco­
bacterium, Nocardia e anaeróbios, o epitélio corneano pode estar intacto e o infiltrado pode
não ser supurativo.
O exame laboratorial é fundamental para o diagnóstico etiológico específico. Quando não
estiver disponível, o tratamento empírico deve ser iniciado com colírios de amplo espectro
antibacteriano. Porém, sempre que possível, realizar o exame laboratorial para confirmar a
etiologia e sensibilidade aos antibióticos do agente causador. Importante lembrar que o labo­
ratório deve ter experiência com exames de secreção ocular para evitar falsos diagnósticos,
que podem atrapalhar o tratamento.
A incidência depende do período, da região e país analisado. No Departamento de Oftal­
mologia da Universidade Federal de São Paulo, as bactérias são os agentes mais frequentes
em casos de ceratite, e, entre estes, os cocos Gram-positivos são os agentes etiológicos mais
comuns (Staphylococcus coagulase-negativo, incluindo-se o S. epidermidis, Staphylococcus aureus
e Streptococcus pneumoniae). As bactérias mais importantes como causa de ceratite estão lista­
das na Quadro 2.
O exame de raspado corneano e cultura pode ser realizado com espátula de Kimura ou
zaragatoa, de preferência alginatada. A coleta deve ser realizada na região da borda da lesão.
130 Doenças Externas Oculares e Córnea

Normalmente, o raspado é colocado em lâminas de vidro para coloração de Gram e Giemsa


ou outras específicas, em placas de cultura (ágar-sangue, chocolate e Sabouraud). Se existe
suspeita de algum microrganismo mais raro, exames específicos devem ser solicitados e rea­
lizados (Quadro 3).

QUADRO à E tio lo g ia d e c e ra tite b a c te ria n a

Microrganismos mais frequentes Microrganismos incomuns


Staph ylococcu s aureus Neisseria sp.

Staph ylococcu s epiderm idis M oraxella sp.

Streptococcu s pn eu m on ia e M ycobacterium sp.

Streptococcu s sp. N ocardia sp.

Pseudom onas aeruginosa Corynebacterium sp.

Enterobacteriaceae (P ro te u s, E n te ro b a c te r, S e rra tia ).

QUADRO 3 C o lo ra ç õ e s e c u ltu ra s re c o m e n d a d a s para c e ra tite m ic ro b ia n a

Micro-organismo suspeito Coloração Meio de cultura


Bactéria aeróbica Gram Á gar-sangue
A cridine orange Á gar-chocolate
M eio de tiog lico lato

Bactéria anaeróbica Gram Á gar-sangue anaeróbico


A cridine orange Ágar-álcool fen iletil em câm ara anaeróbica
M eio de tiog lico lato

M icobactéria Gram Á gar-sangue


A cid-fast Ágar-de Lõ w en stein Jen sen
Lecitina

Fungo Gram Á gar-sangue (25°C)


A cridine orange Á gar-Sabouraud (25°C)
Calcofluor w hite Infusão cérebro-coração (25°C)

A can th am oeba G iem sa Ágar-não n utrien te com cam ada de E. coli


A cridine orange Á gar-sangue
Calcofluor w hite Ágar-soja com cam ada de E. coli

Se o paciente já está em uso de medicação tópica, esta deve ser suspensa sempre que
possível por 24 horas, aumentando a positividade do exame laboratorial. Entretanto, o tra­
tamento com antibióticos não deve ser suspenso em casos de úlceras graves e rapidamente
progressivas. Além da coleta da córnea, pode ser importante o exame laboratorial das pálpe­
bras, conjuntiva, medicação ocular tópica, caixa e lentes de contato, bem como soluções de
lentes de contato.
Nos casos menos graves, a monoterapia com fluoroquinolona comercialmente disponível
pode ser instituída (ciprofloxacino a 0,3%, ofloxacino a 0,3%, moxifloxacino, gatifloxacino). São
consideradas úlceras corneanas não graves aquelas:
Infecções Bacterianas

■ Com menos de 2 mm de diâmetro.


Localização periférica ou em meia-periferia.
Não associada a afinamento maior do que 50% da espessura estromal.

A dosagem inicial é de 1/1 hora, e no início, deve ser instituída uma dose de ataque utili­
zando 1 gota de 1 em 1 minuto durante 5 minutos (5 gotas), 1 gota de 5 em 5 minutos durante
15 minutos (3 gotas) e então passar para uso de 1/1 h. A medicação deve ser reduzida para
cada 2 horas até 72 horas após o início do tratamento, por mais 2 a 3 dias e, depois, para cada
3 horas até o final do tratamento.
Se a úlcera é grave, deve ser instituído tratamento de amplo espectro com colírios for­
tificados ou de quinolona de quarta geração até o resultado laboratorial estar disponível
(Quadros 4 e 5). Os colírios são prescritos para uso inicial de hora em hora, intercalados
(portanto, 1 gota de meia em meia hora). Uso de antibiótico subconjuntival ou sistêmico
r

está indicado quando existe acometimento escleral ou intraocular. E muito importante


lembrar que os colírios fortificados devem ser mantidos em geladeira para preservar sua
atividade; mesmo assim, deve ser observado que, em muitos casos o tempo de validade
diminui (Quadro 6).

QUADRO 4 T e ra p ia p ara c e ra tite b a c te ria n a

Microrganismo Antibiótico Tópico Subconjuntival


Coco G + Cefazolina 50 m g/m l 100 mg em 0,5 ml
V ancom icina 25 m g/m l 25 mg em 0,5 ml

Bacilo G - G en tam icin a 9 a 14 m g/m l 20 mg em 0,5 ml


To bram icina 9 a 14 m g/m l 20 mg em 0,5 ml
C eftazidim a 50 m g/m l 100 mg em 0,5 ml

Coco G - C eftriaxo na 50 m g/m l 100 mg em 0,5 ml


C eftazidim a 50 m g/m l 100 mg em 0,5 ml

Mycobacterium sp. A m icacin a 20 m g/m l 20 mg em 0,5 ml

*Para S ta p h y lo c o c c u s resistentes.

QUADRO 5 M é to d o d e p re p a ra ç ã o d e c o lírio s fo rtific a d o s

Cefazolina 50 m g/m l
• A d icio ne 9,2 ml de colírio de lágrim a artificial no frasco de 1 g de cefazolina (pó para injeção EV)
• Retire 5 ml dessa solução e ad icio n e 5 ml de colírio de lágrim a artificial

V anco m icina 25 m g/m l


• A dicio ne 20 ml de colírio de lágrim a artificial no frasco de 500 mg de van co m icin a

Ceftazidim a
• A d icio ne 9,2 ml de colírio de lágrim a artificial no frasco de 1 g de ceftazid im a (pó para injeção EV)
• Retire 5 ml dessa solução e ad icio n e 5 ml de colírio de lágrim a artificial *•

To bram icina e g en tam icin a


• Retirar 2 ml de to b ram icin a ou g en tam icin a de am pola de 40 m g/m l EV
• A dicio ne em um frasco de colírio de to b ram icin a ou g en tam icin a
132 Doenças Externas Oculares e Córnea

QUADRO 6 V a lid a d e d e c o lírio s fo rtific a d o s m a n tid o s a 4°C (g e la d e ira )

Antibiótico Dias
Cefazolina 10

Tobram icina 30

G en tam icin a 30

V ancom icina 14

A m icacina 30

A nfo tericina B 7 (48 h tem p , am b iente)

Modificação da terapia inicial deve ser baseada principalmente na resposta clínica e não
no resultado do antibiograma (mesmo quando disponível). Avaliar os sinais e sintomas de me­
lhora, como diminuição da dor, da densidade de infiltrado e do edema estromal, reepiteliza-
ção, bordas de aspecto mais delimitado e diminuição da reação da câmara anterior. A terapia
antibacteriana deve ser mantida por 10 a 14 dias.
No caso de piora do quadro clínico ou não identificação de patógeno, novo exame labora­
torial deve ser repetido para confirmar o diagnóstico ou mesmo isolar um outro patógeno. Se
novamente houver falha na identificação do microrganismo, deve-se lançar mão da biópsia da
lesão, que deverá ser feita em área de transição de córneas sadia e comprometida. O material
deve ser encaminhado para análise anatomopatológica, e também novo raspado para cultura
deve ser feito do leito da biópsia.
r
E importante tratar alterações que podem retardar a resolução da ceratite, como altera­
ções palpebrais (entrópio, ectrópio, triquíase etc.) e olho seco.
A utilização de corticosteroide em ceratite bacteriana é ainda controversa na literatura.
Porém, é consenso que somente poderá ser utilizado após identificação do agente agressor e/
ou melhora clínica com o tratamento instituído. Sua posologia poderá ser variável, observan­
do o grau de necrose tecidual, devendo ser inversamente proporcional a este.
Em casos de descemetocele, perfuração ou progressão da ceratite, terapias cirúrgicas,
como uso de adesivo tecidual, retalho conjuntival ou membrana amniótica e transplante de
córnea, podem ser utilizadas.
Em muitas situações é importante que o oftalmologista avalie o custo da prescrição e ve­
rifique se o paciente terá condições de manter o tratamento.

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Infecções Virais

RENATA REZENDE • ANA LUISA HÖFLING-LIMA

MOLUSCO CONTAGIOSO

Patogênese: O molusco contagioso é um poxvírus que se dissemina através do contato direto


e, possivelmente, através de fômites.
Apresentação clínica: O vírus acomete mais frequentemente a borda palpebral, onde pro­
duz lesões nodulares lisas, esbranquiçadas ou peroladas, com umbilicação central (Figs. IA
e B). Geralmente são lesões pequenas, sem sinais inflamatórios, e o envolvimento unilateral
é mais comum. A toxicidade causada pelas partículas virais liberadas cronicamente no filme
lacrimal causa conjuntivite folicular crônica (Fig. 1C), ceratite epitelial ponteada e pannus vas­
cular de localização superior. A sintomatologia pode incluir lacrimejamento, prurido, hipere-
mia e sensação de corpo estranho. Os pacientes atópicos e imunocomprometidos têm maior
suscetibilidade ao vírus, podendo apresentar inúmeras lesões de pele, muitas vezes confluen­
tes. Têm sido descritos na literatura casos de lesões de molusco contagioso em conjuntiva. O
diagnóstico é principalmente clínico, mas o raspado conjuntival pode revelar células gigantes
multinucleadas.
r

Tratamento: E uma doença autolimitada, porém a resolução espontânea pode levar vários
meses a anos para ocorrer. O tratamento inclui exérese completa do nódulo, crioterapia da le­
são ou curetagem da parte central umbilicada até que ocorra sangramento dentro da lesão. O
tratamento de pacientes infectados pelo vírus da AIDS e com lesões extensas pode ser difícil.
O prognóstico é bom, porém a conjuntivite folicular ainda pode durar semanas, mesmo após
a retirada das lesões.

135
136 Doenças Externas Oculares e Córnea

Figs. ( ) A. C o n ju n tiv ite fo lic u la r c rô n ic a p o r m o lu s c o c o n ta g io s o (c o rte sia d o D r.T ia g o B iso l). B. Le sã o


em p á lp e b ra s u p e rio r c a u s a d a p o r m o lu s c o c o n ta g io s o c a u s a n d o c o n ju n tiv ite fo lic u la r c rô n ic a (c o rte sia do
D r.T ia g o B iso l). H ip e rtro fia fo lic u la r c rô n ic a c a u sa d a p o r m o lu s c o c o n ta g io s o .

ADENOVÍRUS

Os adenovirus são os principais causadores da conjuntivite folicular aguda, sendo esta bilateral
e altamente contagiosa.
Apresentação clínica: A infecção ocular pelo adenovirus é dividida classicamente em qua­
tro diferentes apresentações clinicas: ceratoconjuntivite epidêmica, febre faringoconjuntival,
conjuntivite folicular não específica e ceratoconjuntivite crônica, sendo as duas primeiras as
mais comuns.
A ceratoconjuntivite epidêmica tem sido relacionada aos adenovirus dos tipos 8, 11, 19 e
37. A transmissão ocorre através do contágio direto e indireto com indivíduos com a infecção
virai ativa. O vírus pode sobreviver em superfícies porosas secas, dedos, piscinas entre outros,
fato esse que confere um alto grau de contágio da infecção.
A doença geralmente apresenta uma fase aguda e autolimitada de infecção conjuntival e
epitelial corneana, com replicação virai ativa, e uma fase tardia, que é menos frequente e se
manifesta com infiltrados corneanos de origem imunológica que podem durar semanas ou
meses.
Pacientes com ceratoconjuntivite epidêmica referem vermelhidão, lacrimejamento, pruri­
do, sensação de corpo estranho, fotofobia e secreção aquomucosa com sensação de olho “gru-
Infecções Virais

dando” . O exame revela gânglio pré-auricular inflamado e hiperemia conjuntival com reação
folicular, principalmente no fórnice inferior (Fig. 2). Não se observa comprometimento de vias
aéreas ou sinais de comprometimento extraocular. Edema palpebral, quemose e hemorragias
subconjuntivais ou petéquias em conjuntivas tarsais podem, também, estar presentes (Fig. 3).
As membranas ou pseudomembranas podem se formar pela aderência da substância exsudati­
va ao epitélio conjuntival inflamado, sendo sinal de gravidade. A conjuntivite tem seu quadro
clínico mais intenso nos primeiros 5 a 7 dias após o início dos sintomas. O olho contralateral é
envolvido em 50% dos casos. A ceratite, causada pelo adenovirus, apresenta diversos estágios
divididos de 0 a 5. Os estágios 0 e 1 representam vesículas epiteliais que surgem nos primeiros
5 dias do quadro, podendo coalescer e formar o estágio 2 da ceratite. Essa ceratite superficial
pode resolver ou evoluir, em cerca de 43% dos casos, para os estágios mais avançados com in­
filtrados subepiteliais. O estágio 3 representa o aparecimento de infiltrados tênues, logo abai­
xo da ceratite superficial ponteada, e é detectado em torno da segunda semana. Os estágios
4 e 5 surgem a partir da terceira semana do início do quadro clínico e são caracterizados por
infiltrados no estróina anterior sem alteração epitelial associada (Fig. 4). Estudos histopato-
lógicos desses infiltrados mostram linfócitos, fibras de colágeno degeneradas e cicatrização,
sem partículas virais. Quando no eixo visual, podem reduzir a acuidade visual, a sensibilidade
ao contraste e gerar ofuscamento pelas opacidades e astigmatismo irregular, necessitando de

Fig. I C o n ju n tiv ite a d e n o v ira l co m h ip e re m ia c o n ju n ti­


v a l, se c re ç ã o a q u o sa e q u e m o s e .

Fig. 3 C e ra to c o n ju n tiv ite a d e n o v ira l co m q u em o se e


p e té q u ia s em c o n ju n tiv a ta rsa l in fe rio r.
138 Doenças Externas Oculares e Córnea

Fig.4 In filtra d o s s u b e p ite lia is im u n o ló g ic o s ta rd io s .

tratamento clínico com corticosteroide tópico, ciclosporina e, eventualmente, possível indica­


ção de ceratectomia fototerapêutica (PTK).
A febre faringoconjuntival é geralmente causada pelos adenovirus do tipo 3, 4 e 7, e a
doença manifesta-se na forma de conjuntivite folicular aguda com comprometimento do trato
respiratório superior e febre. A febre faringoconjuntival é, em muitos aspectos, indistinguível
da ceratoconjuntivite epidêmica, mas, na primeira, o envolvimento bilateral é mais comum, o
quadro clínico mais leve, o comprometimento corneano é infrequente e mais brando.
A conjuntivite hemorrágica aguda é uma doença infecciosa altamente contagiosa e é cau­
sada principalmente por picornavírus, que inclui o enterovirus tipo 70 (EU70) e Coxsackievirus
A tipo 24 variante (CA24u). Está comumente associada a pobre higiene e acomete multidões
em regiões de clima tropical. A transmissão é pelo contato mão-olho. A hemorragia subcon-
juntival é intensa; pode haver dor e a reação folicular não é tão importante; a córnea geral­
mente não é afetada.
O diagnóstico das conjuntivites adenovirais é basicamente clínico e não deve ser confun­
dido com outras causas de olho vermelho, como uveíte, episclerite e conjuntivites de outras
etiologias. Os sintomas podem ser semelhantes e o diagnóstico será baseado nos sinais bio-
microscópicos (Tabela I). Em caso de dúvida, pode se realizar um raspado conjuntival para
identificação do adenovirus através de achados citológicos, imunofluorescência ou de cultura.
A reação em cadeia de polimerase (PCR) se mostrou mais sensível, específica e mais rápida
que a cultura; no entanto, seu custo é elevado e é teste não acessível na maioria dos centros.
Testes de imunoensaio para detecção rápida do adenovirus, como o Adenoplus®, Rapid Patogen
Screening (RPS) Adenodetector e o Adenoclone®, podem ser realizados em ambiente de con­
sultório, mas não são disponíveis comercialmente no Brasil e não apresentam sensibilidade e
especificidade tão elevadas como o PCR.
Tratamento: Todo paciente com conjuntivite adenoviral deve ser orientado quanto o poten­
cial contagioso dessa condição para que possa adotar cuidados de higiene para evitar a transmis­
são da doença. Não há tratamento específico para a conjuntivite pelo adenovirus e, basicamente,
prescreve-se medicação para alívio dos sintomas. Compressas geladas, lubrificantes, vasoconstri-
tores e anti-histamínicos podem propiciar algum alívio para o paciente. A profilaxia antibiótica
é contraindicada, uma vez que raramente essas conjuntivites desenvolvem infecção bacteriana
Infecções Virais

TABELA [ A n tiv ira is tó p ic o s u tiliz a d o s no tra ta m e n to da in fe c ç ã o o c u la r p e lo h e rp e s s im p le s

Fá rm a co C o n c e n tra ç ã o /a p re se n ta ç ã o N o m e co m e rcia l P o so lo g ia P o so lo g ia
te ra p ê u tic a p ro filática

Trifluridina 1,0%, gotas Viroptic 9x/dia, 4 a 5x/dia


14 a 21 dias
Aciclovir 3,0%, pomada Zovirax oftálmica* 5x/dia, 2 a 3x/dia
14 a 21 dias
Idoxuridina 0,1%, gotas IDU, Stoxil, Herplex, 9x/dia, 4 a 5x/dia
Dendrid 7 a 10 dias
Idoxuridina 0,5%, pomada IDU, Stoxil 5x/dia, 2 a 3x/dia
7 a 10 dias
Vidarabina 3,0%, pomada Vira-A 5x/dia, 2 a 3x/dia
14 a 21 dias
*Disponível no Brasil.

secundária. Quando presentes as membranas ou pseudomembranas, estas devem ser removidas


para minimizar sequelas como fibrose conjuntival e simbléfaro (Figs. 5 e 6). O ganciclovir 0,15%
gel oftálmico e a iodopovidona tópica 0,4% parecem reduzir a carga virai e, dessa forma, as chan­
ces de transmissão para o olho contralateral, possivelmente reduzindo também o período e gra­
vidade da sintomatologia das ceratoconjuntivites epidêmicas. No entanto, os dados disponíveis
na literatura ainda não mostraram um benefício significativo.
O uso de corticoides no tratamento da ceratoconjuntivite por adenovirus deve ser indica­
do com critério e parcimônia, pois estes favorecem a replicação virai, aumentando o tempo de
doença e de possibilidade de transmissão. Sua prescrição deve ser reservada para casos graves
e extremamente sintomáticos, quando há formação de membranas e quando há diminuição da
visão devido à ceratite epitelial ou infiltrados subconjuntivais. No tratamento dos infiltrados
subepiteliais, sua retirada deve ser lenta e gradual. A ciclosporina A pode auxiliar o corticoide
no desaparecimento das opacidades subepiteliais. O corticoide não deve ser usado nas fases
agudas da infecção conjuntival, e é contraindicado nos casos em que se suspeita de o agente
etiológico ser um vírus herpes simples.

Fig. 5 F ib ro se c o n ju n tiv a l em c o n ju n tiv a ta rsa l


su p e rio r.
140 Doenças Externas Oculares e Córnea

HERPES SIMPLES

A família dos herpesvirus inclui o vírus herpes simples (VHS), o vírus varicela-zóster (VZV), o
citomegalovírus (CMV), o vírus Epstein-Barr (EBV) e os herpesvirus humano 6, 7 e 8. O VHS
divide-se em tipo I (causa infecção acima da cintura e é transmitido por perdigotos e pelo
contato direto) e em tipo II (causa infecção abaixo da cintura e é uma doença sexualmente
transmitida - herpes genital). A diferenciação entre VHS-1 e VHS-2 data de milhões de anos,
bem como a evolução dos tropismos anatômicos específicos pelo epitélio da orofaringe e do
trato genital, respectivamente. Atualmente, no entanto, observam-se com frequência doença
ocular causada pelo VHS-2 e doença genital pelo VHS-1.
As fontes conhecidas de infecção incluem crianças com priminfecção, adultos com doença
recorrente e portadores assintomáticos. A transmissão do vírus herpes simples se dá através
do contato íntimo com secreções, principalmente com a saliva, pele ou membrana mucosa de
um indivíduo que apresenta episódio infeccioso em atividade em um sítio periférico.
Patogênese e infecção primária: A infecção primária do VHS-1 ocorre, em geral, na infân­
cia em uma superfície corporal inervada pelo trigêmeo (face, olhos e mucosa oral). A infecção
se inicia com a penetração do vírus através das membranas mucosas ou por solução de conti­
nuidade da pele. Ele se replica no local de entrada, lesando essas células e iniciando um pro­
cesso inflamatório, que pode ser assintomático ou se manifestar com um quadro de infecção
primária tipicamente caracterizada por lesões vesiculares e ulceradas sobre uma base eritema-
tosa na região perioral ou periocular (uni ou bilateral). O envolvimento ocular é caracterizado
por blefarite vesicular ulcerativa (Fig. 7), podendo estar ou não acompanhada de conjuntivite
folicular aguda, linfadenopatia regional e, até mesmo, ceratite epitelial.
O vírus infecta, então, as extremidades dos nervos sensitivos e é transportado, através do
fluxo retrógrado citoplasmático dos axônios, até o corpo do neurônio sensorial nos gânglios,
cujos neurônios inervam a região periférica afetada. Os gânglios mais comumente envolvidos
são o trigeminal e o cervical superior. A latência neuronal garante um “esconderijo” para o
vírus no sistema imune do hospedeiro, com o objetivo de protegê-lo da ação dos antivirais.
Mesmo que o indivíduo não tenha percebido nenhum sinal clínico de doença herpética, estí­
mulos periféricos e/ou ganglionares gerados por fatores, como febre, infecção sistêmica, expo-
Infecções Virais

Fig. 7 Blefaroceratoconjuntivite herpética.

sição a raios ultravioleta, imunossupressão, dano tissular, alterações hormonais, estresse físico
ou emocional, ou ainda estímulos desconhecidos, parecem causar replicação virai e doença
herpética recorrente. O acometimento do estroma durante uma manifestação ocular primária
é raro, estando presente em apenas 2% dos casos. No entanto, na doença herpética ocular
recorrente, o principal alvo é a córnea, que pode ter desde uma até todas as suas camadas
atingidas, e o envolvimento bilateral é incomum, afetando apenas cerca de 10% dos pacientes.
A resposta imunológica do hospedeiro exerce uma função central na patogenia da ceratite
herpética, podendo influir na aquisição, gravidade e forma da doença ocular herpética, desen­
volvimento e manutenção da latência, reativação e frequência das recorrências.
Com base nos efeitos produzidos pelo sistema imune nas manifestações clínicas das
infecções oculares herpéticas, pode-se classificar as apresentações da doença em três for­
mas principais, conforme os processos fisiopatológicos nelas envolvidos: infecciosa (blefa-
roconjuntivite vesicular, ceratite epitelial dendrítica ou geográfica), inflamatória (ceratite
estromal imune e endotelite), ou mista (ceratite estromal necrosante, irite ou cerato uveíte
herpética).
A doença atópica sistêmica (asma, dermatite atópica e rinite alérgica), assim como a imu­
nossupressão, constitui um fator de risco para infecção pelo HSV. Indivíduos atópicos respon­
dem ao antígeno do vírus herpes simples primariamente com as células T helper 2 produtoras
de citocinas (principalmente interleucina-4), que suprimem uma resposta eficaz das células T
helper tipo 1, reduzindo uma resposta eficaz ao VHS. Dessa forma, independente da faixa etá­
ria, atópicos apresentam mais chances de doença bilateral e disseminada pelo epitélio cutâneo
(eczema herpético) e corneano.
A ceratite herpética pode ser dividida em epitelial infecciosa, neurotrófica, estromal, en­
dotelite e ceratouveíte. A doença estromal tem uma fisiopatogenia desconhecida, mas sabe-se
que reações de hipersensibilidade têm um importante papel (tipo III na ceratite necrosante e
tipo IV na ceratite disciforme).
Apresentação clínica: A blefaroconjuntivite vesicular herpética (descrita anteriormente)
pode ser a manifestação primária ou recorrente da doença ocular herpética (Fig. 7).
A ceratite epitelial é causada pela ação direta do vírus vivo replicando no epitélio da cór­
nea e formando vesículas epiteliais, dando um aspecto ponteado à ceratite. Essas vesículas
coalescem, formando uma lesão elevada, de aspecto arboriforme, que evolui com ulceração,
142 Doenças Externas Oculares e Córnea

gerando um defeito epitelial linear com bulbos em suas terminações (Fig. 8). Essa é a lesão
clássica do herpes ocular, a úlcera dendrítica, termo derivado da palavra grega dendron, que
significa árvore. Quando essas úlceras crescem, perdem o aspecto linear, formando lesões epi-
teliais extensas, com aspecto geográfico ou ameboide (Fig. 9), e podem estar associadas ao
uso prévio ou concomitante de corticoide tópico ou a uma infecção mais grave.
As lesões epiteliais herpéticas são mais facilmente observadas com o uso de corantes
vitais como a fluoresceína, que cora melhor o centro da lesão, e a lissamina verde, que cora
melhor os bordos elevados da úlcera, onde se encontram as células epiteliais edemaciadas
infectadas com vírus vivos .
O diagnóstico diferencial da ceratite epitelial herpética deve ser feito com o daquela
causada pelo herpes-zóster, Acanthamoeba, adenovirus, Epstein-Barr, com as linhas de cicatri-
zação epitelial, ceratite secundária ao uso de lentes de contato gelatinosa, ceratite superficial
de Thygeson e alterações corneanas da tirosinemia e linha de rejeição epitelial em um botão
transplantado.
A pesquisa laboratorial na infecção epitelial herpética com exame de citologia e cultura
e, até mesmo, de exames mais sofisticados, como a imunofluorescência, imunoperoxidase e
PCR, tem indicação principalmente nos casos mais difíceis de tratamento com evolução fora
do usual.
A úlcera epitelial neurotrófica, antigamente denominada de meterpética, ocorre devido
à alteração da inervação corneana causada por efeitos diretos e indiretos do herpes no gân­
glio sensorial do trigêmeo, gerando uma baixa sensibilidade corneana associada à redução da

Fig. 8 Ceratite epitelial dendritiforme (dendrito clássico).

Fig. 9 Úlcera geográfica.


Infecções Virais

produção do filme lacrimal. Apresenta-se clinicamente como uma úlcera rasa, de fundo trans­
parente ou acinzentado (quando antiga), de formato ovoide ou arredondado, localizada, em
geral, no centro da córnea e que apresenta as bordas elevadas devido ao empilhamento do
epitélio que fica impossibilitado de deslizar para promover o fechamento da úlcera (Fig. 10).
Quando crônicas, podem apresentar um estróina mais opaco e infiltrado, assim como neovas-
cularização superficial em formato de coroa ao redor da úlcera (pannus) que se forma na ten­
tativa de cicatrização e fechamento do defeito. Apesar de não representar episódio ativo de
infecção herpética, essa lesão neurotrófica necessita de atenção e adequada terapêutica, pois
pode ser complicada por infecção secundária (bacteriana ou fúngica), cicatrização, neovascu-
larização, necrose do estroma adjacente e perfuração.
Clinicamente, pode-se dividir as ceratites herpéticas estromais em supurativas ou necro-
santes (predomínio de infiltrado esbranquiçado de necrose) e não supurativas ou imunes (pre­
domínio de edema).
A ceratite estromal imune e a endotelite são caracterizadas como formas inflamatórias
da doença ocular herpética. Estão relacionadas a reações inflamatórias recorrentes mediadas
principalmente pela imunidade em resposta a antígenos virais contidos na córnea. Na ceratite
estromal imune não necrosante (Fig. 11), há envolvimento estromal primário com inflama­
ção e infiltração puntiforme, focal ou multifocal. O edema corneano pode ser focal ou difuso,
dependendo da inflamação estromal associada. Uma forma mais específica de infiltração es­
tromal que também pode estar presente é o anel imunológico, ou anel de Wessely (Fig. 12),
completo ou incompleto, único ou múltiplo, em geral localizado no estroma médio, na área
central ou paracentral da córnea. A resposta imunológica ao VHS na córnea gera neovascula-
rização e cicatriz por provável liberação de citocinas e fatores de crescimento que alteram o
equilíbrio entre fatores angiogênicos e antiangiogênicos.

Fig. 10 Úlcera neurotrófica.

Fig. 11 Ceratite estromal imune com comprometimento


límbico.
144 Doenças Externas Oculares e Córnea

Fig. 1 Anel de Wessely circundando leucoma herpético.

Tratamento com injeção intraestromal de agentes antiangiogênicos já foi descrito para


neovascularização por herpes, demonstrando moderada eficácia; porém, seu real benefício
ainda não foi confirmado.
A perda visual em consequência da cicatrização corneana gerada pela ceratite estromal
imune dependerá da extensão e da área afetada, e é responsável por aproximadamente 3% dos
transplantes de córnea realizados nos Estados Unidos nas duas últimas décadas.
Na endotelite (Fig. 13), observam-se edema, em geral em formato disciforme, mas que
também pode ser linear ou difuso, sem infiltração estromal, associado a precipitados ceráticos
e dobras na membrana de Descemet sob a área edemaciada, e reação inflamatória na câmara
anterior. A reação inflamatória primária ocorre no endotélio, e o edema estromal é apenas
uma consequência da disfunção endotelial local. O olho é geralmente calmo e, após a regres­
são do edema, a opacidade estromal residual é variável; no entanto, casos graves podem evo­
luir com descompensação endotelial e ceratite bolhosa. Diversas teorias foram propostas para
explicar a fisiopatogenia da endotelite herpética, denominada por alguns ceratite discifome,
e parece ocorrer devido a uma reação de hipersensibilidade tardia (tipo IV) às partículas virais
no estroma corneano.
A ceratite estromal necrosante ou supurativa é considerada, juntamente com a cerato-
uveíte herpética, uma forma mista da doença. Sua patogênese parece envolver a combinação
de uma replicação virai ativa e uma reação de hipersensibilidade do tipo III (imunocomplexo
antígeno, anticorpo e complemento) às partículas virais no estroma corneano. A ceratite es­
tromal necrosante é, felizmente, uma manifestação rara da doença ocular herpética e resulta
da invasão direta do VHS no tecido corneano com infiltração densa do estroma, inflamação
grave associada ou não a defeito epitelial. O olho geralmente apresenta inflamação grave e
pode evoluir para perfuração, dependendo do grau de necrose. A neovascularização geral­
mente está presente ao primeiro exame, ou desenvolve-se com a cronicidade da inflamação.

Fig. 13 Endotelite disciforme.


Infecções Virais

0 diagnóstico diferencial das ceratites estromais herpéticas deve ser feito com as cera-
tites bacterianas, parasitárias, fúngicas e tóxicas (p. ex., abuso em uso de colírio anestésico).
A iridociclite herpética, que pode acompanhar a ceratite imune e a endotelite, sendo en­
tão denominada de ceratouveíte herpética, pode ocorrer, embora menos comumente, mesmo
na ausência de uma história prévia de ceratite. Clinicamente, são observados precipitados
ceráticos de finos a médios, reação celular na câmara anterior variável e injeção ciliar, acom­
panhados de sintomas como dor, fotofobia e baixa visual. A inflamação, quando associada à
trabeculite, causa hipertensão ocular, podendo evoluir com glaucoma secundário. A infecção
produz lise celular, causando destruição tecidual observada com defeito setorial na transilu-
minação iriana.
A doença ocular herpética na criança tende a ser mais grave, pois, frequentemente, não
é diagnosticada nem tratada precocemente, pela maior chance de recidiva (aproximadamente
50% em 1 ano) e pelo risco de ambliopia gerada pela opacidade corneana e astigmatismo in­
duzido após cada recidiva.
A manifestação primária mais comum do herpes simples na criança é a blefaroconjuntivite
herpética (BCH). Felizmente, episódios isolados de BCH não causam redução da sensibilidade
corneana nem baixa da acuidade visual, porém, o exame biomicroscópico é mais difícil na
criança e o diagnóstico é comumente confundido com ceratoconjuntivite epidêmica ou ade­
noviral (pela reação folicular), blefaroconjuntivite estafilocócica com ou sem ceratite marginal
ou ceratoconjuntivite flictenular (diante da blefarite, ceratite periférica e neovascularização),
e a ceratite epitelial confundida com erosão corneana.
Geralmente, os diagnósticos diferencias citados acometem ambos os olhos, enquanto a
doença herpética, na maioria das vezes, está associada a envolvimento monocular. Na criança,
no entanto, a ocorrência de blefaroconjuntivite herpética bilateral pode ser mais frequente
que no adulto, com frequência que varia na literatura de 7,5 a 26%. Quando o VHS acomete
a córnea, a doença é geralmente monocular e associada à redução da sensibilidade corneana
que não está presente na erosão corneana isolada.
Diagnóstico laboratorial: Devido à alta prevalência de infecção herpética na população
geral, a sorologia raramente auxilia na confirmação do diagnóstico etiológico nos casos sus­
peitos, apresentando especificidade muito baixa, servindo somente na exclusão da hipótese
de doença herpética quando de um resultado negativo; a cultura do vírus é específica, porém
pouco sensível; a citologia de impressão fornece a observação de células epiteliais multinucle-
adas, sendo sensível mas pouco específica; os testes de imunodetecção (imunofluorescência
e imunoperoxidase) e a reação em cadeia de polimerase (PCR) com amplificação da cadeia de
DNA são exames mais específicos, indicados em casos de apresentações atípicas e diagnóstico
difícil, no entanto nem sempre disponíveis. Dessa forma, e também diante das manifestações
clínicas características, a doença ocular herpética geralmente é diagnosticada com base na
apresentação clínica.
Tratamento: O tratamento da infecção primária é controverso por tratar-se de uma infec­
ção autolimitada e benigna na grande maioria dos casos. O tratamento das lesões palpebrais
sem o acometimento dos bordos pode ser realizado com antiviral ou antibiótico tópicos. Se
o bordo palpebral estiver envolvido, sugere-se o tratamento do olho também com antiviral
sob a forma de pomada oftálmica. Na Tabela II, pode-se observar os antivirais de uso tópico
utilizados no tratamento da infecção ocular pelo herpes simples. Orientamos também limpeza
146 Doenças Externas Oculares e Córnea

local com sabonete neutro para evitar infecção bacteriana secundária das lesões ulceradas. Os
quadros de infecção primária ocular ou periocular grave ou em imunossuprimidos podem ser
tratados com antiviral sistêmico (Tabela III).

TABELA [ A n tiv ira is d e uso s is tê m ic o d is p o n ív e is para o tra ta m e n to da in fe c ç ã o o c u la r p e lo h e rp e s


s im p le s

Fá rm a co A p re se n ta ç ã o / N o m e co m e rcia l P o so lo g ia P o so lo g ia
c o n c e n tra ç ã o te ra p ê u tic a p ro filática

Aciclovir Cp. 200*, 400*, 800 mg Zovirax*, 2 g/dia (400 mg 5x/ 800 mg/dia
Aviral*, dia) Período desejado
Aciclovir* 7 a 10 dias
Valaciclovir Cp. 500* mg Valtrex* 1 a 1,5 g/dia (500 500 mg/dia
(pró-droga do mg 8/8, 12/12 h) Período desejado
aciclovir) 7 a 10 dias
Fanciclovir Cp. 125*, 250* mg Famvir*, 500 mg/dia Ainda não
(pró-droga do Penvir*, (250 2x/dia) determinada
penciclovir) Fanclomax* 7 a 10 dias
*Disponíveis no Brasil.

C o rtic o te ra p ia tó p ic a , co m a re s p e c tiv a p ro fila x ia a n tiv ira l, no tra ta m e n to d as fo rm a s


in fla m a tó ria s da d o e n ç a h e rp é tic a

Sem ana D ex am etaso n a a 0 ,1 % ou Pred n iso n a a 1,0% P ro filaxia a n tiv ira l (tópica)

1 8x/dia 2 a 3x/dia
2 6x/dia 2 a 3x/dia
3 4x/dia 2 a 3x/dia
4 2x/dia desnecessária
5 1x/dia desnecessária
Sem ana D e x a m e ta so n a a 0 ,0 0 5 % ou P re d n iso n a a 0 ,1 2 % P ro filaxia a n tiv ira l (tópica)

6 4x/dia desnecessária
7 3x/dia desnecessária
8 2x/dia desnecessária
9 1x/dia desnecessária
10 3x/semana desnecessária

O tratamento de herpes ocular em crianças geralmente é realizado com aciclovir oral; as


concentrações sugeridas estão descritas na Tabela IV, embora alguns autores sugiram que a
dose para crianças acima de 2 anos seja igual à dose de adultos. No Brasil, o aciclovir não está
disponível em solução ou suspensão; dessa forma, para crianças que não ingerem comprimi­
dos, estes devem ser fragmentados. Crianças maiores de 6 anos ou adolescentes podem ser
tratados com aciclovir 400 mg (10 ml) 3x ao dia, valaciclovir 500 mg 2x ao dia ou famciclovir
250 mg 2x ao dia.
Infecções Virais

TABELA I Formas e incidência das ceratites por herpes-zóster

A p re s e n ta ç ã o clín ica In cid ê n cia T e m p o d e a p a re c im e n to


(a p ro x im a d a m e n te )

Ceratite epitelial ponteada 51% 2 dias


Pseudodendritos 51% 4 a 6 dias
Infiltrados estromais anteriores 41% 10 dias
Ceratouveíte/endotelite 34% 7 dias
Ceratopatia neurotrófica 25% 2 meses
Placas de muco (pseudodendrito tardio) 13% 2 a 3 meses
Ceratite de exposição 11% 2 a 3 meses
Ceratite disciforme 10% 3 a 4 meses
Ceratite serpiginosa 7% 1 mês
Escleroceratite 1% 1 mês
Vasculite límbica tardia <1% 1 mês

O tratamento da ceratite epitelial infecciosa pode ser feito com o debridamento dos bor­
dos da lesão (com um cotonete seco estéril, retiram-se todas as células que se coram com a
lissamina verde) associado ao antiviral tópico (Tabela II).
A escolha do tratamento mais apropriado da ceratopatia neurotrófica vai depender do
tamanho, gravidade e tempo de aparecimento do defeito epitelial. Pode variar de lubrifica­
ção intensa (colírio e gel), curativo oclusivo, lente de contato terapêutica, tarsorrafia e, até,
recobrimento conjuntival. Sugere-se a associação de pomada antibiótica à noite para prevenir
infecção bacteriana secundária.
A ceratite estromal imune e a endotelite herpéticas são tratadas dependendo da gravi­
dade e localização da inflamação na córnea. Se a ceratite não envolve o eixo visual, não há
neovascularização corneana e o olho encontra-se calmo, opta-se pela observação, prescre-
vendo-se lubrificantes e/ou cicloplégicos para promover um melhor conforto para o paciente.
Se a reação inflamatória é grave, compromete o eixo visual ou se há neovascularização, é re­
comendado o uso de corticoide tópico associado ao antiviral tópico ou sistêmico. O tipo e a
frequência do corticoide, bem como o uso da profilaxia antiviral, vão depender da gravidade
da inflamação. Quando o tratamento é realizado com dexametasona a 0,1% ou prednisona a
1,0% em uma frequência maior que 2x/dia, a profilaxia antiviral deve ser indicada. A profilaxia
antiviral deve ser preferencialmente oral, porém também pode ser tópical para prevenir epi­
sódios de ceratite epitelial durante o uso de corticoterapia tópica no tratamento das formas
imunológicas da doença ocular herpética. Se tópica, sugere-se o uso de aciclovir colírio ou
pomada a 3%, na posologia de 3x/dia. Quando se opta pela profilaxia oral, pode-se utilizar o
aciclovir 800 mg por dia, sua pró-droga, o valaciclovir 500 mg por dia ou o fanciclovir 250 mg,
dia (dose sugerida ainda não comprovada na literatura científica).
O tratamento das endotelites e ceratites estromais imunes herpéticas deve ser modificado
conforme a gravidade de cada caso. Se a corticoterapia for em baixas doses com uso pouco
frequente de corticoides fracos, como etabonato de loteprednol, dexametasona a 0,005% ou
148 Doenças Externas Oculares e Córnea

prednisona a 0,12, o uso profilático de antiviral parece ser desnecessário. E importante lem­
brar que os corticoides são contraindicados, na vigência de infecção epitelial herpética ativa,
por favorecerem a replicação virai.
As formas mistas da doença herpética (ceratite necrosante, iridociclite ou ceratouveíte)
devem ser tratadas com antiviral oral na posologia terapêutica (Tabela III) e corticoterapia, que
varia conforme o grau da inflamação.
A corticoterapia tópica no tratamento das formas inflamatórias e mistas da doença ocular
herpética inibe a infiltração de células inflamatórias e a liberação de enzimas tóxicas, redu­
zindo a opacidade, cicatrização e neovascularização corneana. No entanto, deve-se utilizar a
mínima dose necessária, pois seu uso oferece também desvantagens, tais como: a possibilida­
de de exacerbar a infecção, o risco de afmamento e perfuração, a possibilidade de infecções
oportunistas e a indução de catarata e glaucoma secundários. Esses pacientes portadores da
forma inflamatória ou mista da doença herpética são extremamente sensíveis à redução da
corticoterapia tópica, e podem apresentar rebote da inflamação, mesmo quando a retirada é
realizada de forma lenta e gradual.
Nos casos de infecção epitelial e inflamação estromal simultâneas, deve-se tratar primeiro
a infecção epitelial e iniciar o corticoide tópico somente após o controle desta.
As principais indicações do tratamento com antiviral oral em sua dose plena terapêutica
(Tabela III) são: casos de infecção primária extensa ou grave, iridociclite ou ceratouveíte herpé­
tica, pacientes imunocomprometidos, crianças menores de 10 anos e indivíduos que tenham
dificuldade na aplicação da medicação tópica.
A indicação da profilaxia antiviral não é restrita, podendo ser utilizada sempre que se de­
seja reduzir a taxa das recorrências herpéticas. No entanto, o tratamento profilático por lon­
go prazo pode não ter uma relação de custo-benefício positiva para todos os pacientes, não
somente pelo aspecto financeiro, como também pelos possíveis efeitos colaterais causados
pelo fármaco, que incluem insuficiência renal reversível por deposição de cristais nos túbulos
renais, efeitos tóxicos reversíveis na medula óssea, diarreia e potencial de mutagênese. A de­
cisão de iniciar a profilaxia deve ser baseada, portanto, em cada caso, tendo sido sugeridas
as seguintes indicações: doença herpética estromal recorrente com eixo visual transparente,
envolvimento binocular, irite herpética com hipertensão ocular e necessidade do uso de corti­
coterapia tópica (prednisolona a l^ o u dexametasona a0, l ^) 3 vezes ou mais ao dia.

HERPES-ZÓSTER OFTÁLMICO

Patogênese: O vírus varicela-zóster (VZV), ou herpesvirus tipo 3, causa 2 síndromes virais dis­
tintas: a varicela (catapora) e o herpes-zóster. A infecção primária (varicela) tem como principal
porta de entrada a via respiratória seguida pela pele. A disseminação se dá por via hematogê-
nica ou linfática, com subsequente latência neuronal no gânglio sensorial. A interrupção do
estado de latência com a recidiva do VZV geralmente gera um quadro de herpes-zóster com
acometimento de um dermátomo, sendo muito rara a recorrência de um quadro de varicela.
O principal fator desencadeante do herpes-zóster é a idade avançada seguida pela imu-
nossupressão, trauma e irradiação.
Infecções Virais

Acredita-se que 20 a 30% da população vão apresentar um episódio de herpes-zóster em


algum momento da vida; 10 a 20% destes vão desenvolver herpes-zóster oftálmico.
Apresentação clínica: Na varicela, priminfecção pelo VZV, o comprometimento ocular é
incomum e discreto. Pode haver conjuntivite folicular, lesões vesiculares na conjuntiva, que se
assemelham clinicamente a lesões flictenulares, e ceratite ponteada. As lesões vesiculares nas
pálpebras podem infectar, gerando sequelas com retração cicatricial e alterando o posiciona­
mento desta. Apesar de incomum, em fases tardias da varicela, quando não há mais compro­
metimento dermatológico, os pacientes podem desenvolver ceratite disciforme acompanha­
da, algumas vezes, pela formação de microdendritos.
O herpes-zóster tem uma distribuição por dermátomos, daí a utilização desse termo do
grego, que significa espalhar-se por uma zona. Sua reativação pode ocorrer vários anos após
a infecção primária.
O herpes-zóster oftálmico é definido como o envolvimento pelo herpes-zóster da divisão
oftálmica do V nervo craniano (trigêmeo). O oftálmico vai se dividir então nos ramos nasoci-
liar, frontal (mais comumente afetado) e lacrimal. O nervo nasociliar inerva os seios etmoidais,
a pele das pálpebras, a ponta do nariz, conjuntiva, esclera, córnea, íris e coroide. O sinal de
Hutchinson (vesículas na ponta do nariz) está associado a um maior risco de acometimento
ocular, pois indica o comprometimento do nervo nasociliar.
O herpes-zóster oftálmico (HZO) se inicia com um pródomo de cefaleia, fadiga e febre, e
então se iniciam as manifestações cutâneas, com exantema, ardência, disestesia, prurido e dor
localizados no dermátomo inervado pelo ramo comprometido pela infecção virai. O exantema
inicia-se como uma erupção maculopapular, a qual evolui para o desenvolvimento de vesículas
de conteúdo claro que, em dias, tornam-se pústulas amareladas, terminando em crostas, sem
cruzarem a linha média.
r

E importante lembrar que os pacientes afetados devem evitar contato com indivíduos que
nunca tiveram varicela ou imunossuprimidos durante o período de inflamação aguda, de 8 a
14 dias, enquanto as lesões ainda são infecciosas com potencial contagioso. O acometimento
cutâneo pelo herpes-zóster, diferentemente do herpes simples e da varicela, frequentemente
evolui com cicatrização e pigmentação da pele. Raramente, o rash não se manifesta (zostersine
herpete).
O envolvimento ocular ocorre em aproximadamente 50% dos casos de HZO. Quando há
envolvimento palpebral com cicatrização, pode haver formação de entrópio e lagoftalmo. Po­
dem ocorrer conjuntivite, episclerite e esclerite, ceratite, perda grave da sensibilidade cornea-
na com a consequente formação de ceratopatia neurotrófica, irite com atrofia setorial da íris,
retinite, neurite óptica e paralisia de nervos cranianos.
A córnea pode ser afetada de diversas formas pelo VZV, e não está relacionada com a idade
nem gravidade do rash. Na Tabela V, pode-se observar todas as formas de ceratite por zóster
com sua respectiva incidência e fase de instalação do quadro. A ceratite epitelial ponteada é a
manifestação clínica inicial de envolvimento corneano do zóster. Resulta de edema das células
epiteliais, pode corar-se com o rosa-bengala e é, comumente, associado a uma conjuntivite.
O VZV já foi isolado nessas células. A ceratite epitelial dendrítica causada pelo VZV parece
representar a coalescência das lesões da ceratite epitelial ponteada. Manifesta-se com dendri-
tos que não são defeitos epiteliais verdadeiros e, sim, elevados formados por células epiteliais
edemaciadas e placas de muco. Dessa forma, ao contrário do dendrito causado pelo HSV, eles
150 Doenças Externas Oculares e Córnea

não se coram bem com a fluoresceína, não têm muitas ramificações nem bulbos terminais e,
por isso, são muitas vezes chamados de pseudodendritos, podendo ocorrer durante a fase
aguda ou tardiamente (placas de muco ou pseudodendritos tardios).

TABELA V Antivirais de uso sistêmico no tratamento do herpes-zóster oftálmico

Fá rm a co A p re se n ta ç ã o /c o n c e n tra ç ã o N o m e co m e rcia l D o sa g e m

Aciclovir Cp. 200*, 400*, 800 mg Zovirax*, Aviral*, Genérico* 4 g/dia (800 mg 5x/dia)
Valaciclovir Cp. 500* mg Valtrex* 3 g/dia (1.000 mg 8/8)
Fanciclovir Cp. 125*, 250* mg Famvir* 750 mg/dia (250 3x/dia)

Os infiltrados estromais anteriores são associados à ceratite epitelial ponteada prévia


e, provavelmente, representam uma resposta imune a antígenos virais presentes no estroma;
podem deixar cicatrizes numulares residuais no estroma anterior. A ceratouveíte pode ocor­
rer imediatamente na fase aguda da doença ou semanas após, e está associada a hipertensão
ocular e endotelite, com precipitados ceráticos focais ou difusos e dobras na Descemet. Essa
manifestação parece representar uma invasão do VZV ao endotélio, e, dependendo da respos­
ta inflamatória envolvida, pode haver apenas uma discreta ceratite disciforme até uma reação
granulomatosa intensa, que pode resultar em glaucoma secundário. A ceratite disciforme se
assemelha a endotelite sem os precipitados.
A ceratite neurotrófica acomete de 25 a 50% dos pacientes com HZO e é, em geral, de difí­
cil tratamento, podendo evoluir com infecção bacteriana secundária, afmamento e, em última
instância, perfuração. Seu tratamento é realizado da mesma forma que se trata a ceratopatia
neurotrófica pelo HSV, já descrita, porém a redução da sensibilidade corneana é mais acentua-
r

da no HZO que no HSV. E importante lembrar que alterações palpebrais secundárias ao HZO,
como lagoftalmo e entrópio, devem ser prontamente corrigidas cirurgicamente para favorecer
a cicatrização da superfície ocular e evitar a ceratite por exposição.
A ceratite serpiginosa se apresenta com um afmamento corneano periférico com base
acinzentada. Pode estar associada a neovascularização ou pode progredir para a perfuração.
Geralmente, esse afmamento se inicia com uma vasculite límbica. A esclerite pode invadir a
córnea causando uma escleroceratite, processo inflamatório por contiguidade com vasculite
límbica, podendo haver vascularização e afmamento corneano periférico.
Tratamento: O tratamento da fase aguda do herpes-zóster oftálmico é sistêmico, com uso
de antivirais por via oral no paciente imunocompetente (Tabela III) e por via endovenosa no
paciente imunocomprometido (aciclovir, 5 a 10 mg/kg a cada 8 horas, diluído em soro fisio­
lógico e administrado lentamente - 1 a 2 horas, para evitar deposição do antiviral no rim e
consequente nefropatia). O antiviral deve ser introduzido o mais precoce possível (de prefe­
rência nas primeiras 72 horas de manifestações clínicas), devendo ser mantido por 7 a 10 dias
no paciente imunocompetente. No paciente imunocomprometido após 5 a 7 dias de antiviral
endovenoso, o paciente deve ser mantido em terapia antiviral por via oral por tempo inde­
terminado. A dose para o tratamento de HZO é o dobro daquela utilizada nos pacientes com
herpes simples ocular, como pode ser observado na Tabela VI.
Infecções Virais

TABELA V Alterações oculares causadas por infecções virais que menos comumente afetam o olho

V iru s A c o m e n tim e n to o cu la r (se g m e n to an terio r)

V IR U S DN A

P o x v iru s

Variola Conjuntivite catarral, ceratite estromal


Vaccinia Ceratite ponteada, ceratite estromal, edema palpebral extenso
H e r p e s v ir u s

Citomegalovfrus Conjuntivite catarral, ceratite dendrítica, ceratite estromal e iridociclite


V IR U S RNA

P ic o rn a v ir u s

Enterovirus e virus Coxsackie Conjuntivite hemorrágica aguda, ceratite epitelial rara


T o g a v iru s

Rubeola Congênita (microftalmia e catarata congênita)


Adquirida (ceratite epitelial leve, conjuntivite folicular)
P a ra m ix o v iru s

Sarampo Conjuntivite folicular aguda, ceratite epitelial


Caxumba Conjuntivite folicular, ceratite estromal rara e dacrioadenite
Newcastle Conjuntivite folicular, ceratite ponteada e infiltrados subepiteliais raros
O rt o m ix o v iru s

Influenza Conjuntivite catarral

As lesões cutâneas devem ser limpas com sabão neutro, compressas mornas e tratadas
com antibiótico em pomada para prevenir infecção secundária e celulite. O uso de antagonis­
tas H2 (cimetidina 800 mg/dia) pode reduzir o prurido e a dor comumente presentes.
A conjuntivite e a episclerite são autolimitadas, e o tratamento, que inclui compressas
geladas e lubrificantes, visa apenas o alívio sintomático.
O corticoïde sistêmico deve ser indicado nos casos de inflamação grave ou nas queixas
de dor (neuralgia herpética aguda) intensa. Preconiza-se o uso de prednisona (Meticorten®) 1
mg/kg/dia via oral.
As manifestações imunológicas oculares (ceratite estromal, ceratouveíte) são tratadas com
corticoïde tópico (prednisolona a l^ o u dexametasona a 0,1% 4 a 8 vezes ao dia). A redução da
corticoterapia tópica deve seguir o mesmo esquema daquele descrito para o tratamento do
herpes simples, ou seja, a retirada deve ser lenta e gradual, e uma mínima dose pode ter que
r

ser mantida para evitar rebote da inflamação. E fundamental o acompanhamento oftalmoló­


gico regular desses pacientes não somente pela possibilidade de recidiva da inflamação, mas
principalmente para controle da pressão intraocular e prevenção do glaucoma secundário.
No tratamento das esclerites pode ser necessário o uso de corticoïdes (1 mg/kg/dia) ou
anti-inflamatórios não hormonais sistêmicos.
A neuralgia pós-herpética (dor após 6 semanas do quadro agudo de exantema) é frequen­
temente observada no idoso e deve ser tratada com antidepressivos tricíclicos, como a ami-
triptilina (Tryptanol®), imipramina (Tofranil®), podendo-se também utilizar a carbamazepina
152 Doenças Externas Oculares e Córnea

(Tegretol®). A capsaicina (inibidor da substância P) é um antineurálgico de uso tópico (creme)


que tem se mostrado eficaz nos casos de dor leve e hiperestesia local. Deve ser aplicado no
local 3 a 4x/dia, mas somente após a cicatrização das feridas. Em casos graves, deve-se enca­
minhar a um neurologista ou um especialista da dor.

EPSTEIN-BARR

Patogênese: O EBV infecta a maioria dos seres humanos, com uma priminfecção na fase de
adultos jovens, causando a mononucleose infecciosa, caracterizada por febre, linfadenopatia,
faringite e esplenomegalia. O vírus é transmitido principalmente pela saliva, mas também por
transfusão sanguínea. Após a infecção primária, acredita-se que fique latente em diferentes
tecidos, dentre estes a glândula lacrimal.
Apresentação clínica: A principal forma de envolvimento ocular do EBV é a conjuntivite
folicular unilateral. A ceratite causada pelo EBV pode apresentar-se na forma de múltiplas
lesões dendríticas epiteliais e lesões estromais do tipo infiltrados subepiteliais, opacidades
numulares. As lesões podem assumir um formato de anel e até infiltrados mais profundos,
com a formação de neovascularização. O EBV já foi sugerido como possível agente causador
da síndrome iridocorneoendotelial e da síndrome oculoglandular de Parinaud. Pode causar
dacrioadenite aguda, que se manifesta clinicamente pelo aumento e inflamação da glândula
lacrimal.
Tratamento: A mononucleose é uma infecção autolimitada que não tem tratamento espe­
cífico, a não ser de suporte em relação aos sintomas e sinais. A ceratite, quando leva a baixa
de visão ou risco de cicatrização e neovascularização, deve ser tratada com corticosteroides
tópicos.

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Infecções Fúngicas

LUIZ ANTONIO VIEIRA • ANA LUISA HÖFLING-LIMA

As infecções fúngicas vêm crescendo em importância e frequência nas últimas décadas, e vá­
rias razões podem explicar esse aumento: a) melhores técnicas diagnósticas; b) uso frequente
de corticoide e antibiótico; c) maior número de acidentes envolvendo o globo ocular; d) au­
mento do número de cirurgias oculares; e) algumas novas doenças, tais como a síndrome da
imunodeficiência adquirida; f) número crescente de indivíduos viciados em drogas; g) reconhe­
cimento de que diversas espécies de fungos, usualmente saprófitas ou não patogênicos, têm
capacidade de infectar o olho.
As úlceras corneanas micóticas causadas por fungos filamentosos ocorrem principalmente
em climas quentes e relacionadas geralmente a infecções pós-traumáticas por materiais vege­
tais, em olhos previamente sadios. Diferentemente, a ceratite causada por leveduras ocorre
com mais frequência em olhos com doenças preexistentes, tais como atopia, olho seco, com­
prometendo a defesa local ou em razão do uso incorreto de corticoide.
Os fungos, diferentemente das bactérias, podem penetrar na membrana de Descemet
íntegra.
Os principais fungos causadores de ceratite em nosso meio são filamentosos: Fusarium sp.
(60%), Aspergillus sp. (11%), Penicillium sp. (7,0%) e Scedosporium sp. (6,0%), e, entre os leveduri-
formes, a Candida sp. (64%).

DIAGNÓSTICO CLÍNICO

Paciente com ceratite fúngica tende a ter menor reação inflamatória inicial que a bacteriana,
porém, em estágios avançados, torna-se indistinguível. As ceratites fúngicas filamentosas fre­
quentemente se manifestam com infiltrados, aspecto “seco” , branco-acinzentado, margens
hifadas, lesões satélites e sobrelevadas, podendo também ser acompanhadas por placas en-
doteliais, anel imune e hipópio. Pode haver extensão da infecção para a câmara anterior. As

155
156 Doenças Externas Oculares e Córnea

ceratites por leveduras podem se assemelhar às filamentosas, porém apresentam uma supu­
ração mais densa e focal, sem margens hifadas ou satelitismo, mostrando um aspecto úmido.
Quando a úlcera de córnea fúngica se aprofunda atingindo o estroma profundo, Descemet
e endotélio, associada à presença de placa de fibrina endotelial atrás da lesão, reação infla­
matória de câmara anterior (fibrina e células) e hipópio, pode-se suspeitar da formação de um
quadro infeccioso localizado no segmento anterior do olho (endoftalmite anterior), e o seu
reconhecimento é importante para indicação de procedimentos terapêuticos auxiliares, como
a lavagem de câmara anterior.

DIAGNÓSTICO LABORATORIAL

O exame laboratorial é imprescindível na rotina diagnóstica das úlceras corneanas, porque o


aspecto clínico, às vezes, torna-se indistinguível. A identificação precoce do agente etilógi-
co aumenta a probabilidade de melhor prognóstico. Deve ser coletado o material da úlcera
através da espátula de Kimura. O Gram e o Giemsa são métodos de coloração eficientes,
porém este último apresenta maior positividade no resultado. Acridine orange é um exce­
lente corante, tendo como inconveniente a necessidade de microscópio de fluorescência.
O ágar-Sabouraud é um meio de cultivo específico para crescimento fúngico, embora se
desenvolva satisfatoriamente em ágar-sangue. Deve-se aguardar até 3 semanas para des­
prezar a cultura. O BHI (brain hecirt infusion) é um meio que também pode ser utilizado para
crescimento fúngico.

TRATAMENTO

O tratamento baseia-se na identificação do fungo: se filamentoso, utilizam-se natamicina a 5%


(colírio) e cetoconazol oral (400 mg/dia), e, se leveduriforme, anfotericina B a 0,15% (colírio) e
cetoconazol oral (400 mg/dia).
O voriconazol (uso oral é um fármaco recentemente disponibilizado, mostrando uma boa
eficácia contra fungo filamentoso e melhor para levedura. Apresenta boa penetração ocular,
podendo ser utilizado por via tópica (colírios), subconjuntival e oral, com menos efeitos cola­
terais que o cetoconazol.
O voriconazol (uso oral) é um fármaco recentemente disponibilizado para prescrição en­
dovenosa, mostrando uma relativa eficácia contra fungos filamentosos e melhor para levedu­
ras, apresentando menos efeitos colaterais que o cetoconazol.
Dispomos de mais opções de fármacos antifúngicos para tratamento de ceratite por leve­
duras que ceratite por fungos filamentosos, tanto oral quanto tópica. Podem-se utilizar contra
leveduras o fluconazol, tanto tópico, sob forma de colírio (2 mg/ml), quanto oral (200 mg/dia),
e o itraconazol, via oral, na concentração de 200 mg/dia. Esses fármacos apresentam, diante
do cetoconazol, vantagens por serem menos tóxicos e terem melhor penetração corneana,
porém existe a desvantagem do preço.
A anfotericina B pode ser usada via intracorneana e na câmara anterior como complemen-
tação ao tratamento em casos graves.
Infecções Fúngicas

0 corticoïde é contraindicado. As cirurgias são indicadas em casos que não apresentam


boa evolução clínica. O recobrimento conjuntival não deve ser realizado em úlceras perfuradas
ou com envolvimento intraocular da infecção. Aproximadamente 33% dos casos de ceratites
fúngicas não evoluem satisfatoriamente ao tratamento clínico, necessitando de cirurgia de ur­
gência, transplante de córnea “a quente”, apresentando mau prognóstico, principalmente se
existe invasão fúngica intraocular.
A endoftalmite anterior é um quadro grave que pode evoluir para panoftalmite, comple­
mentado o tratamento com injeção de antifúngicos na câmara anterior ou, até mesmo, lava­
gem na concentração de 30 mg/ml.

BIBLIOGRAFIA

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Infecções Parasitárias: Ceratite
por A ca n th a m o eb a spp.

DENISE DE FREITAS • FÁBIO RAMOS DE SOUZA CARVALHO


ANNETTE SILVA FORONDA

Amebas de vida livre do gênero Acanthamoeba são organismos eucariotos (contêm núcleo ver­
dadeiro), aeróbios e de ampla dispersão na natureza, podendo habitar ambientes aquáticos e
terrestres. O ciclo de vida celular desse protozoário compreende duas formas vitais: (/) trofo-
zoíto, cujo tamanho varia de 15 a 45 pm, é caracterizado pela fase vegetativa de locomoção
(emissão de pseudópodes especializados denominados acantopódios), alimentação (princi­
palmente bactérias e leveduras) e multiplicação (fissão binária ou bipartição); e (//) cisto, cujo
tamanho varia entre 10 e 25 pm, é caracterizado pela forma de resistência, imóvel, com a
presença de paredes celulares duplas (endo e ectocisto), constituídas principalmente por car­
boidratos. Na superfície ocular, Acanthamoeba spp. apresenta, em geral, predisposição pela
córnea, motivo pelo qual a doença é denominada ceratite amebiana.
A ceratite por Acanthamoeba ocorre, na grande maioria das vezes, em usuário de lentes
de contato (LC), especialmente as gelatinosas, sobretudo quando há exposição a águas pos­
sivelmente contaminadas (p.ex., piscina, mar, banheira e soro fisiológico) e quando não há
cumprimento das recomendações de cuidados e uso dessas lentes. Casos não relacionados ao
uso de LC têm sido relatados na literatura e estão geralmente ligados a traumas com materiais
vegetais, insetos, entre outros. No Brasil, os primeiros casos de ceratite por Acanthamoeba spp.
foram publicados em 1988.
Os sintomas na fase inicial são bastante inespecíficos e, geralmente, incluem intolerância
ao uso de LC, traduzidos por incômodo na forma de sensação de corpo estranho ou ardor,
lacrimejamento, fotofobia e embaçamento visual. Em 50% dos casos pode ocorrer dor intensa,
desproporcional aos achados clínicos. Esses sintomas podem apresentar períodos de melhora
e piora durante o curso da doença.
Os achados clínicos são de edema palpebral e blefaroespasmo; na biomicroscopia pode­
mos observar [1] inflamação perilimbar e/ou hiperemia ocular generalizada, [2] alterações epi-
teliais na forma de linhas (pseudodendritos) (Fig. 1), [3] epitélio corneano íntegro ou ulcerado

159
160 Doenças Externas Oculares e Córnea

Fig-1 Pseudodendrito típico de A c a n th a m o e b a spp., com


epitélio sobrelevado e ausência de bulbo terminal.

nas mais variadas formas, [4] ceratoneurite (considerada por alguns como patognomônica no
usuário de LC) (Fig. 2), [5] infiltração estromal de várias intensidades e localizações, mais ca-
racteristicamente na forma de anel (bastante sugestiva, mas não patognomônica) (Fig. 3), [6]
neovascularização corneana, [7] afinamento corneano, [8] reação de câmara anterior ou até
mesmo hipópio, [9] esclerites, entre outros. Em casos mais avançados, podemos observar a
formação de midríase paralítica, com ou sem ectrópio uveal, atrofia de íris com acúmulo de
pigmentos na face posterior da córnea, catarata e glaucoma. Diminuição da sensibilidade cor­
neana pode estar presente.
O principal diagnóstico diferencial nas fases iniciais é com o herpes epitelial, principal­
mente quando há observação do pseudodendrito e diminuição da sensibilidade corneana.
Na fase estromal da infecção pode ser confundida com herpes estromal necrosante ou úlcera
fúngica, devido à evolução lenta. Outro diagnóstico diferencial importante é a úlcera por uso
abusivo de colírio anestésico, que causa ceratite necrosante com intensa dor.
O diagnóstico é via exame laboratorial, pois, uma vez confirmado, o tratamento é bastan­
te longo, chegando há meses nas ceratites com acometimento estromal. A pesquisa laborato­
rial é realizada com múltiplas raspagens da córnea na tentativa de isolar o parasita; o material
pode ser semeado diretamente no meio de cultura ou colocado em meio de transporte apro­
priado (p. ex., solução salina de Page). Fragmentos de tecido corneano ou de epitélio também

r Fig. 2 Ceratoneurite, observada como linhas no estroma cor­


neano, considerada patognomônica de A c a n th a m o e b a spp.
quando presente no usuário de lentes de contato.
Infecções Parasitárias: Ceratite por A ca n th a m oeb a spp.

Fig.3 Anel intraestromal, típico de ceratite por A ca n th a -


m oebo spp.

são colocados em meio de transporte para Acanthamoeba. O exame direto propicia a detecção
presuntiva do protozoário na amostra clínica, independentemente do estágio de viabilidade, e
as colorações utilizadas são hematoxilina férrica de Heidenhain e Giemsa. A técnica de micros-
copia utilizando o corante fluorescente Calcofluor white (Fig. 4) também propicia a observação
de cistos do protozoário a partir da amostra clínica (Quadro 1). O exame direto a fresco, com a
observação do material vivo e as amebas em locomoção, é o que oferece melhores condições
de caracterização morfológica, usando-se microscopia de contraste de fase e/ou de interferên­
cia. A metodologia de isolamento e cultivo da Acanthamoeba spp. em meio de cultura sólido
r

não nutriente (Quadro 1), como o Agar-Foronda, contendo bactérias inativadas, é considerada
padrão-ouro para o diagnóstico laboratorial da infecção e permite avaliar quanto ao estado de
viabilidade celular da ameba na amostra clínica. Culturas positivas das lentes e/ou materiais de
limpeza das LCs não fecham o diagnóstico. Nas fases mais avançadas em que o protozoário já
penetrou profundamente no estroma, pode ser necessária a realização de biópsia corneana;
fragmentos de epitélio ou tecido corneano devem ser colocados no meio de transporte. O
microscópio confocal pode mostrar a presença da Acanthamoeba spp., principalmente cistos,
mas não permite avaliar a viabilidade do parasita. A reação em cadeia da polimerase (PCR)

Fig. 4 Fotomicrografia fluorescente de cistos de A c a n ­


th a m o e b a spp. em esfregaço de raspado corneano corado
com C a lco flu o r W hite.
162 Doenças Externas Oculares e Córnea

QUADRO 1 Colorações e culturas recomendadas para ceratite microbiana

M icro rg a n ism o su sp e ito C o lo ra çã o M eio d e cu ltu ra

Bactéria aeróbica Gram Ágar-sangue


A cridine orange Ágar-chocolate
Meio de tioglicolato
Bactéria anaeróbica Gram Ágar-sangue anaeróbico
A cridine orange Ágar-álcool feniletil em câmara anaeróbica
Meio de tioglicolato
Micobatéria Gram Ágar-sangue
A cid-fast Ágar-Lõwenstein-Jensen
Lecitina
Fungo Gram Ágar-sangue (25°C)
A cridine orange Ágar-Sabouraud (25°C)
Calcofluor w hite Infusão cérebro-coração (25°C)
A ca n th a m oeb a spp. Giemsa Ágar-não nutriente com bactéria inativada
Calcofluor w hite

provavelmente reduz o tempo de diagnóstico, mas hoje em dia é utilizado em estudos do pa-
r
rasita e não está incluso na rotina diagnóstica atual. E importante ressaltar que podem ocorrer
infecções bacteriana e fúngica associadas, daí a importância de colheita em vários meios de
cultura. Também, o isolamento inicial de uma bactéria, ou até mesmo de um fungo, não ex­
clui a possibilidade de infecção por Acanthamoeba, sendo a clínica e a resposta terapêutica ao
isolado cruciais para a determinação diagnóstica final. Ainda, atentar para possíveis infecções
secundárias, que podem ocorrer quando o tratamento é prolongado; essas infecções são ge­
ralmente causadas por bactérias (estreptococos).
r

O diagnóstico precoce é crítico no sucesso do tratamento da infecção. E descrito que os


melhores resultados ocorrem quando o tratamento é instituído com até 4 semanas do início
dos sintomas e sinais, e quando a infecção acomete somente o epitélio corneano. O diagnós­
tico de Acanthamoeba spp. deve ser afastado em todo paciente usuário de LCs com ceratite a
esclarecer ou com quadro clínico de “herpes” que não responde ao tratamento. Sempre de­
vemos pensar na hipótese diagnóstica de Acanthamoeba e indicar a colheita de material para
análise laboratorial em usuários de LC com sintomas e sinais atípicos e crônicos.
Nas fases iniciais, o tratamento inclui o debridamento epitelial e o uso de medicação ame-
bicida, apresentando bons resultados. Na fase estromal, o tratamento é mais prolongado, pois a
resposta a este muitas vezes é lenta. Existem várias medicações que têm atividade contra a Acantha­
moeba spp. (Quadro 2). O tratamento da ceratite por Acanthamoeba deve ser agressivo, com o uso
de colírios em alta frequência, mas sempre com atenção para o desenvolvimento de sinais de toxi­
cidade, que podem ser lesivos ao olho. Utiliza-se a combinação de dois agentes antimicrobianos:
as diamidinas (propamidina ou hexamidina, ambas a 0,1%) e os antissépticos catiônicos (biguanida
ou clorexidina, ambas na concentração inicial de 0,02%). A biguanida tem a capacidade de eliminar
formas císticas e trofozoíticas com toxicidade menor em comparação à propamidina, sendo que
esta última tem somente ação contra as formas trofozoíticas e, portanto, sua a utilização é geral­
mente restrita ao primeiro mês de tratamento. O tratamento inicia-se com uma diamidina, geral­
mente a propamidina, e um antisséptico catiônico, geralmente a biguanida (obtida por farmácia
Infecções Parasitárias: Ceratite por A ca n th a m oeb a spp.

de manipulação). E importante atentar para sinais de toxicidade, que podem requerer redução mais
rápida da frequência da medicação. Tanto as diamidinas como os agentes antissépticos catiônicos
não são aprovados no Brasil para o tratamento da ceratite por Acanthamoeba, devendo o paciente
assinar um termo de consentimento livre e esclarecido para tal. Os antifúngicos tópicos têm sido
usados com menos frequência e somente em casos de não resposta ao tratamento aqui já citado.
O uso de antifúngicos sistêmicos é raramente indicado na atualidade, mas, se for o caso, a função
hepática deve ser checada antes da sua administração e monitorada durante o seu uso. Ao término
do tratamento, é importante seguir esses pacientes por um tempo prolongado, para certificar-se
de que não há recorrência da infecção. Alguns pacientes podem desenvolver inflamação corneana
imunológica e não infecciosa, traduzida por infiltrados numulares ou edemas corneanos mais ex­
tensos. Essa reação é provavelmente de hipersensibilidade a restos do parasita morto e deve ser
tratada com corticoides leves. Nesses casos é imprescindível o diagnóstico diferencial com infec­
ção ativa por Acanthamoeba, que dever ser feito através de colheita de material corneano. O uso de
corticoide deve ser evitado nas 2 semanas iniciais de tratamento específico, podendo ser introdu­
zido de forma parcimoniosa (corticoides leves e em baixa frequência) frente à melhora dos sinais e
sintomas. O uso de corticoides sistêmicos pode ser necessário no caso de esclerites. O transplante
de córnea só deve ser indicado quando houver falha de tratamento (aguardar no mínimo 4 meses)
ou quando há o desenvolvimento de complicações como midríase, sinequias, catarata e glaucoma,
que podem requerer transplante penetrante de córnea, facectomia com implante de lente intrao­
cular, reconstrução do diafragma iridocristaliniano e/ou cirurgias fistulizantes ou de implantes de
tubos de drenagem.
A prevenção da infecção é um dos fatores mais importantes. No caso de usuários de LCs,
estes devem ser orientados sobre a importância da correta assepsia e cuidados com uso. De­
vem, também, ser orientados a procurar rapidamente o oftalmologista frente a sinais e sinto­
mas atípicos durante o uso das lentes.

QUADRO 1 Medicação antiamebicida

Fármaco Classe Inibição Cisticida


Neomicina Aminoglicosídeo Síntese de proteínas Não
Isotionato de Diamidina aromática Síntese de DNA Não
propamidina
Hexamudina Diamune acromatice Síntese de DNA Não
Clorexidina Antisséptico catiônico Função da membrana Sim
Biguanida Antisséptico catiônico Função da membrana Sim

CERATITE POR MICROSPORÍDEO

Microsporídeo é um organismo conhecido como parasita dos maiores grupos animais (verte­
brados e invertebrados), incluindo anfíbios, peixes, insetos, répteis, aves e roedores. Podem
causar uma variedade de doenças humanas envolvendo múltiplos órgãos, e existem casos bem
documentados de ceratites associadas recentemente a indivíduos HIV-positivos.
164 Doenças Externas Oculares e Córnea

O microsporídeo consiste em um fungo formador de esporos e obrigatoriamente intrace­


lular. Seu ciclo de vida ocorre em três fases: infectante, proliferativo e esporogônio. Cada es­
poro possui uma camada espessa e dupla da parede celular. Apenas 8 casos de microsporidiose
humana foram descritos entre 1959 e 1990, e quatro deles envolviam os olhos. Desde 1990,
pelo menos 14 casos de ceratoconjuntivite por microsporídeos foram descritos em pacientes
com AIDS.
Fatores predisponentes, como exposição a animais de fazenda, proximidade dos trópicos
e trauma, são os principais desencadeantes. Provavelmente, a mais importante forma de trans­
missão é horizontal. Ou seja, indivíduos com múltiplas infecções em diferentes órgãos pelo
microsporídeo podem desenvolver ceratite infecciosa.
Há duas formas de apresentação clínica da doença ocular pelo microsporídeo: nos indi­
víduos imunodeficientes e nos imunocompetentes, sendo essas típicas. Todos os casos des­
critos com síndrome de imunodeficiência adquirida são de infecção epitelial com ceratopatia
ponteada superficial lentamente progressiva. No paciente imunocompetente ocorre uma cera­
tite estromal grave, que pode levar à perfuração da córnea.
Os microsporídeos não apresentam crescimento em meio de cultura laboratorial. O diag­
nóstico requer a identificação de um túbulo polar distinto nesses parasitas, que é feito pela
microscopia de transmissão em material de biópsia. O organismo pode ser identificado com
coloração de Gram e cora em Gram-positivo. A técnica de microscopia utilizando o corante
fluorescente Calcofliior white também possibilita a visualização dos microsporídeos (esporos) a
partir da amostra clínica. Os organismos têm coloração variável característica com prata mete-
namina. Há um corpo PAS-positivo no final da estrutura oval. O esporo maduro é diagnóstico
de microsporídeo na microscopia de luz. Para se identificar o gênero morfologicamente, há
necessidade de estudo de microscopia eletrônica, e, pelas características observadas, deter­
mina-se a espécie. A aplicação de ensaios de biologia molecular, baseados principalmente na
reação em cadeia da polimerase (PCR), também tem sido proposta como ferramenta comple­
mentar no diagnóstico laboratorial precoce de ceratite por microsporídeos. O tratamento da
microsporidiose consiste em administrar antimicóticos por via oral (itraconazol 200 mg, via
oral, 2 vezes/dia), isotionato de propamidina a 0 , l %6 vezes/dia (Brolene), já descrito como
eficaz na resolução de infecção pelo microsporídeo. Em geral, o microrganismo comumente
relacionado aos casos de ceratite por microsporídeos pertence à espécie Vittciforma corneae.

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Infecções Clamidianas

MARINHO JORGE SCARPI • ANA LUISA HÖFLING-LIMA

Infecção pela bactéria Chlamydia trachomatis é o maior problema de saúde pública como doen­
ça sexualmente transmissível, tanto em países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimen­
to, e é o segundo microrganismo mais frequente como causa de conjuntivite crônica do adulto
sexualmente ativo.
Como infecção de transmissão olho a olho, o tracoma continua merecendo a atenção dos
países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, que deverá ser maior ou menor de acordo
com a morbidade, já que é a terceira causa de cegueira no mundo.
Nas duas formas de transmissão, a conjuntivite é folicular crônica.
Conjuntivite clamidiana sexualmente transmissível é comumente chamada de conjuntivite
de inclusão, tanto para o adulto quanto como oftalmia neonatal.
A contaminação das mucosas do recém-nascido com Chlamydia trachomatis ao passar pelo
canal de parto, além da conjuntivite que se manifesta nos 10 primeiros dias de vida, pode pro­
vocar infecções das vias respiratórias, otite, vaginite e pneumonia intersticial afebril. A ocor­
rência de pseudomembrana na conjuntiva tarsal nas 3 primeiras semanas de vida confirma o
diagnóstico de infecção clamidiana. Oftalmia neonatal deve ser tratada sistemicamente com
eritromicina na dose de 30 mg/kg/dia, fracionada em 3 tomadas diárias durante 2 semanas. O
valor da antibioticoterapia tópica é discutido nos casos das oftalmias neonatais pelos agentes
mencionados e, se utilizada, deve ser na forma de pomada de tetraciclina a \% ou eritomicina a
0,5%, 3 a 4 vezes/dia, durante 10 dias. As complicações sistêmicas da contaminação do recém-
-nascido obrigam a investigação laboratorial da causa da conjuntivite e a participação conjunta
do pediatra no tratamento e controle. Os pais devem ser informados sobre a necessidade de
investigar infecção clamidiana no trato genital do casal.
Conjuntivite de inclusão do adulto é também denominada paratracoma, e a contaminação
é incidental. No diagnóstico diferencial das conjuntivites crônicas, apesar da alta frequência, a
Chlamydia trachomatis nem sempre é lembrada se a epidemiologia como doença sexualmente

167
168 Doenças Externas Oculares e Córnea

transmissível não fizer parte do questionário aplicado na “história da doença atual” e o exame
biomicroscópcio não for cuidadoso. Folículos nas conjuntivas tarsais são mais raros do que no
tracoma, mas, se ocorrerem na conjuntiva bulbar, fortalecem o diagnóstico etiológico.
Sinais urogenitais na mulher infectada por Chlamydia trachomatis passam muitas vezes
despercebidos ou como corrimento tolerável. No homem, o diagnóstico é fortalecido ao con­
firmar a ocorrência da “gota matinal” , corrimento na forma de uma gota de secreção esbran­
quiçada antes do primeiro urinar na manhã, podendo haver queixa de ardor uretral.
O tratamento deve ser tópico e sistêmico, tanto do paciente quanto do seu(s) parceiro(s).
Pomadas de tetraciclina a 1%, ou de sulfonamida ou fluoroquinolona são usadas 2 vezes/dia
pelo período de 2 semanas. Sistemicamente, pode-se utilizar a tetraciclina na dose de 500 mg
via oral, 2 vezes/dia, durante 2 semanas. Esta pode ser substituída pela eritromicina na mesma
dosagem; doxiciclina (vibramicina) 300 mg iniciais, mantendo-se 100 mg/dia, até completar 2
semanas de tratamento, ou pela azitromicina, 500 mg, 1 dose por semana durante 3 semanas.
Chlamydia trachomatis é sensível também às sulfonamidas e à rifampicina. Havendo confirma­
ção de infecção urogenital, o tratamento de eleição é azitromicina na dose de 500 mg/dia/3
dias, repetida durante 3 semanas, ou ciprofloxacino 500 mg/2 vezes/dia/20 dias. A melhor op­
ção é a azitromicina, por ter acesso aos lisossomos, enquanto o ciprofloxacino atinge apenas o
citoplasma. Evidentemente, o tratamento para a infecção urogenital clamidiana dessa maneira
é mais do que suficiente para tratar também o paratracoma desses pacientes.
O quadro de conjuntivite pode resolver mesmo na ausência de tratamento ou de trata­
mento adequado, apesar do desconforto ocular, podendo resultar em cicatrizes conjuntivais
tarsais e corneais superiores que muito raramente podem interferir com a visão.
Tracoma tem história natural que pode resultar em cicatrizes conjuntivais tarsais, com
entrópio e opacidades corneais que comprometem a visão. A doença é caracterizada pela
reinfecção da conjuntiva pela Chlamydia trachomatis em regiões endêmicas, permitindo o apa­
recimento dos seus diferentes estágios. Denomina-se tracoma folicular (TF) à presença de
pelo menos cinco folículos na superfície da conjuntiva tarsal superior exposta pela eversão
da pálpebra. Se, além dos folículos na conjuntiva tarsal superior, ocorre hiperplasia papilar
suficiente para dificultar a observação dos vasos tarsais profundos, esse estágio se chama tra-
•\

coma folicular intenso (TI). A presença de cicatriz na conjuntiva tarsal superior, por menor que
ela seja, denomina-se tracoma cicatricial (TS). A presença de pelo menos um cílio tocando na
superfície ocular, ou evidência de epilação, caracteriza o estágio triquíase tracomatosa (TT).
Opacidade corneai chegando a atingir o terço superior da córnea, ou mais, é o estágio chama­
do opacidade corneai (CO).
Tracoma pode ser encontrado em todo o Brasil, com alguma variação no nível de morbi-
dade, comportando-se como doença que não cega na maioria das regiões e como causa de
cegueira em locais do Nordeste. Ações governamentais de vigilância existem, embora não
sejam suficientes para permitir acesso apropriado de todas as comunidades. Na regiões endê­
micas brasileiras, sinais e sintomas do tracoma são mais frequentes na forma ativa da doença.
Linfadenopatia pré-auricular é o sinal mais comum, ocorrendo em 40% dos casos de tracoma
folicular. O hábito cultural de tomar, pelo menos um banho por dia, e o acesso às ações básicas
e de nível secundário de atenção à saúde, em um padrão razoável, provavelmente contribui
para esse comportamento clínico.
Infecções Clamidianas

Localidades da Região Nordeste apresentam de 40 a 70% de prevalência de tracoma foli-


cular em crianças menores de 10 anos, e cicatrizes conjuntivais podem ser observadas a partir
dos 4 anos de idade. Triquíase pode ser observada a partir dos 40 anos e opacidade corneai
antes dos 60 anos de idade em comunidade como a de Mocambo, no Ceará, onde a cegueira
por tracoma ocorre em 1% da população.
Além da erradicação da doença, a proposta dos programas de controle do tracoma é dimi­
nuir a prevalência da fase ativa e corrigir a eversão palpebral.
Para evitar a reinfecção, o tratamento clássico da comunidade com tracoma é feito, em
todas as crianças e mulheres que cuidam diretamente delas, com pomada de tetraciclina a 1%.
Quando a prevalência de tracoma folicular em crianças de 1 a 10 anos idade for superior ou
igual a 20%, o tratamento tópico deve ser em massa. Quando essa prevalência estiver entre
5 e 20%, o tratamento deve ser individual, familiar ou em massa, dependendo da prevalência
das outras fases da doença. Abaixo de 5% de prevalência de TF, o tratamento é individual. De
acordo com as facilidades locais, o programa instituído pode ser contínuo ou intermitente. No
primeiro, a pomada é aplicada 2 vezes ao dia durante 6 semanas, reavaliando-se, em seguida,
a prevalência da infecção folicular. Na forma intermitente, a pomada pode ser aplicada 2 vezes/
dia, 5 dias/mês, durante 6 meses, ou 1 vez/dia, 10 dias/mês, durante 6 meses, reavaliando-se,
então, a prevalência da infecção. Os programas de controle do tracoma têm dado preferência à
administração de azitromicina em dose única de 1 g, repetida a cada 6 meses, devido à melhor
aderência ao tratamento pela população.
O diagnóstico do tracoma é facilmente realizado com base nos seus fortes aspectos epi-
demiológicos e morfológicos, dispensando a investigação laboratorial. O diagnóstico labora­
torial das infecções oculares clamidianas tem como método-padrão a citologia pelo anticorpo
monoclonal fluorescente contra Chlamydia trachomatis, também chamado de imunofluorescên-
cia direta. A especificidade desse teste é alta e a sensibilidade está na dependência da experi­
ência do microscopista com essa técnica, aconselhando-se a dar preferência aos laboratórios
familiarizados com oftalmologia para a execução do teste.

BIBLIOGRAFIA

Scarpi MJ. Infecções oculares por Chlamydia trachomatis na criança e no adulto. In: Kara-José N; Freitas D, Moreira, Boteon
JE. Doenças da Córnea e Conjuntiva; Rio de Janeiro: Cultura Médica, 2007; p. 143-5.

Scarpi MJ, Belfort Jr R. Tracoma. In: Coura JR. Dinâmica das Doenças Infecciosas e Parasitárias. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2005; 2:1627-38.
o
*<
Doenças Imunológicas
U"
Alergia Ocular

MARIA CRISTINA NISHIWAKI-DANTAS


DÉBORA MARCOLINI SCHNEIDER FELBERG • ANDRÉA SANTUCCI CÉSAR

INTRODUÇÃO

Alergia ocular pode ser definida como a alteração da superfície ocular causada por mecanis­
mo de hipersensibilidade tipo I (mediado pela imunoglobulina E - IgE) e tem como sintoma
principal o prurido.
Aproximadamente 20%da população geral sofrem de alergia ocular.
A seguinte classificação foi proposta levando-se em consideração a fisiopatologia e a evo­
lução clínica:
1. Conjuntivite alérgica (sazonal ou perene).
2. Ceratoconjuntivite primaveril.
3. Ceratoconjuntivite atópica.
4. Conjuntivite papilar gigante.

CONJUNTIVITE ALÉRGICA (SAZONAL OU PERENE)

Fisiopatologia: ocorre em indivíduos previamente sensibilizados expostos a aeroalérgenos


que se ligam à IgE dos mastócitos conjuntivais, liberando a cascata de mediadores alérgicos
e inflamatórios.
Frequentemente associada à rinite alérgica e asma.
A histamina é a principal responsável pelos sinais e sintomas da conjuntivite alérgica,
como prurido, edema palpebral, hiperemia conjuntival e quemose.
Apresentação clínica: a conjuntivite alérgica sazonal é a forma mais comum de alergia
ocular, porém os sintomas em geral não são suficientes para levar o paciente ao médico. Afeta
adultos jovens sem predileção por sexo.

173
174 Doenças Externas Oculares e Córnea

As crises da conjuntivite alérgica sazonal ocorrem em certas estações do ano (estações de


polinização), desencadeadas por exposição a polens atmosféricos (polen, gramíneas) e desa­
parecem completamente com o fim da emissão do alérgeno.
Caracterizam-se por episódios sazonais de prurido, hiperemia conjuntival (Fig. 1) e hiper­
trofia papilar da conjuntiva palpebral superior, geralmente com papilas menores que 1 mm. O
envolvimento da córnea é raro.
A forma perene é semelhante à sazonal, porém é crônica e os sinais e sintomas são me­
nos intensos. Ocorre durante o ano todo, com exacerbações sazonais discretas. Relaciona-se
à exposição a alérgenos perenes, normalmente domésticos, como o ácaro presente na poeira
doméstica.
Laboratório: a presença de eosinófilos ou grânulos eosinofílicos no raspado conjuntival
ou citologia de impressão confirma o diagnóstico de alergia ocular, embora sua ausência não
descarte a possibilidade de alergia ocular, pois os eosinófilos localizados nas camadas mais
profundas da conjuntiva podem não ser detectados pela raspagem. Testes alérgicos cutâneos
(prick ou patch test) positivos determinam qual ou quais são os alérgenos responsáveis pela
alergia ocular e direcionam a imunoterapia, quando indicada, principalmente nos pacientes
com rinite associada.
Tratamento: o tratamento inicial consiste em evitar o alérgeno, principalmente com me­
didas de higiene ambiental (Quadro 1), compressas frias (evitar água boricada) para aliviar o
prurido e instilação de colírios lubrificantes para diluir e ajudar a drenar os alérgenos e media­
dores inflamatórios presentes na superfície ocular.
Durante as crises de CAS, nas quais não é possível afastar o alérgeno, e nos casos de exa­
cerbação da CAP, o uso de anti-histamínico tópico, como a emedastina 2 a 3 vezes/dia, está
indicado por até 15 a 30 dias (Quadro 2). Pacientes nos quais as crises persistem por mais de

Fig. 1 Hiperemia conjuntival com discreta hipertrofia da con­


juntiva palpebral inferior em paciente com conjuntivite alérgica
sazonal.

QUADRO 1 Medidas para higiene ambiental*•

• Usar travesseiro de látex ou antialérgico


• Protetor de colchão
• Eliminar cortinas, carpetes, tapetes
• Lavar roupas e lençóis com água quente acima de 56° a cada 2 semanas
• Retirar ou congelar bichos de pelúcia
• Reduzir a umidade do ambiente
Alergia Ocular

QUADRO 2 Colírios para o tratamento das alergias oculares (disponíveis comercialmente no Brasil)

1. Lubrificantes (de preferência sem conservante)


2. Anti-histamínico
• Emedastina (Emadine®)
3. Estabilizadores da membrana de mastócitos
• Cromoglicato de sódio a 4% (genérico, Cromolerg®, Maxicrom®)
• Lodoxamida (Alomide®)
4. Agentes de dupla-tripla ação
• Olopatadina a 0,1% (Patanol®)
• Olopatadina a 0,2% (Patanol S®)
• Cetotifeno (Zaditen®, Octifen)
• Epinastina (Relestat®)
5. Corticosteroides
• Acetato de predenisolona a 1% (genérico, Pred fort®, Oftpred®)
• Dexametasona a 0,1% (Maxidex“)
• Fluormetolona (Florate*)
• Loteprednol (Loteproí)

15 a 30 dias são orientados a instilar estabilizadores da membrana de mastócitos, como o cro­


moglicato de sódio a 4% ou lodoxamida 4 vezes/dia. A ação desses medicamentos se dá após
10 a 15 dias do início do uso.
Casos leves podem ser tratados com anti-inflamatórios não hormonais, como o cetorola-
co de trometamina a 0,5% 4 vezes/dia. Atuam interrompendo o trajeto metabólico da ciclo-
oxigenase e eliminando a produção de prostaglandinas e tromboxane. Não é de esperar que
promovam alívio do prurido, porém estudos sugerem que algumas prostaglandinas são pru-
ritogênicas; nem que as prostaglandinas possam agir sinergicamente com a histamina para
potencializar o prurido, de modo que agiriam indiretamente sobre a histamina.
A dessensibilização (imunoterapia) oferece bons resultados para rinite alérgica, mas não
para o quadro ocular.
Uma vez que as crises tendem a ser autolimitadas, o tratamento medicamentoso deve ser
instituído apenas quando os sinais e sintomas são realmente importantes, ou seja, vai depen­
der da gravidade do quadro.
Com evolução benigna e autolimitada, sem envolvimento da córnea, sua importância clí­
nica é decorrente do desconforto que pode, dessa forma, interferir na qualidade de vida dos
pacientes.

CERATOCONJUNTIVITE PRIMAVERIL

E uma afecção alérgica crônica e bilateral da conjuntiva, com exacerbações sazonais, mais fre­
quente na primavera e verão, em regiões de clima quente e seco.
Tem predileção por meninos, entre 2 e 10 anos de idade, com tendência à resolução es­
pontânea na puberdade.
Antecedentes pessoais e familiares de atopia são frequentes.
Fisiopatologia: duplo mecanismo de hipersensibilidade tipos I e IV parece estar envolvido
na patogênese da conjuntivite primaveril.
176 Doenças Externas Oculares e Córnea

A presença anormal de grande número de mastócitos, basófilos e eosinófilos no epitélio


conjuntival e na substância própria é descrita. Proteína eosinofílica basal maior, uma potente
citotoxina liberada pelo eosinófilo, também é depositada difusamente no epitélio e na subs­
tância própria da conjuntiva e corresponde a um marcador de inflamação nas doenças alérgi­
cas.
O filme lacrimal apresenta quantidades aumentadas de IgE e também de IgG, que podem
ativar a cascata de complemento, além de triptase, histamina, leucotrienos, interleucinas e
citoquinas.
C3, fator B e anafilotoxina C3, por sua vez, desencadeiam a degranulação dos mastócitos,
que são também encontrados no filme lacrimal.
Dois tipos de mastócitos foram identificados:
Mastócito dependente de linfócito T, que contém triptase nos grânulos.
Mastócito independente de linfócito T, que contém triptase e quinase.

Pacientes com conjuntivite primaveril têm maior número de mastócitos dependentes de


linfócito T, portanto o aumento de triptase no filme lacrimal pode ser um indicador da ativação
do mastócito.
Apresentação clínica: os sintomas principais são prurido, lacrimejamento, sensação de
corpo estranho, fotofobia e secreção mucosa.
Clinicamente, são três as formas de apresentação da conjuntivite primaveril: palpebral,
límbica e mista.
Na forma palpebral, é característica a hipertrofia papilar (>1 mm de diâmetro) na con­
juntiva palpebral superior (Fig. 2). Nos casos graves, as papilas podem ser gigantes e assumir
o aspecto de paralelepípedo. Secreção mucosa espessa tende a se acumular entre as papilas
gigantes e piorar com o calor (sinal de Maxwell-Lyons).
Na forma límbica, a reação papilar ocorre no limbo (Fig. 3), que assume o aspecto gelati­
noso, espessado, com massas nodulares principalmente no limbo superior. Pequenas pseudo-
fossetas marginais (Fig. 4) podem ser encontradas.
Na forma mista, os pacientes apresentam papilas gigantes na conjuntiva palpebral supe­
rior e limbo gelatinoso.
Pontos de Horner-Trantas, que são pontos elevados e esbranquiçados constituídos por
macroagregados de eosinófilos degenerados e restos de células epiteliais, são frequentemente
observados no limbo superior, mas podem ser encontrados também nas conjuntivas bulbar,

Fig. 2 Papilas gigantes na conjuntiva palpebral superior em


paciente com ceratoconjuntivite primaveril forma palpebral.
Alergia Ocular

Fig.3 Hipertrofia de papilas no limbo, que adquire aspecto


gelatinoso em paciente com ceratoconjuntivite primaveril
forma límbica.

Fig.4 Pseudofossetas no limbo de paciente com ceratocon­


juntivite primaveril forma límbica.

palpebral e em toda a circunferência do limbo (Fig. 5). São patognomônicos de alergia ocular
e surgem durante as crises.
A córnea apresenta inicialmente ceratite puncttata superficial (Fig. 6), causada pelos me­
diadores liberados pela conjuntiva e, provavelmente, exacerbada pelo trauma mecânico das
papilas gigantes sobre a córnea. Os pontos podem coalescer e produzir um defeito epitelial
oval, horizontal e com depósito superficial de placa de fibrina, que dificulta a cicatrização e
estimula a neovascularização. Tal defeito habitualmente aparece no terço superior da córnea
e é conhecido como úlcera em escudo (Fig. 7).
Neovascularização corneai periférica e paniuis são mais frequentes superiormente.
Ceratocone pode estar associado.
Laboratório: a citologia da conjuntiva consiste em eosinófilos, linfócitos, monócitos e
grânulos eosinofílicos. Testes alérgicos cutâneos podem ser realizados.
Tratamento: como em qualquer processo alérgico, medidas gerais para a eliminação do
alérgeno são fundamentais (Quadro 1).

Fig. 5 Pontos de Horner-Trantas em paciente com ceratocon­


juntivite primaveril.
178 Doenças Externas Oculares e Córnea

Fig. 6 Ceratoconjuntivite primaveril. Ceratite p u n c tto ta .

Fig. 7 Úlcera em escudo com depósito de placa de fibrina


em paciente com ceratoconjuntivite primaveril.

Casos leves podem ser tratados com compressas geladas, vasoconstritores e anti-hista-
mínicos tópicos. Estabilizadores da membrana de mastócitos, como o cromoglicato de sódio
a 4% e lodoxamida a 0,1% (Quadro 2), podem ser administrados profilaticamente 4 vezes/dia,
com início pelo menos 15 dias antes do aparecimento das crises, nas formas sazonais. Na per­
sistência de sintomas o ano inteiro, recomenda-se a manutenção da medicação 1 a 2 vezes/
dia, entre as crises principais.
Os medicamentos chamados de “dupla-tripla ação” (Tabela I) podem substituir com êxito
a associação do anti-histamínico tópico e do estabilizador de mastócito. Tendo em vista a res­
posta individual a cada fórmula e mecanismos de ação diferentes, recomenda-se a escolha do
colírio adequando-se caso a caso.
A olopatadina a 0,1% deve ser usada de 8 em 8 horas. O cetotifeno e a epinastina de 12 em
12 horas e a olopatadina a 0,2% 1 vez ao dia.

TABELA [ Alvo imunológico dos colírios de dupla ação

C o lírio A lvo

Olopatadina a 0,1% (Patanolâ) Histamina, mastócitos, eosinófilos, neutrófilos, linfócitos, fator de necrose
tumoral, molécula de adesão intercelular 1
Olopatadina a 0,2% (Patanol Sâ) Histamina, mastócitos, eosinófilos, neutrófilos, linfócitos, fator de necrose
tumoral, molécula de adesão intercelular 1
Cetotifeno (Zaditenâ, Octifen®) Receptores H1, mastócitos, eosinófilos, fator de ativação plaquetária
Epinastina (Relestatâ) Receptores H1-H2, mastócitos, eosinófilos, fator de ativação plaquetária,
prostaglandina D2 e leucotrienos B4 e C4
Alergia Ocular

Nos casos graves, a adição de esteroides tópicos pode ser necessária. O acetato de predni-
solona tende a formar depósitos entre as papilas gigantes, mas é altamente eficaz no controle
das crises graves de ceratoconjuntivite primaveril. Deve ser usado em doses altas (a cada 2
horas) com rápida regressão (1 gota a cada 3 dias) por curto período de tempo (máximo 30
a 45 dias). Os pacientes devem ser muito bem orientados quanto aos efeitos colaterais dos
corticoides tópicos e dos riscos da utilização crônica, como glaucoma, catarata, maior predis­
posição a infecção. Uma alternativa eficaz, para evitar o corticoide tópico e, portanto, prevenir
o uso indiscriminado pelo paciente, é a injeção supratarsal de fosfato de dexametasona (4 mg/
ml), após eversão da pálpebra superior, ou acetato de prednisolona (40 mg/ml), ou acetato de
triancinolona (10,5 mg/ml).
O uso de ciclosporina ainda é controverso tanto no que tange à concentração recomen­
dada quanto ao uso isolado ou associado a outros fármacos. Pode ser usada ciclosporina a 1
a 2% tópica associada aos fármacos de dupla-tripla ação, entretanto não parece substituir com
eficácia os corticoides tópicos nos casos graves.
Na presença de úlcera em escudo, além do tratamento habitualmente preconizado, lágri­
mas artificiais, de preferência sem conservantes, e esteroides tópicos potentes em altas doses
devem ser adicionados. Placas de fibrina devem ser removidas.
Nos casos graves com lesões corneais recorrentes e altamente dependentes de corticoides
tópicos, pode ser realizada ressecção cirúrgica das papilas associada a transplante autógeno
de conjuntiva (Figs. 8A e B). Membrana amniótica é geralmente reabsorvida antes que se tenha
cicatrização da área de ressecção das papilas gigantes. Crioablação das papilas foi descrita,
porém a melhora é transitória, com formação de cicatrizes extensas.

Figs. 8 (A e B) A. Ceratoconjuntivite primaveril. Aspecto pré-operatório das papilas gigantes observadas


na conjuntiva palpebral superior. B. Ceratoconjuntivite primaveril. Aspecto pós-operatório (1 ano) após res­
secção cirúrgica das papilas gigantes associada a transplante autógeno de conjuntiva.

DERMATOCERATOCONJUNTIVITE ATÓPICA
r

E uma inflamação crônica e bilateral da conjuntiva e pálpebra, que ocorre em 14 a 40% dos
indivíduos com dermatite atópica.
As crises são mais frequentes no inverno, principalmente no sexo masculino, após os 40
anos de idade, embora tenham sido descritos casos em crianças. Antecedente pessoais e fami­
liares de atopia são frequentemente encontrados.
180 Doenças Externas Oculares e Córnea

Fisiopatologia: duplo mecanismo de hipersensibilidade tipos I e IV parece também estar


envolvido na patogênese da dermatoceratoconjuntivite atópica.
Devido à deficiência de resposta celular imune, são mais suscetíveis às ceratites herpética
e fúngica e infecção das pálpebras por Staphylococcus aiireus.
Apresentação clínica: as crises são geralmente desencadeadas por exposição a ácaro pre­
sente no pó doméstico e em pelos de animais. Durante as crises, os sintomas são intensos e
caracterizados pela presença de prurido, lacrimejamento, visão embaçada e fotofobia.
As pálpebras apresentam descamação, mas podem estar espessas e com aspecto macera­
do (Fig. 9). Podem desenvolver blefarite secundária e resultar em entrópio, ectrópio cicatricial
e estenose punctal.
O ato de coçar pode causar perda das partes laterais das sobrancelhas e cílios e o apareci­
mento de dobras extras nas pálpebras (linhas de Dennie).
A conjuntiva bulbar apresenta hiperemia, quemose e são frequentes os pontos de Horner-
Trantas.
Hipertrofia papilar é mais proeminente na conjuntiva palpebral inferior (Fig. 10).
A cicatrização conjuntival pode ser exuberante e resultar em uma conjuntiva com aspecto
atrófico e olho seco secundário.
A córnea é geralmente acometida por ceratite puncttcitci e ulcerações que resultam em
opacidades corneais e neovascularização corneai.
r
E também frequente a associação com ceratocone.
Laboratório: o raspado conjuntival pode mostrar a presença de eosinófilos.
Tratamento: como na ceratoconjuntivite primaveril, medidas gerais para a eliminação do
alérgeno são fundamentais (Quadro 1).
Por representar a forma mais grave de alergia ocular, durante as crises recomenda-se o
uso de anti-histamínicos tópicos por 15 a 30 dias, associados a estabilizadores de mastócitos

Fig. 9 Pálpebra com descamação em paciente com dermato­


ceratoconjuntivite atópica.

Hipertrofia papilar na conjuntiva palpebral inferior


em paciente com dermatoceratoconjuntivite atópica.
Alergia Ocular

por tempo prolongado (pelo menos outono e inverno) ou aos fármacos de dupla-tripla ação.
Quando houver envolvimento da córnea, corticoides tópicos potentes são mandatórios para
controle da crise.
Lágrimas artificias devem ser indicadas principalmente nos casos de olho seco secundário
associado.

CONJUNTIVITE PAPILAR GIGANTE


r

E caracterizada pela presença de papilas gigantes (> 3 mm) na conjuntiva palpebral superior,
associada mais frequentemente ao uso de lentes de contato gelatinosas. Outros fatores, como
contato com sutura exposta, prótese ocular, bolha filtrante e extrusão de cinta de silicone es-
cleral, também estão implicados na patogênese da conjuntivite papilar gigante.
Fisiopatologia: pode resultar da associação do traumatismo mecânico da lente de conta­
to, fio de sutura etc. com a conjuntiva palpebral superior, seguida por reação de hipersensibi-
lidade tipos I e IV.
Os achados histológicos são semelhantes aos da ceratoconjuntivite primaveril.
Apresentação clínica: intolerância ao uso da lente de contato, caracterizada pela presen­
ça de secreção mucosa na manhã seguinte à remoção da lente, é a queixa inicial, seguida por
sensação de corpo estranho e prurido.
O achado mais precoce é a presença de hiperemia conjuntival discreta, com hipertrofia
papilar de 0,3 a 0,5 mm da conjuntiva palpebral superior.
Com a progressão, a secreção mucosa torna-se mais espessa, as lentes passam a apresen­
tar maior mobilidade e as papilas começam a coalescer.
Nos casos graves, as papilas são maiores que 0,75 mm, tornando impossível o uso da lente
de contato.
Conjuntivite papilar gigante associada a fios de sutura (Fig. 11), bolha filtrante ou cinta
de silicone escleral é geralmente caracterizada pela presença de hipertrofia papilar localizada
adjacente ao estímulo.
Tratamento: com a suspensão do uso das lentes de contato, os sintomas melhoram; en­
tretanto, na readaptação, as lentes devem ser substituídas por lentes de material diferente ou
devem-se substituir os produtos de limpeza e manutenção das lentes.
Nos casos mais avançados, os pacientes devem ser orientados a não usar as lentes por
pelo menos 30 dias, para que se obtenha melhora dos sinais inflamatórios. A hipertrofia papi­
lar pode levar meses para regredir.

Fig. 1 Conjuntivite papilar gigante secundária a fio de


sutura (mononáilon 10,0) em paciente submetido a extração
cirúrgica de catarata.
182 Doenças Externas Oculares e Córnea

Tratamento medicamentoso com estabilizadores de mastócitos tópicos pode ser útil, mas
devem ser instilados preferencialmente antes da colocação e após a retirada das lentes de
contato.

BIBLIOGRAFIA

Bonini S. Allergic conjuctivitis: the forgotten disease. Chem Immunol Allergy, 2006; 91:110.

Gold MS Kemp AS. Atopic disease in childhood. MJA, 2005; 182:298.

Nishiwaki-Dantas MC. Manual de Alergia Ocular. São Paulo: Phoenix, 2006; p. 58.

Ono SJ, Abelson MB. Allergic conjunctivitis: update on pathophysiology and prospects for future treatment. J Allergy Clin
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Schultz BL. Pharmacology of ocular allergy. Curr Opin Allergy Clin Immunol, 2006; 6:383.

Stahla JL, Barney NP. Ocular allergic disease. Curr Opin Allergy Clin Immunol, 2004; 4:455-9.
Doenças Cicatriciais da
Conjuntiva
PAULO ELIAS CORREA DANTAS • SÉRGIO FELBERG
MARIA CRISTINA NISHIWAKI-DANTAS • RICARDO HOLZCHUH • NILO HOLZCHUH
JUNIA CABRAL MARQUES • ÉRIKA ALESSANDRA G. SILVINO RODRIGUES
ROGÉRIO ALBERTO MENDES MOREIRA • ARTHUR RUBENS CUNHA SCHAEFFER
RICHARD HIDA

Foco de recente interesse dos oftalmologistas, as doenças cicatriciais da conjuntiva englobam um


número razoável de entidades nosogênicas das mais variadas etiologias. Entre elas, incluem-se:
Infecções:
• Conjuntivite por Corynebacterium clifteriae.
• Conjuntivite por adenovirus.
• Conjuntivite por Streptococcus.
Conjuntivite tracomatosa.
Traumatismos oculares:
• Queimaduras químicas.
• Queimaduras térmicas.
Induzida por fármacos:
• Sistêmicas:
- Anticonvulsivantes.
- Antitérmicos.
- Analgésicos.
- Antibióticos.
Associadas às doenças oculocutâneas:
• Penfigoide ocular cicatricial.
• Síndrome de Stevens-Johnson.
• Dermatite herpetiforme.
• Epidermólise bolhosa.
• Rosácea.
• Blefaroconjuntivite atópica.

183
184 Doenças Externas Oculares e Córnea

Trataremos neste capítulo de algumas das mais importantes causas de cicatrização anô­
mala da conjuntiva.

PENFIGOIDE OCULAR CICATRICIAL

Introdução: o penfigoide ocular cicatricial (POC) é uma doença sistêmica autoimune caracte­
rizada pela produção de anticorpos contra antígenos localizados na pele e mucosas, gerando
um processo inflamatório crônico recidivante e cicatrização aberrante nesses locais.
Casos de POC têm sido descritos em todo o mundo, sem preferência geográfica ou de
raça. Na literatura, a incidência tem sido estimada em 1/12.000 a 40.000 pacientes oftalmo­
lógicos, sendo mais frequente no sexo feminino (1,5 a 3,0:1). A idade média de ocorrência é
entre 50 e 80 anos. Entretanto, em razão do difícil diagnóstico nos estágios iniciais da doença,
caracterizado por conjuntivite crônica e recidivante, presume-se que sua idade de surgimento
seja mais precoce.
A doença pode ser exclusiva da conjuntiva ou aparecer 10 a 20 anos após o surgimento de
lesões em outras áreas.
r

E uma doença que também envolve as mucosas do palato mole, oral, nasal, esôfago, tra­
queia, uretra, vagina e ânus.
Etiopatogenia: POC é uma doença autoimune que acomete indivíduos com predisposição
genética. Pacientes portadores dos genes HLA-DR4, DR5, DQw3, A2, B8, B35 e B49 são ge­
neticamente predispostos e, sob ação de um indutor ou “gatilho” ambiental (vírus, bactérias
ou fármacos), iniciam alterações nos linfócitos T com consequente produção de autoanti-
corpos direcionados contra moléculas de adesão do complexo hemidesmossomo-membrana
epitelial. Esses anticorpos induzem à reação inflamatória de hipersensibilidade tipo II, na qual
imunoglobulinas (Ig) tipo G e/ou tipo A ligam-se a determinados antígenos, desencadeando a
ativação do complemento. Essa ativação leva à produção de citoquinas e outros marcadores
da inflamação, que, por sua vez, provocam ativação de fibroblastos e formação de colágeno,
seguidas de cicatrização da membrana basal da conjuntiva.
O peptídeo P4 da proteína integrina a6p4 parece ter um papel importante no POC, pois
foi identificado como sendo o autoantígeno-alvo sobre o qual os autoanticorpos atuam, dani­
ficando as integrinas e as lamininas da conjuntiva, causando sua cicatrização crônica.
Quadro clínico: o quadro clínico ocular apresenta-se como conjuntivite crônica, unilateral
recidivante. Os achados conjuntivais e corneais variam de acordo com o estágio da doença. Na
córnea, podem ocorrer ceratite puncttata, defeitos epiteliais, úlceras e neovascularização até
sua opacidade total. Não são incomuns outros achados oculares, como triquíase, entrópio e
disfunção das glândulas de Meibomius. Os pacientes podem apresentar queixas inespecíficas,
como vermelhidão, sensação de corpo estranho, olho seco e lacrimejamento.
O estadiamento da doença é feito com base nos achados biomicroscópicos:
Estádio 1: no qual há fibrose subepitelial (Fig. 1).
■ Estádio 2: ocorre encurtamento do fundo-de-saco conjuntival. Pode ser subdividido, em
relação ao percentual de área encurtada, em 2a até 25%; 2b até 50%; 2c até 75%; e 2d até
100% (Fig. 2).
Doenças Cicatriciais da Conjuntiva

Estádio 3: simbléfaro, que também pode ser subdividido, em relação ao percentual de área
acometida, em 3a, 3b, 3c e 3d (Fig. 3).
Estádio 4: característico anquilobléfaro e queratinização da superfície ocular (Fig. 4).

Inflamação conjuntival crônica com formação de


pseudomembrana e fibrose subepitelial. (Iconoteca do Ambu­
latório de Superfície Ocular e Lágrima (SOL), Secção de Córnea
e Doenças Externas, Departamento de Oftalmologia da Santa
Casa de São Paulo.)

Fig. 2 Encurtamento do fundo-de-saco conjuntival inferior.


Note a formação de fina ponte de tecido cicatricial entre as
conjuntivas. (Iconoteca do Ambulatório de Superfície Ocular e
Lágrima (SOL), Secção de Córnea e Doenças Externas, Depar­
tamento de Oftalmologia da Santa Casa de São Paulo.)

Fig. 3 Encurtamento do fundo-de-saco conjuntival e simblé­


faro comprometendo quase a totalidade do fundo-de-saco.
(Iconoteca do Ambulatório de Superfície Ocular e Lágrima
(SOL), Secção de Córnea e Doenças Externas, Departamento
de Oftalmologia da Santa Casa de São Paulo.)

Fig. 4 Completa imobilização e queratinização da superfície


ocular devido à cicatrização anômala do POC. (Iconoteca do
Ambulatório de Superfície Ocular e Lágrima (SOL), Secção de
Córnea e Doenças Externas, Departamento de Oftalmologia
da Santa Casa de São Paulo.)
186 Doenças Externas Oculares e Córnea

Diagnóstico: o diagnóstico do penfigoide ocular cicatricial é feito por biópsia conjunti-


val de área inflamada, na qual se pesquisam imunocomplexos na membrana basal do epitélio
conjuntival por imunofluorescência ou imunoperoxidase. Nela encontram-se anticorpos flu­
orescentes que podem identificar IgG, IgA ou C3 depositados na membrana basal. Contudo,
devem-se evitar ressecções das regiões de inflamação muito intensa e do fundo-de-saco, de­
vido ao risco de simbléfaro. Quando comparamos as técnicas diagnósticas, notamos que a
imunofluorescência é menos sensível quando comparada à imunoperoxidase, e, na vigência
de imunofluorescência negativa ou inconclusiva, a pesquisa por imunoperoxidase pode levar
ao diagnóstico de POC.
Diagnóstico diferencial: o diagnóstico diferencial do POC deve ser feito com outras doen­
ças que causam cicatrização da conjuntiva, entre as quais queimaduras químicas, irradiação e
conjuntivites (Quadro 1).
Tratamento: o tratamento do POC pode ser dividido em tópico, sistêmico e cirúrgico, e
varia conforme a gravidade da doença. A fase em que se encontra a doença e o início de seu
tratamento influenciam diretamente em seu prognóstico. Uma abordagem multidisciplinar
otimiza o acompanhamento desses pacientes.
O tratamento tópico consiste no uso de colírios lubrificantes, preferencialmente sem
conservantes, devido à alta frequência das aplicações. Uma alternativa é o uso de colírio de
soro autólogo a 20%, e também lubrificantes oculares sob a forma de gel ou pomada para
manter a superfície ocular lubrificada. Deve-se salientar ainda o tratamento de alterações
secundárias, tais como infecções e defeitos epiteliais crônicos, com suas respectivas tera­
pêuticas.
A medicação sistêmica deve ser instituída de acordo com o estágio da doença, mas é
imperativo até que a doença entre em remissão ou que não sejam mais notadas agudiza-
ções nem progressão da cicatrização. Podemos optar entre anti-inflamatórios hormonais
(corticosteroides), dapsona e imunossupressores (metotrexato, ciclofosfamida), ou a as­
sociação de alguns deles. As medicações, suas doses e seus controles são mostrados no
Quadro 2.
A prednisona (Meticorten®) pode ser usada inicialmente até que se associe outra medica­
ção, uma vez que tem muitos efeitos colaterais a longo prazo para ser usada como monote-
rapia, ou ainda pode ser reservada para momentos em que haja exacerbação da inflamação.

QUADRO Causas de cicatrização da conjuntiva

Ceratoconjuntivite atópica grave


Ceratoconjuntivite adénoviral epidemica
Conjuntivite por estreptococo ß-hemolitico
Herpes simples
Pseudopenfigoide
Rosácea
Sarcoidose
Síndrome de Lyell
Síndrome de Sjögren
Síndrome de Stevens-Johnson
Tracoma
Doenças Cicatriciais da Conjuntiva

QUADRO 1 Tratamento sistêmico do POC

M e d ica çã o D o se C o n tro le

Prednisona 1 mg/kg/dia Sintomas gastrintestinais, função hepática


Dapsona Inicial: 25 mg, 2x/dia VO durante 1 Hemogramas seriados pelo risco de hemólise
semana; 50 mg, 2x/dia VO, com ajuste e neutropenia
posterior. Dose máxima: 150 mg/dia
Azatioprina 2 a 3 mg/kg dose única VO; manutenção:
1 a 2 mg/kg/dia
Metotrexato 2,5 a 7,5 mg/semana em dose única ou
fracionada
Ciclofosfamida 1 a 2 mg/kg/dia VO ou EV. Ajuste de Toxicidade medular, leucopenia, cistite
acordo com resposta clínica hemorrágica. Observação de ocorrência de
neoplasias secundárias. Controle da PIO

A dapsona é opção para olhos com inflamação leve a moderada. Tem ação anti-inflamató-
ria e imunossupressora. Demora até 4 semanas para agir. Antes de sua administração, deve ser
feita pesquisa da enzima glucose-6-difosfato. Na ausência dessa enzima, hemólise grave pode
ocorrer. Como alternativas à dapsona, seja por intolerância à medicação, seja por resposta
insatisfatória, temos a azatioprina (Imuran®) e o metotrexato (Metrexato®). A azatioprina age
inibindo a síntese de DNA, RNA e proteínas, por meio do metabolismo das purinas. Já o meto­
trexato age na divisão celular, síntese de DNA e RNA, e ainda no reparo do DNA. A ciclofosfa-
mida leva à imunodepressão dos linfócitos B e T. Sua dose deve ser ajustada de acordo com a
resposta terapêutica, tolerância ao medicamento e resposta medular.
Mesmo na vigência de tratamento imunossupressor, a recorrência da doença é de aproxi­
madamente 33%.
Imunoglobulina intravenosa (1 g/kg de peso por 2 dias consecutivos, a cada 4 semanas)
pode ser usada como opção ao tratamento imunossupressor em casos resistentes à terapêu­
tica convencional, e apresenta menores efeitos colaterais a longo prazo, mas tem a desvanta­
gem de ser muito dispendiosa.
O uso do tacrolimus ainda é controverso. Há descrição de melhora na inflamação conjunti­
va 1com seu uso tópico (tacrolimus a 0,06%, 3 vezes/dia), devido à boa penetração conjuntival,
mas seu uso sistêmico não é opção no controle inflamatório.
Somente após instaurada terapêutica sistêmica com controle inflamatório rigoroso, pode
ser cogitado tratamento cirúrgico. Este pode ser necessário para correção das margens palpe-
brais (desde epilação até correção do entrópio), ocluir pontos lacrimais, temporária ou defini-
tivamente, ou reconstruir fundo-de-saco, com mucosa labial ou membrana amniótica, a fim de
melhorar a movimentação do olho e o controle da queratinização.
Estudos mais recentes mostram que o cultivo de células conjuntivais na membrana amni­
ótica parece ter melhores resultados nas cirurgias de reconstrução de segmento anterior. Em
alguns casos, a lente escleral pode ser adjuvante no período pós-operatório. O transplante de
córnea está indicado em casos reservados de perfuração como opção terapêutica (tectônico).
Não é indicado como opção eletiva em busca de reabilitação visual devido ao mau prognós­
tico.
188 Doenças Externas Oculares e Córnea

Em pacientes que desenvolvem catarata, a opção é pela facoemulsificação, com incisão


em córnea clara. Nesses casos, há preocupação com a profilaxia e o controle no período pós-
operatório pelo risco de endoftalmite.
A ceratoprótese é a alternativa cirúrgica em casos mais avançados da doença, mas também
não está livre de complicações, sendo mais grave sua extrusão (Fig. 5).

Fig. 5 Extrusão parcial de ceratoprótese em paciente com


penfigoide ocular cicatricial. (Iconoteca do Ambulatório de
Superfície Ocular e Lágrima (SOL), Secção de Córnea e Doenças
Externas, Departamento de Oftalmologia da Santa Casa de São
Paulo.)

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ROSÁCEA

Introdução: rosácea é uma doença dermatológica crônica que ocorre em aproximadamente


10% da população mundial e afeta principalmente pessoas de pele clara, de raça branca. Pode
ocorrer, mais raramente, em outras raças.
Afeta mais comumente mulheres acima dos 30 anos de idade, porém os quadros mais
graves ocorrem no sexo masculino. Apesar de se manifestar mais comumente na idade adulta,
a rosácea pode iniciar-se na infância com um simples rubor facial como resposta ao estresse.
r

E caracterizada pelo acometimento preferencial da face sob a forma de eritema, que pode
estar associado à ingestão de bebidas alcoólicas ou quentes, alimentos condimentados, es­
tresse e exposição solar. Durante a fase inflamatória, há formação de pústulas, pápulas e di­
latação vascular (telangiectasias) (Fig. 6). Na fase mais tardia, pode haver hipertrofia das glân­
dulas sebáceas com dilatação folicular e crescimento do tecido conjuntivo, principalmente no
nariz (rinofima).
Fisiopatologia: a etiologia da rosácea ainda não é bem compreendida. Embora não haja
comprovação científica, algumas teorias foram aventadas, entre elas: distúrbios gastrintesti­
nais (Heliobacter pylorii como fator estimulante), causas psicossomáticas, infecções (Demodex
folliculorum), causas climáticas e alterações imunológicas.
A fisiopatologia também não é bem esclarecida; porém, presume-se que tenha caráter
multifatorial, decorrente de resposta vascular anômala, geneticamente determinada e associa­
da à resposta inflamatória mediada por células tipo IV.

Fig. 6 Típico fácies de paciente com rosácea na fase inflama­


tória. (Iconoteca do Ambulatório de Superfície Ocular e Lágrima
(SOL), Secção de Córnea e Doenças Externas, Departamento de
Oftalmologia da Santa Casa de São Paulo.)
190 Doenças Externas Oculares e Córnea

Sinais e sintomas: a prevalência de sintomas oculares nos pacientes com rosácea é bastan­
te frequente, variando de 45 a 85%. Os sintomas oculares mais comuns são sensação de corpo
estranho, queimação e dor ocular.
A manifestação clínica mais comum é a blefaroconjuntivite, geralmente associada à mei-
bomite e telangiectasias na margem palpébral. Hordéolos recorrentes e calázios são fre­
quentes.
Disfunção das glândulas de Meibomius, que leva à instabilidade do filme lacrimal, induz
ao aumento de ácidos graxos livres na película lacrimal, causando hiperemia conjuntival e ce-
ratite puntiforme.
A hiperemia conjuntival geralmente ocorre no espaço interpalpebral. Pode ocorrer rea­
ção folicular inferior e discreta hipertrofia papilar difusa na conjuntiva tarsal. Nos casos mais
graves, o envolvimento conjuntival crônico pode resultar em fibrose conjuntival e compro­
metimento da produção de lágrima pelas glândulas acessórias, bem como lesão das células
mucíparas caliciformes.
A ceratite puntiforme inferior é o achado corneai mais frequente. Reações inflamatórias
do tecido estromal atraem neutrófilos, ocasionando infiltrados periféricos e ulcerações. Rara­
mente ocorrem necrólise tecidual e perfurações. Vascularização periférica pode estar associa­
da à blefarite. Nos casos mais graves ou recidivas frequentes, a vascularização pode progredir
para o centro da córnea. Pode haver diminuição da acuidade visual devido à opacidade central
ou irregularidade da córnea.
Diagnóstico: além dos sinais e sintomas característicos da rosácea ocular, são utilizados
testes para diagnosticar a síndrome do olho seco. Os testes mais usados são o de Schirmer I e
basal, teste do corante de rosa-bengala e pesquisa do tempo de rotura do filme lacrimal com
auxílio de fluoresceína.
O diagnóstico diferencial inclui blefaroceratoconjuntivites estafilocócica e seborreica,
bem como carcinoma de glândulas sebáceas.
Tratamento: o tratamento das alterações oculares consiste na higiene palpébral associada
ao uso de lubrificantes e antilipídicos antibióticos por via oral.
A higiene palpébral deve ser realizada ao menos 2 vezes/dia; pode-se utilizar xampu infan­
til neutro diluído em água ou produtos já prontos (p. ex., Blephagel®, Cilclar®).
Deve-se dar preferência aos lubrificantes sem conservantes, para diminuir seu efeito de­
letério.
Os antibióticos antilipídicos orais utilizados são a tetraciclina (250 mg a cada 6 horas)
e a doxaciclina (100 mg 2 vezes/dia), geralmente por 3 a 4 semanas com redução, conforme
resposta clínica. Para os pacientes intolerantes, grávidas e crianças, costuma-se administrar
eritromicina como substituto.
Metronidazol tópico a 0,75%, 2 vezes/dia, reduz as lesões inflamatórias. Estudos com me-
tronidazol oral estão sendo realizados.
Os agentes corticosteroides tópicos podem ajudar no controle da inflamação.
Em casos mais graves, nos quais há necrólise e perfuração ocular iminente, retalhos con-
juntivais ou transplantes terapêuticos podem ser indicados, porém é importante que a doença
esteja controlada.
Doenças Cicatriciais da Conjuntiva

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ERITEMA MULTIFORME

Introdução: a classificação dos eritemas multiformes modificou-se desde a sua primeira des­
crição, feita em 1866 por Ferdinand von Hebra, que a apresentou como uma dermatopatia
aguda autolimitada, caracterizada por pápulas eritematosas recorrentes e concêntricas em
forma de “alvo”. Por muitos anos, a síndrome de Stevens-Johnson (SSJ) foi considerada uma
variante do eritema multiforme (EM), enquanto a necrólise epidérmica tóxica (NET) era con­
siderada uma entidade distinta. Recentemente, a SSJ e a NET passaram a ser consideradas
variantes de uma entidade única, o EM. O termo multiforme descreve a forma de evolução
pleomórfica das lesões iniciais.
O EM é uma doença inflamatória aguda caracterizada pelo aparecimento de máculas ver­
melhas (eritema) que evoluem para vesículas, bolhas e úlceras autolimitadas. Quase sempre,
as lesões se distribuem de maneira simétrica, principalmente nas áreas expostas ao sol, com
tamanho variável e aspecto em “alvo” ou em “íris” . Tais alterações podem ocorrer em qual­
quer região da pele, mucosa bucal, conjuntiva e mucosa genital. Geralmente, cursa com sinto­
mas sistêmicos, e os pacientes costumam apresentar febre, dores articulares e mal-estar geral
como pródromos.
O EM essencialmente pode ser dividido em EM minor, EM major e síndrome de Stevens-
Johnson/necrólise epidérmica tóxica.
Incidência e prevalência: a incidência real do EM é desconhecida, porém estima-se que
seja em torno de 0,01 a \%. A incidência da SSJ e da NET é estimada em 0,4 a 1,2 ou 1,2 a 6/
milhões de habitantes/ano, dependendo do estudo analisado. A incidência do EM é desconhe­
cida, entretanto a ocorrência dessa condição patológica está em torno de 0,8 a 6 casos por
milhão de habitantes.
O EM pode atingir indivíduos de qualquer idade, porém é mais comum em adultos jovens
do sexo masculino, não havendo predisposição de ordem racial. Tal condição ocorre raramen­
te em pessoas com idade inferior a 3 anos ou superior a 50. Há um aumento na incidência de
EM em pacientes portadores de síndrome da imunodeficiência adquirida do adulto.
Patogênese: atualmente, desconhece-se o mecanismo desencadeador do EM, mas muitas
teorias apontam para uma resposta exacerbada de linfócitos ativados por fármacos ou vírus,
não se sabendo ao certo se o defeito primário é imune ou relacionado a um metabolismo
aberrante do fármaco.
O vírus do herpes simples aparece como fator responsável por metade dos casos. Alguns
fármacos encontram-se especialmente relacionados à NET, tais como sulfonamidas, fenilbuta-
zona, penicilina, tetraciclina, antipirina, barbitúricos, ácido acetilsalicílico, procaína, halopuri-
nol, sais de ouro e hidantoína.
192 Doenças Externas Oculares e Córnea

Outros fatores desencadeantes menos comuns de EM são bactérias diversas, fungos, ir­
radiação, carcinomas, linfomas e algumas colagenoses (lúpus eritematoso, dermatomiosite e
periarterite nodosa). O desenvolvimento do EM também é mencionado no curso de numero­
sas afecções sistêmicas, como difteria, febre tifoide, tuberculose, sífilis, icterícia, sarampo,
hepatites A e B, hanseníase e processos malignos.
Pode aparecer nas formas crônicas da leucemia e na enfermidade de Hodgkin, porém,
mais frequentemente, ocorre nas leucemias agudas, sendo inclusive considerado um sinal
prodrômico.
Apresentação: o eritema multiforme apresenta-se de forma aguda e rapidamente progres­
siva, simétrica com lesões cutâneas ou mucocutâneas e alterações concêntricas da coloração
das lesões. Apresenta sensação de queimação nas áreas afetadas com sintomas prodrômicos
inespecíficos, como febre, mialgias, artralgias, cefaleia, tosse, náuseas, vômitos e diarreia.

Eritema multiforme menor ou m inor:


Lesões típicas em “alvo” menores que 3 cm de diâmetro.
Ausência de envolvimento das mucosas ou envolvimento de uma única mucosa.

Eritema multiforme maior ou m ajor :


Lesões típicas em “alvo” menores ou maiores que 3 cm de diâmetro.
Envolvimento de pelo menos duas membranas mucosas.
■ Descolamento de epiderme, envolvendo menos de 10% de área da superfície corpórea total.
Biópsia compatível.

Síndrome de Stevens-Johnson/Necrólise epidérmica tóxica:


■ Coalescência das lesões típicas e lesões vesiculares generalizadas cutâneas e/ou
mucocutâneas, predominantemente no tronco e face.
Descolamento de epiderme envolvendo menos de 10% de área da superfície corpórea total
para SSJ e mais que 30% para NET.
Dor oral com dificuldade de deglutição.
Acometimento da região traqueobrônquica com dificuldade de respirar.
■ Disúria.
■ Biópsia compatível.

Achados oculares:
Agudos: cursa com conjuntivite bilateral não específica associada a lesões crostosas de
pálpebra, podendo, menos frequentemente, ser catarral ou pseudomembranosa (Fig. 7). Geral­
mente tem sua resolução em 2 a 4 semanas. Uveíte anterior pode fazer parte do quadro ocular,
mas ulcerações corneais são infrequentes nessa fase.
Crônicos: o processo inflamatório agudo pode levar à cicatrização conjuntival, resultando
em simbléfaro e queratinização. Epífora secundária a entrópio, triquíase e distiquíase são co-
mumente encontradas. A cicatrização dos duetos lacrimais associada à destruição das células
caliciformes leva à instabilidade do filme lacrimal e, consequentemente, à diminuição da lubri-
Doenças Cicatriciais da Conjuntiva

Fig.7 Pseudomembrana inflamatória em paciente com Ste-


vens-Johnson na fase aguda. (Iconoteca do Ambulatório de
Superfície Ocular e Lágrima (SOL), Secção de Córnea e Doenças
Externas, Departamento de Oftalmologia da Santa Casa de São
Paulo.)

ficação, levando à insuficiência de limbo e defeito epitelial persistente com baixa da acuidade
visual.
Diagnóstico laboratorial: não existe nenhum teste laboratorial específico para diagnósti­
co dessa entidade; portanto, o diagnóstico clínico é essencial. Muitos pacientes apresentam
leucocitose moderada com linfócitos atípicos no exame de sangue. Eosinofilia e anemia leve
também podem estar presentes. A velocidade de hemossedimentação, valores de eletrólitos
totais e outros podem estar elevados, porém não são considerados específicos.
Na biópsia cutânea, podemos encontrar predominância de padrão inflamatório caracteri­
zado por alta concentração de infiltrados linfocitários por células T e necrólise da epiderme da
camada basal. A biópsia é importante para casos em que há ausência da lesão em alvo.
Diagnóstico diferencial: o diagnóstico diferencial do EM é feito com o herpes simples,
estomatite ulcerativa récidivante, ptiríase rosa, urticária simples, pênfigo vulgar, sífilis secun­
dária, dermatite herpetiforme, líquen plano e com as manifestações clínicas da leucemia. A
doença de Kawasaki, doença de Leiner e avitaminose A também entram como diagnósticos
diferenciais.
Tratamento sistêmico: o tratamento varia de acordo com a gravidade do quadro clínico.
As medidas iniciais direcionam-se para os possíveis fatores etiológicos (p. ex., suspensão
de medicações potencialmente alérgenas), reposição hidroeletrolítica, alívio sintomático do
prurido e da dor e antibioticoterapia para infecções secundárias. A corticoterapia é contro­
versa, porém diminui os sintomas e retarda a disseminação das lesões, mas não acelera a
cicatrização e pode resultar em complicações sérias, tais como hemorragia digestiva e agra­
vamento da infecção. O aciclovir por via oral pode ser empregado para evitar recorrência
do eritema multiforme relacionado ao herpes. Pacientes com quadros mais graves devem
receber acompanhamento com equipe multidisciplinar, incluindo oftalmologistas e derma­
tologistas.
Tratamento ocular: higiene, lubrificação abundante com uso de lubrificantes sem conser­
vantes, ácido retinoico, oclusão temporária de pontos lacrimais, lentes esclerais associadas ou
não ao uso de corticoïdes (controverso) tópicos para diminuir a inflamação e a vasculite, mini­
mizando a isquemia conjuntival e a queratinização. Antibióticos profiláticos devem ser usados
para evitar infecções secundárias.
194 Doenças Externas Oculares e Córnea

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Conjuntivite e
Hipersensibilidade a Fármacos

JUNIA CABRAL MARQUES • MARIA CRISTINA NISHIWAKI-DANTAS

INTRODUÇÃO

As reações de hipersensibilidade os fármacos oftálmicos podem se manifestar com sintomas


oculares inespecíficos, como fotofobia, edema palpebral, hiperemia conjuntival, quemose,
prurido ou sensação de corpo estranho. São mais comumente decorrentes dos preservantes
dos colírios (cloreto de benzalcônio), de substâncias de soluções de conservação de lentes de
contato (timerosal) ou da ação direta do agente químico.
O diagnóstico é geralmente feito por exclusão de outras doenças.

FISIOPATOLOGIA

São reações de hipersensibilidade tipo IV, que ocorrem diretamente da ação das substâncias
ou da degradação de produtos ou preservantes. A toxicidade implica dano à estrutura dos
tecidos oculares ou à sua função, podendo ou não ser acompanhada de reação inflamatória.

CLASSIFICAÇÃO

Ceratoconjuntivite papilar tóxica.


Ceratoconjuntivite papilar tóxica, com cicatrização (pseudopenfigoide).
Conjuntivite folicular tóxica.
Conjuntivite folicular tóxica, com cicatrização (pseudotracoma).
Toxicidade por anestésicos.
Ceratopatia tóxica calcificada em faixa.
Outras causas de conjuntivite tóxica.

195
196 Doenças Externas Oculares e Córnea

Ceratoconjuntivite papilar tóxica


r

E a reação adversa mais frequentemente encontrada nas conjuntivites tóxicas, como resultado
do efeito irritativo de alguns fármacos, quando repetidamente aplicados. Esse efeito pode apa­
recer desde a primeira exposição do agente, porém mais comumente após 2 semanas de uso.
Pode manifestar-se com hiperemiaconjuntival, injeção ciliar, reação papilar inespecífica
com secreção purulenta e mucopurulenta.
Achados biomicroscópicos na córnea podem variar desde ceratopatia puncttata, geralmen­
te na região nasal inferior, pelo escoamento da lágrima, até ceratopatia ulcerativa, muitas
vezes com formato oval ou em “impacto de cometa”. A presença de distúrbios da superfície
ocular pode ser um fator agravante na intensidade dos achados ao exame.
Entre as principais medicações que provocam reações papilares estão os antibióticos, den­
tre os quais os aminoglicosídeos são os mais comuns, e, nessa classe, a neomicina tem a maior
taxa de reação alérgica (5 a 15% dos pacientes) e a tobramicina, a menor. As fluoroquinolonas
são geralmente menos tóxicas que os aminoglicosídeos. Em geral, os antibióticos fortificados
têm maior possibilidade de causar reações tóxicas. Podem ainda gerar toxicidade os antivirais
tópicos (idoxuridina, vidarabina, trifluorotimidina), anestésicos tópicos (proparacaína, tetra-
caína) e conservantes utilizados em outras preparações, principalmente o cloreto de benzal-
cônio, que é um surfactante com propriedades similares à dos detergentes, a despeito de sua
concentração.

Ceratoconjuntivite papilar tóxica, com cicatrização (pseudopenfigoide)


As reações papilares tóxicas intensas e prolongadas podem levar à queratinização e cicatriza­
ção da conjuntiva, dando lugar a um quadro semelhante ao penfigoide cicatricial, com acha­
dos de simbléfaro, triquíase, ceratopatia e queratinização da córnea. Sugere-se também o
envolvimento de reação de hipersensibilidade tipo III, com achados de imunoglobulinas na
membrana basal da conjuntiva à microscopia eletrônica semelhantes aos encontrados no pen-
figoide idiopático. Os fármacos mais encontradas nesses casos são os antivirais (idoxuridina e
trifluorotimidina), mióticos (iodeto de ecotiopato e pilocarpina), agentes simpaticomiméticos
(epinefrina e cloridato de dipivefrina) e betabloqueadores (timolol).

Conjuntivite folicular tóxica


A resposta folicular tóxica provavelmente é resultado da capacidade mitogênica, não antigê-
nica de determinados medicamentos. Tem aparecimento lento, em geral várias semanas até
anos após a exposição.
Conjuntivite folicular é o principal achado e representa uma proliferação de linfócitos con-
juntivais subepiteliais. Os folículos aparecem na conjuntiva palpebral, com maior distribuição
na conjuntiva palpebral inferior (Fig. 1) em detrimento da superior, ainda que também possam
ser encontrados na conjuntiva bulbar. Quando o limbo e a prega semilunar são acometidos,
parece haver reação mais intensa.
Biomicroscopicamente são encontradas hiperemia conjuntival com folículos, quemose e
ceratite puncttata. Pode haver presença de secreção mucoide ou mucopurulenta.
Conjuntivite e Hipersensibilidade a Fármacos

Fig. 1 C o n ju n tiv ite fo lic u la r tó x ic a em p a c ie n te u su á rio c rô n ic o


d e c lo ra n fe n ic o l tó p ic o .

As principais medicações que produzem reação folicular são os antivirais (idoxuridina, vi-
darabina, trifluorotimidina), os cicloplégicos (atropina, homatropina) e os antiglaucomatosos
(pilocarpina, dipivalil, epinefrina, carbacol, ecotiopato). Nos usuários de agonistas alfa-2-adre-
nérgicos, como a apraclonidina e a brimonidina, podem ser notados blefaroconjuntivite alér­
gica em 20 a 30% dos pacientes. Os análogos de prostaglandinas (bimatoprosta, latanoprosta,
travoprosta, unoprostona isopropílica) também são conhecidos pelas reações conjuntivais,
com destaque para o latanoprost, que leva à reação de toxicidade conjuntival.

Conjuntivite folicular tóxica, com cicatrização (pseudotracoma)


A exposição a algumas medicações tópicas que levam à conjuntivite folicular crônica persis­
tente pode desencadear cicatrização conjuntival, ceratite e pannus corneal, com quadro de
pseudotracoma sem a presença das fossetas de Herbert. Oclusão do ponto lacrimal também
pode ocorrer, mesmo isoladamente.

Toxicidade por anestésicos


Apesar de pouco frequente, a ceratoconjuntivite tóxica secundária ao uso abusivo de anestési­
co tópico é uma forma grave de reação papilar tóxica. Pode ocorrer dias a semanas após início
do uso, que é intensificado pelo efeito fugaz.
Há dano nas microvilosidades epiteliais, organelas e desmossomos, assim como no meta­
bolismo das mitoses e da migração celular. A perda das microvilosidades produz instabilidade
do filme lacrimal, levando ao ressecamento e ceratopatia neurotrófica.
O quadro clínico inclui dor ocular intensa, edema palpebral, hiperemia conjuntival, se­
creção mucopurulenta, defeito epitelial crônico da córnea, edema estromal do tipo anel de
Wessely (Fig. 2), vascularização corneal superficial e profunda, bem como iridociclite, com

Fig. 2 Ú lce ra d e c ó rn e a co m e d e m a e stro m a l a n u la r p o r uso


a b u s iv o d e a n e s té s ic o tó p ic o .
198 Doenças Externas Oculares e Córnea

precipitados ceráticos. O estroma corneai não apresenta necrose, como acontece nas ceratites
infecciosas. Hipópio ou hifema podem estar presentes.

Ceratopatia tóxica calcificada em faixa


Alguns medicamentos conservados com nitrato fenilmercúrico podem produzir depósito de
cálcio na córnea e de mercúrio no cristalino. Acredita-se que os conservantes lesem a proteína
do estroma corneai superficial, onde o cálcio se deposita. Tais depósitos podem aperecer me­
ses ou anos após exposição aos conservantes mercuriais.
O depósito tem início na córnea central, ao contrário da ceratopatia em faixa não tóxica,
que se inicia na periferia da córnea.
Quelação e debridamento mecânico podem ser realizados como adjuvantes no tratamento.

Outras causas de conjuntivite tóxica


O uso de maquiagem, principalmente ao redor dos olhos, como delineadores, rímel e sombra,
é causa comum de reação folicular na conjuntiva palpebral, assim como produtos demaqui-
lantes.
Cosméticos como cremes, soluções e protetores solares também podem causar reações
alérgicas diretas ou indiretas, levando à ceratopatia pimcttcitci.
Spray e gel capilar também podem causar reação de hipersensibilidade conjuntival, acom­
panhada ou não de ceratite e edema corneai.
r

E descrita ainda reação alérgica ao uso de armas de gás lacrimejante e sprays lacrimejantes.

TRATAMENTO

O tratamento das reações tóxicas papilares e foliculares fundamenta-se na retirada do medica­


mento e na prescrição de lágrimas artificiais sem conservantes. Não são observados benefícios
com corticoides tópicos, uma vez que eles também têm conservantes. Preparações em gel po­
dem ser úteis no tratamento das ceratites puncttatas. Defeitos epiteliais persistentes podem
ser tratados com lentes de contato terapêuticas.

BIBLIOGRAFIA

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Ceratoconjuntivite Flictenular

MARIA CRISTINA NISHIWAKI-DANTAS • ANDRÉA SANTUCCI CÉSAR

INTRODUÇÃO

A ceratoconjuntivite flictenular é uma inflamação da córnea e/ou da conjuntiva decorrente de


uma resposta imune não específica, diante de uma variedade de condições antigênicas distin­
tas.

EPIDEMIOLOGIA

A doença ocular flictenular é mais comum no sexo feminino das primeiras duas décadas de
r

vida. E geralmente bilateral e assimétrica.

FISIOPATOLOGIA

A ceratoconjuntivite flictenular representa uma resposta de hipersensibilidade tipo IV. Blefari­


te causada pelo Staphylococcus aureus e Staphylococcus epidermiclis é a causa mais comum.
r

Acne, infecção oral, tuberculose e rosácea ocular também podem estar associadas. Na ín­
dia, 11% dos casos têm associação com tuberculose.

QUADRO CLÍNICO

A conjuntivite flictenular geralmente é transitória, autolimitada e assintomática. Pode apre­


sentar sintomas inespecíficos, como lacrimejamento, irritação, sensação de corpo estranho,
prurido, fotofobia, blefaroespasmo ou visão embaçada nos casos mais graves.

199
200 Doenças Externas Oculares e Córnea

Ao exame, geralmente apresentam quadro de blefarite com edema palpebral, crostas e co-
laretes na margem dos cílios. Na periferia da córnea são observadas lesões elevadas esbranqui­
çadas, arredondadas (flictênula) e com vascularização de formato triangular, tendo a flictênula
no ápice do triângulo. As flictênulas tendem a deixar uma cicatriz arredondada ou em forma
de anel na periferia da córnea ou mais central.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico é clínico na maior parte dos casos, principalmente quando é causado pela ble­
farite. Porém, as causas secundárias sistêmicas devem ser investigadas minuciosamente: raios
X de tórax, PPD, hemograma e VHS, protoparasitológico de fezes.

TRATAMENTO

O tratamento primário visa controlar a inflamação da conjuntiva e da córnea. Utiliza-se geral­


mente colírio de antibiótico associado a esteroide tópico. O controle da doença sistêmica, se
houver, é fundamental. A aplicação de adesivo de cianoacrilado nas erosões estromais graves,
com risco iminente de perfuração, pode ter efeito curativo ou temporário.

BIBLIOGRAFIA

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Úlcera de Mooren

PATRÍCIA NOVITA GARCIA • MARIA CRISTINA NISHIWAKI-DANTAS

INTRODUÇÃO
r

Ulcera de Mooren é uma ceratite crônica que acomete o estroma e o epitélio corneai. Dois
tipos são descritos: a) forma limitada - unilateral, acomete preferencialmente idosos, causa
dor leve, responde bem ao tratamento clínico ou cirúrgico convencional e tem bom prognós­
tico; b) forma progressiva - bilateral, geralmente em jovens negros, apresenta dor intensa, é
rapidamente progressiva e refratária ao tratamento tanto clínico quanto cirúrgico. Ulceração
central e perfuração são frequentes, em torno de 36%. Pode progredir de forma circular e para
o centro da córnea.
Não está associada a infecção nem à doença sistêmica do colágeno.

FISIOPATOLOGIA

A causa é desconhecida, mas estudos sugerem distúrbio imunológico primário ou secundário


a inflamação, trauma, cirurgia ou infecção, que alteraria os antígenos de superfície da córnea
e da conjuntiva perilesional, levando à formação de autoanticorpos. A conjuntiva adjacente à
úlcera produz enzimas, tais como colagenase e proteoglicanos, que podem ser importantes
causadores da lesão. A deficiência de linfócitos T desencadeia excessiva produção de anticor­
pos e imunocomplexos, que se depositariam na córnea, com consequente fixação de comple­
mentos e infiltração de células inflamatórias, o que culmina em lise do estroma corneai por
enzimas proteolíticas e colagenolíticas. A deficiência de células T supressoras, o aumento dos
níveis de IgA e da concentração de células plasmáticas e linfócitos na conjuntiva, provavelmen­
te têm importância na patogenia da doença, pois, quando a conjuntiva do limbo é ressecada
ou afastada, geralmente se obtém efeito terapêutico benéfico.

201
202 Doenças Externas Oculares e Córnea

Há trabalhos que mostram a associação da úlcera de Mooren com hepatite C e parasito­


ses, principalmente Ascaris lumbricoides e Ancylostoma duodenale. Estudo recente mostrou ha­
ver maior incidência de úlcera de Mooren com Ancylostoma duodenale em pacientes do sexo
masculino com mais de 50 anos de idade; entretanto, em pacientes com menos de 50 anos
de idade e em mulheres, não houve diferença estatisticamente significante comparada com
grupo-controle.

QUADRO CLÍNICO

Sinais: a úlcera tem início como um infiltrado acinzentado, perilímbico, na região da fenda
palpebral, podendo ser único ou múltiplo; tende a coalescer e progredir circunferencial e cen­
tralmente, formando uma úlcera extensa (Figs. 1 e 2). A úlcera pode progredir em forma de
anel na periferia da córnea e aprofundar em sua espessura, podendo levar à perfuração ocular.
Pode haver uveíte anterior leve a moderada (comum), catarata e glaucoma. A esclera pode ser
acometida; entretanto, muitas vezes é mascarada por edema e infiltrado da conjuntiva subja­
cente.
Sintomas: olho muito inflamado com hiperemia, dor intensa, fotofobia e lacrimejamento.
Pode haver diminuição da acuidade visual por astigmatismo irregular ou por acometimento
do eixo visual pela própria úlcera. A dor melhora com o controle do processo inflamatório e
cicatrização da ulceração.

F ig . 1 Ú lce ra d e M o o re n . F ig .2 Ú lce ra d e M o o re n .

TRATAMENTO

O principal objetivo do tratamento é a reestruturação da córnea e a diminuição de sua des­


truição.
O tratamento inicial consiste em corticoides tópicos potentes, em altas doses, sendo a
primeira escolha o acetato de prednisolona a 1^ de hora em hora, com redução da dose, de
acordo com a cicatrização.
Trabalho recente relata dois casos de úlcera tratados com sucesso com interferon a-2a,
com cicatrização rápida da úlcera e recuperação visual.
Úlcera de Mooren 203

Há relatos também de pacientes com sorologia positiva para hepatite C, tratados com su­
cesso, com interferon a-2b.
Caso haja progressão da doença, o tratamento cirúrgico deve ser adotado. Ressecção ci­
rúrgica de 3 a 4 mm da conjuntiva adjacente à úlcera remove a origem das células plasmáti-
cas, imunocomplexos e enzimas e interrompe o processo ulcerativo. O tratamento pode ser
repetido, se necessário. Foi descrito uso de membrana amniótica para recobrir a área na qual
a conjuntiva foi ressecada, com melhora da inflamação local e da úlcera.
Casos refratários podem ser tratados com imunossupressão sistêmica, como ciclofosfami-
da oral (2 a 3 mg/kg).
Nos casos com risco de perfuração ocular ou com perfuração, transplante tectônico la­
melar em anel (aproximadamente 13 mm) pode ser associado a transplante óptico penetrante
central (7,5 a 8 mm).

PROGNÓSTICO E ACOMPANHAMENTO

A forma limitada da doença apresenta bom prognóstico e responde bem ao tratamento clíni­
co. O acompanhamento pode ser feito semanalmente na fase aguda e, após melhora, semes­
tralmente.
A forma progressiva tem mau prognóstico.

BIBLIOGRAFIA

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Doenças Imunológicas
da Esclera

ÉRIKA ALESSANDRA G. SILVINO RODRIGUES


VANESSA MACEDO BATISTA FIORELLI • MARIA CRISTINA NISHIWAKI-DANTAS

EPISCLERITE

A episclera, parte anterior da esclera, é constituída por tecido conjuntivo vascular que se origi-
___ r

na do estróina escleral superficial e da cápsula de Tenon. E vascularizada pelo plexo episcleral


superficial e profundo, e tem como principal função o suporte nutricional da esclera.
Episclerite é uma inflamação benigna da episclera, autolimitada, que acomete geralmente
mulheres jovens e de meia-idade entre 20 e 60 anos. Dois tipos são descritos: simples (mais
comum) e nodular.
Etiologia e Patologia: A maioria das episclerites são idiopáticas. Como na maioria dos
casos ocorre resolução espontânea, é difícil determinar sua incidência. Dos pacientes afeta­
dos, 26 a 32% apresentam alterações sistêmicas associadas, como: doenças do colágeno (mais
comumente, a artrite reumatoide), rosácea, doença de Crohn, atopia e doenças infecciosas
(tuberculose, hanseníase, doença de Lyme, parotidite, toxoplasmose e sífilis). Algumas afec-
ções oculares também são causadoras de episclerite, tais como herpes simples e zóster, lesão
química e traumas. Estresse e alterações hormonais já foram relatados como fatores desenca-
deantes, porém não comprovados.
O estudo histopatológico revela inflamação não granulomatosa com dilatação vascular e
infiltração perivascular de linfócitos e células plasmáticas, com acúmulo de fluido proteico.
Manifestações Clínicas: O início geralmente é agudo, particularmente na forma simples.
Tem como principal característica a hiperemia, que persiste por 24 a 72 horas com resolução
espontânea na maioria dos casos. Além da hiperemia, alguns pacientes podem queixar-se
de desconforto ocular, lacrimejamento, fotofobia e dor de baixa intensidade. A episclerite
simples é bilateral em 40% dos casos e pode ser difusa (30%) ou setorial (70%), localizada pre­
dominantemente na região interpalpebral, especialmente perto da pinguécula, e tem caráter
recorrente, podendo reaparecer ou não no mesmo local. Os vasos sanguíneos ingurgitados

205
206 Doenças Externas Oculares e Córnea

caminham radialmente em direção ao plexo capilar episcleral superficial, sem modificar sua
configuração, e apresentam coloração avermelhada não intensa. A área afetada pode deslizar
sobre a esclera com auxílio de um cotonete. Nos casos da forma nodular (13% bilateral), nota-
se nódulo móvel sobre a área hiperemiada.
Diagnóstico: Feito pela avaliação clínica. A instilação de 1 gota de fenilefrina a 10% clareia
a área afetada devido à vasoconstrição dos vasos episclerais superficiais, o que não ocorre nas
esclerites. Exames complementares para pesquisa de associações sistêmicas somente são ne­
cessários nos casos de múltiplas recorrências.
Tratamento: A episclerite simples geralmente tem resolução espontânea em 1 ou 2 se­
manas. Pode-se instilar anti-inflamatórios não esteroides tópicos, principalmente na forma
nodular, cuja duração é mais prolongada. Nas doenças recorrentes que não respondem ao
tratamento tópico, o uso de anti-inflamatório não esteroide sistêmico, como indometacina 50
mg, 3 vezes ao dia, pode abortar a crise. Corticoides tópicos devem ser evitados.

ESCLERITE

A esclera é uma túnica formada pela episclera, estroma escleral e lâmina fosca que tem como
principais funções proteção do globo ocular e manunteção da pressão intraocular.
Esclerite é a inflamação da esclera, de manifestação muito mais grave que a episclerite,
pois, além da dor intensa, cerca de 55% dos pacientes apresentam alterações em outras estru­
turas do bulbo ocular, e 15% evoluem com diminuição da acuidade visual, podendo, em casos
extremos, provocar cegueira. Acomete, mais comumente, indivíduos entre 30 e 50 anos de
vida, com preferência pelo sexo feminino. A esclerite é bilateral em 52% dos pacientes e fre­
quentemente está associada a doença sistêmica.
A esclerite pode ser classificada de acordo com sua localização anatômica (anterior ou
posterior) e tipo de inflamação (difusa, nodular, nécrosante com ou sem inflamação).
Etiologia: Aproximadamente 50 a 70% dos pacientes com esclerite apresentam doenças
sistêmicas associadas. Essa associação é mais comum na esclerite nécrosante, seguida pela es­
clerite anterior difusa, anterior nodular e posterior. A artrite reumatoide é a doença associada
mais frequente, porém outras doenças do tecido conjuntivo e vasculites podem também estar
associadas, como granulomatose de Wegener, policondrite e poliartrite nodosa, além de do­
enças infecciosas como sífilis, tuberculose, hanseníase e herpes-zóster.
Causas menos frequentes incluem atopia, rosácea e aumento de ácido úrico. Intervenções
cirúrgicas e tumores oculares podem ser fatores predisponentes.
Manifestações Clínicas: O início da esclerite é geralmente gradual e pode estender-se por
vários dias. Muitos pacientes referem dor intensa, que pode piorar à noite, fazendo com que
despertem durante o sono. A dor pode ser irradiada para outros locais da cabeça do lado afe­
tado, e o olho é sensível ao toque. A esclera assume coloração violácea, com vasos tortuosos
aderidos a ela.
A esclerite anterior difusa é o tipo mais frequente e menos grave. Seu início é, na maioria
das vezes, insidioso. Apresenta hiperemia superficial e profunda associada a edema escleral.
Ocorre distorção do plexo vascular, com perda do padrão radial. Após a resolução, a esclera
pode permanecer azulada devido ao desarranjo das fibras de colágeno. Aproximadamente 60%
Doenças Imunológicas da Esclera

dos pacientes apresentam inflamação focal e 40% difusa. Diminuição da visão é pouco comum.
Associação com doenças sistêmicas ocorre em 25 a 45% dos casos. Progressão para forma no-
dular ou necrosante é rara.
A esclerite nodular anterior apresenta nódulo firme, imóvel e doloroso à palpação. O nó­
dulo geralmente se localiza na região interpalpebral, próximo ao limbo. Sua coloração varia
de amarelo a vermelho intenso, dependendo do local da congestão vascular (Fig. 1). Múltiplos
nódulos podem estar presentes em 40% dos casos. Associação com doença sistêmica ocorre
em 44 a 50% dos pacientes. Assim como na esclerite anterior difusa, perda permanente da vi­
são e evolução para forma necrosante não são comuns.
De todos os tipos de esclerite, a necrosante com inflamação é a forma mais destrutiva.
Cerca de 60% dos pacientes desenvolvem complicações oculares e/ou sistêmicas, 40% apresen­
tam diminuição permanente da visão e 29% morrem antes de 5 anos após o início da doença
em decorrência de complicações da vasculite. O acometimento bilateral ocorre em 60% dos
casos. Os pacientes referem dor de grande intensidade. Ao exame, notem-se áreas esbran­
quiçadas e avasculares de esclera e conjuntiva, rodeadas por edema escleral e congestão. O
r

tecido escleral pode se tornar fino e translúcido, permitindo visualizar o tecido uveal. Areas
de coroide e corpo ciliar podem estar recobertas apenas por conjuntiva. Perfuração na ausên­
cia de trauma ou aumento significativo intraocular são raros. Se não tratada, a esclerite pode
estender-se posteriormente para o equador e circunferencialmente, atingindo a periferia da
córnea. Algumas complicações podem causar déficit visual, como úlcera corneai periférica,
uveítes e glaucoma. Após cessar a inflamação, a esclera pode apresentar coloração azulada
com alterações dos vasos episclerais profundos (anastomose dos vasos limitando a área en­
volvida). Associação com doenças do tecido conjuntivo ou vasculares ocorre em 50 a 81% dos
pacientes (Fig. 2).

Fig. 1 E s c le rite n o d u la r e m p a c ie n te p o rta d o r d e tu b e rc u lo s e .

Fig. 2 E s c le rite n e c ro s a n te s u p e rio r em p a c ie n te d e 62 a n o s de


id a d e , p o rta d o ra d e a rtrite re u m a to id e .
208 Doenças Externas Oculares e Córnea

A esclerite necrosante sem inflamação, scleromalcicici perforans, é caracterizada pela au­


sência de sintomas. Alguns pacientes apresentam enlaçamento visual pelo surgimento de as­
tigmatismo ou notam alteração na coloração da esclera. Apresenta caráter evolutivo com afi-
namento escleral e consequente visualização do trato uveal, podendo este estar recoberto
somente por conjuntiva (Fig. 3). Perfuração raramente ocorre na ausência de trauma. Grandes
vasos anormais circundam e atravessam a área de perda escleral. O aumento da pressão infrao-
r

cular pode predispor ao aparecimento de estafiloma. E mais comum em mulheres com história
arrastada de artrite reumatoide. De cada 3 pacientes, 2 apresentam doença sistêmica. Perda
da acuidade visual não é frequente.
Grande parte dos pacientes com esclerite posterior apresenta dor intensa principalmente
à movimentação ocular, proptose discreta, diplopia, diminuição da acuidade visual e restrição
da motilidade. Dobras na coroide, descolamento exsudativo de retina, papiledema e glaucoma
de ângulo fechado secundário ao espessamento da coroide podem ocorrer. Pode haver retra­
ção da pálpebra inferior devido à infiltração dos músculos no local da inflamação escleral. A
dor pode ser referida em outros locais da cabeça, e o diagnóstico é muito difícil se não hou­
ver associação com esclerite anterior. Espessamento da esclera posterior, demonstrado por
ecografia (Fig. 4), tomografia computadorizada e ressonância magnética, é de grande auxílio
diagnóstico. A maioria dos pacientes com esclerite posterior não apresenta doença sistêmica
associada. Os principais diagnósticos diferenciais da esclerite posterior são: doença de Gra­
ves, melanoma de coroide, celulite orbitária, trombose do seio cavernoso e fístula carótido-
cavernosa.
As esclerites infecciosas são geralmente graves e de difícil tratamento. Cirurgias prévias,
traumas, imunossupressão e doença escleral são os fatores predisponentes. Os principais sin­
tomas são dor ocular intensa, hiperemia, edema palpebral, fotofobia e diminuição da acuidade

Fig. 3 Scleromalacia perforons em p a c ie n te d e 58 a n o s d e


id a d e p o rta d o ra d e a rtrite re u m a to id e .

Fig. 4 E sc le rite p o ste rio r e v id e n c ia d a p e lo e x a m e u ltras-


s o n o g rá fic o .
Doenças Imunológicas da Esclera

visual. Ao exame, nota-se ulceração escleral com presença de infiltrado, podendo haver infil­
trado corneai periférico por continuidade. Pode haver uveíte e esclerite posterior, bem como
disseminação intraocular da infecção. Disseminação da infecção para o sistema nervoso pode
ser fatal. O principal diagnóstico diferencial é feito com as esclerites necrosantes com inflama­
ção. Como nas ceratites bacterianas, deve-se colher material para bacterioscopia e cultura e
introduzir antibióticos fortificados de hora em hora.
Complicações: Embora 33% dos pacientes com esclerite permaneçam com esclera trans­
lúcida e/ou afinada, defeito escleral franco apenas é visto nas formas graves de doença necro-
sante ou nos estágios tardios de sclewmcilcicia perforans.
A ceratite é a complicação mais comum e pode estar presente sob diversas formas. A ce-
ratite estromal aguda apresenta infiltrados superficiais e estromais na periferia da córnea e,
às vezes, centralmente. Na ausência de tratamento, vascularização e opacificacão estromal
podem ocorrer.
A escleroceratite caracteriza-se pela opacificacão periférica da córnea devido a fibrose
e depósito de lipídios. A área acometida pode progredir centralmente, resultando em um
largo segmento de córnea opacificada. Esse tipo comumente acompanha escleroceratite por
herpes-zóster.
Ceratólise marginal (melting) cursa com aparecimento de úlcera corneai periférica adjacen­
te à área de esclerite. O estroma corneai periférico pode ser infiltrado ou permanecer claro.
Essa alteração é mais comum em pacientes com doença do tecido conjuntivo.
A uveíte anterior é a segunda complicação mais comum e ocorre devido à extensão direta
da inflamação escleral para o trato uveal. A reação de câmera anterior geralmente não é grave,
embora possa haver sinequia. Uveíte posterior ocorre em todos os pacientes com esclerite
posterior.
A elevação da pressão intraocular aparece nos episódios inflamatórios agudos e dificil­
mente leva à perda permanente de campo visual.
Catarata subcapsular posterior é uma complicação rara que ocorre devido à reação infla­
matória intraocular ou tratamento com esteroides.
r

Diagnóstico: E feito pelo exame clínico. A biomicroscopia ultrassónica pode ser útil no
diagnóstico e acompanhamento da evolução. A avaliação de esclerite deve incluir exame
físico completo, inclusive das articulações, pele, sistema cardiovascular e respiratório. Os
testes laboratoriais recomendados incluem: pesquisa de anticorpos antinucleares, fator reu-
matoide, dosagem de ácido úrico sérico, sorologia para sífilis e toxoplasmose, radiografia
de tórax.
Tratamento: Inicialmente, usa-se anti-inflamatórios não hormonais, sendo a indometacina
50 mg o fármaco de escolha. Deve ser usada 3 vezes ao dia até a melhora do quadro clínico
(aproximadamente 30 dias).
Esclerite nodular grave e esclerite necrosante quase sempre requerem tratamento anti-
inflamatório mais intenso, como a imunoterapia. O uso de inibidor de fator de necrose tu-
moral (TNF), como o infliximabe (Remicade), em pacientes com esclerite associada a artrite
reumatoide, tem revelado bons resultados com controle da inflamação. O uso de corticoide
subconjuntival tem-se mostrado efetivo na redução da inflamação escleral; entretanto, há re­
latos de necrose escleral como principal complicacão, sendo contraindicado em casos de es­
clerite necrosante.
210 Doenças Externas Oculares e Córnea

O uso de corticosteroide oral e/ou pulso (IV) pode ser efetivo em alguns casos de esclerite
necrosante ou escleroceratite. O corticoide dever ser mantido até a cura, no máximo 30 dias,
e, depois, deve-se fazer regressão lenta.
Nos casos resistentes ao corticoide sistêmico, pacientes que não podem fazer uso de
corticoterapia por períodos prolongados ou recorrência após regressão do corticoide, faz-se
uso de imunossupressores, como antimetabólito (p. ex., metotrexate), imunomodulador (p.
ex., ciclosporina) ou um agente citotóxico (p. ex., ciclofosfamida). Apesar de não haver um
consenso, pacientes com artrite reumatoide têm como tratamento imunossupressor inicial
o metotrexate ou micofenolato, e os agentes citotóxicos mais potentes são iniciados em pa­
cientes com vasculite como nos casos de granulomatose de Wegener. Após o início da tera­
pia imunossupressiva, deve-se colher hemogramas semanais para controle dos leucócitos e
exames de urina para controlar a função renal. O tratamento deve ser acompanhado por um
hematologista ou oncologista.
Em casos de afmamento importante, enxerto homólogo de esclera tem sido recomenda­
do com sucesso limitado (Fig. 5). Inúmeros materiais têm sido utilizados para tratamento dos
afinamentos esclerais secundários a esclerite, como membrana mucosa bucal, cartilagem auri­
cular, faseia lata, periósteo, derme e sintéticos como “gore-tex”. Pela facilidade de manuseio, a
córnea pode também ser utilizada para reparo de tais defeitos esclerais.

Fig. 5 E n x e rto d e e sc le ra re a liz a d o em p a c ie n te p o rta d o r d e


S c le ro m a la c ia p e rfo ro n s .

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Doenças da Superfície Ocular
Estudo do Filme Lacrimal e da
Superfície Ocular

JOSÉ ÁLVARO PEREIRA GOMES

AVALIAÇÃO DO FILME LACRIMAL

Os testes de avaliação do filme lacrimal representam uma maneira objetiva de avaliar a função
lacrimal. Nenhum teste é suficientemente específico para confirmar o diagnóstico de olho
seco. Essa confirmação deve ser feita pela combinação das informações de anamnese, exame
r

oftalmológico e dos resultados de um ou mais testes. E importante que estes sejam realizados
em uma sequência lógica para minimizar alterações nos testes subsequentes.

Inspeção
Inicia-se pela inspeção das pálpebras, conjuntiva, córnea e do menisco lacrimal entre o globo e
a pálpebra inferior. O menisco lacrimal normal deve ser contínuo, levemente côncavo e possuir
aproximadamente 1,0 mm de altura. Deve-se também avaliar o grau de oleosidade da lágrima
e a presença de filamentos e debris.

Tempo de rotura do filme lacrimal


O tempo de rotura do filme lacrimal é determinado pela instilação de fluoresceína no fundo-
de-saco inferior e observação da estabilidade do filme lacrimal pré-corneal. A medida deve
ser obtida antes da instilação de qualquer colírio ou manipulação das pálpebras. Após a ins­
tilação de 1 gota de fluoresceína sódica a 1^6 (de preferência, sem preservativos), pede-se
para o paciente pestanejar inúmeras vezes e, posteriormente, examina-se o filme lacrimal
utilizando lâmpada de fenda com filtro azul de cobalto. O tempo entre o último pestanejar
e o aparecimento do(s) primeiro(s) ponto(s) seco(s) é o tempo de rotura do filme lacrimal.
Normalmente, considera-se como normal o tempo de rotura do filme lacrimal de 10 ou mais
segundos (Fig. 1).

213
214 Doenças Externas Oculares e Córnea

Fig.1 P e líc u la d e flu o re s c e ín a a p re s e n ta n d o p o n to s se co s c o r­


re s p o n d e n te s à ro tu ra d o film e la c rim a l (breok up time).

Colorações
Após a determinação do tempo de rotura do filme lacrimal, aproveita-se a presença da fluo­
resceína para avaliar como ocorre a coloração da superfície ocular. Posteriormente, instila-se 1
gota da solução de rosa-bengala a \%. Os padrões específicos da coloração na córnea e conjun­
tiva podem ser extremamente úteis para estabelecer o diagnóstico. Coloração interpalpebral e
da conjuntiva bulbar adjacente é comumente associada a ceratoconjuntivite seca ou exposição
(Fig. 2). Pode-se graduar o padrão da coloração de acordo com a observação das conjuntivas
bulbar nasal e temporal e da córnea na área interpalpebral. O sistema mais fácil para ser utili­
zado baseia-se na graduação, que varia de 0 a 3 (sem coloração, leve, moderada e intensa) em
cada uma das áreas avaliadas. Portanto, a graduação máxima que pode ser obtida é igual a 9.
Controvérsias ainda persistem em relação ao mecanismo da coloração por rosa-bengala. Tra­
dicionalmente, acreditava-se que esse corante corava apenas células degeneradas ou mortas
e filamentos de muco. Observações recentes, entretanto, indicam que rosa-bengala também
se liga às células epiteliais normais e proteínas do filme lacrimal. Em um olho com filme lacri­
mal normal, o rosa-bengala é bloqueado pelas proteínas da lágrima e não cora as células da
superfície ocular. Por outro lado, em um olho com alterações do filme lacrimal, a coloração
ocorrerá nas áreas da superfície ocular desprotegidas das proteínas que constituem a lágrima.
Além de olho seco, a coloração por rosa-bengala pode estar presente difusamente na córnea e
conjuntiva nas ceratoconjuntivites virais e medicamentosas; no terço inferior da córnea e con­
juntiva bulbar, na blefaroconjuntivite por Staphylococcus aureus, e no terço superior, nos casos
de ceratoconjuntivite limbar superior. Outro corante utilizado é a lissamina verde, que possui
padrão semelhante ao do rosa-bengala, com a vantagem de não causar ardência à instilação.

Fig. 2 P a d rã o d e c o lo ra ç ã o co m ro sa -b e n g a la em o lh o d e
p a c ie n te co m d is fu n ç ã o d o film e la c rim a l (o lh o se co ).
Estudo do Filme Lacrimal e da Superfície Ocular

Testes de produção de lágrima


A produção de lágrima pode ser avaliada de diversas maneiras. Tradicionalmente, é realizado o
teste de Schirmer, que consiste na colocação de uma tira de papel-filtro Whatman n° 41, de 5
mm de largura por 35 mm de comprimento, na junção do terço médio e lateral das pélpebras
inferiores (Fig. 3). Após 5 minutos, as tiras de papel-filtro são retiradas. A quantificação da
produção de lágrima é feita pela medida da extensão do papel-filtro que ficou úmida. Existem
três tipos de teste de Schirmer: 1) teste de secreção basal; 2) teste de Schirmer I; 3) teste de
Schirmer II ou reflexo. O teste de secreção basal consiste na medida do lacrimejamento basal
e, atualmente, é considerado como a medida do lacrimejamento sob estimulação mínima,
como vimos anteriormente. Para sua realização, instila-se 1 gota de colírio anestésico tópico
no fórnice inferior antes da colocação da tira de papel-filtro. Idealmente, deve ser repetido
inúmeras vezes, pois os valores podem variar. Medidas menores de 5 mm são sugestivas de
deficiência aquosa do filme lacrimal. O teste de Schirmer I, que não inclui o uso de anestésico
tópico, mede o lacrimejamento basal e reflexo. Valores menores que 10 mm após 5 minutos
são sugestivos de olho seco. O teste de Schirmer II mede a secreção reflexa sob estimulação
máxima. Sua realização é semelhante ao Schirmer I, porém, antes da colocação das tiras de
papel-filtro, introduz-se um cotonete na cavidade nasal, movendo-o delicadamente para cima
paralelamente à parede temporal. Medidas menores que 15 mm após 5 minutos são conside­
radas anormais e refletem defeito na secreção reflexa. Uma variante do teste de Schirmer II
que também leva em consideração o fluxo e, indiretamente, a drenagem da lágrima é o teste
de depuração lacrimal. Nesse teste, instila-se uma gota de proparacaína a 0,5% e, após retirar o
excesso, aplicam-se 5 jul de fluoresceína de sódio a 0,25% e pede-se para o paciente pestanejar
normalmente. Procede-se à realização do teste de Schirmer por 1 minuto a cada 10 minutos. A
depuração é normal quando o corante clareia após a segunda tira de papel. Após 30 minutos,
procede-se à estimulação nasal e a novo teste de Schirmer. A secreção basal é considerada nor­
mal se as duas primeiras tiras de papel estiverem úmidas em mais de 3 mm. A secreção reflexa
está normal se a última tira de papel estiver mais úmida do que as duas primeiras.

Fig. 3 T e ste de S c h irm e r.

Outros testes
Outros testes também podem ser utilizados para auxiliar o diagnóstico de deficiência aquosa
do filme lacrimal. A determinação da osmolaridade do filme lacrimal é um teste de alta sensibi­
lidade que se encontra disponível comercialmente. A osmolaridade, usualmente, encontra-se
216 Doenças Externas Oculares e Córnea

aumentada nos pacientes com deficiência aquosa do filme lacrimal e disfunção das glândulas
de Meibomius. Além desse teste, pode-se determinar as concentrações de proteínas na lágri­
ma, como lisozima e lactoferrina, que se encontram diminuídas na DAFL. O teste da folha de
samambaia (ou ferning test) é realizado com a observação do padrão de cristalização da lágrima
quando colocada sobre uma lâmina de vidro. A ausência do padrão em forma de folha de sa­
mambaia indica deficiência primária de mucina. Citologia de impressão e raspado conjuntival
demonstrando queratinização e alteração no número das células caliciformes também auxi­
liam no diagnóstico de olho seco.

AVALIAÇÃO DA DISFUNÇÃO DAS CÉLULAS GERMINATIVAS


(DEFICIÊNCIA LÍMBICA)

A deficiência límbica, caracterizada por diminuição, disfunção ou ausência de células germinati-


vas do epitélio da córnea, pode ser encontrada em diversas doenças congênitas (p. ex., aniridia)
e adquiridas (p. ex., queimadura química, síndrome de Stevens-Johnson e penfigoide cicatricial)
da superfície ocular. Quando a barreira anatômica representada pelo limbo é destruída, células
conjuntivais invadem a superfície corneai em um processo conhecido como “conjuntivalização”,
que inclui epitelização instável, acompanhada de vascularização, cicatrização estromal, defeitos
epiteliais e inflamação persistente (Fig. 4). Alguns autores propuseram que, em determinadas
condições, o epitélio conjuntival sofreria um processo de transformação morfológica e fisiológi­
ca em epitélio corneai, conhecido como “transdiferenciação”. No entanto, uma série de evidên­
cias mais recentes demonstraram que esse processo é incompleto, pois, além de reversível, o
epitélio conjuntival transdiferenciado não expressa ceratinas corneais.
A conjuntivalização pode ser identificada clinicamente pelos achados anteriormente citados
e pela detecção de células caliciformes na superfície da córnea pela citologia de impressão.

Fig. 4 D e fic iê n c ia lím b ic a to ta l s e c u n d á ria a q u e im a d u ra


q u ím ic a .

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Disfunção do Filme Lacrimal

JOSÉ ÁLVARO PEREIRA GOMES - TAÍS HITOMI WAKAMATSU

OLHO SECO (CERATOCONJUNTIVITE SECA)

Olho seco pode ser definido pelos seguintes fenômenos: diminuição da quantidade, modi­
ficação da qualidade e/ou diminuição da estabilidade da lágrima. Essa definição clássica foi
recentemente modificada, incluindo aspectos relacionados à etiopatogenia inflamatória e aos
sintomas de desconforto ocular referidos pelos pacientes. Alguns autores propuseram até
mesmo a mudança do termo “olho seco” para “disfunção do filme lacrimal” , o que estaria mais
de acordo com os conhecimentos recentes dessa síndrome.
Cerca de 15 a 40% da população apresentam sinais de olho seco. O quadro clínico varia
dos casos mais brandos, com queixa básica de desconforto, aos mais graves, por vezes com
sérias complicações, como úlcera e perfuração da córnea. Os sintomas incluem sensação de
corpo estranho, queimação, fotofobia e embaçamento, e costumam piorar no final do dia, nas
condições de baixa umidade (p. ex., ambientes com ar-condicionado ou aquecedores) e após
uso excessivo da visão para perto (p. ex., computação). Essa afecção pode ser dividida em
dois grupos principais, de acordo com a fisiopatogenia: 1) deficiência aquosa do filme lacrimal
(DAFL); 2) evaporação excessiva, predominantemente associada à disfunção das glândulas de
Meibomius.

Classificação de olho seco


Deficiência aquosa do filme lacrimal
Não síndrome de Sjõgren:
Doença lacrimal (primária ou secundária).
• Doença lacrimal obstrutiva.
• Diminuição da sensibilidade corneai.

219
220 Doenças Externas Oculares e Córnea

• Uso de fármacos sistêmicos.


• Outras (p. ex., neuromatose).
Síndrome de Sjögren.

Evaporação excessiva
Disfunção das glândulas de Meibomius.
Desordens do pestanejar.
Desordens da posição das pálpebras e da relação pálpebras/bulbo ocular.
Deficiência de mucina.

Deficiência aquosa do filme lacrimal (DAFL)


Esse grupo é definido pela diminuição da produção do filme lacrimal, usualmente medida pelo
teste de Schirmer. Outros sinais observados são diminuição do menisco lacrimal, irregularida­
de epitelial e presença de debris e filamentos (Fig. 1). A ceratopatia epitelial pode ser punte-
ada, granular ou confluente, e é melhor observada após a instilação do corante rosa-bengala.
DAFL pode ser classificado em dois subgrupos: 1) não associado à síndrome de Sjögren
(não SS); 2) associado à síndrome de Sjögren (SS).
Na DAFL não SS, são descritas causas congênitas, como síndrome de Riley-Day (disauto-
nomia familiar), alacrimia congênita, displasia anidrótica ectodérmica, síndrome de Adie e
síndrome de Shy-Drager (disfunção autonômica idiopática) e causas adquiridas secundárias à
disfunção da glândula lacrimal, como na adenite encontrada na sarcoidose e caxumba. Causas
obstrutivas, traumáticas ou não, também podem induzir a DAFL, assim como hipossecreção in­
duzida por medicações com efeito anticolinérgico, como anti-hipertensivos, anti-histamínicos
e antidepressivos. Outras causas de DAFL são as induzidas pela diminuição da sensibilidade

Leve G rave

Lâm pada de fenda

C o lo ra çõ es

Fig. i S in a is o b s e rv a d o s no o lh o se co le v e e g ra v e .
Disfunção do Filme Lacrimal

corneai e incluem a hipossecreção neuroparalítica e o olho seco secundário ao uso de lentes


de contato.
A síndrome de Sjogren (SS) é uma afecção autoimune crônica composta de deficiência aquo­
sa do filme lacrimal e xerostomia, associada ou não a artrite reumatoide ou outra doença do
tecido conjuntivo. Pode ser classificada como primária, nos casos em que não há associação com
doença do tecido conjuntivo, e secundária, quando essa associação está presente. Os pacientes
com SS primária são, na sua maioria, mulheres jovens ou de meia-idade. Podem ser classificados
em dois tipos: a) pacientes que apresentam evidência de disfunção imunológica sistêmica, sen­
do 90% com HLA-B8 e frequentemente autoanticorpos anti-La (SS-B). Nesses casos, ocorre DAFL
grave e comprometimento da superfície ocular; b) pacientes que não possuem autoanticorpos
detectáveis no soro e que apresentam quadro clínico mais brando.
Os pacientes com SS secundária são os que apresentam doença do tecido conjuntivo asso­
ciada ao quadro de base. A doença sistêmica mais comumente associada à SS é a artrite reuma­
toide, embora outras doenças autoimunes também estejam relacionadas. Outras associações
incluem atrofia das mucosas gástrica e vaginal, inflitração linfocítica dos rins, pulmões, músculos
ou órgãos viscerais. Uma variante da SS é conhecida como síndrome de Mikulicz, que consiste na
hipertrofia das glândulas lacrimal e/ou salivar associada a leucemia, linfoma e sarcoidose.
A patogênese da SS encontra-se ligada a anormalidades imunológicas, incluindo hiperga-
maglobulinemia, presença de autoanticorpos e função linfocítica alterada. Alguns autores in­
cluem infecção virai pelo vírus Epstein-Barr e HIV como possíveis causas do comprometimento
glandular da SS. Histopatologicamente, a doença é caracterizada por infiltrado mononuclear
das glândulas lacrimal e salivar, composto principalmente de linfócitos CD4+ e plasmócitos.
Com a progressão da doença, ocorre destruição dos duetos e estruturas acinares dessas glân­
dulas, resultando em deficiência de lágrima e saliva.
A avaliação laboratorial pode auxiliar no diagnóstico e inclui testes sorológicos para de­
tecção de autoanticorpos (anticorpos antinucleares ou anticorpos anti-SS-A e anti-SS-B); bióp­
sia da glândula lacrimal ou glândula salivar; testes diagnóstico de DAFL; citologia de impressão
conjuntival.
Microscopia confocal demonstra alteração de glândulas lacrimais (dilatação de unidades
acinares, fíbrose intersticial, células inflamatórias) e alterações oculares (diminuição e altera­
ção de células epiteliais corneoconjuntivais, diminuição da densidade de nervos corneanos,
aumento de células inflamatórias na superfície ocular).

Deficiência lipídica
Principal causa de olho seco por evaporação excessiva, pode se manifestar pela diminuição do
tempo de rotura do filme lacrimal e coloração característica com fluoresceína e rosa-bengala
(terço inferior da córnea). A causa principal da deficiência lipídica é a disfunção das glândulas
de Meibomius. Anormalidades da camada lipídica do filme lacrimal também podem ser causa­
das por doenças como rosácea ou pela terapia oral com isotretinoína.

Deficiência de mucina
Causas de deficiência de mucina incluem hipovitaminose A, comum nos países em desenvol­
vimento, e outras condições associadas à disfunção das células caliciformes, como SS grave,
Doenças Externas Oculares e Córnea

tracoma, queimadura por álcali, penfigoide cicatricial e síndrome de Stevens-Johnson. Existe


um círculo vicioso entre as alterações epiteliais decorrentes da deficiência de mucina e a insta­
bilidade do filme lacrimal, na medida em que o primeiro potencializa o segundo, e vice-versa.
Similar à deficiência lipídica, a deficiência de mucina induz alteração do tempo de rotura do
filme lacrimal.

Tratamento clínico
A interação médico-paciente tem importância fundamental no tratamento do olho seco, pois
ajuda o paciente a superar os aspectos frustantes inerentes às doenças crônicas. O tipo de
terapêutica a ser empregado varia de acordo com o tipo de deficiência do filme lacrimal e da
gravidade do caso. O tratamento básico consiste na reposição da lágrima com lubrificantes
tópicos, idealmente sem preservativo, para evitar a toxicidade, e que tenham o tempo de per­
manência e a viscosidade apropriados de acordo com a gravidade do olho seco. Deve-se orien­
tar os pacientes em relação ao uso de medicamentos sistêmicos e tópicos que possam estar
influenciando o quadro. Entre as medicações que diminuem a produção lacrimal, destacam-se
os diuréticos, anti-histamínicos, anticolinérgicos e psicotrópicos.
Quando ocorre metaplasia escamosa nos casos graves de SS, o uso de lubrificantes artifi­
ciais pode não ser suficiente para a prevenção do ressecamento da superfície ocular, pois eles
não fornecem componentes essenciais que se encontram presentes na lágrima, como vitamina
A, EGF e TGF-beta. Uma fonte alternativa desses componentes é o soro autólogo, que pode ser
r

usado puro ou diluído a 20%, conforme a gravidade do caso. E fundamental que se processe o
sangue em condições absolutamente estéreis para evitar a contaminação.
Os casos de ceratite filamentar podem ser tratados com o uso do mucolítico acetilcisteína
diluído a 10%.
A secreção lacrimal pode também ser estimulada farmacologicamente. Pilocarpina oral
ou tópica pode ser utilizada para essa função. Os problemas são os efeitos colaterais, como
sudorese, salivação e outros. A bromexidina sistêmica e a tópica têm sido utilizadas em alguns
países com resultados satisfatórios, porém seu efeito parece diminuir após o uso crônico. O
diquafosol sodium é um agonista dos receptores de P2Y2 e promove a secreção de água e
mucinas. Tem demonstrado bons efeitos terapêuticos, porém não está disponível comercial­
mente em todos os países. Nos casos resistentes à terapia, alguns autores preconizam o trans­
plante de glândulas salivares.
Para olho seco do tipo evaporativo como resultado de disfunção das glândulas de Mei-
bomius (DGM), a melhor estratégia é suprimir a evaporação das lágrimas. Para DGM, com­
pressas mornas associadas à limpeza das pálpebras com xampu neutro diluído e uso de
tetraciclina tópica constituem a primeira linha de tratamento. Nos casos mais graves, pode-
se iniciar uso sistêmico de tetraciclina ou seus derivados. Também, podem-se prescrever
cápsulas de óleo de peixe ou da linhaça, que contêm alto teor de ômega-3, aparentemente
efetivo nas disfunções de glândulas de Meibomius. Outras medidas incluem uso de óculos
com as laterais fechadas ou óculos de natação para formar uma câmara úmida, utilização de
vaporizador para manter a umidade dos aposentos e evitar ambientes com ventiladores e
ar-condicionado.
Disfunção do Filme Lacrimal

Tratamento cirúrgico
Nos casos mais resistentes, pode-se indicar a oclusão temporária ou permanente dos pontos
lacrimais, a fim de manter a lágrima em contato com a superfície ocular por um período mais
prolongado de tempo. Quando o lacrimejamento reflexo está ausente, pode-se ocluir ambos
os pontos lacrimais definitivamente (superior e inferior), sem risco de o paciente desenvolver
epífora. Nos casos mais leves, deve-se proceder primeiramente à oclusão temporária com im­
plantes dissolvíveis de colágeno ou tampões de silicone. Quando os pacientes toleram bem
a oclusão temporária, a oclusão permanente pode ser facilmente realizada com o uso de um
cautério.
A correção cirúrgica do mau posicionamento das pálpebras, como no entrópio ou ectró-
pio, ou a tarsorrafía lateral nos casos mais graves, deve ser realizada para diminuir a evapora­
ção. Nos casos de deficiência de mucina (DM), o tratamento consiste no controle da condição
determinante da DM e lubrificação.
Os casos mais graves, comumente observados nas ceratoconjuntivites cicatricias, podem
necessitar de transplante de conjuntiva ou mucosa labial. Apesar de dificuldades técnicas, al­
guns autores também têm observado bons resultados com transplante de glândulas salivares
nesses casos.

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R E N A T O C O R R Ê A S O U Z A D E O L IV E IR A • T A ÍS H IT O M I W A K A M A T S U

INTRODUÇÃO

S é rg io F e lb e rg
T a ís H ito m i W a k a m a t s u
J o s é Á lv a r o P e re ira G o m e s

A síndrome de Sjogren (SS) é uma doença sistêmica inflamatória crônica, de etiologia mul-
tifatorial, com provável envolvimento do sistema autoimune. As glândulas exócrinas corres­
pondem aos órgãos-alvos mais acometidos na síndrome, sendo especificamente as glândulas
lacrimais e salivares as mais afetadas pela infiltração linfoplasmocitária que destrói o tecido,
originando disfunções que desencadeiam o quadro clássico de xeroftalmia (olhos secos) e
xerostomia (boca seca). Outras glândulas exócrinas também podem estar envolvidas, como
pâncreas, glândulas sudoríparas, glândulas mucosas dos tratos respiratório, gastrintestinal e
urogenital.
A SS pode existir como doença primária das glândulas exócrinas (SS primária) ou estar
associada a doenças do tecido conjuntivo, como artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistê­
mico, esclerose sistêmica progressiva, esclerodermia, entre outras (SS secundária). Devido à
hiperatividade dos linfócitos B, os pacientes com SS apresentam elevada incidência de linfoma
maligno de células B tipo não Hodgkin, quando comparados com a população sadia.
Fatores ambientais, como infecções virais prévias (vírus Epstein-Barr, citomegalovírus, her­
pes vírus humano, vírus da hepatite C, entre outros), já foram relacionados como potenciais
desencadeadores da resposta imune ao tecido glandular, devido à frequente concomitância
desse agente em pacientes com SS.
226 Doenças Externas Oculares e Córnea

EPIDEMIOLOGIA

A doença apresenta distribuição mundial e cerca de 9 mulheres são acometidas para cada ho­
mem. Por esse motivo, disfunções hormonais também parecem fazer parte da fisiopatologia
do desenvolvimento da SS, principalmente as deficiências de andrógenos, estrógeno e pro-
gesterona.
Embora pessoas de todas as idades possam ser afetadas, a doença tem maior incidência
entre indivíduos na quarta e quinta décadas de vida, sendo as mulheres mais acometidas do
que os homens.

QUADRO CLÍNICO

As manifestações correspondem à chamada “síndrome sicca”, sendo as mais encontradas (Fig. 1):
Manifestações oculares: estão relacionadas à progressiva redução da secreção lacrimal. As
manifestações oculares são mais frequentes do que as manifestações orais na forma secundá­
ria da SS.
A lágrima desempenha diversas funções fundamentais para a manutenção da superfície
ocular, entre elas o umedecimento dos tecidos, remoção de partículas, corpos estranhos e
células mortas, trofismo epitelial, ação bactericida e bacteriostática e função óptica. Pacientes
com secura ocular, por sua vez, estão sujeitos a desenvolver defeito epitelial recorrente, cera-
tite infecciosa, afmamento e perfuração corneai.
O espectro clínico é bastante variável, e os pacientes podem não apresentar sintomas até
se queixarem de importantes limitações nas suas atividades diárias, com piora da qualidade
de vida devido à irritação ocular, sensação de corpo estranho, queimação ocular, fotofobia,
“choro sem lágrimas” e turvação visual. Os sintomas costumam piorar em ambientes secos
(ar-condicionado, poeira, baixa umidade do ar, vento), durante a leitura e uso do computador.
Alguns questionários foram desenvolvidos para auxiliar no diagnóstico do olho seco, para
avaliar o impacto da doença na qualidade de vida dos portadores, acompanhar sua evolução e
resposta aos tratamentos propostos.
A deficiência na produção de lágrima pode levar à hiperemia ocular, defeito epitelial, au­
mento da quantidade de muco na superfície ocular, ceratite filamentar, úlceras de córnea e
perfuração ocular nos casos mais graves.

Fig. i P a c ie n te p o rta d o ra d e "sín d ro m e sicca " (S jõ g re n ), a p re ­


s e n ta n d o o lh o se co e x e ro s to m ia . (S p a lto n D J, H itc h in g s RA,
H u n te r PA. In: A tla s d e c lín ic a o fta lm o ló g ic a . S ão P a u lo : M a n o le .
p p. 5-15.)
Síndrome de Sjögren

Os testes mais utilizados no diagnóstico do olho seco e na avaliação da superfície ocular


dos pacientes com ceratoconjuntivite seca são:
a. Biomicroscopia: presença de clebris no filme lacrimal, vasodilatação dos vasos conjunti-
vais, restos celulares, defeito epitelial e úlcera de córnea.
b. Avaliação do menisco lacrimal: geralmente escasso ou ausente.
c. Testes de Schirmer (basal, com anestésico e com estímulo da mucosa nasal): utilizado para
evidenciar a redução do fluxo lacrimal. Nas fases mais adiantadas da síndrome, o teste de
Schirmer, nas suas três variações, raramente atinge valores superiores a 5 mm.
d. Coloração da superfície ocular com rosa-bengala, fluoresceína ou lissamina verde: utili­
zados para observação da repercussão da secura na superfície ocular. Evidenciam áreas
com pouca ou nenhuma lubrificação (Fig. 2).
e. Tempo de rotura do filme lacrimal.
f. Teste da depuração do filme lacrimal.
g. Medida da osmolaridade da lágrima (osmolaridade aumentada).
h. Avaliação do perfil proteico do filme lacrimal (diminuição das concentrações de lisozi-
ma, lactoferrina e albumina).
i. Citologia de impressão: pode evidenciar alterações na densidade e forma das células
caliciformes e do epitélio corneoconjuntival.
j. Microscopia confocal demonstra alteração de glândulas lacrimais (dilatação de unida­
des acinares, fibrose intersticial, células inflamatórias) e alterações oculares (diminui-

A lte ra ç õ e s da s u p e rfíc ie o c u la r em p a c ie n te p o rta d o r d e o lh o se co le v e (n ã o S jö g re n ) (d ire ita su p .),


e o lh o se co g ra v e co m c e ra tite p u n te a d a em p a c ie n te p o rta d o r d e s ín d ro m e d e S jö g re n (e sq u e rd a su p .).
B ió p sia da g lâ n d u la la c rim a l em p a c ie n te p o rta d o r d e o lh o se co le v e (n ã o S jö g re n ) (d ire ita inf.) e da g lâ n d u la
la c rim a l d e p a c ie n te p o rta d o r d e s ín d ro m e d e S jö g re n (e sq u e rd a in f.). N o te in filtra d o lin fo c itá rio e d e s tru iç ã o
d as c é lu la s a c in a re s . (T su b o ta K. N e w a p p ro a c h e s in d ry e ye m a n a g e m e n t. In: K in o sh ita S, O h a sh i Y (ed s.)
C u rre n t O p in io n s in th e K yo to C o rn e a C lu b . A m s te rd a m : K u g le r P u b bv, 1 9 95; p. 27-32.)
228 Doenças Externas Oculares e Córnea

ção e alteração de células epiteliais corneoconjuntivais, diminuição da densidade de


nervos corneanos, aumento de células inflamatórias na superfície ocular).

Manifestações orais: boca seca com necessidade de umedecimento frequente, dificuldade na


deglutição de alimentos sólidos, dor à deglutição, cáries frequentes, aftas e úlceras na mucosa la­
bial, infecções bucais (principalmente candidíase), aumento no volume da glândula parótida (mais
frequente na SS primária). Cintigrafia salivar, sialografia da glândula parótida, ultrassonografia das
glândulas salivares e estimativa do fluxo salivar (sialometria) podem conduzir ao diagnóstico.
Biópsia das glândulas salivares maiores ou menores pode evidenciar infiltrado linfocitário
periductal e destruição glandular (Fig. 2). A positividade da biópsia é semelhante em todas as
glândulas salivares, mas o acesso às glândulas salivares menores é mais fácil e apresenta pou­
cas complicações. A ausência do processo inflamatório observado num fragmento de glândula
não exclui a possibilidade da síndrome.
Manifestações musculoesqueléticas: são mais frequentes na SS secundária. Dores osteoar-
ticulares, fadiga e deformidades articulares. Fibromialgia está frequentemente associada à SS.
Manifestações respiratórias: secura da mucosa nasal, falta de ar e infecções frequentes do
trato respiratório são os achados mais comuns.
Manifestações geniturinárias: secura e prurido vaginal, coito doloroso e dor à micção po­
dem ocorrer. Pacientes com SS primária podem apresentar glomerulonefrites.
Manifestações cutâneas: mais frequentes na SS secundária. Despigmentação, eritema,
prurido e eczema.
Manifestações vasculares: fenômeno de Raynauld, trombose venosa profunda e vasculites
(pele, fígado e rins).
Manifestações psiquiátricas: ansiedade, depressão e distúrbios da personalidade foram
descritos com maior frequência nos pacientes com SS do que na população geral.

Autoanticorpos circulantes
Anticorpos órgãos-específicos descritos na SS incluem anticorpos contra antígenos presentes
nos duetos glandulares, tireoide, mucosa gástrica, eritrócitos, pâncreas, próstata e células
nervosas. Autoanticorpos não específicos também podem ser encontrados, como fator reuma-
toide (FR), fator antinúcleo (FAN), anticorpo antimitocondrial, anticorpo anticentrômero, entre
outros. FR e FAN são mais frequentes na SS secundária do que na primária.
Anticorpos contra ribonucleoproteínas: anti-Ro (SS-A) e anti-La (SS-B) são os mais frequen­
temente associados à síndrome, embora possam estar presentes em outras enfermidades.
Também estão circulantes no sangue periférico autoanticorpos contra receptores muscaríni-
cos (antiM IO ) e contra proteínas do citoesqueleto das células acinares (antialfa-fodrim).

CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS

O fato de serem adotados diversos critérios diagnósticos propostos por diferentes entidades
e sociedades para definir a SS torna difícil ou quase impossível comparações entre os diversos
estudos clínicos, principalmente com relação ao tratamento e aos dados epidemiológicos. Ne­
Síndrome de Sjõgren

nhum sinal, achado clínico ou imunomarcador descrito até o momento é aceito isoladamente
como ideal para fechar o diagnóstico da SS ou detectar os períodos de atividade e remissão
da doença.
r

E importante que o paciente suspeito seja avaliado por equipe multidisciplinar composta
por oftalmologistas, reumatologistas, otorrinolaringologistas e dentistas, entre outros.
Os diferentes critérios existentes fazem exigências distintas para que o diagnóstico da sín­
drome seja estabelecido, considerando sintomas de olho seco e boca seca, evidência objetiva
da secura ocular (testes de Schirmer e rosa-bengala) e oral (sialometria, cintigrafia das glân­
dulas salivares ou sialografia da glândula parótida), demonstração de biópsia de fragmento da
glândula salivar menor com evidência de infiltrado linfoplasmocitário contendo 50 ou mais
linfócitos (focus) em um fragmento de tecido de pelo menos 4 mm*1 23de glândula e a presença
dos autoanticorpos circulantes.

TRATAMENTO

O estabelecimento do diagnóstico da SS é fundamental para a instituição precoce do trata­


mento. Não há, até o momento, cura para a SS. O tratamento tem por objetivo o controle da
inflamação ocular e o alívio dos sinais e sintomas, com consequente melhora na qualidade de
vida dos pacientes, além da modificação no curso da doença, para que as sequelas sejam evi­
tadas ou minimizadas. São utilizados:
1. Tratamentos substitutivos e de retenção lacrimal e salivar: administração de colírios
lubrificantes sem préservantes, pomadas e géis muitas vezes são suficientes para pro­
porcionar alívio dos sintomas oculares e prevenir complicações corneais. Colírios hipo-
tônicos ou isotônicos, à base de hialuronato de sódio mostraram-se eficazes no alívio
dos sintomas. Os colírios de soro autólogo contêm fatores de crescimento, vitamina
A e interleucinas, auxiliando na estabilização da superfície ocular. Oclusão dos pontos
lacrimais e tarsorrafia são medidas usadas para reter maior quantidade de lágrima na
superfície ocular. Medidas ambientais que visam aumentar a umidade relativa do ar
nos ambientes frequentados pelos portadores da SS podem ser úteis nos casos mais
graves (panos úmidos, bacias com água, aquário). Higiene oral rigorosa é importante
para prevenir infecções bucais. Para alívio da xerostomia, gomas de mascar sem açúcar,
água com gotas de limão, agentes mucolíticos como a bromexina e formulações de
saliva artificial podem ser úteis no alívio dos sintomas.
2. Estimulação da produção de lágrima e saliva: agonistas muscarínicos de uso oral,
como a pilocarpina e a cevimelina, agem nos receptores muscarínicos das glândulas
estimulando as secreções salivar e lacrimal com melhora objetiva e subjetiva do qua­
dro clínico e poucos efeitos colaterais descritos. Diquafosol sodium é um agonista dos
receptores de P2Y2 e promove a secreção de água e mucinas.
3. Redução da inflamação local: administração tópica de corticosteroides reduz o pro­
cesso inflamatório, estabiliza a superfície ocular, melhora sinais e sintomas oculares,
mas seu uso prolongado está associado a efeitos colaterais, como desenvolvimento de
glaucoma e catarata. A ciclosporina A tópica e o tracolimus retardam a destruição da
230 Doenças Externas Oculares e Córnea

glândula lacrimal, promovem apoptose dos linfócitos, suprimem apoptose das células
acinares e da conjuntiva e reduzem a infiltração linfoplasmocitária no tecido glandular.
Como resultado, há aumento do lacrimejamento e alívio dos sintomas com poucos
efeitos colaterais descritos. Alguns estudos mostraram melhora nos sinais e sintomas
de pacientes portadores de SS com administração tópica de andrógenos.
4. Modulação sistêmica da resposta imune: agentes imunomoduladores que diminuem
a intensidade da resposta imune, reduzem a linfoproliferação e a produção dos auto-
anticorpos podem estar indicados.
Dieta rica em ômegas (peixes, azeite de oliva, óleo de semente de linhaça) apresen­
ta alguma atividade anti-inflamatória e pode melhorar a superfície ocular com algum
alívio dos sintomas.
A administração de baixas doses de interferon-a por via oral durante algumas sema­
nas melhorou o fluxo salivar de pacientes com SS, aliviando os sintomas da boca seca.
O uso sistêmico de corticosteroides melhora os sinais e sintomas da doença, mas,
devido aos seus efeitos colaterais, ficam reservados para as manifestações extraglan-
dulares da SS. Hidroxicloroquina, ciclofosfamida e metotrexate são utilizados nos ca­
sos mais graves e de difícil controle.

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LUBRIFICANTES E OUTRAS MEDICAÇÕES


PARA A SUPERFICIE OCULAR

Renato Corrêa Souza de Oliveira


José Álvaro Pereira Gomes

Lágrimas artificiais
Os lubrificantes oculares ou lágrimas artificiais são categorizados entre as medicações como
emolientes ou demulcentes. Essas medicações, que se apresentam na forma de colírio ou gel,
são a primeira linha de tratamento para olho seco e outras doenças da superfície ocular, mas,
em geral, não reproduzem os componentes ativos da lágrima natural, nem suas características
de secreção ou escoamento. Por outro lado, causam alívio dos sintomas, diminuem a osmola-
ridade da lágrima e diluem fatores pró-inflamatórios presentes na superfície ocular, além de
poderem ter sua fórmula complementada por substâncias que visam a tratar o dano produzido
pelo olho seco na superfície ocular.
Os conservantes são adicionados para impedir a proliferação de microrganismos no frasco
depois de aberto. Por outro lado, sua aplicação frequente combinada ao baixo turnover da lá­
grima, como o encontrado em pacientes com oclusão do ponto lacrimal, pode ocasionar dano
à camada lipídica e ao epitélio da córnea. Entre os conservantes mais usados estão os compos­
tos quarternários de amónia, como o cloreto de benzalcônio, os mercuriais, como o timerosal,
e os alcoólicos, como o clorambutol. Existem ainda o EDTA, a clorexidina, o poliquad, o ácido
bórico e, mais recentemente, o complexo de oxicloro estabilizado (Purite).
Para evitar os efeitos relacionados aos conservantes, apresentações cujo conservante se
degrada em contato com o ambiente, como o perborato de sódio e o complexo de oxicloro
estabilizado, além de lágrimas artificiais sem conservante, estão disponíveis comercialmente.
Essas últimas formulações devem ser as preferidas em pacientes com doenças graves da su­
perfície ocular, pois permitem uma frequência de instilação maior. Normalmente, pacientes
que necessitam usar lubrificantes por mais de 4 vezes/dia devem dar preferência às lagrimas
sem conservantes.
Lubrificantes em apresentação de gel aumentam o tempo de contato da medicação com
a superfície ocular e são utilizados principalmente à noite, antes de dormir. Devido ao borra-
Doenças Externas Oculares e Córnea

mento visual, geralmente não são utilizados durante o tempo de vigília. No entanto, podem
ser uma opção para casos mais graves.
Nos últimos anos, estudos vêm sendo conduzidos com o objetivo de avaliar o efeito do
hialuronato de sódio em diversas concentrações, como lubrificante no tratamento do olho
seco, com resultados variáveis. Essa medicação também é capaz de interferir positivamente
na recuperação do dano à superfície ocular produzido pelo olho seco, inclusive com melhora
dos padrões de citologia de impressão da conjuntiva. Após a lesão do epitélio corneano e iní­
cio da cicatrização, o ácido hialurônico, juntamente com a fibronectina, parece servir como
matriz temporária para suporte e migração das células epiteliais da córnea durante o processo
de cicatrização.

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Ciclosporina
O uso de ciclosporina A para tratamento de doenças oculares vem sendo feito desde o final da
década de 1970, e formulações para uso tópico foram testadas com sucesso variável em diversas
doenças inflamatórias da superfície ocular na década de 1980. Nos últimos anos, estudos multi-
cêntricos, randomizados e com grande número de pacientes mostraram a eficácia e segurança
do uso da ciclosporina A tópica a 0,05% em casos de síndrome do olho seco. Seu uso não só au­
menta a produção lacrimal como também diminui a inflamação da superfície ocular, com redução
da expressão de citoquinas pró-inflamatórias e aumento da densidade de células caliciformes.
Devido ao seu efeito anti-inflamatório, essa medicação tem sido cada vez mais utilizada
em doença externa ocular e superfície ocular, aumentando assim o seu uso ojf-label nos últimos
anos. Além do seu uso já consagrado em síndrome do olho seco por deficiência aquosa, estudos
têm mostrado benefício no tratamento de disfunção das glândulas de Meibomius, rosácea ocu­
lar, doença enxerto versus hospedeiro, conjuntivite alérgica e outras doenças da superfície ocular.
O tacrolimus (FK506) e o pimecrolimo são medicações imunomoduladoras de mecanismo
de ação semelhante à ciclosporina. Seu uso tópico na forma de pomada tem sido relatado
como eficaz em algumas doenças externas oculares e pode vir a representar mais uma alterna­
tiva no tratamento das doenças inflamatórias da superfície ocular.
Síndrome de Sjogren

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Vitamina A
A deficiência de vitamina A causa olho seco por dois diferentes mecanismos. O primeiro, cha­
mado xeroftalmia, ocorre por deficiência da camada de mucina secundária à perda das células
caliciformes. O segundo mecanismo é por diminuição da produção da porção aquosa do filme
lacrimal pela perda de proteínas sistêmicas. A utilização de vitamina A na forma de colírio
para tratamento de olho seco apresentou resultados controversos em estudos clínicos, com
benefício claro apenas nas situações graves em que foi capaz de inibir a metaplasia escamosa
e queratinização da superfície ocular. Estudos citológicos revelaram aumento do número de
células caliciformes e diminuição das células queratinizadas após a suplementação de vitamina
A em pacientes com olho seco e ceratoconjutivite límbica superior.

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234 Doenças Externas Oculares e Córnea

Soro autólogo e outros derivados sanguíneos


Diversos estudos clínicos têm mostrado que o uso de soro autólogo na forma de colírio é efi­
ciente e superior às lágrimas artificiais em diversas doenças da superfície ocular, como olho
seco grave, defeito epitelial persistente, erosão recorrente, doença enxerto versus hospedeiro,
ceratoconjuntivite límbica superior, e como adjuvante no pós-operatório de reconstrução da
superfície ocular.
O soro autólogo apresenta propriedades biomecânicas e bioquímicas semelhantes à lágri­
ma natural e, ao contrário das lágrimas artificiais, apresenta fatores de crescimento, vitaminas
e fibronectina, substâncias que ajudam na proliferação, migração e diferenciação do epitélio
corneai e do conjuntival.
O soro autólogo não apresenta antigenicidade, não contém conservantes e sua prepara­
ção é realizada de forma simples. As amostras devem ser conservadas resfriadas a -20°C (con­
gelador), e o frasco em uso deve ser mantido em geladeira (4°C) por um período não superior
a 15 dias. Medidas rigorosas de assepsia devem ser tomadas pelo risco de contaminação do
colírio.
No entanto, tanto a produção quanto a posologia de administração do colírio de soro
autólogo carecem de padronização. Parâmetros como força e tempo de centrifugação do san­
gue, diluição (20, 30, 50 ou 100%) e o diluente utilizado (NaCl a 0,9%, BSS, hialuronato) podem
influenciar a resposta clínica. No nosso serviço, optamos por utilizar o soro autólogo diluído
a 20 ou 50% em BSS e utilizá-lo em uma frequência de 6 a 8 vezes por dia, variando de acordo
com a gravidade do caso.
Recentemente, outros derivados sanguíneos têm sido descritos na literatura como efi­
cientes no tratamento das doenças da superfície ocular. O soro obtido a partir do sangue do
cordão umbilical mostrou-se mais eficaz do que o soro autólogo no tratamento de defeitos
epiteliais persistentes e em pacientes com GVHD. Isso pode ser explicado pelo fato de o san­
gue do cordão umbilical apresentar maior concentração de fatores de crescimento do que
o soro autólogo. Pelo mesmo motivo, pesquisadores têm testado o uso de concentrado de
plaquetas, e estudos recentes mostraram a eficácia desse preparado sanguíneo em pacientes
com olho seco grave. Estudos in vitro mostraram que a diferenciação e a proliferação celular
são maiores quando utilizado o concentrado de plaquetas em relação ao soro autólogo, pos­
sivelmente devido à maior quantidade de fatores de crescimento (EGF, FGF, TGF beta e PDGF)
encontrada na primeira. Esses preparados ainda necessitam de mais e maiores estudos para
justificar seu uso clínico.

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Tetraciclina e derivados
Por mecanismos diferentes do seu efeito antibacteriano, as tetraciclinas e seus análogos (do-
xiciclina e minociclina) apresentam efeito protetor da ulceração corneana. Isso ocorre pela
inibição das metaloproteinases, como a colagenase e a elastase. O efeito dessas medicações
sobre as lipases torna a secreção lacrimal mais fluida, revertendo e inibindo a formação de
hordéolos e melhorando o olho seco.
A doxiciclina e a minociclina, além de apresentarem posologia mais cômoda do que a
tetraciclina, não têm sua absorção prejudicada pela ingestão concomitante de alimentos e
apresentam menos efeitos colaterais gastrintestinais. O uso em crianças menores de 12 anos e
mulheres grávidas é contraindicado pelos efeitos sobre a dentição e os ossos.

Fá rm a co P o so lo g ia

Tetraciclina 250 mg, 4 vezes/dia

D oxiciclina 100 mg, 2 vezes/dia

M inociclina 50 a 100 mg, 2 vezes/dia


236 Doenças Externas Oculares e Córnea

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Ácidos graxos essenciais (ômega-3)


Estudos mostram que a suplementação sistêmica com ácido gama-linoleico reduz a inflamação
da superfície ocular e melhora os sintomas de olho seco por deficiência aquosa, como nos ca­
sos associados à síndrome de Sjogren. Além disso, na disfunção das glândulas de Meibomius,
esse componente parece alterar a composição lipídica da lágrima, melhorando a fluidez e
estabilidade do filme lacrimal. Dessa forma, a suplementação alimentar com óleo de linhaça
ou óleo de peixe representa uma alternativa para tratamento de pacientes com síndrome do
olho seco.
Efeitos adversos, bem como a dose ideal, não foram determinados nos estudos realizados.
A administração de cápsulas de 1 g 1 a 2 vezes/dia durante as refeições tem sido nossa prefe­
rência. Alguns pacientes parecem responder melhor à associação de óleo de peixe com o de
linhaça. A orientação nutricional enfatizando medidas e fontes de ômega-3, entre elas peixes
de água fria, como salmão e sardinha, e a substituição de óleo de soja ou milho por óleo de
linhaça ou canola, pode ser suficiente em alguns pacientes com olho seco.

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Blefarites

CONSUELO BUENO DINIZ ADÄN • MARIA EMILIA XAVIER S. ARAÜJO


ANA LUISA HÖFLING-LIMA

BLEFARITE

(Gr. Blepharon, pálpebra + ite, inflamação): inflamação das pálpebras.

DEFINIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO

Podemos dizer que as blefarites estão entre as doenças da superfície ocular mais frequente­
mente encontradas pelos oftalmologistas na sua prática diária. O termo inclui um grupo de
afecções que acometem, de forma inflamatória, as pálpebras e/ou margens palpebrais e que
podem envolver, secundariamente, a superfície ocular adjacente. O processo é crônico, com­
plexo, e pode se manifestar por diferentes sinais e sintomas.

CLASSIFICAÇÃO

A margem palpebral é dividida, clinicamente, em anterior e posterior, a partir da linha cinzen­


ta. Os cílios e suas glândulas sebáceas (glândulas de Zeiss) e glândulas sudoríparas (glândulas
de Moll) desembocam na porção anterior. As glândulas meibomianas, que correspondem a
uma fileira com uma ou duas dúzias de glândulas sebáceas, ao longo das margens palpebrais,
desembocam na porção posterior, à emergência dos cílios e linha cinzenta.
Assim, as blefarites podem ser classificadas em:
a. Anterior - quando o processo afeta a base dos cílios;
b. Posterior - quando afeta os orifícios das glândulas de Meibomius ou Meibomio (ref. ao
anatomista alemão Hendrik Meibom).
238 Doenças Externas Oculares e Córnea

Há várias classificações para as blefarites. No passado, as blefarites crônicas foram classi­


ficadas, por Thygeson, em seborreica, estafilocócica e mistas. Na década de 1980, McCulley et
al. perceberam a complexidade do quadro e a sobreposição de sinais e sintomas que caracte­
rizam sete formas distintas de blefarites:

■ Estafilocócica
Seborreica
Simples
Mista (seborreica/estafilocócica)
Seborreica com seborreia meibomiana
Seborreica com meibomite secundária
Meibomite primária, ou disfunção das glândulas meibomianas, ou ceratoconjuntivite mei­
bomiana, ou ainda doença meibomiana
■ Outras etiologias: atópica, psoriática.
■ Quanto à disfunção das glândulas de Meibomius uma nova classificação foi proposta pelo
Internacional Workshop on Meibomian Gland Dysfunction (Fig. 1).

Meibomian gland disease

Fig. i T h e n e w c la s s ific a tio n sy ste m p ro p o se d b y th e In te rn a tio n a l W o rk sh o p on M G D d is tin g u is h e s a m o n g


th e s u b g ro u p s o f M G D o n th e b a sis o f th e le ve l o f s e c re tio n s an d fu rth e r s u b d iv id e s th o se c a te g o rie s b y
p o te n tia l c o n s e q u e n c e s an d m a n ife s ta tio n s . O n th e b a sis o f th e s e p ro p o se d c la s s ific a tio n s , o b s tru c tiv e M G D
is th e m o st p e rv a s iv e . (F o n te : In v e s tig a tiv e O p h th a lm o lo g y & V isu a l S c ie n c e . S p e c ia l Issu e 2 0 1 1 , v o l. 5 2 , n° 4.)
Blefarites

Além dos quadros anteriormente descritos, um grande número de afecções, de etiologias


variadas, costumam associar-se à inflamação palpebral.
O Quadro 1 mostra outras condições associadas à inflamação palpebral.

QUADRO O u tra s c o n d iç õ e s a s s o c ia d a s à in fla m a ç ã o p a lp e b ra l

C o n d iç ã o

Im petigo
Infecções bacterian as
Erisipela

H erpes sim ples


M olusco contagioso
Infecções virais V aricela-zóster
Papilom a vírus
Vaccínia

Infecções parasitárias Phthirus pubis


D erm atite atópica
D erm atite de contato
Eritem a m u ltifo rm e e Stevens-Johnson
Pênfigos
Im unológicas Penfigoide
D oenças do tecid o co n ju n tivo
• Lúpus d iscoide
• D erm ato m io site
D oença do en xerto versus hospedeiro (GVHD)

Psoríase
Ictiose
D erm atoses
Exfoliativas
Eritroderm a

H iperplasia p seud o ep itelio m ato sa


Q ueratose actinica
Papilom a de células escam osas
Tum ores benignos
H iperplasia de g lân d u las sebáceas
H em angiom a
G ranulom a p iogênico

C arcinom a de células basais


C arcinom a de células escam osas
C arcinom a de g lân d u las sebáceas
Tum ores m alignos
M elanom a
Sarcom a de Kaposi
M icoses

Q uím icos
Térm icos
Traum a Radiação
M ecânico
Cirúrgico

Tóxico M edicam entoso

(Fonte: Basic Clinical Science Course. Section 8: External disease and cornea. San Francisco: American Academy of Ophthal­
mology.)
240 Doenças Externas Oculares e Córnea

ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA

As blefarites parecem ser de causa multifatorial. As bactérias têm sido citadas como agentes
importantes na sua patogênese. Embora as espécies mais comumente isoladas das pálpebras
e conjuntivas de indivíduos normais e em pacientes portadores de diferentes tipos de blefari­
tes sejam Staphylococcus coagulase-negativo (SCN) e Propionibcicteriiim acnes, os Staphylococcus
aiireus têm sido rotulados como os principais agentes etiológicos das blefarites estafilocócicas
e mistas. 5. epiclermidis também parece ter seu papel no desenvolvimento da doença, embora
os mecanismos exatos desta não sejam completamente entendidos.
Os pacientes com blefarites apresentam população bacteriana aumentada colonizando a
margem palpebral e a pele, quando comparados a pacientes normais.
A microbiota ocular possui potencial de alterar o produto das glândulas de Meibomius.
5. aiireus produz não só lipases a partir de triglicérides, mas também esterases de colesterol,
e S. epiclermidis esterifica o colesterol. Apesar de haver pequena quantidade de ácidos graxos
livres ou colesterol na secreção meibomiana, as interações bacterianas agiriam numa via em
que os ácidos graxos liberados por R acnes, que são microrganismos presentes habitualmente
nas margens palpebrais, seriam utilizados por cepas de 5. coagulase-negativo (SCN) na este-
rificação de colesterol livre ou do colesterol epidérmico. Dessa forma, os SCN, presentes nas
pálpebras e conjuntiva, poderiam alterar a produção das glândulas de Meibomius, do mesmo
modo que a flora cutânea altera a secreção da pele. A maior atividade lipolítica está presente
em pacientes com blefarite crônica, com seborreia meibomiana, meibomite secundária e cera-
toconjuntivite meibomiana. Já nos pacientes com meibomite primária, esse achado não é ob­
servado. Nesses casos ocorre anormalidade na camada lipídica do filme lacrimal: um aumento
nos ácidos graxos livres e mudança nos lipídios, que passam a ter ponto de fusão mais elevado.
Os ácidos graxos livres não só desestabilizam o filme lacrimal, mas também causam alteração
epitelial como resultado de toxicidade direta às células. Os lipídios com ponto de fusão mais
alto tendem a estagnar o fluxo secretório, permitindo, assim, maior acesso a exoenzimas lipo-
líticas bacterianas ao pool de lipídios estagnados, que subsequentemente forma a camada lipí­
dica do filme lacrimal. Diferenças na produção da lipase por SCN poderiam justificar variações
no quadro clínico em pacientes com blefarites. O encontro de mais de um tipo de patógeno
nesses pacientes pode explicar um possível mecanismo no qual as bactérias poderiam contri­
buir com a produção do processo inflamatório da doença. Ainda devem ser mencionados, no
desenvolvimento da doença, os resíduos tóxicos das bactérias, a invasão direta dos tecidos e
o dano mediado pela resposta imune.
A flictenulose da córnea e conjuntiva, inicialmente associada a tubérculo-proteína, atu­
almente é mais associada à presença de Staphylococcus aureus. Corresponde à resposta imune
da conjuntiva e/ou córnea a um antígeno ao qual o hospedeiro já tenha sido provavelmente
sensibilizado. Mecanismos imunológicos, mediados por células, têm sido relacionados no de­
senvolvimento de ceratite associada à blefarite estafilocócica.
Na ceratite marginal, os infiltrados corneais ocorrem por depósitos dos complexos antíge-
nos (das bactérias locais)-anticorpos (do hospedeiro) na córnea periférica.
Demodex folliculorum e Demodex brevis são ácaros comensais frequentemente encontrados
na pele, nos folículos dos cílios e glândulas sebáceas de pessoas saudáveis. Estudos mostra­
ram que D. folliculorum é encontrado aderido aos cílios, enquanto D. brevis parece situar-se de
Blefarites 241

forma mais profunda nas glândulas sebáceas dos cílios e nas glândulas de Meibômio. Vários
mecanismos patogênicos têm sido propostos para a demodicose, incluindo: bloqueio dos fo-
lículos pilosos e duetos sebáceos pelos ácaros ou hiperqueratose reativa; estímulo à resposta
imune humoral e celular do hospedeiro reacional aos ácaros e seus produtos; reação granu-
lomatosa tipo corpo estranho ao esqueleto de quitina do ácaro e como vetor para bactérias.
A prevalência de blefarite aumenta com a idade, assim como a infestação pelos ácaros. Por
isso, alguns autores sugerem seu papel na etiologia da doença. Essa afirmação, entretanto,
não tem aceitação unânime.
Alguns autores mostraram evidências de que a infestação dos cílios por Demodex estava
associada a triquíase, disfunção meibomiana, deficiência da camada lipídica da lágrima e in­
flamação conjuntival, associados a quadros de acometimento corneano referidos como defi­
ciência de stem cell.
Recentemente, isolou-se Bacillus oleronius de D.folliculorum associado à rosácea. Observou-
se que a produção de antígenos provocou a proliferação da resposta imune mononuclear no
sangue periférico, mais frequentemente nos pacientes com rosácea.
A associação entre Helycobacter pylori, agente associado a gastrite, úlcera péptica e carcino­
ma gástrico, e blefarite foi investigada por alguns autores. O grupo portador de blefarite mos­
trou alta prevalência de infecção pelo agente, quando comparado ao grupo-controle (76,3% x
42,3%). Outros estudos mostram que H. pylori é bactéria produtora de toxina induzida porflush
vascular, condição presente em pacientes com blefarite e rosácea ocular. Todavia, esse achado
pode não ser indicativo de uma associação causal, mas reforçaria que o tratamento usado nas
infecções por H. pylori pode ser efetivo no tratamento da rosácea. Nos pacientes com rosácea
e infestação por D. folliculoriim, um estudo imuno-histoquímico mostrou a presença de reação
de hipersensibilidade ao agente, com infiltração de linfócitos nos tecidos afetados.
Rosácea também pode causar aumento de citocinas pró-inflamatórias no filme lacrimal, o
que poderia ser responsável pelo afmamento estromal corneano visto nesses quadros.
Saprófitas como Malassezici furfiir (ou R ovale), fungos que se alimentam de produtos gor­
durosos, também são citados na etiologia de certos casos de blefarites crônicas.

Epidemiologia
A blefarite, em qualquer uma das suas diferentes formas, é uma afecção ocular comum na
prática diária, entretanto há poucos estudos relatando incidência e prevalência nas diferentes
populações.
Em um estudo com 90 pacientes portadores de blefarite crônica, observou-se que a média
de idade foi de 50 anos (variação de 6 a 86 anos). Quanto ao sexo, a distribuição foi seme­
lhante (56% para homens e 44% em mulheres). Quando se comparou a distribuição por sexo e
idade, entre os vários tipos de blefarites, observou-se que o grupo com blefarite estafilocócica
era composto predominantemente por mulheres (80%), além de ser relativamente mais jovem
(42 anos).
Em um outro estudo, retrospectivo, entre 195 atendimentos pediátricos, realizados em 5
anos pela Instituição, o diagnóstico de blefaroconjuntivite (em todas as suas formas) foi o mais
frequente, respondendo por 15% de todos os diagnósticos. Ainda entre a população pediátri­
ca, observou-se que a idade de início da doença flictenular pode ser muito precoce (5 meses).
242 Doenças Externas Oculares e Córnea

Outras séries relatam início de aparecimento aos 3,2 anos (média 0,5 a 8 anos), 4 anos (média
1 a 14 anos ou 0 a 8 anos) com variação de 1 a 14 anos ou até 10 anos (média de 3 a 18 anos).
Também entre crianças, o sexo feminino costuma ser mais acometido (55%, 63%, 82% até 87%).

SINAIS

De forma geral, observam-se alguns sinais que podem ser comuns e que se sobrepõem nas
diferentes formas clínicas das blefarites e doenças meibomianas.
As manifestações clínicas gerais incluem o envolvimento das pálpebras, conjuntiva e cór­
nea.
Na blefarite estafilocócica, as alterações mais importantes são:
Pálpebras: porção anterior: hiperemia, telangiectasias, depósitos nas bases dos cílios
como colaretes ou crostas mais livres, ulceração, perda ou mau direcionamento de cílios, hor-
déolos, calázios, cicatrização (Figs. 2 a 5).
Conjuntiva tarsal: hiperemia leve a moderada, inflamação, reação papilar ou folicular (fo-
lículos, nos casos de evolução curta, ou papilas, nos casos de longa duração), cicatrização,
hordéolos, calázio.
Conjuntiva bulbar: hiperemia, flictênulas, coloração ponteada com fluoresceína.
Córnea: epiteliopatia superficial ponteada inferior, coincidindo com a linha das margens
palpebrais; flictênulas conjuntivais ou corneanas; infiltrados marginais, correspondendo a
pontos de toques entre as pálpebras e córneas, localizados tipicamente a 4, 8, 10 e 2 h; ulce­
rações, vascularização, cicatrização (Figs. 6 e 7).

F ig . 2 B le fa rite co m c ro sta s e u lc e ra ç õ e s (D E O C - U N IF E S P ).
Blefarites 243

Fig. 4 H o rd é o lo in te rn o . B le fa ro c e ra to c o n ju n tiv ite co m


in filtra d o e ponnus su p e rio r.

Fig. 5 C a lá zio . Fig. B le fa ro c e ra to c o n ju n tiv ite co m


in filtra d o e pannus s u p e rio r - flu o re s-
c e ín a .

Nos casos de blefaroceratoconjuntivite em crianças, observou-se inflamação palpebral (66


a 100%), ceratite superficial ponteada (55 a 60%), neovasos corneanos (27%, 34 a 52%), cicatriz
corneana (38%), infiltrados corneanos periféricos (14 a 63%), flictenulose (4,6 a 14%)
Apesar da dificuldade de fazer diagnóstico de rosácea em crianças pela falta de sinais tí­
picos, como pústulas faciais, telangiectasias vasculares malares e rinofima, não se deve excluir
esse diagnóstico, principalmente naquelas com quadros de blefaroconjuntivite e flictênulas.
Eventualmente, essas crianças, ao se tornarem adultos, podem desenvolver rosácea.
Sinais incapacitantes, como a ambliopia nas crianças menores e afmamentos de córnea,
são complicações graves que podem ser encontradas.

Blefarite seborreica
Caracteriza-se pela presença de crostas gordurosas nos cílios e pálpebras, sem apresentar mui­
ta inflamação (Fig. 8). A perda de cílios, assim como o mau direcionamento, é rara, e também
ulceração das pálpebras, hordéolos e calázio. A conjuntiva pode apresentar hiperemia leve.
Frequentemente, associa-se a olho seco, com erosões corneanas epiteliais ponteadas, por
deficiência aquosa.
244 Doenças Externas Oculares e Córnea

Fig.8 B le fa rite s e b o rre ic a .

A presença de dermatite seborreica é frequente (95%). Em geral, a dermatite costuma ser


leve e envolver o couro cabeludo, a região retroauricular, sobrancelhas, sulco nasolabial e ex­
terno.
Esse tipo de blefarite pode ocorrer isoladamente, em combinação com blefarite estafilo-
cócica ou com doença das glândulas de Meibomio.
Na infestação por Democlex folliculorum, além de espessamento das margens palpebrais e
dilatação dos vasos sanguíneos, nota-se a presença de formações cilíndricas envolvendo os
cílios no sentido longitudinal, como “dedinhos de luvas”.
Na Phtiriasis palpebral, causa incomum de blefarite, a biomicroscopia revela a presença
dos pequenos parasitas (Phthirus púbis) aderidos à extremidade proximal dos cílios (Fig. 9).

Fig. 9 B le fa rite p o r Phthirus pubis.

Doença Meibomiana
Em todo o espectro da doença meibomiana pode ocorrer alteração dos cílios, entretanto a
perda é rara.
As conjuntivas podem apresentar hiperemia de intensidade variável, e a deficiência lacri­
mal é comumente observada.
Há algumas particularidades que devem ser observadas. O quadro clínico da seborreia
meibomiana é representado pelo aumento da secreção meibomiana fluida, normal, facilmen­
te eliminada de dentro das glândulas que apresentam duetos dilatados, sem solidificação da
Blefarites 245

secreção ou inflamação adjacente. Nesses casos, há menor inflamação e o quadro corneano


tende a ser mínimo.
Na meibomite primária, o envolvimento de todas as glândulas ocorre de forma semelhan­
te e o processo inflamatório está centralizado ao redor das glândulas de Meibomio que se
encontram obstruídas pela secreção, difícil de ser eliminada.
A associação entre meibomite primária e acne rosácea pode chegar a 63% dos casos. Dessa
forma, o exame da pele facial pode mostrar eritema malar, telangiectasias, pústulas ou rino-
fima.
A porção posterior das pálpebras pode apresentar espessamento da borda, obliteração
dos duetos, vascularização, queratinização, presença de secreção mais fluida ou mais espessa,
que apresenta diferentes graus de escoamento à digitoexpressão (Fig. 10).
Já a meibomite secundária, associada à blefarite seborreica, com ou sem seborreia meibo-
miana, é descrita como a inflamação generalizada da margem posterior. As secreções meibo-
r
mianas são espessas e tendem a obstruir as glândulas. E comum encontrar hipertrofia papilar
no tarso e ceratopatia epitelial ponteada. Costuma-se aceitar que essas três últimas categorias
representam um espectro das várias anomalias funcionais das glândulas de Meibomio.

F ig . 1 0 M e ib o m ite .

QUADRO 2 T ip o s d e b le fa rite

E sta filo có cica S e b o rre ic a M e ib o m ite

Localização Porção an terio r da Porção an terio r da Porção posterior da


pálpebra pálpebra pálpebra

Poliose/m adarose Frequente Rara (-)

Crostas A deridas com fib rin a, D escam ativa gordurosa (+/-)


ulceração

C o n ju n tivite Papilar Reação tarsal fo licu lar ou Reação tarsal papilar


papilar

Ceratite Ponteada inferior, Ponteada inferior Ponteada inferior, parmus


flicte n u lo se, infiltrados vascular, infiltrados
m arginais periféricos m arginais

D eficiência lacrim al O casional O casional O casional


aquosa

Rosácea (-) (+) (++)


(Fonte: Basic Clinical Science Course. Section 8: External disease and cornea. San Francisco: American Academy of Ophthal­
mology.)
246 Doenças Externas Oculares e Córnea

SINTOMAS

O quadro de blefarite costuma estar associado às inflamações da superfície ocular, incluindo


conjuntivites, deficiência funcional da camada lacrimal e ceratites. Assim, os portadores de
blefarites queixam-se de irritação, queimação, fotofobia, lacrimejamento e prurido. Referem
ainda margens palpebrais vermelhas com crostas nos cílios e perda destes. Pode acontecer a
exacerbação de sintomas de condições coexistentes, como alergia e ceratoconjuntivite seca.
Esses pacientes, por todas as condições previamente ditas, costumam ter intolerância ao uso
de lentes de contato, caso venham a utilizá-las.
As queixas podem se apresentar uni ou bilateralmente, e o mais frequente é apresentar de
forma assimétrica entre os dois olhos. Os pacientes costumam referir exacerbação dos sinto­
mas em algumas situações, como ambientes com fumaça, vento, baixa umidade, consumo de
álcool, além da dieta e uso de alguns medicamentos.
McCulley classificou as blefarites seborreicas em subtipos, mas todos eles têm aumento
da secreção das glândulas meibomianas, e, quando os portadores foram examinados por der­
matologistas, apresentavam disfunção sebácea.
Nos quadros de seborreia meibomiana, a queixa principal dos pacientes é a sensação
de queimação, principalmente pela manhã. Nesses, os sintomas são desproporcionais, em
relação aos sinais observados: secreção meibomiana abundante, que se pode espremer com
facilidade, glândulas dilatadas, que podem ser vistas através da conjuntiva tarsal. Costuma-se
observar ainda secreção espumosa no menisco lacrimal e injeção mínima da conjuntiva bulbar.
Em crianças portadoras de blefaroceratoconjuntivite, os sintomas costumam ser seme­
lhantes àqueles encontrados em adultos: apresentam hiperemia e irritação crônicas que se
traduzem por fotofobia e o esfregar constante dos olhos. Nos casos de acometimento da
córnea, a morbidade torna-se maior: são comuns as ausências à escola por impossibilidade da
manutenção dos olhos abertos, visitas constantes ao oftalmologista e até distúrbios psicológi­
cos. Hordéolos e calázio recorrentes podem ser observados.
Na doença meibomiana, os sintomas costumam piorar em época de clima frio. Isto seria
explicado pela dificuldade de drenagem da secreção, uma vez que, nas temperaturas mais bai­
xas, é mais difícil atingir o ponto de fusão da secreção gordurosa.
A Phthiriasis palpebral produz como sintoma principal blefarite pruriginosa associada a
conjuntivite folicular e linfoadenopatia pré-auricular. Pode ainda haver ceratite marginal com
infecções bacterianas secundárias. O dano sobre os tecidos é produzido pela picada e saliva
depositada pelo parasita, que induz reação.

EXAMES SOLICITADOS

Habitualmente, o diagnóstico de blefarite é clínico. Nos casos duvidosos, casos não responsi-
vos ao tratamento clínico, casos em que ocorre a piora dos sinais e sintomas, o estudo labo­
ratorial (cultura, citologia, bacterioscopia) das pálpebras e conjuntivas é essencial. O achado
laboratorial característico, nos casos de blefarite estafilocócica, é a presença marcante de 5.
aureus. O encontro de outras espécies de estafilococos não exclui o diagnóstico, principalmen­
te nos casos em que a clínica é exuberante.
Blefarites 247

0 antibiograma pode ser muito útil como guia no tratamento dos casos refratários.
Tradicionalmente, Democlex pode ser estudado por meio dos pelos dos folículos, raspados
de pele e biópsias preparadas em KOH, exame microscópico direto dos cílios epilados ou co­
rados por fluoresceína, com o objetivo de facilitar na contagem e avaliação dos parasitas nas
blefarites com crostas tipo dedinho de luva. Recentemente, se descreveu-se o encontro dos
ácaros nos bulbos dos cílios, assim como dilatação e inflamação periglandular nas glândulas
meibomianas e infiltrados conjuntivais inflamatórios pela microscopia confocal. Lesões palpe-
brais endurecidas, ulcerativas, não responsivas ao tratamento devem ser biopsiadas ou excisa-
das para exame anatomopatológico.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Vários diagnósticos importantes devem ser feitos nos casos de inflamação crônica da margem
palpebral.
O carcinoma de glândulas sebáceas, apesar de raro, deve ser considerado pelo seu prog­
nóstico; frequentemente, esse diagnóstico não é feito pela similaridade com uma blefarite
simples.
A acne rosácea, doença crônica que afeta primariamente as glândulas sebáceas da pele da
face, pescoço e ombros, principalmente de indivíduos de 30 a 60 anos, deve ser considerada
pela frequência da associação do acometimento das estruturas da superfície ocular (acima de
50% dos casos). Todavia, o diagnóstico de rosácea não é feito pelos oftalmologistas, com a
mesma frequência.
Lúpus eritematoso discoide, também, embora raro, pode envolver as pálpebras e estar as­
sociado a blefarite estafilocócica e disfunção meibomiana. Deve ser considerado nos casos de
blefarites assimétricas ou naquelas que persistem apesar do tratamento clínico.
Ainda, deve-se ter em mente como diagnóstico diferencial das blefarites crônicas, princi­
palmente nas regiões endêmicas, a leishmaniose cutânea, que pode apresentar-se, inicialmen­
te, como blefarite resistente ao tratamento convencional com antibióticos. Nesses casos, a
lesão pode progredir para lesões ulcerativas em até 3 meses.
A sarcoidose sistêmica com manifestação palpebral, a amiloidose primária localizada, de
forma nodular, nas pálpebras e conjuntivas também são citadas na literatura como diagnósti­
cos diferenciais (Figs. 11 e 12).

Fig. 11 A m ilo id o s e p rim á ria da p á lp e b ra .


248 Doenças Externas Oculares e Córnea

A poliose, marca registrada de inflamação crônica das margens palpebrais, pode ser secun­
dária a Vogt-Koyanagi-Harada e oftalmia simpática. Entretanto, essas doenças podem ser mais
facilmente diferenciadas de outras etiologias de processos palpebrais localizados.

TRATAMENTO
r

E necessário que se eduque o paciente, explicando-lhe os aspectos da doença, como o caráter


crônico. Só assim se conseguem adesão e sucesso das medidas preconizadas no tratamento.
Há quatro itens principais no tratamento das blefarites:
Higiene palpebral
Antibióticos tópicos
Corticosteroides
Antibióticos sistêmicos

Higiene palpebral: todos os tipos de blefarite e de disfunção meibomiana se beneficiam


com a limpeza palpebral. As secreções meibomianas normalmente são líquidas na temperatu­
ra corporal, em indivíduos saudáveis. Nos indivíduos com blefarite e meibomite, esse material
é sólido e necessita de temperatura discretamente mais alta (5°C) que a temperatura corporal,
para se liquefazer. Alguns preconizam o uso de máscara gel aquecida sobre as pálpebras, para
facilitar.
Compressas mornas para amolecer crostas e secreções, massagem da borda para aliviar a
estagnação da secreção meibomiana e limpeza com xampu neutro infantil, diluído a 1/2 ou a
2/3, ou soluções comerciais, devem ser feitas de 2 a 3 vezes ao dia, cronicamente.
Para os pacientes com seborreia de couro cabeludo e sobrancelhas, xampus com selênio
podem ser prescritos, evitando a exposição ocular.
Antibióticos tópicos: devem ser utilizados nos casos em que bactérias estão presentes (esta-
filococcia). Nesses casos, devem ser aplicados nas margens palpebrais, sob a forma de poma­
das, após a limpeza das pálpebras com xampu e enxágue abundante. A frequência é variada,
conforme a gravidade do caso, à noite, antes de dormir, ou mais vezes ao dia (até 4 a 6x/dia),
por 1 ou mais semanas. As medicações mais utilizadas são a eritromicina a 0,5% e bacitracina
400 UI/g (manipulada). A azitromicina, um macrolídeo de amplo espectro, teve seu uso tópico
liberado para oftalmologia no tratamento das conjuntivites bacterianas sensíveis ao composto
Blefarites 249

nos EUA em 2007. Após administração tópica a 1%, em veículo de liberação lenta (DuraSite®),
observam-se picos aos 30 minutos, níveis altos e persistentes em 24 horas na superfície ocu­
lar, particularmente pálpebras. Há estudo mostrando que seu uso após 2 semanas reduziu os
sinais da doença meibomiana. Há que ressaltar que, nesse estudo, a amostra de pacientes foi
pequena. De forma geral, os estudos são encorajadores quanto ao uso de azitromicina tópica
a l^ em DuraSite® para blefarites e meibomites. No Brasil, encontramos a apresentação tópica
a 1% (manipulada em farmácia), utilizada de forma off labei, conforme citado na literatura, 2
vezes ao dia, durante 2 dias e 1 vez ao dia, à noite, por 28 dias.
Corticosteroicles tópicos: embora necessários para suprimir a inflamação aguda e processos
alérgicos, os corticosteroides tópicos têm seu uso restrito. Devem ser utilizados por curtos
períodos de tempo, pois o uso crônico pode levar a sérios efeitos colaterais. Nos casos em
que o tratamento antibiótico isolado piora os sintomas locais (pela liberação das toxinas bac-
terianas), ou nos casos graves de blefarite seborreica, utilizam-se os corticoides nas margens
palpebrais, sob a forma de pomadas, em dosagens milesimais. Nos casos de injeção conjunti-
val acentuada, nas manifestações imunológicas como flictênulas e infiltrados periféricos, utili-
zam-se os corticoides sob a forma de colírios. Deve-se dar preferência àqueles de penetração
ocular limitada, como loteprednol ou fluorometolona, e, tão logo a inflamação seja controla­
da, a medicação deve ser reduzida gradativamente e então suspensa.
A ciclosporina tópica a 2% é referida por alguns autores como tratamento efetivo nas
crianças com ceratoconjuntivite flictenular grave, esteroide-dependente e não responsiva a
antibióticos sistêmicos. Esse é um uso ainda questionável, necessitando maior amostragem e
maior tempo de seguimento dos pacientes para determinar o real papel desse fármaco.
Os lubrificantes, chamados “lágrimas artificiais” , auxiliam na melhora dos sintomas. Há
um grande número de formulações no mercado.
Em algumas situações, como iminência de perfuração, necrose corneana ou perfuração, é
necessária a intervenção cirúrgica, incluindo o uso de adesivos teciduais (biológicos ou sintéti­
cos), retalhos conjuntivais, associados ou não a transplantes de córnea lamelares ou penetran­
tes. Estes últimos só devem ser indicados se a doença estiver controlada, sob risco de falência
primária do enxerto ou rejeição.
Para casos de blefarite associada ao eczema atópico, há referências na literatura do uso de
tacrolimus (pomada a 0,03% e 0,1%) nas pálpebras. Devemos ressaltar a erupção variceliforme de
Kaposi, como efeito colateral da imunossupressão em um caso com o uso da pomada a 0,1%).
Antibióticos sistêmicos: quando há predomínio do envolvimento da porção posterior das
pálpebras, ou nas blefarites recidivantes, deve-se associar antibióticos sistêmicos: tetraciclinas
ou análogos.
As interações da flora residente com os produtos das glândulas sebáceas sofrem modifi­
cações pelo antibiótico sem que seja necessária a eliminação das bactérias. As tetraciclinas
levam redução na produção de lipases. Com esses antibióticos lipofllicos, consegue-se reduzir
a produção de ácidos graxos livres por meio da diminuição das lipases bacterianas. Além dis­
to, as tetraciclinas em geral reduzem a produção dos ésteres do colesterol, responsáveis pelo
aparecimento da blefarite. Apresentam ainda como atividade a inibição da ação da colagenase,
suprimindo a vascularização corneana. Esses fármacos também diminuem a quimiotaxia dos
leucócitos polimorfos nucleados, modificam as vias do complemento, inibem o fator quimio-
tático dos leucócitos, reduzindo a inflamação.
250 Doenças Externas Oculares e Córnea

Os esquemas de antibióticos sistêmicos mais comumente utilizados são a tetraciclina e a do-


xiciclina. Com o primeiro, utilizam-se 250 mg, VO, 4 vezes ao dia, por 15 a 30 dias. Após a melho­
ra clínica, o tratamento deve ser mantido em doses baixas (250 mg/dia), às vezes indefinidamen­
te, para prevenir recorrência. O tratamento pode ser feito de forma intermitente e reinstituído
conforme a tolerância do paciente. A tetraciclina parece aliviar os sintomas mais rapidamente,
enquanto os pacientes costumam tolerar melhor a doxiciclina e apresentar maior adesão ao tra­
tamento, pela facilidade da posologia e menos efeitos colaterais gastrintestinais. A doxiciclina
costuma ser utilizada sob a forma de comprimidos de 100 mg, VO, 2 vezes ao dia, por 15 a 30
dias, reduzindo-se a dose pela metade após esse período. Há autores que preconizam 200 mg/
dia por 8 semanas e, posteriormente, doses menores como 50 ou até 20 mg/dia, cronicamente.
Deve-se lembrar que, para absorção da tetraciclina, sua administração deve ser de 1 a 2 horas
antes da alimentação ou 2 horas após a ingestão alimentar. Leite e derivados dificultam a absor­
ção, assim como a ingestão de substâncias como hidróxido de alumínio, bicarbonato de sódio e
antiácidos como cimetidina. Os alimentos não interferem com a absorção da doxiciclina. Como
efeitos colaterais, além da fotossensibilidade, o uso prolongado de tetraciclinas pode produzir
náuseas e facilitar o aparecimento de candidíase vaginal.
As tetraciclinas e análogos não devem ser dadas às gestantes, lactantes ou crianças por se
depositarem no esqueleto, causando redução do crescimento ósseo e coloração irreversível
nos dentes. Aos pacientes intolerantes, grávidas e crianças menores de 13 anos, a administra­
ção de eritromicina (estearato), de 500 a 1.000 mg/dia (ou 25 a 80% da dose de 50 mg/kg/dia)
divididos em 4 doses, está indicada como dose de ataque. A dose de manutenção pode ser
feita com dosagens mais baixas, como de 12,5 a 30 mg/kg/dia divididos em 2 doses, até 125
mg 1 vez/semana.
A ingestão de ácidos graxos essenciais (ômega 3), sob a forma de cápsulas de óleo de
linhaça e óleo de peixe, 1 g 1-2 vezes ao dia, durante 8 semanas, pode ser benéfica. Nas crian­
ças, o uso de óleo de linhaça, 2,5 ml VO, 1 vez/dia, por 12 meses e depois em dias alternados,
é preconizado pela literatura.
Calázios: sendo os calázios estéreis, não se utilizam antibióticos para o tratamento. Cos-
tuma-se preconizar compressas mornas e, nos casos que não respondem, impõe-se a incisão
cirúrgica e drenagem. As incisões dos calázios internos devem ser feitas na conjuntiva tarsal
com incisão. O tratamento com injeção de esteroide (0,1-0,2 ml de triancinolona 40 mg/ml)
intralesional costuma ser efetivo para calázios primários e recorrentes, segundo alguns auto­
res. Deve-se lembrar que também podem apresentar efeitos colaterais como despigmentação
da pele.
Horcléolos: o tratamento consiste em aplicar compressas mornas, 4 a 6 vezes ao dia, que
causam a dilatação vascular, facilitam a drenagem da secreção e aliviam os sintomas. Não é
necessário utilizar antibióticos tópicos, pois a doença costuma melhorar espontaneamente.
Alguns autores discordam, preconizando o uso de antibióticos, sob a forma de pomada, nas
pálpebras e o colírio nas conjuntivas. Segundo eles, a seleção do antibiótico pode ser baseada
na cultura e no antibiograma. Nos casos em que estes são impraticáveis, utilizam-se bacitra-
cina, eritromicina, cloranfenicol e aminoglicosídeos, pois na maioria das vezes Staphylococcus
ciiireiis e Staphylococcus coagulase-negativos são resistentes às sulfas e tetraciclinas. Já o trata­
mento com antibiótico sistêmico deve ser feito nos casos de celulite palpebral, sendo algumas
vezes necessária a drenagem cirúrgica.
Blefarites 251

Casos de P h th iria sis p a lp e b ra ru m


O tratamento é realizado com a remoção cuidadosa das lêndeas dos cílios do paciente. A apli­
cação local de pomada de antibiótico facilita a retirada das lêndeas. Não é necessária a trico-
tomia dos cílios. Deve-se examinar os pelos do corpo. Familiares e contatos próximos devem
ser examinados e tratados de forma apropriada. Os objetos de uso pessoal e roupas devem ser
desinfetados, por fervura (50°), durante 30 minutos.

EVOLUÇÃO

A blefarite começa na infância e, frequentemente, continua por toda a vida. Mesmo com o
tratamento prolongado, a infecção pode prosseguir por meses. Os pacientes devem ser ins­
truídos para retornar em consulta se a condição piorar. Quando se utilizam corticosteroides,
deve-se reavaliar os pacientes mais precocemente e controlar a pressão intraocular.
O diagnóstico apurado do tipo de blefarite é benéfico para predizer a resposta ao trata­
mento e o prognóstico; entretanto, não altera substancialmente as escolhas básicas do trata­
mento.

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Erosão Recorrente da Córnea

ANA LUISA HÖFLING-LIMA

Erosão cornearia recorrente (ECR) é uma condição comum, caracterizada por episódios de
rotura espontânea do epitélio corneano. Os episódios ocorrem tipicamente durante a noite
ou pela manhã, ao abrir os olhos. A maioria dos casos de erosão recorrente se segue a trauma
corneano leve e superficial, como os causados por unha ou folha de papel. Há, entretanto,
as formas geralmente bilaterais associadas a distrofias corneanas (principalmente map-clot-
-fingerprint). Ceratite herpética, rosácea ocular e diabetes melito já foram citados como fatores
de risco para essa condição.
A principal causa desses episódios consiste em um defeito na adesão da membrana ba­
sal do epitélio. A análise do epitélio corneano de pacientes com ECR secundária à distrofia
corneana revelou um defeito da membrana basal, com diminuição significativa do número de
hemidesmossomos. Já em casos de ECR pós-traumática, os hemidesmossomos se encontram
normais, havendo uma rotura das fibrilas de colágeno que promovem a adesão da membrana
basal à camada de Bowman.
Durante o episódio, o paciente refere dor ocular, fotofobia, lacrimejamento e hiperemia. A
intensidade e duração dos episódios podem variar de horas até dias, nesses casos interferindo
nas atividades diárias do paciente. O quadro clínico varia e pode apresentar ceratite ponteada
ou até mesmo um epitélio íntegro, no momento do exame, em casos leves. Em casos mais
graves, o paciente apresenta uma área de defeito epitelial circunscrita por epitélio edemacia-
do e frouxo. O paciente pode apresentar edema palpebral e diminuição da acuidade visual. A
maioria das lesões ocorre no terço inferior da córnea.
Para diferenciar a erosão pós-traumática da erosão distrófica, deve-se examinar cuida­
dosamente o olho contralateral, em midríase máxima, com retroiluminação. Alterações na
membrana basal do olho não afetado favorecem a hipótese de distrofia da membrana basal
epitelial, presente em aproximadamente 50% dos pacientes com ECR, segundo Reidy et al.
254 Doenças Externas Oculares e Córnea

A conduta na fase aguda consiste em usar lubrificantes oculares em forma de colírio ou


gel, com ou sem curativo oclusivo. Pomada de antibiótico pode ser associada em casos de de­
feito epitelial extenso. Cicloplégicos auxiliam no controle da dor. O uso de lentes de contato
terapêuticas pode ser de grande ajuda, mas requer avaliações constantes pelo aumento do ris­
co de ceratite infecciosa. Autores provaram que o uso tópico de soro autólogo a 20% diminui
o número de recorrências de ECR. A composição do soro autólogo fornece à superfície ocular
substâncias essenciais para a recuperação do epitélio como vitamina A, fatores de crescimen­
to e fibronectina. Substância P tópica também já foi usada para o tratamento dessa condição.
Mais recentemente foi investigada a possibilidade do uso de álcool para erosão recorren­
te de córnea, demonstrando-se a eficácia desse método de tratamento para várias causas de
erosão recorrente da córnea.
Se a conduta clínica não controlar os sintomas, devem-se indicar outras formas de trata­
mento. A opção pelo tratamento cirúrgico deve ser feita de acordo com a frequência e gravi­
dade das erosões, presença de distrofia ou outras doenças associadas, bem como a localização
das erosões. A micropunctura estromal anterior é um procedimento eficaz utilizado em casos
de erosão localizada secundária a trauma, em que o eixo visual não esteja acometido. Deve
ser realizada na lâmpada de fenda sob anestesia tópica, com agulha calibre 25 G com o bizel
dobrado. Várias punções superficiais devem ser realizadas no local com o objetivo de causar
cicatrização entre o epitélio e estroma anterior subjacente. As punções devem cobrir toda a
área desepitelizada, assim como 1 a 2 mm de epitélio aparentemente normal ao redor das
bordas, onde geralmente se encontra epitélio frouxo. Após o procedimento, lente de contato
terapêutica associada a colírio de antibiótico e anti-inflamatório deve ser usada por 1 a 2 se­
manas. Caso seja necessário, pode-se repetir o tratamento.
Outro método para executar a micropunctura é a técnica de ceratectomia fototerapêutica.
Nos casos de erosões recorrentes relacionadas às distrofias, o procedimento recomen­
dado é o debridamento da membrana basal epitelial. Deve ser realizado durante a crise, com
anestesia tópica. Utilizam-se cotonete estéril ou esponja cirúrgica de celulose para remover
todo o epitélio frouxo e a membrana basal. Curativo oclusivo com pomada contendo antibi­
ótico ou lente de contato terapêutica com cobertura antibiótica profilática devem ser usados
até que ocorra cicatrização.
Atualmente, uma outra modalidade de tratamento vem sendo utilizada: a ceratectomia
fototerapêutica por excimer laser (PTK). O excimer laser vem sendo indicado no tratamento de
doenças corneanas superficiais como opacidades e irregularidades da superfície. Nos casos
de erosões recorrentes graves, esse procedimento leva a bons resultados. Cavanaugh et ai
mostraram 13,8% de recorrência em 12 meses, e Baryla et al. mostraram 36% de recorrência
primária em 9 meses após PTK. O epitélio do paciente deve ser removido manualmente, e a
ceratectomia fototerapêutica realizada na córnea debridada. Embora em alguns casos possam
ocorrer alterações refracionais (indução de hipermetropia), a acuidade visual final dos pacien­
tes permanece estável.
A profilaxia da recorrência pode ser realizada com o uso tópico de agentes hiperosmóti-
cos (pomada de NaCl a 5% à noite e colírio durante o dia) entre as crises durante 6 meses a 1
ano. Esses agentes diminuem o edema epitelial, permitindo a reorganização dos complexos
de adesão do epitélio corneano.
Erosão Recorrente da Córnea

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Ceratoconjuntivite
Límbica Superior

ANA LUISA HÖFLING-LIMA

A ceratoconjuntivite límbica superior (CLS) é uma doença caracterizada por inflamação das
conjuntivas tarsal e bulbar superiores, proliferação das células epiteliais limbares superiores,
queratinização do limbo superior e presença de filamentos corneanos e conjuntivais superio­
res. Inicialmente descrita por Thygeson e Kimura (1963) como uma conjuntivite crônica com
filamentos, sua etiologia não está bem estabelecida. A associação com ceratoconjuntivite seca
e doenças tireoidianas sugere uma etiologia autoimune. Anormalidades da tireoide podem ser
encontradas em 20 a 50% dos pacientes acometidos. Embora haja inúmeras teorias quanto à
patogênese da CLS, a hipótese mecânica parece ser a mais atraente. Essa teoria sugere que
um constante atrito, exercido no ato do piscar, entre as conjuntivas tarsal e bulbar superiores
em olhos em que há grande aposição dessas estruturas, seja a causa dessa patologia. Isso jus­
tificaria a presença de CLS em pacientes com exoftalmia secundária a disfunções tireoidianas,
assim como em pacientes com alteração da dinâmica palpebral após blefaroplastia superior.
A CLS afeta principalmente mulheres de 30 a 55 anos de idade. Embora tenha o curso ge­
ralmente prolongado, podem ocorrer remissões e recorrências em um período de 1 a 10 anos
r

até que a doença resolva espontaneamente. E geralmente bilateral, podendo ser unilateral.
Ocorre também após blefaroplastia.
Os achados clínicos são desproporcionais ao grande desconforto relatado pelos pacientes.
Os sintomas são irritação, principalmente quando o paciente olha para cima, sensação de cor­
po estranho, fotofobia e vermelhidão associadas à pequena quantidade de secreção mucosa.
Alguns pacientes apresentam blefarospasmo. Além da aparência aveludada do tarso superior
pela hipertrofia papilar, observam-se hiperemia e espessamento das conjuntivas bulbar e tar­
sal superiores. A conjuntiva bulbar superior tem aparência frouxa e redundante. A coloração
positiva para o rosa-bengala na conjuntiva bulbar superior e terço superior corneano pode ser
observada, assim como micropannus corneano e espessamento e queratinização do limbo. A
presença de ceratite filamentar superior é descrita em 50% dos casos. Os filamentos ocorrem
258 Doenças Externas Oculares e Córnea

por aumento da produção de muco, decorrente da irritação mecânica da conjuntiva bulbar.


Casos avançados podem apresentar ptose.
O diagnóstico pode ser clínico, expondo a conjuntiva bulbar superior do paciente à lâm­
pada de fenda. Para auxiliar no diagnóstico, após a instilação de anestésico tópico e com o pa­
ciente olhando para baixo, uma manobra para deslizar a conjuntiva bulbar frouxa do paciente
sobre a córnea pode ser realizada com um cotonete. Em um paciente normal, a conjuntiva bul­
bar não possui essa mobilidade. O exame citológico e a citologia de impressão da conjuntiva
bulbar superior mostram achados típicos, como infiltrado polimorfonuclear, picnose nuclear,
perda de células caliciformes e queratinização do epitélio.
Há uma grande variedade de tratamentos para essa doença. Na conjuntivite límbica supe­
rior, os tratamentos são direcionados para modular a resposta inflamatória com medicações
tópicas. O tratamento com estabilizadores de mastócitos como cromoglicato de sódio provou-
se eficaz; no entanto, parece que o mecanismo de ação dos estabilizadores de mastócitos não
está relacionado à prevenção da degranulação, mas à diminuição do atrito das conjuntivas
bulbar e tarsal após a administração. Outros estabilizadores, como o lodoxamina trometamina
e fumarato de cetotifeno, também aparecem como amenizadores dos sintomas de CLS. Cau­
terização das conjuntivas bulbar e tarsal superiores com solução de nitrato de prata a 0,5% ou
1% pode ser realizada. A superfície ocular deve ser copiosamente irrigada após o uso dessa
solução para evitar toxicidade corneana. Outras possibilidades de tratamento clínico incluem
uso de lentes de contato de grande diâmetro, lubrificantes oculares, vitamina A tópica, ciclos-
porina A a 0,5% tópica, soro autólogo a 20% tópico, injeção de toxina botulínica e injeção su-
pratarsal de triancinolona. Ressecção da conjuntiva bulbar superior, a fim de melhorar a mecâ­
nica da interface entre as conjuntivas bulbar e tarsal superiores, apresenta bons resultados no
tratamento da CLS. A oclusão dos pontos lacrimais superiores também obteve bons resultados
em pacientes que não responderam ao tratamento convencional.

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Conjuntivite Lenhosa

MARIA CRISTINA NISHIWAKI-DANTAS • JOÃO BAPTISTA NIGRO SANTIAGO MALTA

INTRODUÇÃO

Conjuntivite lenhosa (CL) é uma doença rara, caracterizada por lesões conjuntivais, membra-
nosas, crônicas e recorrentes, que recentemente foi associada à deficiência sistêmica de plas-
minogênio.
Essa desordem ocorre na infância e pode estar associada a lesões em outras membranas
mucosas do organismo, como boca, ouvido, trato genital feminino e aparelho respiratório
(traqueia, laringe e brônquios).

EPIDEMIOLOGIA

A CL é rara, sendo que, nos últimos 50 anos, apenas 151 casos foram descritos na literatura
mundial. No Brasil, nos últimos 8 anos, apenas quatro casos foram descritos.
A idade média de início da doença é de 14 anos, sendo 65% dos indivíduos acometidos do
sexo feminino e 51% dos casos são bilaterais. Dos indivíduos acometidos, 25% possuem aco­
metimento extraocular.

FISIOPATOLOGIA

Recentemente foi definido que a CL é resultado de deficiência de plasminogênio do tipo I. Em


indivíduos normais, ativadores de plasminogênio são produzidos e convertem plasminogênio
em plasmina, propiciando fibrinólise de depósitos de fibrina na córnea. Com a deficiência de
plasminogênio, ocorre acúmulo de membranas de fibrina e material mucoide, estimulando
células inflamatórias e fibroblastos.

261
262 Doenças Externas Oculares e Córnea

Mutações heterozigóticas no gene do plasminogênio podem estar relacionadas com a


patogênese do processo.
Outras possíveis causas relacionadas com a doença são: infecções virais e bacterianas pré­
vias, traumas cirúrgicos (exérese de pterígio, pinguécula, ptose, estrabismo e catarata).

DIAGNÓSTICO

Nos estágios iniciais da doença, os pacientes apresentam conjuntivite crônica sem a presença
de membranas. Posteriormente, surgem lesões friáveis, vascularizadas e elevadas que podem
ser facilmente removidas por pinça, porém sangramentos podem ocorrer.
Com a permanência do processo inflamatório ocorre formação de membrana avascular
espessa e endurecida (lenhosa - que lembra madeira) acima da membrana neovascular, geral­
mente na conjuntiva palpebral superior e inferior, porém a conjuntiva bulbar também pode
ser acometida.
No início do quadro clínico, os pacientes queixam-se de desconforto moderado e verme­
lhidão ocular. Com o crescimento das lesões ocorrem progressão do quadro doloroso, fotofo-
bia e deformidades cosméticas.

TRATAMENTO

Atualmente, a primeira opção no tratamento clínico é a substituição do plasminogênio. As


preparações de plasminogênio para uso tópico (6 a 8 vezes por dia) são extraídas do plasma
fresco do paciente. O tratamento sistêmico é realizado com doses altas intravenosas de 1.000
unidades/dia de plasminogênio conjugado com lisina de forma contínua, por 2 semanas, se­
guidas de injeção intravenosa diária.
A ciclosporina A a 2% teve resultados promissores antes da introdução do plasminogênio.
Plasma fresco congelado tópico, subconjuntival e sistêmico é uma recente opção de trata­
mento nos casos mais graves da doença.
Outras formas de terapia tópica incluem antibióticos, corticosteroides, heparina, cromo-
glicato de sódio, fibrinolisina e nitrato de prata, com resultados limitados.
As lesões lenhosas devem ser removidas através de biópsia excisional completa, e imediata­
mente após o procedimento, deve-se iniciar tratamento agressivo com corticosteroides tópico e
sistêmico, hialuronidase, acetilcisteína, alfa-quimiotripsina, antibióticos tópicos e ciclosporina A
a 2%. As lesões recorrentes inicias devem ser imediatamente debridadas e removidas.
Nas primeiras semanas após o tratamento inicial, ocorre diminuição do processo inflama­
tório e das recorrências. Os pacientes devem ser acompanhados periodicamente, e as medica­
ções tópicas descontinuadas lentamente.

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Rosácea

ANA LUISA HÖFLING-LIMA

A acne rosácea é uma doença crônica de etiologia desconhecida. Afeta primariamente as glân­
dulas sebáceas da pele da face, pescoço e ombros. As glândulas meibomianas têm um papel
importante na patogênese da doença ocular. Embora o acometimento das estruturas da super­
fície ocular seja frequente (acima de 50% dos casos), o diagnóstico de rosácea não é feito pelos
oftalmologistas com a mesma frequência.
A doença, caracterizada por surtos de dilatação vascular das áreas acometidas, pode estar
associada ao consumo de álcool, bebidas quentes ou alimentos condimentados. Na literatura,
há controvérsia quanto à associação da rosácea à bactéria Helycobacter pylori.
A rosácea predomina nos indivíduos de 30 a 60 anos de idade, e as mulheres são afetadas
2 vezes mais que os homens.
As lesões faciais são caracterizadas por eritema, telangiectasias, pústulas e hipertrofia das
glândulas sebáceas, distribuídas pelas região malar, nariz, bochechas, testa, pescoço e tórax. A
inflamação crônica, com dilatação folicular e espessamento da pele do nariz, leva ao clássico
aspecto do rinofima.
Telangiectasias nas margens palpebrais, blefarite, meibomite, calázio, conjuntivite papilar,
ceratite superficial ponteada, infiltrados corneanos, ceratite ulcerativa são os achados ocu­
lares observados comumentes. A ceratite é mais comum na córnea inferior, com infiltrado
característico em forma de espada ou cunha, cuja base se apoia no limbo. A vascularização
tende a progredir no sentido centrípeto, e a baixa da acuidade visual pode ser decorrente de
cicatrização e irregularidade corneanas. Há casos descritos de melting e perfuração a partir dos
infiltrados. Há ainda relatos de episclerite, esclerite e irite por rosácea.
Os testes que avaliam a função lacrimal, como BUT, teste de Schirmer e rosa-bengala,
mostram valores mais alterados em pacientes com rosácea quando comparados aos valores de
pacientes do grupo-controle. A concentração da lactoferrina na lágrima é também mais baixa
nos pacientes com acne rosácea e blefarite seborreica. Questiona-se se esse achado pode estar
relacionado ao componente inflamatório associado a essas doenças.

265
266 Doenças Externas Oculares e Córnea

O diagnóstico diferencial da rosácea ocular inclui blefaroceratoconjuntivite estafilocócica


e carcinoma de glândula sebácea.
A doença dermatológica geralmente é controlada e não erradicada. Deve-se lembrar aos
pacientes que alguns fatores, como exposição à luz solar, ao frio ou calor extremos, estresse,
ingestão de líquidos excessivamente quentes e alimentos condimentados, bebidas alcoólicas,
exercícios físicos e menopausa, podem ativar a doença.
A doença dermatológica deverá ser tratada concomitantemente ao tratamento da rosácea
ocular. Frequentemente, o tratamento da doença dermatológica leva à melhora do quadro
ocular.
A conduta vai depender do grau do acometimento. O tratamento de primeira escolha
é a limpeza rigorosa das pálpebras com xampu neutro diluído ou soluções comerciais mais
específicas, bem como a administração de antibióticos via oral. O mecanismo de ação dos an­
tibióticos sistêmicos, apesar de não completamente determinado, não é apenas pela ação an-
timicrobiana. Essas medicações diminuem a quimiotaxia dos leucócitos polimorfos nucleados,
modificam as vias do complemento, inibem o fator quimiotático dos leucócitos e a produção
de lipase por Propionibacterium acnes. A tetraciclina, 250 a 500 mg, 2 vezes/dia durante 3 a 4
semanas e reduzida posteriormente, conforme a resposta clínica, e doxaciclina, 100 mg VO, de
12/12 h e posteriormente 1 vez/dia, são frequentemente administradas. A tetraciclina parece
aliviar os sintomas mais rapidamente, enquanto a doxaciclina apresenta aderência maior, pela
facilidade da posologia e menos efeitos colaterais gastrintestinais. Deve-se lembrar que, para
absorção do medicamento, sua administração deve ser de 1 a 2 horas antes da alimentação ou
2 horas após a ingesta alimentar. Como efeitos colaterais, além da fotossensibilidade, esses
medicamentos podem provocar náuseas e facilitar o aparecimento de candidíase vaginal. Aos
pacientes intolerantes, grávidas e crianças menores de 13 anos, a administração de eritromici-
na, de 500 a 1.000 mg/dia, fracionadas em 4 doses, é o mais indicado. Alguns autores advogam
o uso de metronidazol a 0,75%, tópico, em gel, com o objetivo de reduzir o eritema facial,
embora seja um irritante se em contato com os olhos.
Todas as alterações oculares decorrentes da rosácea, exceto a neovascularização e a cica-
trização, respondem bem à tetraciclina sistêmica.
Os agentes corticosteroides tópicos, utilizados com parcimônia, podem ajudar no contro­
le da inflamação, desde que se descarte a presença de ceratite infecciosa.
Em algumas situações, como na iminência de perfuração, necrose de córnea ou franca
perfuração, é importante a conduta cirúrgica, incluindo retalhos conjuntivais e transplantes
de córnea lamelares ou penetrantes. Estes últimos só podem ser indicados se a doença estiver
controlada, sob risco de falhas do enxerto ou rejeição.

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Ceratite Superficial
de Thygeson

RICARDO HOLZCHUH • PAULO ELIAS CORREA DANTAS


DIEGO RICARDO HOSHINO RUIZ

INTRODUÇÃO

A ceratite superficial pimcttata de Thygeson foi descrita pela primeira vez por Phillips Thyge-
r

son, em 1950. E uma ceratopatia epitelial incomum, de causa desconhecida e sem associação
com outras doenças oculares ou sistêmicas.

EPIDEMIOLOGIA

Não tem predileção por sexo ou raça e pode acometer pacientes de qualquer idade, com maior
frequência na segunda e terceira décadas de vida.

ETIOPATOGENIA

A patogenia é desconhecida. Cogita-se que tenha etiologia viral devido às diversas similarida­
des com lesões corneais do sarampo, varicela, caxumba e adenovirus. Isto inclui lesão intrae-
pitelial, longa duração, remissão e exacerbação, bem como uma resposta celular mononuclear.
Por outro lado, a doença não é contagiosa e as inúmeras tentativas de isolar um agente virai
no epitélio corneai foram negativas. Estudos propõem pesquisa do agente em regiões mais
profundas da córnea, como o estroma anterior.
A boa resposta aos corticosteroides tópicos sugere que, se as lesões forem causadas por
vírus, devem representar uma resposta imunológica ao vírus e seus componentes. Foi descrita
maior incidência em portadores do antígeno de histocompatibilidade HLA-DW3 e HLA-DR3.
Especula-se que, após exposição ao vírus, inicia-se intensa replicação virai nas células
epiteliais da córnea. O vírus modificaria o metabolismo celular para seu próprio uso e sobre-

269
270 Doenças Externas Oculares e Córnea

vivência. Após meses de latência, a doença se tornaria clinicamente ativa pela reação inflama­
tória inespecífica, com morte celular e surgimento das lesões epiteliais. O processo poderia
ser reiniciado e manter-se-ia por anos, de 2 a 4 em geral, havendo descrição de pacientes com
quadro de 15 a 20 anos, principalmente associado ao uso prolongado e não controlado de
corticosteroides.
Foi descrita também recorrência da doença em pacientes que foram submetidos a cirurgia
refrativa, tais como PRK e LASIK.

QUADRO CLÍNICO

O paciente tem longa história, com episódios de exacerbação e remissão espontânea, de sen­
sação de corpo estranho, lacrimejamento, fotofobia, sem ou com discreto comprometimento
conjuntival.
Não apresenta história de conjuntivite prévia ou perda da sensibilidade corneai e raramente
tem queixa de visão embaçada. A biomicroscopia, verificam-se depósitos intraepiteliais agru­
pados em forma de finos pontos redondos ou ovais, de cor branco-acinzentada, discretamente
elevados, com tendência a confluir para pontos maiores. O epitélio entre as lesões é normal e
não há edema corneai ou reação de câmara anterior (Figs. 1 e 2). No período de exacerbação da
doença, tais opacidades intraepiteliais apresentam uma elevação no centro da lesão que pode
romper a superfície epitelial e corar com fluoresceína, sob a forma de finos pontos com aparên­
cia de dendritos e levar a falso diagnóstico de ceratite herpética. Em média, têm-se de 15 a 20
lesões que acometem as áreas central e paracentral da córnea. A resolução do quadro agudo
normalmente ocorre após 1 ou 2 semanas, independentemente da medicação usada, podendo
haver reativação em 6 a 8 semanas; entretanto, esse tempo é extremamente variável. Durante

Fig.l C e ra tite puncttata s u p e rfic ia l d e T h y g e s o n (o lh o d ire ito ).

Fig. 2 C e ra tite puncttata s u p e rfic ia l d e T h y g e s o n (o lh o e s­


q u e rd o ).
Ceratite Superficial deThygeson

o período de inativação, as lesões podem desaparecer por completo ou permanecer como cica­
trizes subepiteliais discretas e planas, que não coram com fluoresceína ou rosa-bengala. Pode
haver períodos de meses ou até anos sem exacerbação dos sintomas.
Geralmente é bilateral e sua evolução crônica pode arrastar-se por mais de duas décadas.
Sinais e sintomas normalmente resolvem espontaneamente e são autolimitados.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Deve ser feito com todas as ceratites superficiais puncttatas (Quadro 1).

QUADRO 1

D ia g n ó stico D ife re n cia l

• O lho seco

• Blefarite

• Traum a

• Ceratopatia de exp o sição

• Ceratites tó xicas (IDU, n eo m icin a, to b ram icin a, m aleato de tim olol ou fárm acos que co n ten h am
p réservan tes, in clu in d o lágrim as artificiais)

• Ceratopatia fótica (radiação ultravioleta)

• Q ueim adura quím ica leve

• Corpo estranho oculto (sob a pálpebra superior)

• Ceratopatia por lente de contato

• D istúrbios de p o sicio n am en to da pálpebra e cílios (triquíase, d istriq u íase, entrópio e ectrópio)

• C o n ju n tivites

• Síndrom e da pálpebra caída

TRATAMENTO

O tratamento deve ser proporcional ao quadro clínico apresentado. O paciente deve ser muito
bem orientado sobre o curso da doença, sua evolução e seu caráter autolimitado e benigno.
Os casos brandos devem ser tratados com lubrificantes tópicos, sem conservante, sob
forma de colírio, várias vezes ao dia. Corticosteroides tópicos, em baixa concentração, como
dexametasona a 0,01% ou acetato de prednisolona a 0,12%, podem ser usados em casos mode­
rados a graves, com bons resultados. Entretanto, alguns autores acreditam que a terapia com
corticosteroides pode prolongar o curso natural da doença, principalmente quando seu uso
for prolongado e sem controle.
Outros agentes tópicos foram tentados, mas sem sucesso, como os agentes antivirais ido-
xuridina (IDU), que produzia cicatrizes subepiteliais, e a trifluortimida.
Doenças Externas Oculares e Córnea

Lente de contato terapêutica pode ser usada para promover imediato alívio dos sintomas
e rápida resolução das lesões epiteliais.
Vários estudos referem o uso da ciclosporina A a 2% tópica com bons resultados, tendo
como único efeito colateral a sensação de ardência durante sua instilação.
Acompanhamento deve ser feito semanalmente, durante o período de crise, e, posterior­
mente, a cada 3 meses, por 1 ano.

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Ceratite Filamentar

ARTHUR RUBENS CUNHA SCHAEFFER • MARIA CRISTINA NISHIWAKI-DANTAS

Acredita-se que cerca de 10% da população adulta apresentem sinais ou sintomas de olho
seco. A maioria dos casos está ligada à diminuição da produção de lágrima associada ou não
a doenças sistêmicas. Olho seco pode estar relacionado a trauma, doenças reumáticas, medi­
camentos, uso de lentes de contato e outras doenças do sistema imunológico. Os sintomas
podem piorar quando há exposição a determinadas condições do meio ambiente, relacionadas
ao microclima (ambiente interno) e ao ambiente externo.
Considerada entidade incomum de curso crônico, geralmente bilateral e com períodos de
exacerbação, a ceratite ou ceratoconjuntivite filamentar representa um grande desafio no dia
a dia dos oftalmologistas.
O epitélio corneai apresenta certo nível de queratinização e descamação associadas a fila­
mentos de muco na superfície epitelial secundários a diversas doenças oculares e sistêmicas.
Hoje é aceito que esses filamentos consistam de uma combinação variável de células epi-
teliais e muco, firmemente aderidos à superfície epitelial por uma de suas extremidades. Os
filamentos são pequenos, gelatinosos, fios variando de tamanho (0,5 a 10 mm), forma, com­
posição e distribuição.

FISIOPATOLOGIA

Evidências mostram que o aumento na produção de muco na lágrima pelas células caliciformes
levam à formação de filamentos. Essas alterações são exacerbadas pela escassez de produção
lacrimal e pela má qualidade da lágrima.
Um aumento na viscosidade da camada lipídica pode fraturar a parte mucosa em filamen­
tos e alterar o epitélio corneai mudando sua polaridade, tendo como consequência a adesão
dos filamentos nas áreas já degeneradas que fornecem substratos para essa adesão.
274 Doenças Externas Oculares e Córnea

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

Pacientes com ceratite filamentar geralmente reportam desconforto ocular de médio a intenso
associado a lacrimejamento e fotofobia. Pode ser uni ou bilateral, de acordo com sua etiologia.
Blefarospasmos podem estar presentes e os sintomas pioram ao piscar. Com olhos fechados,
a sintomatologia tende a ser menor.
A biomicroscopia, observam-se hiperemia conjuntival, filamentos ou placas de muco ade­
ridas ao epitélio corneai, que são melhor observadas com instilação do corante vital rosa-ben­
gala (Fig. 1). O defeito epitelial é melhor observado com a instilação de fluoresceína.

Fig. i C e ra tite fila m e n ta r.

Fatores mecânicos + Alterações nas camadas do filme lacrimal


Alterações químicas do filme lacrimal

Superfície ocular anormal Epitélio degenerado Fatores produtores de muco

ASSOCIAÇÕES

A associação mais frequente é com a ceratoconjuntivite sicca, mas outras associações podem
existir, tais como:
Síndrome de Sjõgren.
Trauma cirúrgico.
Trauma ocular.
Abrasões.
Ceratite Filamentar

■ Lentes de contato (mau uso).


Ceratite límbica superior.
Ceratite neurotrófica.
■ Ptose.
■ Aniridia.
Albinismo ocular.
■ Sarcoidose.
Diabetes melito.
Blefarite crônica.
Ceratite herpética (simples/zóster).
Fármacos anticolinérgicos.
Paralisia do VII nervo craniano.

TRATAMENTO

O tratamento visa restabelecer o equilíbrio da superfície ocular, eliminar os filamentos de


muco e minimizar a sintomatologia dos pacientes. Enfoca-se o tratamento das doenças de
base associado à remoção cuidadosa dos filamentos. Após, a instilação de anestésico tópico
deve ser realizada à lâmpada de fenda. Lubrificação copiosa com lágrimas artificiais, preferen­
cialmente sem conservantes, e oclusão dos pontos lacrimais também são indicadas.
Nos casos graves, uso de N-acetilcisteína (2 a 10%) funciona bem como agente mucolítico,
levando à diminuição da viscosidade do muco. Está disponível apenas em farmácias de mani­
pulação e deve permanecer refrigerada, com duração de, no máximo, 3 a 4 semanas.
Bloomfield destaca o uso de lentes de contato terapêuticas gelatinosas, com instilação de
antibioticoterapia tópica profilática até 24 horas após o desaparecimento dos filamentos, as­
sociada à corticoterapia tópica para diminuir a inflamação e o desconforto do paciente.

BIBLIOGRAFIA

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Ceratopatia Neurotrófica

ANA CAROLINA VIEIRA • ANA LUISA HÖFLING-LIMA

INTRODUÇÃO

A córnea é ricamente inervada por nervos sensitivos. Aliás, a densidade das terminações ner­
vosas na córnea é aproximadamente 300 a 400 vezes maior do que na pele. Esses nervos
provêm dos nervos ciliares, que são ramos terminais do nervo oftálmico, que por sua vez é
ramo do V par craniano (nervo trigêmeo). Tais nervos penetram a córnea no estroma perifé­
rico e caminham de forma radial e centrípeta. As terminações nervosas perdem suas bainhas
de mielina a 1 mm do limbo e, emergindo das camadas profundas, penetram a membrana de
Bowman, formando um plexo subepitelial.
A inervação corneai possui importante função na manutenção da integridade da superfície
da córnea. A ceratopatia neurotrófica é caracterizada pela perda de células epiteliais secundá­
ria à diminuição da sensibilidade corneai.
As causas mais comuns de ceratopatia neurotrófica encontram-se listadas na Tabela I.
Lesão do V par craniano, causando hipostesia ou anestesia corneai, pode ser decorrente de
cirurgia, trauma, acidentes vasculares cerebrais, aneurismas, esclerose múltipla e tumores da
fossa posterior. Infecções como herpes-zóster oftálmico, herpes simples e hanseníase, abuso
de anestésico tópico e cirurgias corneais, como LASIK e ceratoplastias penetrante e lamelar,
são outras causas relatadas.
No olho acometido, o epitélio da córnea torna-se anormal mesmo na ausência de infecção
ou trauma. A falta de inervação diminui a mitose das células epiteliais e causa a diminuição da
produção de neuromediadores, como acetilcolina e substância P. Ocorre também a diminuição
da frequência do piscar e da produção reflexa de lágrima. Isto acarreta o desenvolvimento de
defeito epitelial persistente, iniciando-se por áreas de ceratite ponteada que, posteriormen­
te, coalescem em áreas maiores de perda epitelial. Defeitos epiteliais crônicos podem evoluir
para ulceração estromal e perfuração corneai.

277
278 Doenças Externas Oculares e Córnea

TABELA [ C a u sa s d e c e ra to p a tia n e u ro tró fic a

Causas de neuropatia neurotrófica


• Paralisia do nervo trig êm eo
Traum a facial
A neurism a
N eoplasia (neurom a do acústico, m ening io m a)
A cid ente va scu la r cerebral
C o ng ênita: sín d ro m e de Riley-D ay (disauto n o m ia fam iliar), sín d ro m e de M obius, hipoestesia corneal
fam iliar

• Infecções
H erpes-zóster
Herpes sim ples
H anseníase

• Cirurgias co rneanas
- LASIK
C erato p lastias p en etran te e lam elar

• Q ueim ad uras oculares

• Uso crônico de lente de contato

• M edicações tóp icas


A buso de an estésico tópico

• D oenças sistêm icas


D iabetes m elito
Esclerose m últipla

ACHADOS CLÍNICOS

Inicialmente, o quadro clínico consiste em irregularidade epitelial e ceratopatia ponteada, que


pode evoluir para um defeito epitelial persistente. O defeito epitelial pode estar associado a
edema estromal adjacente e progredir, apesar de tratamento, para uma úlcera neurotrófica, ca­
racterizada por forma oval ou circular, fundo limpo e epitélio solto ao redor das bordas. Alguns
casos mais graves evoluem com necrose estromal e perfuração. Geralmente há irite associada,
com turvação do humor aquoso (flcire) e células inflamatórias na câmara anterior. Pode haver
ainda infecção secundária, uma vez que o defeito epitelial persistente representa uma porta
de entrada para microrganismos.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico é clínico, realizado à lâmpada de fenda, com o auxílio de fluoresceína. A ava­


liação da sensibilidade corneai é importante, e pode ser realizada por um método não padro­
nizado, tocando a córnea com fibras de algodão ou tecido em ambos os olhos, ou de forma
padronizada, com o uso de um estesiômetro. O estesiômetro de Cochet-Bonnet tem o mesmo
princípio de toque na córnea, mas, com filamentos de tamanho padronizado, fornece dados
mais concretos e reprodutíveis. O padrão da diminuição da sensibilidade pode nos auxiliar na
Ceratopatia Neurotrófica

determinação da etiologia. Perdas segmentares indicam condições locais, enquanto perdas


difusas da sensibilidade indicam causas sistêmicas.

TRATAMENTO

A ceratopatia neurotrófica pode representar um grande desafio para os oftalmologistas. O


tratamento consiste em prevenir a rotura do epitélio corneano e, nos casos em que a lesão
epitelial esteja presente, promover a reepitelização.
A ceratopatia epitelial ponteada deve ser tratada com lubrificantes sem conservantes na
forma de colírio, gel ou pomada. Derivados da tetraciclina por via oral são eficazes na redução
da atividade colagenolítica, melhorando o processo de cicatrização da córnea.
O soro autólogo vem sendo utilizado com sucesso no tratamento da ceratopatia neurotró­
fica, uma vez que possui agentes como fator de crescimento epitelial, vitamina A e fibronecti-
na, essenciais para a proliferação, diferenciação e maturação das células epiteliais corneanas.
Possui também agentes neurotróficos, como substância P, fator de crescimento neural (NGF) e
fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (IGF-1), capazes de aumentar a sensibilidade
corneana e restaurar a integridade epitelial. Recentemente, Rao et ai mostraram aumento do
comprimento, diâmetro e densidade dos nervos corneanos observados à microscopia confocal
em pacientes com ceratopatia neurotrófica tratados com soro autólogo.
Para o tratamento de defeitos epiteliais, lentes de contato terapêuticas podem ser utiliza­
das, promovendo proteção mecânica. Estas devem ser trocadas semanalmente e associadas ao
uso de colírio antibiótico de baixa toxicidade corneana para prevenção de infecção secundária.
Lentes de contato esclerais também podem ser utilizadas para o tratamento a longo prazo da
ceratopatia neurotrófica associada à ceratite por exposição, uma vez que protegem a integri­
dade do epitélio e aumentam a hidratação e cicatrização da superfície corneai.
A oclusão dos pontos lacrimais promove maior contato da lágrima com a superfície ocular.
A tarsorrafia, que pode ser efetuada no canto lateral, medial ou em ambos, diminui a área de
exposição da córnea e protege o epitélio corneai frouxo do efeito traumático das pálpebras
ao piscar. A indução de ptose, com toxina botulínica ou peso de ouro, também protege a su­
perfície ocular.
Outra opção terapêutica inclui o transplante de membrana amniótica, que promove
epitelização corneana e restauração da espessura estromal. A membrana amniótica facilita
a migração epitelial e a adesão das células epiteliais basais, além de diminuir a inflamação
e neovascularização. Em casos de perfuração corneana, cola de cianoacrilato associada a
lente de contato terapêutica pode ser utilizada com o objetivo de restaurar a integridade
do globo ocular.
A ceratoplastia penetrante realizada em córneas com baixa sensibilidade tem mais chan­
ces de rejeição e falência, devido à inflamação, à neovascularização estromal e à cicatrização
epitelial deficiente. Os transplantes de córnea devem ser associados a tarsorrafia temporária
ou definitiva, no mesmo ato cirúrgico. As ceratopróteses representam uma alternativa tera­
pêutica para a reabilitação visual de tais pacientes, que possuem alto risco de rejeição ao
transplante de córnea.
280 Doenças Externas Oculares e Córnea

Uma técnica cirúrgica inovadora de transposição dos nervos supraorbitário e supratro-


clear contralaterais demonstrou bons resultados no tratamento de pacientes com ceratopatia
neurotrófica secundária a anestesia corneana unilateral, promovendo restauração da função
visual.

PERSPECTIVAS FUTURAS

A aplicação de substância P associada a fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1


(IGF-1) promove aumento da migração de células epiteliais e cicatrização corneana in vivo. A
aplicação tópica de fibronectina também se revelou eficaz no tratamento de defeitos epite­
liais persistentes associados à ceratopatia neurotrófica. A regeneração das fibras nervosas da
córnea após tratamento com fibronectina e IGF-1 tópicos já foi documentada por microscopia
confocal.
O fator de crescimento neural (NGF) promove restauração da sensibilidade da córnea e
consequente melhora da epitelização corneana. Entretanto, além de essa substância não estar
ainda disponível comercialmente, efeitos colaterais, como hiperemia conjuntival, fotofobia e
novascularização corneana, foram observados nas fases iniciais do tratamento. O uso tópico
de derivados de plaquetas, ricos em fatores de crescimento e proteínas do sistema de coagu­
lação, também foi eficaz no tratamento da ceratite neurotrófica.
Apesar de avanços recentes, muitas vezes o tratamento da ceratopatia neurotrófica ainda
consiste em um grande desafio para os oftalmologistas. No futuro, tratamentos baseados na
regeneração neural possivelmente garantirão uma terapia mais eficaz.

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o Doenças Metabólicas e
«<
u*
Anomalias Congênitas
Anomalias Congênitas da
Córnea e Esclera

PAULO ELIAS CORREA DANTAS • CAROLINA DOURADO CARDOSO TONHÁ


MARIA CRISTINA NISHIWAKI-DANTAS

CONCEITOS BÁSICOS DAS ANOMALIAS CONGÊNITAS


DA CÓRNEA E ESCLERA

Anomalias congênitas manifestam-se como alterações morfológicas evidentes ao nascimen­


to. Podem ser esporádicas ou familiares, uni ou bilaterais. São resultado do desenvolvimento
anormal durante a vida fetal ou embrionária.
Para melhor entendimento das anomalias congênitas da córnea e esclera, alguns concei­
tos sobre o desenvolvimento pré-natal normal das pálpebras, conjuntiva e córnea se fazem
necessários.
O neuroectoderma, as células da crista neural e o ectoderma superficial são os principais
responsáveis pelo desenvolvimento da porção externa do olho.
Os principais eventos relacionados à formação do segmento anterior do olho estão resu­
midos na Tabela I.

TABELA L Tempo de formação do segmento anterior do olho

M ês Sem ana Dia E m b riã o (m m ) E v e n to

2 7 44 13 a 17 Form ação da câm ara anterio r


49 24 Form ação dos ceratócitos e esclera
Presença de estrom a corneai acelu lar
8 54 25 Episclera (Tenon) evid en te

3 10 43 a 48 C o n jun tiva
Form ação da m em brana de D escem et
C o n d en sação da esclera (anterio r para
posterior)

4 87 Form ação do h um or aquoso

285
286 Doenças Externas Oculares e Córnea

As anomalias oculares podem ocorrer associadas a uma variedade de anormalidades so­


máticas, craniais e faciais, dificultando o diagnóstico causal, ou seja, anormalidade cromossô-
mica, infecção intrauterina ou toxina materna. O período da organogênese de maior risco vai
do 18- ao 60- dia.
Os fatores que podem interromper ou alterar a sequência de eventos embriogênicos po­
dem ser classificados em intrínsecos e extrínsecos.
Entre os fatores intrínsecos, destacam-se:
Genes alterados, imperfeitos ou com defeito.
Impedimento da indução e proliferação celular.
■ Migração celular defeituosa.
Morte celular.
Substratos extracelulares anormais.
■ Diferenciação inadequada.

Os fatores extrínsecos incluem a saúde da mãe e a natureza do teratógeno, assim como


seu tempo e grau de ação. Teratógenos (theratos= monstros; genus= gerar) são agentes infec­
ciosos, farmacológicos, químicos ou físicos que produzem defeitos no desenvolvimento do
embrião ou feto.
São teratógenos oculares:
Radiação.
Síndrome fetal do álcool.
■ Rubéola.
Citomegalovírus.
■ Sífilis.
■ Vírus do herpes simples.
■ Diabetes materno.
■ Talidomida, cumarínicos, anticoagulantes, ácido retinoico e medicamentos para vertigem.

DIAGNÓSTICO DAS ANOMALIAS CONGÊNITAS OCULARES

Deve seguir uma rotina que inclui a história clínica familiar e pré-natal da mãe, avaliação oftal­
mológica dos genitores e exame clínico minucioso do recém-nascido com investigação labora­
torial das infecções congênitas (TORCH). No exame oftalmológico do recém-nascido, realizar:
Documentação da orientação, formação e anatomia das pálpebras e órbitas.
Medida do diâmetro corneai vertical e horizontal (10 a 10,5 mm).
Biomicroscopia da córnea, com especial atenção para o limbo, camada de Bowman, trans­
parência do estróina e membrana de Descemet.
■ Gonioscopia, quando possível.
■ Estudo da íris e pupila.
Investigação de anomalias no cristalino e segmento posterior.
Anomalias Congênitas da Córnea e Esclera

Medida da pressão intraocular.


Biomicroscopia ultrassónica do segmento anterior.

Identificada a anomalia, é necessário auxílio do geneticista para identificar síndromes


familiares (estudo cromossômico) e prover aconselhamento genético e prognóstico para o
paciente e seus familiares.
Vale lembrar que, atualmente, é possível realizar diagnóstico pré-natal nas gestações com
alto risco de anomalias cromossômicas por meio de várias técnicas, tais como ultrassonografia
fetal, análise cromossômica de células fetais obtidas por amniocentese entre a 14â e 20- sema­
nas de gestação, biópsia do vilo coriônico para análise cromossômica das células entre a 9a e a
12-semana de gestação, pela colheita de sangue materno para pesquisa de células sanguíneas
fetais, pela pesquisa de alfa-proteína do soro materno (MSAFP), entre outros.

ASPECTOS CLÍNICOS DAS ANOMALIAS CONGÊNITAS


DA CÓRNEA E ESCLERA

Anormalidades do bulbo e da esclera


Críptoftalmo
r

E condição extremamente rara, geralmente bilateral e associada com outras múltiplas mal­
formações sistêmicas formando a denominada síndrome de Fraser (criptoftalmos, sindactilia,
malformações laríngeas, geniturinárias, dismorfismo craniofacial, retardo mental e anomalias
musculoesqueléticas), descrita pelo geneticista canadense George R. Fraser. Atualmente exis­
tem mais de 200 casos publicados de criptoftalmos associados à síndrome de Fraser.
Há falha na formação das pálpebras e estruturas associadas, com fusão da córnea com a
epiderme e ausência ou não da câmara anterior, íris e cristalino. Sua patogênese é desconhe­
cida, porém sugere-se que esteja relacionada ao metabolismo do ácido retinoico.
Ocorre igualmente em ambos os sexos e não tem transmissão genética vertical, sugerindo
herança autossômica recessiva. Clinicamente, observa-se transformação da córnea e conjun­
tiva em derme, ausência da pálpebra, glândulas lacrimais e canalículos, assim como ausência
de tecido conjuntivo da íris, canal de Schlemm, malha trabecular, câmara anterior e cristalino.
O diagnóstico diferencial deve ser feito com o pseudocriptoftalmo, no qual há falha na
separação das pálpebras e estruturas associadas. A simples separação das pálpebras resolve
o problema.
Críptoftalmo requer tratamento cirúrgico somente para fins cosméticos ou para alívio da
dor provocada pelo glaucoma absoluto.

Anoftalmo/microftalmo
São condições definidas pela organização internacional The International Clearinghouse for
Birth Defects Surveillance and Research (ICBDSR ou simplesmente Clearinghouse), afiliada à
Organização Mundial da Saúde, respectivamente como “ausência completa do globo na pre­
sença de anexos oculares (pálpebras, conjuntiva e aparelho lacrimal) e presença de um olho
Doenças Externas Oculares e Córnea

pequeno. No microftalmo, o diâmetro corneai é inferior a 10 mm e o comprimento anteropos­


terior do globo menor que 20 mm.
A prevalência ao nascimento dessas situações pode chegar a 3%, e aproximadamente 1\%
das crianças cegas apresentam microftalmo diagnosticado. Não há predileção por raça ou gê­
nero.
A patogênese permanece obscura; porém, alterações cromossômicas, monogênicas e am­
bientais foram descritas. Entre os genes envolvidos foi identificado como principal causador o
S0X2 (locus cromossômico 3q26.3-q27).
As infecções adquiridas durante a gestação são reconhecidas como importante evidência
de causa ambiental, particularmente a rubéola, toxoplasmose, varicela e citomegalovirose. São
também relatados como fatores ambientais: a deficiência de vitamina A, a exposição a radia­
ção e fármacos como talidomida, warfarina e o álcool.
Anoftalmia isolada é considerada herança autossômica recessiva na maioria das vezes,
tendo sido observada nas famílias de consanguíneos.
O microftalmo pode ocorrer associado a anormalidades oculares, como leucoma, displa­
sia de retina, colobomas, cistos, órbita pequena, ptose e blefarofimose. Também pode estar
associado a anormalidades sistêmicas, como retardamento mental e nanismo, entre outras.
A estimulação visual deve ser realizada sempre que possível. O tratamento é geralmente
iniciado precocemente para melhorar o desenvolvimento visual dessas crianças. Geralmente,
a conduta é conservadora com o uso de próteses com tamanhos progressivamente maiores
para o desenvolvimento da órbita.
Nos casos de microftalmo importante e anoftalmia, o tratamento deve ser iniciado nas
primeiras semanas de vida para aumentar a rima palpebral, o fundo-de-saco conjuntival e a
cavidade orbitária. Osteotomias orbitais são reservadas para os casos muito acentuados. Em
todos os casos está indicado o aconselhamento genético.

Nanoftalmo
Consiste em olho pequeno, porém funcional, com organização e proporção relativamente
normais.
Os pacientes apresentam alta hipermetropia, fendas palpebrais estreitas, esclera fina e
câmara anterior rasa, com ângulo estreito e/ou goniodisgenesia.
Correção óptica da hipermetropia e tratamento clínico-cirúrgico do glaucoma são manda­
tories. Efusão uveal está associada à manipulação cirúrgica do cistalino.

Anomalias de tamanho e forma da córnea


Microcórnea
Refere-se a córneas com diâmetro horizontal menor que 11 mm e globo ocular de tamanho
normal. Não tem caráter progressivo, nem predileção por gênero. Geralmente mantém a trans­
parência e espessura habituais.
Pode ocorrer isoladamente ou associada a anormalidades oculares, como nanoftalmo, mi­
croftalmo e microftalmo anterior (segmento anterior pequeno). Geralmente, acompanha-se de
Anomalias Congênitas da Córnea e Esclera

hipermetropia, córnea plana, leucoma, coloboma de íris, catarata congênita e glaucoma (20%
dos pacientes com microcórnea desenvolvem glaucoma de ângulo aberto).
r

E transmitida de forma autossômica dominante, mas formas recessivas são descritas. Pode
ser associada a alterações sistêmicas como nas síndromes de Weill-Marchesani, Ehlers-Danlos
e Rieger.

Megalocórnea
São córneas com diâmetro superior a 13 mm horizontalmente, de caráter não progressivo.
Usualmente transmitida de forma recessiva ligada ao X, provavelmente localizada na região
cromossômica Xql2-q26.
Por essa razão, 90% dos pacientes são do sexo masculino. Usualmente é bilateral, quase
sempre associada ao aumento no tamanho das estruturas do segmento anterior (megaloftal-
mo anterior). A forma isolada de megaloftalmo é extremamente rara e transmitida de maneira
autossômica dominante. Pacientes com megalocórnea são míopes, em sua maioria, e podem
apresentar subluxação de cristalino, catarata subcapsular posterior, degeneração em mosaico
anterior e hipoplasia do estroma da íris.
Alterações sistêmicas podem estar associadas, como craniossinostoses, bossa frontal, re­
tardamento mental, síndrome de Down, síndrome de Marfan, síndrome de Alport, entre outras.
Clinicamente, o diagnóstico diferencial mais importante a ser feito é com glaucoma con­
gênito, que também produz aumento do diâmetro da córnea (buftalmo).

Ceratoglobo
r

E uma rara doença da córnea caracterizada por afmamento de limbo a limbo, geralmente mais
acentuado na periferia, e protrusão globosa. Ceratoglobo adquirido tem sido descrito com
oftalmopatias tireoideas, ceratoconjuntivite vernal e blefarite marginal crônica. A forma con­
gênita tem sido associada à amaurose congênita de Leber e síndrome da esclera azul. Tem sido
relacionado a outras desordens do tecido conjuntivo como as síndromes de Rubinstein-Taybi,
Marfan e Ehlers-Danlos tipo VI.
Geralmente são observados nos achados histológicos, afmamento estromal e cicatrizes,
ausência completa da camada de Bowman e afmamento da membrana de Descemet. Relatos
recentes sugerem que o afmamento estromal do ceratoglobo é decorrente de complexos pro­
cessos de degradação; porém, a etiopatogenia permanece inexplicada.
Acompanhado de déficit visual significativo, inicialmente pode ser corrigido com óculos.
Entretanto, os casos que necessitam abordagem cirúrgica ainda apresentam resultados insa­
tisfatórios.

Córnea plana
Comumente associada à microcórnea e esclerocórnea, pode ser transmitida de forma autos­
sômica dominante ou recessiva. Em geral, o raio de curvatura da córnea é inferior a 43 D;
porém, não são raras leituras ceratométricas de 20 D, produzindo hipermetropia variável. A
câmara anterior apresenta-se rasa, com estreitamento de ângulo, o que facilita o aparecimento
de glaucoma.
290 Doenças Externas Oculares e Córnea

O defeito acontece na quarta semana de gestação, impedindo a córnea de aumentar a sua


curvatura de maneira natural. Pode estar associado à osteogênese imperfecta e às mucopolis-
sacaridoses.

Anomalias que opacificam os meios transparentes


Glaucoma congênito (Fig.1)
Glaucoma congênito primário é o mais frequente tipo de glaucoma pediátrico, representan­
do 55% dos casos. Os três loci gênicos identificados são GLC3A (2p21), GLC3B (lp36) e GLC3C
(14q24.3-q31.1); porém, a maioria dos casos são esporádicos.
Presença de lacrimejamento, fotofobia e edema de córnea (nos primeiros 5 dias de vida)
são os sinais clínicos mais evidentes. Ao exame biomicroscópico, sob narcose, roturas na mem­
brana de Descemet (estrias de Haab), associadas ao aumento da pressão intraocular, buftalmo,
alterações gonioscópicas e aumento da relação escavação/disco, auxiliam no diagnóstico.
O tratamento é cirúrgico e pode incluir goniotomia, trabeculotomia, trabeculectomia e,
até mesmo, implantes de drenagem do humor aquoso.

Fig.1 Glaucoma congênito.

Esclerocórnea
Caracteriza-se por esclerificação parcial (periférica) ou total da córnea, geralmente vasculariza-
da. Pode ser uni ou bilateral, assimétrica, não progressiva e não inflamatória, afetando homens
e mulheres em igual proporção.
A apresentação pode ser esporádica ou familiar; quando herdada, a forma recessiva de­
monstra fenótipo mais agressivo do que a dominante. Os loci gênicos relatados são Xp22.31
(esclerocórnea associado com microftalmia e dermal aplasia), 18q21.3 (relacionado com au­
tismo, anoftalmia, microftalmia e esclerocórnea) e, em associação com a síndrome da deleção
cromossômica 2 2 q ll.2 .
r

E anormalidade da chamada segunda onda mesodérmica, durante a qual, em vez de tecido


corneai transparente, é formado tecido escleral opaco. Pode apresentar-se isoladamente ou
associada às síndromes de clivagem do segmento anterior do olho.
Em geral, a área central da córnea é menos opaca que a periferia. Pode ser acompanhada
por aniridia, microftalmo, nistagmo e glaucoma.
Anomalias Congênitas da Córnea e Esclera

O tratamento dessa condição é geralmente complexo por meio da correção dos erros re-
frativos, manejo da ambliopia e do glaucoma, transplante de córnea e acompanhamento de
outras alterações associadas. Apresenta frequentemente resultados desfavoráveis.

Dermoide ou coristoma epibulbar


Caracteriza-se pela presença de tecido normal de outras áreas (pele, ossos, dentes) sobre o
limbo, contendo elementos do ectoderma e mesoderma, como tecido epitelial queratinizado,
pelos, gordura, vasos sanguíneos, nervos, músculos e tecido cartilaginoso. A lesão em geral
é arredondada ou ovalada, com elevação central, podendo ser vistos cabelos ou tecido ósseo
no seu interior. Aparecem com frequência no limbo inferotemporal, sem exibir crescimento
(Fig. 2).
São em geral assintomáticos, mas lesões maiores podem produzir astigmatismo e alterar
a acuidade visual. Raramente acometem a área central da córnea. Em 33% dos casos, anoma­
lias congênitas podem estar associadas, sendo a principal delas a displasia óculo-aurículo-
vertebral (síndrome de Goldenhar), que se caracteriza por dermoide epibulbar, apêndices pré-
auriculares, fístulas pré-tragais e anormalidades da coluna vertebral.
Seu tratamento consiste na remoção cirúrgica cuidadosa para evitar perfuração corneai.
Transplante terapêutico (patch) de córnea pode ser associado, se sua remoção resultar em
afinamento corneai grave ou perfuração. Em casos de dermoides centrais, transplante pene­
trante de córnea é a melhor solução para a restauração da visão, dada a possibilidade de com­
prometimento da espessura total da córnea.

Fig. 2 C isto d e rm o id e lo c a liz a d o no lim b o , co m c o m p ro m e ­


tim e n to p a rcia l da c ó rn e a em p a c ie n te d e 14 a n o s d e id a d e .

Anomalias de estrutura ou síndromes de clivagem do segmento anterior


ou disgenesias mesodérmicas do segmento anterior
Envolvem malformações dos tecidos mesodérmicos e ectodérmicos.
Podem ser divididas em:

Envolvimento da periferia da córnea e câmara anterior


Embriotóxon posterior: Caracteriza-se por um anel de Schwalbe anormalmente visível,
proeminente e anteriorizado a 0,5 a 2 mm do limbo. O anel de Schwalbe representa a junção
da malha trabecular com a terminação da membrana de Descemet.
292 Doenças Externas Oculares e Córnea

Pode ser encontrado em olhos normais (10 a 15%). Quando isolado, não representa proble­
ma para o paciente. Pode estar associado a doenças, como ictiose ligada ao X, aniridia familiar
e síndrome de Alagille (displasia arterioepática).
r
Anomalia de Axenfeld: E a combinação de um embriotóxon posterior com processos de
íris proeminentes ou aderências iridocorneais. Os processos de íris se inserem sobre a linha de
Schwalbe proeminente. Quando associada a glaucoma, o que ocorre em 50% dos casos, recebe
a denominação de síndrome de Axenfeld (Fig. 3).
Pode estar ocasionalmente associada a hipertelorismo, assimetrias faciais e ombros hipo-
plásicos.
Anomalia de Rieger: Caracteriza-se pela combinação de embriotóxon posterior, aderên­
cias iridocorneais, atrofia do estroma da íris, corectopia (72% dos casos), pseudopolicoria e
Ectropium uveae.
r

E transmitida de forma autossômica dominante (70%) com expressão variável.


Cerca de 60% dos pacientes desenvolvem glaucoma entre 5 e 30 anos de idade. Recebe o
nome de síndrome de Rieger quando associada a anomalias faciais e de dentição.
Atualmente, alguns autores referem à síndrome de Axenfeld-Rieger, um quadro clínico que
engloba achados de ambas as síndromes, aventando a possibilidade de representarem espec­
tro clínico de uma mesma doença.

Fig. 3 A n o m a lia d e A x e n fe ld em p a c ie n te d e 10 a n o s d e id a d e ,
a s s in to m á tic o .

Envolvimento da córnea central


Ceratocone posterior: Caracteriza-se por discreta indentação da córnea central posterior ou
r
discretamente paracentral, preservando sua curvatura anterior. E unilateral, na maioria das ve­
zes. Pode apresentar discreta perda de transparência focal na área de adelgaçamento. Em ge­
ral, não afeta a acuidade visual; entretanto, se houver erro refracional, pode levar à ambliopia.
Duas formas são descritas, circunscrito (keratoconus posticus circumscriptus) (Fig. 4) ou difuso
(kercitoconus posticus generalis).
Anomalia de Peters: Apresenta-se sob várias formas, todas acompanhadas de leucoma
central denso com defeito no estroma posterior (Fig. 5). Na forma mesodérmica ou tipo 1,
faixas de íris aderem ao leucoma posteriormente. Histopatologicamente, há ausência da
membrana de Descemet e endotélio. Cerca de 80% desses casos são bilaterais e aproximada­
mente 50% deles desenvolvem glaucoma. A causa é a falha na migração para a área central,
de tecido mesodérmico, deixando-a defeituosa; a absorção é incompleta do mesoderma da
íris central.
Anomalias Congênitas da Córnea e Esclera

Fig.4 C e ra to c o n e p o ste rio r c irc u n s c rito u n ila te ra l. P o d e -se


o b s e rv a r o re fle xo a rre d o n d a d o d o c o n e no c a n to s u p e rio r da
íris.

Fig. 5 S ín d ro m e d e P e te rs. N o ta-se p re se n ç a d e le u c o m a


c o rn e a l c e n tra l d e n so .

Na forma ectodérmica ou tipo 2, ocorre defeito posterior associado à catarata polar ante­
rior ou adesão ceratolenticular. A câmara anterior em geral é rasa, com sinequias anteriores,
o que aumenta significativamente a associação com glaucoma. Resulta da falha da separação
da vesícula lenticular do ectoderma superficial. Há ainda a forma inflamatória, por inflamação
r

intrauterina, que também pode produzir defeito corneai central. E difícil a distinção dessa
forma das anteriores.
A anomalia de Peters pode ser herdada de forma autossômica dominante ou recessiva, ou
podem ocorrer casos isolados na família, nos quais o modo de herança é desconhecido. Atual­
mente, existem relatos de associação com mutação nos seguintes genes: PAX6, CYP1B, PITX2,
PITX3, F0XE3 e FOXC I .
Os casos de herança recessiva podem vir acompanhados de baixa estatura desproporcio­
nal, alterações faciais e variável déficit motor constituindo a síndrome de Peters Plus, decor­
rente de mutações no gene B3GALTL.
Seu principal diagnóstico diferencial é com esclerocórnea, que em geral poupa parcial­
mente a área central da córnea, enquanto a anomalia de Peters é tipicamente mais densa na
área central da córnea.
O tratamento de todas as anomalias do segmento anterior do olho requer pronto diag­
nóstico e completo envolvimento familiar em todas as fases. A formação de equipe multidis-
ciplinar composta de clínicos, cirurgiões, ortoptistas, geneticistas, especialistas em visão sub­
normal, glaucoma e transplante de córnea, garante maior abrangência e solidez nas condutas
que envolvem múltiplos procedimentos (transplante de córnea, cirurgia filtrante, oclusão para
tratamento de ambliopia).
294 Doenças Externas Oculares e Córnea

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Doenças Metabólicas

SÉRGIO FELBERG • SANDRA NAUFAL


MARIA CRISTINA NISHIWAKI-DANTAS • NILO HOLZCHUH

A córnea e conjuntiva normais são transparentes e qualquer depósito, mesmo do filme lacri-
mal, limbo ou humor aquoso, é facilmente detectado. Os depósitos podem ser secundários a
alterações sistêmicas do metabolismo, geralmente devido ao defeito de uma enzima específi­
ca, causando acúmulo de substâncias anormais nos lisossomos ou em estruturas intracitoplas-
máticas semelhantes aos lisossomos. Depósitos e pigmentações corneoconjuntivais também
podem ocorrer secundários ao uso de medicações tópicas e sistêmicas.

ALTERAÇÕES DO METABOLISMO DOS CARBOIDRATOS

Mucopolissacaridose
Definição: erros inatos do metabolismo dos carboidratos que ocorrem devido à deficiência
das enzimas hidrolases lisossomais ácidas que degradam os mucopolissacarídeos ou glicosa-
minoglicanos (GAG), que dessa forma se acumulam em diferentes tecidos.
Patogênese: são pelo menos oito síndromes diferentes com diversas características em
comum. Todas são autossômicas recessivas, exceto a síndrome de Hunter, que é recessiva e
ligada ao X.
Os GAG constituem a substância fundamental da córnea (de 4 a 4,5% do peso da córnea
seca), mas nessas doenças há excesso de mucopolissacarídeos nos ceratócitos e estroma e, em
alguns casos, no epitélio e endotélio corneais. Os mucopolissacarídeos encontrados no estro­
ma corneai normal são o queratan sulfato, condroitin sulfato e dermatan sulfato. Condroitin
sulfato é encontrado exclusivamente na córnea. O heparan sulfato não está presente na cór­
nea, mas é encontrado na retina, no sistema nervoso central e na aorta.
Achados clínicos: as síndromes de Scheie, de Hurler-Scheie e de Hurler podem cursar com
glaucoma. Opacificação corneai, retinopatia e atrofia óptica estão presentes em todas, exceto

295
296 Doenças Externas Oculares e Córnea

na síndrome de Sanfilippo (apenas ocasionalmente, há opacidade corneai) e na síndrome de


Hunter (raramente há opacidades corneais). A opacidade pode envolver toda a córnea, princi­
palmente o estroma. Cursa lentamente, da periferia para o centro, e pode causar redução da
acuidade visual.
Anatomopatológico: Na biópsia de conjuntiva, pode-se observar vacuolização do citoplas­
ma. Não é possível uma diferenciação microscópica das síndromes. Há descrições de histióci-
tos carregados de material de acúmulo anormal (síndrome de Scheie), uma variação anormal
do tamanho das fibrilas estromais (síndromes de Scheie e de Morquio) e disrupção da matriz
extracelular por depósitos de GAG nos exames de difração de raios X e microscopia eletrônica
(síndrome de Morquio). Alterações endoteliais foram descritas.
Avaliação laboratorial: diagnóstico específico pode ser obtido por meio de análises bio­
químicas de enzimas nas lágrimas, leucócitos, células amnióticas ou fibroblastos cultivados e
dos níveis urinários elevados de GAG.
Procedimento: transplante penetrante pode ser indicado, a menos que o retardamento
mental ou as alterações retinianas contraindiquem. O êxito do transplante é relativo, pois
pode haver novo acúmulo de GAG no botão doador. Há relatos de aumento da longevidade e
melhora da opacidade corneai após transplante de medula óssea.

ALTERAÇÕES DO METABOLISMO E ARMAZENAMENTO DOS LIPÍDIOS

Hiperlipoproteinemias
Definição: são alterações do metabolismo que cursam com aumento das lipoproteínas séricas.
São divididas em cinco tipos distintos e que podem ser associados a alterações sistêmicas e
oculares. São condições comuns e podem estar associadas a doenças coronarianas prematuras
e doenças vasculares periféricas.
Patogênese: podem ser erros inatos do metabolismo (autossômicas dominantes nos tipos
II, IV e V, e autossômicas recessivas nos tipos I e III) ou secundárias a doenças sistêmicas. Ocor­
rem depósitos extracelulares de colesterol, ésteres de colesterol, fosfolipídios e triglicerídios.
No arco corneai, as avaliações histopatológicas demonstraram depósitos de lipídios na córnea
periférica que acometem o estroma, a membrana de Bowman e a de Descemet.
Achados clínicos: sistemicamente, podem ocorrer hepatosplenomegalia, pancreatite e
aterosclerose. As hiperlipoproteinemias dos tipos II e III são associadas ao aparecimento pre­
maturo de xantelasma e arcos corneai ou juvenil. Algumas hiperlipoproteinemias podem ter
xantomas de conjuntiva e/ou lipemia retinínica. O arco corneai é alteração degenerativa co­
mum em indivíduos idosos e, nesses casos, a avaliação sistêmica não é necessária. Porém,
quando o arco é muito assimétrico ou aparece antes dos 50 anos, hipeiiipoproteinemia deve
ser investigada. Distrofia cristaliniana central de Schnyder é um defeito localizado do meta­
bolismo lipídico, e a avaliação laboratorial do perfil lipídico é necessária para descartar anor­
malidade sistêmica.
Avaliação laboratorial: deve-se solicitar o perfil lipídico de jejum, com restrição de bebi­
das alcoólicas, que deve incluir colesterol, triglicerídeos e lipoproteínas de alta e baixa densi­
dades (HDL e LDL).
Doenças Metabólicas

Procedimento: tratamento clínico sistêmico (dieta e medicamentos). O reconhecimento


desses sinais oculares pode permitir uma intervenção precoce e a redução da morbidade.

Hipolipoproteinemias
Definição: a redução anormal dos níveis de lipoproteínas séricas ocorre em cinco doenças
distintas. As três primeiras cursam com alterações corneais e as duas últimas com alterações
retínicas:
Deficiência de lecitina colesterol aciltransferase (LCAT).
■ Doença de Tangier.
Doença do olho de Peixe (fish eye disease).
Hipobetalipoproteinemia familiar.
Síndrome de Bassen-Kornzweig.

Patogênese: as hipolipoproteinemias que afetam a córnea são raras e de herança autos-


sômica recessiva. A LCAT facilita a remoção do excesso de colesterol dos tecidos periféricos
pelo fígado, de modo que, na deficiência de LCAT, há acúmulo de colesterol livre nos teci­
dos. Posteriormente, surgem aterosclerose, insuficiência renal, anemia e opacidade corneai
difusa. Deficiência de LCAT e doença do olho de peixe são variantes alélicas do mesmo locus
genético no cromossomo 16q22.1. Na doença do olho de peixe, os níveis de LCAT são nor­
mais, mas não funcionam para auxiliar o HDL na esterificação do colesterol. Na doença de
Tangier, ocorre ausência completa de a-lipoproteínas de alta densidade. Histologicamente,
na deficiência de LCAT, vacúolos finos contendo muitas partículas eletrondensas são encon­
trados na camada de Bowman. Na doença de Tangier, são encontrados depósitos de lipídios
nos histiócitos, nas células de Schwann e nos fibroblastos de diversos tecidos, inclusive
córnea e conjuntiva.
Achados clínicos: deficiência familiar de LCAT é caracterizada por arco corneai perifé­
rico denso e nubécula estromal composta de múltiplos pontos acinzentados finos lipídicos
que aparecem prematuramente na infância, mas não interferem na visão. Podem apresentar
degeneração em shagreen anterior e posterior na meia periferia corneai. A doença do olho
de peixe apresenta opacidade corneai constituída por diminutos pontos branco-amarelados
em todas as camadas, exceto no epitélio, mais intensos na periferia. Diminuem a visão du­
rante a segunda década de vida. Há descrição da lesão comparando-a à de um olho de pei­
xe cozido. Na doença de Tangier, as amígdalas se apresentam alaranjadas e grandes, assim
como fígado, baço e linfonodos. As córneas apresentam opacidades difusas, mais intensas
no centro, opacidade focal no estroma posterior e não apresentam arco. Geralmente, não
reduzem a acuidade visual. A neuropatia pode causar alterações da musculatura ocular ex­
trínseca, lagoftalmo e ceratopatia por exposição. Indivíduos heterozigotos apresentam bai­
xas a-lipoproteínas séricas.
Avaliação laboratoral: perfil lipídico sérico evidenciando baixos níveis de HDL.
Procedimento: tratamento clínico apropriado e aconselhamento genético.
298 Doenças Externas Oculares e Córnea

Esfingolipidoses
Definição: são alterações inatas dos lípides complexos: gangliosídeos e esfingomielina. Afe­
tam principalmente a retina e podem causar disfunção do sistema nervoso central, exceto na
doença de Fabry. São raras e o envolvimento corneai pode ocorrer em quatro condições:
Doença de Fabry (angioqueratoma corpóreo difuso).
Deficiência de sulfatase múltipla.
Gangliosidose generalizada (gangliosidose GM1 tipo I).
■ Doença de Tay-Sachs.

Patogênese: são doenças autossômicas recessivas, exceto a doença de Fabry, que é re­
cessiva ligada ao X. Na doença de Fabry há deficiência de a-galactosidase A, com conse­
quente acúmulo de triexosídeo ceramida nos sistemas renal e cardiovascular. A deficiência
de sulfatase múltipla combina características da leucodistrofia metacromática e da mucopo-
lissacaridose.
A gangliosidose generalizada é caracterizada pela deficiência de a-galactosidases, com
acúmulo de gangliosídeos no sistema nervoso central e de queratan sulfato nos tecidos somá­
ticos. Na doença de Tay-Sachs, há deficiência de hexosaminidase A com acúmulo de ganglio­
sidose GM2. Primariamente, ocorre envolvimento da retina e, recentemente, demonstrou-se
envolvimento corneai, onde as células endoteliais aparecem distendidas e preenchidas por
vacúolos únicos ligados à membrana.
Achados clínicos: na doença de Fabry, as alterações corneais consistem em linhas em
forma de turbilhão (córnea verticilatta), que confluem para a região centro-inferior do epitélio
corneai. Outras alterações incluem edema periorbital em 25% dos casos, catarata posterior em
50% e aneurisma conjuntival em 60%. Podem ser encontrados papiledema, edema de retina ou
de mácula, atrofia óptica e dilatação vascular retiniana.
As alterações corneais surgem tanto em homens doentes (homozigotos) quanto em mu­
lheres portadoras (heterozigotas), porém as manifestações dermatológicas não se manifestam
nas portadoras.
Na deficiência de sulfatase múltipla, as crianças afetadas têm opacificação corneai difusa
tênue, atrofia óptica, degeneração pigmentar da retina, anomalias esqueléticas e retardo psi­
comotor progressivo. O óbito ocorre na primeira década.
A gangliosidose generalizada pode ter quadros que vão desde deficiência neurológica
grave com morte precoce até anormalidades esqueléticas com inteligência normal. Alguns
pacientes apresentam opacidade corneai leve e difusa.
Avaliação laboratorial: na doença de Fabry ocorrem diminuição acentuada de
a-galactosidase no plasma e na urina e excesso de galactosilceramida na lágrima, sangue e
urina. A biópsia conjuntival, com inclusões intracelulares birrefringentes, pode ser positiva
antes do aparecimento da córnea verticilatta.
Procedimento: se o paciente é portador (heterozigoto) assintomático da doença de Fabry,
deve ser encaminhado para aconselhamento genético. O prognóstico para transplante pene­
trante de córnea nessas condições é ruim.
Doenças Metabólicas

Mucolipidoses
Definição: essas doenças são uma combinação de erros inatos do metabolismo dos carboidra­
tos e dos lipídios.
Patogênese: são condições autossômicas recessivas, nas quais ocorre um defeito na enzi­
ma hidrolase lisossomal ácida. Têm características em comum com as mucopolissacaridoses e
lipidoses. As mucopolissacaridoses causam acúmulos na córnea e vísceras e as esfmgolipido-
ses depositam-se na retina e sistema nervoso central.
As doenças que atualmente são classificadas como mucolipidoses são:
Mucolipidose (MLS) I - sialidose dismórfica.
■ MLS II - doença da célula I.
MLS III - polidistrofia pseudo-Hurler.
■ MLS IV.
Síndome de Goldberg.
Manosidose.
Fucosidose.

O exame histopatológico de raspados corneais mostra acúmulo de material intracitoplasmáti-


co. Na MLS I, há inclusões de membrana única no epitélio corneai e nos ceratócitos e, raramente,
inclusões intracelulares de lamelas membranosas. Nas MLS II e III, os ceratócitos e os fibroblastos
do estroma da córnea e conjuntiva apresentam vacúolos ligados à membrana com inclusões de
lamelas membranosas fibrilogranulares finas e irregulares (células I ou de inclusão). Na MLS IV,
vacúolos intracitoplasmáticos limitados por membranas são encontrados nos epitélios corneai e
conjuntival e, em menor proporção, nos ceratócitos estromais e na substância própria conjuntival.
Esses vacúolos podem ser vesículas de membrana única contendo material fibrilogranular, sugesti­
vo de mucopolissacaridoses ou corpúsculos de lamelas membranosas constituídas de fosfolipídios.
Na fucosidose, células do endotélio corneai podem apresentar áreas confluentes de depósitos mul-
tilaminares, fibrilares e granulares limitados por membrana no citoplasma.
Achados clínicos: todas, exceto a manosidose e a fucosidose, caracterizam-se por graus
variados de opacidade corneai, que pode ser progressiva. Geralmente, a opacidade é obser-
r

vada no estroma (MLS I, II e III), epitélio (MLS I) ou difusa (MLS IV). E frequente a presença de
mancha vermelho-cereja na mácula, degeneração retiniana, atrofia óptica, catarata e, na MLS
II, glaucoma e megalocórnea.
Sistemicamente apresentam deformidades esqueléticas, retardo psicomotor e alterações
viscerais.
Avaliação laboratorial: as células plasmáticas são vacuoladas e as hidrolases lisossomais
plasmáticas encontram-se elevadas.
Na MLS IV com opacidade corneai desde o nascimento, a biópsia conjuntival mostra fibro­
blastos com corpúsculos de inclusão.
Não há evidência de mucopolissacaridúria nem de metacromasia celular.
Procedimento: transplantes penetrantes de córnea e lamelares têm sido descritos com
maus resultados, provavelmente porque a cicatrização da superfície é impedida pelas células
epiteliais anormais. Transplante de limbo pode melhorar o prognóstico nesses casos.
300 Doenças Externas Oculares e Córnea

ALTERAÇÕES DO METABOLISMO DOS AMINOÁCIDOS

Cistinose
Definição: doença metabólica caracterizada pelo acúmulo de cistina ácida nos lisossomos.
Procedimento: o uso de cisteamina (mercaptamina) sistêmica tem melhorado o curso da
doença e postergado a necessidade de transplante renal, porém não mostrou diminuir a pro­
porção de depósitos de cristais corneais. O uso tópico de colírio de cisteamina a 0,1 a 0,5%
de hora em hora reduz a densidade dos depósitos cristalinos e diminui a dor corneai, possi­
velmente devido ao decréscimo da ocorrência de erosões recorrentes. Entretanto, o uso do
colírio em baixas concentrações ou em intervalos maiores (4 vezes/dia) não se mostrou eficaz.
Presume-se que a cisteamina reaja com a cistina intracelular, formando um dissulfido cisteína-
cisteamina que se assemelha a lisina e que é transportado no lisossomo pelo sistema normal
de transporte da lisina. Observa-se recorrência dos depósitos no botão doador ao realizar-se
transplante penetrante de córnea.
Patogênese: a herança é autossômica recessiva. Ocorre um defeito no transporte através
da membrana lisossomal, provocando acúmulo de cistina livre nos lisossomos intracelulares.
Achados clínicos: pode apresentar-se nas formas infantil, intermediária ou adulta.
A forma infantil, ou nefropática, apresenta deficiências de crescimento características
(raquitismo) e disfunção renal progressiva (síndrome de Fanconi) com depósitos de finos
cristais de cistina policromáticos na conjuntiva, no estróina corneai e em outras partes do
olho, acompanhados de atrofia do epitélio pigmentar da retina periférica. Os cristais surgem
durante o primeiro ano de vida, são amorfos na conjuntiva e têm forma de agulha no estró­
ina corneal (Fig. 1). Depositam-se inicialmente no estróina corneai anterior e periférico e
progridem posterior e centripetamente. Essa forma é fatal na primeira década de vida caso
não se realize transplante renal. A forma intermediária, ou adolescente, tem envolvimento
renal menos intenso, podendo ser fatal na segunda ou terceira década de vida. Na forma
adulta, a expectativa de vida é normal e o único achado clínico é a presença dos cristais de
cistinose no estroma corneai. Os cristais geralmente não alteram a acuidade visual nem a vi­
são de cores, porém podem provocar ceratopatia puncttata (erosões recorrentes), fotofobia
e blefarospasmo.
Avaliação laboratorial: os cristais de cistina podem ser encontrados na biópsia conjunti-
val, no plasma sanguíneo e na medula óssea.

Fig. 1 C is tin o se em fo rm a a d u lta . C rista is e s tro m a is em


p a c ie n te a s s in to m á tic o .
Doenças Metabólicas

Procedimento: o uso de cisteamina (mercaptamina) sistêmica tem melhorado o curso da


doença e postergado a necessidade de transplante renal, porém não demonstrou diminuir a
proporção de depósitos de cristais corneais. O uso tópico de colírio de cisteamina a 0,1 a 0,5%
de hora em hora reduz a densidade dos depósitos cristalinos e diminui a dor corneai, possi­
velmente devido à redução das erosões recorrentes. Entretanto, o uso do colírio em baixas
concentrações ou em intervalos maiores (4 vezes/dia) não se mostrou eficaz. Presume-se que
a cisteamina reaja com a cistina intracelular, formando um dissulfido cisteína-cisteamina que
se assemelha a lisina e que é transportado no lisossomo pelo sistema normal de transporte
da lisina. Observa-se recorrência dos depósitos no botão doador ao realizar-se transplante
penetrante de córnea.

Tirosinemia
Definição: defeito enzimático que resulta em excesso de tirosina no sangue e urina.
Patogênese: doença autossômica recessiva dividida em tirosinemia tipo I (hepatorrenal)
sem envolvimento ocular, e tipo II (oculocutânea ou síndrome de Richner-Hanhart). Na tirosi­
nemia tipo 1, há defeito na tirosina aminotransferase (TAT).
Achados clínicos: a síndrome de Richner-Hanhart caracteriza-se por lesões hiperqueratóti-
cas nas palmas das mãos, plantas dos pés e cotovelos, acompanhadas de retardamento mental.
Os depósitos corneais são cristalinos, puntiformes e superficiais, e provocam episódios recor­
rentes de formação de pseudodendritos. Os episódios repetidos de quebra epitelial podem
causar vascularização corneai e deixar cicatrizes (Fig. 2).
Avaliação laboratorial: são encontradas hipertirosinemia e tirosinúria com níveis nor­
mais de fenilalanina. A biópsia revela deficiência de tirosina aminotransferase (TAT) solúvel
no tipo II.
Procedimento: restrição dietética de ingestão de tirosina e fenilalanina pode reduzir as
alterações sistêmicas e corneais.

Fig. 2 T iro s in e m ia tip o II.

Alcaptonúria
Definição: defeito no metabolismo da tirosina e fenilalanina que se transformam em alcapton
e se depositam nos tecidos causando a ocronose.
Patogênese: trata-se de doença autossômica recessiva rara, causada pela deficiência da
enzima homogentisada 1,2 dioxigenase. O metabolismo normal da fenilalanina e da tirosina
302 Doenças Externas Oculares e Córnea

produz ácido homogentísico. Na ausência dessa enzima, o ácido homogentísico não é meta-
bolizado, sendo oxidado e polimerizado em alcapton, um material de coloração acastanhada,
semelhante à melanina, que se deposita nos tecidos sob a forma de um pigmento escuro pro­
vocando ocronose. O ácido homogentísico na córnea é observado à microscopia óptica. Essa
doença ocorre em alta frequência na República Dominicana e na Eslováquia.
Achados clínicos: os pacientes desenvolvem artropatia, cálculos renais e pigmentação
das estruturas cartilaginosas, como lóbulos das orelhas, traqueia, nariz, tendões, dura-má-
ter, válvulas cardíacas e próstata. Eventualmente, os tendões dos músculos retos lateral e
medial e a esclera adjacente às inserções desenvolvem pigmentação esfumaçada. Opacida­
des puntiformes escuras podem aparecer no epitélio ou na camada de Bowman próxima ao
limbo.
Avaliação laboratorial: a urina torna-se escura e alcalina. A deficiência de oxidase homo-
gentísica ácida pode ser demonstrada.
Procedimento: não há tratamento específico, porém doses altas de ácido ascórbico têm
reduzido a artropatia em pacientes jovens.

ALTERAÇÕES DO METABOLISMO DAS PROTEÍNAS

Amiloidose
Definição: é um grupo heterogêneo de doenças caracterizado pelo acúmulo extracelular de
amiloide em vários tecidos e órgãos.
Patogênese: amiloide é um material eosinofílico que cora em vermelho com a tintura de
vermelho congo e apresenta birrefringência e metacromasia com coloração cristal violeta, fluo­
rescência na luz ultravioleta com coloração de tioflavina T e aparência tipicamente filamentosa
na microscopia eletrônica.
Achados clínicos: a amiloidose ocular pode ser classificada como primária (idiopática) ou
secundária, bem como localizada ou sistêmica.
Amiloidose primária localizada: é a forma mais comum de amiloidose ocular. Observam-se
placas de amiloide na conjuntiva. Na amiloidose familiar primária da córnea (distrofia gelati­
nosa em forma de gota), nódulos inicialmente esbranquiçados, depois amarelados, são depo­
sitados na superfície central da córnea. Outras formas de amiloidose primária localizada são a
distrofia lattice e a degeneração polimórfica amiloide.
Amiloidose primária sistêmica: é um grupo heterogêneo de doenças caracterizadas por
pápulas palpebrais equimóticas, opacidades e membranas vítreas, alterações dos reflexos pu­
pilares e dos músculos oculares extrínsecos (oftalmoplegia). Envolvimento corneai ocorre na
distrofia lattice tipo II (síndrome de Meretoja).
Amiloidose secundária localizada: surge em olhos com doenças inflamatórias crônicas pro­
longadas, tais como tracoma e ceratite intersticial. Os depósitos são tipicamente róseos ou
amarelados.
Amiloidose secundária sistêmica: pode estar associada a artrite reumatoide, febre mediter­
rânea, bronquiectasia e hanseníase. As pálpebras podem ser afetadas, sem comprometimento
da córnea.
Doenças Metabólicas

ALTERAÇÕES DA SÍNTESE DE IMUNOGLOBULINAS

O excesso da síntese de imunoglobulinas por células plasmáticas no mieloma múltiplo, na ma-


croglobulinemia de Waldenstrom e na gamopatia monoclonal benigna é raramente associado
a depósitos cristalinos na córnea.
Patogênese: a proliferação monoclonal de células plasmáticas leva à superprodução de
cadeias leves e/ou pesadas. Pode ocorrer devido à invasão tecidual direta, particulamente da
medula óssea, ou à síndrome da hiperviscosidade. Deposição de paraproteínas na córnea é
muito rara.
Achados clínicos: os achados oculares são depósitos cristalinos em todas as camadas da
córnea e da conjuntiva, depósito de cobre na córnea, espessamento do fluxo sanguíneo na
conjuntiva e retina, cistos proteicos na pars plana, infiltração da esclera e invasão dos ossos
orbitais com proptose. Os depósitos corneais são numerosos, cintilantes e policromáticos.
A macroglobulinemia de Waldenstrom é caracterizada por uma produção maligna de cé­
lulas plasmáticas geradoras de IgM, causando a síndrome da hiperviscosidade, principalmente
em homens idosos. Tem sido associada a depósitos de cristais em forma de agulha e depósitos
amorfos subepiteliais e estromais profundos.
Gamopatia monoclonal benigna é comum em pessoas acima dos 60 anos (até 6%). O exa­
me sistêmico nesses casos é negativo, mas um leve aumento nas paraproteínas é detectado.
Os achados biomicroscópicos são raros, presentes em 1 a 2% dos pacientes, e lembram os
cristais iridescentes do mieloma. Nas doenças autoimunes imunoproliferativas e na hepatite
B, podem estar presentes sinais de hiperviscosidade retiniana, depósitos cristalinos corneais,
ocasionalmente massas limbares amorfas e sinais de doença autoimune.
Avaliação laboratorial: depósitos cristalinos corneais podem ter muitas causas e o diag­
nóstico depende da aparência e localização na córnea. Eletroforese de proteínas séricas, ava­
liação geral de albumina/globulinas e níveis de cálcio são solicitados quando há suspeita clíni­
ca de excesso de imunoglobulinas.
Procedimento: geralmente não há necessidade de tratamento oftalmológico, a menos que
os depósitos amorfos alterem a visão e seja necessário removê-los com transplante lamelar. Os
cristais podem desaparecer lentamente após tratamento da doença de base.

ALTERAÇÕES DO METABOLISMO DO ÁCIDO NUCLEICO

Definição: é o depósito de urato nas articulações e nos rins, devido ao aumento do ácido úrico
circulante (hiperuricemia).
Patogênese: a hiperuricemia ocorre devido a um grupo heterogêneo de alterações do
metabolismo das purinas. Pode ser familiar, por uma deficiência enzimática ou secundária ou
poligênica. Hiperuricemia secundária à obesidade, quimioterapia citotóxica, doenças mielo-
proliferativas, terapia diurética ou alcoolismo são as mais comuns.
Achados clínicos: podem ocorrer inflamação aguda da esclera, episclera e conjuntiva e
depósitos finos no epitélio e estroma corneai, sem inflamação. Ceratopatia em faixa, de cor
alaranjada, pode ser observada raramente.
304 Doenças Externas Oculares e Córnea

Avaliação laboratorial: níveis de ácido úrico sérico estão tipicamente aumentados, porém
podem ser normais na presença de ceratopatia sem inflamação.
Procedimento: tratamento do quadro agudo com indometacina, colchicina ou fenilbuta-
zona. A redução dos níveis de ácido úrico a longo prazo pode ser obtida com o uso de alo-
purinol. Os depósitos superficiais podem ser removidos mecanicamente com debridamento
corneai ou ceratectomia.

ALTERAÇÕES DO METABOLISMO MINERAL

Doença de Wilson
Definição: é uma alteração do metabolismo do cobre, que se deposita em vários órgãos. Tam­
bém chamada de degeneração hepatolenticular.
Patogênese: é uma doença autossômica recessiva. A excreção biliar de cobre e a incorpo­
ração pela ceruloplasmina, uma enzima transportadora de cobre, estão gravemente debilita­
das nessa doença. O cobre deposita-se no fígado, posteriormente nos rins e, eventualmente,
no cérebro e na membrana de Descemet da córnea.
Achados clínicos: acúmulo progressivo de cobre no fígado, com consequente dano hepáti­
co. Aumento da rigidez muscular, tremores e movimentos involuntários gradualmente ocorrem
em um curso flutuante que se assemelha ao parkinsonismo. Deterioração intelectual e do com­
portamento podem ser sinais tardios. Na córnea há depósito de pigmento alaraniado em forma
de anel (anel de Kayser-Fleischer) periférico, que consiste em depósitos de cobre na lamela pos­
terior da membrana de Descemet. Inicia-se superiormente, estendendo-se gradualmente para
encontrar os depósitos inferiormente. Gonioscopia pode auxiliar na observação do anel.
O anel também pode ser observado em outras doenças hepáticas.
Avaliação laboratorial: ceruloplasmina sérica baixa, cobre sérico não ligado a ceruloplas­
mina alto e cobre urinário alto sugerem o diagnóstico, que pode ser confirmado pela bióp­
sia hepática. Proteinúria, aminoacidúria, glicosúria, hiperfosfatúria e ácido úrico na urina são
achados não específicos.
Procedimento: a doença de Wilson pode ser tratada com penicilamina. O anel de Kayser-
-Fleischer desaparece gradualmente com a terapia, esse sinal pode ser usado para monitorar
a terapia.

Hemocromatose
Definição: acúmulo de ferro em vários órgãos do corpo.
Patogênese: a hemocromatose pode ser idiopática, autossômica recessiva ou secundária
à absorção dietética excessiva de ferro ou a transfusões sanguíneas repetidas para anemias
refratárias.
Achados clínicos: as características principais são cirrose, diabetes melito, cardiomiopa-
tia, hiperpigmentação, artrite e hipergonadismo. Ocorre depósito do excesso de ferro na mar­
gem palpebral inferior e na conjuntiva perilimbar, invadindo a córnea periférica. A córnea
inferior é geralmente mais afetada que a superior.
Doenças Metabólicas

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Tumores da Conjuntiva
e da Córnea
Tumores da Conjuntiva
e da Córnea

RUTH MIYUKI SANTO

Os tumores da conjuntiva e da córnea serão considerados em conjunto porque, com frequên­


cia, ambos os tecidos são acometidos simultaneamente e porque apresentam características
histopatológicas semelhantes.
A conjuntiva constitui-se em um dos sítios mais frequentes para o desenvolvimento de
tumor ocular, tanto uma neoplasia verdadeira quanto uma lesão que simula tumor. Qualquer
um dos vários elementos que compõem a conjuntiva e o tecido subconjuntival poderá dar
origem a essas lesões:
Epitélio: cistos epiteliais, papiloma escamoso, hiperplasia benigna, placa ceratótica, displa­
sia, carcinoma.
Melanócitos: nevo, melanose, melanoma.
Anexos epidermais (carúncula): oncocitoma, adenoma pleomórfico, hiperplasia de glându­
las sebáceas, carcinoma de glândulas sebáceas.
Tecido conjuntivo: pinguécula, pterígio, “granuloma piogênico”, fibroistiocitoma, rabdo-
miossarcoma, leiomiossarcoma, sarcoma de Kaposi.
Tecido linfoide: hiperplasia linfoide benigna, linfoma.
Vasos sanguíneos: telangiectasias, angiomas.
Vasos linfáticos: linfangiectasias, linfangiomas.
Nervos: neurofibroma, neurilemoma.

Além das lesões anteriormente citadas, devem ser lembradas as benignas compostas por
elementos que normalmente não são encontrados na região acometida, também conhecidas
como coristomas. Como exemplos, dermoide epibulbar, dermolipoma, coristoma complexo e
glândula lacrimal ectópica.

309
310 Doenças Externas Oculares e Córnea

Os tumores metastáticos para a córnea e conjuntiva podem ocorrer, mas são extrema­
mente raros. Com maior frequência, essas lesões representam extensões de tumores do trato
uveal, pálpebras, órbita ou seios paranasais.
Os tumores conjuntivais representam um amplo espectro de lesões benignas e malignas,
algumas capazes de acarretar não somente a perda da visão como também da vida. A aborda­
gem correta dessas lesões compreende diagnóstico e tratamento apropriados.
A técnica básica para a obtenção de material para o diagnóstico de uma lesão conjuntival
é a biópsia excisional. Como a conjuntiva é um tecido bastante elástico, redundante e com
propriedades regenerativas, grandes ressecções podem ser realizadas sem que haja perda ou
cicatrização excessivas. A biópsia excisional tem dupla função: diagnóstica e terapêutica. Além
de prover material para o diagnóstico histopatológico, a excisão é frequentemente curativa.
Nos casos em que a excisão, isoladamente, é insuficiente para evitar a recidiva ou o desenvol­
vimento de metástases do tumor, terapias adjuvantes como a crioterapia, quimioterapia ou
radioterapia podem ser utilizadas.
A comunicação entre o oftalmologista que realizará a biópsia e o patologista é de funda­
mental importância. O patologista deve ser consultado antes do procedimento para estabele­
cer as técnicas ideais de excisão, manutenção e transporte do tecido. Se a conjuntiva excisada
não for preparada de modo adequado, ao ser imerso na solução fixadora, o tecido tende a
enrolar-se devido à sua elasticidade, dificultando o diagnóstico histopatológico, principalmen­
te no que diz respeito às margens cirúrgicas. Para evitar que isto aconteça, o tecido excisado
deve ser cuidadosamente estendido, com a face epitelial para cima, sobre um quadrado de
pedaço de papel, que pode ser o próprio papel do fio cirúrgico, umedecido com solução sali­
na. Para melhor orientação das margens cirúrgicas, devemos identificar pelo menos duas delas
com fios (p. ex., um fio curto para a margem superior e um fio longo para a margem temporal).
Um esquema do olho, com a orientação do local da excisão e dos fios, deve ser feito sistema­
ticamente no pedido de exame anatomopatológico ou no próprio papel onde está o material,
mas nesse caso usar lápis e não caneta esferográfica, pois a tinta será diluída pelo fixador. O
material deverá ser colocado, delicadamente, em um frasco contendo a solução fixadora. A
fixação ocorre imediatamente, quando o papel toca a solução e, em poucos minutos, vai para
o fundo do frasco (Fig. 1). A solução fixadora mais comumente utilizada é a formalina diluída
a 10%, em tampão de fosfato. O exame de congelação deverá ser solicitado somente quando

Fig* i O te c id o e x c is a d o d e v e se r c u id a d o s a m e n te e ste n d id o ,
co m a fa c e e p ite lia l p ara c im a , so b re um q u a d ra d o d e p e d a ç o
d e p a p e l. U m e s q u e m a do o lh o , co m a o rie n ta ç ã o d o lo cal da
e x c is ã o e d as m a rg e n s c irú rg ic a s , d e v e se r fe ito s is te m a tic a ­
m e n te . O m a te ria l d e v e rá se r c o lo c a d o d e lic a d a m e n te em um
fra sc o c o n te n d o a s o lu ç ã o fix a d o ra . A fix a ç ã o o c o rre im e d ia ta ­
m e n te , q u a n d o o p a p e l to c a a s o lu ç ã o e, em p o u c o s m in u to s,
va i p ara o fu n d o d o fra sco .
Tumores da Conjuntiva e da Córnea

as decisões intraoperatórias dependerem do resultado da biópsia. O exame de congelação é


muito útil para verificar se há comprometimento das margens pela neoplasia. Não convém
enviar toda a peça principal para a congelação, pois esse processo produz artefatos teciduais
que podem dificultar o diagnóstico correto, e, como as lesões de conjuntiva são pequenas,
pode não restar material para ser emblocado em parafina e efetuar o diagnóstico definitivo.
Com finalidades didáticas, as principais neoplasias e lesões que simulam tumores da con­
juntiva foram subdivididas em dois grupos: 1) tumores epiteliais e 2) tumores pigmentados.

A -TU M O R ES EPITELIAIS

Cistos epiteliais (cistos de inclusão epitelial)


Os cistos epiteliais são derivados de uma inclusão do epitélio conjuntival para dentro da subs-
tância própria, geralmente em consequência de trauma ou cirurgia (Fig. 2A). A medida que os
ninhos de células epiteliais proliferam, forma-se uma cavidade central cística. O revestimento
do cisto é composto por epitélio conjuntival não queratinizado (Fig. 2B). O cisto poderá conter
muco, se houver muitas células caliciformes no epitélio de revestimento.

Figs. I (l\eB) A. C isto d e in c lu s ã o e p ite lia l a p ó s c iru rg ia d e e s tra b is m o . B. R e v e s tim e n to in te rn o do cisto


d e in c lu s ã o e p ite lia l: e p ité lio c o n ju n tiv a l n ão c e ra tin iz a d o co m c é lu la s c a lic ifo rm e s (se ta s).

Papiloma escamoso
Os papilomas da conjuntiva são tumores benignos compostos por células epiteliais maduras e
têm sido associados à infecção pelo papilomavírus humano (Human papillomavinis - HPV), espe­
cialmente na população pediátrica. Apresentam-se como lesões translúcidas contendo uma rede
vascular com projeções radiais que assumem um aspecto arboriforme, podendo ser bilaterais
(Fig. 3). Lesões no grupo pediátrico tendem a ser pequenas, localizadas no fórnice inferior, ca-
rúncula ou limbo e podem ser múltiplas. Os papilomas apresentam geralmente um crescimento
exofítico, podendo ser pedunculados ou sésseis. Mais raramente, nos chamados papilomas in-
312 Doenças Externas Oculares e Córnea

vertidos, o crescimento ocorre para dentro do estroma conjuntival. Ao exame histopatológico,


as lesões são compostas por múltiplas projeções, recobertas por epitélio estratificado não que-
ratinizado, frequentemente espessado (acantótico), e contendo um cerne de tecido conjuntivo
vascularizado (Fig. 4A). A membrana basal do epitélio encontra-se sempre intacta. Embora rara,
a transformação maligna pode ocorrer nas lesões do grupo etário mais avançado ou mesmo nos
casos de papilomatose difusa. Nos papilomas infecciosos, observa-se o efeito citopático do vírus
nas células epiteliais, como a presença do halo perinuclear (Fig. 4B).

P a p ilo m a e s c a m o s o : le sã o tra n s lú c id a co m u m a red e


v a s c u la r ra d ia l.

Figs. * ( Ve S) A. E x a m e m ic ro s c ó p ic o do p a p ilo m a : m ú ltip la s p ro je ç õ e s co m a rra n jo a rb o rifo rm e re c o b e rta s


p o r e p ité lio e s tra tific a d o n ão c e ra tin iz a d o . B. Nos p a p ilo m a s in fe c c io so s , o b se rv a -s e o e fe ito c ito p á tic o do
v íru s n as c é lu la s e p ite lia is , c o m o a p re se n ç a d o h a lo p e rin u c le a r (se ta s).

Placa ceratótica
A placa ceratótica ou leucoplasia (Fig. 5A) representa, histologicamente, uma hiperceratose
do epitélio conjuntival (Fig. 5B). Como normalmente a conjuntiva é revestida por um epitélio
não queratinizado, qualquer formação de queratina é considerada uma hiperceratose. Embora
seja uma lesão benigna, a placa ceratótica pode aparecer associada à ceratose actínica (lesão
pré-neoplásica) bem como às lesões malignas da conjuntiva.
Tumores da Conjuntiva e da Córnea

Figs. i (\ e B) A. A s p e c to c lín ic o da p la ca c e ra tó tic a ou le u c o p la s ia . B. D o p o n to d e v is ta h is to ló g ic o , re p re ­


se n ta u m a h ip e rc e ra to s e d o e p ité lio c o n ju n tiv a l.

Ceratose actínica (ceratose senil, ceratose solar)


Como o nome sugere, acredita-se que essa lesão esteja relacionada com a exposição prolon­
gada da conjuntiva à radiação ultravioleta. Ao exame histológico, observam-se acantose (au­
mento de espessura), hiperceratose, paraceratose (retenção do núcleo na camada de ceratina)
e um grau variável de atipia e ceratinização individual das células epiteliais (disceratose), além
de um infiltrado inflamatório crônico inespecífico e degeneração do colágeno na substância
própria da conjuntiva. É considerada uma condição pré-neoplásica da conjuntiva, ou seja, que
apresenta potencial para transformação maligna.

Xeroderma pigmentoso
O xeroderma pigmentoso, doença autossômica recessiva em que há um defeito genético no
processo de reparo do DNA, pode cursar com o aparecimento de lesões da conjuntiva, que
variam desde a displasia até o carcinoma espinocelular invasivo.

Neoplasia intraepitelial da conjuntiva (NIC)


Desde a sua primeira descrição, em 1849, por Bowman, a classificação das neoplasias epiteliais da
conjuntiva e da córnea mudou consideravelmente. Em 1912, Bowen descreveu o carcinoma in situ
da pele e essa entidade passou a ser conhecida como doença de Bowen. McGavic, em 1942, ao
estudar as lesões intraepiteliais da conjuntiva, notou semelhança dessas lesões com as descritas
por Bowen, sugerindo o uso do termo “doença de Bowen da conjuntiva”. Em 1984, Pizzarello &
Jakobiec enfatizaram que a displasia epitelial, o carcinoma in situ e o carcinoma espinocelular não
representam entidades separadas, mas formam um espectro contínuo de doenças conhecido como
neoplasia intraepitelial. Essa terminologia foi sugerida em analogia às lesões do cérvice uterino e
engloba as displasias e o carcinoma in situ da conjuntiva. O termo doença de Bowen para caracte­
rizar o carcinoma in situ, apesar de consagrado pelo uso, não deve ser aplicado à conjuntiva. Esse
termo refere-se à uma entidade dermatológica bem determinada na qual as lesões de pele apresen­
tam características peculiares e estão associadas, com grande frequência, a malignidade visceral.
Apesar das semelhanças histopatológicas da neoplasia intraepitelial da conjuntiva com
a do cérvice uterino, na conjuntiva, a transformação maligna é observada em apenas 5% dos
314 Doenças Externas Oculares e Córnea

casos, enquanto, na neoplasia intraepitelial cervical, essa taxa é cerca de 50%. Acredita-se que
as neoplasias epiteliais tenham origem a partir das células germinativas (stem cells) do limbo.
Por essa razão, essas lesões ocorrem, quase que invarialvelmente, na região do limbo corne-
oconjuntival.
Na displasia conjuntival ocorre uma perturbação do arranjo epitelial com o aparecimento
de atipia celular. De acordo com o grau de atipia celular, as displasias podem ser classificadas
em leve, moderada e grave. Essas lesões podem estar relacionadas à exposição solar (ceratose
actínica) e já foi sugerida a participação da infecção por certos tipos de papilomavírus (sobre­
tudo os tipos 16 e 18) na sua patogênese. Clinicamente, apresentam-se como lesões de aspec­
to gelatinoso, de limites pouco definidos. Em alguns casos, a lesão pode assumir um aspecto
papilomatoso, porém com irregularidade dos vasos e imprecisão dos limites (Fig. 6). Apenas
pelo aspecto clínico, nem sempre é possível diferenciar uma displasia de um carcinoma in situ.
Mesmo no exame histopatológico, a diferenciação entre as duas lesões pode ser muito difí­
cil. O carcinoma in situ representa o extremo maligno do espectro das displasias conjuntivais,
quando células atípicas ocupam toda a espessura do epitélio sem, porém, ultrapassarem a
membrana basal (Fig. 7).

Fig. 6 C a rc in o m a in situ da c o n ju n tiv a : le sã o d e a s p e c to p a p i­


lo m a to so , co m irre g u la rid a d e d o s v a so s e im p re c is ã o dos
lim ite s.

Fig. 7 C a rc in o m a in situ : c é lu la s a típ ic a s o c u p a n d o to d a a


e s p e s su ra d o e p ité lio sem u ltra p a s s a re m a m e m b ra n a b a sa l.

Carcinoma espinocelular (epidermoide) da conjuntiva (CEC)


No carcinoma espinocelular, as células atípicas rompem a barreira da membrana basal do epi­
télio e invadem a substância própria da conjuntiva. Acredita-se que o carcinoma espinocelular
seja uma progressão da neoplasia intraepitelial da conjuntiva. Clinicamente, as duas lesões
Tumores da Conjuntiva e da Córnea

podem ser indistinguíveis, sobretudo as menores. A maior parte das lesões localiza-se na área
interpalpebral ou região perilímbica. Podem assumir um crescimento papilomatoso (Fig. 8) ou
ter um aspecto leucoplásico (Fig. 9).
Nos países desenvolvidos é uma afecção de indivíduos mais idosos, mas, em nosso meio,
r r
na Asia e na África, é relativamente frequente em indivíduos jovens. A invasão intraocular e a
disseminação também não são incomuns. As metástases ocorrem por disseminação linfática
para os linfonodos submandibulares ou pré-auriculares.
Histologicamente, a maioria dos carcinomas espinocelulares da conjuntiva são lesões bem
diferenciadas. O estroma apresenta infiltrado inflamatório e contém coleções de células epite-
liais atípicas que romperam a barreira da membrana basal do epitélio, invadindo a substância
própria da conjuntiva (Fig. 10). Existe uma grande variação no tamanho e na configuração das
células que invadem a conjuntiva e, dependendo do grau de diferenciação, podem ser obser­
vadas queratinização superficial, disceratose e formação de coleções de células queratinizadas
(“pérolas” córneas).
Como o diagnóstico definitivo entre NIC e CEC é sempre histopatológico e considerando
a baixa agressividade do CEC, o tratamento inicial para este é excisão e crioterapia como na
NIC. Quando há invasão intraocular, a conduta é a enucleação. Considera-se a possibilidade
de exenteração em duas situações: 1) nos raros casos de carcinoma mucoepidermoide, uma
forma agressiva do CEC e com invasão orbitária; 2) nos casos de CEC com envolvimento da
pálpebra e dos fórnices conjuntivais, tornando exígua a possibilidade de extirpação total do
tumor com uma cirurgia mais conservadora.

Fig. 8 C a rc in o m a e s p in o c e lu la r da c o n ju n tiv a co m c re s c i­
m e n to p a p ilo m a to s o .

Fig. 9 C a rc in o m a e s p in o c e lu la r da c o n ju n tiv a co m a s p e c to
le u c o p lá s ic o .
316 Doenças Externas Oculares e Córnea

Fig. 10 C a rc in o m a e s p in o c e lu la r in v a s iv o : c o le ç õ e s d e c é lu la s
e p ite lia is a típ ic a s q u e ro m p e ra m a b a rre ira da m e m b ra n a b asal
d o e p ité lio in v a d in d o a s u b s tâ n c ia p ró p ria da c o n ju n tiv a .

Carcinoma mucoepidermoide
Nessa neoplasia epitelial maligna, observam-se porções com características de carcinoma es­
pinocelular e outras contendo células produtoras de muco. Essas lesões são pouco frequentes
e surgem em indivíduos mais idosos, por volta da sétima década de vida. São mais agressivos
que o carcinoma espinocelular, com maior tendência à invasão orbitária e à recidiva após ex-
cisão.

B - TUMORES PIGMENTADOS

As lesões melanocíticas da conjuntiva causam, de modo geral, uma certa ansiedade ao oftal­
mologista, já que a taxa de mortalidade nos pacientes com melanoma de conjuntiva é próxima
de 25%. No entanto, nem todas as lesões pigmentadas representam proliferação de melanóci-
tos. Em alguns casos, a pigmentação decorre da liberação de melanina pelos melanócitos. A
melanina é fagocitada por macrófagos (melanófagos), e os agregados de melanófagos podem
dar um aspecto enegrecido e espessado à conjuntiva, sem representar melanoma. E, para
maior confusão, algumas proliferações melanocíticas podem ser amelanóticas, ou seja, sem
pigmento por conter melanócitos com poucos melanossomos.
Por razões embriológicas, as lesões melanocíticas da conjuntiva têm comportamento se­
melhante às lesões melanocíticas da pele. Os melanócitos da pele e da conjuntiva têm origem
a partir da crista neural e migram para as camadas basais do epitélio ou para o tecido conjun­
tivo subepitelial da episclera ou da esclera. As lesões melanocíticas da conjuntiva clinicamente
mais importantes são o nevo, a melanose adquirida primária e o melanoma.
Tumores da Conjuntiva e da Córnea

Nevo
Os nevos de conjuntiva são as lesões melanocíticas mais comuns na infância. Localizam-se, em
geral, na região interpalpebral, no limbo, na prega semilunar ou na carúncula. Inicialmente,
as células névicas formam ninhos na interface entre o epitélio e a região subepitelial (nevo
juncional). O nevo puramente juncional é encontrado apenas em crianças e representa um
estágio temporário. A seguir, células névicas proliferam para dentro da substância própria da
conjuntiva, formando o nevo composto (juncional e subepitelial), que são os mais frequentes.
Essas lesões apresentam-se espessadas e frequentemente contêm cistos de inclusão epitelial.
Em alguns casos, o componente juncional pode regredir permanecendo apenas o componente
subepitelial (nevo subepitelial). Os nevos que não apresentam atividade juncional têm poten­
cial mínimo para malignidade. Alguns nevos conjuntivais podem apresentar-se sem pigmento
(Fig. 11).
Embora sejam lesões benignas, uma parte dos nevos pode sofrer transformação maligna.
Lesões pigmentadas em crianças representam, quase que exclusivamente, nevos. Raros casos
de melanoma maligno da conjuntiva foram descritos em pacientes com menos de 20 anos
de idade. Em geral, a conduta nos nevos durante a infância inclui a documentação e o acom­
panhamento periódico do tamanho e da posição da lesão. Como os nevos de região tarsal e
fórnice são raros, lesões pigmentadas nessas regiões devem ser biopsiadas independente da
idade do paciente.
Um tipo mais raro de nevo é o chamado nevo azul, formado por células da crista neural
que não alcançam o epitélio e permanecem na substância própria da conjuntiva. Clinicamen­
te, aparecem como lesões de coloração negra ou marrom e se movem com a conjuntiva,
diferentemente das lesões que representam uma extensão escleral de um tumor intraocular
pigmentado.
Embora benignos, entre 14 e 35% dos melanomas malignos de conjuntiva derivam de ne­
vos, tornando importante a decisão entre observação e ressecção cirúrgica. Como regra geral,
observam-se todas as lesões em crianças. Nos adultos, principalmente após a quarta década
de vida, pode-se optar entre a observação e a excisão. Caso a decisão seja cirúrgica, a técnica
é a biópsia excisional, com margem de segurança, como aquela descrita para a NIC, sem sutura
ou enxerto. Deve-se ter cuidado no momento da manipulação do material para não ocasionar
artefatos de pinçamento. Tais artefatos dificultam a análise histopatológica definitiva pelo
patologista.

Fig. 11 N evo c o n ju n tiv a l sem p ig m e n to (a m e la n ó tic o ).


318 Doenças Externas Oculares e Córnea

Melanose adquirida primária


A melanose adquirida primária (MAP) apresenta-se como uma lesão unilateral, pigmentada,
plana, difusa na conjuntiva de indivíduos de meia-idade, geralmente da raça branca (Fig. 12).
Ocorre com maior frequência no limbo, mas pode surgir nas conjuntivas palpebral ou dos
fórnices, ou ainda difundir-se pelo epitélio corneano. Essa condição deve ser diferenciada da
melanocitose ocular congênita (Fig. 13), na qual os melanócitos falham na sua migração para o
epitélio e ficam sequestrados nos tecidos moles da órbita, nas meninges do nervo óptico, na
derme palpebral (nevo de Ota), na úvea, na esclera e na episclera. A coloração das lesões tende
a cinza em vez de marrom. Na melanocitose ocular congênita, a conjuntiva propriamente dita
pode não ser afetada.
A classificação da MAP tem sido modificada ao longo dos anos. Originalmente dividi­
da em melanose pré-cancerosa e cancerosa, atualmente preferem-se os termos MAP com ou
sem atipia, dependendo do exame histopatológico. Folberg et al. encontraram uma taxa de
progressão para melanoma de quase 50%, nos casos de MAP com atipia. Quanto à MAP sem
atipia, de modo geral, não é considerada uma lesão precursora do melanoma da conjuntiva.
Entretanto, como as MAP com e sem atipia são indistinguíveis ao exame clínico, a maioria dos
autores sugere a biópsia em todos os casos de melanose conjuntival unilateral, em indivíduos
de meia-idade (Figs. 14A e B).

Fig. 1 M e la n o se a d q u irid a p rim á ria .

Fig. 13 M e la n o c ito s e o c u la r c o n g ê n ita : os m e la n ó c ito s fa lh a m


na sua m ig ra ç ã o p ara o e p ité lio e fic a m s e q u e s tra d o s n o s te c id o s
m o le s da ó rb ita , n as m e n in g e s d o n e rv o ó p tic o , na d e rm e p a l­
p e b ra l (n e v o d e O ta ), na ú v e a , na e sc le ra e na e p is c le ra . A c o lo ­
ra çã o d as le sõ e s te n d e a c in z a em v e z d e m a rro m e a c o n ju n tiv a
p ro p ria m e n te d ita n ão e stá a fe ta d a .
Tumores da Conjuntiva e da Córnea

Figs. 14 ((\ e B) A. Na m e la n o s e a d q u irid a p rim á ria sem a tip ia , os m e la n ó c ito s re strin g e m -se à re g ião b asal
do e p ité lio e n ão a p re s e n ta m a tip ia s . B. Na M A P co m a tip ia , m e la n ó c ito s a típ ic o s te n d e m a in v a d ir as c a m a d a s
do e p ité lio .

Se a decisão é a biópsia de uma pequena área da MAP, esta é realizada como na exérese do
nevo. A conjuntiva palpebral e os fórnices devem ser cuidadosamente examinados nos casos
de MAP, já que lesões benignas são raras nessas localizações. Se a área de MAP é extensa, múl­
tiplas pequenas áreas devem ser biopsiadas, ao invés de uma ressecção ampla. O mapeamento
das áreas biopsiadas deve ser feito, cuidadadosamente anotado e informado ao patologista.
As áreas biopsiadas não devem ser suturadas. Se o resultado for uma MAP sem atipias, o pa­
ciente é acompanhado periodicamente. Se o resultado anatomopatológico revelar MAP com
atipia, o tratamento, na forma de excisão com crioterapia, está indicado para erradicar a lesão
e prevenir o desenvolvimento de melanoma. Todo o pigmento sobre a córnea deve ser remo­
vido durante o procedimento cirúrgico, por meio de uma ceratectomia superficial com lâmina
de bisturi, e a Bowman exposta deve ser tratada com um cotonete embebido em álcool absolu­
to. Efeitos colaterais da crioterapia incluem formação de simbléfero, pseudopterígio, necrose
r

do segmento anterior. E recomendada, como terapia adjuvante, no caso de MAP múltiplas com
atipia, a quimioterapia tópica com uso de fármacos como a mitomicina C, em concentrações
r

que variam de 0,02 a 0,04%, 4 vezes/dia. E importante, nos casos de MAP com atipia, o exame
dos linfonodos pré-auriculares e cervicais para diagnosticar doença metastática.

Melanoma maligno da conjuntiva


O melanoma da conjuntiva é uma neoplasia rara. Compreende cerca de 2% dos melanomas
oculares e menos de 1% de todos os tumores malignos do olho. Ocorre em indivíduos por
volta da quarta à sétima décadas de vida, sendo excepcional em crianças, e apresenta uma
preferência pelo sexo feminino. Clinicamente, aparece como massa nodular ou elevada, com
pigmentação variável. Embora possa surgir em qualquer localização, é mais comum na área
interpalpebral, próxima ao limbo. Com menor frequência aparece nas conjuntivas tarsais
(Fig. 15), nos fórnices, na carúncula ou na margem palpebral. O melanoma pode ter origem
a partir de nevo, de MAP ou “de novo” , ou seja, sem lesão preexistente. A maior parte dos
melanomas tem associação com MAP. Por isso, qualquer lesão pigmentada em idosos, so­
bretudo se há evidência de crescimento ou aumento de espessura, deve ser suspeitada e
tratada como melanoma. O Quadro 1 resume as características clínicas do nevo, da MAP e
do melanoma.
320 Doenças Externas Oculares e Córnea

Fig. 15 M e la n o m a c o n ju n tiv a l: m a ssa n o d u la r p ig m e n ta d a


na c o n ju n tiv a ta rsa l su p e rio r.

QUADRO 1 C o m p a ra ç ã o d as c a ra c te rís tic a s c lín ic a s d o n e v o c o n ju n tiv a l, da m e la n o s e a d q u irid a p rim á ria


e d o m e la n o m a da c o n ju n tiv a

N evo M e la n o se a d q u irid a p rim ária M e la n o m a


(MAP)

Localização Área co n ju n tiva b ulb ar (raro nos Q u alq u er região Q u alq u er região
fó rn ices ou na co n ju n tiva tarsal)

Coloração A castanh ad a ou não p igm entada M arrom -dourada ou achocolatada Pigm entada ou não
(raram ente sem pigm ento: pigm entada
melanosis sine pigmento)
Cistos Presentes ou não A usentes Presentes ou não

Espessura Plana ou elevada Plana N odular ou elevada

M obilidade Sem pre m óvel Sem pre m óvel G eralm en te m óvel

Bordas Bem d efinidas Indistintas Indistintas

Histologicamente, os melanócitos atípicos do epitélio invadem a substância própria da


conjuntiva. Os tipos celulares variam entre células fusiformes, epitelioides e poliédricas. Dife­
rentemente dos melanomas uveais, o tipo citológico não tem significado prognóstico. Em al­
guns casos, principalmente nos tumores amelanóticos com predomínio de células fusiformes,
o diagnóstico diferencial com a variante de células fusiformes do carcinoma espinocelular
pode ser difícil pelas técnicas habituais. Os métodos imuno-histoquímicos podem ser de auxí­
lio: a expressão de proteína S-100, presença de células positivas para HMB-45 e a não reativi-
dade para citoqueratinas favorecem o diagnóstico de melanoma.
r

E importante ter em mente que o comportamento do melanoma da conjuntiva assemelha-


-se ao do melanoma cutâneo e não ao do melanoma uveal. Em contraste com o melanoma da
úvea, que quase nunca dá metástases para os linfonodos regionais, o melanoma conjuntival,
como o cutâneo, mostra tendência à invasão dos canais linfáticos e difusão para os linfonodos
regionais. Os linfonodos pré-auriculares e intraparotídeos são mais frequentemente acometi­
dos que os grupos submandibular e cervical. Portanto, é muito importante que o oftalmolo­
gista registre o resultado do exame desses grupos de linfonodos quando do seguimento de
pacientes com melanoma conjuntival.
Atualmente, a excisão com crioterapia, conforme a descrição para a MAP com atipia, é
a técnica de escolha para os melanomas da conjuntiva. Durante anos, a exenteração foi tida
Tumores da Conjuntiva e da Córnea

como o tratamento mais seguro. Hoje, porém, sabe-se que a retirada do olho não influencia
a taxa de metástases. Os casos mais avançados podem requerer enucleação ou exenteração.

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o
*< Trauma
Traumas Químicos, Térmicos,
Elétricos, Barométricos e por
Radiação
MILTON RUIZ ALVES • YOSHITAKA NAKASHIMA • AUGUSTO AKIO NAKASHIMA

O trauma ocular é a causa mais importante de perda visual unilateral, principalmente em paí­
ses em desenvolvimento. Acredita-se que 90% dessas lesões sejam evitáveis. Os traumas ocula­
res podem ser mecânicos, químicos, elétricos ou térmicos. Os traumas mecânicos se dividem
em abertos e fechados, conforme apresentarem ou não comprometimento de espessura total
da parede ocular. Os traumas fechados são as contusões, lacerações lamelares e corpos estra­
nhos superficiais. Os traumas abertos se dividem em lacerações e roturas. As lacerações abran­
gem os ferimentos penetrantes, perfurantes e corpos estranhos intraoculares. Contusões são
traumas fechados resultantes do impacto com objetos pontiagudos. Lacerações lamelares são
traumas fechados da parede do bulbo ocular ou da conjuntiva bulbar causados por objeto cor­
tante. Rotura resulta de lesão provocada por objeto rombo. Lesão penetrante do bulbo ocu­
lar decorre da ação de objeto cortante, que provoca ferimento de espessura total do bulbo.
Quando o objeto provoca duas lesões de espessura total (orifícios de entrada e saída), a lesão
é chamada de perfurante do bulbo ocular.

TRAUMATISMOS QUÍMICOS

Queimaduras químicas são frequentemente bilaterais, potencialmente devastadoras e res­


ponsáveis por cerca de 7 a 10% de todos os traumatismos oculares. Causam lesões oculares
por produção de calor, desidratação, degeneração corneai, necrose de vasos e produção de
enzimas tóxicas (colagenase). Os principais tipos de queimaduras são produzidos por álcali
(hidróxido de cálcio, hidróxido de sódio e hidróxido de amónia), por ácidos (clorídrico, ní­
trico e sulfúrico) e por outros (gás de mostarda, formaldeído, anilina e sais). Esses agentes
caracterizam-se pela rapidez com que induzem alterações teciduais: esfoliação do epitélio
corneoconjuntival, opacificação e desintegração de células do estroma corneai, fragmentação
do endotélio e irite. A gravidade da lesão relaciona-se com a concentração do agente agressor,
326 Doenças Externas Oculares e Córnea

com a duração em que se expõe o bulbo ocular ao agente em ação, com o pH da solução e com
a velocidade que o fármaco penetra no olho.
Hughes (1946) classificou as queimaduras químicas conforme a gravidade e prognóstico
das lesões, e tal classificação foi modificada por Ballen (1964) e Roper-Hall (1965):

GRAU I - PROGNÓSTICO BOM


a. Desepitelização parcial da córnea.
b. Discreta opacificação corneai.
c. Ausência de necrose na conjuntiva e esclera.

GRAU II - PROGNÓSTICO BOM


a. Opacificação corneai permitindo visualização de minúcias da íris.
b. Isquemia de menos de um terço do limbo.

GRAU III - PROGNÓSTICO RESERVADO


a. Perda epitelial total.
b. Opacificação corneai obscurecendo a visualização de minúcias da íris.
c. Isquemia de um terço a metade do limbo.

GRAU I V - PROGNÓSTICO RUIM


a. Córnea opalescente com desepitelização total.
b. Isquemia de mais de metade do limbo.

As queimaduras de graus I e II têm evolução boa sem perda de acuidade visual (Fig. 1).
As queimaduras de grau III têm evolução dependente da extensão das lesões corneai e
perilímbica.
As queimaduras de grau IV, em que a área de isquemia e necrose atinge mais da metade
do limbo, podem evoluir para perfuração (Fig. 2). Essa necrose corneai se dá pela produção
de colagenase, principalmente pelo epitélio corneai em regeneração com pouca vitalidade. As
complicações mais comuns são: simbléfaro, úlceras corneais recorrentes, perfuração corneai,
leucoma, irites persistentes, glaucoma secundário e catarata.

k Fig. 1 Q u e im a d u ra d e g rau I co m p e rd a p a rcia l d o e p ité lio


c o rn e a i se m is q u e m ia lím b ic a .
Traumas Químicos, Térmicos, Elétricos, Barométricos e por Radiação

F ig . I Q u e im a d u ra d e g rau IV co m c ó rn e a o p a c a e isq u e m ia
d e m ais d e m e ta d e da áre a lím b ic a .

As queimaduras por ácidos desnaturam e precipitam as proteínas teciduais. Soluções áci­


das causam menos lesão tecidual grave do que as soluções alcalinas, devido à sua capacidade
de tamponamento tecidual, bem como pela barreira à penetração formada pelas proteínas
precipitadas.

Tratamento clínico
A irrigação imediata com água de torneira ou soro fisiológico é o tratamento que pode salvar
o olho traumatizado. Não se devem usar soluções ácidas para neutralizar álcali ou vice-versa.
Deve-se colocar blefarostato e instilar anestésico tópico. Imediatamente, deve-se irrigar o
olho com água corrente durante 20 a 30 minutos (a água corrente pode ser substituída por
soro fisiológico se este estiver à mão). Deve-se colocar o olho em contato com água corrente
de torneira para irrigação. Deve-se puxar as pálpebras, inferior e superior, para irrigar bem
a conjuntiva embaixo delas (fundo-de-saco superior e inferior). Usar uma zaragatoa (cotone-
teR) umedecida para remover partículas de material cáustico ou conjuntiva necrótica que po­
dem conter resíduos do cáustico. Partículas de hidróxido de cálcio são mais bem removidas
usando-se zaragatoa embebida com solução de EDTA 0,01 M. No hospital, a irrigação deve
continuar com solução salina balanceada estéril ou Ringer lactato. Pode ser feita com o tubo
de irrigação de equipo intravenoso ou lente de irrigação de Morgan (Mor-Tan Inc). Deve-se
monitorar o pH conjuntival com tiras de papel de Litmus, 5 a 10 minutos após a irrigação. Se
o pH estiver abaixo de 7, continuar com a irrigação. Se o pH não puder ser avaliado, melhor
prolongar o período de irrigação.
Paracentese de câmara anterior, com esvaziamento do conteúdo e substituição por solu­
ção salina balanceada, pode ser indicada agudamente em casos muito graves, com a finalidade
de diminuir a tensão intraocular e diluir o agente químico intraocular, embora isso seja con­
troverso.
Nos casos graves, pode-se utilizar ácido ascórbico a 10^6, 1 gota 2/2 h durante vários dias
e vitamina C sistêmica (2 g/dia) para reduzir a incidência de ulceração de córnea. Experimen­
tos em coelhos mostraram que altas doses de ácido ascórbico promovem síntese de colágeno
no olho quimicamente traumatizado. A vitamina C atua como cofator na síntese do colágeno.
Contudo, pacientes com alteração de função renal não são bons candidatos para essa con­
duta, por ser uma terapia potencialmente tóxica para os rins. O tratamento clínico inclui o
uso tópico de pomada oftálmica de antibiótico, cicloplégico (evitar fenilefrina pelo seu efeito
vasoconstritor) e curativo oclusivo. Deve-se prescrever analgésico via oral e inibidor da ani-
drase carbônica (acetazolamida, 250 mg VO 2 a 4 vezes/dia) e colírio betabloqueador (timolol
330 Doenças Externas Oculares e Córnea

Queimaduras térmicas costumam lesionar mais as pálpebras do que o bulbo ocular. A


pálpebra queimada em alguns dias sofre cicatrização e retração, deixando o bulbo ocular ex­
posto, sendo necessária sua proteção com pomadas ou lente de contato gelatinosa até que a
correção cirúrgica do defeito palpebral seja efetuada.
Especial referência deve ser feita à queimadura corneai com cinza de cigarro. O aciden­
te geralmente ocorre quando o pai com cigarro aceso abraça a criança, que corre a seu en­
contro ou quando está carregando a criança. Parte da cinza em geral fica aderida à córnea.
Como a temperatura da cinza não é alta e o lacrimejamento a resfria, essas queimaduras
quase nunca são graves. Deve-se remover os resíduos da cinza da córnea e prescrever colírio
com antibiótico.

TRAUMATISMOS ELÉTRICOS

Os traumatismos elétricos atuam por meio do aumento da temperatura, agindo sobretudo


pela coagulação de proteínas. Podem causar as seguintes lesões oculares:
Pele e pálpebras: eritema, edema, hematoma e até necrose.
Conjuntivas: hiperemia e quemose.
Córnea: edema, opacificação intersticial, ceratite ponteada, estriada e difusa.
r

■ íris e corpo ciliar: iridociclite e, às vezes, hifema.


Cristalino: catarata. O tempo de aparecimento da opacidade é variável; as alterações ocor­
rem principalmente na cápsula anterior e no córtex; a evolução varia consideravelmente,
podendo regredir espontaneamente.
Vítreo: opacidades finas.
Coroide e retina: hemorragia e rotura de coroide, descolamento de retina.
Nervo óptico: papiledema, neurite óptica que pode evoluir para atrofia.

Traumatismos barométricos:
As alterações da pressão atmosférica causam efeitos oculares por agirem principalmente
na dinâmica dos gases 0 2 e N2 levando à anóxia tissular.
A diminuição de acuidade visual, a dor e a hemorragia conjuntival são sinais e sintomas
costumeiramente presentes na vigência de baixa pressão barométrica. Tais alterações relacio-
nam-se com a degradação da função cerebral e com distúrbios da musculatura ocular extrínse­
ca. A diminuição da acuidade visual, a constrição do campo visual periférico e perturbação da
visão cromática e da visão estereoscópica são alterações funcionais de ocorrência na anóxia e
baixa pressão barométrica.
A descompressão barométrica rápida produz sintomas oculares dramáticos, porém não
muito comuns. Hemorragias da conjuntiva, da coroide e da retina podem ocorrer, podendo,
inclusive, ser acompanhadas de hemorragia no vítreo. A pupila pode tornar-se irregular, e
ocorrer paresias dos músculos extraoculares, bem como nistagmo associado a hemianopsias
homônimas completas e, em último estágio, à amaurose.
Traumas Químicos, Térmicos, Elétricos, Barométricos e por Radiação

TRAUMATISMOS POR RADIAÇÃO

Os sinais de queimadura grave por radiação infravermelha aparecem imediatamente após a


exposição, e as lesões corneais são mais evidentes no estroma que no epitélio. A absorção de
calor pela íris leva à miose, hiperemia e irite. Os raios infravermelhos de pequeno comprimen­
to de onda são os principais responsáveis pelas cataratas produzidas pelo calor causadas por
degeneração das fibras lenticulares (catarata dos vidreiros).
A radiação ultravioleta produz queimadura que se manifesta com sintomas de dor ocular,
sensação de corpo estranho e fotofobia. Observam-se eritema palpebral, lacrimejamento, hi­
peremia conjuntival, irregularidades epiteliais, edema corneai e ceratite ponteada. Esses sinais
costumam aparecer após 8 a 24 h de exposição, e desaparecem em cerca de 24 a 48 h. Histo-
logicamente, no epitélio corneai a exposição ao UV leva a alterações nas proteínas celulares,
observando-se inibição de mitose, fragmentação do núcleo e perda de adesão celular.
Essas queimaduras podem ser causadas por solda elétrica, exposição solar na praia ou
na neve, lâmpadas de bronzeamento, lâmpadas germicidas. As queimaduras oculares por UV
podem ser evitadas usando-se óculos com lentes com proteção UV. No tratamento, devem-se
prescrever analgésicos VO, curativo oclusivo, cicloplégico e compressas frias.

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Traumas Mecânicos

MILTON RUIZ ALVES • YOSHITAKA NAKASHIMA • ALOISIO FUMIO NAKASHIMA

TRAUMATISMO MECÂNICO FECHADO

Os traumas mecânicos fechados não apresentam comprometimento de espessura total da


parede ocular.

Traumatismo contuso
Hemorragia subconjuntival
A ocorrência de hemorragia subconjuntival deve alertar para a possibilidade de perfuração
escleral, principalmente se alguns dos seguintes sinais estiverem presentes: hipotonia ocular,
câmara anterior muito profunda ou muito rasa com presença de vítreo ou sangue, áreas de
pigmentação subconjuntival indicando exposição de tecido uveal. A ocorrência de quemose
conjuntival na presença de hemorragia subconjuntival também exige exame minucioso para
afastar rotura do bulbo ocular.

Alterações corneais
Traumatismo rombo pode causar abrasões, rasgaduras na membrana de Descemet e lacera­
ções corneoesclerais, usualmente localizadas no limbo. Anéis endoteliais corneais traumáticos
ou ceratopatia anelar posterior traumática têm sido descritos nesses olhos. Os anéis, compos­
tos de células endoteliais edematosas, têm aparência branco-acinzentada e ocorrem imediata­
mente posteriores ao impacto traumático. Os últimos anéis aparecem poucas horas depois do
traumatismo contuso e também desaparecem em poucos dias.
Doenças Externas Oculares e Córnea

Midríase e miose traumática


Midríase traumática está associada a rasgos do esfíncter da íris que podem resultar em altera­
ção definitiva da forma pupilar. Miose tende a estar associada à inflamação na câmara anterior.
Nesses casos, o uso de cicloplégico pode impedir a formação de sinequias posteriores.

Irite traumática
A irite traumática está frequentemente associada à diminuição de visão e hiperemia pe-
rilímbica. A reação inflamatória na câmara anterior pode ser mínima, e a pressão ocular
geralmente está reduzida, a não ser nos casos de disfunção da malha trabecular. O trata­
mento é feito com o emprego de cicloplégico e o uso de corticoide tópico durante várias
semanas com redução lenta para evitar o efeito rebote que está associado à sua interrup­
ção abrupta.

Iridodiálise, ciclodiálise e subluxação traumática do cristalino e catarata


Iridodiálise
Traumatismo rombo pode causar separação da raiz da íris do corpo ciliar. Frequentemente,
isto resulta em hemorragia observada no segmento anterior ocular. Iridodiálise pequena não
requer tratamento. Uma iridodiálise grande pode causar policoria e diplopia monocular, po­
dendo necessitar de reparo cirúrgico.

Ciclodiálise
A ciclodiálise caracteriza-se pela presença de uma fenda que representa a separação do cor-
r

po ciliar do esporão escleral. E causa de aumento de escoamento do humor aquoso pela rota
uveoescleral e redução de secreção de humor aquoso levando à hipotonia ocular crônica e
edema macular. Se o tratamento com cicloplégico tópico não for suficiente, considerar a oclu­
são da fenda com laser de argônio, diatermia, crioterapia ou sutura direta.

Subluxação traumática do cristalino e catarata


Traumatismo contuso do bulbo pode levar à rotura da zônula e subluxação do cristalino. Es-
tima-se que 25% ou mais das fibras zonulares devem ser rompidas para a subluxação ocorrer.
Rotura zonular é reconhecida pela presença de iridodonésis ou facodonésis. Podem estar pre­
sentes rotura do esfíncter da íris, iridodiálise e vítreo na câmara anterior.
Traumatismo pequeno pode desenvolver subluxação do cristalino em pacientes portado­
res de sífilis, síndrome de Marfan, síndrome de Weil-Marchesani, homocistinúria e glaucoma
infantil.
O deslocamento do cristalino para a câmara anterior pode levar a glaucoma por bloqueio
pupilar, constituindo-se em emergência. A presença do anel de Vossius (um círculo de pigmen­
to da íris na cápsula anterior do cristalino) sugere traumatismo prévio suficiente para desen­
cadear catarata.
Traumas Mecânicos

Hifema traumático
0 hifema traumático resulta de lesão dos vasos da periferia da íris ou do corpo ciliar anterior
(Fig. 1). O traumatismo causa deslocamento posterior do diafragma iridocristaliniano e ex­
pansão escleral na zona equatorial. Isto leva à rotura do círculo arterial maior da íris, ramos
arteriais do corpo ciliar e/ou de artérias e de veias recorrentes coroidais.
O hifema traumático ocorre mais frequentemente em jovens do sexo masculino. No mo­
mento da primeira avaliação, cerca de 50% dos hifemas ocupam menos de 1/3 da câmara an­
terior e menos de 10% preenchem a câmara anterior. O prognóstico é bom para os pacientes
que não desenvolvem complicações, não sendo somente relacionado à quantidade do hifema.
Mesmo hifemas totais podem resolver sem sequelas, a menos que ocorram complicações se­
cundárias. Hifema é frequentemente associado a abrasão corneai, irite, midríase e com signifi-
cantes lesões às estruturas do ângulo, cristalino, segmento posterior e órbita.
Em adultos, o hifema espontâneo é menos comum e deve alertar para a possibilidade de
hemoglobinopatias, doença herpética ou rubeosis iriclis. Em crianças, estão associados a hifema
espontâneo, xantogranuloma juvenil, retinoblastoma e leucemia.
Complicações associadas a um segundo sangramento incluem glaucoma, atrofia óptica
e impregnação corneai (Fig. 2). A taxa de ressangramento varia de 3 a 30%. Ressangramento
pode complicar qualquer hifema, a despeito do tamanho, e ocorre mais frequentemente entre
2 e 5 dias após o traumatismo. Aproximadamente 50% dos pacientes com ressangramento de­
senvolvem aumento de pressão ocular. A combinação de aumento de pressão ocular, disfunção
endotelial e sangue na câmara anterior predispõe à impregnação hemática da córnea, que leva
à redução de sua transparência e pode persistir por anos, podendo desenvolver ambliopia em
crianças.
No tratamento do hifema, busca-se a redução de pressão ocular para diminuir a possi­
bilidade de impregnação hemática da córnea e de atrofia óptica. A maioria dos pacientes é

Fig. i Hifema por traumatismo contuso.

Fig. 2 Impregnação hemática da córnea após hifema


traumático.
336 Doenças Externas Oculares e Córnea

tratada com oclusão do olho acidentado, restrição moderada da atividade física, elevação da
cabeça no leito e observação frequente. Administra-se cicloplégico tópico de longa ação para
obtenção de conforto, corticoide tópico nos casos com muita inflamação e antagonistas beta-
adrenérgicos tópicos e inibidores da anidrase carbônica (não empregar em pacientes com
talassemia mlnor ou major) para controle da pressão. Nos casos em que está difícil reduzir a
pressão ocular, agentes hiperosmóticos por via oral ou sistêmica podem ser necessários. O uso
de analgésico (não aspirina) por via oral pode ser necessário. Tem sido recomendado o uso do
ácido aminocaproico (amicar), um agente antifibrinolítico na dose oral de 50 mg/kg a cada 4
horas durante 5 dias (até 30 g/dia), ou do ácido tranexâmico, que é um agente antifibrinolítico
similar, para diminuir a taxa de ressangramento. Estudos prospectivos têm suportado o papel
dos agentes antifíbrinolíticos em reduzir a taxa de ressangramento. Seus efeitos colaterais
incluem náuseas, vômitos, hipotensão postural, cãibras, cefaleia, eritema cutâneo, dispneia,
estados confusionais tóxicos e arritmias. O fator teciclual ativaclor de plasminogênio (rt-PA) pode
ser utilizado para dissolver coágulos de fibrina, quando o tratamento convencional falhar. A via
de utilização é a injeção de 25 pg de rt-PA em 0,3 ml de solução salina balanceada (Farmácia
Ophthalmos, São Paulo). A toxicidade ocular provavelmente não é causada pelo rt-PA, e sim
pelo veículo arginina, que lesiona os fotorreceptores. A partir de 75 pg, começa a ocorrer per­
da de fotorreceptores à microscopia eletrônica.
Tratamento cirúrgico pode ser necessário para impedir a impregnação hemática da cór­
nea e atrofia óptica. O tempo de sua realização é assunto controverso. Está indicado no início
do quadro de impregnação hemática. Para alguns autores, quando a pressão ocular média for
maior que 25 mmHg por 6 dias com sangue em contato direto com o endotélio; quando a pres­
são ocular for maior que 50 mmHg por 5 dias ou maior que 35 mmHg por 7 dias. A indicação
deve ser mais precoce em pacientes com danos anteriores do nervo óptico ou portadores de
hemoglobinopatias.
O procedimento cirúrgico que envolve a menor manipulação e o menor dano possível é a
irrigação da câmara anterior, seguida de iridectomia periférica se houver suspeita de bloqueio
pupilar. Quando for possível visualizar um retrocesso angular superior a 270°, deve-se associar
a irrigação de câmara anterior à trabeculectomia. A irrigação de câmara anterior com solução
salina balanceada e/ou agentes antifíbrinolíticos pode ser realizada por dupla paracentese ou
cânula de dupla via. A utilização de viscoelástico trouxe maior segurança para a dissecção do
coágulo e proteção do endotélio corneano. Como o traumatismo ocular que levou ao hifema
pode comprometer outras estruturas oculares, é possível associar outras técnicas como cirur­
gia para descolamento de retina, hemorragia vítrea ou catarata. Em casos de maculopatia por
hipotonia prolongada, tem sido utilizado o laser de diodo transescleral nas áreas de ciclodiá-
lise com sucesso.
Em pessoas de raça negra, a ocorrência de hifema exige a avaliação do paciente para ex­
cluir hemoglobinopatia falciforme SC e S Thal. Todo o esforço deve ser concentrado para o
controle de pressão ocular, e agentes hiperosmóticos, bem como inibidores de anidrase car­
bônica, devem ser usados com cautela pela sua tendência de reduzir o pH e levar à hemocon-
centração. Intervenção cirúrgica tem sido indicada, se o tratamento clínico falhar em controlar
a pressão ocular e se a pressão ocular média permanecer acima de 25 mmHg após a primeiras
24 horas, ou se apresentar aumento superior a 30 mmHg.
Traumas Mecânicos

Laceração conjuntival
No exame do olho traumatizado, a conjuntiva e a esclera devem ser inspecionadas sem e com
o emprego de fluoresceína a 2%. Se, no exame da conjuntiva, um defeito epitelial for notado,
ele deve ser examinado na lâmpada de fenda. Na verificação da presença de hemorragia sub-
conjuntival que não permite avaliar a real extensão e profundidade da lesão, torna-se neces­
sário realizar novo exame sob microscopia para afastar eventual envolvimento da esclera sub­
jacente. Esse exame pode ser feito sob anestesia tópica, empregando-se pinça e esponja de
celulose. Os fórnices conjuntivais devem também ser examinados para afastar a presença de
corpos estranhos, principalmente nos ferimentos por vidros estilhaçados como nos acidentes
automobilísticos. Somente depois de excluída a presença de perfuração ocular é que as pál­
pebras deverão ser evertidas para a procura e remoção de outros possíveis corpos estranhos.
Deve-se realizar gonioscopia para afastar CE na periferia da câmara anterior. Outras causas
iatrogênicas de CE na câmara anterior incluem o óleo de silicone e perflurocarbonos pesados
usados em cirurgias vitreorretinianas.

Corpos estranhos corneais e conjuntivais


Corpos estranhos situados na córnea e na conjuntiva são mais facilmente identificados com
exame biomicroscópico realizado com lâmpada de fenda. Uma localização frequente de corpo
estranho é na conjuntiva tarsal superior, ou mesmo no fundo-de-saco superior. Nessa última
localização, além de eversão da pálpebra superior impõe-se a realização de manobra de dupla
eversão da pálpebra superior, que é facilitada com o emprego do retrator de Desmarres. A
mesma manobra deve ser repetida para a pálpebra inferior. Facilitam-se, assim, a observação
e remoção de partículas de vidro, espinhos, cabelo, cílios e de partículas químicas sólidas.
Assim, na presença de sintomatologia de corpo estranho, deve-se sempre everter a pálpebra
superior e examinar a conjuntiva tarsal e, depois, realizar a dupla eversão palpebral e exami­
nar o fundo-de-saco conjuntivo superior, e, se confirmado o diagnóstico, a remoção do corpo
estranho nesses casos é extremamente simples com o uso de zaragatoa umedecida. Partícu­
las de vidro ou outros corpos estranhos que estejam muito aderidos aos tecidos devem ser
removidos com pinça. A instilação de fluoresceína a 2%na superfície ocular pode mostrar um
padrão de linhas de coloração vertical na córnea, dando pistas de localização de corpos estra­
nhos na margem palpebral superior ou na conjuntiva tarsal superior.
Antes da remoção de corpos estranhos corneais, deve-se avaliar a profundidade de sua
penetração. Nos casos de corpos estranhos muito profundos com riscos de perfuração, sua
remoção deve ser feita em centro cirúrgico e, se ocorrer vazamento de humor aquoso, consi­
derar o uso de lente gelatinosa terapêutica, cola de cianoacrilato ou mesmo de reparo cirúr­
gico. Quando existirem muitos corpos estranhos expostos, todos devem ser removidos. Frag­
mentos de vidro incrustados no estroma corneai podem ser deixados, pois o vidro é material
inerte. Avaliação gonioscópica deve ser realizada, buscando possíveis corpos estranhos na
periferia da câmara anterior. Quando um fragmento de ferro permanece algumas horas incrus­
tado na córnea, observa-se ao redor dele a formação de anel laranja-amarronzado. Esses cor­
pos estranhos devem ser removidos, na lâmpada de fenda e sob anestesia tópica, com agulha
hipodérmica descartável. Além do corpo estranho, todo o anel deve ser removido. Defeitos
epiteliais persistentes e cicatrização pobre resultam da remoção incompleta tanto do corpo
338 Doenças Externas Oculares e Córnea

estranho quanto do anel. Em seguida, a terapia inclui o uso de antibióticos tópicos, cicloplegia
e oclusão. Os pacientes devem ser examinados no dia seguinte. Se for constatada remoção
incompleta ou dificuldade de cicatrização, a mesma área deve ser curetada e continuar com o
emprego de antibióticos tópicos, cicloplegia e oclusão.

Abrasão corneai
Traumatismo de pouca intensidade pode levar à escoriação corneai, desencadeando dor, lacri-
mejamento, fotofobia e sensação de corpo estranho. O diagnóstico é facilitado pela instilação
de 1 gota de fluoresceína sódica a 2%, que cora a área corneai sem epitélio em verde azula­
do. O tratamento é feito com o emprego de colírio cicloplégico de curta duração e curativo
oclusivo por 24 h, empregando-se pomada de antibiótico. O curativo oclusivo permite aliviar
o desconforto. Não existem estudos controlados que mostrem que o curativo oclusivo, o uso
de lentes gelatinosas terapêuticas ou de lentes de colágeno aumentem a cicatrização de for­
ma significativa. Abrasões corneais pequenas podem ser tratadas com antibióticos tópicos
e mantidas sem oclusão. Abrasões corneais extensas são tratadas com antibióticos tópicos,
cicloplegia e oclusão. Na presença de abrasão corneai, devem-se sempre realizar a eversão e
a dupla eversão palpebral para excluir a presença de corpo estranho na conjuntiva tarsal e no
fundo-de-saco conjuntival.

Erosão recorrente de córnea pós-traumática


Traumatismo corneai pode precipitar quadros futuros de erosão corneai recorrente. Nessa
condição, os pacientes se queixam de dor, lacrimejamento, fotofobia e intenso desconforto
iniciados ao acordar ou nas primeiras horas da manhã. Tais quadros podem ocorrer de sema­
nas a muitos anos após o episódio inicial de abrasão corneai. Nessas córneas, ocorre uma difi­
culdade de adesão do epitélio à membrana basal. No tratamento desses quadros, inicialmente
emprega-se oclusão com pomada de antibiótico e cicloplégico de ação curta. Após a cicatriza­
ção, empregam-se lubrificantes oculares e soluções salinas hipertônicas por cerca de 3 meses.
Se, assim, o epitélio mostrar-se pouco aderido, considerar a remoção do epitélio frouxo. Sua
remoção é feita sob anestesia tópica e empregando-se uma zaragatoa umedecida. Quando
a erosão recorrente não responder a esse tratamento, considerar o uso de lente gelatinosa
terapêutica por alguns meses, ou mesmo a punção estromal anterior. Essa técnica fica reser­
vada para casos sintomáticos refratários em que as erosões ocorram fora do eixo visual. Sob
anestesia tópica, empregando-se uma agulha descartável de calibre 25G, realiza-se de 10 a 50
punções na superfície corneai, ultrapassando a camada de Bowman e atingindo o estroma an­
terior. Ao final, empregam-se cicloplégico, antibiótico e oclusão. Uma alternativa é o emprego
da ablação estromal superficial com o excimer laser.

TRAUMATISMO MECÂNICO ABERTO

Os traumas mecânicos abertos se dividem em lacerações e roturas. As lacerações abrangem


os ferimentos penetrantes, perfurantes e corpos estranhos intraoculares. Tais ferimentos ocu­
lares podem provocar limitações visuais importantes. Quando há concomitância de ferimento
Traumas Mecânicos

aberto do bulbo ocular e outras lesões da face, como afundamento malar, fratura de mandí­
bula etc., é imperioso restaurar o bulbo ocular em primeiro lugar. A cirurgia oftálmica é prio­
ritária. A anestesia geral é a preferida para evitar o aumento de pressão na órbita que poderia
ocorrer com anestesias local, retrobulbar ou peribulbar.

Avaliação
Sempre que um paciente apresentar-se com traumatismo ocular e sistêmico, o diagnóstico e
tratamento das lesões que ameaçam sua vida têm prioridade sobre a avaliação e procedimen­
to de qualquer dano ocular. Estando o paciente clinicamente estável, deve-se obter anamnese
minuciosa das condições de ocorrência e possíveis agentes causais do traumatismo.
Na anamnese devem estar incluídas questões sobre:
Natureza do traumatismo:
a) Traumatismo concomitante com ameaça de vida.
b) Tempo e circunstância do traumatismo.
c) Suspeita sobre a composição do corpo estranho intraocular.
d) Uso de proteção ocular.
e) Tratamento prévio do traumatismo.
História ocular prévia:
a) Refração.
b) Doença ocular.
c) Medicação ocular.
d) Cirurgia.
Anamnese clínica:
a) Diagnóstico.
b) Medicação.
c) Alergia ao fármaco.
d) Predisposição a AIDS ou hepatites.
e) Profilaxia ao tétano.
f) Cirurgia prévia.
g) Ingestão recente de alimentos.

A avaliação do paciente com suspeita de traumatismo ocular penetrante deve incluir exa­
mes sistêmico e oftálmico completos.
A medida da acuidade visual deve ser feita o mais precoce possível. O exame ocular deve
identificar sinais sugestivos ou diagnósticos de traumatismo ocular penetrante.
Constituem sinais sugestivos de traumatismo penetrante os seguintes: ferimento palpe­
bral profundo, quemose orbitária, perfuração/hemorragia conjuntival, sinequia iridocorneal
localizada (focal), câmara anterior rasa, deformação iriana, hipotonia, rotura de cápsula do
cristalino, catarata aguda e rotura de retina/hemorragia. São sinais diagnósticos de perfuração
ocular: hérnia de úvea, vítreo e retina, teste de Seidel positivo, visualização de corpo estranho
intraocular ou corpo estranho intraocular detectado aos raios X ou à ultrassonografia.
Doenças Externas Oculares e Córnea

Enquanto houver suspeita de traumatismo penetrante ou perfurante, não se deve reali­


zar o teste das ducções forçadas, gonioscopia, tonometria e depressão escleral. Podem ser
úteis nessa fase a radiografia, planigrafia, tomografia computadorizada, exames laboratoriais,
como dosagem sérica de eletrólitos, ureia, creatinina, testes para AIDS e hepatites, provas de
coagulação sanguínea e avaliação dos níveis séricos de álcool e/ou fármacos. A ressonância
magnética é especialmente indicada em casos com suspeita de corpo orgânico intraocular ou
intraorbitário, e contraindicada em suspeita de objetos imantáveis.
Se houver necessidade de cirurgia, não se deve adiar a sutura de um olho aberto por mais
de 36 h; a intervenção deve idealmente ocorrer logo que possível, diminuindo a dor, a hérnia
de estruturas intraoculares, a contaminação microbiana no ferimento, proliferação dos micró­
bios introduzidos no olho, migração do epitélio para o ferimento, inflamação intraocular e
catarata.

Tratamento não cirúrgico


Ferimentos puntiformes e lineares de até 2 mm, desde que não tenham tecidos encarcerados
em suas margens, podem ser tratados com oclusão, lente hidrofílica terapêutica e cola de te­
cidos (cianoacrilato). Várias colas são encontradas, como Histocryl (Braun) e Bucrylate (Ethicon).
Uma lente de contato gelatinosa terapêutica deve ser usada após aplicação da cola, pois a
polimerização da cola produz uma superfície rugosa que traumatiza a conjuntiva palpebral.

Tratamento cirúrgico primário


O objetivo principal do reparo cirúrgico de um ferimento aberto corneoescleral é a restaura­
ção da integridade do bulbo. A enucleação ou evisceração do bulbo ocular estão raramente
indicadas em uma primeira cirurgia, e o risco de oftalmia simpática não é suficiente para a sua
indicação. Mesmo quando não se obteve visão mínima útil, a tentativa de preservação do olho
é importante do ponto de vista psicológico para o paciente, e o procedimento definitivo pode
ser tomado alguns dias após o seu melhor restabelecimento.

Anestesia
Anestesia geral sempre que possível, porque a anestesia retro ou a peribulbar podem aumen­
tar a pressão orbitária com tendência a expulsar o conteúdo intraocular. Quando estiver con­
traindicada a anestesia geral, deve-se fazer a acinesia facial com técnica de O’Brien ou Nadbath
para evitar compressão palpebral pelo piscar reflexo que costuma ocorrer com a técnica de
Van Lint. A anestesia apenas nesses casos deve ser feita com injeções locais subconjuntivais
conforme necessário, evitando-se, assim, a anestesia peri ou a retrobulbar.

Reparo do ferimento corneoescleral (Figs. 3 A-D)


Não se deve fixar o músculo reto superior com fio de tração em olho perfurado. Como a ci­
rurgia palpebral pode pressionar o olho com ferimento aberto e como ferimentos palpebrais
podem aumentar a exposição do olho, o tratamento de ferimentos dos anexos deve ocorrer
ao final do reparo das lesões do bulbo ocular.
Traumas Mecânicos 341

Esponja
vítreo Angulo de

Figs. ( \-D ) Resumo do reparo de ferimentos corneoesclerais. A. Excisão de vítreo ou de fragmento lenti­
cular herniado. B. Reposição de íris utilizando para tal a injeção de viscoelástico por paracentese. I. Reparo
de ferimentos perfurantes com envolvimento de limbo e córnea. Lacerações verticais devem ser suturadas
antes das lacerações com biselamento da córnea por serem valvuladas. D. Reparo do ferimento escleral.
(Modificado de Hamill MB. Repair of the traumatized anterior segment. In : Focal Points: Clinical Modules for
Ophthalmologists. San Francisco. Am Acad Ophthalmol, 1992; 10:1.)

O componente corneai do ferimento perfurante é tratado primeiro. Se a câmara anterior


estiver ausente, inicialmente ela deve ser refeita com viscoelástico, através de paracentese,
para tornar a curvatura corneai anatomicamente mais próxima do normal, a fim de facilitar
e tornar mais perfeita a sutura. Uma bolha de ar também pode ser utilizada para refazer a
câmara anterior. O fio utilizado é o náilon 10-0. Em ferimentos irregulares, devem-se colocar
as primeiras suturas em pontos de referência. Deve-se evitar a colocação de suturas no eixo
visual. Um deslocamento da sutura de 0,5 a 1,0 mm do centro da córnea pode significar a di­
ferença entre acuidade visual final melhor ou pior. A sutura na córnea deve ser aplicada com
penetração entre 80 e 90% da espessura corneai, com a mesma profundidade nas duas mar­
gens do ferimento, para não se formar um degrau entre elas. Os nós devem ser sepultados.
Para minimizar o astigmatismo pós-operatório, o ferimento deve ser suturado da periferia
para o centro. Suturas maiores e mais apertadas são colocadas perifericamente e menores e
menos apertadas no centro. Ao final da cirurgia, deve-se remover o viscoelástico. Se houver
vazamento, aplicar mais suturas. Se o ferimento for muito irregular, biselado ou estrelado, e
o vazamento persistir após a aplicação de mais suturas, deve-se colocar uma lente de contato
gelatinosa terapêutica ou utilizar cola de cianoacrilato e lente de contato gelatinosa terapêu­
tica. Se o vítreo ou fragmento do cristalino se herniarem por meio do ferimento, devem ser
ressecados rente à córnea, tomando o cuidado em não exercer tração sobre o vítreo ou zônula.
Se úvea ou retina (visto como tecido translucente, fino, com vasos extremamente delgados) se
exteriorizarem, devem ser repostas por manobras executadas a partir de incisão límbica e em-
342 Doenças Externas Oculares e Córnea

prego de viscoelástico para reformar a câmara anterior. Todo corpo estranho, clebris, ou restos
de tecidos devem ser removidos das margens da sutura para evitar infecções ou deiscências.
Especial atenção deve ser dada ao tecido uveal. A reposição da íris deve ser feita com muito
cuidado para evitar diálises, sendo facilitada com o uso de viscoelástico. A decisão de ressecar
íris encarcerada ou de reposicioná-la deve ser baseada no aspecto do tecido e no tempo de­
corrido entre o acidente e a cirurgia. A íris pode ser reposta se estiver exposta menos de 24
h. Se ultrapassar as 24 h, deve-se extirpar a porção herniada para reduzir o risco de infecção
e eventual epitelização da câmara anterior. Se o aspecto da íris for muito bom e sem sinais de
epitelização em sua superfície, ela pode ser reposta, mesmo após as 24 h de exposição. Na
presença de infecção e se a íris apresentar aspecto necrótico, a porção herniada deve ser ex-
cisada. Também a localização da lesão pode influir, uma vez que a íris terá maior importância
na região inferior do que na superior, que tem a proteção da pálpebra superior. A sutura da
íris com fio de monofilamento 10-0 de prolene pode ser necessária para reconstruir a pupila
(Figs. 4 A-D).
Nas lacerações em que há lesão límbica, deve-se fazer a exploração da extensão da lesão
com peritomia da conjuntiva, sendo comum observarem-se lesões maiores que aparentavam.
r

E importante o alinhamento da lesão, utilizando-se fio de mononáilon 10-0 no limbo e seda


8-0 ou náilon 9-0 na esclera com pontos interrompidos, evitando-se a penetração total, que
poderia levar à encarceração de tecido uveal. A reparação de ferimento corneoescleral deve
ser iniciada com sutura em um ponto de referência. O melhor ponto de referência é o limbo.
O local onde o ferimento atravessa o limbo deve ser fechado com sutura de náilon 10-0 com
agulhas espatuladas, seguindo-se a da porção corneai. A sutura indicada é do tipo interrom­
pido com pontos que passam cerca de 1 a 2 mm das margens, podendo chegar a 2,5 mm nas
r

córneas com edema mais importante. E essencial que os nós sejam sepultados a fim de se
evitar sensação de corpo estranho e fotofobia, além de conjuntivite papilar gigante e vascula-

Figs. 4 (fV-D) Técnica de McChannel para reparo de lacerações irianas.


A. Paracentese límbica e passagem de agulha com fio de polipropileno
10-0, da periferia da córnea, margens irídicas e periferia corneal do lado
oposto. B. Apreensão do fio através da paracentese com gancho de
Sinskey. C. Anodamento da sutura. D. Aspecto final. (Modificado de
Hamill MB. Repair of the traumatized anterior segment. In : Focal Points:
Clinical Modules for Ophthalmologists. San Francisco. Am Acad Ophthal­
mol, 1992; 10:1.)
Traumas Mecânicos 343

rização da ferida. Pode ser necessário reposicionar a íris repetidamente após cada ponto para
evitar encarceramento da íris no ferimento. Nos ferimentos com avulsão do tecido e perda de
substância, as pequenas partes de córnea lacerada podem ser incluídas na lesão, e, muitas ve­
zes, além de sutura, deve-se utilizar cola de tecido e lente terapêutica para se conseguir uma
sutura sem vazamentos.
O componente escleral do ferimento é exposto com delicada peritomia, e a conjuntiva
é separada para permitir a exposição do ferimento. O vítreo herniado é excisado; a uvea e a
retina herniadas são repostas com espátula ou instrumento similar. O ferimento escleral é su­
turado com náilon 9-0, seda 8-0 ou poliéster 5-0 ou 6-0. A dissecção da cápsula de Tenon e o
manuseio do tecido herniado devem ser repetidos a cada ponto de aplicação de sutura. Nas
lesões de esclera, é recomendada a aplicação de crioterapia ou diatermia próxima do local.
Nos ferimentos com grande perda de substância, também se deve considerar a utilização de
enxertos de esclera preservada.
Uma vez completada a reparação do ferimento corneoescleral, decide-se pela continuida­
de da cirurgia ou se esta fica adiada para um segundo tempo.
A remoção do cristalino no mesmo tempo cirúrgico é recomendada quando há rotura do
saco capsular ou extravasamento de massas lenticulares para a câmara anterior, e somente
deverá ser realizada após a sutura corneoescleral e por via límbica. A lesão corneai ao final
deverá estar livre de materiais do cristalino e de vítreo, podendo-se para tal empregar vitrec-
tomia anterior, que poderá ser maior ou menor dependendo da visualização que se tenha do
segmento anterior ao final da sutura de córnea. A vitrectomia poderá ser feita por via anterior,
límbica ou via pars plana, dependendo da associação com outras estruturas.
Ao final da cirurgia são aplicadas injeções subconjuntivais de antibióticos (20 mg de to-
bramicina ou 25 mg de vancomicina) e corticoide (2 mg de dexametasona). Alguns cirurgiões
infiltram a cápsula de Tenon com anestésico de longa duração (bupivacaína a 0,75%) para ame­
nizar a dor no pós-operatório. Antibiótico intravítreo (vancomicina 1 mg e ceftazidima 2,25
mg) pode ser usado após ferimentos contaminados envolvendo o vítreo. Realiza-se ao final
oclusão ocular e usa-se concha protetora.

Tratamento secundário do traumatismo ocular


Remoção de corpo estranho intraocular, tratamento da íris, extração de catarata, vitrectomia,
implante de lente intraocular e crioterapia de roturas de retina podem ser indicados após o
tratamento primário de uma perfuração corneoescleral. A presença de hemorragia vítrea e de
alterações vitreorretinianas que, na avaliação ecográfica, representem a formação de membranas
e proliferação fibrosa passíveis de levar a descolamento de retina tracional, constitui indicação
de vitrectomia precoce. Quando não se conseguiu realizar vitrectomia ou facectomia no mesmo
ato cirúrgico de sutura corneoscleral, deve-se fazê-lo entre 4 e 10 dias, após estudo ecográfico,
podendo inclusive nessa cirurgia colocar lente intraocular se o estado do olho permitir.

Conduta no pós-operatório
Após o tratamento do traumatismo perfurante do segmento anterior, direciona-se a terapêu­
tica para prevenção de infecção, supressão da inflamação, controle da pressão ocular e alívio
344 Doenças Externas Oculares e Córnea

da dor. Fibrose e vascularização do ferimento corneai são indicativas de suficiente cicatriza-


ção, e os pontos podem ser removidos com segurança. Esses olhos traumatizados apresentam
alto risco de descolamento de retina; assim, exames frequentes do segmento posterior são
mandatários. Refração e correção com lente de contato ou óculos devem ser realizadas se os
meios permitirem. Por causa do risco de ambliopia na criança e perda de fusão no adulto, a
reabilitação visual não deve ser adiada desnecessariamente.

Trauma cirúrgico
No perioperatório, o epitélio corneai pode ser lesionado por traumatismo indevido causado
por instrumentos cirúrgicos, dessecação por inadequada hidratação, ceratopatia tóxica pela
instilação excessiva de preparações oftálmicas (com ou sem preservantes) e pela instilação
acidental de detergentes usados na antissepsia da pele periocular.
O descolamento da membrana de Descemet pode ocorrer quando um instrumento, lente
intraocular é introduzida através da incisão cirúrgica, ou quando fluido é inadvertidamente
injetado entre a Descemet e o estroma corneai, resultando em edema estromal e bolhas epi-
teliais localizadas sobre a área do descolamento. A membrana de Descemet pode ser reposi-
cionada com introdução de ar ou de SF6 na câmara anterior. No tratamento de recorrência do
descolamento, pode ser necessária sutura da membrana após o reposicionamento.
Causas de edema corneai pós-procedimentos cirúrgicos incluem fatores como saúde pré­
via do endotélio e iatrogenia relacionada à técnica cirúrgica, duração da cirurgia e uso de
soluções de irrigação. Edema bolhoso pseudofácico é uma das principais indicações de trans­
plante de córnea penetrante. A fixação escleral de lente intraocular ou a colocação de lente
intraocular de câmara anterior estão associadas com edema corneal crônico significante e
desenvolvimento de ceratopatia bolhosa pseudofácica. Dano endotelial pode ocorrer após
procedimentos com laser de argônio como resultado de fotocoagulação de íris.
Quemose conjuntival com prolapso pode resultar de trauma ou cirurgia orbitária. A con­
juntiva prolapsada deve ser reposicionada e mantida em posição por oclusão ou por suturas
de contenção. Cirurgia orbitária pode causar proptose ocular e ceratopatia de exposição. O
tratamento é feito com lubrificantes, curativo oclusivo ou tarsorrafia temporária.

BIBLIOGRAFIA

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o
*<
Distrofias e Degenerações
U " da Córnea
Distrofias e Ectasias da Córnea

VANESSA MACEDO BATISTA FIORELLI • MARIA CRISTINA NISHIWAKI-DANTAS


PAULO ELIAS CORREA DANTAS

A - DISTROFIAS DA CÓRNEA

Definição: Opacidades corneais são geralmente bilaterais, não inflamatórias, simétricas e avas-
culares. O início é precoce, usualmente na infância, e sua evolução lenta, sem associação com
outras doenças oculares ou sistêmicas.
Podem ser classificadas de acordo com a genética, gravidade, alteração histopatológica,
característica bioquímica ou alteração anatômica.
A alteração anatômica que classifica as distrofias, de acordo com a camada corneai acome­
tida, em distrofias epiteliais, da camada de Bowman, estromais e endoteliais, tem sido a mais
utilizada. Desordens ectásicas da córnea são também incluídas.
Pesquisas envolvendo a biologia molecular têm contribuído para melhor compreensão da
genética nas distrofias corneais. Pelo novo sistema de classificações, cada distrofia continua
sendo organizada de acordo com achados anátomo-clínico-histopatológicos, além da informa­
ção genética, e a cada distrofia tem sido atribuída uma categoria específica:
Categoria 1: Distrofia corneai bem definida na qual a informação genética e localização da
mutação foram identificadas.
Categoria 2: Distrofia corneai bem definida na qual a base molecular tem sido atribuída a
um ou dois cromossomos, porém o(s) gene(s) ainda não foram identificados.
Categoria 3: Distrofia corneai bem definida na qual a base molecular ainda não foi identi­
ficada.
Categoria 4: Reservada para uma nova suspeita, ou previamente documentada, distrofia
corneai, porém evidências de que se trata de uma nova entidade ainda devem ser investi­
gadas.

349
350 Doenças Externas Oculares e Córnea

DISTROFIAS EPITELIAIS

Distrofia epitelial de Meesmann


Também conhecida como distrofia epitelial hereditária juvenil, foi descrita histopatologica-
r
mente por Meesman, em 1939. E de herança autossômica dominante, com penetrância in­
completa.
O início é na primeira década de vida, sob a forma de microcistos epiteliais na região
central e meia-periferia da córnea (Fig. 1). São melhor observadas à retroiluminação (Fig. 2).
Genética: A base molecular tem sido atribuída à mutação de dois genes: KRT3 (cromosso­
mo 12q 13) e KRTÍ2 (cromossomo 17q 12). Os mecanismos pelos quais essas mutações causam
as alterações clínicas encontradas na distrofia de Meesmann, ainda não foram elucidados.
Categoria genética: 1.
Sintomas: Os sintomas, que geralmente ocorrem a partir da quarta década de vida, são
decorrentes da irregularidade da superfície corneai, produzindo astigmatismo irregular e vi­
são embaçada. Os cistos podem romper e causar microerosões superficiais, de modo que o
paciente pode queixar-se de ardor, fotofobia e lacrimejamento.
Alteração Patológica: Resulta de degeneração do citoplasma das células basais, seguida
de homogeinização e espessamento, com consequente formação de cistos epiteliais contendo
restos celulares. Especula-se a possibilidade de o estróina anterior, não o epitélio, ser a causa
da distrofia.
Tratamento: Lubrificantes podem ser úteis no tratamento das microerosões, assim como
lentes de contato terapêuticas. Casos de erosão frequente ou opacidade superficial grave po­
dem ser tratados com ceratectomia lamelar superficial ou fotoablativa, porém recidivas são
frequentes.

Fig. i Distrofia de Meesmann. Presença de pseudomicrocis-


tos epiteliais.

Fig. 2 Distrofia de Meesmann melhor evidenciada à


retroiluminação.
Distrofias e Ectasias da Córnea 351

Distrofía damembrana basal do epitélio


Também conhecida com distrofía microcística de Cogan ou em mapa-ponto-impressão digital,
r

foi descrita por Cogan em 1964. E provavelmente a mais frequente das distrofias da córnea.
Parece ser de herança autossômica dominante e é mais frequente em mulheres após os 30
anos de idade.
Apresenta lesões em forma de pontos, que são microcistos epiteliais acinzentados ou
vesículas maiores; mapas que aparecem como lesões superficiais difusas, acinzentadas, de
formato irregular, porém bem delimitadas, com espaços ovalados de córnea clara no seu in­
terior (Fig. 3) e, finalmente, as impressões digitais formadas por linhas refráteis paralelas e
concêntricas (Fig. 4).
Genética: A base molecular tem sido atribuída à mutação do gene: TGFBI (cromossomo
5Q31). Categoria genética: 1.
Sintomas: Após os 30 anos de idade, são decorrentes de lesões recorrentes.
Alteração patológica: Os mapas e impressões digitais são formados por espessamento
da membrana basal, e os pontos são espaços intraepiteliais preenchidos por restos celulares.
Tratamento: Lubrificantes e hiperosmóticos (cloreto de sódio a 5% ou dimetilpolisiloxane)
tópicos são eficazes nas fases iniciais. A associação de lentes de contato terapêuticas em áreas
extensas de defeito epitelial pode ser útil. Casos refratários podem ser tratados com micro-
punturas do estróina anterior, Nd:Yag laser e ceratectomia fototerapêutica com excimer laser,
com resultados satisfatórios.

Fig. 3 Distrofía da membrana basal do epitélio. Podem-se


observar lesões em "mapa".

Fig. 4 Distrofía da membrana basal do epitélio. Lesões em


forma de "impressão digital" em paciente de 55 anos de
idade, assintomático. V
Doenças Externas Oculares e Córnea

DISTROFIAS DA CAMADA DE BOWMAN

Distrofia de Reis-Bucklers (CDB: c o rn e a i d is tro p h y o f t h e B ow m an's)


Descrita por Reis em 1917, de herança autossômica dominante, caracteriza-se pela presença
de opacidades reticulares, em forma de “favo de mel” na camada de Bowman, com projeções
espiculadas em direção ao epitélio corneai da porção axial da córnea (Fig. 5).
Estudos realizados com base na microscopia eletrônica e revisão de literatura, demons­
traram que há dois tipos de CDB. A CDB Tipo I (forma geográfica ou verdadeira distrofia de
Reis-Büklers) e CDB tipo II (forma “favo de mel”).
Genética: CDB tipo I é resultado da mutação do gene TGFBI no cromossomo 5q31, enquan­
to a CDB tipo II está relacionada à mutação do cromossomo 10q23-q24. Categoria genética: 1.
Sintomas: Embora precocemente diagnosticada nos primeiros anos de vida, sintomas fre­
quentes de erosão recorrente têm início a partir da primeira ou segunda década de vida,
resultando em cicatrização e fibrose da superfície corneai, com consequente diminuição da
sensibilidade e embaçamento visual.
Alteração patológica: Apresenta áreas focais de substituição da camada de Bowman por
tecido fibrocelular e ausência da membrana basal do epitélio nessas áreas (Fig. 6).
Tratamento: O tratamento é direcionado para a resolução das erosões recorrentes. Nos
casos em que há comprometimento importante da acuidade visual, o transplante penetrante
de córnea pode ser indicado, porém recorrência é frequente.

Fig. 5 D istro fia de R e is-B ü c k le rs. O b s e rv a m -s e le sõ e s em


fo rm a d e "fa vo d e m e l"

Fig. 6 D istro fia d e R e is-B ü c k le rs. M ic ro sc o p ia ó p tic a (c o lo ra ­


çã o co m h e m a to x ilin a - e o s in a ).
Distrofias e Ectasias da Córnea

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DISTROFIAS ESTROMAIS

São distrofias caracterizadas pelo surgimento de depósitos dentro dos ceratócitos ou entre
estes. As mais comuns das distrofias estromais (granular, lattice e macular) frequentemente
causam diminuição progressiva da acuidade visual.

Distrofia granular
Descrita por Groenow em 1898, a distrofia granular ou Groenow I é de herança autossômica
dominante, e é uma das três distrofias estromais mais frequentes. Estudos genéticos demons­
traram que está relacionada a alteração no cromossomo 5q31.
Três formas são descritas:
Tipo I: tem início na primeira década de vida, com progressão lenta. Caracteriza-se por
opacidades arredondadas ou em “flocos de neve” , esbranquiçadas, bem delimitadas, no estró­
ina anterior da porção axial da córnea, separadas entre si por espaços de córnea clara. Embora
não acometam a periferia da córnea, podem aumentar em número, tamanho, coalescer e atin­
gir as camadas mais profundas ou superficiais da córnea (Figs. 7 e 8).

Fig.7 D istro fia g ra n u la r tip o I, em fo rm a d e "á rv o re -d e -n a ta l".


354 Doenças Externas Oculares e Córnea

Fig.8 D istro fia g ra n u la r tip o I em p a c ie n te d e 29 a n o s d e id a d e .


P o d e m -se o b s e rv a r le sõ e s b e m d e lim ita d a s d ifu sa s na re g ião
c e n tra l da c ó rn e a , s e p a ra d a s p o r á re a s c la ra s.

Genética: A base molecular tem sido atribuída à mutação do gene: TGFBI (cromossomo
5q31). Categoria genética 1.
Sintomas: Podem apresentar erosões recorrentes, e alteração da acuidade visual geral­
mente ocorre a partir da quarta década de vida.
Tipo II: De progressão também lenta, o início é mais tardio, após os 20 anos de idade. As
opacidades são menos numerosas e raramente produzem erosão recorrente (Fig. 9).
Genética: A base molecular tem sido atribuída à mutação do gene: TGFBI (cromossomo
5q31). Categoria genética 1.
Variante superficial: Apresenta sintomas precoces e mais frequentes de erosão recorren­
te, pois as lesões são mais superficiais (Fig. 10).
Alteração patológica: As opacidades correspondem a depósitos de material hialino, que
coram intensamente em vermelho, com tricrômio de Massom (Fig. 11).
Tratamento: Quando há comprometimento da acuidade visual, a fotoablação terapêutica
da córnea com excimer laser pode apresentar bons resultados para as formas mais superficiais.
Opacidades mais profundas podem requerer transplante penetrante de córnea, porém recidiva
é frequente (Fig. 12).

Fig. 9 D istro fia g r a n u la r tip o II em p a c ie n te d e 20 a n o s d e id a d e .


A s le sõ e s são b em d e lim ita d a s e em m e n o r n ú m e ro .

Fig. 10 D istro fia g ra n u la r s u p e rfic ia l. P o d e -se o b s e rv a r a p re ­


se n ça d e e ro sõ e s m a is fre q u e n te s n e ssa fo rm a d e a p re s e n ta ç ã o .
Distrofias e Ectasias da Córnea

Fig. 11 D istro fia g ra n u la r. M ic ro sc o p ia ó p tic a d as o p a c id a d e s


g ra n u la re s h ia lin a s c o ra d a s co m tric rô m io d e M asso n (a u m e n to
75 x 4 0 ).

R e c id iv a p re c o c e da d istro fia g ra n u la r a p ó s tra n s p la n te


p e n e tra n te d e c ó rn e a .

Distrofia macular
Descrita em 1890, por Groenow, pode ser também chamada de distrofia Groenow II.
É a menos comum e mais grave das distrofias estromais principais. A herança é autossô-
mica recessiva.
A partir da primeira década de vida, aparece como pontos branco-acinzentados, difusos,
de limites imprecisos, no estroma anterior da porção axial da córnea, que rapidamente pro­
gridem para a periferia e para o estroma profundo, sem espaços claros entre as opacidades
(Fig. 13).
Genética: A base molecular tem sido atribuída à mutação do gene: CHST6: carbohydrate
sulfotransferase 6 (cromossomo 16q22). Categoria genética 1.
Sintomas: Erosões recorrentes são raras, mas pode haver diminuição precoce da acuidade
visual após os 20 anos de idade.
Alteração patológica: Os depósitos são de glicosaminoglicanos (ácido mucopolissacarí-
deo) no retículo endotelial dos ceratócitos e entre as lamelas estromais, e coram com ferro

D istro fia m a c u la r co m o p a c ific a ç ã o d ifu sa da c ó rn e a


e in ú m e ra s o p a c id a d e s m al d e lim ita d a s .
Doenças Externas Oculares e Córnea

coloidal e cilcian blue. Na mucopolissacaridose sistêmica, o acúmulo ocorre nos vacúolos lisos-
sômicos.
Duas formas são descritas. No tipo I, que é o mais comum, ocorre síntese normal de der-
matan sulfato e anormal de keratan sulfato na córnea, soro e cartilagem. No tipo II, a propor­
ção de dermatan e keratan sulfato é normal, porém a síntese total é de 30% menor que a nor­
mal. Estudos genéticos sugerem que as duas formas, tipos I e II, estão relacionadas a mutação
no mesmo lócus do cromossomo 16.
Tratamento: Transplante penetrante de córnea é recomendado para recuperação da acui­
dade visual (Fig. 14). Pode recidivar.

M F ig . 1 4 A s p e c to b io m ic ro s c ó p ic o 3 m e se s a p ó s tra n s p la n te
p e n e tra n te d e c ó rn e a re a liz a d o em p a c ie n te p o rta d o r d e d istro -
fia m a c u la r.

Distrofia la ttice
r

E de herança autossômica dominante (tipos I e II) e recessiva (tipo III).


Estudos genéticos demonstraram que a distrofia lattice tipo I está relacionada a alteração
no cromossomo 5q31, e lattice tipo II, a mutação no cromossomo 9q34.
r

Tipo I (Biber Haab Dimmer): E a forma clássica de amiloidose corneai localizada primária,
caracterizada pela presença de pontos esbranquiçados, pequenas linhas refráteis e uma opa­
cidade difusa leve no estroma anterior central, sem comprometimento da periferia. O início
ocorre antes dos 10 anos de idade e, com a evolução, as linhas e pontos aumentam em tama­
nho, tornam-se mais opacos e menos distintos (Fig. 15).
Genética: A base molecular tem sido atribuída à mutação do gene: TGFBI (cromossomo
5q31). Categoria genética: 1.
Sintomas: Erosões recorrentes são frequentes e precoces até os 30 a 40 anos de idade,
quando diminuem em frequência, devido à substituição por fibrose. Diminuição da acuidade
visual e da sensibilidade corneai também podem ocorrer.

Fig. 15 D istro fia lattice tip o I. A s le sõ e s lin e a re s são m e lh o r


e v id e n c ia d a s à re tro ilu m in a ç ã o .
Distrofias e Ectasias da Córnea

Tipo II (síndrome de Meretoja): E a distrofia lattice associada à amiloidose familiar sistêmi­


ca, que se manifesta por volta dos 20 a 30 anos de idade.
As linhas refráteis, menos numerosas, porém mais grosseiras e com distribuição radial a
partir da periferia da córnea, são acompanhadas de alterações sistêmicas típicas como blefa-
rocálase, orelhas caídas, lábios protrusos, paralisia central e periférica progressivas, pele seca
e pruriginosa.
Genética: A base molecular tem sido atribuída à mutação do gene: gelsolin(GSN) (cromos­
somo 9q34). Categoria genética: 1.
Sintomas: Erosão recorrente é rara e tardia, e a diminuição da acuidade visual ocorre so­
mente a partir dos 60 anos de idade.
Tipo III: As linhas são mais grosseiras (Fig. 16). Não há erosão recorrente e o acometimen­
to visual é também tardio, após os 60 anos de idade.
Uma variante é descrita, o tipo Illa, com herança autossômica dominante, somente em
indivíduos da raça branca, com erosões recorrentes mais frequentes.
Alteração patológica (Fig. 17): O depósito amiloide, inicialmente localizado no estroma
superficial, cora em vermelho, com vermelho congo e metacromaticamente com cristal viole­
ta. Apresenta fluorescência sob luz ultravioleta com coloração de tioflavina e possui birrefrin-
gência verde, com luz polarizante e dicroísmo verde-vermelho com filtro polarizante e verde.
Degeneração elastótica pode ocorrer dentro dos depósitos amiloides.
Tratamento: Transplante penetrante de córnea pode ser realizado com bons resultados,
porém as recidivas são mais frequentes que nas distrofias granular e macular (48% em 3 a 26
anos de idade).

Fig. 16 D istro fia lattice tip o III. A s lin h a s são m e n o s n u m e ro ­


sas, p o ré m m a is e s p e s sa s e d is trib u íd a s d e fo rm a ra d ia l na
m e ia -p e rife ria da c ó rn e a .

Fig. 17 D istro fia lattice. M ic ro sc o p ia ó p tic a d as le sõ e s


c o ra d a s co m tio fla v in a .
358 Doenças Externas Oculares e Córnea

Distrofia de Avellino
Descrita por Folberg em 1988, caracteriza-se pela associação dos depósitos hialinos superfi­
ciais da distrofia granular e das linhas refráteis amiloides da distrofia lattice (Fig. 18).
Genética: A alteração genética está relacionada a mutação no cromossomo 5q31 (gene
keratoepithelin). Categoria genética: 1.
Erosões recorrentes são mais frequentes que na distrofia granular.
Após transplante penetrante de córnea, pode haver recorrência dos depósitos granulares.

Fig. 18 D istro fia d e A v e llin o . P o d e m -se o b s e rv a r p e q u e n a s


o p a c id a d e s g ra n u la re s c e n tra is e a lg u m a s lin h a s em p a c ie n te
p ro v e n ie n te da re g iã o d e A v e llin o , na Itá lia .

Distrofia gelatinosa em gota (Amiloidose familiar primária)


Descrita em 1914, por Nakaizumi, é mais frequente no Japão.
De herança autossômica recessiva, aparece precocemente antes do primeiro ano de vida,
sob a forma de pequenas protuberâncias semiesféricas, de aspecto leitoso, em faixa, na região
da fenda palpebral e posteriormente adquire aspecto gelatinoso, amarelado e com neovascu-
larização.
Genética: A base molecular tem sido atribuída à mutação do gene: TACSTD2 (cromossomo
lp32). Categoria genética 1.
Sintomas: Os sintomas são decorrentes de erosão recorrente e diminuição da acuidade
visual.
Alteração patológica: Apresenta depósitos amiloides subepiteliais e estromais, com ori­
gem na camada basal do epitélio.
Tratamento: Usualmente indicado o transplante lamelar profundo ou penetrante; recidiva
é muito frequente.

Distrofia cristaliniana central de Schnyder


Distrofia autossômica dominante. Por volta da primeira década de vida, surgem cristais finos,
policromáticos, branco-amarelados, dispostos de forma discoide, arredondada ou anular no
estróina anterior da córnea central, sem neovascularização (Fig. 19). Apresenta progressão
lenta até os 20 e 30 anos de idade e, após os 40, 80% desenvolvem arco corneai denso e faixa
limbar de Vogt.
Hipercolesterolemia e gemi valgum podem estar associados.
Distrofias e Ectasias da Córnea

Fig. 19 D istro fia c ris ta lin ia n a c e n tra l d e S c h n y d e r, em fo rm a


d e d isco , co m a p a rte c e n tra l cla ra .

Genética: A base molecular tem sido atribuída à mutação do gene: UBIADÍ (cromossomo
lp36). Categoria genética 1.
Sintomas: Erosões recorrentes são muito raras e a diminuição da acuidade visual é mínima.
Alteração patológica: São acúmulos de colesterol não esterificado e gordura neutra no
epitélio, camada de Bowman e estroma anterior da córnea.
Tratamento: Transplante penetrante de córnea pode ser indicado para os raros casos em
que houver acometimento visual importante, mas recidivas são descritas.

Distrofia cristaliniana de Bietti


Os depósitos cristalinianos de colesterol ocorrem na periferia da córnea, em associação com
degeneração retínica. A acuidade visual é preservada.

Distrofia nebulosa central ou de François


Distrofia bilateral simétrica, autossômica dominante, geralmente estável.
Caracteriza-se por pequenas áreas poligonais, acinzentadas, separadas por faixas de cór­
nea clara, no estroma profundo da porção axial da córnea (Fig. 20).
Categoria genética: 4 (informação genética não identificada)
A acuidade visual raramente é alterada, de modo que tratamento não é necessário.

Fig. 20 D istro fia n e b u lo s a c e n tra l d e F ra n ç o is. P o d e -se o b s e r­


v a r o a s p e c to p o lig o n a l d as o p a c id a d e s c e n tra is so b ilu m in a ç ã o
d ire ta .
360 Doenças Externas Oculares e Córnea

Distrofia salpicada (Distrofia de Fleck)


Provavelmente autossômica dominante, o início é precoce na infância, sem progressão. Embo­
ra bilateral, pode ser bastante assimétrica.
Apresenta-se como um salpicado discreto, branco-acinzentado, em todo o estroma, inclu­
sive na periferia, podendo ter aspecto de um anel, com centro claro.
Geralmente assintomática, pode estar associada à diminuição da sensibilidade corneai,
distrofia de François, ceratocone, dermoide limbar, pseudoxantoma elástico, atopia e opaci­
dades lenticulares.
Genética: A base molecular tem sido atribuída à mutação do gene: PIP5K3 (cromossomo
2q35). Categoria genética: 1.
Alteração patológica: Ceratócitos isolados contêm quantidades excessivas de glicosami-
noglicanos e lípides.
Tratamento: Não é necessário.

Distrofia estromal hereditária congênita


Rara distrofia autossômica dominante, presente ao nascimento, porém sem progressão. Carac­
teriza-se pela presença de opacidade estromal central, bilateral, simétrica, difusa, em forma de
flocos, mais tênue em direção à periferia da córnea.
Não há edema, mas pode haver diminuição importante da acuidade visual e nistagmo.
Genética: A base molecular tem sido atribuída à mutação do gene: DCN (cromossomo
12q21.33). Categoria genética 1.

BIBLIOGRAFIA

De Sousa LB, Mannis MJ. The stromal dystrophies. In: Krachmer JH, Mannis MJ, Holand EJ (eds.). Cornea. 2nd ed. Vol 1. Phila­
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Distrofias e Ectasias da Córnea 361

DISTROFIAS ENDOTELIAIS

Córnea g u tta ta
Sem padrão de herança definido, apresenta-se como pequenas vesículas arredondadas, na
membrana de Descemet, proeminentes em direção ao endotélio. São melhor observadas sob
reflexão especular (Fig. 21); frequentemente apresentam finos pigmentos na superfície pos­
terior.
Representam excrescências anormais da membrana de Descemet, resultado da produção
anormal de colágeno da Descemet pelas células endoteliais (Fig. 22).
A acuidade visual não é alterada, mas pode sofrer descompensação endotelial com edema
secundário.

Fig. 2 Guttata m e lh o r e v id e n c ia d a à re tro ilu m in a ç ã o .

Fig. Guttata. O b s e rv a m -s e as v e s íc u la s p o ste rio re s.

Distrofia de Fuchs
Distrofia autossômica dominante, progressiva; pode apresentar casos esporádicos, mais fre­
quente em mulheres (4:1) após os 50 anos de idade. Caracteriza-se pela descompensação
da córnea guttata, geralmente bilateral, assimétrica e lentamente progressiva, com edema
secundário inicialmente estromal (Fig. 23), progredindo em direção à superfície, com forma­
ção de bolhas ou microbolhas (Fig. 24). Erosões são frequentes devido à rotura das bolhas.
Crises repetidas produzem fibrose, podendo resultar em opacidades corneais e consequente
diminuição da acuidade visual e sensibilidade. Neovascularização periférica pode ocorrer tar­
diamente.
362 Doenças Externas Oculares e Córnea

Fig. D istro fia d e F u c h s em p a c ie n te d e 69 a n o s d e id a d e ,


co m re d u ç ã o da a c u id a d e v is u a l p ara 2 0 /2 0 0 .

D istro fia d e F u c h s co m e d e m a c o rn e a i g ra v e . P o d e -se


n o ta r e x te n s a b o lh a na s u p e rfíc ie da c ó rn e a .

Genética: Cromossomos 13pTel- 13q 12.13, 15q, 18q21.2.32; variantes: Ip34.3-p32, gene
não identificado. Colágeno tipo III alfa 2 base genética C0L8A2. (Categoria genética: 3). Estu­
dos genéticos sugerem que defeitos no DNA mitocondrial, de origem hereditária ou adquirida,
podem estar relacionados a disfunção endotelial na distrofia de Fuchs.
Sintomas: Discreta diminuição da acuidade visual secundária ao edema corneai e eventu-
•\

almente dor, pela presença de edema epitelial, são sintomas precoces. A medida que ocorre
fibrose subepitelial, os episódios de dor diminuem, porém pode haver redução grave da acui­
dade visual.
Alteração patológica: As células endoteliais são maiores e polimórficas. Algumas são ro­
tas.
Exames complementares: Microscopia especular pode ser útil, demonstrando perda de
células endoteliais, o que pode ter valor prognóstico para a realização de qualquer cirurgia
intraocular, como extração de catarata (Fig. 25).
Paquimetria pode evidenciar edema corneal precoce, mesmo subclínico.

Fig. M ic ro sc o p ia e s p e c u la r d e c ó rn e a d e m o n s tra n d o a p re ­
se n ç a d e á re a s e s c u ra s (guttoto ) e n tre as c é lu la s e n d o te lia is .
Distrofias e Ectasias da Córnea 363

E importante lembrar que pacientes portadores de distrofia de Fuchs com baixa contagem
de células endoteliais (< 1.000 mm2) e/ou aumento da espessura (> 650 mm) têm mais chan­
ces de desenvolver edema corneal grave, caso sejam submetidos a qualquer procedimento
intraocular.
Tratamento: O tratamento inicial visa à redução do edema corneal com hiperosmótico
tópico ( cloreto de sódio 5% colírio 4 vezes ao dia e pomada à noite, ou colírio de dimetilpo-
lisiloxane 4 vezes ao dia).
Se houver defeito epitelial devido à rotura de bolhas epiteliais, lentes de contato terapêu­
ticas e lágrimas artificiais podem ser utilizadas.
Transplante penetrante de córnea oferece excelentes resultados, quando realizado antes
de desenvolver neovascularização corneai.

Distrofia polimorfa posterior


Descrita por Koeppe em 1916, de herança autossômica dominante ou recessiva, caracteriza-se
por ser, geralmente, bilateral, assimétrica e estável.
Pode manifestar-se com vesículas, lesões estelares, linhas acinzentadas paralelas na super­
fície orneai posterior (Figs. 26 e 27).
Edema estromal, corectopia, adesões iridocorneais e glaucoma podem eventualmente es­
tar presentes.
Genética: Cromossomos: PPCD1: 20pl 1.2-ql 1.2; PPCD2; Ip34.3-p32.3; PPCD3: 10pll.2.
Gene: PPCD1: desconhecido; PPCD2: colágeno tipo VIII alfa 2 (C0L8A2); PPCD3: ZEBÍ. (Catego­
rias genéticas: 1 e 2)
Alteração patológica: As células endoteliais se comportam como células epiteliais, ou
seja, apresentam microvilos, coram positivamente para queratina, apresentam crescimento
rápido em cultura de células, desmossomos intercelulares e tendências proliferativas.

Fig. 26 D istro fia p o lim o rfa p o ste rio r. N o ta-se a s p e c to em


fa ix a d e u m a le sã o e n d o te lia l em p a c ie n te a s s in to m á tic o .

Fig. D istro fia p o lim o rfa p o ste rio r m e lh o r e v id e n c ia d a à


re tro ilu m in a ç ã o .
364 Doenças Externas Oculares e Córnea

Tratamento: Apenas os casos raros de edema corneai e aumento de pressão intraocular


requerem tratamento.

Distrofia endotelial hereditária congênita (CHED)


Distrofia rara, bilateral, simétrica, caracterizada por opacidade corneai difusa, não inflama­
tória, usualmente nas camadas mais profundas da córnea, que se estende até o limbo, sem
intervalo lúcido e acompanhada por aumento da espessura, em geral 2 a 3 vezes a espessura
normal.
Genética: cromossomo 20pl 1.2- ql 1.2, gene desconhecido. Categoria genética: 2.
Duas formas são descritas. A forma autossômica recessiva apresenta-se ao nascimento
ou após poucas semanas. Embora a opacidade seja mais densa e acompanhada de nistagmo,
não há progressão. Prognóstico para transplante penetrante de córnea nesses casos é pobre.
A forma autossômica dominante, relacionada a alteração do cromossomo 20, aparece mais
tardiamente, entre o primeiro e o segundo ano de vida. A opacidade é inicialmente mais leve,
sem nistagmo, mas progride lentamente, permitindo que os portadores dessa forma da doen­
ça aprendam a ler e escrever, antes de ter deterioração visual intensa (Fig. 28).

Fig. 28 D istro fia c o rn e a i e n d o te lia l c o n g ê n ita tip o a u to s s ô ­


m ica d o m in a n te em p a c ie n te d e 18 a n o s d e id a d e .

BIBLIOGRAFIA

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Distrofias e Ectasias da Córnea

B - DESORDENS ECTÁSICAS

CERATOCONE ANTERIOR

Trata-se de um afinamento corneai central ou paracentral (geralmente inferior), progressivo,


que faz com que a córnea apresente um abaulamento anterior, em forma de cone.
História familiar está presente em 6 a 8% dos casos, sugerindo herança familiar, talvez au-
tossômica dominante, com penetrância incompleta.
Geralmente é bilateral, assimétrica e a progressão maior acontece na adolescência.
Apresentação clínica: Depósito de ferro no epitélio corneai ao redor da base do cone
constitui o anel de Fleischer, que é melhor observado sob a luz de cobalto.
Linhas paralelas, verticais, finas podem ser observadas no estroma corneai. Correspondem
a linhas de estresse e são conhecidas como linhas de Vogt (Fig. 29).
Um reflexo cônico pode ser visto precocemente na córnea nasal, quando se ilumina dire­
tamente a córnea temporalmente: é o sinal de Rizzutti.
O cone, em estágio avançado, projeta a pálpebra inferior para a frente e para baixo, quan­
do os olhos são voltados para baixo (sinal de Munson) (Fig. 30).
Pequenas cicatrizes podem ser observadas secundárias a roturas focais na camada de Bo-
wman.
Rotura da membrana de Descemet pode produzir edema corneai agudo grave (hidropsia
aguda) (Fig. 31), porém indolor. Cicatrização espontânea ocorre em 6 a 12 semanas, geral­
mente com piora importante da acuidade visual, dependendo da localização e da extensão da
cicatriz deixada pela hidropsia.

Fig. 29 C e ra to c o n e a n te rio r. L in h a s d e V o g t.

Fig. 30 C e ra to c o n e a n te rio r. S in a l d e M a sso n .


366 Doenças Externas Oculares e Córnea

Fig. 3 C e ra to c o n e a n te rio r. H id ro p sia a g u d a .

Perfuração espontânea é muito rara.


Pode ser encontrado em associação com síndrome de Down, síndrome de Marfan, atopia
e catarata.
Exames complementares: Ceratometria mostra precocemente a presença de astigmatis­
mo irregular ou simplesmente a irregularidade das miras ceratométricas.
Imagem em tesoura à retinoscopia é outro sinal precoce, mas a videoceratoscopia compu­
tadorizada é o exame que melhor evidencia um ceratocone incipiente.
Tratamento: Pode inicialmente ser corrigido com óculos. Para astigmatismos maiores,
lentes de contato rígidas, preferencialmente gás-permeáveis, podem ser adaptadas com êxito.
Casos mais avançados ou com cicatrizes extensas devem ser tratados cirurgicamente, com
transplante penetrante de córnea. O prognóstico é excelente.
Ceratectomia fotorrefrativa com excimer laser não está indicada, pois produziria afmamen-
to maior em uma córnea já afinada.
A hidropsia é tratada apenas clinicamente com agentes hiperosmóticos tópicos. Alguns
autores recomendam o uso de medicações anti-hipertensivas e anti-inflamatórios tópicos.

CERATOCONE POSTERIOR

O afmamento resulta de aumento da curvatura posterior da córnea, que pode ser localizado
ou difuso. Na forma difusa, a córnea permanece clara, e, no ceratocone posterior circunscrito,
opacidade estromal pode estar presente na área do afmamento (Figs. 32 e 33).
Trata-se de uma alteração não progressiva, geralmente unilateral, embora casos bilaterais
tenham sido descritos. Pode ser familiar ou secundário a trauma ou processo inflamatório lo­
calizado na córnea.

Fig. C e ra to c o n e p o ste rio r c irc u n s c rito .


Distrofias e Ectasias da Córnea 367

Fig. C e ra to c o n e p o ste rio r c irc u n s c rito so b ilu m in a ç ã o


d ifu sa .

Não há envolvimento da superfície anterior da córnea, de modo que apenas astigmatis­


mos leves e moderados são descritos.
r

Tratamento: Óculos e lentes de contato são recomendados, quando houver comprometi­


mento da visão. Transplante penetrante de córnea pode ser indicado para melhora da visão,
porém muitos são amblíopes.

CERATOGLOBO

Condição rara, bilateral, presente ao nascimento, sem padrão familiar.


A córnea tem aspecto difusamente globular, com aumento da curvatura e afmamento difu­
so, principalmente na meia-periferia. O diâmetro corneai pode estar aumentado.
Linhas de ferro, de estresse e cicatrizes corneais anteriores não são descritas, mas pode
haver rotura da membrana de Descemet, com consequente hidropsia. Perfuração pode ocorrer
com mínimo trauma.
Associação com esclera azul, fratura, hiperextensibilidade das articulações e síndrome de
Ehlers Danlos é descrita.
Tratamento: Uma vez que a rotura espontânea é mais frequente, os pacientes devem ser
orientados quanto à melhor proteção dos olhos, principalmente contra trauma, como, por
exemplo, na prática de esportes.
Transplante lamelar deve ser considerado para reforço da periferia da córnea.
O prognóstico para transplante penetrante de córnea é pior do que no cerarocone.

DEGENERAÇÃO PELÚCIDA MARGINAL

Afecção relativamente comum, bilateral, não hereditária, caracterizada por afmamento corne­
ai periférico, sem inflamação, em forma de linha horizontal (1 a 2 mm), usualmente inferior,
na posição entre 4 e 8 horas, embora tenha sido também descrita uma forma de afmamento
superior (Figs. 34 e 35).
Devido ao afmamento, a córnea adjacente superior sofre protrusão anterior, resultando
em ceratocone secundário.
O diagnóstico é feito após os 20 anos de idade, usualmente devido à diminuição da acui­
dade visual provocada pelo astigmatismo irregular. Topografia de córnea mostra imagem ca­
racterística (Fig. 36).
Doenças Externas Oculares e Córnea

Fig. 34 D e g e n e ra ç ã o m a rg in a l p e lú c id a .

Fig. D e g e n e ra ç ã o m a rg in a l p e lú c id a , co m a fin a m e n to
in fe rio r (o b s e rv a r re fle xo do a fin a m e n to na íris).

Fig. 36 T o p o g ra fia d e c ó rn e a em p a c ie n te co m d e g e n e ra ç ã o
p e lú c id a m a rg in a l.

Pode haver hidropsia.


Tratamento: Como no ceratocone, o tratamento inicial consiste na correção óptica com
óculos ou lente de contato.
Ressecção em cunha da área afinada ou transplante lamelar periférico em “meia-lua” de­
vem ser considerados para os casos mais avançados.
Transplante penetrante de córnea de diâmetro maior deve ser considerado, quando o ce­
ratocone se apresenta em fase muito avançada.

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Degenerações Corneais

PAULO ELIAS CORREA DANTAS • JOÃO BAPTISTA NIGRO SANTIAGO MALTA


RAFAEL FRANCO DE MELO • MARIA CRISTINA NISHIWAKI-DANTAS

INTRODUÇÃO

O que diferencia a degeneração da distrofia é o fato de ser geralmente unilateral ou bilateral


assimétrica, não ter padrão de herança; de aparecimento tardio secundário a doença sistêmi­
ca ou ocular, pode estar localizada na periferia da córnea e acompanhada de vascularização.

ALTERAÇÕES INVOLUTIVAS

Arco corneai: Consiste em depósito de lipídio geralmente bilateral no estroma corneai peri-
r
férico. E encontrado em 60% das pessoas entre 50 e 60 anos de idade e em 100% acima de 80
anos (arco senil ou gerontóxon), afetando mais homens do que mulheres.
Quando presente em crianças e adultos jovens, pode estar relacionado à hiperlipidemia
familiar, xantelasma, síndrome nefrótica e hipotireoidismo (arco juvenil ou embriotóxon an­
terior). A presença do arco unilateral frequentemente está associada à doença da carótida ou
hipotonia ocular.
Caracteriza-se por halo branco-acinzentado inicialmente na periferia inferior da córnea,
com progressão para periferia superior, podendo progredir por toda a circunferência e formar
um anel de aproximadamente 1 mm de largura. Geralmente há um intervalo de córnea clara
entre a periferia do arco e o limbo (intervalo lúcido) (Fig. 1).
Histologicamente, consiste em depósito de colesterol, ésteres de colesterol, fosfolipídios
e triglicerídeos inicialmente na membrana de Descemet, subsequentemente na camada de
Bowman e no estroma corneai, extracelularmente.
Corpos de Hassal-Henle: Caracterizam-se por excrescências da membrana de Descemet,
que se projetam para o endotélio em direção à câmara anterior, na periferia da córnea e repre-

369
370 Doenças Externas Oculares e Córnea

sentam alterações senis. Ao exame, pequenos pontos escuros são vistos dispersos na periferia
da córnea, semelhante à córnea guttata.
Arco limbar de Vogt: Caracteriza-se por faixa esbranquiçada estreita, em forma de cres­
cente, localizada no limbo interpalpebral (Fig. 2). Geralmente simétrico, mais frequente no
limbo nasal do que no temporal.
Consiste em depósito subepitelial em forma de agulha, provavelmente secundário à expo­
sição solar, presente em 55% da população entre 40 e 60 anos de idade.
Dois tipos foram descritos: tipo 1 caracteriza-se por faixa esbranquiçada com presença de
buracos, separada do limbo por intervalo lúcido estreito.
Representa ceratopatia em faixa inicial. O tipo 2 é o verdadeiro arco limbar sem buracos
r

ou intervalo lúcido. E mais comum e presente em 100% depois dos 80 anos de idade.
Histologicamente, observa-se degeneração elastótica das fibras de colágeno.
Não há necessidade de tratamento.
Córnea farinácea: Alteração corneai senil, de herança autossômica dominante, que consis­
te em inúmeras e diminutas partículas e pontos acinzentados no estroma profundo próximas
à Descemet, mais facilmente observados à retroiluminação.
Geralmente bilateral, afeta a região central da córnea, sem causar diminuição da visão. Ao
exame histopatológico, os depósitos são compostos de lipofucsina, um pigmento degenerati-
Degenerações Corneais

vo que se acumula com a idade. A distrofia pré-Descemet talvez seja uma variante da córnea
farinácea.
Degeneração em mosaico (Shagreen): Opacidade corneai central, bilateral, mais frequen­
temente localizada na camada de Bowman (mosaico anterior) ou Descemet (mosaico poste­
rior), caracterizado por lesões poligonais branco-acinzentadas, separadas por áreas de córnea
clara (Fig. 3). Tem aspecto clínico semelhante à distrofia nebulosa central de François, porém
com padrão diferente de hereditariedade. Acuidade visual geralmente é preservada. A for­
ma anterior é descrita em associação com ceratocone, usuários de lentes de contato rígidas,
trauma, ceratopatia em faixa, hipotonia e megalocórnea juvenil. Padrão semelhante pode ser
observado com aplicação de fluoresceína, após pressão ser exercida sobre a córnea através das
pálpebras. A forma posterior é sempre senil.
Histologicamente, as camadas de Bowman ou Descemet encontram-se interrompidas por
placas de tecido fibroso.

Fig. 3 D e g e n e ra ç ã o em m o sa ico .

DEPÓSITOS

Ceratopatia em faixa: Ceratopatia em forma de faixa pode ser calcificada e não calcificada
(degeneração esferoidal e depósito de urato). O termo ceratopatia em faixa refere-se à forma
calcificada. O depósito de cálcio, que afeta principalmente a camada de Bowman, pode acome­
ter a membrana basal do epitélio e o estroma superficial, na região da fenda palpebral, sepa­
rado do limbo por um intervalo lúcido, devido à ausência de camada de Bowman na periferia
da córnea ou ao efeito tampão exercido pelos vasos do limbo, prevenindo a precipitação do
cálcio nessa região.
r

Areas translúcidas são vistas no centro da opacidade e correspondem à penetração dos


nervos corneais na membranda de Bowman, o que resulta em um aspecto de “queijo suíço”
(Fig. 4).
A acuidade visual geralmente diminui à medida que os depósitos de cálcio se tornam mais
densos e abundantes. Erosões epiteliais podem desenvolver-se em casos avançados e resultar
em dor significativa. Casos mais avançados podem se tornar nodulares.
Doenças Externas Oculares e Córnea

Fig. 4 C e ra to p a tia em fa ix a p o r d e p ó s ito d e c á lc io .

Estudos sugerem que o cálcio e o fosfato presentes no sangue e fluido intersticial podem
ser precipitados por pequenas alterações, tais como aumento de pH, evaporação ou aumen­
to de concentração em determinada área. As principais causas são hipercalcemia, doenças
oculares crônicas (uveíte, ceratite intersticial, glaucoma, phthisis bulbii, olho seco), doenças
sistêmicas (doença renal crônica, hiperparatireoidismo, sarcoidose, intoxicação por vitamina
D, nefrocalcinose, mie loma) e colírios, devido à alta concentração de fosfato usado como
tampão, o que inclui medicamentos sem conservantes que favorecem a precipitação do cálcio.
Além disso, devemos lembrar que as doenças malignas podem causar metabolismo anor­
mal do cálcio. Por isso, alguns casos incomuns podem merecer avaliação oncológica.
O tratamento consiste na aplicação tópica de um quelante de cálcio na superfície da cór­
nea, como o ácido etilenodiaminotetracético (EDTA) 1,5%, seguida por remoção mecânica do
cálcio com o auxílio de uma lâmina de bisturi. Ceratectomia fototerapêutica por excimer laser
pode ser indicada com bons resultados. Membrana amniótica pode ser utilizada após a remo­
ção cirúrgica da ceratopatia em faixa para restabelecer a estabilidade da superfície ocular mias
rapidamente.
r

Degeneração calcárea: E o segundo tipo de processo degenerativo relacionado ao cálcio.


Semelhante à ceratopatia em faixa, essa degeneração acomete olhos doentes, porém, diferen­
te da ceratopatia em faixa, envolve estroma profundo, e o depósito de cálcio pode acometer
toda a espessura da córnea.
Degeneração esferoidal (ceratopatia climática em gota): Degeneração corneai nodular
de Bietti, ceratopatia labrador, elastose corneai, ceratite do pescador e ceratopatia crônica
actínica e degeneração corneai do esquimó são outros termos utilizados na literatura para
descrever a mesma entidade.
Uma das mais frequentes doenças degenerativas da córnea com alta prevalência, especial­
mente nas regiões equatoriais e polares.
Caracteriza-se por depósitos amarelados subepiteliais, semelhantes a “gotas de azeite”
na córnea e conjuntiva, especialmente na região interpalpebral. Histologicamente, correspon­
dem a depósitos extracelulares de material proteináceo subepitelial, na camada de Bowman
e estroma superficial.
Pode ser classificada em três tipos: o tipo 1 é bilateral e ocorre na córnea, sem evidência
de outra doença ocular; o tipo 2 está associado à alteração ocular prévia, e o tipo 3 é a forma
conjuntival, que pode estar associada ao tipo 1 ou 2. Os tipos 1 e 3 são geralmente bilaterais e
secundários aos efeitos degenerativos da irradiação actínica crônica, bem como microtrauma
Degenerações Corneais

causado por areia, vento e pó. O tipo 2 é unilateral e pode estar associado a neovasculariza-
ções corneais, glaucoma e ceratite herpética. A categoria familiar foi adicionada mais tarde por
Meisler para explicar a presença de degeneração corneai central esferoidal em vários membros
de uma família, desde a infância. Portanto, a degeneração esferoidal não é apenas um processo
degenerativo, mas também pode ocorrer, raramente, como uma distrofia corneai.
Os raios ultravioleta e o processo de envelhecimento estão estreitamente relacionados
com a patogênese. Estes, por sua vez, estão ligados diretamente aos produtos finais da glica-
ção avançada (AGE) de açúcares e proteínas, que se depositam e parecem causar a degenera­
ção corneai esferoidal.
Ceratectomia lamelar superficial, ceratectomia fototerapêutica por excimer laser são op­
ções terapêuticas nos casos leves e moderados, e transplante de córnea é opção terapêutica
nos casos mais graves. Não há relatos de recorrências após transplante penetrante.
Degeneração amiloide: O termo amiloide refere-se a um grupo de proteínas séricas que
podem ser encontradas em diversos tecidos do organismo, incluindo o olho. Histologicamente,
amiloide é uma substância amorfa extracelular que cora com vermelho congo e tioflavina T.
Amiloidose pode ser primária ou secundária e ambas podem ser localizadas ou sistêmicas.
Amiloidose sistêmica raramente produz manifestações oculares. O envolvimento ocular é mais
frequente na forma localizada da doença.
A amiloidose corneai pode ser secundária à doença ocular local. Degeneração amiloide
polimórfica ocorre em pacientes acima dos 50 anos de idade e caracteriza-se por depósitos
amiloides em forma de filamentos e pontos branco-acinzentados no estroma posterior cor­
neai, de aparecimento tardio, sem padrão de herança, bilateral e geralmente assintomático.
Amiloidose localizada primária também pode envolver a conjuntiva.
A amiloidose corneai secundária é geralmente associada a doenças inflamatórias crônicas
como tracoma, flictenulose, degeneração lipídica, ceratite intersticial ou trauma, e outras con­
dições como triquíase e ceratocone.
Apresenta-se como lesões nodulares róseas ou branco-amareladas e translúcidas na con­
juntiva e córnea (Fig. 5).
Quando a acuidade visual é prejudicada, transplante penetrante de córnea pode ser re­
alizado, porém a presença frequente de neovascularização aumenta o risco de recorrência e
rejeição.
Degeneração nodular de Salzmann: Consiste em nódulos únicos ou múltiplos, elevados,
branco-azulados, dispostos de forma anular, localizados sobretudo na média periferia, adja­
centes a pannus ou cicatriz e secundários à sequela tardia de inflamação crônica ou idiopática

Fig. 5 A m ilo id o s e c o rn e a i.
374 Doenças Externas Oculares e Córnea

da córnea (Fig. 6). Pode ser uni ou bilateral e ocorre com maior frequência no sexo feminino. A
preponderância do sexo feminino teoricamente poderia ser explicada pelo fato de a deficiên­
cia androgênica poder levar a alterações funcionais da superfície ocular, mais especificamente
na camada lipídica do filme lacrimal, causando inflamação crônica de baixo grau.
Está comumente associada a flictenulose, porém também pode ocorrer após tracoma, ce-
ratoconjuntivite primaveril e ceratite intersticial, bem como condições não inflamatórias, tais
como incisões de córnea clara (cirurgia de catarata) e uso de lentes de contato.
O exame histopatológico mostra que placas de colágeno densas com hialinização estão
localizadas entre o epitélio e a camada de Bowman ou estendem-se até um terço do estróina
anterior.
Evidências recentes sugerem o papel das metaloproteinases da matriz epitelial (MMP) na
regulação do reparo de feridas do estroma corneai. Especificamente, o aumento da MMP-2, no
epitélio corneai sobrejacente aos nódulos de Salzmann, sugere um processo de remodelação.
A degeneração nodular de Salzmann geralmente é assintomática, porém episódios de erosão
recorrente podem ocorrer, causando lacrimejamento, fotofobia e irritação.
Dados interessantes são fornecidos por meio da análise das aberrações da córnea. Os
nódulos circulares periféricos produzem efeito refrativo: alta hipermetropia e astigmatismo e
achatamento central da córnea fica evidente, ocasionando baixa acuidade visual.
O tratamento nos casos leves pode ser feito com lubrificantes tópicos. As lesões subepi-
teliais no eixo visual podem ser removidas através da ceratectomia superficial ou ceratecto-
mia fototerapêutica por excimer laser, e as lesões profundas requerem transplante lamelar ou
penetrante de córnea, porém podem ocorrer recidivas. A avaliação da aberrometria corneai,
após tratamento cirúrgico, mostra redução significativa das aberrações totais e de alta ordem.
Anel branco de Coats: Pequena opacidade geralmente inferior a 1 mm de diâmetro, bran-
co-acinzentada, formada por pontos de arranjo circular, localizada no estroma superficial da
córnea, que ocorre após remoção de corpo estranho metálico (Fig. 7).

Fig. 6 D e g e n e ra ç ã o n o d u la r d e S a lz m a n n .

Fig. 7 A n e l b ra n c o d e C o a ts.
Degenerações Corneais

Degeneração lipídica: O depósito de colesterol forma uma opacidade esbranquiçada den­


sa, com aspecto de penugem na margem, que ocorre na superfície ou nas camadas mais pro­
fundas da córnea, geralmente em áreas de cicatriz corneai vascularizada. Pode ser primária
(rara, geralmente bilateral e sem vascularização estromal) ou secundária a inflamação corneai
crônica, como tracoma, ceratite intersticial, hidropsia, úlcera corneai ou trauma (mais comum,
extravasamento de vasos estromais) (Figs. 8A e B).
A patogênese na degeneração primária é incerta, mas parece haver aumento de permea­
bilidade dos vasos sanguíneos do limbo ou a inabilidade das células corneais, em sofrimento,
em metabolizar os lipídios. Na forma secundária, sugere-se que, nas córneas vascularizadas,
os vasos são mais permeáveis ou possuem dificuldade para remover os lipídios. Os pacientes
são assintomáticos, exceto nas lesões extensas localizadas no eixo visual comprometendo a
visão. Nesses casos pode ser necessário transplante lamelar ou penetrante de córnea, porém
recidiva pode ocorrer. Pode-se fazer também aplicação de laser de argônio na vaso nutridor.
Degeneração hialina: Opacificação nodular elevada, de coloração amarelada, geralmente
em forma de faixa na metade inferior da córnea, separada do limbo por um intervalo lúcido.
Histologicamente, corresponde a massas hialinas sob o epitélio. Transplante lamelar pode ser
necessário para remover lesões localizadas no eixo visual.
Linhas de ferro: São de coloração acastanhada, formadas por depósito superficial de ferro,
acometendo o epitélio corneai, e podem ocorrer em inúmeras situações. Os principais epôni-
mos são:
■ Linha de Stahli-Hudson - é uma linha horizontal localizada no terço inferior da córnea,
geralmente bilateral e simétrica. Sua incidência aumenta com a idade e não há predileção
por sexo.
Linha de Stocker - linha que delimita a cabeça do pterígio.
Linha de Fleischer - linha da base do ceratocone.
Linha de Ferry - linha corneai adjacente à bolha filtrante.

Clinicamente são melhor observadas à lâmpada de fenda, sob iluminação direta com luz
branca ou filtro azul de cobalto. São assintomáticas e não há necessidade de tratamento.

F ig s . 8 ( V e B) D e g e n e ra ç ã o lip íd ic a . A . P ré -tra n s p la n te d e c ó rn e a . B. P ó s-tra n sp la n te p e n e tra n te d e c ó rn e a .


376 Doenças Externas Oculares e Córnea

AFINAMENTO CORNEAL MARGINAL

Degeneração marginal de Terrien: Consiste em uma condição inflamatória periférica da cór­


nea, geralmente bilateral e simétrica, de progressão lenta, que ocorre com maior frequência
no sexo masculino (3:1), entre a segunda e quarta décadas de vida. O processo degenerativo
inicia-se na porção superonasal da córnea, progredindo circunferencialmente sob a forma de
opacidades esbranquiçadas finas, subepiteliais, que coalescem, formando um afinamento pro­
gressivo, que poupa o limbo (Fig. 9). O epitélio geralmente permanece intacto sobre a área afi­
nada. Depósito de lipídio na porção mais axial do afinamento é característico. Episódios recor­
rentes de inflamação e necrose podem resultar de neovascularização da periferia da córnea.
Perfuração espontânea é rara.
Muitas vezes é agrupada com outros transtornos de afinamento da córnea periférica, tais
como ceratocone marginal, ceratoglobo, degeneração marginal pelúcida e úlcera Mooren.
Dois tipos de degeneração podem ocorrer: o tipo mais comum ocorre em pessoas idosas;
pode ser assintomático por longo período, pois a lesão não causa dor. O tipo inflamatório
geralmente acomete indivíduos jovens e episódios recorrentes de inflamação, episclerite ou
esclerite podem ocorrer. Pode ser tratado com esteroides tópicos.
O exame topográfico da córnea mostra aplanamento periférico, com aumento da curva­
tura perpendicular à área afinada, ocasionando astigmatismo contra a regra ou oblíquo, que
pode progredir para astigmatismo irregular, com consequente baixa acuidade visual.
Estudos de microscopia eletrônica revelam que o tecido colágeno encontra-se fagocitado
por células histiocitárias, com alto grau de atividade lisossômica.
Amostras histológicas mostram que a camada de Bowman não é detectada, o estróina
corneai perde a sua estrutura original e estritamente organizada, e a membrana de Descemet
está mais fina que o habitual.
Correção óptica com óculos ou lentes de contato pode ser obtida nas fases iniciais da
doença. Afinamentos graves podem ser tratados com enxerto lamelar em anel ou transplante
penetrante de córnea excêntrico ou de diâmetro aumentado.
Degeneração corneai senil (furrow): Afinamento periférico encontrado em pessoas idosas,
localizado na zona avascular da córnea, entre o arco senil e o limbo. Parece ser uma ilusão
causada pelo arco senil, mas há casos de afinamento verdadeiro.
São assintomáticas, não vascularizam e não há relato de perfuração.
Dellen: São depressões na periferia da córnea, causadas por falta de lubrificação em áreas
adjacentes a elevações, como, por exemplo, pterígio, cicatriz de cirurgia de catarata, sutura
(Fig. 10) ou bolha filtrante. São transitórios, duram em geral 24 a 48 horas e geralmente me­
lhoram com lubrificação ou remoção da lesão subjacente.
Degenerações Corneais

D e lle n a d ja c e n te à su tu ra em p a c ie n te s u b m e tid o a
tra n s p la n te p e n e tra n te d e c ó rn e a .

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o
*< Deficiências Nutricionais
Deficiências Nutricionais

A N A L U IS A H Ö F L IN G - L IM A • A N A C A R O L IN A V IE IR A

DEFICIÊNCIA DE VITAMINA A

A deficiência da vitamina A é um problema de saúde pública que afeta crianças desnutridas,


principalmente de 1 a 5 anos, e gestantes em países em desenvolvimento. Essas populações
são consideradas de maior risco devido à alta necessidade de consumo de vitamina A e às
potenciais consequências relacionadas à deficiência desta nessas fases da vida. A dieta pobre
em alimentos que são fonte de vitamina A é a principal causa em todas as áreas endêmicas
r r

no mundo (principalmente de populações carentes na África, Asia e América Latina, nas quais
está incluído o Brasil).1Uma dieta cronicamente insuficiente em vitamina A não permite a for­
mação de uma reserva corporal satisfatória e gera anemia, xeroftalmia e baixa resistência a
infecções. Nos países que não apresentam altas taxas de desnutrição, a carência da vitamina A
está relacionada a hábitos dietéticos,2 alcoolismo crônico,3 doenças crônicas e estados de má-
absorção.4,5 Mais recentemente, com o aumento da popularidade da cirurgia bariátrica, casos
de hipovitaminose A secundários a esse procedimento foram relatados.6,7
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), essa deficiência afeta 33% da população
mundial de crianças em idade pré-escolar e 15% das gestantes, mundialmente.8,9 As lesões
oculares secundárias a deficiência de vitamina A são a principal causa de cegueira em crianças
menores de 5 anos.
A vitamina A, uma vitamina lipossolúvel, pode ser encontrada na forma de retinol em ali­
mentos de origem animal como leite, ovos e carnes, ou na forma de provitamina caroteno, em
verduras verde-escuras e frutas e vegetais amarelos. Após a ingestão, ela é transformada em
retinol, absorvida no intestino delgado e armazenada no fígado.4 O retinol é essencial para
o bom funcionamento das células fotorreceptoras da retina, assim como para a produção de
hemácias e a manutenção da integridade do epitélio ocular e dos tratos gastrintestinal, geni-
turinário e respiratório.10A deficiência de vitamina A causa alterações atróficas das superfícies

381
382 Doenças Externas Oculares e Córnea

mucosas, com diminuição das células caliciformes produtoras de mucina e queratinização do


epitélio.4,10
Xeroftalmia é o conjunto das manifestações oculares causadas pela hipovitaminose A. A
classificação atualmente utilizada pela OMS para as manifestações oculares da hipovitaminose
A foi desenvolvida em 1982 e encontra-se listada na Tabela 1.11,12

TABELA [ C la s s ific a ç ã o d e x e ro fta lm ia (W H O , 1982)

C la ssific a ç ã o d e x e ro fta lm ia

XN Cegueira noturna ou nictalopia


X1A Xerose co n ju n tival
XIB M ancha de Bitot
X2 Xerose corneana
X3A Úlcera co rn ean a/q u erato m alacia < 1/3 da córnea
X3B Úlcera co rn ean a/q u erato m alacia > 1/3 da córnea
XS C icatrização corneana
XF Fundus xero ftálm ico

Alterações retinianas
Apesar de a cegueira noturna ou nictalopia (XN) ser a manifestação mais comum e precoce da
xeroftalmia, encontra-se associada a deficiência sistêmica de vitamina A já moderada a grave.
Globalmente, a cegueira noturna afeta 5,2 milhões de crianças em idade pré-escolar e 9,8 mi­
lhões de gestantes.12 Fundus xeroftálmico é uma alteração incomum, caracterizada por defei­
tos focais do epitélio pigmentar da retina (EPR) na periferia retiniana.

Alterações conjuntivais
A xerose conjuntival (XI A) consiste em área seca, que cora com rosa-bengala, tipicamente en­
contrada na região interpalpebral da conjuntiva bulbar temporal. Em casos mais avançados,
toda a conjuntiva bulbar pode estar envolvida. Podem ocorrer espessamento e perda da trans­
parência conjuntival.
Manchas de Bitot (XIB) são placas perilímbicas acinzentadas, triangulares e de aspecto es­
pumoso, localizadas na região interpalpebral da conjuntiva bulbar. Essas lesões são formadas
por epitélio conjuntival queratinizado, células inflamatórias e bactérias como Corynebacteria
xerosis, que metabolizam os debris epiteliais, dando o aspecto espumoso.10 Ocasionalmente,
manchas de Bitot podem ser encontradas em indivíduos desnutridos, porém com níveis nor­
mais de vitamina A.

Alterações cornearias
A xerose corneana (X2) é caracterizada por instabilidade do filme lacrimal, ceratopatia ponte­
ada superficial e queratinização corneana. Inicialmente é encontrada nos quadrantes nasais
inferiores, progredindo posteriormente para toda a superfície corneana. Se não tratada, evolui
Deficiências Nutricionais 383

para ulcerações corneanas, que inicialmente são pequenas e periféricas, localizadas na meta­
de inferior da córnea. Podem evoluir com acometimento do eixo visual e infecção bacteriana
secundária.
Casos mais graves podem apresentar queratomalacia, necrose estromal corneana de co­
loração acinzentada ou amarelada e bordas bem delimitadas. O tamanho dessas lesões pode
variar de 2 mm a toda a extensão da córnea (X3A e X3B). Dependendo da gravidade, pode
evoluir para cicatrização corneana (XS), descemetocele ou perfuração. Encontra-se frequen­
temente associada a alteração sistêmica, como diarreia, infecção respiratória ou desnutrição
proteico-calórica.
O diagnóstico é clínico, porém pode ser confirmado por citologia de impressão, que reve­
la perda de células caliciformes e células epiteliais irregulares e queratinizadas, características
de metaplasia escamosa, assim como pela dosagem sérica de vitamina A e proteína carregado­
ra de retinol (RBP). Valores sistêmicos de retinol inferiores a 0,70 pmol/1 indicam deficiência de
vitamina A, enquanto valores abaixo de 0,35 pmol/1 revelam deficiência grave. Em gestantes e
lactantes, níveis séricos inferiores a 1,05 jumol/l já refletem baixa concentração dessa vitami­
na.12A resposta terapêutica reforça o diagnóstico.
A prevenção é considerada uma medida essencial no controle da deficiência da vitamina
A. Em certas regiões das Américas Central e do Sul, o açúcar é fortificado com vitamina A há
3 décadas.12 Entretanto, ainda há poucos programas nacionais de prevenção em países em
desenvolvimento.
A xeroftalmia deve ser considerada uma emergência médica. A reposição de vitamina A re­
duz a mortalidade infantil em 23 a 30% e os riscos de xeroftalmia em aproximadamente 90%.12
Em países de alto risco, suplementos de vitamina A (200.000 UI, via oral) devem ser administra­
dos em crianças em fase pré-escolar (< 5 anos). Para crianças de 6 meses a 1 ano, uma dose de
100.000 UI de vitamina Avia oral é recomendada e para crianças menores de 6 meses, 50.000 UI.
A dose deve ser repetida no dia seguinte, e, novamente em 2 semanas.13 Administração paren-
teral pode ser indicada em crianças com desnutrição grave, anorexia e incapacidade de degluti­
ção. Pacientes com lesão corneana grave ou síndrome de má absorção podem ser tratados com
vitamina A intramuscular (100.000 UI).4 Alguns países também adotaram a recomendação da
Organização Mundial da Saúde de suplementar lactantes com uma dose oral de 200.000 UI nas
primeiras 6 semanas pós-parto a fim de aumentar o conteúdo de vitamina A no leite materno.12

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DEFICIÊNCIA DE VITAMINA B

Vitamina B12
A vitamina BI 2 é uma substância hidrossolúvel, não sintetizada pelo organismo humano. Encontra-
se presente em alimentos de origem animal, como carnes e leite. Indivíduos idosos, vegetarianos
e aqueles que adotam baixa dieta proteica estão mais predispostos à deficiência dessa vitamina.
A deficiência de vitamina B I2 pode causar transtornos hematológicos e neurológicos.
Os sintomas neurológicos incluem fraqueza generalizada, parestesia, irritabilidade, apatia e
instabilidade emocional. A tríade fraqueza, glossite e parestesias é comumente observada. A
principal manifestação hematológica é uma anemia macrocítica com megaloblastose. Pode-se
observar também plaquetopenia. Os achados oftalmológicos incluem alteração bilateral da
visão de cores e um quadro de neuropatia óptica. O exame de potencial evocado visual (PEV)
revela latência prolongada do componente PI00, sem alterações da amplitude. O aumento da
latência melhora com a instituição do tratamento.
A dosagem sérica de vitamina B I2 é o teste mais comumente utilizado para o diagnósti­
co, porém sua sensibilidade e especificidade ainda são questionáveis. Os níveis de vitamina
B I2 são considerados baixos quando inferiores a 200 pg/ml (148 pmol/1). Falsos aumentos são
causados por desordens mieloproliferativas, e valores falsamente diminuídos podem ser en­
contrados em condições como a deficiência de folatos e na gravidez. Entretanto, apesar dessas
limitações, nenhum outro teste é universalmente aceito como substituto.

Vitamina B7
A vitamina B7, ou biotina, é uma substância hidrossolúvel, encontrada em carnes, peixes,
ovos e nozes. Sua deficiência pode ocorrer em indivíduos com alterações gastrintestinais,
alcoolismo crônico e em diálise. O quadro clínico inclui dermatite perioral, ataxia, alopecia,
conjuntivite e madarose dos cílios. Atrofia óptica foi relatada em um caso de deficiência de
biotinidase, uma importante enzima do ciclo da biotina, responsável pela conversão da bioci-
tina em biotina.
Deficiências Nutricionais 385

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DEFICIÊNCIA DE VITAMINA C

A vitamina C ou ácido ascórbico possui papel essencial na síntese de colágeno e do neuro-


transmissor norepinefrina, assim como no metabolismo do colesterol. Possui também função
antioxidante. A vitamina C é uma vitamina hidrossolúvel presente em frutas, vegetais, leite e
algumas carnes. Os seres humanos não possuem a capacidade de produção de vitamina C e de­
pendem integralmente da obtenção através da alimentação.1 O principal mecanismo de ação
do ácido ascórbico consiste na atuação como cofator na hidroxilação da prolina e da lisina. A
hidroxiprolina e a hidroxilisina são aminoácidos presentes na estrutura do colágeno2, e a sua
deficiência resulta na síntese de fibrilas colágenas extracelulares instáveis.3
A deficiência sistêmica da vitamina C resulta no escorbuto, uma doença potencialmente
fatal, que apresenta dois picos de incidência: crianças de 6 a 12 meses e idosos. A ausência
de alimentação balanceada secundária a fatores econômicos, doenças gastrintestinais, falta da
dentição na população idosa e alcoolismo são as maiores causas dessa doença. As manifes­
tações clínicas incluem formação de hematomas, artralgia, alterações ósseas, gengivorragia,
perda de dentes e anemia.2,4 A concentração total de vitamina C no organismo é de 1.500 mg,
e as manifestações clínicas do escorbuto ocorrem quando essa concentração encontra-se me­
nor que 350 mg. A deficiência de vitamina C é rara em países desenvolvidos, uma vez que pode
ser prevenida com uma dose diária de apenas 10 mg. A deficiência concomitante de outras
vitaminas e minerais é um achado comum.4
O diagnóstico da deficiência de vitamina C é clínico, baseado na história dietética do
paciente. Confirmação laboratorial pode ser realizada em casos de dúvida diagnóstica. Uma
concentração plasmática de vitamina C menor que 11 jt/mol/1 sugere escorbuto.4
A dinâmica do ácido ascórbico no segmento anterior do olho depende de dois sistemas
de transporte ativo: do plasma para o humor aquoso e do humor aquoso para o epitélio cor-
neano. A concentração corneana de ácido ascórbico é 14 vezes maior que a concentração no
aquoso e quase 300 vezes maior que no plasma sanguíneo. Essa diferença se deve à ação de
uma proteína de transporte presente no epitélio do corpo ciliar e no epitélio da córnea cha­
mada proteína transportadora dependente de sódio.1
Em queimaduras corneanas por álcalis, constatou-se, através de estudos experimentais,
um estado de deficiência localizada de vitamina C. A deficiência secundária à lesão ciliar leva
à diminuição da produção de colágeno necessária para a restauração estromal.3 O tratamento
precoce com ascorbato tópico ou sistêmico, na tentativa de restaurar os níveis normais de as-
corbato no humor aquoso, reduz a incidência de perfuração corneana.5,6
Há estudo mostrando que animais de hábitos diurnos apresentam níveis mais altos de
ácido ascórbico no epitélio corneano do que animais de hábitos noturnos, e que o ascorbato
supostamente atuaria como um filtro solar, protegendo o cristalino e a retina dos danos noci-
Doenças Externas Oculares e Córnea

vos da radiação ultravioleta.7 Recentemente, foi demonstrado o papel do ácido ascórbico na


proteção estromal contra os efeitos deletérios dos raios UV-B.8
Alguns estudos sugerem uma relação inversa entre o consumo de vitamina C e o risco de
desenvolvimento de catarata.911 Além disso, níveis reduzidos de vitamina C no cristalino fo­
ram associados a maior gravidade da catarata. Entretanto, um outro estudo revelou ausência
de efeito do consumo de vitamina C no desenvolvimento e na progressão da opacidade do
cristalino.12 Portanto, essa relação entre o consumo de vitamina C e o desenvolvimento da ca­
tarata ainda deve ser avaliada no futuro.
Em pacientes com glaucoma de pressão normal, foram observados níveis séricos de vita­
mina C menores do que em pacientes-controle; os autores sugerem que baixos níveis séricos
de vitamina C possam induzir elevação da PIO nesses pacientes.13 Em um estudo recente,
níveis reduzidos de ácido ascórbico foram encontrados no humor vítreo de pacientes com
retinopatia diabética proliferativa.14
Há rápida resposta à suplementação oral de vitamina C. A recomendação de consumo mí­
nimo diário nos EUA é de 75 a 90 mg em adultos e 15 a 45 mg em crianças, de acordo com a
idade. Fumantes são recomendados a ingerir 35 mg/dia a mais que os não fumantes, uma vez
que estão sob maior estresse oxidativo.15

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DEFICIÊNCIA DE VITAMINA E

A vitamina E, encontrada em óleos vegetais, verduras escuras, cereais e nozes, possui pro­
priedades antioxidantes. Nos olhos, a vitamina E possui papel na proteção da membrana dos
fotorreceptores contra lesões oxidativas. Populações de risco para deficiência dessa vitamina
incluem portadores de doença celíaca, fibrose cística, pancreatite, doenças hepáticas, entre
outras.
A deficiência de vitamina E causa sintomas neurológicos e musculares, envolvendo tanto
a musculatura esquelética quanto a cardíaca. Nos olhos, estudos experimentais demonstraram
que a deficiência de vitamina E é responsável por um quadro de acúmulo de lipofuscina no
epitélio pigmentar da retina e pela consequente perda de cones e bastonetes. A latência do
componente P I00 do PEV encontra-se prolongada nesses casos.
A suplementação com vitamina E faz parte da formulação recomendada pelo AREDS (Age-
Related Eye Disease Study Research Group) para a redução da progressão da degeneração ma­
cular relacionada à idade (DMRI).

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Terapêutica de Doenças
Externas e da Córnea
Uso de Lentes de Contato no
Tratamento de Doenças da
Córnea
Uso de Lentes de Contato
no Tratamento de
Doenças da Córnea
MILTON RUIZ ALVES • FLAVIO FERNANDES VILLELA

O uso terapêutico das lentes de contato gelatinosas (LCG) adicionou uma nova dimensão no
tratamento de várias afecções corneais. Embora as LCG tenham sido desenvolvidas primaria­
mente para a correção de erros refrativos, seu uso para proteção da superfície corneai, como
bandagem óptica, firmou-se como opção terapêutica muito útil. As LCG são confortáveis e
muito bem toleradas pela maioria das córneas alteradas.
Wichterle e Lim (1960) desenvolveram a primeira LCG. Quatro anos mais tarde, Rycroft
(1964) relatou o benefício do uso de LCG em pacientes com penfigoide ocular e síndrome de
Stevens-Jonhson. Rubem (1966) utilizou LCG em pacientes com penfigoide ocular. A partir de
1970, numerosos investigadores, entre eles Gasset e Kaufman (1960), Leibowitz e Rozenthal,
(1971) e Kara-José et cil. (1977), relataram várias indicações do uso terapêutico de LCG em do­
enças corneais.
Um novo impulso aconteceu com o desenvolvimento de novos desenhos e materiais de
LCG para uso descartável ou de troca planejada, tornando mais seguras as adaptações com
objetivos terapêuticos.

EFEITOS TERAPÊUTICOS

O uso terapêutico das LCG, protegendo a superfície ocular, alivia a dor ocular originada das
terminações nervosas expostas ou do desconforto proveniente de trauma secundário a sutu­
ras e filamentos. Alivia a dor no período pós-operatório de cirurgias que cursam inicialmente
com defeito epitelial (PRK, PTK, transplante de córnea etc.) Facilita a cicatrização epitelial pro­
tegendo a superfície ocular alterada por erosões e defeitos epiteliais da ação palpebral; e, pelo
mesmo mecanismo, também impede o destacamento de células epiteliais em casos de erosão
recorrente. Sela pequenas perfurações corneais. Cobre a superfície irregular que ocorre após
a polimerização de adesivo tissular. Corrige pequenas quantidades de astigmatismo irregular,

393
394 Doenças Externas Oculares e Córnea

melhorando a qualidade visual. Pode atuar como veículo facilitador para penetração ocular de
medicações de uso tópico. Vários estudos avaliaram o papel da LCG de potencializar a libe­
ração de fármacos como pilocarpina, acetazolamida e tobramicina, mas constataram falta de
previsibilidade nesse efeito. No entanto, essas pesquisas mostraram ser seguro o uso de medi­
cações tópicas na presença de LCG, e que não era necessária sua remoção (Fig. 1).

Fig. i E fe ito s d o u so te ra p ê u tic o d e LCG .

SELEÇÃO DA LCG

Vários parâmetros, como conteúdo aquoso, diâmetro e espessura, devem se considerados na


escolha da LCG para tratar uma determinada afecção corneai. Por exemplo, um paciente por­
tador de olho seco requer LCG de baixa hidratação, preferencialmente produzida com mate­
rial de silicone-hidrogel ou a Proclear Compatibles (Cooper-Vision Corp.); enquanto outro com
envolvimento corneal periférico necessita de LCG de diâmetro maior para melhor cobertura
corneal.

Curva-base
Em casos de irregularidade corneal acentuada, ou quando não for possível determinar as cur­
vas ceratométricas para a escolha da curva-base da lente de contato, pode-se utilizar as me-
Uso de Lentes de Contato no Tratamento de Doenças da Córnea

didas ceratométricas do olho contralateral, ou mesmo iniciar a adaptação empiricamente,


adotando-se curva-base média. A necessidade de ajustes na adaptação da LCG é feita avalian-
do-se a relação LC-córnea com o emprego de lâmpada de fenda. A lente sempre deve estar
centralizada cobrindo toda a córnea e apresentar movimentação lateral de cerca 0,5 mm e
vertical de 1,0 a 1,5 mm.

Poder dióptrico
Na escolha do poder dióptrico da LCG, deve-se levar em conta o erro refrativo do olho tratado
com o intuito de obter a melhor acuidade visual possível. Lentes positivas têm a espessura
central maior que lentes negativas, o que diminui a transmissibilidade aos gases (DK/L) nessas
lentes, fato que deve ser considerado quando do uso prolongado. Em pacientes com compro­
metimento da acuidade visual, por perda de transparência ou irregularidades corneanas, len­
tes de poder negativo devem ser preferidas pela razão descrita anteriormente.

Materiais
A escolha do material deve contemplar: hidratação, tendência à formação de depósitos e
transmissibilidade ao oxigênio.
Hidratação: materiais com alto teor aquoso (classes II e IV FDA) são mais suscetíveis em
provocar desconforto em pacientes com disfunção lacrimal, nos que trabalham em ambientes
com baixa umidade relativa ou naqueles com propensão à formação de depósitos.
Formação de depósitos: materiais com carga iônica (classes III e IV FDA) tendem a causar
mais depósitos nas lentes de contato.
Transmissibilidade: materiais da família HEMA com alta hidratação permitem maior trans­
missibilidade ao oxigênio e adaptações prolongadas; os materiais de silicone-hidrogel, de bai­
xa hidratação, permitem uso contínuo com segurança pela sua alta transmissibilidade.

INDICAÇÕES

Ceratopatia bolhosa
O uso terapêutico de LCG em pacientes com ceratopatia bolhosa provê significante conforto
e melhora visual. A ceratopatia bolhosa resulta do acúmulo de fluido e formação de bolhas
epiteliais, secundária à descompensação endotelial corneai por várias causas, entre elas a
distrofia endotelial de Fuchs e a ceratopatia bolhosa do afácico e do pseudofácico. As bolhas
epiteliais causam marcadas irregularidades na superfície corneai, induzindo astigmatismo ir­
regular e diminuição da visão. As LCG provêm superfície refrativa lisa, corrigem pequeno as­
tigmatismo irregular e melhoram a visão, especialmente nos estágios iniciais da ceratopatia
bolhosa. Com a progressão da ceratopatia bolhosa, as bolhas epiteliais coalecem formando
bolhas maiores que se rompem, resultando em defeitos epiteliais e exposição de terminações
nervosas que provocam desconforto e dor. A proteção dos nervos expostos pela LCG alivia a
dor. Caso um transplante de córnea esteja planejado para futuro próximo, deve-se escolher
LCG com alta transmissibilidade de oxigênio, como as de material de silicone-hidrogel, para
396 Doenças Externas Oculares e Córnea

evitar o desenvolvimento de neovascularização, que ocorre no uso de lentes com baixa trans-
missibilidade ou mais espessas.

Erosão recorrente de córnea


Essa condição caracteriza-se por episódios agudos recorrentes espontâneos de rotura epitelial
corneai acompanhados de súbito início de dor, lacrimejamento e blefarospasmo. Essas crises,
geralmente, ocorrem no período da manhã, ao acordar, justamente no momento da abertura
das pálpebras (Fig. 2). Erosão recorrente pode estar associada a antecedentes de trauma cor­
neai com unha, papel, grampo, cerdas de escova de cabelo etc. Pode estar associada à distrofia
da membrana basal-epitelial. Nesse caso, o exame do olho contralateral pode ser útil no diag­
nóstico de distrofia. Outras distrofias corneais, como a Reis-Bücklers e lattice, podem cursar
com episódios de erosão recorrente de córnea. Várias modalidades terapêuticas além do uso
terapêutico de LCG têm sido utilizadas no seu tratamento, como colírio e pomada de cloreto
de sódio a 5%, lubrificação, oclusão, debridamento químico ou mecânico do epitélio pobre­
mente aderido à membrana basal, agulhamento, termocauterização e PTK. Grandes áreas de
epitélio corneai não aderente devem ser mecanicamente debridadas sob anestesia tópica. O
uso de esponja de merocel para o debridamento evita lesão adicional à membrana basal como
no uso de instrumentos cortantes. O uso terapêutico de LCG deve ser mantido por, no míni­
mo, 2 a 3 meses, para prover adequado tempo para a elaboração de nova membrana basal
pelo epitélio regenerado e para que os ligamentos hemidesmossomais entre células epiteliais
e membrana basal e a completa restauração da adesão entre o estroma superficial e o epitélio
impeçam nova erosão. A preferência atual é pelo uso das LCG de silicone-hidrogel.

F ig . 2 E ro sã o re c o rre n te d e c ó rn e a .

Defeito epitelial persistente


Defeitos epiteliais persistentes podem resultar de trauma, como abrasão corneai, ou estar as­
sociados à síndrome de erosão recorrente. Podem ser sequelas de infecções bacterianas, fún­
gicas ou virais (p. ex., doença herpética corneai). Outras causas incluem queimaduras química,
pós-cirúrgica (seguindo transplante de córnea, pós-vitrectomia em diabéticos), olhos com dis­
função lacrimal, ceratite neurotrófica etc. A cicatrização de defeito epitelial envolve movimen­
tação celular epitelial, mitose, ressíntese de membrana basal, formação de hemidesmossomos
que ligam a membrana basal à Bowman e fibras ancorantes que têm papel na adesão da mem-
Uso de Lentes de Contato no Tratamento de Doenças da Córnea

brana basal epitelial ao estroma anterior corneai. O crescimento celular nesses olhos pode ser
inibido por fatores humorais associados ao processo inflamatório. Quando as células epiteliais
se regeneram para fechar o defeito epitelial, essas células devem ser protegidas da ação do ro­
çar palpebral durante o pestanejar. Também devem permanecer no local por tempo suficiente
para a formação dos complexos de ligação epitélio-membrana basal-Bowman-estroma corneai
anterior. Nessas circunstâncias, o uso terapêutico de LCG auxilia na cicatrização do defeito
epitelial. A preferência atual nesses casos é pelo uso das LCG de silicone-hidrogel.
A ceratite neurotrófica representa uma desordem corneai degenerativa causada pela dimi­
nuição da sensibilidade corneai associada à rotura epitelial, dificuldade de cicatrização (levando
à ulceração, necrose e perfuração corneai), e tem como mecanismo patogenético lesão do nervo
trigêmeo. Pode ter como causas: infecção por herpes simples e herpes-zóster, queimadura quí­
mica e procedimentos neurocirúrgicos (neuroma acústico, meningioma e aneurisma) e mesmo
doenças sistêmicas, como diabetes, esclerose múltipla e hanseníase. No estágio 1 da ceratite
neurotrófica (Fig. 3A), observam-se ceratopatia ponteada que apresenta coloração com rosa-
bengala e diminuição do tempo de rotura do filme lacrimal. No estágio 2, observa-se defeito
epitelial corneano (Fig. 3B).
A terapêutica da ceratite neurotrófica no estágio 1 inclui a suspensão de medicação tó­
pica, avaliação de possíveis efeitos colaterais de medicações sistêmicas (neurolépticos, antip-
sicóticos, anti-histamínicos), uso de lágrimas artificiais sem preservantes e LCG terapêutica.
Quando o resultado não for satisfatório, suspende-se o uso de LCG e introduz-se colírio de
soro autólogo. Da mesma forma, se, no estágio 2, o uso da LCG não contribuir para a cica­
trização do defeito epitelial e esta não tiver respondido ao uso do colírio de soro autólogo,
deve-se cobrir a área de defeito epitelial para promover cicatrização (tarsorrafia lateral, botox
para indução de ptose ou cobrir o defeito epitelial com membrana amniótica). No estágio 3,
quando já ocorre afinamento e necrose corneai, indica-se tarsorrafia (alternativas: recobrimen-
to conjuntival, transplante de córnea tectônico lamelar, uso de cola, transplante de membrana
amniótica). O uso de cola e de LCG está indicado em perfurações corneais pequenas menores
que 2 mm.

F ig s . 3 (A e B) C e ra to p a tia n e u ro tró fic a . A . E stá g io 1: c e ra to p a tia p o n te a d a . B . E stá d io 2: d e fe ito e p ite lia l


p e rs is te n te .
Doenças Externas Oculares e Córnea

Ceratite filamentar
A ceratite filamentar está associada à sensação de corpo estranho, desconforto, dor e dimi­
nuição da visão secundária a astigmatismo irregular. Filamentos finos de epitélio corneai são
ligados pela sua base à superfície corneai. São observados em ceratoconjuntivite seca, ceratite
límbica superior, edema corneai, seguindo cirurgia ocular e infecções virais da córnea. O trata­
mento inclui a remoção mecânica dos filamentos, remoção mecânica mais aplicação de nitrato
de prata a 0,05% na sua base, uso tópico de N-acetilcisteína a 10% e uso terapêutico de LCG.
No uso de LCG, os filamentos desaparecem em 2 semanas, porém não de forma permanente.
Por isso, a LCG deve ser usada por longo tempo.

Ferimentos corneais
O uso de LCG é útil em casos de laceração e perfuração corneai, podendo inclusive selar pe­
quenas perfurações corneais. O uso de LCG deve seguir a aplicação de adesivo tissular para
selar perfuração corneai. A LCG deve ser aplicada sobre a superfície irregular resultante da po-
r

limerização do adesivo para prover conforto ao paciente. E importante adaptar a LCG somente
após a polimerização da cola.

Pós-operatório de cirurgia ocular


O uso de LCG pode se benéfico no período pós-operatório de transplante de córnea, na pre­
sença de defeito epitelial persistente e também em cirurgias oculares com Seidel positivo,
com o objetivo de restaurar ou de manutenção da câmara anterior.

Entrópio, triquíase
O uso terapêutico da LCG é para proteger a córnea da ação do roçar dos cílios e da margem
palpebral. Nesses casos, deve-se optar por adaptação mais justa para evitar o deslocamento
da lente pelos cílios e margem palpebral.

Úlcera primaveril (em escudo)


O uso terapêutico de LCG é indicado após a remoção da placa mucoide, para facilitar a cicatri-
zação do defeito corneai.

Medicações concomitantes
Na presença de defeito epitelial, indica-se o uso de colírio de antibiótico (p. ex., ofloxacino a
0,3%) 1 gota, 3 a 4 vezes/dia. Em todas as adaptações terapêuticas, recomenda-se a instilação
de lágrimas artificiais sem conservantes. O uso de outras medicações concomitantes, como
anti-infecciosos, esteroides e cicloplégicos, embora possa comprometer a qualidade óptica
das lentes, muitas vezes é parte fundamental do tratamento proposto e ajuda a evitar o apare­
cimento de novas complicações nesse olho. Deve-se evitar o uso tópico de anti-inflamatórios
não esteroides em olhos adaptados com LCG. A substituição da LCG deve respeitar o calen-
Uso de Lentes de Contato no Tratamento de Doenças da Córnea

dário de troca indicado pelo fabricante, de modo que o tempo de uso da lente escolhida seja
adequado à adaptação proposta.

COMPLICAÇÕES

As complicações com lentes terapêuticas são as mesmas causadas pelo uso de lentes de conta­
to, somando-se ao fato a existência de doença ocular associada, o que demanda maior atenção
no acompanhamento desses casos, bem como retornos iniciais mais frequentes.

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o
«<
Suporte e Proteção
U"
Adesivos Teciduais

SÉRGIO FELBERG • JOSÉ ÁLVARO PEREIRA GOMES

Adesivos teciduais são utilizados em oftalmologia em diversas situações, como nos afinamen-
tos, microperfurações e perfurações corneais de difícil resolução cirúrgica (lesões “estrela­
das”); nas fístulas em ferida de ceratoplastia ou em ampolas conjuntivais nas trabeculectomias.
r

E excelente opção, principalmente nas lesões que acometem o eixo visual, quando se deseja
reduzir cicatrizes ou o astigmatismo induzido pelas suturas. Também são utilizados para a
adesão de tecidos, como no transplante de conjuntiva, com a finalidade de diminuir ou até de
evitar suturas, reduzindo tanto a incidência de complicações associadas à realização de pon­
tos quanto o tempo cirúrgico. Outras indicações incluem aplicação para oclusão temporária
das pálpebras (tarsorrafia provisória) e dos pontos lacrimais.
Os adesivos podem constituir solução definitiva ou temporária, dependendo da sua indi­
cação, das condições clínicas do paciente ou da disponibilidade de tecidos (p. ex., córnea para
transplante tectônico).
Muitas vezes, a aplicação desses adesivos visa manter a integridade ocular, principalmente
isolando o conteúdo intraocular do meio extraocular, prevenindo dessa forma o desenvolvi­
mento de endoftalmite e outras complicações, como catarata, glaucoma etc. Uma segunda
intervenção pode ser realizada oportunamente com o objetivo de restabelecer a capacidade
funcional do olho, embora, em alguns casos, apenas a aplicação do adesivo é suficiente para
atingir essa finalidade, dispensando procedimentos adicionais.
Podem ser utilizados os adesivos derivados da fibrina e do cianoacrilato. Os derivados
da fibrina têm a vantagem de ser reabsorvidos progressivamente, sendo substituídos natural­
mente por tecido fibroso. São pouco tóxicos e de superfície pouco áspera, não necessitando
de colocação de lentes de contato quando aplicados sobre a córnea. Os adesivos disponíveis
comercialmente são formados a partir de componentes humanos e bovinos do sangue peri­
férico que imitam a cascata de coagulação (Fig. 1). Quando esses componentes são reconsti­
tuídos momentos antes da aplicação, originam uma cola com pouca força tensora, útil para

403
404 Doenças Externas Oculares e Córnea

Solução de tromina e
cloreto de cálcio

Fator Xllla

Proteólise Polimerizações Ligações cruzadas


Fibrinogênio Fibrina Fibrina s Fibrina i
(humano) (monômeros) (solúvel) (insolúvel)
V_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _______________________________ J

Inibição
da fibrinólise

pela plasmina

Fig. i C o la d e fib rin a .

o preenchimento de afmamentos corneais, tamponamento de fístulas ou adesão de tecidos


(transplantes de conjuntiva, membrana amniótica, entre outros).
Os derivados do cianoacrilato, quando em contato com a água, polimerizam-se e solidifi-
cam-se rapidamente, formando uma placa que serve de suporte para a cicatrização e epiteliza-
ção do tecido subjacente (Fig. 2). Existem diversas técnicas para sua aplicação, incluindo uso
Adesivos Teciduais 405

Fig. 2 C o la d e c ia n o a c rila to em p e rfu ra ç ã o c o rn e a l.

de agulha de insulina, seringa e aplicador confeccionado com disco de plástico estéril aderi­
do em haste de cotonete®. Alguns estudos demonstraram que os derivados do cianoacrilato
inibem a migração de células inflamatórias, retardando a necrose tecidual, e que têm alguma
ação bacteriostática. No entanto, causam desconforto devido ao atrito com a pálpebra, pois
sua superfície é rugosa, necessitando do uso de lente de contato com finalidade terapêutica
quando aplicado sobre a córnea.
O cianoacrilato deve permanecer no olho até que o processo cicatricial tenha termina­
do, podendo ocorrer seu desprendimento espontâneo ou ser efetuada sua remoção quando
desejado (p. ex., na disponibilidade de tecido biológico para a realização de patch ou trans­
plante tectônico de córnea) (Fig. 3). Sua toxicidade é inversamente proporcional ao número
de carbonos na cadeia alquil, sendo os mais tolerados os derivados isobutil, n-heptil e n-octil.
A forma n-butil cianoacrilato (conhecido como Histoacryl) encontra-se disponível comercial­
mente. Devido à sua toxicidade, esses produtos não são utilizados em grande quantidade. Nos
afmamentos e perfurações corneais, são aplicados em lesões de até 2 mm. São bem tolerados
no estroma corneai, porém, quando injetados inadvertidamente na câmara anterior, podem
ocasionar falência endotelial e, em contato com a conjuntiva, podem desencadear dor intensa,
quemose e formação de simbléfaro.

Fig. 3 C o la d e c ia n o a c rila to em a fin a m e n to p e rifé ric o d e


c ó rn e a (ú lce ra d e M o o re n ) se n d o re tira d a co m p in ç a .

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Transplante de
Córnea Tectônico

F E R N A N D O B E T T Y C R E S T A • M IC H E L IN E B O R G E S L U C A S • M IL T O N R U IZ A L V E S

INTRODUÇÃO

O transplante de córnea tectônico tem por finalidade restaurar a integridade estrutural da


córnea, comprometida por afilamento e/ou perfuração, secundários a úlceras, traumatismos
e degenerações. Ou, ainda, substituir o tecido corneai alterado por doença não responsiva à
terapêutica clínica convencional (remoção de processo inflamatório e/ou infeccioso). Ao con­
trário do transplante de córnea óptico, no qual a restauração da visão é o objetivo principal,
no transplante tectônico, a reabilitação da acuidade visual é secundária. O transplante óptico
pode ser realizado posteriormente, em circunstâncias controladas.

PERFURAÇÕES CORNEAIS NÃO INFECTADAS

As causas mais comuns de ulcerações corneais e perfurações são os agentes microbianos.


Na abordagem de todas as úlceras corneais, deve-se primeiramente suspeitar de etiologia
infecciosa, coletar material para cultura, e tratar com antibióticos tópicos de largo espectro,
enquanto se aguarda o resultado laboratorial. A etiologia infecciosa não pode ser excluída
baseando-se apenas nos sinais clínicos. A córnea pode estar infectada a despeito da ausência
de infiltrado estromal/subepitelial visível. O agente infectante pode ser tão indolente a ponto
de não desencadear resposta inflamatória ou de o olho estar tão imunocomprometido que
a inflamação não se torna visível. Muitos autores sugerem que, enquanto ulcerações corne­
ais centrais relacionam-se com processos infecciosos, as ulcerações periféricas relacionam-se
mais com doenças sistêmicas ou degenerativas. A determinação da etiologia das úlceras cor­
neais não infectadas requer a combinação de cuidadoso exame ocular com o reconhecimento
(ou procura) de doenças sistêmicas por meio de exames laboratoriais dirigidos, tendo-se em
mente doenças específicas. Em alguns casos, a doença sistêmica é facilmente identificada (ar­

407
408 Doenças Externas Oculares e Córnea

trite reumatoide). Em outros, não. Deve-se ter em mente que a necrose corneai pode, even-
r

tualmente, representar o sinal de presença de uma doença sistêmica potencialmente grave. E


particularmente importante identificar a doença sistêmica subjacente. Deixar de diagnosticar
e tratar precocemente uma condição como a granulomatose de Wegener é contribuir para a
evolução fatal do paciente, enquanto diagnosticá-la e tratá-la com agentes imunossupressivos
significa obter a remissão da doença em cerca de 90% dos casos. A avaliação sistêmica também
é essencial para o diagnóstico de úlcera de Mooren.

TRATAMENTO CIRÚRGICO

O objetivo do tratamento da perfuração corneai é restabelecer a integridade do bulbo ocular


tão rápido quanto possível, para minimizar o risco intraocular de inflamação/infecção e de
crescimento epitelial. O tratamento clínico de pequenas perfurações (até 2 a 3 mm) inclui o
uso de adesivo tissular e lente de contato terapêutica. O tratamento cirúrgico inclui transplan­
te corneai lamelar ou o penetrante.
O transplante corneai lamelar é realizado utilizando-se um trépano para marcar os contor­
nos da perfuração, incluindo tecido corneai sadio. Com lâmina afiada, aprofunda-se a marca­
ção do trépano. A córnea circunscrita é lamelarmente dissecada e removida. O tecido corneai
doador é colocado em posição e fixado com 6 a 8 suturas interrompidas com fio de mono-
náilon 10-0 (Fig. 1). O transplante lamelar em crescente é utilizado para tratar uma área mais
extensa de necrose corneai (p. ex., área de necrose com 3 mm de largura, que se estende das
6 às 10 h na região límbica). Inicialmente, injeta-se solução viscoelástica ou bolha de ar na câ­
mara anterior para expandir a córnea central e obter a sua curvatura normal. A marcação dos
contornos (interno e externo) da área necrosada é feita utilizando-se dois trépanos previamen­
te selecionados. A largura da área de necrose é medida em vários locais com compasso. Os
mesmos trépanos são utilizados para fazer cortes arqueados na córnea doadora. A distância
entre os cortes deve ser de 0,5 mm a mais do que a largura da necrose. Com uma lâmina afia­
da, realiza-se completa excisão do tecido. O tecido lamelar obtido da córnea doadora é fixado
na córnea receptora com sutura interrompida feita com fio de mononáilon 10-0.
A despeito das vantagens do transplante lamelar, pode ser necessária a realização de
transplante penetrante nos casos em que a perfuração é circundada por áreas mais extensas
de afmamento corneai, amolecimento ou necrose. As perfurações fora do eixo visual devem
ser tratadas com transplante corneai penetrante excêntrico pequeno. Sua principal vantagem

A s p e c to p ó s-o p e ra tó rio d e patch c o rn e a n o re a liz a d o em


p e rfu ra ç ã o lo c a liz a d a .
Transplante de Córnea Tectônico

é cicatrizar mais rapidamente. Sua maior desvantagem é a possível indução de astigmatismo


irregular.
Em olhos muito secos, especialmente em artrite reumatoide, são encontradas áreas lo­
calizadas, paracentrais ou periféricas, de descemetocele e/ou perfuração. No tratamento de
descemetocele, a área afilada deve receber um transplante lamelar pequeno. Na presença de
perfuração, deve-se realizar um transplante penetrante pequeno. Apenas nesses olhos muito
secos, o transplante deve ser recoberto por um retalho conjuntival parcial fino, mono ou bi-
pediculado, e, eventualmente, realizar uma tarsorrafia temporária. Quando o transplante não
é recoberto com retalho conjuntival, aumenta o risco de deiscência da sutura ou de necrose
do transplante.

PERFURAÇÕES CORNEAIS ASSOCIADAS A AGENTES INFECCIOSOS

Ceratites infecciosas
A despeito do desenvolvimento de novos agentes antimicrobianos, algumas espécies de bacté­
rias, fungos, parasitos e vírus permanecem não responsivas ao tratamento clínico. Na evolução
desses quadros, indica-se transplante de córnea quando há progressão do processo infeccioso/
inflamatório a despeito do tratamento clínico adequado ou havendo comprometimento da
integridade da córnea, com desenvolvimento de afilamento/perfuração e/ou extensão para a
esclera. O desenvolvimento de perfuração corneai aumenta consideravelmente os riscos de
endoftalmite, e o acometimento escleral acentua a morbidade ocular. Outros procedimentos
cirúrgicos, como a utilização de retalho conjuntival, transplante de membrana amniótica, uso
de adesivo tissular (cola de fibrina ou de cianoacrilato) associado a lente de contato terapêu­
tica, e tarsorrafia também devem ser considerados.
A realização do transplante de córnea tectônico tem por objetivos remover completamen­
te a infecção ou diminuir a quantidade de microrganismos na córnea. Nesse caso, haveria uma
ação mais eficaz dos antimicrobianos e melhora da resposta de defesa ocular.
Killingsworth et al. revisaram as indicações de 80 transplantes de córnea terapêuticos
realizados em um período de 9 anos: 26 por infecções bacterianas, 15 por infecções fúngi­
cas, 11 por herpes simples, 4 por defeitos epiteliais persistentes, 12 por olho seco, 10 por
defeitos epiteliais crônicos não relacionados ao herpes simples e 2 por Acanthamoeba. Sony
r
et ai revisaram as indicações de 100 transplantes terapêuticos realizados na índia; a maioria
das indicações era decorrente de ceratite bacteriana e, em segundo lugar, ceratite fúngica.
Entre nós, Marinho et al. realizaram transplante de córnea “a quente” em 27 olhos. A principal
indicação foi ceratite infecciosa (88,8%) de etiologias micótica (51,8%), bacteriana (17,8%), her-
pética (11,1%) e Acanthamoeba (3,7%). A cura do processo ativo foi obtida em 81,4% dos casos.
As principais complicações foram descompensação da córnea por rejeição (55,5%), glaucoma
(29,6%), catarata (25,9%), phthisis bulbi (18,5%), endoftalmite (14,8%) e retransplante por recidiva
da infecção (11,1%). Santana et al. revisaram as indicações de 52 transplantes de córnea tera­
pêuticos realizados na Fundação Altino Ventura (Recife). A ceratite infecciosa foi a principal
indicação (37,5%), havendo erradicação da doença que indicou o transplante em 80,8% dos
procedimentos.
410 Doenças Externas Oculares e Córnea

Tratamento cirúrgico nas infecções bacterianas


Transplantes corneais lamelares e penetrantes já foram usados para a prevenção ou trata­
mento de perfurações oculares nas ceratites bacterianas, porém, segundo diversos autores,
os transplantes penetrantes são mais eficientes na remoção do processo infeccioso que os
transplantes lamelares. A remoção de todo tecido infectado pode, eventualmente, necessitar
do uso de trepanações corneais de espessura total com diâmetros maiores ou de patch corneai
nas perfurações menores.
As indicações de transplante de córnea nas infecções bacterianas incluem perfuração,
descemetocele com lesão infecciosa ativa, necrose do estroma e envolvimento límbico ou es-
cleral (Fig. 2). Outras indicações são as infecções originadas por bactérias oportunistas, cujos
quadros podem progredir cronicamente apesar do tratamento agressivo. Nesse grupo está a
ceratopatia cristalina, cujo agente mais frequente é o Streptococcus a-hemolítico, mas também
pode ser originada por uma variedade de outras bactérias e fungos (cândida).
Nos quadros com afilamento e perfuração corneai, antibióticos tópicos devem ser conti­
nuados, apesar do risco de toxicidade intraocular. Avia subconjuntival não oferece vantagem
em relação à terapia tópica frequente com colírios fortes de amplo espectro. O adesivo tissular
(cianoacrilato ou fibrina) pode ser uma opção para selar perfurações nos casos de ceratites
infecciosas. Mesmo com o tamponamento pelo adesivo tissular, esses pacientes devem ser re­
avaliados diariamente para verificar se há ou não progressão do processo infeccioso.

Fig. 2 A s p e c to p ó s-o p e ra tó rio d e tra n s p la n te c o rn e o e s c le ra l

R
p ó s-c e ra tite b a c te ria n a .

Tratamento cirúrgico nas infecções fúngicas


Os organismos mais comumente isolados nesses quadros são o Fusarium, Aspergillus e Candida.
Foster et al. enfatizaram a importância de intenso tratamento antifúngico tópico e oral antes
do transplante de córnea para melhorar o prognóstico cirúrgico. A irrigação da câmara ante­
rior no período perioperatório, com solução de fluconazol a 0,2%, também se mostrou eficaz.
Polack et al. revisaram 30 casos de ceratomicose: 22 casos foram tratados cirurgicamente, e o
transplante penetrante foi superior ao lamelar. O anatomopatológico nesses casos revelou que
elementos fúngicos podiam permanecer nas camadas profundas da córnea e, inclusive, pene­
trar a membrana de Descemet, o que explicaria a elevada taxa de recorrência nos transplantes
lamelares. Como rotina, estão contraindicados transplantes lamelares nas ceratites fúngicas
avançadas. Na Figura 3, apresenta-se caso de transplante penetrante em ceratite fúngica. O
Transplante de Córnea Tectônico

V
F ig . 3 A s p e c to p ó s-o p e ra tó rio d e tra n s p la n te p e n e tra n te em
c e ra tite fú n g ic a .

uso rotineiro de esteroides no pós-operatório, para controle da inflamação, pode piorar o qua­
dro infeccioso, causando recidiva do processo fúngico no botão do doador. Para controlar o
processo inflamatório, como alternativa alguns autores têm mostrado a eficácia do uso tópico
da ciclosporina a 0,5% no pós-operatório desses pacientes.

Tratamento cirúrgico nas infecções por A c a n th a m o e b a


No passado, o transplante corneai penetrante foi realizado para erradicar a infecção e os mi­
crorganismos. A recorrência era inevitável, com poucas exceções, resultava em falência do
transplante e frequentemente em perda do olho (Fig. 4). O diagnóstico precoce e o desenvol­
vimento de terapêutica eficaz contra ameba reduziram drasticamente a indicação de trans­
plante corneai, que passou, na maioria das vezes, de tectônico/terapêutico para procedimento
r

eletivo. E muito difícil identificar o momento de cura da infecção. No seguimento dos pacien­
tes, a microscopia confocal pode revelar cistos de amebas que já foram eliminadas pela ação
da biguanida ou clorexidina, uma vez que esses agentes atuam primariamente na membrana
plasmática e organelas internas, permanecendo intacta e visível a parece celular externa dos
cistos. Cistos remanescentes viáveis de ameba podem permanecer na córnea por 20 meses,
em alguns casos. Awwad et al. realizaram transplante de córnea penetrante em 13 olhos com
ceratite por Acanthamoeba curada clinicamente (ausência de cistos na microscopia confocal)
após no mínimo 3 meses da interrupção da terapêutica médica, não ocorrendo recorrência da
lesão nem rejeição do transplante. Para esses autores, o período de 3 meses de descontinuida-
de terapêutica livre de recorrência é um fator seguro de resolução da infecção, especialmente
se nenhum cisto permanecer detectável pela microscopia confocal.

A s p e c to p ó s-o p e ra tó rio d e tra n s p la n te p e n e tra n te e


re c o rrê n c ia da c e ra tite p o r Acanthamoeba.
412 Doenças Externas Oculares e Córnea

Tratamento cirúrgico nas infecções herpéticas


O prognóstico do transplante corneai terapêutico nas ceratites herpéticas é o menos favorá­
vel entre os quadros discutidos. O prognóstico é influenciado pela presença de inflamação
ocular, vascularização corneai, irite e intensidade da hipoestesia corneai. Mais comumente, o
transplante é indicado pela presença de opacidades corneais decorrentes das diversas crises
em olhos pouco inflamados. Outras indicações incluem perfuração e afinamento corneai de­
correntes de inflamação estromal ativa (Fig. 5).
O uso de aciclovir via oral, na dosagem de 400 mg de 12 em 12 horas, por no mínimo 6
meses (de acordo com os resultados do estudo HEDS - Herpetic Eye Disease Stucly), apresentou
melhora no prognóstico do transplante por inibir o aparecimento de novas crises herpéticas
na córnea doadora.
Os pacientes com doença corneai herpética normalmente apresentam córneas anestési­
cas, o que piora o prognóstico dos transplantes. Como a anestesia corneai é mais pronunciada
em pacientes com sequela de infecção por herpes-zóster (em relação ao herpes simples), as
taxas de sobrevida dos enxertos nesses pacientes são piores. Na presença de córneas neu-
rotróficas, também devem ser indicados tratamentos associados, tais como a tarsorrafia e o
recobrimento conjuntival.

A s p e c to d e c e ra tite e stro m a l h e rp é tic a co m d e fe ito


e p ite lia l.

TÉCNICA CIRÚRGICA

O objetivo da cirurgia é remover, durante a trepanação, todo o tecido necrosado e infecta­


do, incluindo, se possível, pelo menos 1 mm de tecido sadio, como margem de segurança.
Recomenda-se a sutura do anel de Flieringa para suporte escleral. A diferença na trepanação
da córnea doadora/receptora deve ser de 0,5 a 1 mm para permitir a obtenção e manuten­
ção da câmara anterior mais profunda e, desta forma, prevenir o aparecimento de sinequias.
Deve-se tomar cuidado durante a trepanação, nos casos com perfuração, para impedir a ex-
trusão de conteúdo intraocular. A trepanação deve ser centrada no processo infeccioso para
remover todo o tecido infectado. A exceção são úlceras pequenas cuja trepanação pode ser
descentralizada para obter melhores resultados visuais. Atenção deve ser dada na remoção de
membranas de fibrina e lise de sinequias. Outras medidas incluem irrigação da câmara anterior
com solução específica antimicrobiana e a realização de iridectomias profiláticas. Sempre que
possível, não realizar facectomia no mesmo ato, já que o cristalino funciona como barreira à
progressão da infecção.
Transplante de Córnea Tectônico

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Retalhos de Conjuntiva

JOSÉ AMÉRICO BONATTI • ARLES SILVA DOS SANTOS


MARCELO WESLLEY LOPES DALL'COL • MILTON RUIZ ALVES

Retalhos conjuntivais têm sido usados para o tratamento de doenças corneais desde os anos
1800. Gundersen, em 1958, modifica a técnica cirúrgica vigente, confeccionando um retalho
conjuntival para o recobrimento da córnea, a partir da separação entre a conjuntiva e a cáp­
sula de Tenon. Esse significativo avanço marca o início da era moderna do uso de retalhos de
conjuntiva em Oftalmologia. O retalho de conjuntiva provê o local alterado de elementos faci-
litadores na resolução da inflamação e cicatrização corneai através de vasos sanguíneos con­
juntivais carregados pelo procedimento. Nos últimos anos, houve declínio na indicação e uti­
lização do retalho conjuntival em virtude de alternativas terapêuticas, como lentes de contato
terapêuticas confeccionadas com novos desenhos e materiais, associadas ou não à aplicação
de cola de fibrina de baixa velocidade de polimerização, o advento de técnicas de transplante
de epitélio cultivado para reconstrução de superfície ocular, e da maior facilidade de acesso
à membrana amniótica e aos tecidos corneais de Banco de Olhos. Contudo, o recobrimento
conjuntival ainda sobrevive como técnica cirúrgica de fácil realização e, principalmente, por
ser altamente efetiva na solução de inúmeros problemas corneais.

CLASSIFICAÇÃO

Dependendo da área que necessita cobertura, o recobrimento pode ser total (Gundersen) (Fig.
1) ou parcial. Os retalhos parciais podem ser classificados em mono (Fig. 2A) ou bipediculados
(Fig. 2B).

415
416 Doenças Externas Oculares e Córnea

Fig.1 R e ta lh o c o n ju n tiv a l to ta l.

Figs. I (\eB) R e ta lh o c o n ju n tiv a l p a rcia l m o n o ( ) ou b ip e d ic u la d o (B ).

INDICAÇÕES

As úlceras corneais estéreis não responsivas ao tratamento clínico são as


Ú lc e r a s c o r n e a is :
indicações mais comuns de retalho conjuntival. Tais úlceras têm entre as causas: olho seco,
ceratite de exposição, ceratite neurotrófica, córnea anestésica, queimadura química e outras
formas de trauma. Nesses casos, a aplicação de retalho conjuntival vascularizado aumenta o
potencial de sobrevivência da superfície ocular.
As úlceras corneais causadas por microrganismos resistentes à terapia medicamentosa
podem ser tratadas com recobrimento conjuntival, que fornece aporte de irrigação, e canais
linfáticos, que aumentam a exposição do microrganismo às defesas imunológicas. O emprego
do retalho conjuntival nesses casos costuma ser bem-sucedido, sendo necessário remover
todo o tecido necrótico da superfície corneai para aderência do recobrimento. Em geral, o re­
cobrimento colocado sobre tecido necrótico não sobrevive porque se torna avascular na área
da necrose, formando-se então um buraco que se estende consumindo todo o retalho.
Retalhos de Conjuntiva

Outra indicação de recobrimento conjuntival são as ceratites fúngicas periféricas não res-
ponsivas ao tratamento medicamentoso. Em infecção fúngica central, indica-se transplante de
córnea penetrante. Em casos de maior extensão da lesão micótica com envolvimento central e
periférico da córnea, está indicada a realização de recobrimento conjuntival total.
As ceratites virais por herpes-zóster e herpes simples podem causar inflamação corneai re­
corrente e crônica, defeitos epiteliais persistentes e ulceração estromal. Nos casos em que
o tratamento medicamentoso fracassa e que cursa com morbidade prolongada, olho seco e
perda da sensibilidade corneai, o paciente se beneficia do recobrimento conjuntival. O retalho
conjuntival diminui o tempo de recuperação, e o transplante de córnea pode ser adiado até o
controle ou inativação da doença.
Na ceratite por Accinthamoeba, o emprego de recobrimento conjuntival é ineficaz para o
tratamento da infecção, que progride abaixo do retalho.
C e r a t o p a t i a b o lh o s a : Em olhos com bom potencial visual, o transplante penetrante de
córnea é o tratamento de escolha da ceratopatia bolhosa. Entretanto, em olhos com anorma­
lidades do segmento posterior que limitam o potencial visual, o recobrimento conjuntival e o
transplante de membrana amniótica oferecem vantagens em relação ao tratamento prolonga­
do com agentes hiperosmóticos ou lentes de contato terapêuticas, por serem mais convenien­
tes, confortáveis e seguros.
D o r : O recobrimento conjuntival não deve ser usado para controle da dor em olho sem
visão, a menos que a dor seja causada por doença da superfície corneana. Por exemplo, a dor
decorrente da ceratopatia bolhosa pode ser aliviada com recobrimento conjuntival, porém a
dor associada a casos de glaucoma avançado em estágio final não é amenizada por esse trata­
mento, devendo ser tratada por outros métodos.
A f i l a m e n t o c o r n e a n o : Afilamentos corneais marginais, secundários à úlcera de Mooren
ou doença do tecido colágeno-vascular, são mais bem resolvidos com ressecção conjuntival e
terapia imunossupressora sistêmica do que com realização de recobrimento conjuntival.
P e r fu r a ç ã o d e c ó r n e a : O recobrimento conjuntival não deve ser considerado como tra­
tamento de perfuração corneai existente ou iminente, sendo contraindicado para impedir o
vazamento de humor aquoso e/ou tentativa de reformar a câmara anterior. Entretanto, quando
o transplante de córnea lamelar ou o penetrante não forem viáveis, ou não houver tecido doa­
dor nem outros recursos disponíveis, em casos de perfuração corneai iminente, o retalho con­
juntival pode ajudar a manter a integridade ocular e prevenir infecções. Nesses casos, pode-se
incluir a Tenon ao pedículo de retalhos parciais para fortalecer o suporte à córnea. A ulcera­
ção corneai causada por exposição ou olho seco pode levar à perfuração. Um retalho corneai
lamelar ou de espessura total utilizado para selar a perfuração pode ter a mesma evolução da
córnea original, a menos que o transplante seja protegido por recobrimento conjuntival. Da
mesma forma, um patch corneai utilizado para tratar uma perfuração existente ou iminente
de origem herpética (ceratite virai por herpes simples ativa) terá maior êxito se coberto por
retalho conjuntival (Figs. 3A e B).
L e n t e e s c le r a l: O recobrimento conjuntival pode ser utilizado para preparar a superfície
ocular para a colocação de lente escleral cosmética em olho em processo de atrofia ou cego e
esteticamente desfigurado. Essa lente pode erodir o epitélio corneano. O recobrimento con­
juntival cria uma superfície ocular mais tolerante à lente.
418 Doenças Externas Oculares e Córnea

Figs. , ( \ e B) R e ta lh o c o n ju n tiv a l p a rcia l p e rifé ric o so b re patch c o rn e a l em o lh o se co . P e rito m ia lím b ic a e


in c isã o a rq u e a d a re la x a n te p a ra le la ao lim b o são re a liz a d a s no q u a d ra n te a p ro p ria d o A. F ix a ç ã o d o re ta lh o
na c ó rn e a e no lim b o B. (M o d ific a d o d e M a n d e lb a u m S, U d e ll IJ. N on In fe c te d C o rn e a l P e rfo ra tio n s. In: A b o tt
RL, V e rm illio n SJ (e d s.). S u rg ic a l In te rv e n tio n in C o rn e a l an d E x te rn a l D ise a se s. N ova Y o rk: G ru n e & S tra ttto n ,
1 9 7 8 ; p .1 0 2 .)

AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA

A conjuntiva sujeita a confecção do retalho conjuntival deve ser examinada com atenção no
pré-operatório para determinar sua mobilidade. Para a avaliação, após a instilação de anesté­
sico tópico com zaragatoa, mobiliza-se a conjuntiva. Uma conjuntiva muito aderida é difícil de
dissecar e pode ocorrer a formação de buracos.

ANESTESIA

Os retalhos conjuntivais podem ser realizados sob anestesia retrobulbar ou peribulbar e com­
plementada com injeção de anestésico subconjuntival. Uma anestesia local adequada pode ser
difícil de obter em olhos inflamados, e, nesses olhos, a injeção periocular é mais efetiva que
a retrobulbar, porém pode ser necessária anestesia geral em crianças, em pacientes adultos
pouco colaborativos e em olhos muito inflamados.

TÉCNICA CIRÚRGICA

Mesmo apresentando diferenças entre si, as técnicas cirúrgicas para confecção de retalhos
conjuntivais parcial e total apresentam princípios cirúrgicos comuns que são compartilhados
nos dois tipos. O retalho deve consistir somente em conjuntiva e ser fino o suficiente para que
a córnea seja visível através dele. O retalho que apresenta cápsula de Tenon incluída fica muito
espesso e esteticamente inaceitável, o que aumenta a possibilidade de se retrair da córnea. O
retalho deve ser livre de tensão, para evitar sua retração ou rasgo. Nesses casos, incisões rela-
xantes podem ser feitas na conjuntiva, ao redor do retalho, para diminuir sua tensão, mesmo
com comprometimento da suplência vascular do retalho. O retalho deve ser livre de furos, de­
vendo cobrir toda a área de afmamento corneano. O tecido corneano necrótico da área a ser
coberta pelo retalho deve ser removido completamente por ceratectomia superficial. A falha
nesse processo resulta em consumo do retalho pelo processo inflamatório necrótico.
Retalhos de Conjuntiva

No procedimento de confecção do retalho conjuntival total, pela técnica de Gundersen, a


r
conjuntiva bulbar superior é normalmente usada para a confecção de retalho total. E exposta
rodando-se o olho inferiormente com sutura de tração aplicada através da espessura parcial da
córnea no limbo superior (Fig. 4A). O comprimento da conjuntiva necessária para o retalho é
determinado pela medida do diâmetro vertical da córnea acrescentando-se alguns milímetros,
sendo geralmente 15 mm suficientes para cobrir toda a córnea. A extensão superior do retalho
não deve envolver a conjuntiva palpebral, para evitar simbléfaro e ptose palpebral. A conjun­
tiva pode ser separada da cápsula de Tenon com injeção subconjuntival de lidocaína a 2% e
epinefrina 1:10.000. A agulha deve ser inserida com o bisel voltado para cima em área da con­
juntiva que não será utilizada para o retalho, para não se criar perfuração no retalho. A injeção
é direcionada no sentido da conjuntiva que será utilizada para o retalho. A agulha vai sendo
avançada conforme a conjuntiva vai se separando dos tecidos subjacentes. Com um aplicador
tipo zaragatoa, promove-se a dispersão subconjuntival dos fluidos. A incisão conjuntival é
realizada com tesoura de Westcott afiada na extensão superior do retalho e estendida tempo­
ral e nasal concentricamente ao limbo superior (Fig. 4A). Uma pinça de conjuntiva serrilhada
prende bem a conjuntiva sem causar buracos e fissuras. A conjuntiva é separada da cápsula
de Tenon e colocada próxima da tesoura. A tesoura é fechada tomando-se cuidado para não
permitir que a conjuntiva seja incluída no corte. Esse procedimento é preferível ao método
de cortar os ligamentos da cápsula de Tenon sob observação direta, pois é mais seguro, com
menor risco de formar fissuras e mais fácil de obter um retalho fino. A dissecção continua até o
limbo temporal e nasal. A tesoura de Westcott de ponta aguda é inserida por baixo do retalho
e um buraco é feito atravessando a conjuntiva límbica superior; na sequência, é feita abertura
conjuntival de 360° (Fig. 4B); isso libera a conjuntiva límbica superior, possibilitando que seja
deslizada sobre a córnea até o limbo inferior (Fig. 4C).
Em seguida, o epitélio corneai necrótico e aquele à sua volta são removidos para facilitar
a aderência do retalho à córnea (vasos e fibroblastos do retalho proliferam no colágeno da
córnea, levando defesa imunológica, nutrição e cicatrização), o que também evita prolifera­
ção epitelial, cistos epiteliais e falta de adesão do retalho à córnea. Deve-se remover apenas
o epitélio.
A hemostasia é obtida com cautério bipolar de campo molhado, sob irrigação. A área
de obtenção do retalho conjuntival é deixada exposta para cicatrização por granulação.
O retalho conjuntival é deslizado sobre a córnea. A fixação inferior e superior do retalho
conjuntival é feita com fio de mononáilon 10-0, utilizando sutura contínua ou com pontos
separados (Fig. 4D). Na Figura 5, mostra-se o aspecto pós-operatório tardio de recobrimento
total de Gundersen.
O recobrimento conjuntival parcial é indicado quando a lesão corneai não envolve a cór­
nea totalmente, sendo de caráter central focal ou periférico. A vantagem do retalho parcial é
que, dependendo da localização da lesão, o eixo visual pode permanecer livre, permitindo ao
paciente visão melhor que naqueles tratados com retalho conjuntival total. Os três tipos de
retalhos conjuntivais parciais são:
r
R e t a lh o a v a n ç a d o o u e m c a p u z : E indicado em lesões corneais periféricas que não envol­
vem o eixo visual, como, por exemplo, úlcera estéril causada por exposição ou úlcera herpé-
r
tica ou fúngica. E construído a partir da conjuntiva adjacente à lesão periférica da córnea. O
retalho é colocado no leito da ceratectomia superficial da área ulcerada e suturado nas bordas
420 Doenças Externas Oculares e Córnea

Figs. 4 (A-D) R e ta lh o c o n ju n tiv a l p ela té c n ic a d e G u n d e rs e n . A. E x p o s iç ã o da c o n ju n tiv a b u lb a r s u p e rio r


p ela su tu ra d e tra ç ã o a p lic a d a ao lim b o s u p e rio r e a b e rtu ra da c o n ju n tiv a v ia fó rn ic e su p e rio r. B, P e rito m ia
lím b ic a 3 6 0 °. C, R e ta lh o c o n ju n tiv a l so b re a c ó rn e a . D. R e ta lh o c o n ju n tiv a l fix a d o , in fe rio rm e n te , na e p is c le ra
e c o n ju n tiv a e, s u p e rio rm e n te , na e p is c le ra e c á p s u la d e T e n o n .

desse leito com fio de mononáilon 10-0. As suturas são passadas primeiramente através do
retalho, seguindo a base da ceratectomia e saindo na superfície da córnea a aproximadamente
1 mm da borda do leito. As suturas devem ser feitas próximas umas da outras para evitar ten­
são. Pelo fato dos retalhos parciais terem mais tendência de retrair do que o retalho total, a
inspeção do retalho é importante para identificar tensões e removê-las através de incisões na
conjuntiva periférica. Dessa forma se converte o retalho em capuz em bipediculado ou retalho
em ponte.
r

P e d íc u lo s im p le s o u r e t a lh o e m r a q u e t e : E usado em lesão límbica pequena ou paracen-


r
trai próxima ao eixo visual, mas não o envolvendo. E confeccionado a partir de conjuntiva
adjacente à lesão corneana. O procedimento para aplicar esse retalho é semelhante ao do
bipediculado (Fig. 6).
r
R e t a lh o b ip e d ic u la d o : E usado para cobrir uma lesão central focal ou paracentral. A téc­
nica cirúrgica do retalho bipediculado é similar à do retalho conjuntival total. O retalho bipe­
diculado é um caso especial do total, sendo menor, mas com o tamanho suficiente para cobrir
a lesão localizada da córnea.
Retalhos de Conjuntiva

Fig. £ A s p e c to p ó s-o p e ra tó rio ta rd io d e re c o b rim e n to co n -


ju n tiv a l to ta l (G u n d e rs e n ).

A s p e c to p ó s-o p e ra tó rio d e re ta lh o c o n ju n tiv a l p a rcia l


m o n o p e d ic u la d o em ra q u e te .

CUIDADOS E MEDICAÇÕES PÓS-OPERATÓRIAS

O principal objetivo do cuidado pós-operatório é evitar dano ao retalho conjuntival. O cura­


tivo oclusivo é deixado por 48 horas; após sua remoção, inicia-se o uso tópico de antibiótico
por 2 a 3 semanas. Durante esse período, sempre que possível, deve-se evitar o uso de agentes
antivirais e antifúngicos pelo fato de irritarem o tecido frágil. As suturas são removidas após 1
mês (ou antes, quando houver pontos frouxos).

COMPLICAÇÕES

R e tr a ç ã o :A retração vertical do retalho é a complicação significante mais comum no período


pós-operatório inicial. Para não desencadeá-la, deve-se evitar demasiada tensão vertical criada
r
com o estiramento excessivo do retalho. E séria porque pode comprometer o tecido conjunti­
val, que, sendo limitado, pode não estar disponível em quantidade suficiente para a realização
de um segundo procedimento cirúrgico.
F is s u r a s : Fissuras podem ampliar-se comprometendo o êxito do procedimento no retalho
sob tensão. Percebidas no perioperatório, se significantes, devem ser reparadas.
C i s t o s e p it e lia is : O epitélio retido abaixo do retalho conjuntival pode proliferar e separar
o retalho da córnea ou formar cistos epiteliais. Os cistos podem regredir espontaneamente;
em casos acentuados, pode ser necessária a remoção cirúrgica.
r
H e m o r r a g ia s u b c o n ju n t iv a l: E facilmente controlada no perioperatório com o uso de epi-
nefrina ou cauterização de campo molhado. A hemorragia que ocorre no pós-operatório, sob
422 Doenças Externas Oculares e Córnea

o retalho, geralmente resolve e não necessita ser drenada. O curativo ocular compressivo após
a cirurgia ajuda a prevenir a hemorragia subconjuntival.
Ptose: Pode ser desencadeada por inadequada separação da conjuntiva da cápsula de
Tenon na confecção do retalho conjuntival, ou, ainda, pela utilização de conjuntiva palpebral
em retalhos muito largos. Algum grau de ptose, usualmente mínimo e cosmeticamente insig­
nificante, é notado na maioria dos pacientes com retalho conjuntival. Em casos acentuados,
podem ser necessários remoção do tecido cicatricial e reparo plástico.
Simbléfaro: Trata-se de complicação rara, geralmente associada à confecção de retalho
muito largo, constituído de tecidos conjuntivais palpebral e bulbar adjacentes, e deixados com
as superfícies não epitelizadas apostas uma à outra; ocorrem adesões entre elas. Para prevenir
essa complicação, a conjuntiva palpebral não deve ser usada. O simbléfaro pode ser corrigido
cirurgicamente, se necessário.
Transparência pobre: A desvantagem mais óbvia dos retalhos conjuntivais é a pouca trans­
parência, especialmente nas primeiras semanas de pós-operatório. Esse problema dificulta o
monitoramento da córnea ou da inflamação da câmara anterior. Mesmo que o recobrimento
seja contraindicado para perfuração, a progressão da doença de base pode resultar em per­
furação corneai, e pode não ser detectada abaixo do retalho. Retalhos parciais possibilitam
melhor visão no exame da câmara anterior que o retalho total.
Visão prejudicada: Embora o retalho conjuntival total prejudique a visão, na sua indicação
prepondera mais a manutenção da integridade do bulbo ocular que a manutenção mediata da
acuidade visual. Quando a lesão ocorre fora do eixo visual, pode-se indicar um retalho parcial,
que pode ser deixado indefinidamente, o que não ocorre geralmente com o retalho total.
Aparência estética: O retalho conjuntival total espesso, diferentemente do retalho total
fino, sempre modifica a aparência estética. Os pacientes devem ser bem orientados para acei­
tar melhor o resultado; caso contrário, buscam-se outras opções terapêuticas, como a utiliza­
ção de lentes de contato terapêuticas, transplante de membrana amniótica ou o uso de tecido
corneai de bancos de olhos.
Cicatrização: A utilização de conjuntiva bulbar superior pode, no futuro, criar dificuldades
ou diminuir o êxito de cirurgias filtrantes de glaucoma.
Vascularização ou opacificação: O êxito do transplante penetrante de córnea em olho
submetido a retalho conjuntival geralmente não é afetado pelo recobrimento e, sim, pelas
condições da córnea e doença de base que o indicaram. A remoção do retalho conjuntival e o
transplante de córnea podem ser realizados em um mesmo tempo cirúrgico, porém deve-se
esperar pela resolução da condição que levou à realização do retalho conjuntival.

RESULTADOS

O resultado visual esperado não é bom, uma vez que essas cirurgias são realizadas em super­
fícies corneais muito irregulares e o epitélio que será formado terá fenótipo conjuntival, com
características diferentes do original. Porém, com a técnica adequada, a confecção de retalhos
finos e o passar dos anos, pode ocorrer afmamento do retalho, tornando-o quase transpa­
rente. Dessa forma, em muitos casos, pode haver recuperação visual. Em algumas situações,
quando há resolução da doença primária e um bom prognóstico visual, o recobrimento con-
Retalhos de Conjuntiva

juntival pode ser removido e a recuperação visual pode ser obtida com a realização de trans­
plante de córnea, com melhor prognóstico.

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Transplante Escleral

M IL T O N R U IZ A L V E S • S U Z A N A M A T A Y O S H I

A esclera é a maior estrutura da camada externa do olho, participando com mais de 80% dos
tecidos da parede ocular. Suas funções relacionam-se com a manutenção da forma do bulbo
ocular e proteção das estruturas intraoculares. Ao contrário da extensão anatômica, a esclera
recebe pouca atenção na literatura oftálmica. Afilamento, necrose e perfuração escleral são
eventos raros, mas, quando ocorrem, podem representar um problema significante. Entre as
dificuldades encontradas no controle está o fato de a lesão ser mais frequentemente o resul­
tado de doença sistêmica em vez de representar apenas um evento isolado.

CAUSAS DE AFINAMENTO, NECROSE OU PERFURAÇÃO ESCLERAL

Como o acometimento escleral é frequentemente manifestação de doença sistêmica, o pri­


meiro passo na conduta é identificar e tratar a condição determinante. As lesões podem ser
desencadeadas por trauma (cirúrgico, químico ou por radiação); doenças infecciosas (escleri-
tes e escleroceratites - bacterianas e fúngicas); condições inflamatórias (esclerite necrosante,
escleromalacia perforans, úlcera de Mooren); condições pós-operatórias (cirurgia de descola­
mento de retina, erosão do buckle escleral, terapia adjunta à cirurgia do pterígio - betaterapia
e mitomicina C) e condições idiopáticas. Quando a lesão escleral resulta de processos infeccio­
sos, é necessário estudo microbiológico adequado para orientar a terapêutica antimicrobiana.
Quando a lesão escleral resulta de condições inflamatórias, deve-se instituir imunossupressão
apropriada, local ou sistêmica. Se a condição sistêmica não for adequadamente tratada, o
agravamento da lesão inicial ou o surgimento de novos focos de necrose escleral em outras
áreas podem levar ao insucesso da terapêutica instituída.
r
E de 1960 o primeiro relato de necrose de esclera pós-cirúrgica ocular, no pós-operatório
de cirurgia de estrabismo. Em 1992, o quadro de necrose escleral observado após vários tipos
de cirurgia ocular foi denominado escleroceratite necrosante induzida por cirurgia (ENIC).

425
426 Doenças Externas Oculares e Córnea

Estudos angiográficos demonstram que a área de isquemia escleral ocorre nas adjacências da
região operada, existindo maior prevalência de doenças reumatológicas nesses pacientes (63 a
90%). A ENIC pode ser a primeira evidência de quadro vasculítico sistêmico. Os fios cirúrgicos,
o uso de quimiotripsina e a infecção local são considerados possíveis causas de inflamação
escleral. A isquemia local provocada pela cauterização de tecidos esclerais pode ter papel
importante na gênese da lesão escleral (Fig. 1). Em resumo, os fatores associados à necrose
escleral incluem cirurgias oculares múltiplas, isquemia local e doenças reumatológicas associa­
das. Impõe-se frente a esses quadros a necessidade de maiores investigações para estabelecer
a fisiopatologia do trauma cirúrgico sobre a estrutura escleral.
A radiação ionizante beta é utilizada em oftalmologia, desde a década de 1950, como
terapêutica adjuvante à cirurgia do pterígio. A betaterapia no pós-operatório do pterígio, em
dose de 750 a 2.500 rads, inibe a proliferação epitelial, causando uma endarterite obliterante
que leva, consequentemente, a isquemia, inibição da proliferação de fibroblastos e de células
inflamatórias, além de reduzir a produção de colágeno e de tensão nas bordas da ferida. Ma-
cKenzie etal. (1991) coletaram dados de pacientes, 10 a 15 anos após serem submetidos a exé-
rese de pterígio e betaterapia, observando que 13% deles apresentavam escleromalacia e 4,5%
afinamento escleral grave. Nos olhos desses pacientes, os autores evidenciaram uma relativa
avascularidade da conjuntiva e esclera local, com áreas de afinamento, necrose e ulceração
escleral, inclusive com exposição de úvea. São relatados casos de escleroceratite infecciosa
relacionados a essas áreas de afilamento e úlceras esclerais (Fig. 2).
A mitomicina C (MMC) é um antibiótico alquilante isolado a partir do Streptomyces cciespi-
tosus, que seletivamente inibe a síntese do DNA, RNA e de proteínas. O envolvimento escleral
tem papel de destaque nas complicações associadas ao uso da MMC. Ulceração e necrose
escleral têm sido relatadas aparecendo de 2 meses a anos após o uso tópico da MMC, princi­
palmente na forma de colírio.

Fig. 1 N e cro se e sc le ra l em p ó s-o p e ra tó rio d e c iru rg ia d e c a ta ­


rata (30 d ia s).

% Fig. 2 E s c le rite p o r Pseudomonas aeruginosa em p a c ie n te co m


a n te c e d e n te d e c iru rg ia e b e ta te ra p ia há 10 a n o s.
Transplante Escleral

As doenças imunomediadas, particularmente as vasculites, são as condições mais graves


e destrutivas que envolvem a esclera. Os quadros esclerais estão relacionados principalmente
com afecções que atingem vasos de pequeno ou médio calibre, tais como artrite reumatoide,
lúpus eritematoso sistêmico, policondrite recidivante, artrite relacionada à doença intestinal
inflamatória, granulomatose de Wegener e poliarterite nodosa. A esclerite é menos comum nas
vasculites que acometem grandes artérias, como espondilite anquilosante, síndrome de Reiter
ou arterite de células gigantes. A esclerite pode inclusive indicar uma evolução desfavorável do
quadro sistêmico do paciente. A artrite reumatoide é a doença sistêmica mais frequentemente
associada à esclerite, sendo o tipo necrosante o mais grave (Fig. 3), tanto em relação ao olho
quanto sistemicamente, pois esses pacientes têm a expectativa de vida diminuída por causa dos
efeitos extra-articulares da enfermidade e do tratamento imunossupressor. Na investigação etio-
lógica de esclerite, a avaliação clínica geral e minuciosa e os exames laboratoriais são extrema­
mente importantes. Uma vez estabelecido o diagnóstico, o tratamento clínico deve ser iniciado
ou intensificado. As medicações mais utilizadas são os anti-inflamatórios não hormonais (napro-
xeno, oxifenilbutazona, indometacina), corticosteroides (prednisona e metilprednisolona) e os
imunossupressores (azatioprina, ciclofosfamida e clorambucil). O corticoide tópico é ineficaz e
as injeções subconjuntivais são contraindicadas. O tratamento cirúrgico da necrose escleral deve
ser feito, de preferência, com o controle da atividade da doença de base.

F ig . 3 E s c le rite n e c ro s a n te em ca so d e a rtrite re u m a to id e .
O b s e rv e a e x p o s iç ã o da ú v e a .

CONDUTA

O tratamento cirúrgico pode não ser necessário em afinamentos e em necroses esclerais pe­
quenas sem prolapso de úvea; no entanto, deve ser dada atenção para o controle de possíveis
doenças inflamatórias ou infecciosas. Perfurações esclerais requerem tratamento cirúrgico
para manter a integridade da parede ocular e evitar o risco de infecção potencialmente grave.
Nesses casos, pode-se utilizar enxerto de esclera, fáscia lata, periósteo ou dura-máter, e deve-
se recobrir o enxerto com conjuntiva. O enxerto está indicado quando o afinamento escleral
acomete mais de 66% da espessura escleral. Nos casos mais leves, apenas se recomenda reco-
brimento da área afetada com retalho conjuntival ou membrana amniótica.

TÉCNICA CIRÚRGICA

Emprega-se anestesia subconjuntival com bloqueio do músculo orbicular tipo Van Lint para
diminuir o blefarospasmo. Utiliza-se como anestésico o cloridrato de lidocaína a 2%, com
428 Doenças Externas Oculares e Córnea

adrenalina a 1:200.000. Dissecam-se a conjuntiva e a Tenon adjacentes à área de necrose para


a preparação do leito receptor (Fig. 4A). Na maior parte dos casos, a conjuntiva das bordas da
necrose escleral é escassa ou praticamente ausente. A dissecção deve ser feita preferentemen­
te com instrumento de ponta romba, tipo espátula, para evitar agravar eventual perfuração
escleral. Realiza-se hemostasia mínima, pela importância do plexo vascular episcleral para a
vascularização do enxerto. As placas de cálcio existentes são dissecadas e retiradas; como es­
ses depósitos podem estar relacionados a focos de microrganismos, recomenda-se irrigação
profusa com solução fisiológica e antibiótico (gentamicina 80 mg/ml).
Afina-se o material a ser utilizado como enxerto com tesoura e bisturi. Em seguida, posi-
ciona-se o enxerto na área determinada. Deve-se ter o cuidado de cobrir totalmente a esclera
afinada e a área circunjacente; assim o enxerto geralmente tem o dobro da superfície do de­
feito escleral estimado pela biomicroscopia.
O enxerto é mantido em posição por meio de 6 a 8 suturas simples de mononáilon 9-0
com os nós sepultados e ancorados em esclera saudável (Fig. 4B). A Tenon e a conjuntiva são
deslizadas das áreas adjacentes para cobrir o enxerto (Fig. 4C).
Na impossibilidade de obter um retalho conjuntival medial, seja de base fórnice ou lím-
bica, pode-se rodar um retalho da conjuntiva lateral, deslocando-a até a esclera medial. Não
deve existir tensão, pois pode levar à deiscência das suturas.
No período pós-operatório, empregam-se colírio e pomada de antibiótico, evitando-se
corticoides tópicos, que tendem a inibir a proliferação fibroblástica.
Os materiais, esclera e dura-máter homólogas, fáscia lata e periósteo autólogos, utilizados
para enxertos lamelares esclerais, necessitam ser recobertos por conjuntiva (Figs. 5A e B). Ou-

F ig s . 4 (P - ) D isse c ç ã o da re g iã o a d ja c e n te à n e c ro se . A . S u tu ra d o e n x e rto co m os n ó s s e p u lta d o s . I .


E n x e rto em p o siç ã o so b o re ta lh o c o n ju n tiv a l. B .
Transplante Escleral

Figs. í (IV e B) A. N e cro se d e e sc le ra p ó s-e x é re se d e p te ríg io e b e ta te ra p ia . B. P ó s-o p e ra tó rio (e n x e rto d e


p e rió ste o re c o b e rto p o r c o n ju n tiv a ).

tros materiais como pericárdio bovino (Tutoplast), membrana amniótica ou córnea, não têm a
necessidade de ser recobertos por conjuntiva. O uso do material sintético politetrafluoroetile-
no (Gore-Tex) não foi associado a bons resultados.
r

A esclera e a dura-máter homólogas obtidas de Banco de Órgãos são condicionadas em gli­


cerina a 98% durante pelo menos 15 dias. A glicerina à temperatura ambiente tem propriedade
bactericida, além de preservar a textura e a elasticidade da esclera e dura-máter. São lavadas,
hidratadas e irrigadas com solução de gentamicina a 80 mg/ml antes de serem utilizadas. A
hidratação leva pelo menos 10 minutos em solução de soro fisiológico a 0,9%.
O periósteo é obtido da região pré-tibial anterior (Fig. 6). A anestesia empregada é a local,
com a colocação de faixa de Smarsh que minimiza o sangramento. A incisão na pele é vertical
e com cerca de 2 a 3 cm de comprimento. O periósteo é dissecado e retirado após divulsão
dos músculos. O acesso cirúrgico é facilitado pela proximidade do osso à superfície cutânea.
O periósteo deve ser posicionado na esclera com a face óssea para baixo. O periósteo trans­
plantado não exibe potencial osteogênico. A principal vantagem desse material é que, sendo
autógeno, não há risco de rejeição imunológica. Não necessita da disponibilidade de um Ban-
r

co de Órgãos para a sua realização. O enxerto se integra bem com os tecidos oculares, fato
devido a sua revascularização. Oferece uma ótima resistência, é de fácil manuseio, com boa
moldagem na área de enxertia.
A cirurgia em geral apresenta baixo índice de complicações; a principal é o deslizamento
de pequenas áreas do recobrimento conjuntival. Quando há desnível entre a córnea e a con­
juntiva que recobre o enxerto, pode haver formação de dellen corneai; isto pode ser evitado
regularizando-se a espessura do enxerto escleral. Nos casos de utilização de enxerto de peri-

Fig.6 R e tira d a d e p e rió ste o p ré -tib ia l.


430 Doenças Externas Oculares e Córnea

ósteo, a anti-sepsia rigorosa e antibioticoterapia profilática são importantes para evitar infec­
ção óssea.
O êxito do tratamento da perfuração escleral requer avaliação cuidadosa do paciente, com
atenção à seleção adequada do material para reconstrução da parede ocular com vistas ao ta­
manho e localização do defeito, natureza e controle da doença subjacente.

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o
< Reabilitação
U"
Transplante de
Membrana Amniótica

RENATO TEIXEIRA FERREIRA PIRES • JOSÉ LUIS TEIXEIRA FERREIRA PIRES


PAULA MARCIA F. S. FERREIRA PIRES • MILTON RUIZ ALVES

HISTÓRIA DO TRANSPLANTE DE MEMBRANA AMNIÓTICA

A membrana amniótica ou âmnion, camada interna da placenta, consiste em uma membrana


basal densa e matriz estromal avascular. O transplante de membrana amniótica (TMA) foi des­
crito para a reconstrução de estruturas, como enxerto ou curativo, em diferentes subespecia-
lidades médicas.
Na literatura de língua inglesa, a membrana placentária sem preservação, incluindo âm­
nion e córion, foi primeiro usada por de Rotth, em 1940, para a reconstrução da superfície da
conjuntiva.
Em 1941, Brown propôs o uso de peritônio de coelho como curativo temporário para
recobrir a superfície ocular após queimadura aguda, com a finalidade de promover a epiteli-
zação e prevenir o aumento da necrose tecidual. Posteriormente, seguindo essa ideia, Sorsby
e Symons, em 1946, e Sorsby et aL, em 1947, utilizaram a membrana amniótica “seca” proces­
sada quimicamente, a qual denominaram aminoplastin, como curativo temporário para o trata­
mento de queimadura ocular aguda. Demonstraram que, com a intervenção precoce, menor
era o tempo de hospitalização, e, embora obtivessem sucesso, o uso repetitivo da amnioplastin
era necessário. Em seguida, trabalhos com uso da membrana amniótica desapareceram da li­
teratura por razões ainda não definidas.
Em 1965, Roper-Hall fez uma revisão sobre o tema queimaduras químicas e concluiu:
“outros materiais foram indicados em diferentes épocas como enxertos temporários com en­
tusiasmos variados.” Em 1992, Batlle e Perdomo apresentaram um estudo sobre membranas
placentárias como substituto da conjuntiva na reconstrução da superfície ocular (observações
não publicadas).
Em 1995, Kim e Tseng publicaram importante trabalho sobre o uso da membrana amnió­
tica na reconstrução da superfície ocular de coelhos com deficiência de células germinativas
do limbo. Tseng introduziu novo método de preservação e armazenamento da membrana

433
434 Doenças Externas Oculares e Córnea

amniótica e, junto com inúmeros colaboradores, avançaram eles no desenvolvimento da uti­


lização da membrana amniótica humana preservada em procedimentos oftalmológicos. Sua
equipe contribuiu com importantes dados científicos e clínicos, estabelecendo algumas das
técnicas cirúrgicas atualmente utilizadas. Podem ser considerados disseminadores desse novo
conhecimento pelo mundo.
Como descrito a seguir, resultados encorajadores foram relatados por diferentes pesquisa­
dores, atribuídos presumivelmente pela melhora do método de processamento e preservação,
o qual mantém as propriedades inerentes do âmnion.

PROPRIEDADES DA MEMBRANA AMNIÓTICA

A composição da membrana basal da membrana amniótica é semelhante à da conjuntiva. Re­


centes trabalhos científicos indicam que a membrana basal da membrana amniótica é um subs­
trato ideal para garantir o crescimento e o desenvolvimento de células progenitoras epiteliais
da córnea, prolongando o seu período de vida e mantendo sua capacidade de multiplicação.
Esse mecanismo explicaria por que o transplante de membrana amniótica pode ser utilizado
para expandir as células germinativas do limbo e as células amplificadoras transitórias da cór­
nea durante o tratamento da deficiência parcial de células germinativas do limbo, e facilita a
epitelização nos defeitos epiteliais persistentes com ulceração estromal da córnea.
Em cultura de tecidos, a membrana amniótica suporta o crescimento de células epiteliais
por meio de cultura de expiantes ou outras culturas, e mantém a morfologia e diferenciação
epiteliais normais, podendo ser transplantada para a reconstrução da superfície afetada da
córnea.
A membrana amniótica pode ser usada também para promover a diferenciação de células
não caliciformes do epitélio da conjuntiva, explicando por que a densidade das células calici­
formes é aumentada após o transplante de membrana amniótica in vivo.
O estróina da membrana amniótica contém componentes raros da matriz, os quais supri­
mem a sinalização de TGF-(3, proliferação e diferenciação miofibroblástica de fibroblastos da
córnea e do limbo, fibroblastos da conjuntiva e fibroblastos do corpo do pterígio. Isto explica
por que o transplante de membrana amniótica ajuda a reduzir a formação de tecido cicatricial
durante a reconstrução da superfície da conjuntiva, a prevenir a recorrência de tecido cicatri­
cial após a remoção de pterígio e a reduzir a opacidade da córnea após ceratectomia fototera-
pêutica (PTK) e ceratectomia fotorrefrativa (PRK). Embora essa ação seja mais efetiva quando
os fibroblastos estão em contato com a matriz estromal, um efeito menor é também notado
quando os fibroblastos estão separados e distantes da membrana, sugerindo, assim, que fato­
res difusíveis devem também estar envolvidos, além da presença dos componentes insolúveis
da matriz na membrana.
Vários fatores de crescimento também têm sido identificados na membrana amniótica,
inclusive o neural, que é crucial para o epitélio da córnea.
A matriz do estróina da membrana contém vários inibidores de protease, podendo tam­
bém debelar as células inflamatórias, levando-as para rápida apoptose. Essa propriedade ex­
plica por que a inflamação do estroma e a neovascularização da córnea são reduzidas após
r

o transplante de membrana amniótica. E importante ressaltar que esse mecanismo de ação


Transplante de Membrana Amniótica

prepara o estroma para receber as células germinativas do limbo transplantadas no mesmo


ato cirúrgico ou posteriormente. Essa ação também explica por que a apoptose de ceratócitos
pode ser reduzida e, consequentemente, a opacidade do estroma é prevenida em PRK ou PTK
pela membrana amniótica. Novos estudos são necessários para elucidar o exato mecanismo
de ação.

INDICAÇÕES CLÍNICAS DO TRANSPLANTE DE MEMBRANA


AMNIÓTICA

A membrana amniótica, devidamente processada e preservada, pode ser utilizada em diferen­


tes indicações clínicas, como enxerto para substituir a matriz estromal danificada da superfí­
cie ocular, ou como curativo para recuperar a superfície ocular, prevenindo, assim, processos
inflamatórios indesejáveis.

MEMBRANA AMNIÓTICA COMO ENXERTO PARA RECONSTRUÇÃO DA


SUPERFÍCIE DA CONJUNTIVA

Os mecanismos de ação sintetizados no Quadro 1 ajudam a explicar por que o TMA, ao ser
utilizado na superfície ocular, pode facilitar a epitelização, manter o fenótipo epitelial normal
da conjuntiva (com células caliciformes quando realizado na conjuntiva) e reduzir inflamação,
vascularização e cicatrização. De acordo com esses efeitos terapêuticos, o TMA pode ser in­
dicado para a reconstrução da conjuntiva com a finalidade de substituir o estroma e produzir
uma membrana basal saudável para a proliferação e diferenciação epitelial.
O TMA pode ser indicado para a reconstrução da superfície da conjuntiva como uma al­
ternativa ao enxerto conjuntival para a remoção de extensas lesões da conjuntiva, tais como
pterígio, neoplasia intraepitelial e tumores da conjuntiva, melanoma conjuntival, tecido cica­
tricial, simbléfaro e conjuntivocálaze.

QUADRO 1 M e c a n is m o s d e a çã o e e fe ito s o b s e rv a d o s no tra n s p la n te d e m e m b ra n a a m n ió tic a

Mecanismos de ação
• Prolonga o período de vida e preserva a cap acid ad e das células g erm in ativas ep iteliais de pro d uzir colônias
• Prom ove a d iferenciação das células não calicifo rm es epiteliais
• Prom ove a d iferenciação das células calicifo rm es qu an d o co m b in ad as com fib ro blasto s co n ju n tivais
• Elim ina células inflam atórias pela ativid ad e antip ro tease
• Sup rim e o sistem a de sin alização de TGF-b e a d iferen ciação m iofib ro blástica dos fib ro blasto s norm ais

Efeitos clínicos observados


• Facilita ep itelização
• M antém o perfil fen o típ ico ep itelial norm al
• Reduz inflam ação
• Reduz vascu larização
• Reduz tecido cicatricial

Legenda: TGF-(3 = fator de crescimento transformador (3. Fonte: Pires e t a i , 1999.


436 Doenças Externas Oculares e Córnea

Com a utilização da membrana amniótica, a área a ser reconstruída pode ser extensa, com
retirada de todo o tecido isquêmico, permitindo que a borda conjuntival remanescente tenha
um epitélio e um estroma subconjuntival normais.
O TMA associado ao enxerto de esclera mostrou ser eficaz na restauração de perfuração
escleral em pacientes portadores da síndrome de Marfan. Também pode ser usada como en­
xerto, substituindo o transplante autólogo de conjuntiva, em vazamento de bolhas filtrantes
pós-cirurgia antiglaucomatosa. Pode ser uma melhor alternativa ao enxerto de mucosa labial e
de conjuntiva em alguns casos de correção plástica de anormalidades nas pálpebras e recons­
trução da cavidade orbitária.

MEMBRANA AMNIÓTICA COMO ENXERTO PARA RECONSTRUÇÃO DA


SUPERFÍCIE DA CÓRNEA

Após o diagnóstico confirmado de deficiência das células germinativas do limbo, novas condu­
tas, como o TMA e o transplante de células germinativas, podem ser indicadas. O TMA é indi­
cado com a intenção de substituir o estroma e produzir uma membrana basal saudável para a
proliferação e diferenciação do epitélio da córnea, e o de limbo é para restaurar a população
de células germinativas (Figs. 1A-F).
Um dos principais avanços realizados pelo TMA foi o fato de a deficiência parcial das cé­
lulas germinativas do limbo poder ser reconstruída por essa técnica sem o uso do transplante
de limbo. Inicialmente, esses resultados foram observados em experimentos com coelhos,
sugerindo que pacientes com deficiência parcial das células germinativas do limbo poderiam
ser tratados sem o uso prolongado de imunossupressão sistêmica.
Quando há deficiência total dessas células, está indicado o transplante de células germina­
tivas do limbo. Nos casos unilaterais, pode ser utilizado o enxerto autólogo, podendo também
ser associado ao TMA. Já nos casos bilaterais, utiliza-se enxerto alógeno HLA-semelhante, ou
não. A imunossupressão sistêmica é necessária quando o limbo é proveniente de doador HLA
não semelhante. A dificuldade ainda encontrada nos pacientes que sofrem de deficiência das
células germinativas do limbo grave e profunda e que necessitam também de transplante de
córnea, é o fato de ocorrer frequentemente rejeição concomitante do enxerto da córnea.
A membrana amniótica, como enxerto, também pode ser utilizada para o tratamento de
doenças da superfície da córnea. Promove a cura de úlceras persistentes da córnea de etiolo­
gias diferentes, incluindo a ceratopatia neurotrófica (Figs. 2A-D). Também auxilia no tratamen­
to do afinamento da córnea e esclera de diferentes etiologias, descemetoceles e perfurações
não traumáticas da córnea.
Nos casos de ceratopatia em faixa, o transplante de membrana amniótica foi eficaz na res­
tauração do epitélio da córnea, promovendo uma superfície ocular estável.
Um estudo multicêntrico realizado em cinco centros oftalmológicos mostrou que o trans­
plante de membrana amniótica pode ser usado para tratar ceratopatia bolhosa sintomática
causada pela cirurgia de catarata ou insuficiência de transplante de córnea.
Posteriormente, outros trabalhos foram publicados mostrando a eficácia da reconstrução
da superfície da córnea e melhora dos sintomas na ceratopatia bolhosa, com o enxerto de
membrana amniótica (Figs. 3A-D).
Transplante de Membrana Amniótica

Figs. (\- ) T ra n s p la n te d e m e m b ra n a a m n ió tic a no tra ta m e n to d e d e fic iê n c ia p a rcia l d e c é lu la s g e rm in a -


tiv a s lím b ic a s in d u z id a p o r LC. l \ e B . P ré -o p e ra tó rio , e D. U m d ia a p ó s T M A . E. A p ó s 2,5 m e se s. A p ó s 21
m e se s.
Doenças Externas Oculares e Córnea

Pré-operatório 6 dias após


TMA

*
-
4

V.
3,5 m eses

E
Figs. I (A-D) C e ra tite n e u ro tró fic a p o r h e rp e s s im p le s . A. P ré -o p e ra tó rio . Bei. T M A no 6 0 e dia d e pré-
o p e ra tó rio . D. T M A ao s 3,5 m e se s d e p ó s-o p e ra tó rio .

Pré-operatòrio

2,5 m eses após


TMA

Figs. I {\-D) T ra n s p la n te d e m e m b ra n a a m n ió tic a em c e ra to p a tia b o lh o sa . A e B. A s p e c to p ré -o p e ra tó rio ,


e D. A o s 2,5 m e se s d e p ó s-o p e ra tó rio .
Transplante de Membrana Amniótica

MEMBRANA AMNIÓTICA COMO CURATIVO

A membrana amniótica também pode ser utilizada para o tratamento de doenças da superfície
da córnea como curativo, por um período curto ou prolongado. Experimentalmente, quando
usada como curativo por um período curto, essa membrana demonstrou ser capaz de reduzir
a opacidade da córnea após PRK ou PTK, efeito verificado em humanos.
O TMA mostrou ser eficaz em diminuir inflamação da conjuntiva e córnea, promover a
reepitelização e prevenir tecido cicatricial nas queimaduras químicas ou térmicas agudas mo­
deradas da superfície ocular de coelhos e humanos.
Devido a essas ações, a membrana amniótica, como curativo, foi utilizada com sucesso na
fase aguda da síndrome de Stevens-Johnson e da necrólise epidérmica tóxica, e também para
suprimir inflamação indesejável em várias doenças da superfície ocular.
Novas pesquisas nessa área podem descobrir aplicações adicionais para o uso da membra­
na amniótica como curativo.

MEMBRANA AMNIÓTICA COMO SUBSTRATO PARA MULTIPLICAÇÃO E


PRESERVAÇÃO DAS CÉLULAS GERMINATIVAS EPITELIAIS DO LIMBO

O fato de a membrana amniótica ajudar a preservar e multiplicar as células germinativas epite-


liais do limbo indica que ela pode ser um substrato ideal para o cultivo dessas células in vitro.
Esse novo método é aplicado em pacientes que possuem reserva limitada de células germina­
tivas, ou naqueles que preferem evitar a retirada de extensa área de limbo saudável do olho
contralateral ou de doadores parentes vivos. Nesse caso, pequena biópsia de limbo é realizada
e o explante é colocado sobre a membrana amniótica em sistema de cultura. Após período
de 3 a 4 semanas, essas células expandidas na membrana amniótica são transplantadas para
restaurar a superfície da córnea portadora de deficiência total de células germinativas. A apli­
cação desse novo procedimento foi demonstrada em estudos com coelhos e em humanos.
Esse método pavimenta o caminho para o uso da membrana amniótica como um substrato na
engenharia de tecidos e vislumbra o uso da terapia genética no futuro.

LIMITAÇÕES
r

E necessário lembrar que a membrana amniótica não pode ser usada para tratamento de do­
enças da superfície ocular caracterizadas pela perda total das células germinativas do epitélio
do limbo ou da conjuntiva.
As defesas da superfície ocular devem ser restauradas antes ou no decorrer da reconstru­
ção da superfície ocular pelo transplante de membrana amniótica com ou sem o transplante
de células germinativas do limbo. Os principais tipos de tratamento para manutenção da lu­
brificação e da integridade da superfície ocular são: lubrificantes artificiais ou autólogos e/ou
oclusão do ponto lacrimal para deficiência lacrimal aquosa grave, correção de anormalidades
de margem de pálpebra e de problemas que envolvem a implantação dos cílios, tarsorrafia que
diminui a área externa do olho exposto para evitar a exposição da superfície ocular.
440 Doenças Externas Oculares e Córnea

Pacientes com olhos secos graves, apresentando queratinização difusa e isquemia do es­
tróina, são casos cuja resposta terapêutica é duvidosa, podendo contraindicar a cirurgia de
reconstrução da superfície ocular por transplante de membrana amniótica e de limbo.

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Transplante de
Células Germinativas

SÉRGIO KWITKO • SAMUEL RYMER • DIANE MARINHO • LUCIANO BELLINI

A superfície ocular normal é coberta pelo epitélio conjuntival e o corneai, cada qual com fe-
nótipos celulares correspondentes. A córnea é coberta por um epitélio escamoso estratifica­
do com junções intercelulares firmemente aderidas, o que lhe confere uma superfície óptica
adequada. Por outro lado, o epitélio conjuntival contém células caliciformes que produzem a
camada mucosa do filme lacrimal. Esses fenótipos epiteliais são vitais na manutenção da inte­
gridade da superfície ocular.
As células germinativas precursoras do epitélio corneai estão localizadas na camada basal
do epitélio límbico, nas chamadas paliçadas de Vogt, principalmente no limbo superior, en­
quanto as células germinativas do epitélio conjuntival localizam-se no fundo-de-saco conjun­
tival superior.
O crescimento epitelial corneai é centrípeto a partir do limbo, e depende da normalidade
dessas células germinativas.
Diversas são as afecções que provocam deficiência límbica, sendo as mais frequentes as
queimaduras alcalinas, síndrome de Stevens-Johnson, aniridia e múltiplas cirurgias de pterígio.
Nas deficiências límbicas parciais (de até 180°), o limbo não comprometido geralmente é
suficiente para repopular a superfície da córnea com epitélio corneai normal. Nas deficiência
límbicas maiores e totais, porém, o epitélio conjuntival representa a única fonte de regenera­
ção epitelial.
O crescimento de epitélio conjuntival na superfície corneai leva a um retardo de epiteli-
zação, com erosões epiteliais recorrentes, úlceras tróficas e, até mesmo, perfuração, ou neo-
vascularização superficial e profunda, pannus corneai, conjuntivalização e queratinização da
superfície corneai.
O tratamento das deficiências límbicas grandes é geralmente cirúrgico, por meio de trans­
plante de células germinativas límbicas, a partir do olho contralateral sadio (transplante autó-
logo), no casos de doenças unilaterais, ou a partir de doador cadáver (ceratolímbico), ou de

443
444 Doenças Externas Oculares e Córnea

doador vivo (limbicoconjuntival) no caso de doenças bilaterais da superfície ocular (transplan­


tes alógenos).
Outra fonte de células epiteliais corneais e conjuntivais é a expansão ex-vivo das células
germinativas do limbo e/ou da conjuntiva.
Para proporcionar um crescimento epitelial mais adequado sobre a superfície corneana,
é necessária uma membrana basal epitelial corneai normal, a qual está geralmente compro­
metida nessas doenças. O transplante de membrana amniótica pode contribuir com melhor
epitelização corneai nesses casos, por funcionar como uma membrana basal mais regular para
o epitélio.
A inflamação intensa, muito frequente nesses casos, também pode comprometer o su-
r

cesso dos transplantes de limbo. E melhor realizar o transplante de limbo somente depois de
acalmado o processo inflamatório, seja com tratamento clínico ou com transplante de mem­
brana amniótica.
Além disso, uma boa lubrificação da superfície corneai também é fundamental para o
crescimento do epitélio corneai, e as doenças que envolvem deficiência límbica apresentam
olho seco concomitante, geralmente de intensidade significativa. O uso de soro autólogo, fe­
chamento dos canalículos lacrimais e o transplante de glândulas salivares também se fazem
necessários para melhorar o sucesso do transplante de limbo.
Finalmente, toda a reconstrução palpebral e dos fundos-de-saco, que geralmente também
estão comprometidos nessas afecções, deve ser realizada antes do transplante das células
germinativas.

TRANSPLANTE AUTÓLOGO DE LIMBO CONJUNTIVAL

Em casos de deficiências límbicas unilaterais, como queimaduras químicas ou térmicas, ce-


ratopatias por lentes de contato, deficiências límbicas iatrogênicas, neoplasias límbicas,
radioterapia unilateral ou múltiplos procedimentos cirúrgicos na região do limbo, os trans­
plantes autólogos de limbo (TAL) podem ser indicados, desde que o olho contralateral seja
sadio.
Kenyon e Tseng foram os primeiros a relatar bons resultados clínicos com a inclusão do
epitélio límbico em transplantes autólogos de conjuntiva para várias doenças unilaterais da
superfície ocular.
Até hoje, nenhuma alteração irreversível foi descrita nos olhos doadores de limbo. Gus et
al. descreveram o aparecimento de um granuloma, na área exposta correspondente à retira­
da da conjuntiva, que foi removido cirurgicamente sem complicações ao doador. Entretanto,
deve-se avaliar cuidadosamente o olho doador para se assegurar de que ele possui uma popu­
lação normal de células germinativas.
De acordo com Chen e Tseng, em estudo experimental com coelhos, a remoção parcial da
região límbica compromete a superfície corneai, que poderá descompensar e desenvolver uma
deficiência límbica após um posterior defeito epitelial extenso. Estudos em coelhos, em que
foram provocadas queimaduras em olhos doadores de limbo, demonstraram que a retirada de
um enxerto ceratoconjuntival causa maior depleção das células germinativas do que a retirada
de um enxerto de limbo conjuntival do olho doador sadio.
Transplante de Células Germinativas

Nishiwaki-Dantas etcil. descreveram a translocação ipsolateral de um enxerto autólogo de lim­


bo para casos de deficiência límbica parcial e localizada com resultados igualmente satisfatórios.
O TAL ocupa hoje um lugar definitivo no tratamento das queimaduras oculares unilaterais,
e é indiscutível que as deficiências límbicas unilaterais alcançaram um prognóstico visual bem
mais favorável após a popularização desse procedimento. Muitas vezes, em casos nos quais
existe um comprometimento importante da superfície ocular, o TAL não é suficiente para res­
taurar uma visão útil. Nesses casos, o transplante de córnea pode ser realizado em um segun­
do tempo, aumentando a sobrevida do enxerto.

Técnica cirúrgica
A técnica preconizada no olho doador é a retirada do limbo conjuntival, sem a realização de
ceratectomia periférica, conforme descrita por Pfister e por Kwitko et ai, detalhada a seguir:
1. Anestesia geral ou peribulbar no olho receptor.
2. Um ou dois retalhos de limbo doador são preparados inicialmente, dependendo da gravi­
dade da doença de base. Um retalho de limbo conjuntival de 5 mm por 8 mm, incluindo
a área límbica, é dissecado a partir da conjuntiva para o limbo, com lâmina crescente e
tesoura delicada do tipo Vannas (Fig. 1). A extremidade límbica do retalho é cortada com
tesoura de Vannas, com ou sem ceratectomia superficial periférica (limbo ceratocon-
juntival ou conjuntival, respectivamente). O tecido é então removido e mantido com a
superfície epitelial para cima umedecida com solução salina balanceada, até que o leito
receptor seja preparado. Não há necessidade de sutura na região doadora.
3. No olho receptor, realizam-se peritomia 360° e remoção do epitélio corneai ou da
conjuntivalização corneai, se presente (Fig. 2). O retalho de limbo conjuntival é posi­
cionado adjacente à região límbica do olho receptor com cola biológica de fibrina ou
suturado com mononáilon® 10-0, nas suturas que envolvem a córnea, e vicryl® 8-0, nas
suturas conjuntivais (Fig. 3).
4. A rotina pós-operatória inclui no olho receptor: a) lente de contato terapêutica ou
oclusão até a total reepitelização corneana ou patch com membrana amniótica; b) as­
sociação de antibiótico-corticoide tópico a cada 3 horas; c) lágrima artificial sem con­
servante ou soro autólogo de hora/hora até a completa resolução do defeito epitelial.
5. O olho doador recebe associação de antibiótico-corticoide tópico de 3/3 horas e lágri­
mas artificiais por pelo menos 1 semana ou até a total cicatrização.

P re p a ro do e n x e rto d e lim b o (d o a d o r v iv o ), sem a c e ra ­


te c to m ia p e rifé ric a .
446 Doenças Externas Oculares e Córnea

Fig. I R e m o ç ã o da c o n ju n tiv a liz a ç ã o c o rn e a n a .

Fig. 3 T ra n s p la n te d e lim b o (d o a d o r v iv o ) já no le ito re c e p to r.

O doador escolhido deve apresentar exame oftálmico absolutamente normal, incluindo


tempo de rotura lacrimal, testes de Schirmer e rosa-bengala. História prévia de glaucoma seria
uma contraindicação de retirar um enxerto superior, pois uma conjuntiva superior sadia po­
deria ser necessária para uma futura trabeculectomia. O uso crônico de medicações tópicas,
lentes de contato ou história de cirurgia ocular prévia devem ser contraindicações relativas
pela possibilidade de gerar uma deficiência límbica iatrogênica.
As possíveis complicações no olho doador são:
a. Deficiência límbica caso ocorra uma futura agressão à superfície ocular, como, por
exemplo, queimadura química alcalina. Essa possibilidade diminui significativamente
se a técnica utilizada é a de limbo conjuntival, conforme citado anteriormente.
b. Granuloma da cápsula de Tenon na região onde foi retirada a conjuntiva doadora, dei-
xando-se a cápsula de Tenon exposta. Essa complicação é significativamente reduzida
se o sítio doador for suturado ou recoberto por membrana amniótica, para não haver
exposição da cápsula de Tenon, ou se for utilizada corticoterapia tópica intensiva na
primeira semana de pós-operatório.

TRANSPLANTE AUTÓLOGO DE CÉLULAS EPITELIAIS CULTIVADAS A


PARTIR DA MUCOSA ORAL

Essa técnica cirúrgica, descrita primeiramente por Nakamura et al. em 2004, propõe uma al­
ternativa de tratamento às doenças bilaterais da superfície ocular utilizando como fonte de
células-tronco um tecido cultivado a partir da mucosa oral do próprio paciente. Trata-se de
Transplante de Células Germinativas

um procedimento autólogo com a grande vantagem de não induzir rejeição e não necessitar
imunossupressão sistêmica.

Técnicas de cultivo de células epiteliais da mucosa oral


Biópsias da mucosa oral de 2 a 3 mm são retiradas do paciente sob anestesia local 2 a 3 sema­
nas antes do transplante. As biópsias vão ser a fonte de células germinativas para as células
epiteliais corneais e são cultivadas em laboratório, sobre uma membrana amniótica.

Procedimento cirúrgico
Após remoção do tecido conjuntivalizado sobre a córnea e limbo, é realizada uma aplicação
de mitomicina C a 0,04% sobre a superfície ocular por 5 minutos, seguida de extensa irrigação
com soro fisiológico. A membrana amniótica com o epitélio oral cultivado é então colada ou
suturada sobre a córnea do paciente com mononáilon 10-0. Uma lente de contato terapêutica
pode ser utilizada no final da cirurgia para proteção do tecido transplantado.
Bons resultados também são descritos com a fabricação e cultivo de folhetos de células
epiteliais também a partir de biópsias da mucosa oral que podem ser transferidos para a su­
perfície ocular sem suturas e sem a necessidade de um carreador como a membrana amnió­
tica.
As células epiteliais cultivadas in vitro, a partir da mucosa oral, demonstraram ter caracte­
rísticas histológicas semelhantes àquelas das células epiteliais corneais, como, por exemplo,
positividade à queratina 3 e 12.
Os resultados apresentados são bastante favoráveis, porém séries maiores de casos com
seguimento em longo prazo vão realmente determinar o papel dessa técnica no tratamento
das doenças da superfície ocular.

TRANSPLANTE ALÓGENO DE LIMBO

O transplante alógeno de limbo pode ter como fonte das células germinativas limbo de cadá­
ver (transplante ceratolímbico) ou de doador vivo (transplante limbicoconjuntival).
Os transplantes de doador cadáver têm a vantagem de promover um aporte maior de cé­
lulas germinativas ao receptor, formando uma barreira mais efetiva à nova conjuntivalização
corneai. Têm, no entanto, o grande inconveniente de representar uma carga antigênica muito
grande, com potencial risco de rejeição. Os transplantes de doador vivo com compatibilidade
HLA têm êxito discretamente inferior, porém com menor necessidade de imunossupressão
sistêmica.
O êxito de qualquer transplante de limbo no primeiro ano de pós-operatório costuma ser
bom, com estabilização da superfície corneai na maioria dos casos.
Um dos grandes problemas, entretanto, é a estabilidade desses resultados em longo prazo.
A perda da transparência corneai e a piora na vascularização corneai ocorrem principalmente
nos casos mais graves (grupo IIc da classificação proposta por Holland, Gomes e Shwartz), de­
monstrando talvez rejeição tardia e/ou exaustão da capacidade das células-tronco em manter a
448 Doenças Externas Oculares e Córnea

população epitelial corneai com qualidade e quantidade adequadas. A imunossupressão sistê­


mica parece ser um fator de manutenção da estabilidade da superfície corneai em longo prazo.

DOADOR VIVO TRANSPLANTE ALÓGENO LIMBICOCONJUNTIVAL

Há duas diferentes maneiras de preparar o tecido doador de limbo conjuntival a partir de do­
adores vivos:
1. Limbo ceratoconjuntival: técnica descrita por Kenyon e Tseng, na qual é realizada uma
ceratectomia superficial periférica para o preparo da retirada do limbo (Fig. 4). Diver­
sos estudos clínicos relataram bons resultados com o transplante de limbo efetuado
com essa técnica. A retirada de limbo corneai, entretanto, não está isenta de compli­
cações ao olho doador. Estudos experimentais em coelhos concluíram que a retirada
total do limbo, ou mesmo a remoção cirúrgica parcial da zona límbica, pode induzir a
deficiência límbica importante, causando defeitos epiteliais persistentes, vasculariza­
ção e conjuntivalização da superfície corneai.
2. Limbiconjuntival: técnica similar à descrita por Kenyon e Tseng, exceto pelo fato de
não ser realizada, nos olhos doadores, a ceratectomia periférica descrita pelos autores
(Fig. 1).

Essa técnica torna o procedimento mais simples e seguro para o olho doador. Utiliza como
fonte doadora a conjuntiva perilímbica, que inclui as paliçadas de Vogt, onde se localizam as
células germinativas e que, provavelmente, são transplantadas em número suficiente para es­
timular a proliferação e diferenciação de epitélio corneano normal.
Como os resultados do transplante de limbo com ou sem a ceratectomia periférica nos
olhos doadores são semelhantes, acredita-se que a remoção do limbo conjuntival, sem a cera­
tectomia, deva ser a técnica de escolha, pois oferece aos olhos receptores a mesma possibili­
dade de êxito, sem aumentar, nos olhos doadores, o risco de dano corneai iatrogênico.
A utilização do doador vivo possibilita que, além do limbo, também seja levado tecido
conjuntival saudável, ao contrário do doador cadáver. Isto é muito importante, principalmente
nos casos de queimaduras químicas nos quais a conjuntiva receptora está geralmente bastante
comprometida. Além disso, a técnica cirúrgica do transplante de limbo com doador vivo é mais
fácil de ser executada do que a do transplante de limbo com doador cadáver.

E P re p a ro do e n x e rto d e lim b o (d o a d o r v iv o ), co m a c e ra ­
te c to m ia p e rifé ric a .
Transplante de Células Germinativas

Técnica cirúrgica
Idêntica à do transplante autólogo limbiconjuntival descrita anteriormente.
Recomenda-se que doador-receptor sejam ABO compatíveis e grupos HLA Classes I e II
o mais compatíveis possível, para se tentar diminuir a necessidade de imunossupressão sis­
têmica. Existe menor incidência de rejeição do enxerto nos pares doador-receptor com com­
patibilidade HLA Classes I e II de 75% ou mais. Além disso, deve-se realizar no doador testes
sorológicos para AIDS, hepatites B e C.

DOADOR CADÁVER TRANSPLANTE ALÓGENO CERATOLÍMBICO

Na ausência de um doador vivo relacionado, os transplantes alógenos podem ser realizados


utilizando-se um doador cadáver e imunossupressão sistêmica. Nessa técnica, as células pri­
mordiais do limbo de cadáver são transportadas ao olho receptor juntamente com a córnea
periférica e com parte da esclera.
As medicações de escolha para a imunossupressão sistêmica são os corticosteroides sistê­
micos e a ciclosporina A. Fármacos como azatioprina, micofenolato, metotrexato e tacrolimus
podem ser introduzidos na tentativa de diminuir as doses de ciclosporina A. Não se sabe ao
certo qual o tempo necessário para manter a imunossupressão sistêmica, porém existem auto-
r

res que a descontinuam depois 1 a 2 anos e outros a mantêm indefinidamente. E fundamental


um controle rigoroso com acompanhamento de um clínico com experiência no uso de imu-
nossupressores, pois são fármacos que podem causar grandes repercussões sistêmicas, efeitos
colaterais graves e risco de morte.
Mesmo com imunossupressão prolongada, o índice de êxito desse tipo de enxerto diminui
com o passar do tempo de 75 a 85%, para cerca de 50% no terceiro ano.

Técnica cirúrgica
As técnicas descritas variam basicamente no modo de preparo do tecido doador e no número
de enxertos utilizados. Todas as técnicas exigem bloqueio peribulbar ou anestesia geral, pois
são procedimentos trabalhosos e demorados. As técnicas mais utilizadas são:

Técnica de Holland e Schwartz


Esses autores preconizam o uso de dois olhos doadores. O anel ceratolímbico é obtido a partir
de tecido preservado em Optisol GS a 4°C. A córnea central é retirada com uma trepanação
que pode variar entre 7,5 e 8 mm de diâmetro. O anel corneoescleral resultante é então dividi­
do em duas metades e preparado deixando-se cerca de 1 mm de esclera junto ao limbo. Cada
metade é dissecada na sua profundidade para diminuir cerca de 1/2 a 2/3 de sua espessura. São
utilizados 100% do anel corneoescleral do primeiro doador e 50% do segundo, para que toda a
circunferência do limbo receptor seja preenchida pelo tecido do doador (Fig. 5).
No olho receptor é realizada uma peritomia 360°; muitas vezes é necessário o uso de feni-
lefrina tópica diluída ou cauterização para controle do sangramento. A conjuntiva perilímbica
é ressecada em torno de 4 a 5 mm. Ceratectomia superficial é realizada com cuidado. As três
450 Doenças Externas Oculares e Córnea

Fig.5 T é c n ic a d e H o lla n d e S c h w a rtz p ara o tra n s p la n te alo-


g ê n ic o d e lim b o - d o a d o r c a d á v e r.

crescentes preparadas são posicionadas no limbo e suturadas com mononáilon 10-0 de modo
que não fique nenhum espaço de limbo sem tecido doador; esse detalhe ajuda a prevenir a
invasão de tecido conjuntival vascularizado sobre a córnea.

Técnica de Tsubota
Esse autor utiliza apenas um anel corneoescleral doador, e este é colocado inteiro sobre o lim­
bo receptor (Fig. 6). Tsubota, no passado, utilizava o botão central trepanado para realizar um
transplante penetrante logo após a fixação do limbo alógeno. No entanto, altas taxas de rejei­
ção do transplante de córnea, apesar do uso de ciclosporina oral, desencorajaram a utilização
simultânea desses procedimentos. Tsubota preconiza o transplante de membrana amniótica,
com a face epitelial voltada para cima, logo após a peritomia 360° e ceratectomia superficial,
cobrindo toda superfície ocular possível. A membrana amniótica pode facilitar a epitelização
e reduzir a inflamação e a fibrose. O anel corneoescleral inteiro, previamente preparado e afi­
nado, é suturado sobre a membrana amniótica.

T é c n ic a d e T su b o ta para o tra n s p la n te a lo g ê n ic o d e
lim b o - d o a d o r c a d á v e r.

Técnica de Sundmacher
Outros autores descreveram uma técnica mais simples pela qual a inclusão do epitélio límbico
é realizada a partir de uma trepanação excêntrica do botão corneano doador. Nessa técnica,
o transplante de córnea leva em 1/3 de sua circunferência o tecido límbico do mesmo doador
(Fig. 7). Na série relatada, apesar da utilização de ciclosporina sistêmica, houve cerca de 50%
de taxa de rejeição nos transplantes.
Transplante de Células Germinativas

Fig.7 T é c n ic a d e S u n d m a c h e r p ara o tra n s p la n te a lo g ê n ic o de


lim b o - d o a d o r c a d á v e r.

Expansão ex-vivo de células germinativas


Uma alternativa para obter uma quantidade grande de células germinativas doadoras a partir
de um pequeno fragmento doador, e evitar uma lesão maior no olho doador, é a possibilidade
de expandir in vitro essas células.
O clone celular a ser expandido é retirado do organismo doador, a partir de uma pequena
biópsia do limbo ou do fundo-de-saco conjuntival, e levado ao laboratório, onde, completada
a fase de expansão, obtém-se maior quantidade de células viáveis, as quais poderão ser rein-
troduzidas no organismo de origem (transplante autólogo) ou em outro receptor (transplante
alógeno).
As técnicas de expansão ex-vivo em doenças da superfície ocular ganharam crescente
interesse a partir dos trabalhos pioneiros de Pellegrini et ai na última década, embora estu­
dos preliminares venham sendo realizados desde 1975. Mais especificamente, a expansão
ex-vivo tem sido empregada principalmente com a finalidade de expandir células-tronco
límbicas e células epiteliais corneais, visando devolvê-las ao paciente, repovoando a super­
fície ocular, deficitária de tais células. Além das células-tronco límbicas, células conjuntivais
e da mucosa oral também têm sido alvo de extensas pesquisas com expansão ex-vivo, para,
por exemplo, exérese de grandes pterígios, para evitar a obtenção de uma área grande de
conjuntiva doadora.
Seja qual for o grupo celular a ser expandido, tal processo deverá ocorrer sobre um subs­
trato. Nesse sentido, a membrana amniótica tem sido a escolha da maioria dos pesquisadores,
até o momento. Mesmo assim, outros substratos também são usados, como, por exemplo,
polímeros termossensíveis.
Sucintamente, podemos verificar facilmente duas grandes vantagens da expansão ex-vivo
sobre as técnicas de transplante límbico (de doadores vivos ou cadáveres), quais sejam:
1. Maior quantidade de tecido disponível para uso, por não estar limitado, apenas, ao
número de células obtidas diretamente do órgão doador.
2. Menor dano ao tecido doador.

Os resultados clínicos são promissores, com êxito semelhante aos transplantes convencio­
nais de células germinativas.
452 Doenças Externas Oculares e Córnea

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Pterígio

MILTON RUIZ ALVES • HÉLIA SOARES AN GOTTI

DEFINIÇÃO

A palavra pterígio vem do grego pteron (asa), como referência ao formato do tecido fibrovas-
cular neoformado que delamina centrípeta e superficialmente a córnea e traciona a conjuntiva
bulbar. Essa neoformação triangular ou trapezoidal habitualmente se dispõe ao longo do eixo
horizontal da fenda interpalpebral e, com maior frequência, no limbo medial. O pterígio se
divide em três partes: cabeça (parte corneai), corpo (parte conjuntival) e pescoço, que une as
duas primeiras. Na cabeça, distingue-se uma orla avascular, semitransparente e gelatinosa: a
zona “pelúcida”; proximalmente a ela, existe outra faixa, não transparente, esbranquiçada e
vascularizada: a zona “opaca” do pterígio. O corpo corresponde à porção mais vascularizada,
espessa e proximal do pterígio e que pode atingir a carúncula e “plica” semilunar. A vascula­
rização normal da conjuntiva está substancialmente modificada no “corpo” do pterígio e sa­
lienta a impressão visual de tração da conjuntiva em direção à área pupilar da córnea (Fig. 1).

EPIDEMIOLOGIA E ETIOPATOGENIA

Há forte evidência de que a exposição à luz ultravioleta é importante para o aparecimento do


pterígio. O mapa de sua distribuição pelo mundo mostra prevalência de até 22,5% nas regiões
equatoriais, enquanto, nas regiões abaixo do paralelo 40, a prevalência diminui para 2%. Atual­
mente, o desenvolvimento do pterígio foi associado à mutação de células germinativas límbicas,
como a p53, induzida pela radiação solar. Essas células alteradas exibem um fenótipo mais agres­
sivo porque invadem a córnea normal e expressam diversas metaloproteinases (MMP) quando
comparadas com células normais da conjuntiva, limbo e córnea. O crescimento superficial dessas
células, que se confundem com células normais da superfície ocular, pode explicar as recorrên­
cias evidenciadas mesmo após ampla exérese da lesão. Estudos imuno-histoquímicos usando

455
456 Doenças Externas Oculares e Córnea

P te ríg io . D is ta lm e n te à zo n a p e lú c id a , a v a s c u la r, o b s e rv a m -s e as ilh o ta s d e F u c h s (IF). C o n to rn a n d o


a c a b e ç a d o p te ríg io , e x is te a lin h a d e S to c k e r (LS) (p ig m e n to h e m o s s id e rín ic o ). (Faria F. M a n u a l d e B io m i-
c ro sc o p ia da C o n ju n tiv a . São P a u lo : S a n to s, 1 9 89; p. 142.)

anticorpos monoclonais específicos para citoqueratinas de células epiteliais da conjuntiva e cór­


nea, sugerem que o pterígio se origina de células-tronco do limbo. Essas células normalmente
estão fixas no limbo, mas, influenciadas pela radiação UV, ou por fatores locais, como mediado­
res tissulares, podem migrar para a membrana basal dos epitélios conjuntival e corneano (cera-
toblastos migrantes). Durante a migração em direção à córnea, essas células destroem a camada
de Bowman e podem infiltrar lamelas corneanas superficiais. Os ceratoblastos que não possuem
nenhuma atividade fíbroblástica acabam por adquiri-la no final da migração.
Parece existir uma predisposição hereditária ao pterígio. Alguns estudos sugerem modelo
de herança autossômico dominante.

HISTÓRIA NATURAL

Por razões desconhecidas, o crescimento do pterígio pode parar em qualquer fase de sua evo­
lução. A lesão pode permanecer quiescente pelo resto da vida ou voltar a crescer em qualquer
tempo. Os pterígios, na fase atrófica, apresentam uma linha arqueada de depósito de ferro na
frente da cabeça (linha de Stocker). O pterígio, em fase de crescimento ativo, pode alcançar
a metade correspondente da pupila sem ultrapassá-la. A maioria dos pterígios origina-se na
conjuntiva bulbar nasal. Ambos os olhos são comumente envolvidos, mas frequentemente de
forma assimétrica.
O crescimento do pterígio sobre a córnea, além de causar sintomas (sensação de corpo
estranho, ardor, irritação e lacrimejamento), pode desencadear astigmatismo irregular e con­
sequente alteração visual. O efeito do pterígio sobre a curvatura corneai consiste em aplana-
mento da metade nasal corneana em casos de pterígio nasal. O aplanamento causa alteração
do valor da refração no meridiano horizontal em média de 1 a 2,5 D, ou seja, um astigmatismo
hipermetrópico com a regra. O eixo do astigmatismo positivo, necessário para corrigir esse
astigmatismo, geralmente é perpendicular ao eixo do pterígio, entre 75° e 90° para o olho di­
reito e entre 90° e 105° para o olho esquerdo.
Pterígio

MORFOLOGIA

Os pterígios são classificados em três tipos. O pterígio tipo I apresenta o corpo bem definido
e a cabeça avança sobre a córnea menos que 2 mm. 0 pterígio tipo II (primário ou recorrente)
estende-se sobre a córnea por cerca de 2 a 4 mm, podendo induzir astigmatismo e redução
de acuidade visual. O pterígio tipo III (primário ou recorrente) avança sobre a córnea por mais
de 4 mm, entrando na zona óptica e causando redução de acuidade visual. Geralmente está
associado a extensa fibrose subconjuntival, algumas vezes levando à limitação de motilidade
ocular extrínseca e diplopia.
O maior desafio associado ao tratamento cirúrgico do pterígio é a sua recorrência, que
pode ser conjuntival e corneana. A maioria dos estudos refere-se à recorrência corneana, evi­
denciada pelo crescimento de tecido fibrovascular sobre a córnea. Nela estão excluídas as
persistências de vasos e de cicatriz corneana que podem restar mesmo com adequada remo­
ção do pterígio. Uma forma de graduar a recorrência considera que, na recorrência grau 1, a
aparência no local de excisão do pterígio é normal; no grau 2, há presença de vasos episclerais
finos estendendo-se até o limbo; no grau 3, adicionalmente, há a presença de tecido fibroso
no local de excisão do pterígio; e, no grau 4, existe crescimento de tecido fibrovascular sobre
a córnea. O seguimento de no mínimo 1 ano é necessário para identificar adequadamente a
maioria das recorrências.

CONDUTA

O tratamento do pterígio primário pequeno (tipo I) é feito de forma preferencialmente clínica,


com compressas frias, instilação de lágrimas artificiais e de colírios vasoconstritores para a
redução temporária da hiperemia conjuntival. Quando a cirurgia é indicada por razões cos­
méticas, a técnica cirúrgica sugerida é a excisão do pterígio e a área de esclera exposta pode
ser recoberta com deslizamento de retalho conjuntival ou com transplante de membrana am-
niótica. Em pessoas jovens e com evidência de crescimento do pterígio, a conduta cirúrgica
passa a ser a adotada para pterígios médios e grandes. Em relação ao pterígio primário médio
e grande (tipos II e III), é importante considerar nesse grupo fatores de risco para recorrência
como idade (paciente jovem) e presença de características que indiquem crescimento ativo
do pterígio (episódios repetidos de inflamação, vascularização, ausência da linha de Stocker
e presença de dellen na córnea à frente da cabeça do pterígio). A técnica sugerida para esses
casos é a excisão extensa do pterígio e realização de transplante de conjuntiva autólogo livre
ou de membrana amniótica para recobrir a área de esclera exposta. Na presença de fatores de
risco para recorrência e no pterígio recorrente, sugere-se a realização de transplante de con­
juntiva autólogo livre ou associado a transplante de membrana amniótica, e, como alternativa,
o uso de mitomicina C (MMC) a 0,02% no pré-operatório (injeção subconjuntival de 0,1 ml no
corpo do pterígio 3 semanas antes da cirurgia) ou no perioperatório (aplicação em uma es­
ponja de celulose embebida com MMC a 0,02% por 3 minutos no local de excisão do corpo do
pterígio). Em pterígios recorrentes muito grandes e inflamados, o músculo reto medial pode
ser recoberto com uma ou duas camadas de membrana amniótica. Contudo, existem situações
em que não há conjuntiva disponível para cobrir a área de ressecção do pterígio. Nesses casos,
458 Doenças Externas Oculares e Córnea

pode-se utilizar a membrana amniótica e, sobre ela, fixar um ou mais fragmentos de conjun­
tiva que contribuem para a epitelização mais precoce dessa área. Durante a cirurgia, após a
remoção do tecido fibroso hiperplásico, são feitas duas aplicações de 0,1 ml de acetonida de
triancinolona (20 mg/ml) em áreas de conjuntiva normal adjacentes às margens do tecido fi-
brovascular excisado. Da mesma forma no pós-operatório, se áreas de marcada proliferação
fibrovascular ou vasos conjuntivais congestos são notadas próximos ou na área de ressecção
do pterígio, nova aplicação subconjuntival de 0,1 ml de acetonida de triancinolona (20 mg/ml)
é feita. A aplicação da medicação ocorre em conjuntiva normal adjacente à margem da área de
proliferação fibrovascular ou de neovasos congestos.

TRANSPLANTE DE CONJUNTIVA

Na técnica cirúrgica do transplante de conjuntiva, que é a técnica padrão-ouro, a delimitação


e demarcação das áreas doadora e receptora são feitas com a utilização de compasso e com
o corante violeta de genciana, devendo o tamanho do retalho doador ser pelo menos 1 mm
maior em largura e comprimento que a área receptora (Fig. 2A). O lado epitelial é marcado
para evitar a inversão do enxerto. A remoção do pterígio é feita de maneira similar para as
demais técnicas, com remoção ampla do tecido fibrovascular neoformado. Faz-se cauteriza­
ção bipolar seletiva de baixa intensidade. Na conjuntiva doadora são realizadas duas incisões
radiais no sentido limbo-fórnice, seccionando-se apenas o folheto conjuntival, evitando-se
atingir os vasos episclerais. Em seguida, com tesoura de Wannas, disseca-se a conjuntiva da
Tenon. Geralmente, utiliza-se retalho conjuntival sem o limbo corneai (Fig. 2B). Nos trans­
plantes de conjuntiva com limbo, avança-se a lâmina em direção à córnea promovendo uma
delaminação da córnea na região límbica, com o objetivo de trazer com o retalho as células
germinativas da área doadora (Fig. 2C). O retalho conjuntival livre é colocado sobre a córnea
e mantido umedecido com solução salina balanceada. Em seguida, é deslizado para cobrir a
área receptora, mantendo-se a orientação limbo com limbo. O enxerto é fixado na área recep­
tora com fio de mononáilon 10-0 (Fig. 2D). As suturas, nos quatro quadrantes do enxerto, são
ancoradas na episclera, e as demais postas de forma contínua sem tração. A área doadora é
deixada sem sutura para cicatrização espontânea. Após oclusão por 24 horas, instila-se colírio
contendo associação de antibiótico de amplo espectro e dexametasona; 1 gota de 6/6 horas
durante 3 a 4 semanas.
No tratamento do pterígio primário, como os resultados do transplante de conjuntiva au-
tólogo livre sem e com limbo corneai foram semelhantes, acredita-se que a remoção do limbo
conjuntival, sem a inclusão do limbo corneai, deva ser a técnica de escolha, pois oferece aos
olhos operados a mesma possibilidade de êxito, sem aumentar o risco de dano corneai iatro-
gênico. Dessa forma, a inclusão do limbo corneai no retalho conjuntival poderia ser reservado
para casos especiais de pterígios recorrentes.
Pterígio

F i g s . 2 ( V-D) D e m a rc a ç ã o d o p te ríg io co m o c o ra n te v io le ta d e g e n c ia n a . A. R e m o ç ã o d o re ta lh o c o n ju n tiv a l


lím b ic o s u p e rio r sem in c lu s ã o d o lim b o c o rn e a i. B. R e ta lh o c o n ju n tiv a l lím b ic o s u p e rio r co m a v a n ç o a té o
lim b o c o rn e a i p ara in c lu ir as c é lu la s g e rm in a tiv a s da á re a . C. F ix a ç ã o d o re ta lh o c o n ju n tiv a l na áre a re c e p to ra
co m fio d e m o n o n á ilo n 10-0. D. (C u n h a RN. T ra n s p la n te a u tó lo g o d e c o n ju n tiv a co m e sem te c id o lím b ic o
no tra ta m e n to d o p te ríg io p rim á rio . [Te se d e D o u to ra d o ]. F a c u ld a d e d e M e d ic in a d e R ib e irã o P reto . R ib e irã o
P reto , 2 0 0 4 ; p. 96.)

USO DE MITOMICINA C COMO TERAPÊUTICA ADJUVANTE

Para maior segurança no uso perioperatório da MMC, com o objetivo de evitar o contato do
fármaco com a área corneana desepitelizada durante a ressecção da cabeça do pterígio, a ci­
rurgia inicia-se pela realização de peritomia límbica (Fig. 3A). Em seguida, o plano límbico é
aprofundado e o pescoço do pterígio é incisado com tesoura de Wescott, separando-se, assim,
a cabeça do corpo do pterígio. A seguir, separa-se o corpo do pterígio da episclera subjacente,
da conjuntiva, da Tenon e das expansões musculares, para permitir sua ressecção. O sangra-
mento é controlado com diatermia parcimoniosa. A seguir, uma esponja de celulose embebi­
da com VIMC a 0,02% é aplicada durante 3 minutos sobre a área de esclera exposta (Fig. 3B).
Após a remoção da esponja, essa área deve ser irrigada com no mínimo 60 ml de BSS ou de
solução fisiológica de cloreto de sódio (Fig. 3C). Nesse tempo, resseca-se a cabeça do pterígio
com bisturi lâmina 15, realizando-se a dissecção com profundidade mínima necessária para a
obtenção de completa excisão. Finalmente, a área de esclera exposta é coberta deslizando-se
um retalho conjuntival superior, que deve ser suturado com pontos separados com vicryl 8-0
(Fig. 3D). Após oclusão por 24 horas, instila-se colírio contendo associação de antibiótico de
amplo espectro e dexametasona; 1 gota de 6/6 horas durante 3 a 4 semanas.
460 Doenças Externas Oculares e Córnea

Figs. 3 (A-D) In ício da c iru rg ia co m p e rito m ia lím b ic a . A . A p lic a ç ã o d e e s p o n ja d e c e lu lo s e e m b e b id a co m


M M C a 0 ,0 2 % d u ra n te 3 m in u to s so b re a área d e e sc le ra e x p o s ta ; irrig a ç ã o d e ssa área co m no m ín im o 60 m l
d e BSS o u d e s o lu ç ã o fis io ló g ic a d e c lo re to d e só d io ; e d e s liz a m e n to d e re ta lh o c o n ju n tiv a l p ara re c o b rir a
áre a d e e sc le ra e x p o s ta . (A lve s M R, P o té rio M B. U so in tra -o p e ra tó rio d e M ito m ic in a C. In: G o m e s JAP, A lv e s
M R (e d s.). S u p e rfíc ie O c u la r. Rio d e Ja n e iro : C u ltu ra M é d ica , 2 0 0 6 ; p. 77-9.)

TRANSPLANTE DE MEMBRANA AMNIÓTICA

Na técnica cirúrgica do transplante de membrana amniótica (MA), após a infiltração da conjun­


tiva e do corpo do pterígio com 1,5 ml de lidocaína a 2%com epinefrina (1:10.000), o pterígio é
exposto com duas suturas de tração (superior e inferior) com fio vicryl 7-0, fixadas na episclera
(aproximadamente a 2 mm do limbo). O tecido fibrovascular subconjuntival é excisado exten­
samente como nas demais técnicas. Em seguida, são realizadas duas infiltrações na conjuntiva
adjacente normal (superior e inferior) de 0,1 ml de acetonida de triancinolona (20 mg/ml). A
MA humana é aplicada para cobrir a área de ressecção do pterígio, tendo o estróina voltado
para a esclera e o epitélio para cima, sendo fixada na episclera justalímbica com suturas se­
paradas e na conjuntiva e área próxima da carúncula com sutura contínua ou interrompida
(mononáilon 10-0) (Figs. 4A e B). No final do procedimento, o olho é ocluído com pomada
de antibiótico e corticoide. O transplante de MA estará completamente epitelizado entre a
segunda e a terceira semanas, momento em que as suturas são removidas. Utiliza-se colírio
com corticoide durante 4 a 8 semanas. Nos casos em que a fixação da MA é feita com cola de
fibrina, sugere-se que o curativo oclusivo seja mantido até a completa epitelização corneai e,
pelo menos, metade da área conjuntival (geralmente por 5 a 6 dias, trocando-se o curativo 2
vezes/dia). Quando áreas de vasos conjuntivais congestos são notadas, especialmente na con­
juntiva hospedeira próxima da excisão, injeção local de 0,1 ml de acetonida de triancinolona
(20 mg/ml) é administrada.
Pterígio

Figs. 4 (A e B) P o s ic io n a m e n to da m e m b ra n a a m n ió tic a (M A) co m o e stro m a v o lta d o p ara a e sc le ra e co m


su a s m a rg e n s c o b rin d o a c ó rn e a e a c o n ju n tiv a a d ja c e n te s n o rm a is. O b s e rv e a fix a ç ã o e p is c le ra l ju s ta lim b ic a
da M A co m su tu ra se p a ra d a d e m o n o n á ilo n 10-0. A. A s p e c to da M A, no q u a rto d ia d e p ó s-o p e ra tó rio , p a r­
c ia lm e n te e p ite liz a d a . O b s e rv e a fix a ç ã o da m e m b ra n a a m n ió tic a na c o n ju n tiv a co m su tu ra c o n tín u a co m
m o n o n á ilo n 10-0. B.

COLA DE FIBRINA

A cola de fibrina (Tisseel) tem sido usada na cirurgia do pterígio como alternativa ao emprego
de suturas para fixação da conjuntiva ou membrana amniótica transplantada. O uso do adesivo
tissular encurta significativamente o tempo cirúrgico e promove maior conforto pós-opera­
tório. Alguns autores sugerem que a adesão imediata do enxerto e a redução da inflamação
pós-operatória pode inibir a proliferação de fibroblastos e reduzir a taxa de recorrência. Com
a utilização da cola de fibrina, o deslocamento ou perda do tecido enxertado ocorre muito es­
poradicamente. Dificuldades na popularização do uso da cola de fibrina estão relacionadas ao
custo e ao risco potencial de transmissão de infecção. A taxa de recorrência do pterígio primá­
rio com a utilização de cola de fibrina varia de cerca de 5 a 25%. Mais estudos são necessários
para avaliar a eficácia no longo prazo da cola de fibrina em reduzir recorrências.

CERATOPLASTIA LAMELAR

A ceratoplastia lamelar tem sido usada na cirurgia do pterígio para atuar como barreira contra
a recorrência, substituindo o tecido corneai alterado e restaurando a espessura local afetada
pela excisão do pterígio. As taxas de recorrência com essa técnica variam de 6 a 100%, pare­
cendo não oferecer nenhuma vantagem adicional na prevenção da recorrência. A principal li­
mitação está no risco de rejeição do tecido transplantado e no risco potencial de transmissão
de infecção, além de aumentar a complexidade do procedimento.

TAXA DE RECORRÊNCIA E COMPLICAÇÕES

Quando se fala sobre cirurgia do pterígio, costuma-se dizer que o número de técnicas cirúr­
gicas rivaliza com o número de cirurgiões: excisão simples - esclera exposta, fechamento
462 Doenças Externas Oculares e Córnea

conjuntival simples ou por rotação de retalho conjuntival; transplante da cabeça do pterígio;


transplante de conjuntiva autólogo livre - com ou sem tecido límbico corneai; transplante de
membrana amniótica; transplante lamelar de córnea etc. Para diminuir a taxa de recorrência, os
cirurgiões têm combinado técnicas excisionais com várias modalidades de terapia adjuvante:
betaterapia, tiotepa, 5-fluorouracil (5-FU) e MMC. A taxa de recorrência na técnica de esclera
exposta é muito alta, alcançando valores de cerca de 80%. Não há dúvida de que esse método
é inferior aos demais procedimentos, de modo que os cirurgiões devem ser desencorajados no
uso de esclera exposta como técnica cirúrgica até para o pterígio primário. Com o transplan­
te autólogo de conjuntiva ou de sua associação com MA, consegue-se reconstruir a anatomia
límbica com melhor resultado cosmético no que diz respeito à vascularização da conjuntiva e
com menores taxas de recorrência (entre 2 e 5%). Complicações com transplante de conjuntiva
e/ou de MA são infrequentes e geralmente não levam a risco de perda de visão. Exemplos de
complicações menores incluem edema da conjuntiva transplantada, dellen corneoescleral e
cistos de inclusão epitelial, e de complicações maiores, felizmente menos comuns, astigmatis­
mo irregular, granuloma de Tenon, retração do enxerto, necrose do enxerto e desinserção de
músculo extraocular. A utilização de MA no tratamento do pterígio primário e do recorrente
oferece reconstrução fisiológica da área excisada e atua como meio para crescimento de epité-
lio sadio e redução de inflamação e cicatrização excessiva. A principal vantagem do uso da MA
está em preservar a conjuntiva restante da ressecção do corpo do pterígio. Taxas de recorrên­
cia estão entre 3% (pterígios primários) e 9,5% (pterígios recorrentes). Complicações são raras
e incluem granuloma, formação de simbléfaro e restrição de motilidade ocular extrínseca. A
utilização de betaterapia tem sido associada com o desenvolvimento tardio de escleromalacia
e consequente afmamento escleral grave. O uso do tiotepa tem desencadeado complicações
como poliose e despigmentação da pele periorbitária, conjuntivites alérgicas, depósitos ne­
gros conjuntivais por oxidação da medicação e granuloma conjuntival. O uso da MMC tem sido
associado a baixas taxas de recorrência (cerca de 4%); no entanto, a sua utilização pode de­
sencadear complicações graves, como ulceração escleral, defeitos epiteliais corneanos, reação
inflamatória intraocular, necrose de córnea e esclera e perfuração ocular.

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Transplante de
Córnea Penetrante

J O S É A N T O N IO A L M E ID A M IL A N I

CONCEITOS BÁSICOS

Imunobiologia do transplante
A ntígenos de histocom patibilidade

Substâncias antigênicas estranhas a um organismo frequentemente desencadeiam um tipo de


resposta imune específica de natureza celular e humoral. Os antígenos são proteínas, polissa-
carídeos ou ácido nucleico de alto peso molecular.
Os antígenos de histocompatibilidade humanos são antígenos homólogos encontrados na
superfície da maioria das células, e são expressão do material genético contido no cromosso­
mo 6 em uma região denominada complexo de histocompatibilidade maior, também conhe­
cida como antígeno leucocitário humano (HLA), que é encontrado na superfície de todas as
células nucleadas.
Há 4 loci de histocompatibilidade no cromossomo 6 designados como HLA-A, HLA-B, HLA-C
e HLA-D; cada um desses loci possui uma variedade de alelos que determinam a natureza do
antígeno na superfície celular.
Há a possibilidade de os antígenos HLA serem marcadores genéticos em vez de serem re­
almente os antígenos responsáveis pela identidade antigênica das células.
r

E possível que um enxerto seja rejeitado mesmo quando o doador e receptor são compa­
tíveis no sistema HLA. Há outros antígenos de histocompatibilidade menores, como sistema
ABO, antígenos Lewis, antígenos ligados ao sexo e os sistemas de monócitos e endotelial. Um
estudo multicêntrico de enxertos com alto risco de rejeição não encontrou diferença na inci­
dência de rejeição com o uso da compatibilidade ao sistema HLA.

465
466 Doenças Externas Oculares e Córnea

Privilégio im unológico da córnea

A córnea apresenta rejeição com menor frequência do que outros tecidos ou órgão transplanta­
do, originando o conceito de “privilégio imunológico da córnea” e de que os enxertos de córnea
estariam relativamente protegidos de destruição pelo sistema imune. Esse “privilégio imuno­
lógico” é o resultado de um relativo isolamento ao sistema imune, devido à ausência de vasos
linfáticos e vascularização na córnea em seu estado normal. Quando há vascularização do leito
receptor, o enxerto é rejeitado com maior frequência do que no leito corneal avascular.
A avascularidade da córnea limita o acesso do sistema imune ao segmento anterior do
olho. A ausência de vasos linfáticos previne o acesso de antígenos e células apresentadoras de
antígenos (APC) aos reservatórios de células T (linfonodos). A pequena expressão dos antíge­
nos MHC (major histocompatibility complex) pela córnea restringe os alvos da resposta imune. A
expressão ocular de fatores imunomoduladores TGF-(3, a-MSH inibem a ativação das células
T e do complemento. A expressão de CD95 (Fas) pode induzir a apoptose das células T Fas +
estimuladas.
No transplante penetrante de córnea, o endotélio transplantado induz uma tolerância
imunológica por meio do desvio imune associado à câmara anterior (anterior chamber-associa­
ted immune deviation-ACAID) que envolve o desenvolvimento de células T supressoras.
Há liberação de antígenos das células endoteliais doadoras no humor aquoso que, pre­
sumivelmente, são reconhecidos pelas células dendríticas da íris e corpo ciliar; essas células
apresentadoras de antígenos entram na circulação venosa através do canal de Schlemm e veias
aquosas e induzem a formação de células T reguladoras no baço.

Banco de olhos e seleção do doador


O desenvolvimento dos meios de conservação da córnea propiciou que os transplantes de
córnea fossem realizados de maneira mais programada e em condições de melhor preparo do
paciente e do instrumental utilizado. Anteriormente aos meios de conservação, o bulbo ocular
era mantido em câmara úmida, refrigerada, e o transplante devia ser realizado o mais rápido
possível (aproximadamente 24 horas). O desenvolvimento do meio de McCarey-Kaufman, no
início da década de 1970, permitiu que a córnea fosse preservada até 4 dias a 4°C. Melhora
nos meios de conservação tornaram viáveis a preservação até 2 semanas, permitindo maior
disponibilidade de córnea para transplante.
Há várias pesquisas em andamento para melhorar a função e a viabilidade das células en­
doteliais e a esterilidade da preservação.
As córneas doadas são submetidas nos Bancos de Olhos à avaliação antes da distribuição,
e são contraindicações para o uso da córnea doada:
Morte de causa desconhecida.
■ Doenças infecciosas do sistema nervoso central (raiva, encefalite virai, doença de Creutzfel-
dt-Jakob, panencefalite esclerosante subaguda, leucoencefalopatia multifocal progressiva,
rubéola, síndrome de Reye) e doenças do sistema nervoso central desconhecidas.
Infecções sistêmicas (AIDS, hepatite virai, septicemia, endocardite bacteriana).
■ Evidência social, clínica ou laboratorial sugestiva de infecção pelo HIV, sífilis ou hepatite
virai.
Transplante de Córnea Penetrante

Leucemia ou linfoma disseminado.


Doenças oculares (tumores malignos do segmento anterior, retinoblastoma, conjuntivite,
esclerite, uveíte, retinite, coroidite), ceratocone, cicatriz corneai, pterígio, distrofia de Fu-
chs, glaucoma.
Olhos que foram submetidos a cirurgia intraocular anteriormente.
Outros fatores considerados são:
Aparência do tecido doador à lâmpada de fenda.
Microscopia especular de córnea (contagem endotelial inferior a 2.000 céls/mm2 é motivo
para não aceitação).
Intervalo de tempo entre a parada cardíaca e a preservação (o ideal é ser inferior a 12 a 18
horas).
Idade do doador (acima de 12 meses e inferior a 70 anos).
Tempo de preservação da córnea no meio.

Córnea de criança menor que 12 meses resulta em alto astigmatismo ou miopia no pós-
operatório, e córnea acima de 70 anos de idade tende a ter uma contagem de células endote-
liais menor que a desejável.

ABORDAGEM CLÍNICO-CIRÚRGICA

O termo ceratoplastia parcial penetrante (CPP) comumente é usado para a troca cirúrgica de
r

uma porção da córnea receptora por uma de um olho doador. E um transplante homólogo
quando o doador é outra pessoa, e autólogo quando é da mesma pessoa (olho contralateral ou
do mesmo olho). Várias melhorias no instrumental de microcirurgia, material de sutura, meio
de preservação e controle médico do pós-operatório (fármacos anti-inflamatórios e imunossu-
pressores) permitiram obter resultados progressivamente melhores e expandir consideravel­
mente as indicações do transplante de córnea.
A principal indicação para CPP é baixa acuidade visual secundária à opacidade corneai.
Outras indicações são: tratamento de afilamento ou perfuração corneai, alívio da dor, remoção
de foco infeccioso ou neoplasia e cosmética.
Todos os oftalmologistas devem estar familiarizados com as complicações pós-operató­
rias da CPP, pois estas requerem intervenção imediata para salvarem o enxerto e nem sempre
há disponibilidade de se ter contato com o cirurgião que operou.

Principais indicações de ceratoplastia parcial penetrante


■ Ceratocone.
Edema de córnea do pseudofácico ou afácico.
Distrofia endotelial de Fuchs.
Rejeição ou falência do enxerto de córnea prévio.
Distrofias do estroma corneal.
468 Doenças Externas Oculares e Córnea

Opacidades corneais pós-infecção (ceratites bacterianas ou virais).


Perfuração corneai (infecciosas ou imunológicas).
Degeneração corneai.
Traumatismo químico ou mecânico.
Opacidades congênitas da córnea.

Avaliação pré-operatória
O cirurgião de córnea deve ter uma perfeita compreensão da doença que irá tratar e as dificul­
dades que encontrará no pós-operatório para obter um bom resultado no tratamento.
Da mesma maneira, deve compreender as expectativas do doente em relação à cirurgia e
se as mesmas são realísticas.
O doente deve ser informado da necessidade de seguimento prolongado, do uso de medi­
cação e seus efeitos colaterais, da possibilidade de rejeição, sobre a retirada dos pontos e do
tempo para conseguir uma boa acuidade visual, da eventual necessidade do uso de lentes de
contato, óculos e da ocorrência de anisometropia.
r

E necessária uma história completa do paciente para avaliar a possibilidade de ambliopia


ou doenças oculares prévias que impeçam um bom resultado visual (descolamento de retina,
edema cistoide de mácula, degeneração macular, alteração do nervo óptico, cicatriz na mácula
etc.). Doenças oculares, como olho seco, triquíase, distiquíase, ceratite de exposição, blefari­
te, hipossensibilidade da córnea, acne rosácea, conjuntivite, obstrução da via lacrimal, devem
ser avaliadas e, se possível, controladas previamente à cirurgia.
Deve-se avaliar fatores intraoculares ou neurológicos que comprometam um bom resul­
tado visual: outras opacidades dos meios que não córnea, viabilidade do segmento anterior,
glaucoma não controlado, processos inflamatórias ativos, ambliopia, anomalias da mácula,
doenças retinianas ou lesões do nervo óptico.
Uma avaliação clínica pré-operatória quanto ao risco de anestesia geral ou local também
é importante.
Além disso, o olho a ser operado deve ser preparado de modo que o glaucoma e os pro­
cessos inflamatórias prévios sejam controlados antes da cirurgia. Um olho inflamado na época
da cirurgia apresenta uma incidência de complicações pós-operatórias maiores, como rejeição
do enxerto, sinequias anteriores, glaucoma e edema cistoide de mácula.
Alterações oculares, como vascularização corneai profunda, olho seco, anestesia da cór­
nea, afilamento periférico da córnea, inflamação do segmento anterior ativa, glaucoma não
controlado, pioram o prognóstico de uma ceratoplastia parcial penetrante e influenciam na
decisão da indicação para enxerto corneai.

Técnica cirúrgica - ceratoplastia parcial penetrante


P reparo da córnea d oadora

O botão doador é retirado, trepanando-se o tecido corneoescleral, previamente retirado do


bulbo ocular doador para preservação em meio apropriado ou no ato da cirurgia, com a face
endotelial para cima e a face epitelial sobre um bloco côncavo de Teflon®. Deve-se ter o cuida­
Transplante de Córnea Penetrante

do para a trepanação ser vertical e bem centrada na córnea (Figs. IA e B). O restante do anel
doador e meio de preservação são enviados para cultura.
Enquanto aguarda para ser suturado ao leito receptor, o botão doador deve ser recoberto
com o meio de preservação para evitar lesão endotelial.
O botão doador também pode ser trepanado de um olho doador inteiro pelo lado epite-
lial, segurando-se o olho doador com uma gaze ao nível do equador com a mão esquerda e
mantendo o olho com uma PIO ao redor de 30 mmHg, faz-se a desepitelização com gaze e a
trepanação da face epitelial para a endotelial com um trépano, fazendo-o girar de 180° para a
direita e esquerda e, se necessário, completa-se a trepanação com tesoura de córnea, após ter
penetrado a câmara anterior (Figs. 2A-D).

Figs.' (f\ e B) A. E sq u e m a d o b lo co d e T e flo n p ara tre p a n a ç ã o v ia e n d o te lia l. T re p a n a ç ã o p e rp e n d ic u la r e


s im é tric a . B T re p a n a ç ã o o b líq u a p ro d u z in d o te c id o d o a d o r co m m a rg e n s b ise la d a s, q u e p o d e m c a u s a r m á
c o a p ta ç ã o e a s tig m a tis m o p ó s-o p e ra tó rio .

Figs.; {\-D) A. O b u lb o o c u la r é e n ro la d o em g a ze e s té ril. B. O e p ité lio é re m o v id o co m g a ze . I. A e sc le ra


é in c isa d a a 3 m m d o lim b o . D. A c ó rn e a e um a n e l e sc le ra l são e x c is a d o s co m te s o u ra .
470 Doenças Externas Oculares e Córnea

Usualmente, trepana-se o botão doador com um diâmetro de 0,25 a 0,50 mm maior que o
leito receptor. Essa diferença de tamanho reduz o glaucoma pós-operatório, facilita a sutura a
prova de vazamento do aquoso, previne a formação de sinequia anterior, previne o aplanamento
da córnea pela sutura e leva mais células endoteliais para o olho receptor. Em casos especiais em
que se deseja uma córnea mais plana para corrigir também erro refracional (em casos de cera-
tocone), pode-se utilizar botão doador do mesmo tamanho que o leito receptor, porém a sutura
a prova de vazamento do aquoso será mais difícil do que quando há disparidade de tamanho.

P reparo do olho recep to r


Previamente à trepanação do olho receptor, é conveniente obter um suporte adicional à escle-
ra por meio de sutura do anel de Flieringa à episclera, tomando-se o cuidado de a sutura ser
episcleral (utilizar uma agulha espatulada) e não de conjuntiva, ser simétrica na distribuição
dos pontos para evitar distorção da córnea, quando da trepanação do leito receptor e da su­
tura do botão doador ao leito receptor.
A fixação do anel de Flieringa reduz o colabamento da esclera, a distorção da abertura
corneai, os prolapsos da íris, cristalino e vítreo (Fig. 3A).
Deve-se atentar para que não haja pressão externa sobre o bulbo ocular (como blefaros-
tato muito tencionado, pinça de fixação comprimindo o olho) durante e após a trepanação do
leito receptor.
A câmara anterior pode ser penetrada diretamente com o trépano, tornando a margem
trepanada mais vertical, porém com risco maior de lesão do cristalino e íris; ou parcialmente
trepanada, e completa-se a abertura com um cerátomo e tesoura. Atentar para que realmente
se tenha penetrado na câmara anterior e que não se esteja deixando a membrana de Desce-
met no leito receptor, principalmente nos casos de edema de córnea em que a membrana de
Descemet se descola mais facilmente (Figs. 3B e C).
O uso de substâncias viscoelásticas na câmara anterior do olho receptor facilita completar
a trepanação com a tesoura e reduz o trauma endotelial do botão doador, e também protege
estruturas, como a íris e o cristalino, do traumatismo, enquanto o botão doador é suturado
ao leito receptor.

Cirurgias com binadas


A ceratoplastia parcial penetrante pode ser combinada com outros procedimentos, como fa-
cectomia intra ou extracapsular, implante primário ou secundário de lente intraocular, remo­
ção ou troca de LIO, cirurgia antiglaucomatosa e vitrectomia ou cirurgia de retina (pode ser
realizada com ou sem o uso da ceratoprótese temporária).
Durante a ceratoplastia parcial penetrante, também podem ser realizadas sinequiálise,
reparação de defeitos da íris com sutura, usando fio de polipropileno 10-0, e iridectomia pe­
riférica, para reduzir a possibilidade de bloqueio pupilar no pós-operatório (principalmente
quando há inflamação ocular).

Sutura

O botão doador é suturado com mononáilon 10-0 com, no mínimo, 4 pontos separados e
diametralmente opostos. Deve-se ter o máximo de cuidado na colocação desses pontos para
Transplante de Córnea Penetrante

evitar que haja rotação do enxerto em relação ao leito receptor e que as suturas sejam diame­
tralmente opostas, evitando, assim, que ocorram distorções do botão doador e indução de
astigmatismo no pós-operatório (Fig. 3D).
A sutura pode ser completada com pontos separados, sutura contínua ou combinação das
duas (Figs. 3E e F).
r

E importante que, durante a sutura, os pontos sejam simétricos e a tensão adequada para
reduzir a indução de astigmatismo. Pode-se utilizar de ceratoscopia perioperatória para auxi­
liar no controle do astigmatismo.

Figs. 2 (A- ) T é c n ic a p ara c e ra to p la s tia p a rcia l p e n e tra n te . A. Em se g u id a à fix a ç ã o e p is c le ra l do a n e l d e


F lie rin g a , te sta -se a c e n tra liz a ç ã o d o tré p a n o , in ic ia lm e n te re a liz a n d o c o rte c o rn e a i s u p e rfic ia l. B. P o ste rio r­
m e n te , o c o rte c o rn e a i é a p ro fu n d a d o co m o tré p a n o o u co m c e rá to m o . C. C o m te s o u ra , c o m p le ta -se a
e x c is ã o do b o tã o c o rn e a i. D. A fix a ç ã o do b o tã o d o a d o r na c ó rn e a re c e p to ra é fe ita co m 4 p o n to s c a rd in a is
s e p a ra d o s , e F. A su tu ra p o d e se r c o m p le ta d a co m p o n to s s e p a ra d o s ou co m su tu ra c o n tín u a ou c o m b in a ­
çã o d as d u a s.
472 Doenças Externas Oculares e Córnea

Os pontos da sutura devem ser posicionados, sepultados no lado do botão doador, e a


agulha deve ser passada a uma profundidade no terço posterior da córnea (pré-Descemet)
tanto no botão doador quanto no leito receptor. Ao final, deve-se testar se não há vazamento
de aquoso pela sutura.
A sutura com pontos separados deve ser obrigatoriamente utilizada na presença de leito
receptor vascularizado, inflamado, afilado ou com áreas de fibrose, devido à imprevisibilidade
da cicatrização, e a sutura pode ser removida seletivamente na presença de vascularização
do ponto ou frouxidão da sutura com exposição do fio. A remoção seletiva dos pontos no
pós-operatório também auxilia no controle do astigmatismo, com a remoção de sutura no
meridiano mais curvo, que não deve ser feita muito precocemente pelo risco de deiscência da
ferida. Utilizam-se 16 ou 24 pontos na sutura separada.
Na ausência de vascularização, inflamação, afilamento ou fibrose do leito receptor, pode-
se utilizar a sutura contínua após a colocação das 4 ou 8 primeiras suturas separadas. A sutura
contínua permite uma distribuição mais homogênea da tensão da sutura, é mais rápida para
se fazer e pode-se utilizar uma sutura contínua simples ou dupla, e, no caso de ser utilizada,
deve-se tomar o cuidado para combater o efeito de torque induzido pela primeira sutura. A
vantagem de utilizar a dupla sutura contínua é ter uma proteção a mais caso uma das suturas
se rompa ou afrouxe o efeito antitorque.
Nos casos em que a sutura separada é obrigatória, também se pode utilizar a combinação
de sutura separada com a sutura contínua; a sutura separada pode ser retirada precocemente
para reduzir o astigmatismo, enquanto a sutura contínua permanece para proteger contra a
deiscência da incisão.

Com plicações p erioperatórias

A maioria delas é decorrente de defeitos de técnica ao realizar a ceratoplastia e podem ser


subdivididas em:
Referente ao enxerto:
• Margens não verticais.
• Trepanação excêntrica do tecido corneoescleral.
• Lesão endotelial pelo trépano.
• Ressecamento do endotélio.
• Perda do botão doador.
Referente ao receptor:
• Trepanação com margem irregular, não vertical, excesso ou falta de tecido - deve-se
tentar regularizar o leito receptor com uma tesoura de Vannas curva, e, se necessário,
utilizar um novo botão doador feito com o trépano maior.
• Trepanação excêntrica em relação ao eixo visual ou ao defeito que se pretende tratar.
• Trepanação ovalada por compressão excessiva do blefarostato ou da pinça de fixação.
• Hemorragia na borda da trepanação - tentar a hemostasia com uma esponja cirúrgica
embebida em adrenalina diluída para 1/5.000 ou diatermia bipolar muito suave devido
ao risco de contração da margem.
Transplante de Córnea Penetrante

• Lesão da íris à trepanação ou com a tesoura; se a lesão é pequena, não há importância e,


se for maior, pode-se suturar a íris com polipropileno 10-0.
Sangramento excessivo da íris por traumatismo ou inflamação - tentar hemostasia com
adrenalina diluída para 1/10.000.
• Lesão da cápsula anterior do cristalino à trepanação - se a lesão é pequena, não tem
maior significado e deverá evoluir para uma opacidade localizada; se for maior, deve-se
fazer extração extracapsular do cristalino e implante de LIO.
• Miose em casos que irá realizar facectomia - tentar dilatar com colírios midriáticos no
pré-operatório, adrenalina na CA (1/10.000); desfazer as sinequias, se existirem, e, even­
tualmente, esfincterotomia.
• Vitrectomia inadequada, com vítreo em contato com o endotélio doador - realizar vi-
trectomia adequada.
• Encarceração da íris à incisão - deve-se identificar a sua presença e desfazê-la com o au­
xílio de uma espátula introduzida pela incisão original ou por outra realizada na periferia
da córnea.
• Hemorragia ou efusão de coroide - deve-se fechar a incisão o mais rápido possível e, se
necessário, drenar a coroide.
• Em pacientes afácicos e vitrectomizados, pode ocorrer a queda do botão doador na ca­
vidade vítrea.
• Em córnea edemaciada, há o risco de a membrana de Descemet do leito receptor se des­
tacar do estróina e permanecer no olho; caso não seja percebido, há o risco de colocar
o endotélio doador sobre a membrana de Descemet do receptor e consequente dano ao
endotélio do doador.
Referente à sutura:
• Distorção do enxerto devido à assimetria de sutura ou rotação do enxerto no leito re­
ceptor.
• Muito superficiais, levando à abertura da margem posterior da ferida.
Sutura perfurante que pode causar fistulização.
• Sutura muito tensa.
Sutura frouxa.
• Nó da sutura não sepultado.
• Encarceração da íris na sutura, levando à sinéquia anterior.
Sutura insuficiente com saída de aquoso pela incisão.
• Devem ser solucionados com a troca da sutura ou colocação de sutura adicional.

Com plicações p ós-op era tória s

Devemos preveni-las e procurá-las, e, se ocorrerem, teremos de tratá-las rapidamente, pois a


importância destas sobre a evolução do enxerto é enorme e podem afetá-lo de forma definitiva.
O cuidado no pós-operatório de ceratoplastia é mais complexo do que no da cirurgia de
catarata, e o êxito da ceratoplastia é altamente dependente do adequado acompanhamento e
tratamento das complicações:
474 Doenças Externas Oculares e Córnea

Vazamento de aquoso pela incisão, pequenos vazamentos que não causem atalamia fre­
quentemente fecham espontaneamente e podem ser tratados com observação, curativo
oclusivo, lente de contato terapêutica e, se persistirem por mais de 3 dias, é aconselhável
suturar o local do vazamento. Sempre ao final da cirurgia, deve-se testar a incisão para a
presença de vazamentos.
Câmara anterior rasa e olho hipotônico e sem Seidel podem ser causados por inibição do
corpo ciliar ou descolamento de coroide. Trata-se com repouso, curativo oclusivo, ciclople-
gia, caso haja persistência ou atalamia. Deve-se reformar a câmara anterior com solução
salina balanceada e drenagem do descolamento de coroide.
Câmara anterior rasa com hipertensão ocular - devemos pensar em bloqueio pupilar ou
glaucoma maligno; o tratamento é realizado com cicloplegia, manitol endovenoso, inibidor
da anidrase carbônica de uso tópico ou por via oral e, eventualmente, com iridectomia pe­
riférica, aspiração do vítreo e reformando a câmara anterior.
r

íris aderida à incisão - deve-se procurar a causa (deiscência da sutura ou aumento da pres­
são da câmara posterior), tratá-la e liberar a sinequia por meio de uma paracentese límbica,
e, com o uso de viscoelástico e uma espátula, desfazê-la.
Defeito epitelial persistente - defeito epitelial é comum após ceratoplastia, porém deve
fechar em 14 dias. Após esse período podem ocorrer ulceração ou opacidade do estroma
corneai. Devem-se avaliar doenças da superfície ocular (olho seco, exposição, rosácea, ble­
farite, triquíase, toxicidade medicamentosa) e tratá-las adequadamente. Pode ser útil o uso
de lubrificantes sem preservativo, oclusão da pálpebra, oclusão do ponto lacrimal, lente de
contato terapêutica ou tarsorrafia.
Defeito endotelial primário - ocorre por má seleção do doador ou traumatismo excessivo
durante a cirurgia. O enxerto está edemaciado desde o primeiro dia de pós-operatório sem
sinais de inflamação. Pode-se aguardar algumas semanas por uma resolução espontânea do
edema e, então, considerar um retransplante.
Glaucoma, aumento da PIO - pode ocorrer a qualquer tempo após a ceratoplastia, e pode
ser causado por: a) glaucoma que tenha passado despercebido no pré-operatório; b) seque­
las inflamatórias que produzem sinequias no seio camerular; c) sutura demasiado apertada
que possa produzir compressão do ângulo ou vazamento do aquoso pela incisão, com per­
da da câmara anterior e aderência iridocorneal; d) glaucoma cortisônico. Devemos reconhe­
cer e tratar rapidamente um aumento da PIO, em olho operado de ceratoplastia, para evitar
dano às células endoteliais; o tratamento é feito, inicialmente, com terapêutica clínica e, se
não é suficiente, com terapêutica cirúrgica (cirurgia filtrante).
Catarata - pode ser causada pelo uso de corticosteroides no pós-operatório (geralmente
opacidade subcapsular posterior), ou preexistente e agravada pelo traumatismo cirúrgico.
Endoftalmite - após ceratoplastia, pode ocorrer por contaminação intraoperatória, con­
taminação do botão doador ou invasão pós-operatória de microrganismos. O tratamento
com antibioticoterapia precoce e intensiva pode salvar alguns olhos, porém o prognóstico
é reservado.
Recorrência da doença primária - as recidivas das ceratites bacteriana, fúngica, virai ou por
ameba, assim como a distrofia, podem ocorrer no botão doador, e o tratamento é direcio-
Transplante de Córnea Penetrante

nado para o agente causador nas infecções recorrentes, podendo ser necessário o retrans-
plante na recidiva da distrofia corneai se ocupar o eixo visual.
Complicações relacionadas à sutura:
• Excessivamente apertada.
• Frouxa (resultado da contração da cicatriz, quebra do fio ou erosão do tecido pela su­
tura).
• Abscesso infeccioso (sutura exposta, frouxa ou rota).
• Infiltrado não infeccioso.
• Vascularização da sutura.
• Conjuntivite papilar gigante por ponto exposto.

As suturas frouxas ou rotas, além de não contribuírem para a estabilidade da cicatriz,


predispõem para a formação de abscesso infeccioso e rejeição do enxerto, por isso devem
ser retiradas. A vascularização da sutura predispõe para torná-la frouxa e também indica que
pode ser removida.
r

Ulcera de córnea - há vários fatores no olho transplantado que facilitam o aparecimento de


úlcera de córnea infecciosa, como uso de corticosteroide tópico, sutura exposta, defeito
epitelial ou edema epitelial. O uso de corticosteroide tópico e a hipossensibilidade corneai
contribuem para reduzir os sintomas da úlcera. O tratamento da úlcera deve ser instituído
o mais rápido possível após a coleta de material para exame e cultura. A ceratite infecciosa
cristalina é uma forma de ceratite vista em enxertos de córnea devido ao crescimento de
colônias no estróina profundo, sem resposta inflamatória aparente; vários microrganismos
podem ser implicados, sendo os mais frequentes os estreptococos.
Falência endotelial tardia - o enxerto torna-se edemaciado sem sinais inflamatórios após
meses ou anos de cirurgia. Pode ser causado por um enxerto que, primariamente, continha
um número marginal de células endoteliais, as quais com o tempo, tornaram-se insuficientes
para manter a transparência da córnea; pode ter sido por perdas endoteliais em episódios
de rejeição que foram tratados ou devido a uma perda acelerada das células endoteliais a
que os enxertos estão sujeitos.

D iagnóstico e tratam ento da rejeiçã o im unológica

A rejeição do enxerto homólogo raramente ocorre antes de 2 semanas e pode ocorrer tardia-
mente após anos de um enxerto bem-sucedido. São fatores de risco a vascularização do leito
receptor e receptores jovens. Todas as camadas da córnea são suscetíveis de sofrer rejeição,
como já foi demonstrado por Khodadoust. Se um episódio de rejeição é diagnosticado preco­
cemente e adequadamente tratado, é possível que o enxerto permaneça transparente.
A rejeição pode assumir três formas clínicas, que podem ocorrer isoladas ou em
combinação:
Rejeição epitelial: pode ocorrer no período pós-operatório precoce (1 a 13 meses), pois as
células epiteliais do doador são substituídas pelas do receptor; a sua importância reside no
fato de preceder a rejeição endotelial. Apresenta-se como uma linha epitelial elevada que
avança centripetamente no botão doador.
476 Doenças Externas Oculares e Córnea

Rejeição subepitelial: caracterizada pelo surgimento de depósitos arredondados subepite-


liais semelhantes aos da ceratoconjuntivite epidêmica; pode não causar sintomas e é mais
bem observada com uma iluminação tangencial da lâmpada de fenda; pode ser acompanha­
da de reação de câmara anterior. Não se sabe se a reação é dirigida contra os ceratócitos
ou contra as células epiteliais do doador. Esse tipo de rejeição, quando tratado, não deixa
sequela, mas pode anteceder à rejeição endotelial. Outra forma incomum de rejeição es-
tromal é a que se apresenta como vascularização do estroma associado a edema e pode
evoluir para necrose do estroma; frequentemente está associada à rejeição endotelial con­
comitante.
Rejeição endotelial: é a forma mais frequente de rejeição e pode surgir até anos após o trans­
plante, pois, com o passar do tempo, as células epiteliais e os ceratócitos do doador são
substituídos pelos do receptor, e as células que permanecem do doador são as endoteliais.
Aparece como uma hiperemia conjuntival perilímbica, e, sucessivamente, surgem células in­
flamatórias na câmara anterior e precipitados ceráticos que podem ocorrer formando uma
linha (linha de Khodadoust), deixando para trás uma área de edemas estromal e epitelial,
ou em forma de agrupamentos de precipitados ceráticos distribuídos por toda a córnea. Os
sintomas do paciente são fotofobia, visão de halos coloridos nas luzes e embaçamento da
visão. O tratamento deve ser o mais rápido possível, pois as células endoteliais destruídas
não são repostas, e, se não ocorrer a recuperação da transparência corneai em 6 meses, é
necessário fazer um novo transplante (Fig. 4).

R e a çã o d e re je iç ã o e n d o te lia l co m e d e m a s e p ite lia l e


e s tro m a l, b e m c o m o p re se n ç a d e lin h a d e K h o d a d o u s t.

Tratam ento
r

E realizado com a instilação de colírios de corticosteroides (acetato de prednisolona a l^ o u


dexametasona a 0,1%) com frequência de 15/15 minutos a 2/2 horas, dependendo da gravidade
do processo; também pode ser utilizada a injeção periocular em pacientes que não conseguem
seguir o tratamento ou a via oral (80 a 120 mg de metilprednisolona) em casos graves. Em
casos de alto risco para rejeição, pode-se utilizar ciclosporina A, via oral ou, eventualmente,
tópica (2%).

Controle do astigm atism o corn eai no p ós-o p era tó rio

O astigmatismo é a complicação mais frequente da ceratoplastia parcial penetrante. Quando


intenso, causa anisometropia, aniseiconia, distorção da imagem, diplopia monocular e baixa
Transplante de Córnea Penetrante

da acuidade visual, bem como impossibilidade de adaptação de lente de contato, tomando


uma cirurgia que foi um êxito em manter a córnea transparente em um malogro funcional.
Para diminuir sua ocorrência e intensidade, podem-se usar vários métodos:
Rigor técnico ao se fazer as suturas (separadas ou contínuas).
Ajustes da sutura no intra e pós-operatórios.
Melhora na trepanação do botão doador e leito receptor.
Retirada seletiva da sutura, orientado pela ceratoscopia ou videoceratoscopia computado­
rizada.

As suturas são seletivamente removidas se estão causando astigmatismo importante


ou outros problemas. A remoção precoce de uma sutura apertada pode reduzir acentua-
damente o astigmatismo, porém pode causar uma deiscência na incisão, sendo recomen­
dável não removê-la antes de 2 meses. O astigmatismo associado à sutura contínua pode
ser manipulado redistribuindo a tensão da sutura contínua com a pinça de ponto com o
paciente à lâmpada de fenda. Se não se obtém uma redução do astigmatismo com os ajus­
tes da sutura, pode-se tentar a correção com as lentes de contato rígidas ou gelatinosas
tóricas, e, se não houver tolerância do olho à lente de contato, é necessário utilizar os
meios cirúrgicos para reduzir o astigmatismo. O mais utilizado são as incisões relaxantes
no eixo mais curvo que podem ser feitas na interface do botão doador com o leito re­
ceptor (a dificuldade é a variabilidade de espessura que pode ocasionar perfuração), ou,
interiormente a essa interface, pode-se obter uma correção maior utilizando suturas de
compressão no meridiano oposto ao que se fizeram as incisões relaxantes com o objetivo
de ocorrer uma hipercorreção do astigmatismo; e essas suturas serão removidas de ma­
neira seletiva mais tarde.
Em casos de o astigmatismo ser superior a 10 DC associados a um aplanamento acentuado
(menor que 35 D), há a possibilidade de ressecção em cunha no meridiano mais plano com um
comprimento de 70 a 90° de arco e largura de 1,5 mm. A cirurgia é mais complexa e menos
previsível do que as incisões relaxantes.
O risco desses procedimentos é: perfuração, infecção, rejeição e astigmatismo irregular.
O uso do LASIK e do PRK com mitomicina C para a correção do astigmatismo pós-trans-
plante de córnea são técnicas que estão em desenvolvimento.

Transplante autólogo de córnea


A vantagem do transplante autólogo de córnea, quando é possível realizá-lo, é que evitamos a
principal complicação do enxerto homólogo, que é a rejeição, e também poupa o paciente dos
riscos do uso de corticosteroides tópicos prolongado.
O transplante autólogo do olho contralateral é utilizado quando há necessidade de trans­
plante de córnea em um olho com bom prognóstico para recuperação visual e o contralateral
é amaurótico por lesão retiniana, glaucoma ou atrofia do nervo óptico. A córnea transparente
é transplantada para o olho de bom prognóstico e, no olho de que foi retirada, é utilizada uma
córnea homóloga ou a córnea opacificada do olho contralateral e, eventualmente, pode-se
enuclear ou eviscerar o olho amaurótico.
478 Doenças Externas Oculares e Córnea

O transplante autólogo rotacional (faz-se uma trepanação excêntrica e rotação do enxerto,


de forma a colocar a área paracentral da córnea transparente no eixo visual e suturá-la) é de
indicação muito restrita em razão de o resultado óptico ser precário, causado pelo astigmatis­
mo induzido e melhora do controle de rejeição nos enxertos homólogos.

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Transplante de
Córnea em Crianças

M A R IA E M ÍL IA X A V IE R D O S S A N T O S A R A Ú J O

INTRODUÇÃO

Enquanto no passado transplante de córnea em crianças era contraindicado, estudos recentes


mostram que os avanços na técnica cirúrgica e cuidados pós-operatórios têm proporcionado
melhores resultados na sobrevivência do enxerto corneai.
As dificuldades com os pacientes pediátricos começam desde avaliação pré-operatória,
cirurgia, pós-operatório, tornando um dos maiores desafios para o cirurgião de córnea, além
da necessidade de uma equipe multidisciplinar e família envolvida no tratamento.
Vários fatores contribuem para o menor prognóstico do transplante de córnea em
crianças em relação aos adultos. A baixa rigidez corneai e escleral, com possível extrusão
espontânea do cristalino, associada ao tamanho do bulbo ocular, torna a cirurgia tecnica­
mente mais difícil; pontos frouxos precocemente devido à cicatrização mais rápida aumen­
tam o risco de infecção; a dificuldade de comunicação da criança dificulta o diagnóstico
precoce e tratamento da rejeição; a imprevisibilidade da ametropia com a retirada precoce
dos pontos devido à rápida cicatrização, além da ambliopia preexistente, limitam a acui­
dade visual final.

INDICAÇÕES

No Brasil não há dados sobre o número de transplantes de córnea realizados em crianças. Na


Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) foram realizados, entre 1996 e 2002, 56 trans­
plantes penetrantes de córnea em 51 olhos de 43 crianças menores de 7 anos, sendo 72,5%
em opacidades congênitas e 17,5% em opacidades adquiridas; o acometimento foi bilateral
r

em 62,8% dos pacientes. Diferente das indicações na índia, onde opacidade corneai adquirida
(infecciosa) ocorreu em 77,3% e, na Nova Zelândia, 84%.

479
480 Doenças Externas Oculares e Córnea

Nos EUA, cerca de 2% (n = 600) dos transplantes realizados a cada ano são em crianças;
do total de 400 transplantes feitos na população pediátrica, 55% dos olhos tinham opacidade
congênita e 45% adquirida.
Quando a opacidade corneai é bilateral, não há dúvida quanto à indicação do transplante,
se a criança tem potencial de visão. Os casos unilaterais devem ser avaliados individualmente.
Nas opacidades adquiridas, a criança teve estímulo visual antes do evento, o que teoricamente
aumenta as chances de recuperação visual. Na opacidade congênita unilateral vai depender
da doença, potencial visual, envolvimento do segmento posterior, associação com glaucoma,
idade da primeira avaliação oftalmológica etc., para ser decidida a intervenção.
Devido ao risco anestésico e à complexidade técnica, a idade indicada para realizar o
transplante é controversa, e o tempo ideal, segundo alguns autores, seria entre 8 e 12 sema­
nas. O tempo entre a cirurgia dos dois olhos, nas opacidades bilaterais, varia de 1 a 6 semanas,
embora na nossa prática aguardamos em média 3 meses.
Por motivos didáticos, as opacidades corneais são classificadas em congênitas e adqui­
ridas, traumáticas e não traumáticas. As principais opacidades congênitas indicadas para
transplante são:

DISGENESIAS DO SEGMENTO ANTERIOR

São anormalidades na formação do segmento anterior causadas por alteração na migração,


proliferação e diferenciação final das células da crista neural (neuroectoderma) que dão ori­
gem ao estroma e endotélio corneai e o estroma da íris.

Peters
A anomalia de Peters é uma malformação congênita do segmento anterior causada por anorma­
lidade na migração das células da crista neural que originam o estroma e o endotélio corneai.
Aproximadamente 80% dos casos são bilaterais, mas frequentemente assimétricos.
r

E caracterizada por opacidade corneai central de tamanho e densidade variáveis, envolvida


por córnea periférica relativamente transparente; ocorre defeito no estroma posterior, membra­
na de Descemet e endotélio na área correspondente à opacidade e adesões da íris. Quando há
envolvimento do cristalino com opacidade e adesão corneai, é denominado Peters tipo 2.
Glaucoma é encontrado em 50 a 70% dos casos, presente ao nascimento ou mais tardia­
mente.

Esclerocórnea
r

E um tipo de disgenesia causada por anormalidade na migração das células da crista neural,
que ocorre provavelmente na sétima semana de gestação. A herança autossômica dominante
ou recessiva é descrita, assim como aparecimento esporádico.
Clinicamente, é uma opacidade difusa da córnea com o centro menos denso, ou periférica.
r

E uma condição não progressiva, frequentemente bilateral e assimétrica. O aplanamento da


curvatura da córnea é encontrado em 90% dos casos.
Transplante de Córnea em Crianças

Distrofia endotelial hereditária congênita (CHED)


A distrofia endotelial hereditária congênita é causada pela degeneração das células endoteliais
durante ou após o 5- mês de gestação, resultado da diferenciação final anormal das células da
r

crista neural. E caracterizada por edema de córnea difuso, com aspecto de “vidro fosco”, bila­
teral e geralmente simétrico, com apresentação ao nascimento ou mais tardiamente.
Segundo o padrão de herança, dois tipos são descritos: o autossômico recessivo ou o do­
minante. O recessivo apresenta-se com edema ao nascimento, geralmente não progressivo, e
nistagmo devido à acentuada baixa acuidade visual. O tipo autossômico dominante apresenta
epífora e fotofobia, e subsequente edema corneai progressivo, geralmente no primeiro ou
segundo ano de vida.

Distrofia polimorfa posterior


A distrofia polimorfa posterior é uma doença que acomete endotélio e Descemet. Faz parte
das disgenesias do segmento anterior devido à anormalidade na proliferação das células da
crista neural. A herança é autossômica dominante.
A distrofia polimorfa posterior é caracterizada clinicamente por lesões cinza em forma
geográfica, faixas e vesículas na superfície endotelial encontradas na idade adulta. O acome­
timento é bilateral, não progressivo, e a maioria dos pacientes é assintomática. Há um tipo
raro de apresentação com edema ao nascimento ou logo após, que necessita de transplante
de córnea precoce, mas às vezes regride progressivamente.

GLAUCOMA CONGÊNITO

O glaucoma congênito primário é atribuído à anormalidade do desenvolvimento do ângulo da


r

câmara anterior. A incidência varia de 1:1.250 a 1:22.000. E bilateral em 75% dos casos e tem
predileção pelo sexo masculino. Para os casos familiais, a doença é transmitida por herança
autossômica recessiva com penetração variável, embora um grande número apresente forma
esporádica.
O paciente apresenta a tríade clássica de epífora, fotofobia e blefarospasmo. A elevada
pressão ocular causa edema corneai e roturas da membrana de Descemet (estrias de Haab). Se
a pressão não for controlada no período de 6 meses, ocorrem aumento do diâmetro corneai e
do bulbo ocular (buftalmo) e escavação do nervo óptico. O edema corneai geralmente regride
com o tratamento, sendo incomum a indicação para transplante de córnea.
A sobrevivência de transplante em glaucoma congênito varia de 0 a 100%. No estudo reali­
zado na UNIFESP, 44,5% dos enxertos sobreviveram no seguimento médio de 2 anos. Esse grupo
é de prognóstico mais reservado por serem olhos com cirurgias prévias de glaucoma, buftalmo,
crianças com menos de 7 anos e glaucoma avançado. Diferente de trabalho anterior em adultos,
os enxertos com tubo de drenagem tiveram sobrevivência maior que o grupo sem tubo. Pacien­
tes com glaucoma sem controle devem ter o transplante de córnea contraindicado.
Transplante de córnea em crianças com glaucoma congênito deve ser indicado em acome­
timento corneai bilateral com baixa acuidade visual grave, e o controle do glaucoma é funda­
mental para a sobrevivência do enxerto.
482 Doenças Externas Oculares e Córnea

DOENÇAS METABÓLICAS

As mucopolissacaridoses (MPS) compreendem um grupo heterogêneo de doenças causadas


por acúmulo de glicosaminoglicanos (GAG) nos órgãos e tecidos. São resultantes da redução
nas atividades de enzimas lisossomais envolvidas na degradação dos glicosaminoglicanos, co­
nhecidas como doenças do armazenamento lisossomal.
O padrão de herança de todas as MPS é autossômica recessiva (AR), exceto na síndrome de
Hunter (MPS II), que é recessiva ligada ao X.
A opacidade de córnea ocorre raramente na mucopolissacaridose tipo II (Sanfillippo), de
forma progressiva e lenta nos tipos I-S (Scheie) e IV (Morquio), até formas graves e precoces
como nos tipos I-H (Hurler) e VI (Maroteux-Lamy).

TUMORES

Dermoide epibulbar
r

E um tumor classificado como coristoma por conter elementos celulares não encontrados nor­
malmente no local de origem, que aparecem nas regiões limbar e temporal da conjuntiva. Está
presente ao nascimento e tem pouco ou nenhum potencial para crescimento.
O dermoide limbar é um tumor sólido, bem definido, constituído de estroma com coláge-
no denso interceptado por folículos pilosos, glândulas sebáceas e sudoríparas e coberto por
r

epitélio escamoso estratificado. E geralmente localizado no quadrante temporal inferior. Pode


ser superficial ou acometer o estroma profundo corneoescleral.
Dermoide limbar é encontrado em 66% das crianças com a síndrome de Goldenhar (apên­
dice pré-tragal, fístula pré-auricular de fundo cego e anomalias vertebrais).
As opacidades adquiridas incluem as pós-infecciosas (bactérias e herpes) e pós-traumáticas.
Antes de ser indicado transplante de córnea, qualquer medida que visa melhorar a acui­
dade visual deve ser tentada, tais como iridectomia sectorial, lente de contato e tratamento
da ambliopia.

Avaliação pré-operatória
A avaliação pré-operatória inclui anamnese completa, precisando a idade de início da doença,
identificação de doenças na gravidez, doenças familiares e parentesco entre os pais.
A acuidade visual é de fundamental importância, visto que o ganho visual pós-operatório,
principalmente nas opacidades congênitas, é limitado. O reflexo pupilar, a resposta ao estí­
mulo luminoso, o reflexo de “fixar e seguir” objetos e a presença de estrabismo auxiliam na
avaliação visual. Pode ser pesquisada através do olhar preferencial, com cartões de acuidade
de Teller (CAT), a partir de 2 meses a 3 anos de idade. Após essa idade, com os optótipos de
Snellen. O potencial visual evocado é indicado quando não for possível avaliar a presença de
percepção luminosa.
O exame oftalmológico muitas vezes requer narcose para avaliar o segmento anterior,
medir o diâmetro corneai para diagnóstico de microcórnea e aferir a pressão ocular. Difícil-
Transplante de Córnea em Crianças

mente é possível examinar o segmento posterior devido à opacidade de meios, fazendo-se


necessário realizar ultrassonografia modo B para estudo, além da medida do diâmetro ante­
roposterior do bulbo para identificar microftalmo. Avaliar e tratar previamente as alterações
palpebrais, como entrópio, triquíase, lagoftalmo etc. A sensibilidade corneal e produção lacri­
mal devem ser pesquisadas.
A biomicroscopia ultrassónica auxilia no diagnóstico das doenças corneais e no planeja­
mento cirúrgico, e identifica alterações no segmento anterior não detectadas devido à opaci­
dade corneai.
Após avaliação oftalmológica, a criança deve ser avaliada pelo pediatra, geneticista, neu­
rologista, enfim uma equipe multidisciplinar necessária para investigação diagnóstica de do­
enças sistêmicas associadas.
A indicação do transplante de córnea, possíveis resultados, complicações e, principalmen­
te, o prognóstico visual devem ser discutidos exaustivamente com a família.
O transplante deve ser visto, pelo cirurgião e pais, como a primeira de uma longa série de
intervenções designadas para prevenir e tratar a ambliopia.

TRATAMENTO CIRÚRGICO

Na legislação brasileira, a criança menor de 7 anos, com opacidade de córnea bilateral, tem
prioridade na inscrição para aguardar o tecido, ou seja, não entra na fila de espera normal. A
córnea usada deve ter uma densidade elevada de células endoteliais devido ao tempo estima­
do de vida da criança e às complicações pós-operatórias mais frequentes.
A cirurgia é realizada sob anestesia geral, mantendo em plano profundo para evitar o risco
de reagir o olho estando aberto.
Diminuir a pressão ocular com massagem ocular, baroftalmo e cantotomia lateral, se ne­
cessário. Manitol endovenoso é usado em pacientes com glaucoma associado.
Como a esclera é elástica, um suporte (anel de Flieringa) deve ser fixado na episclera com
vicryl 6-0 ou 7-0, para evitar o colapso do bulbo e extrusão espontânea do cristalino.
O diâmetro do botão corneai receptor é variável; após a medida do diâmetro da córnea
receptora, o diâmetro escolhido deve manter 1,5 a 2,0 mm de rima corneana receptora. No
estudo multicêntrico de Dana et aL, o diâmetro médio de 161 transplantes realizados foi de
7,1 mm. Não há necessidade de diminuir o tamanho do enxerto se o diâmetro corneai for
normal, visto que, ao reduzir de 8,0 para 6,0 mm, há uma perda de 45% de células endoteliais
transplantadas. A diferença entre o botão doador e receptor deve ser = 0,5 mm para melhor
coaptação das bordas e cicatrização e diminuir os riscos de sinequias anteriores.
r

E importante usar viscoelástico na câmara anterior para diminuir a perda endotelial e man­
ter o diafragma iridocristaliniano afastado da córnea.
Os procedimentos cirúrgicos necessários devem ser realizados com precisão, como sine-
quiálise, pupiloplastia e facectomia (lensectomia), se o cristalino estiver envolvido.
A sutura deve ser realizada com pontos separados e com número de pontos necessários
para uma boa coaptação das bordas; preconizam-se 24 pontos devido ao elevado risco de
trauma e deiscência da sutura. Dexametasona e antibiótico (gentamicina) subconjuntival são
usados no final da cirurgia.
484 Doenças Externas Oculares e Córnea

CUIDADO PÓS-OPERATÓRIO

Os cuidados pós-operatórios são semelhantes ao do adulto: avaliar a epitelização corneai,


pressão ocular, presença de Seidel, inflamação da câmara anterior, que é mais intensa na crian­
ça, e sinais de infecção. A diferença é a maior frequência das avaliações e, muitas vezes, ne­
cessidade de narcose. A média do número de narcoses no pós-operatório de um estudo mul-
ticêntrico foi de 3,2.
A família é de grande importância para observar sinais que podem sugerir complicações,
como fotofobia, recusa em abrir os olhos, hiperemia e secreção, irritação (pode ser dor) ou
mudança no comportamento, já que a criança não sabe identificá-los.
Como na criança a inflamação é intensa e a rejeição frequente, o uso do corticoide tópico
(prednisolona ou dexametasona) deve ser mantido por tempo prolongado, iniciando de hora
em hora nos primeiros dias. Utilizar em regime de diminuição progressiva, mas manter pelo
menos por 6 meses. Não esquecer de monitorar a pressão ocular.
O antibiótico tópico de amplo espectro é usado por maior tempo (4 vezes/dia), principal­
mente quando a sutura ainda estiver retida.
A cicatrização na criança ocorre rapidamente e as suturas afrouxam precocemente. Pontos
frouxos ou que estejam induzindo vascularização devem ser removidos o quanto antes para
evitar infecção, vascularização e, consequentemente, rejeição. Nas crianças com menos de 2
anos, as suturas são retiradas até 8 semanas de pós-operatório, entre 2 e 4 anos até 16 sema­
nas e, com mais de 4 anos, até 6 meses, podendo usar a ceratoscopia para orientar a remoção
a depender da cooperação.
Em crianças submetidas a transplante de córnea por sequela de infecção herpética, faz-se
necessária a profilaxia com antiviral oral (aciclovir) por 1 ano.
Sem uma correção óptica eficaz, necessária para o tratamento da ambliopia, o transplante
pode ser inútil. A criança submetida a transplante de córnea deve ser acompanhada por uma
equipe multidisciplinar com oftalmopediatra, cirurgião de córnea e especialista de glaucoma,
se necessário, para aumentar as chances de sucesso.

COMPLICAÇÕES

Na criança, as complicações são mais difíceis de detectar, e o diagnóstico e tratamento geral­


mente são tardios.
A frequência de rejeição é aumentada, mas as taxas variam, provavelmente devido às di­
ferentes definições utilizadas. Os fatores implicados na rejeição são a idade, vascularização
prévia, inflamação intensa e enxerto proveniente de doador jovem (associado a maior expres­
são de antígeno de histocompatibilidade). A rejeição deve ser tratada com acetato de predni­
solona a \% de hora em hora nos primeiros dias e, se muito grave, corticoide subconjuntival
sob narcose.
Ceratite infecciosa pós-transplante em criança varia de 4 a \ \%. O fator de risco mais
frequente é o ponto frouxo. Na série da UNIFESP, \5% dos pacientes apresentaram ceratite
bacteriana, cujo agente etiológico mais frequente foi Streptococcus sp. A conduta é semelhante
à ceratite no adulto e consiste em coletar material da úlcera, inclusive enviar o ponto frouxo
Transplante de Córnea em Crianças

para cultura e antibiograma, bem como instilação de colírios fortificados (cefalosporina e ami-
noglicosídeo).
A incidência de glaucoma pós-transplante em criança varia de 4 a 9%. O risco de aumento
da pressão ocular (PO) pós-transplante pediátrico pode ser devido a deformidades congênitas
no ângulo, formação de sinequias anteriores periféricas, além do uso prolongado de corticoi-
de. Pacientes com glaucoma congênito prévio, mesmo com a PIO controlada previamente,
evoluem com hipertensão ocular no pós-operatório em 100% dos casos. No estudo de Dana et
a/., 20% das crianças tinham glaucoma antes do transplante, 29% necessitaram de tratamento
para aumento da PIO no pós e 15% de cirurgia filtrante.
Outras complicações descritas são deiscência de sutura (2 a 10%), catarata (2 a 8%), des­
colamento de retina (3 a 5%), perda espontânea do cristalino (1 a 2%), endoftalmite (1 a 2%) e
phthisis bulbi (4 a 13%).

RESULTADOS

A sobrevivência do transplante em crianças é, em média, 74% em 1 ano e 64% em 2 anos, sendo


considerado um procedimento de alto risco. As principais causas de falência diagnosticadas
são rejeição, infecção e glaucoma. Na série publicada por Dana et a i, 50% dos transplantes que
faliram foram por rejeição e 81% dos retransplantes evoluíram com falência do enxerto. Estu­
dos indicam que menos de 30% das rejeições em criança são reversíveis. Opacidade congênita
e menor idade à cirurgia foram associadas à maior falência do enxerto, embora não sendo
significante.
O resultado visual é limitado. A acuidade visual mediana das opacidades congênitas de
quatro grandes séries de transplantes foi de PL, das adquiridas de 0,1 e, de todos os trans­
plantes, de 0,05. Quanto ao tipo de opacidades, congênitas ou adquiridas, o resultado visual
foi significantemente melhor nas adquiridas (p = 0,04). As possíveis causas são falências fre­
quentes, ametropias elevadas e irregulares, ambliopia irreversível ou não tratada e alterações
oculares associadas. Apesar disso, a acuidade visual pós-operatória é, na maioria das vezes,
melhor que a pré-operatória. Quanto mais precoce a cirurgia, melhor o resultado visual, em­
bora uma diferença significante não tenha sido encontrada em uma série avaliada.
Melhorar a sobrevivência do enxerto corneai e o resultado visual em crianças submetidas
a transplante é um desafio. São necessários estudos de medidas que diminuam a rejeição, uma
das principais causas de falência, e que melhorem o controle da pressão ocular, entre outros,
e os resultados do tratamento da ambliopia, principal limitante da visão.

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Transplantes Lamelares
e o Uso do La ser de
Femtossegundo
LUÍS FELIPE LYNCH • LUCIENE BARBOSA DE SOUSA

DEFINIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DOS TRANSPLANTES LAMELARES

Definição: Transplante lamelar é todo aquele em que há uma troca parcial de tecido corneano.
Podem ser anteriores ou posteriores.
Diversas classificações existem para as várias técnicas realizadas e, provavelmente, novas
classificações devem surgir, visto que se trata de técnicas que vêm sendo modificadas a cada
dia. Apresentamos aqui as que são mais didáticas e facilitam o entendimento.
Classificação de John-Malbran para transplantes lamelares anteriores. Leva em considera­
ção a profundidade do estróina trocado.

SALK -> Superficial Anterior Lamellar Keratoplasty. Até 160 jum


MALK -> Mid Anterior Lamellar Keratoplasty. 160 a 400 pm
DALK -> Deep Anterior Lamellar Keratoplasty. 400 a 490 jum
TALK -> Total Anterior Lamellar Keratoplasty. 490 pm - 100%

Essa classificação engloba os tipos mais comuns de transplantes lamelares anteriores rea­
lizados atualmente em nosso meio. Como exemplo de SALK e MALK, temos o FAALK (Femtose-
concl Assistecl Anterior Lamelar Keratoplasty), que é um transplante sem sutura realizado quando
há opacidades corneanas do estroma superficial; pode ser feito de até 200 pm, por isso pode
ser classificado como SALK e MALK. Como exemplo de DALK, temos a grande maioria dos
transplantes lamelares realizados manualmente ou com diversas técnicas de dissecção profun­
da, mas que não separam a Descemet do estroma. Como exemplo de TALK, temos a transplan­
te lamelar anterior com a técnica da “fí/g bubble”, onde é separada a Descemet do estroma.
No dia a dia, entende-se como DALK a maioria de técnicas que retiram a maior parte do es­
troma, podendo ou não retirá-lo por completo. Nos próximos anos, com a maior popularização
das diversas técnicas, classificações mais apropriadas e de fácil entendimento devem surgir.

489
490 Doenças Externas Oculares e Córnea

Classificação para os transplantes lamelares posteriores.


Não há uma classificação para esses tipos de transplantes, visto que são diferentes téc­
nicas com um mesmo objetivo e cujas diferenças são pequenas. O que pode diferenciar uma
técnica da outra é a quantidade de tecido retirado ou adicionado e a utilização ou não de ins­
trumentos mecanizados. Assim, temos:
Transplante lamelar posterior com retirada de camadas posteriores de estróina e adição
de estroma com a Descemet e o endotélio.
DLEK, Deep lamellar endothelial keratoplasty.
Transplante lamelar posterior com retirada da Descemet e adição de estroma com a Des­
cemet e o endotélio.
■ DSEK, DescemeVs Stripping Endothelial Keratoplasty.
■ DSAEK, DescemeVs Stripping Automated Endothelial Keratoplasty.
Transplante lamelar posterior com a retirada da Descemet e adição da Descemet e do
endotélio.
■ DMEK, Descemet Membrane Endothelial Keratoplasty.
DMAEK, Descemet Membrane Automated Endothelial Keratoplasty.

HISTÓRICO DOS TRANSPLANTES LAMELARES

A troca da córnea doente por uma córnea sadia é descrita desde a antiguidade com relatos na
Grécia antiga sobre tal possibilidade; entretanto, séculos foram necessários para que isso se
tornasse uma realidade. Em meados de 1800, começaram os estudos que tornaram possível
essa realidade, sendo os transplantes lamelares os primeiros a serem estudados. Em 1824,
Reisinger utilizou o termo ceratoplastia para transplantes em animais. Em 1839, Kónigshofer
foi pioneiro da ideia de ceratoplastias lamelares homólogas e heterólogas em animais. Muehl-
bauer tenta, um ano após, fazer um transplante lamelar triangular em um paciente utilizando
córnea doada de ovelha; embora sem sucesso, descreveu a técnica utilizada para transplante
lamelar deixando as camadas posteriores da córnea.
Passado esse período inicial, em 1878 foi inventado por Arthur Von Hippel o trépano me­
cânico circular, o que veio a modificar a técnica utilizada, e, finalmente, em 1888 o próprio
Arthur Von Hippel fez o primeiro transplante lamelar de córnea com sucesso. Embora tenha
sido pioneiro com a técnica descrita e bem-sucedido com os resultados iniciais obtidos, a sua
técnica laboriosa foi colocada de lado pela maioria dos cirurgiões.
Em 1905, Edward Zirm fez a primeira ceratoplastia penetrante com sucesso em um pa­
ciente. Nos anos decorrentes, a ceratoplastia penetrante deixou de ser uma cirurgia quase
experimental para se tornar uma prática cada vez mais presente no arsenal de opções da ci­
rurgia oftalmológica, havendo um predomínio do transplante penetrante sobre a ceratoplastia
lamelar em virtude da facilidade da técnica cirúrgica e dos melhores resultados visuais.
Nos anos seguintes, as evoluções da técnica cirúrgica, do material utilizado, dos microscó­
pios cirúrgicos e do conhecimento sobre a imunobiologia dos transplantes levaram a melhoras
cada vez mais significativas nos resultados dos transplantes penetrantes, com popularização
mundial da técnica e consagração do transplante penetrante.
Transplantes Lamelares e o Uso do Loser de Femtossegundo

Enquanto isso, a ceratoplastia lamelar era colocada em plano secundário e, embora nomes
consagrados, como Paton (criador do primeiro banco de olhos dos Estados Unidos em 1940),
publicassem artigos relatando sua importância, a dificuldade técnica e a menor acuidade visual
final ainda eram grandes empecilhos para sua realização.

Evolução dos transplantes lamelares anteriores


Com o decorrer dos anos, com todo o conhecimento adquirido em processos de rejeição e
falência nos transplantes penetrantes, um novo estímulo para as ceratoplastias lamelares foi
lançado. Vários autores tentaram rever a técnica previamente descrita, e, com os avanços em
microscopia e material cirúrgico, novas abordagens começaram a tornar o transplante lame­
lar mais fácil e com melhores resultados. Grande destaque merecem Anwar e Teichman, que
descrevem em 2002 a técnica do big bubble, pela qual se separa a membrana de Descemet do
restante do estróina através da injeção de ar nas camadas profundas da córnea para a cerato­
plastia lamelar. Essa técnica não somente permite uma realização mais rápida da cirurgia como
também eleva a acuidade visual final a níveis semelhantes ao da ceratoplastia penetrante, e
ainda possui a vantagem de não haver possibilidade de rejeição endotelial. Ainda mantém
melhor integridade do globo ocular, quando comparada com a cirurgia penetrante, razão pela
qual a ceratoplastia lamelar anterior vem se tornando cada vem mais preferida por cirurgiões
e exigida por pacientes.

Evolução dos transplantes lamelares posteriores


A primeira referência a um transplante lamelar posterior é feita por José Ignácio Barraquer em
1950, na Colômbia, que, através de um flap corneano, faz a troca das camadas posteriores da
córnea e as sutura com posterior recolocação do flap. Em 1956, é descrita por Tillet uma nova
técnica de transplante posterior com sutura sem a realização de flap corneano, sendo feita a
r

técnica através de incisão superior. E apenas em 1998 que se lançam as diretrizes que fazem
a técnica evoluir ao que temos nos dias atuais. Gerrit Melles descreve a técnica de transplante
lamelar posterior utilizando ar para adesão do botão doador e a chama de “PLK - Posterior La­
mellar Keratolasty” . Essa técnica consiste na dissecção manual de camadas profundas do estró­
ina do paciente receptor e doador e troca de ambas através de incisão limboescleral. Em 2000,
Mark Terry, modificando a técnica proposta inicialmente por Melles, faz o primeiro transplante
endotelial nos Estados Unidos e o denomina “DLEK - Deep Lamellar Endothelial Keratoplasty” .
Alguns anos depois, modificações nos levam para incisões menores de 5 mm e começam
a surgir diferentes técnicas para inserção do botão doado, porém a necessidade de dissecção
da córnea doada e receptora tornam a cirurgia tecnicamente difícil e de pouca aceitação. Foi
a partir de 2004, quando se iniciou a realização do stripping ou arrancamento da membrana
de Descemet do receptor e colocação do botão doado sob o estróina receptor, que a técnica
começou a ganhar adeptos, uma vez que a dificuldade diminuía significativamente quando
não se fazia necessária a dissecção do estroma do receptor. Em 2005, a cirurgia é renomeada
por Price para DSEK Descemet’s Stripping Endotelial Keratoplasty e, em 2006, Gorovoy descreve
a utilização de microcerátomo na preparação do botão doador, facilitando ainda mais o pro-
492 Doenças Externas Oculares e Córnea

cesso cirúrgico e nomeando a técnica para DSAEK Descemet’s Stripping Automated Endothelial
Keratoplasty, a qual é a técnica atualmente predominante.
Em 2006 foi descrita por Melles uma nova técnica, pela qual apenas a membrana de Desce-
met e endotélio são trocados, a chamada DMEK Descemet Membrane Endothelial Keratoplasty. Essa
técnica permite uma melhor recuperação da acuidade visual e menores índices de descolamento
do botão, entretanto apresenta dificuldade na execução e elevada possibilidade de perda da cór­
nea doada na preparação do botão, o que a torna de difícil aceitação pela maioria dos cirurgiões.
Novas variações da técnica vêm sendo publicadas, e é possível que, nos próximos anos, variantes
da mesma venham a mudar o cenário das técnicas de transplantes endoteliais.

IMUNOLOGIA DOS TRANSPLANTES

O transplante de córnea é o transplante mais bem-sucedido efetuado atualmente no ser hu­


mano, em virtude de uma série de peculiaridades, sendo o fato de apresentar baixos níveis de
rejeição e facilidade de reverter o quadro de rejeição, quando essa se instala, os principais mo­
tivos para tal. A possibilidade de um paciente com ceratocone realizar um transplante de cór­
nea e, após cinco anos, apresentar transparência e ser funcional é de aproximadamente 90%.
Os baixos níveis de rejeição nesse tipo de transplante são decorrentes de alguns fatores
anatômicos da córnea, como a ausência de vascularização, ausência de vasos linfáticos, baixa
expressão de MHC classe I e classe II e relativa ausência de células apresentadoras de antígeno
além de fatores constitucionais do imunoprivilégio ocular.
Imunoprivilégio ocular é um conjunto de mecanismos que modulam a resposta imunológi-
ca de tal modo que, no globo ocular, não ocorra inflamação grave. Esse sistema de modulação
imunológica é necessário, pois as delicadas estruturas oculares muitas vezes podem ser mais
danificadas pela ação do sistema imunológico que pelo próprio agente causador da agressão.
Assim, ao modular a resposta imunológica para que ela seja mínima, o imunoprivilégio favore­
ce a sobrevida dos transplantes de córnea.
Os principais fatores de imunoprivilégio que favorecem a sobrevida dos transplantes de
córnea são a expressão de Eas ligand, a qual induz a apoptose de linfócitos, a presença de cito-
cinas imunossupressoras no humor aquoso, como TGF-ß (transforming growth factor - ß), MSH
(a-melanocyte-stimulating hormone) e VIP (vasoactive intestinal peptide), que levam a apoptose
de linfócitos que chegam ao humor aquoso, e presença do ACAID (anterior chamber associated
immune deviation). Estes últimos são fatores no humor aquoso, que induzem tolerância a antí-
genos específicos quando introduzidos no olho.
Mesmo com mecanismos que favorecem a sobrevida do transplante de córnea, a rejeição
ainda é o principal fator que leva à falência do transplante. Para que ocorra rejeição são ne­
cessários dois processos. Inicialmente, o reconhecimento de antígenos estranhos (VIA AFE­
RENTE) com sensibilização do sistema imunológico e, posteriormente, o combate a esses
antígenos (VIA EFERENTE). A realização de transplantes lamelares, tanto anteriores como pos­
teriores, diminui a possibilidade de rejeição, pois o risco de detecção de um antígeno diminui,
já que o transplante foi parcial, minimizando a via aferente, e, caso ocorra essa detecção, o
encontro das células efetoras é mais difícil de ocorrer, já que há menos tecido para ser rejeita­
do, minimizando também a via eferente.
Transplantes Lamelares e o Uso do Laser de Femtossegundo

TRANSPLANTES LAMELARES: INDICAÇÕES

Atualmente, as indicações dos transplantes lamelares vêm aumentando gradativamente


em virtude da melhora da técnica cirúrgica. Doenças que acometem a córnea como um
todo impossibilitam qualquer técnica que não o transplante penetrante. Doenças que
acometem camadas isoladas da córnea podem ser tratadas com transplantes lamelares;
assim, temos:
Principais indicações de transplantes lamelares anteriores:
• Patologias que cursam com opacidade estromal, preservando Descemet e endotélio no
eixo visual.
• Ceratocone e degeneração marginal pelúcida.
• Sequelas de ceratites.
• Distrofias corneanas:
- Anteriores.
- Estromais.
Opacidades anteriores traumáticas.
Principais indicações de transplantes lamelares posteriores:
• Distrofia endotelial de FuclVs.
• Ceratopatia bolhosa do pseudofácico.
• Doenças endoteliais com estroma anterior transparente.

Alguns exames podem ajudar no planejamento cirúrgico e prevenir o cirurgião na eventua­


lidade de apresentar falhas na técnica. Os exames que mais ajudam nesse aspecto são a tomo-
grafia corneana anterior (OCT-Visante®) e a biomicroscopia ultrassónica (UBM). Por meio deles
é possível detectar o nível das opacidades e das camadas acometidas, permitindo ao cirurgião
planejar a intervenção e comunicar ao paciente as probabilidades de sucesso.
Algumas situações podem limitar a indicação de transplantes lamelares tanto anteriores
como posteriores. Nos lamelares anteriores, onde o ceratocone é a principal indicação, as ci­
catrizes decorrentes de hidropsia limitam o procedimento por indicarem roturas na Descemet.
Outro aspecto que pode limitar a técnica são as ectasias graves nas quais Descemet se apre­
senta “esticada” e, mesmo estando íntegra, pode induzir dobras que diminuem a acuidade
quando permanecem no eixo visual. Nas grandes ectasias, a técnica cirúrgica é mais laboriosa,
favorecendo roturas da Descemet e conversão para a técnica penetrante.
Nos transplantes lamelares posteriores, o que pode limitar a indicação são as alterações
cicatriciais que ocorrem no estroma anterior quando o paciente apresenta ceratopatia bolhosa
crônica. Nesses casos, o transplante pode melhorar as bolhas, mas não a fibrose, e, consequen­
temente, a acuidade visual. Outra situação que limita a técnica lamelar posterior é a condição
de afacia, bem como aniridia, nas quais tecnicamente a colocação e adesão do botão doador
podem ser comprometidas.
Doenças Externas Oculares e Córnea

TRANSPLANTES LAMELARES: VANTAGENS E DESVANTAGENS

Com a melhora da técnica cirúrgica, as antigas desvantagens dos transplantes lamelares foram
gradativamente diminuindo. Estudos recentes mostram que a acuidade visual final pode ser
semelhante na maioria dos pacientes, tanto para transplantes anteriores como posteriores.
Atualmente, as inúmeras vantagens vêm tornando os transplantes lamelares a primeira opção
da maioria dos cirurgiões, quando possíveis.
■ Vantagens dos transplantes lamelares anteriores em relação ao transplante penetrante.
• Menos chances de complicações cirúrgicas intraoperatórias:
- Hemorragias expulsivas.
- Manipulação da íris e cristalino.
• Menos chances de complicações cirúrgicas pós-operatórias:
- Endoftalmite.
- Hifema.
- Sinequias anteriores e glaucoma.
Diminuição dos índices de rejeição:
- Aumento das taxas de sobrevida do transplante.
• Manutenção da integridade do globo ocular:
- Maior resistência do globo a esforços físicos.
- Maior resistência a traumas.
Vantagens dos transplantes lamelares posteriores em relação ao transplante penetrante.
Menos chances de complicações cirúrgicas intraoperatórias:
- Hemorragias expulsivas
Mantêm topografia inicial do paciente:
- Possibilitam melhor cálculo de LIO em procedimentos combinados.
• Menos chances de complicações cirúrgicas pós-operatórias:
- Infecções.
- Complicações relacionadas à incisão.
- Complicações relacionadas à sutura.
- Olho seco.
• Ausência de pontos do transplante.
• Diminuição dos índices de rejeição:
- Aumento das taxas de sobrevida do transplante.
• Manutenção da integridade do globo ocular:
- Maior resistência do globo a esforços físicos.
Maior resistência a traumas.
• Reabilitação visual mais rápida e sem necessidade de uso de lentes de contato.
Desvantagens dos transplantes lamelares anteriores em relação ao transplante penetrante.
Técnica mais laboriosa, com aumento do tempo cirúrgico.
• Alterações da interface doador-receptor.
Transplantes Lamelares e o Uso do Laser de Femtossegundo

• Possibilidade de limitação parcial da acuidade visual ocasionada por:


- Alterações da interface.
- Dobras da Descemet.
• Possibilidade de formação de dupla-câmara no pós-operatório com necessidade de rein-
tervenção cirúrgica.
Desvantagens dos transplantes lamelares posteriores em relação ao transplante pene­
trante.
• Curva de aprendizado elevada.
• Necessidade de material cirúrgico específico com aumento do custo:
- Espátulas, tesouras, bisturi de diamante e câmaras artificiais para as formas manuais.
- Microcerátomo específico para as formas automatizadas.
- Injetores.
• Novas complicações relacionadas à técnica cirúrgica:
- Descolamento do botão.
- Catarata.
- Glaucoma.
• Possibilidade de descolamento do botão, especialmente no início da curva de aprendiza­
do, o que leva a reintervenções cirúrgicas.
• Alterações da interface doador-receptor:
- Possibilidade de limitação parcial da acuidade visual ocasionada por alterações da
interface.

As vantagens são importantes quando comparadas às desvantagens, o que tem populari­


zado cada vez mais as técnicas. Um grande obstáculo ainda prevalece para muitos cirurgiões:
a acuidade visual final. Antigamente, a interface córnea doada-córnea receptora era o maior
problema de ambas as técnicas, desde que, com frequência, limitava a acuidade visual a níveis
inaceitáveis para algumas atividades do dia a dia, como, por exemplo, renovar a carteira de
motorista.
No transplante lamelar anterior, a técnica do big bubble permite a retirada de todo o es-
troma, com consequente melhora na interface e níveis de acuidade visual semelhantes ao do
transplante penetrante. Quando a bib bubble não é obtida e é necessário utilizar outra técni­
ca na qual seja mantida parte de estroma, a interface é perceptível na lâmpada de fenda e a
acuidade visual pode se alterar; entretanto, isso só ocorre quando a quantidade de estroma
deixada é importante, especialmente acima de 100 jum de tecido do receptor, pois a interface
se torna mais “rugosa”. Com a evolução da curva de aprendizado, o cirurgião, caso não consi­
ga efetuar a big bubble, consegue deixar manualmente finas camadas de estroma, o que leva a
níveis satisfatórios de acuidade visual final.
No transplante lamelar posterior, a acuidade visual sofre o mesmo problema da interface
decorrente da espessura do botão doador, o que melhora com a curva de aprendizado; en­
tretanto, essa curva é elevada, quando comparada ao transplante lamelar anterior, além de
ser necessária a aquisição de material específico. Apesar das limitações ao cirurgião inicial, a
técnica apresenta incontáveis vantagens que justificam a sua indicação. A ausência de pontos
Doenças Externas Oculares e Córnea

e rápida recuperação visual podem permitir dar alta ao paciente em poucas semanas, pratica­
mente mantendo o grau de correção usado anteriormente.
As vantagens de ambas as técnicas têm obrigado muitos cirurgiões a realizá-las por exi­
gência dos próprios pacientes, que buscam as melhores opções para seus casos e têm acesso
a informação de diversas formas. Cabe ao médico mostrar as vantagens de ambas, assim como
as limitações, para que o paciente não desenvolva expectativas excessivas e o resultado final
seja satisfatório para ambos, médico e paciente.

TRANSPLANTES LAMELARES: TÉCNICA CIRÚRGICA E COMPLICAÇÕES

Foge ao objetivo deste capítulo descrever a técnica de modo detalhado; assim, a descrição
seguinte tem como objetivo introduzir de modo simplificado os conceitos básicos, permitin­
do ao oftalmologista entender as diferentes variáveis que são relacionadas aos processos de
transplantes lamelares.

Transplante lamelar anterior


Trepanação da córnea doada do diâmetro desejado.
Trepanação do receptor do diâmetro desejado e com profundidade parcial, sem penetração
na câmara anterior.
Dissecção do espaço entre a Descemet e o estróina posterior com realização da “big bubble”
conforme técnica de preferência:
• Dissecção com ar.
• Dissecção com viscoelástico.
• Dissecção com líquidos (soro fisiológico ou solução salina balanceada).
Retirada do estroma.
Colocação do botão doado:
• Com endotélio.
• Sem endotélio.
Sutura com fio e técnica de preferência do cirurgião.

A técnica apresenta diversas modificações individuais; entretanto, alguns pontos perma­


necem polêmicos para alguns autores, sendo a retirada do endotélio da córnea doada, talvez a
principal fonte de controvérsia. Para muitos cirurgiões, a retirada da Descemet com o endoté­
lio do doador nos transplantes lamelares anteriores é obrigatória por diminuir as chances de
rejeição, já que é a camada endotelial a porção mais antigênica de uma córnea doada. Alega-
se também que a interface poderia ficar mais suave com a retirada da Descemet e endotélio
do doador. Até o momento, não há na literatura estudos que mostrem diferenças reais entre
as técnicas que justifiquem a retirada da Descemet e endotélio do doador. Na nossa expe­
riência, a manutenção da córnea doada com todas as suas camadas torna o tempo cirúrgico
mais rápido, não traz aumento dos níveis de rejeição e tampouco altera a interface. Além de
trazer a vantagem adicional de que, nos casos em que o paciente apresenta dupla-câmara no
Transplantes Lamelares e o Uso do Laser de Femtossegundo

pós-operatório, a Descemet do receptor pode ser retirada sem que seja necessária a troca da
córnea, tornando-se o transplante um transplante penetrante convencional. Estudos futuros
devem responder essa questão.
As complicações específicas dos transplantes lamelares anteriores são decorrentes da in­
terface que permanece ao final do transplante. Líquido nessa interface pode gerar a presença
de dupla-câmara, a qual pode ser resolvida com colocação de bolha de gás de 0,6 mm de C3F8
(10 a 15%) ou retirada da Descemet do receptor, transformando o transplante em um trans­
plante penetrante, desde que se tenha deixado o endotélio, como descrito antes. Presença de
clebris na interface pode ser minimizada com limpeza cuidadosa da interface antes da realiza­
ção da sutura do botão doador; entretanto, quando presentes, não interferem na visão. Irre­
gularidades na interface, especialmente quando o estroma residual é espesso, podem limitar
a visão, sendo necessário novo transplante, o qual pode ser um novo lamelar ou penetrante.
Neovascularização na interface vem sendo descrita em alguns casos, e acredita-se que seja
decorrente de um processo de rejeição das camadas profundas de estroma; normalmente são
localizadas e não necessitam de tratamento. Nos casos que apresentam crescimento acelera­
do, uma opção é a aplicação de antiangiogênicos, o que vem apresentando bons resultados.
A interface também pode ser sítio de crescimento epitelial e infecções que, por vezes, podem
ser de difícil tratamento, pois as lesões ficam “escondidas” e o acesso da medicação e do sis­
tema de defesa do organismo é limitado.

Transplante lamelar posterior


Descrevemos aqui a técnica mais disseminada atualmente, o DSEK/ DSAEK.
Colocação do botão doado em câmara artificial.
■ Manual:
• Dissecção manual do estroma profundo através de incisão limbar, em profundidade de
400 pm
Automatizado:
• Realização de flcip corneano com microcerátomo apropriado para transplantes, flap com
espessura entre 350 e 400 jum.
Trepanação do botão doador com manutenção de camada posterior de estroma profundo
juntamente com a Descemet e o endotélio.
Preparação do receptor: incisão limboescleral de 5 mm.
Retirada da Descemet e endotélio do receptor no tamanho aproximado do botão que será
colocado.
Inserção do botão doado através de diversas técnicas:
Injetores específicos para DSEK/DSAEK.
• Passagem de fio de náilon ou de prolene no botão e inserção do botão.
• Colocação com pinças apropriadas.
Sutura da incisão.
Posicionamento do botão.
Dilatação da pupila e/ou iridectomia com objetivo de diminuir a possibilidade de bloqueio
pupilar.
498 Doenças Externas Oculares e Córnea

Um aspecto importante é a possibilidade da não adesão do botão no intraoperatório ou


descolamento no pós-operatório imediato ou tardio. Com o intuito de minimizar as chances
de apresentar essa complicação, são descritas três técnicas utilizadas no intraoperatório para
facilitar a adesão.
■ Incisões de drenagem.
Strippping do estroma.
Bolha de ar na câmara anterior.

As incisões de drenagem são feitas através do epitélio e atravessam o estroma profundo,


chegando à interface doador-receptor. São especialmente úteis quando essa interface está
preenchida por líquido, o qual pode drenar pela incisão.
O stripping do estroma doador consiste na realização de ranhuras no estroma periférico
que entrará em contato com o estroma doado. Estas são realizadas com um gancho de Sinkey
invertido na câmara anterior e visam melhorar a adesão através da criação de uma área rugosa
na área periférica do transplante.
Bolha de ar na câmara anterior talvez seja a técnica mais utilizada em virtude de seus bons
resultados; consiste em: após o posicionamento do botão receptor, colocação de ar na câma­
ra anterior com preenchimento quase total da câmara para empurrar o botão doador contra
a córnea receptora, (esse ar é mantido por algum tempo - variável, conforme autores, de 15
minutos a 2 horas), sendo depois retirado parcialmente e o restante absorvido aos poucos.
Apesar de todas as técnicas descritas, o descolamento do botão no pós-operatório perma­
nece como complicação frequente, especialmente com cirurgiões em curva de aprendizado.
Quando acontece, é recomendada a colocação de gás na câmara anterior, utilizando uma bo­
lha de ar ou de gás de 6 mm de C3F8 (10 a 15%), o que resolve a maioria dos descolamentos.
Complicações específicas do DSEK/DSAEK são, em sua maioria, decorrentes da técnica
operatória e descolamento do botão doador, como descrito antes. Alterações de interface, di­
ferentemente dos lamelares anteriores, são apenas decorrentes de irregularidade que podem
resultar em baixa visão e necessidade de um retransplante, que pode ser re-DSEK/DSAEK ou
penetrante.

USO DO L A S E R DE FEMTOSSEGUNDO EM TRANSPLANTES DE CÓRNEA

O la se r de femtossegundo
A interação entre a matéria e o laser resulta em uma série de eventos físicos que são usados de
modo controlado em diversas áreas da Medicina, especialmente Oftalmologia. O que ocorre,
de um modo simples, é o aquecimento de moléculas pelo laser com troca de elétrons que avan­
çam, resultando em aquecimento e vaporização das mesmas, formação e expansão de plasma,
formação de cavidades e liberação de ondas de choque. Tudo isso em frações de segundo.
Quando o tecido vaporiza, temos o chamado optical breakdown.
Quando se usa um laser com pulso de longa duração, a energia necessária para efetuar a
quebra do tecido é muito grande, o que acaba por danificar o tecido adjacente, como ocorre
com o YAG laser nas capsulotomias posteriores. Quando se utiliza lasers de pulso ultracurto,
Transplantes Lamelares e o Uso do Laser de Femtossegundo

é possível atingir a vaporização do tecido com pequenas energias, o que minimiza os efeitos
indesejáveis. Atualmente são utilizados em Oftalmologia diversos lasers, sendo os efeitos mais
esperados a fotocoagulação utilizado na retina, fotodisrupção utilizado no YAG lasers e a foto-
ablação utilizada em cirurgia refrativa. Os lasers atuais são em sua maioria lasers de pulsos da
ordem de nanossegundos, ou seja, um pulso dura 10'9 segundos. Os lasers de femtossegundo
trazem um novo conceito ao oftalmologista: a fotodissecção. Isso ocorre, pois os pulsos são
na ordem de 10 15 segundos, ou seja, um milionésimo de um bilionésimo de segundo.
Com pulsos tão rápidos, a energia necessária para a realização da interação /aser-tecido com
formação do optical breakclown é muito menor, o que traz dois benefícios diretos. O primeiro é
a possibilidade da utilização de mais pulsos seguidos, ou seja, utilização de frequências mais
elevadas, tornando os processos mais rápidos. O segundo benefício é a diminuição dos efeitos
colaterais no tecido adjacente. Assim, um laser de femtossegundo pode ser aplicado em alta fre­
quência, ocasionar a vaporização rápida do tecido no local onde ele é aplicado e deixar o tecido
adjacente praticamente intacto, criando, no caso da córnea, um espaço virtual entre as camadas
r
por onde o laser passou. E a denominada femtodissecção ou fotodissecção por laser.
A utilização em Oftalmologia é variada. Feito inicialmente para cirurgia refrativa, foram
rapidamente surgindo novas possibilidades de indicações em cirurgias de glaucoma, correção
de presbiopia, cirurgia de catarata, biópsias corneanas e correção de astigmatismo, entre ou­
tras. As indicações que o tornaram parte do dia a dia do cirurgião de córnea, além da cirurgia
refrativa, foram a formação de túneis para anéis intraestromais e o transplante de córnea.
Cinco tecnologias de laser femtossegundo estão disponíveis atualmente no mercado: o
IntraLase® (Abbott Medicai Optics), o Visumax® (Cari Zeiss Meditec), o Femto LDV® (Ziemer),
o Perfect Vision 20/10® (Technolas) e o Wavelight® (Alcon). Esses lasers de femtossegundo são
distintos em relação à tecnologia e segmentam o mercado com propostas diferentes.

Transplante de córnea com la se r de femtossegundo


O laser de femtossegundo oferece ao cirurgião a possibilidade única de modular a incisão do
transplante a ser realizado conforme sua necessidade e da melhor maneira para o paciente,
além de ter uma incisão feita por laser com mínimo trauma adjacente ao tecido. Isso traz al­
gumas vantagens, como:
Incisões com formato exatamente como planejado.
Tamanho do botão com menor variação e melhor preservação do endotélio pelo menor
trauma.
Cicatrização mais rápida.
Recuperação visual mais rápida.
Maior resistência da incisão pelos desenhos de incisão que cicatrizam melhor.

O desenho das incisões é variável, entretanto três formatos são mais utilizados no dia a
dia. A incisão em sombreiro (top-hat), cogumelo (mushroom) e em zigue-zague.
O top-hat permite que quantidades maiores de endotélio sejam trocados e o transplante
“encaixe” na córnea doada, permitindo uma segurança adicional no transplante. Utilizado es­
pecialmente em doenças nas quais o endotélio é doente.
500 Doenças Externas Oculares e Córnea

H 1 Top hat
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1
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H
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Zigue-zague parcial

O mushroom permite que seja deixada no doador maior quantidade de endotélio, o que
pode ser benéfico quando o endotélio é saudável, como nos ceratocones.
O zigue-zague permite uma incisão que traz maior resistência e melhor cicatrização por ter
r

maior quantidade de tecido em contato. E usada por muitos cirurgiões como incisão padrão.
O zigue-zague parcial é semelhante ao convencional, mas é utilizado na confecção da inci­
são lateral para transplantes lamelares anteriores; o laser constrói a incisão lateral e o cirurgião
continua a dissecção posterior conforme desejar, bib bubble, dissecção manual etc. Permite que
seja realizada uma técnica lamelar com a incisão lateral de melhor qualidade.
Por ter sido idealizado para cortes superficiais na córnea, ou seja, para LASIK, os la­
sers de femtossegundo ainda não são eficientes no corte do estróina posterior, a interface
posterior que permanece em casos de transplantes lamelares anteriores e posteriores se
apresenta ligeiramente rugosa quando o laser de femtossegundo é utilizado para cortar
profundamente. Assim, nos lamelares anteriores, o laser de femtossegundo é utilizado na
realização da incisão lateral; no transplante lamelar posterior, prefere-se o microcerátomo
na confecção do flap profundo, pois a superfície permanece mais suave, não sendo utilizado
o laser de femtossegundo nessa cirurgia. Com a popularização dos lasers de femtossegundo,
os fabricantes estão aprimorando os softwares dos equipamentos, e, em alguns anos, novas
versões devem corrigir esses detalhes.
Por ser um equipamento de custo elevado e a técnica recente, muitos cirurgiões co­
locam essas vantagens em segundo plano e ainda aguardam estudos em longo prazo que
confirmem os benefícios. Mas a cada dia que passa aumenta o número de cirurgiões que
preferem a técnica com o laser de femtossegundo, assim como o número de pacientes que
solicitam a técnica.

FAALK - F e m to s e c o n d A ss is te d A n te rio r L a m e la r K e ra to p la sty


Modalidade de transplante que consiste na troca do estroma superficial da córnea (até 200
jLtm) entre um doador e um receptor sem a necessidade de suturas. Como a interface criada
pelo laser na porção anterior da córnea é de excelente qualidade, essa cirurgia apresenta exce­
lentes resultados e rápida recuperação.
Transplantes Lamelares e o Uso do Loser de Femtossegundo

CONCLUSÃO

Os avanços nas técnicas cirúrgicas vêm revolucionando a cirurgia corneana nos últimos anos,
e os transplantes lamelares, tanto anteriores quanto posteriores, a cada dia vão se tornar mais
frequentes e exigidos pelo pacientes, o que mudará a rotina dos cirurgiões de córnea em todo
o país. O laser de femtossegundo a cada dia vem oferecendo mais opções e vantagens aos ci­
rurgiões de córnea e aos pacientes; com o avanço dos softwares e a diminuição do custo dos
equipamentos, a tendência é a popularização dos procedimentos.
Estamos passando por uma fase de transição na cirurgia de córnea; fazendo uma analogia
com o que ocorreu com a cirurgia de catarata, estamos entrando na facoemulsificação e dei­
xando a extracapsular para trás.

Opacidade anterior

Opacidade anterior-corte com la s e r de femtossegundo

I I
I I

Doador-corte com la s e r d e femtossegundo

I I
I I

Resultado final

BIBLIOGRAFIA

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Anel Intraestromal

ANA LUISA HOFLING-LIMA • MARTA DE FILIPPI SARTORI

DESCRIÇÃO GERAL

Os implantes intraestromais, inicialmente descritos por Barraquer em 1961, eram inseridos na


córnea alterando o centro óptico e tinham como objetivo modificar o seu índice de refração.
Técnicas com essa finalidade logo caíram em desuso. Atualmente, os métodos mais emprega­
dos visam alterar a curvatura da córnea por meio de incisões, subtração de tecido ou adição
de materiais na periferia corneana. Neste último caso, encontram-se os anéis intraestromais.
Os primeiros estudos sobre implantes de anéis intraestromais foram conduzidos por Fle­
ming et al. a partir de 1987. No decorrer dos anos, foram descritos vários desenhos, com
diferentes materiais e resultados de pesquisas de vários autores. Foi no Brasil, em 1991, que
Nosé et al. operaram essa modalidade de implante (fabricado por empresa americana), nos
primeiros olhos humanos, para correção de pequena miopia.
Paralelamente a isto, desenvolveu-se no Brasil, por Ferrara et al. , produzidos por empresa
brasileira de Minas Gerais, a Mediphacos, um implante de desenho diferente ao anteriormente
fabricado nos Estados Unidos, que, por suas características e região corneana implantada,
conseguia grande correção do astigmatismo irregular das ectasias de ocorrência natural (o
ceratocone) e ectasias iatrogênicas (pós-cirurgia refrativa) e astigmatismos irregulares pós-
transplante de córnea ou pós-trauma. A partir de 1996, Ferrara iniciou o implante de anéis
intracorneanos em pacientes com ceratocone e, em 1999, a utilização do anel para correção
de ectasias de córnea pós-excimer laser. Colin et al., em 2000, propuseram o uso de anel intra­
estromal americano (Intacs) na correção de ceratocone. Estudos recentes têm mostrado que
implantes de segmentos assimétricos podem reduzir ainda mais a irregularidade corneana e
melhorar de forma satisfatória a acuidade visual em pacientes com ceratocone.
Os anéis intraestromais apresentam como vantagens preservação da região central da
córnea, manutenção de sua asfericidade e rápida recuperação pós-operatória. A técnica ainda

503
504 Doenças Externas Oculares e Córnea

permite remoção e substituição por anéis de espessuras diferentes, para melhora do resultado
refracional e possibilidade de tratamento com excimer laser para ametropia residual ou após a
remoção do anel.
Existem basicamente dois tipos de anéis para implante intraestromal, ambos fabricados
em polimetilmetacrilato (PMMA):
Os anéis com formato hexagonal, fabricados pela empresa americana Addition Technology
e denominado “Intacs” .
Os anéis brasileiros com formato triangular, denominados “Anel de Ferrara®”, “Keraring”
e Cornealring®, comercializados, respectivamente, pelas empresas brasileiras Ferrara Oph-
thalmics e Mediphacos e Visiontech.

CARACTERÍSTICAS DOS ANÉIS DISPONÍVEIS PARA INSERÇÃO

Intacs Addition Technology, Inc. (Fremont, CA, USA): consiste em um par de segmentos se­
micirculares de PMMA, com um comprimento de arco de 150°, uma base hexagonal e uma
seção longitudinal cônica. Cada segmento tem um diâmetro externo de 8,10 mm e um di­
âmetro interno de 6,77 mm. O efeito refrativo é modulado por sua espessura, que varia de
250 a 450 /jm. Recentemente, um novo desenho do Intacs (Intacs SK, Addition Technology)
foi produzido; tem um diâmetro interno de 6,0 mm e uma seção transversal oval. Há duas
espessuras disponíveis: 400 /jm (para ceratometrias de 57 a 62 D e cilindro <5,0 D) e 450
/jm (para ceratometrias >62 D e cilindro >5,0 D).
Ferrara Ring Segment (Ferrara Ophthalmics, Belo Horizonte, Brasil): esses segmentos são
feitos de PMMA Perspex CQ. Estão disponíveis em dois diâmetros, 6,0 mm para miopia até
-7,0 D e 5,0 mm para alta miopia. Sua espessura varia de 150 a 350 jL/m, com mudança a
cada 50 /L/m. Os diâmetros interno e externo são de 4,4 mm e 5,4 mm, respectivamente,
para 5,0 mm de zona óptica, e de 5,4 mm e 6,4 mm, respectivamente, para 6,0 mm de zona
óptica. Tem uma base triangular com um constante de 600 /jm. Os segmentos têm 90°,
120°, 150°, 160°, 210° ou 240° de arco, com um orifício em cada extremidade
Keraring (Mediphacos, Belo Horizonte, Brasil): são feitos de PMMA Perspex CQ e caracte­
rizados por uma base triangular de 600 /jm. Os diâmetros apicais são de 5,0 mm ou 6,0
mm e com espessura variando de 150 a 350 /jm, com mudança a cada 50 /vm. Possuem
comprimento de arco variável (90°, 120°, 150°, 160°, 210° e 335°) com um orifício em cada
extremidade. Há dois modelos, o SI5 (que utiliza zona óptica de implantação de 5,0 mm) e
o SI6 (que utiliza zona óptica de implantação de 5,5 ou 6,0 mm). Os anéis de arco de 335°
são implantados em bolsão construído com auxílio do laser de fentossegundo em zona óp­
tica de 5 ou 6 mm.

Recentemente tem sido produzido segmentos de anel com espessura variável entre as
duas extremidades, quais sejam 150 e 200 /jm e 200 e 250 /vm tanto para inserção em sentido
horário como em sentido anti-horário.
Corneai Ring (Visiontech, Belo Horizonte, Brasil): são feitos de PMMA e caracterizados por
uma secção transversal fusiforme. Possuem um diâmetro interno de 4,7 mm e a espessura
Anel Intraestromal 505

varia de 150 a 350 ji/m, com mudança a cada 50 yL/m. Têm um comprimento de arco de 155°
(comprimento padrão) e 220° (segmento especial) com um orifício em cada extremidade.

Nomogramas estão disponíveis utilizando esses segmentos com espessuras e comprimen­


tos variáveis e são disponibilizados pelos fabricantes.
Passaremos a descrever as indicações e resultados obtidos com os anéis brasileiros.

INDICAÇÕES E CONTRAINDICAÇÕES

Os anéis intraestromais foram liberados pelo Conselho Federal de Medicina em fevereiro de


2005, para implantes em indivíduos portadores de ceratocone graus III e IV, com ceratometria
máxima de 65 D e que sejam intolerantes às lentes de contato.
Procedimentos diferentes da indicação já descrita devem ser considerados experimentais
e as providencias cabíveis, ajustadas.
Entre as indicações de anel intraestromal, incluem-se:
Portadores de ceratocone ou de degeneração marginal pelúcida, com pelo menos uma das
seguintes características:
• Baixa de acuidade visual corrigida com lente de contato;
E/ou intolerância ao uso da lente de contato;
• E/ou indicação prévia de transplante de cómea;
• E/ou progressão do ceratocone.
Portadores de ectasias corneanas pós-cirurgia refrativa.
Portadores de astigmatismos irregulares pós-transplante penetrante de córnea ou pós-trau-
ma corneano.
Paquimetria ultrassónica ou por aparelhos de não contato, por varredura em fenda (Orbs-
can®, Pentacam®, Galillei® Oculyzer®) > 400 jum no local da incisão ou na zona óptica de 6
mm ou 7 mm.
Não há limite de idade para a realização da cirurgia. O paciente deve ter a idade que per­
mita o entendimento necessário para colaborar na realização da cirurgia e dos exames pré
e pós-operatórios.
Apresentar boa saúde mental e sistêmica.
Entender o procedimento cirúrgico, e suas limitações e possíveis complicações.

CONTRAINDICAÇÕES

Os implantes são contraindicados nas seguintes situações:


a. Atopia ocular grave sem resposta ao tratamento.
b. Ceratometria máxima > 65 D.
c. Portadores de doenças da margem palpebral (meibomite, blefarite), sem resposta ao
tratamento.
506 Doenças Externas Oculares e Córnea

d. Evidências de lagoftalmo ou exposição corneana.


e. Opacidade corneana acentuada: cicatriz de córnea significante no eixo visual, roturas
da membrana de Descemet (hidropsia aguda ou cicatrizada).
f. Doenças corneanas, como erosão recorrente e outras distrofias de córnea.
g. Outras doenças oculares prévias que possam alterar a acuidade visual ou contraindicar
a cirurgia - olho seco, atopia ocular intensa sem controle, catarata, uveíte, iridocicli-
tes, rubeosis iriclis e glaucoma.
h. Alteração sistêmica que possa alterar a cicatrização corneana - diabetes melito, do­
enças autoimunes, doenças metabólicas, doenças do tecido conjuntivo, como lúpus
eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, escleroderma entre outras colagenoses.
i. Catarata congênita, microftalmo, aniridia.
j. Falta de colaboração para efetuar exames e a cirurgia.

MECANISMO DE AÇÃO E NOMOGRAMA

Recente estudo que analisa o perfil topográfico, de elevação anterior com diferenciais pré e
pós-operatórios, em olhos com ceratocone, que se submeteram ao implante de anel intra-
estromal, demonstra as modificações ocorridas na curvatura e na elevação anterior e sugere
mecanismo de ação desses implantes.
Os mapas ceratométricos axiais (sagitais) (Fig. 1) mostram que o efeito de encurvar tende
a acontecer nas zonas centrais mais planas. Por outro lado, maiores aplanamentos tendem a
acontecer nas zonas mais curvas. A Figura 1 mostra mais claramente o aplanamento da zona
óptica central, como se fosse uma ilha central, circundado por uma zona anular, mais curva,
exatamente onde foram implantados os segmentos de anel.

Avaliação topográfica de córnea antes e depois da colocação de


anel intraestromal

F ig . 1 O m a p a d ife re n c ia l c e ra to m é tric o - a xia l (sa g ita l) (e sq u e rd a ) m o stro u q u e o m a io r e fe ito o c o rre u na


z o n a p ré -o p e ra tó ria d e m e n o r e le v a ç ã o (se ta v e rm e lh a ). O m a io r a p la n a m e n to o c o rre u na z o n a m a is c u rv a
p ré -o p e ra tó ria (se ta s ro sa). O m a p a d ife re n c ia l m é d io a n te rio r (e q u iv a le n te e sfé ric o ) d o m e sm o o lh o (d ire ita )
e lim in a o e fe ito do c ilin d ro e m e lh o r d e m o n s tra as a lte ra ç õ e s d e c u rv a tu ra a p ó s a c iru rg ia . O a p la n a m e n to
da z o n a c e n tra l c irc u la r (se ta s a zu is) fo rm a u m a ilh a c e n tra l, c e rc a d a p o r u m a zo n a m a is c u rv a a n u la r (se ta s
la ra n ja ), e x a ta m e n te o n d e se e n c o n tra m os s e g m e n to s de a n e l.
Anel Intraestromal 507

Os achados desse estudo sugerem que o efeito do implante de segmentos intracorneanos,


nos cones excêntricos ou centrais, não seria uma simples redução na curvatura corneana, mas
uma modificação da assimetria pré-operatória da elevação anterior e curvatura anterior, pro­
duzindo um aplanamento desigual da superfície anterior, uma diminuição do poder corneano
central, dentro de uma ilha central circundada por uma área paracentral de aumento do poder
corneano, melhor dizendo, uma ilha central corneana de melhor visão, capaz de focar os raios
centrais, circundada por uma zona anelar que dispersaria raios periféricos pelo efeito prismá­
tico dos segmentos de anel (Fig. 2).

F ig . 2 O p a d rã o d e s c rito p o d e se r c la ra m e n te o b s e rv a d o n o s m a p a s ta n g e n c ia is a n te rio re s (e s q u e rd a ). As
lin h a s b ra n c a s re p re s e n ta m o p e rfil d e ca d a m e rid ia n o , e as lin h a s p re ta s re p re s e n ta m os s e g m e n to s
im p la n ta d o s . U m e fe ito d e o rifíc io e s te n o p e ic o ó p tic o (d ire ita ) seria p ro d u z id o q u a n d o u m a ilh a c e n tra l de
m e lh o r v isã o c o n s e g u is s e fo c a r os raio s c e n tra is e u m a zo n a m a is p e rifé ric a , em fo rm a d e h alo , d is p e rs a ria os
raio s p e rifé ric o s p e lo e fe ito p ris m á tic o d o s s e g m e n to s d e a n e l.

Aprendemos com Barraquer que, toda vez que se adiciona tecido na periferia da córnea, con­
segue-se aplanamento da mesma e, portanto, diminuição da miopia. Essa diminuição é tanto maior
quanto maior é a adição de tecido, em outras palavras, quando se adiciona tecido em uma área
com grande curvatura corneana, produz-se diminuição da curvatura com diminuição da miopia.
Desde os primeiros estudos experimentais para avaliação do efeito do implante de seg­
mentos de anéis na córnea, procura-se estabelecer a relação entre o tamanho dos segmentos
(tanto em espessura quanto em extensão) e o efeito produzido por eles na córnea (diminuição
de curvatura (K) e da refração (D)).
Vários nomogramas foram propostos e continuam sendo avaliados para esse fim.
Alguns conceitos são importantes para acompanhar o raciocínio e conseguir tirar o me­
lhor proveito dos nomogramas existentes.
Ao analisarmos um mapa topográfico axial, devemos conseguir identificar seus elementos
(Fig. 3).
Dos mais de 6.000 pontos avaliados quando um mapa topográfico é constituído, a cerato-
metria simulada central (Sim K) é o valor médio mais curvo e o valor médio mais plano, que o
topógrafo calcula, dos 3 mm centrais da córnea. Em astigmatismos irregulares, como no cera-
tocone, esses valores na maioria das vezes não exprimem a ordem de grandeza da curvatura
corneana. O valor ceratométrico mais interessante então seria a ceratometria máxima ou (Km
Max), que pode ser obtida colocando-se o cursor do topógrafo na área mais vermelha ou, sim­
plesmente, avaliando-se a escala de referência.
508 Doenças Externas Oculares e Córnea

Meridiano vertical

Meridiano horizontal

■ Hemisfério mais curvo Sim K


valores médios
Hemisfério mais plano dos 3 mm centrais

F ig . 3 R e p re s e n ta ç ã o e s q u e m á tic a d o m a p a a xia l to p o g rá fic o e se u s e le m e n to s .

Na maioria das vezes, ceratocones, ectasias pós-cirurgia refrativa ou pós-transplante de


córnea são astigmatismos irregulares e assimétricos. Devemos ser capazes de identificar a
área (quadrante ou hemisfério corneano) mais curva e não somente o eixo mais curvo.
O fluxograma a seguir tem como objetivo auxiliar no entendimento dos nomogramas exis­
tentes para implantes de anéis intraestromais.
Anel Intraestromal 509

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Doenças Externas Oculares e Córnea

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Anel Intraestromal 511

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512 Doenças Externas Oculares e Córnea

La ser de femtossegundo
Com a possibilidade de utilização dos lasers de femtossegundo em cirurgias oftalmológicas, a
indicação dos implantes de anel intraestromal cresceu, pois o procedimento tornou-se muito
mais simples com uma curva de aprendizado da cirurgia bem menor. O túnel é confeccionado
pelo laser de femtossegundo (laser infravermelho ultrarrápido 10 15 de segundo) com um com­
primento de onda de 1.053 nm. O feixe de laser de 3 fjm de diâmetro é opticamente focado na
profundidade estromal predeterminada no equipamento. Esse feixe gera cavidades, microbo-
lhas de dióxido de carbono e vapor de água pelo mecanismo de fotodisrrupção. A intercone-
xão dessas bolhas forma um plano de dissecção. A incisão radial também é confeccionada com
o laser de femtossegundo, sem a necessidade de incisões manuais.
As cirurgias de implante dos segmentos do anel intraestromal são muito rápidas; são rea­
lizadas sob anestesia tópica e, em alguns casos, sob sedação leve.

Técnica m ecânica

Procede-se à marcação do eixo óptico, das zonas ópticas de 5 e 7 mm ou 6 e 8 mm e do eixo da


incisão. A incisão radial propriamente dita, na profundidade programada, é realizada e, a par­
tir desta, inicia-se a confecção de 2 túneis estromais concêntricos, nos sentidos horário e anti-
horário, de aproximadamente 170° cada, com tunelizadores curvos apropriadas (Fig. 4), onde
serão então introduzidos os anéis. Após a inserção do(s) segmento(s) de anéis previamente
escolhido(s), procede-se à colocação de uma lente de contato terapêutica. Não há necessidade
de sutura na maioria dos casos.

E s p á tu la s p ara d iv u lç ã o d as fib ra s e s tro m a is para c o n fe c ç ã o d o s tú n e is c o rn e a n o s (h o rá rio e


a n ti-h o rá rio ).

Técnica com laser de fem tossegundo


O procedimento é centralizado no reflexo corneano da luz do microscópio. Os parâmetros
usados para a criação do túnel e incisão são diâmetros interno e externo, comprimento e
profundidade da incisão. Um anel descartável de sucção é colocado no olho para sua fixação.
Anel Intraestromal 513

A criação do túnel intraestromal é completada em 15 segundos, sem manipulação corneana.


Após, segue-se a colocação do anel.
A Figura 5 ilustra um olho com ceratocone submetido ao implante de anel intraestromal

F ig .5 O lh o h u m a n o co m 2 s e g m e n to s d e a n e l in tra e s tro m a l.

RESULTADOS

A seguir, descreve-se o caso clínico de paciente de 22 anos de idade, portador de ceratocone,


com visão sem correção de 20/400 e usuário de lente gás permeável com visão satisfatória.
Tornou-se gradativamente intolerante às lentes de contato. Submeteu-se a cirurgia de implan­
te de anel intraestromal. A Figura 6 mostra as refrações, acuidade visual corrigida com óculos
e os mapas de elevações, ceratométricos e paquimétricos do Orbscan®, no pré e pós-operató­
rio do referido paciente.

Pré-Operatório Pós-Operatório
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o p e ra tó rio d e im p la n te d e a n e l in tra e s tro m a l.
514 Doenças Externas Oculares e Córnea

Os resultados que serão apresentados fazem parte de uma série de 87 pacientes porta­
dores de ceratocone, tratados com implante corneano de anel intraestromal e acompanhados
nos últimos 4 anos. O Gráfico 1 demonstra os valores de acuidade visual sem correção no pré
e pós-operatório desses pacientes.
Com relação à diminuição dos valores ceratométricos, observamos que a mudança é tanto
maior quanto maiores os valores iniciais, ou seja, nos ceratocones grau IV a diminuição dos
valores ceratométricos é mais acentuada que nos cones graus III e II. A mudança média de
valores ceratométricos do pré para o pós-operatório desses olhos foi de 5,8 dioptrias quando
todos os olhos foram avaliados conjuntamente.

■ Pré

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GRÁFICO A c u id a d e v is u a l n ão c o rrig id a p ré e p ó s-o p e ra tó ria X n ú m e ro d e o lh o s.

Em se tratando de ametropia pré e pós-cirúrgica, observa-se que existe uma diminuição


considerável da refração, porém, na grande maioria dos casos (mais de 90%), há necessidade
de correção residual com óculos ou com lentes de contato. Vale a pena salientar que a refração
residual muitas vezes é incompatível com a acuidade visual sem correção, ou seja, a visão é
melhor do que se julgaria para a refração encontrada, sugerindo o resultado multifocal dessas
córneas.

COMPLICAÇÕES

A curva de aprendizado da técnica cirúrgica mecânica não é pequena. Apesar de simples e


facilmente exequível pelo cirurgião do segmento anterior, vários pequenos detalhes e o acom­
panhamento de algumas cirurgias fazem a diferença em relação à diminuição da incidência de
complicações que acontecem nas primeiras séries de casos.
Entre as complicações, podemos listar:
Intraoperatórias e as pós-operatórias, sendo esta última subdividida em precoce e tardia.
As complicações intraoperatórias incluem:
Anel Intraestromal 515

1. Dificuldade de manter a fixação ocular causada por fotofobia, ansiedade e inquietação


do paciente ou mesmo pelo reflexo de Bell instalado em pacientes cuja sedação cirúr­
gica ultrapassa os níveis superficiais adequados.
2. Descentração iatrogênica da zona óptica ou dos túneis.
3. Microperfuração corneana no momento da incisão ou da tunelização. Caso ocorram
perfurações maiores, o procedimento cirúrgico deve ser abortado.
4. Quebra da extremidade do implante, provavelmente devido a manipulação excessiva
ou colocação de força maior do que a esperada.

As complicações pós-operatórias precoces são aquelas observadas nos primeiros dias pós-
cirurgia e incluem:
Defeito epitelial/ceratite
Incisão aberta e com dificuldade de fechamento
Migração do segmento
Descentração dos segmentos
Fotofobia

A Tabela I demonstra as complicações encontradas em série de 87 pacientes, portadores


de ceratocone graus III e IV e submetidos a implantes de anéis e exprime as complicações
tardias.

C o m p lic a ç õ e s em sé rie d e p a c ie n te s co m c e ra to c o n e tra ta d o s co m im p la n te s d e a n é is


in tra e s tro m a is (S a rto ri et a i, 2 0 0 5 )

C o m p lic a ç ã o N %

A ssim etria 4 4,5

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Infecção 6 6 (50% )

M igração 7 7

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Nessa série, ocorreu infecção em 6% dos casos, número considerado alto para um procedi­
mento cirúrgico eletivo. E 50% deles foram tratados com esquemas terapêuticos de antibióti­
cos fortificados, com retirada do segmento acometido e até injeção intratúnel do antibiótico.
Cinquenta por cento dos casos obtiveram resolução favorável, e dois deles tiveram os segmen­
tos reimplantados.
Os outros 50% submeteram-se ao transplante de córnea penetrante óptico, após melhora
da infecção aguda e cicatrização corneana.
A Tabela II lista algumas séries de casos de implante de anel intraestromal para tratamento
de ceratocone descritos na literatura, o número de casos de infecção de cada série e o número
total de casos complicados.
516 Doenças Externas Oculares e Córnea

TABELA I A rtig o s d e s c rito s na lite ra tu ra in d e x a d a , co m se u s a u to re s , d a ta d e p u b lic a ç ã o , n ú m e ro d e


o lh o s q u e a p re s e n ta ra m e x tru s ã o , co m su a s p o rc e n ta g e n s e p o rc e n ta g e m to ta l d e c o m p lic a ç õ e s .

A u to r et al./d ata Total d e O lh o s In fecção % Total %

M oreira, 2002 24 1 0,92 4

M iranda, 2003 36 3 8,3 14

Kw itko, 2004 37 2 2,7 11

C unha, 2003 104 3 2,8 9

Sartori, 2005 87 6 6 13

A extrusão foi a mais frequente das complicações e pode estar relacionada à implantação
superficial dos segmentos. Existe inflamação de tecido corneano subjacente às extremidades
do segmento, com necrose, consumo importante de tecido, afinamento e risco de perfuração.
Na eminência de perfuração, o segmento deve ser retirado, o tecido cicatrizado e, posterior­
mente, procede-se à avaliação para possível reimplante.
Devemos diferenciar a extrusão dos segmentos com a migração ou deslocamento dos
r
mesmos. E muito comum observar que houve rotação, migração ou deslocamento dos seg­
mentos em direção à incisão nos primeiros dias de pós-operatório. Se a migração for tamanha
que a extremidade do segmento posicione-se na ferida cirúrgica, com possibilidade de abertu­
ra da mesma, deve-se reposicioná-lo para evitar deiscência da incisão, abertura com risco de
infecção e, mesmo, efeito anatômico inadequado.
Os pacientes referem que conseguem perceber, muitas vezes, a sombra dos anéis princi­
palmente em ambientes escuros e em penumbra, porém não se queixam de “halos” ou “glare”
com a frequência que se esperaria pelo fato de serem segmentos implantados em zona óptica
de 5 mm centrais da córnea.
Com a introdução de uma nova modalidade de tratamento, o Crosslinking do Colágeno da
Córnea (CXL), que visa promover ligações covalentes entre as fibras de colágeno da córnea,
por meio da instilação de colírio de vitamina B, a riboflavina, que sendo fotossensível, será
irradiada com luz ultravioleta em um comprimento de onda de 370 nm. A riboflavina fotos­
sensível será excitada produzindo radicais livres de oxigênio que reage com várias moléculas,
induzindo ligações químicas covalentes e pontes entre grupos aminos das fibrilas de colágeno
corneano (reação fotoquímica tipo II).
A riboflavina, vitamina B2 (peso molecular de 376,37 g/mol), é um fotossintetizador não
tóxico, solúvel em água, e penetra facilmente no estroma corneano na ausência de epitélio.
O objetivo é fortalecer a córnea impedindo que haja progressão do ceratocone. Vários
estudos têm sido realizados no sentido de elucidar; associações de técnicas, como o implante
de anel intraestromal, que visa regularizar as córneas irregulares e o CXL, e a discussão sempre
está na possibilidade de associação ou não das duas técnicas.
Se as técnicas devem ser associadas, se concomitantes ou de forma sequencial, se primei­
ro uma, depois a outra, ou em qual sequência ideal, isto ainda não está totalmente estabele­
cido, e mais estudos clínicos não necessários para determinação do melhor caminho a seguir.
Anel Intraestromal 517

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Ceratectomia Fototerapêutica
com Excim er La se r (PTK)

CLAUDIA FRANCESCONI • HAMILTON MOREIRA

O excimer laser pode ser usado em remoção controlada de tecido corneai anormal, especial­
mente no tratamento de irregularidades superficiais e/ou na remoção de opacidades estromais
anteriores.

CERATECTOMIA FOTOTERAPÊUTICA (PTK)

O PTK corresponde à ablação de tecido corneai alterado com o excimer laser para suavizar irre­
gularidades e remover opacidades para melhorar a transparência corneai.
A interação fotoquímica /aser-tecido, chamada de fotodecomposição ablativa, permite re­
moção acurada de tecido. Nessa técnica, a remoção de tecido da superfície corneai pela rotura
e quebra das ligações das moléculas orgânicas não causa alteração óptica.
A profundidade e forma da fotodecomposição ablativa do excimer laser podem ser con­
troladas com acurácia aferida em micra. Comparado com métodos mecânicos, o PTK permite
remoção mais acurada do tecido alterado, proporcionando uma base relativamente suave para
reepitelização com indução de mínima cicatrização.
O uso do excimer laser em cirurgias corneais também reduz o risco envolvido no manuseio
de botões corneais de doadores.

Segurança
A radiação do excimer laser com comprimento de onda de 193 nm é considerada dentro dos
limites de segurança para o uso de luz ultravioleta em cirurgia corneai. Os tecidos adjacentes
sofrem mínima influência e não apresentam alteração térmica aparente. As lamelas do estró­
ina adjacente não mostram evidências de desorganização. Porém, existe evidência de perda
celular endotelial, que pode ser decorrente do choque de ondas; entretanto, se o estroma não

519
Doenças Externas Oculares e Córnea

ablado tiver espessura maior que 40 jum, o endotélio permanece intacto. As únicas células
afetadas pela radiação ou pelo processo de cicatrização são geralmente as expostas à energia
do laser.
A possibilidade de alteração do DNA e efeitos colaterais térmicos no tecido que circunda
o tratamento é tema controverso; a radiação de 193 nm é potencialmente menos mutagênica
do que a radiação de comprimentos de onda maiores.

Precisão
A cicatrização após o PTK se diferencia da cirurgia clássica, pois existe uma visível barreira
entre o tecido envolvido na cicatrização e estruturas celulares adjacentes. O processo de re-
epitelização até a cicatrização completa está associado a um pequeno grau de reorganização
tecidual.
Os cirurgiões de córnea têm no laser um excelente instrumento para a remoção de opaci­
dades estromais anteriores. Pacientes tratados com êxito podem adiar ou evitar procedimen­
tos cirúrgicos mais invasivos, como transplantes corneais penetrantes ou lamelares.

Indicações do PTK
R edução de acuidade visual p o r op acidades no terço a n terior da córnea

O PTK remove opacidades resultantes de traumas cirúrgicos, inflamações corneais, distrofias e


degenerações. Ablações terapêuticas com o excimer laser têm sido usadas com êxito para tratar
leucoma pós-traumático e por infecção; cicatriz herpética, distrofia de Reis-Büclder, granular e
lattice, nódulos corneais e ceratopatia em faixa recorrente.

R edução de acuidade visual p o r p eq u en a s irregularidades da


superfície corn eai

O PTK suaviza irregularidades resultantes de distrofias epiteliais, distrofia de Reis-Bückler, ce­


ratopatia em faixa, degenerações corneais periféricas e de procedimentos cirúrgicos, como a
ceratectomia lamelar.

Ceratite infecciosa superficial resisten te ao tratam ento m edicam entoso

Ablações terapêuticas com excimer laser têm sido usadas com êxito na esterilização de cultu­
ras de microrganismos, ceratite microbiana experimental e em casos de ceratopatia cristalina
infecciosa. Essa indicação não tem sido utilizada com frequência devido ao risco de dissemi­
nação do microrganismo durante o tratamento.

R edução im portante de acuidade visual p o r anorm alidades pós-cirúrgicas


refrativas

Essas anormalidades incluem anisometropia significante, aniseiconia sintomática e erro re-


frativo residual pós-cirurgia refrativa corneal, implante de lente intraocular, ceratoplastia ou
trauma.
Ceratectomia Fototerapêutica com Excim er Laser (PTK)

Em revisão de 271 casos consecutivos atendidos em 17 centros nos EUA, observou-se que
55% dos pacientes tratados com PTK o foram por cicatrizes corneais ou leucomas, 39% por
distrofias corneais e 5% por irregularidades na superfície corneai.

Contraindicações
O PTK é contraindicado em pacientes imunodeprimidos, ou com uveíte incontrolada, blefarite
intensa, lagoftalmo ou olho seco. Um terço da espessura total da córnea deve ser o máximo a
ser removido com o PTK. Não se deve obter no pós-operatório córnea com espessura inferior
a 250 /jm.
O PTK pode induzir a desvio hipermetrópico significante. Assim, pacientes emetropes
ou hipermetropes podem não se qualificar como candidatos ideais ao PTK, ou, pelo menos,
devem ser muito bem orientados quanto à possibilidade de mudança do erro refrativo no pós-
operatório.

Avaliação pré-operatória
A acuidade visual, sem correção e com a melhor correção, deve ser avaliada. O potencial visual
pode ser conferido por meio de buraco estenopeico, lente de contato rígida ou com o me­
didor de potencial visual (PAM). O exame do segmento anterior, com a lâmpada de fenda e a
avaliação do polo posterior, sob midríase, deve ser realizado, assim como medida da pressão
intraocular, ceratometria, topografia computadorizada e a paquimetria ultrassónica. A profun­
didade do tratamento desejado deve ser avaliada com o exame de biomicroscopia ultrassóni­
ca (UBM) ou com a tomografia de coerência óptica de segmento anterior, porque conseguem
medir a profundidade dos tecidos corneais alterados.

Procedimento cirúrgico
O laser é calibrado antes de cada procedimento para garantir um ótimo funcionamento.
O procedimento é realizado sob anestesia tópica com colírio de proparacaína a 0,5%.
Utiliza-se campo cirúrgico de plástico para o isolamento dos cílios. Coloca-se blefarostato. O
paciente deve fixar o olhar em uma luz guia piscante no microscópio cirúrgico.

Remoção epitelial: manual vs. la se r


A decisão de remover o epitélio usando o laser ou manualmente vai depender da regularidade
epitelial e da irregularidade da camada de Bowman. Quando a superfície anterior do estróina é
irregular, o epitélio do local atua como agente “suavizador“ ao ser ablado com o laser. Quando
a superfície anterior do estroma parece ser suave, o epitélio pode ser removido manualmente
com espátula tipo beaver ou crescente reta.

Máscara
Após a remoção do epitélio, um fluido mascarador (modulador de superfície) deve ser aplicado
sobre o estroma para ajudar a regularizar a superfície estromal, para diminuir as áreas de irre­
Doenças Externas Oculares e Córnea

gularidades mais profundas (vales) expondo as áreas mais proeminentes (picos) ao laser. O flui­
do nos vales previne a ablação do tecido abaixo dele, enquanto os picos são ablados. Um flui­
do altamente viscoso não consegue cobrir uniformemente uma superfície irregular, cobrindo
tanto os vales quanto parcialmente os picos. Um fluido com baixa viscosidade tem a tendência
de sair rapidamente, expondo tanto os vales quanto os picos. Kornmehl et al. reportaram bons
resultados usando Tears Naturale II, uma solução de viscosidade moderada e alta absorção ao
laser de 193 nm. Gartry et ai reportaram que o HPMC a \% é um agente mascarador melhor
do que o HPMC a 2 U o álcool polivinílico. Stark et al. utilizaram uma combinação de 1:2 de
metilcelulose a \% e Tears Naturalle II. Além de essa combinação criar uma superfície corneai
regular e suave, também pode reduzir a quantidade de indução hipermetrópica.

Ablação estromal
Durante a ablação estromal, é criada uma zona de transição de 0,5 mm de largura entre a su­
perfície estromal normal e a profundidade de ablação final. A curva, em formato de S, da zona
de transição aumenta gradualmente no topo da ablação, e diminui gradualmente no fundo da
ablação. A zona de transição tem a função de suavizar e uniformizar a reepitelização sobre a
área de ablação. Esse procedimento é conhecido como ablação suave padrão. Stark et al. des­
creveram a técnica de ablação suave modificada, em que o cirurgião, na tentativa de diminuir o
aplanamento central, move o olho do paciente sob o laser de uma maneira circular, tratando de
forma circunferencial uma zona de ablação de 20 jum de profundidade com um spot de 2 mm
de diâmetro. Essa modificação da periferia da ablação cria um padrão de ablação em formato
de anel na periferia do PTK, e o resultado do contorno corneai simula uma lente convexa (po­
sitiva). Uma redução da indução hipermetrópica foi descrita com essa técnica. Posteriormen­
te, essa técnica foi abandonada, pois era impossível predizer a profundidade final da ablação.
Quando opacidades corneais ou irregularidades são associadas a erros refrativos miópicos,
uma combinação de PTK e PRK deve ser considerada. Depois de permitir uma indução hiper­
metrópica de aproximadamente 1,00 D para cada 20 pm de estróina ablado, o erro refrativo
residual pode ser tratado com PRK.

Tratamento e avaliação no período pós-operatório


A medicação pós-operatória tópica inclui antibiótico profilático e anti-inflamatório do tipo
esteroide. Deve-se colocar lente de contato terapêutica. Como o paciente pode apresentar
dor intensa nas primeiras 24 horas, analgésico-sedativo deve ser prescrito para uso, se ne­
cessário. Colírio de acetato de prednisolona a l^ o u de fluormetolona a 0,1% deve ser pres­
crito 4 vezes/dia semana, depois reduzido lentamente até chegar a 1 vez/dia por um mês,
podendo chegar a 3 meses. A reepitelização ocorre em geral em até 1 semana. O paciente
deve ser examinado no primeiro dia de pós-operatório, sequencialmente até a reepiteliza­
ção, para a retirada da lente de contato terapêutica, e após com 1,3, 6, 9 e 12 meses de pós-
operatório. Após a reepitelização, cada visita deve incluir avaliação da sintomatologia, um
exame detalhado do segmento anterior e biomicroscopia, além de medidas da acuidade vi­
sual e de pressão intraocular.
Ceratectomia Fototerapêutica com Excim er Laser (PTK)

0 haze corneai deve ser monitorado durante o exame de biomicroscopia e subjetiva­


mente graduado como: 0= ausente; 0,5= traço; 1,0= leve, não afetando a refração; 1,5 =
afetando ligeiramente a refração; 2,0= moderado, possível realizar a refração, mas com di­
ficuldade; 3,0= opacidade impossibilitando refração, mas permitindo observação da câma­
ra anterior; 4,0 = dificuldade de observação da câmara anterior; 5,0= impossibilidade de
observação da câmara anterior. A córnea é dividida em cinco camadas hipotéticas (epitélios
superficial e profundo, estromas anterior e posterior e endotélio) e cada camada é graduada
separadamente.
Os métodos subjetivos de graduar o haze corneai não são acurados nem reprodutíveis, e
ainda sofrem de variabilidade entre observadores. A graduação subjetiva da transparência cor­
neai após o PTK é usualmente menor do que a pontuação pré-operatória.

Resultados
Resultados pós-operatórios publicados estão resumidos no Quadro 1.
Chamon et ai observaram uma correlação positiva entre ablação do estróina e quantidade
de desvio hipermetrópico. Campos et al. observaram que o desvio hipermetrópico diminuía
entre 6 meses e 1 ano de pós-operatório.
A taxa de êxito do PTK em pacientes com distrofia granular ou lattice recorrentes é muito
alta e similar à das distrofias primárias de Reis-Bückler, nas quais os depósitos estão limitados
à camada de Bowman. Os resultados do PTK em distrofia granular são encorajadores, mesmo
que apresentem depósitos hialinos residuais, provavelmente porque a maior parte do haze
entre os depósitos granulares é ablada (Figs. IA e B).

QUADRO 1 R e su m o d e d o is e s tu d o s re p re s e n ta tiv o s d e P T K

Chamon e t a l. (1993) Campos e t a l. (1993)


Laser VISX 20/20 VISX 20/20

Técnica de ablação Su avização standard Pro fundidade uniform e (ablação


Su avização m odificada no disco)

A cuid ad e visual

M elhor 74% 61%


Não m odificada 16% 28%
Pior 10% 56%

Indução h ip erm etró p ica —


56%

M elhores resultados D istrofias co rn eanas (lattice, D istrofias co rn eanas (lattice, map


(sucesso > 75%) granular, de Reis-Bückler); dot, granular)
D eg en eração Salzm ann

Resultados m oderados (êxito) C icatrizes co rn ean as; m iopia —

(50 a 75% ) induzida por cirurgia

Resultados pobres C eratopatia em faixa; erosão C icatrizes pós-infecção e pós-


(sucesso < 25% ) recorrente não tratada trau m ática; calcificação ; ceratopatia
em faixa
524 Doenças Externas Oculares e Córnea

F ig s . 1 (A e B) A . D istro fia g ra n u la r p ré -o p e ra tó ria . B. N o ve m e se s d e p ó s-o p e ra tó rio d e P T K (40 m m d e


a b la ç ã o e stro m a l tra n s e p ite lia l).

A maior parte dos pacientes com erosão corneai recorrente responde bem ao debridamen-
to epitelial manual, porém casos mais avançados podem ser beneficiados do uso do PTK com
excimer laser para ablar de 5 a 10 pm da camada de Bowman. A profundidade do tratamento
nesses casos é relativamente mínima. Sher et al. reportaram taxa de êxito moderada (33 a 62%)
para o tratamento de cicatrizes corneais superficiais com o PTK. Isto pode ser devido à possi­
bilidade de a cicatriz ser ablada de maneira diferente do estroma adjacente normal e este não
poder beneficiar-se da ablação com o laser (ao contrário das distrofias). Diferenças nas taxas
de ablação de estroma normal e tecido cicatricial de longa data e presença de tecido calcifi­
cado ou cartilaginoso podem levar o PTK ao insucesso ou induzir astigmatismo irregular pós-
operatório. Na maior parte das vezes, se o PTK for realizado em pacientes bem indicados, eles
podem cicatrizar relativamente rápido, com poucas mas controláveis complicações. Alguns
pacientes queixam-se de dor moderada a intensa após a cirurgia, e alguns têm um processo de
cicatrização demorado. Existe uma taxa mínima de presença de haze após o PTK, mas o efei­
to mais indesejável é o aplanamento central da córnea. Outras complicações pós-operatórias
incluem desvio hipermetrópico, erosões recorrentes, perda de células endoteliais, úlceras cor­
neais, defeitos epiteliais persistentes e infecções.
Dor no pós-operatório pode ser intensa durante as primeiras 24 a 48 horas. Após 36 ho­
ras, a dor diminui significantemente e desaparece com a epitelização corneai. O desconforto e
dor podem ser minimizados com o uso de cicloplégicos, compressas frias, analgésicos e lente
de contato terapêutica.
Se ocorrerem complicações ou se o olho não melhorar significantemente após o PTK, o
paciente pode necessitar de tratamento mais invasivo, como o transplante corneai.
O desvio hipermetrópico é o principal efeito colateral do PTK. E pode ser mandatório o
uso de lentes de contato para a reabilitação visual. Gartry et ai postularam quatro mecanismos
potenciais para o desvio hipermetrópico em alguns pacientes: (1) irradiação constante do laser
pode resultar em ablação maior no centro se a anormalidade corneai afilar progressivamente
em direção ao eixo visual; (2) a remoção de porções de lamelas corneais pode levar a uma con­
tração centrífuga e a aplanamento central; (3) o espraiamento centrífugo de produtos da abla­
ção (“fumaça”) pode produzir maior proteção progressiva do estroma em direção à periferia da
zona de ablação; (4) o ângulo oblíquo da radiação incide mais periférico na córnea, o que leva
à diminuição de densidade de energia quando se aproxima da periferia da zona de ablação.
Ceratectomia Fototerapêutica com Excim er Laser (PTK)

0 envolvimento estromal pelos microrganismos que levam às infecções é mais profundo


do que o das lesões observadas clinicamente. Como a profundidade de penetração da radiação
de 193 nm não é maior do que 1 pm, infiltrados no estroma profundo podem limitar a efetivi­
dade do tratamento das ceratites infecciosas com o excimer laser. A reativação de vírus latente
do herpes simples já foi reportada após PTK com excimer laser.

Histopatologia
A remoção precisa do estroma corneai superficial resulta em uma superfície suave, com cicatri-
zação mínima, reformação do complexo da membrana basal e restabelecimento da membrana
basal. Após a cirurgia com o excimer laser, o olho passa por dois estágios rápidos de cicatriza-
ção. O primeiro estágio é o de reepitelização, que em geral ocorre na primeira semana. O se­
gundo estágio é o ancoramento do novo epitélio ao estroma. Os hemidesmossomos e a lâmina
basal se reformam em uma semana.
A cicatrização estromal só vai ocorrer após a formação do novo epitélio corneai. Imedia­
tamente após a cirurgia, uma pseudomembrana se forma. Agindo como barreira protetora, a
pseudomembrana direciona células epiteliais hiperplásicas a migrarem e a preencherem a le­
são, criando uma superfície epitelial suave. A hiperplasia epitelial possibilita que novas células
epiteliais migratórias cubram a lesão, e que isto, junto com o depósito de colágeno estromal
novo, restaure as lesões rasas com o contorno original da superfície corneai. Geralmente, a
hiperplasia acontece nas aparentes irregularidades estromais; quanto mais profunda a lesão,
mais espesso se torna o epitélio para preencher e regularizar a lesão da superfície.
Após a reepitelização, desenvolve-se uma zona hipercelular abaixo do epitélio, e tecido
conjuntivo é sintetizado. Aumenta o número de ceratócitos nas margens das lesões e no estro­
ma anterior, retornando ao normal em algumas semanas. A desorganização tecidual é mínima
e o número de fibroblastos aumenta.
Ceratectomias profundas podem levar mais tempo para cicatrizar, e a sua reformulação
pode ser incompleta. Uma depressão residual pode persistir por 6 meses ou mais.
O tecido cicatricial se torna transparente após vários meses, mas, após a cirurgia, a córnea
pode permanecer com haze. A cicatrização pode contribuir com o haze. Ele pode ser o resulta­
do de depósito de fibras de colágeno novo, as quais refratam a luz que entra no olho. O trata­
mento pós-operatório com esteroides reduz notavelmente a espessura da camada subepitelial
de colágeno e a concentração de haze, retardando assim a cicatrização. O haze geralmente
diminui com o tempo, após a cirurgia.
Quando a ablação é mais próxima que 40 pm da membrana de Descemet, ocorre perda de
células endoteliais. São evidentes a vacuolização endotelial, a redução de densidade e o deslo­
camento de materiais de células endoteliais para a membrana de Descemet. Mesmo quando a
membrana de Descemet não está lesionada, pode ocorrer perda endotelial. A perda de células
endoteliais pode estar relacionada a inúmeros fatores, como fluorescência, alto pulso de ener­
gia, ressonância induzida na parte posterior da córnea, ondas acústicas ou ondas de choque. A
perda de células endoteliais é uma preocupação das aplicações cirúrgicas. Não existem evidên­
cias de perda ou deslocamento de células endoteliais se a ablação permanece 40 pm acima da
membrana de Descemet; entretanto, taxas de repetição maiores do que 40 hz podem causar
lesões irreversíveis à córnea, endotélio e membrana de Descemet.
Doenças Externas Oculares e Córnea

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Ceratoprótese

J O S É Á L V A R O P E R E IR A G O M E S • L Ú C IO D A N T A S
M A R ÍL IA C A V A L C A N T E A R A Ú J O • P A U L O G A L V Ã O N E T O • P A U L O S C H O R

INTRODUÇÃO
Os primeiros estudos do uso de prótese óptica para substituição de tecido corneano opacifi-
cado iniciaram-se no século XVIII e tiveram maior impacto décadas mais tarde, quando Nuss-
baum iniciou experimentos em animais e publicou o primeiro teste em humanos, utilizando
um implante corneano de cristal de quartzo.
Na metade do século XX, paralelamente ao desenvolvimento das lentes intraoculares de
polimetilmetacrilato (PMMA), iniciou-se a confecção das próteses corneanas com esse mate­
rial. O problema que ainda se apresentava era a retenção das próteses, pois existe a tendência
natural dos tecidos de revestimento em expelir corpos estranhos, mesmo aqueles compostos
por material conhecidamente inerte, como o PMMA. Na década de 1960, tentou-se superar
esse problema com o uso de suportes orgânicos, como osso (osteoceratopróteses) ou den­
te (osteo-odontoceratopróteses). No entanto, existem limitações, seja do próprio receptor,
como ausência de dentes unirradiculares ou eventual necrose segmentar, seja inerentes à téc­
nica, pela dificuldade de obtenção e confecção do conjunto óptico-háptico. Algumas dessas
dificuldades também foram observadas com as ceratopróteses que utilizavam fixação mecâ­
nica de periósteo.
Apesar do desenvolvimento da técnica e dos materiais da ceratoprótese, muitas tentativas
clínicas têm tido sucesso limitado devido à complexidade do procedimento, biocompatibili-
dade e complicações intra e pós-operatórias. Simultaneamente, desenvolveram-se novos pro­
cedimentos para reconstrução da superfície ocular, como o transplante de limbo, membrana
amniótica e técnicas lamelares de transplante de córnea, que resolveram parte dos casos de
baixa de visão por opacidade corneana superficial. Por esses motivos, a ceratoprótese ficou
reservada para casos nos quais outras terapias reconstrutivas da superfície ocular não foram
bem-sucedidas ou não puderam ser utilizadas.
528 Doenças Externas Oculares e Córnea

INDICAÇÕES

O implante da ceratoprótese é indicado quando há falência de outros procedimentos para re­


construção da superfície ocular ou em casos de múltiplas falências de transplante penetrante
de córnea. No primeiro caso, os candidatos para ceratoprótese usualmente são pacientes com
história de queimadura ocular grave química ou térmica, penfigoide cicatricial ocular e síndro-
me de Stevens-Johnson (Fig. 1).

F ig .l C ó rn e a v a s c u la riz a d a d e p a c ie n te p o rta d o r d e SSJ.

TIPOS DE CERATOPRÓTESE E TÉCNICA CIRÚRGICA

As ceratopróteses são compostas basicamente por uma porção óptica e uma porção háptica,
que têm como objetivo ancorar a prótese na sua posição definitiva em contato com a córnea
e a esclera (Fig. 2).
A ceratoprótese de Dohlman-Doane é uma das ceratopróteses de PMMA mais utilizadas.
Dois tipos estão disponíveis comercialmente:
1. Tipo I: consiste em um prato duplo que é usado em olhos que têm produção do filme
lacrimal suficiente para manter lubrificada a superfície ocular anterior.
2. Tipo II: desenho similar com um cilindro adicional anterior que se torna saliente atra­
vés das pálpebras permanentemente fechadas, sendo usada para olhos secos em está­
gio terminal (Fig. 3).

F ig u ra e s q u e m á tic a d e c e ra to p ró te s e co m h á p tic a bio-


c o lo n iz á v e l e ó p tic a d e PM M A .
Ceratoprótese

C e ra to p ró te s e s d e D o h lm a n -D o a n e . T ip o I (e s q u e rd a ): u sa d a em o lh o s co m boa lu b rific a ç ã o . T ip o II
(d ire ita ): u sa d a em o lh o s se co s em e s tá g io te rm in a l.

Devido aos problemas de integração entre a porção háptica e a córnea receptora, iniciou-se
a procura por materiais biocompatíveis. Pintucci et al. realizaram estudos utilizando uma ce­
ratoprótese de PMMA com háptica de dácron. Os autores observaram que havia crescimento
de tecido do hospedeiro em direção aos poros existentes na háptica de dácron. Os resultados
favoráveis desses estudos sugeriram que a biocolonização da háptica com células do próprio
hospedeiro poderia melhorar a ancoragem da prótese no olho e reduzir a incidência de com­
plicações. Legeais et ai testaram uma nova geração de próteses compostas por uma óptica de
polidimetilsiloxano (PDMS) recoberto por polivinilpirrolidona (PVP) com háptica de politetra-
fluoretileno (PTFE). A utilização do PDMS, por ser um composto flexível, permitiria a realiza­
ção de medidas estimadas da pressão intraocular através da tonometria de aplanação (Fig. 4).
O mesmo não pode ser realizado nas próteses de PMMA devido à sua consistência sólida. Além
disso, o PTFE é muito resistente e pode ter o tamanho dos poros controlado para facilitar a
colonização celular.
A ceratoprótese de Chirila (AlphaCor™) foi primeiramente estudada por Hicks et a i, na
Austrália. Essa ceratoprótese apresenta um centro óptico e uma háptica porosa anular, ambos
feitos de PHEMA-poli (2-hidroxietilmetacrilato). Algumas limitações foram observadas, tais
como resistência mecânica ideal que predispõe ao rompimento das suturas, possibilidade de
deposição de cálcio dentro do material de PHEMA e a dependência do recobrimento conjun-
tival para manter a integridade da superfície ocular (tipo I). Em decorrência da consistência

C e ra to p ró te s e b io c o lo n iz á v e l tip o II (B io K P sil). P o rção


h á p tic a d e P T F E (P) e p o rçã o ó p tic a d e s ilic o n e (S).
530 Doenças Externas Oculares e Córnea

flexível da prótese, os autores também relataram a possibilidade no futuro de mensuração da


PIO (Figs. 5A e B).
As próteses que temos utilizado com maior frequência são aquelas compostas por uma
parte óptica de PMMA com háptica de dácron, sob forma de feltro, com porosidade suficiente
para que ocorra a biocolonização (Fig. 6). Inicialmente, a prótese é implantada na região da
pálpebra inferior, local onde permanecerá por 3 meses para que ocorra a biocolonização da
parte háptica. Após esse período, remove-se o conjunto e retiram-se do mesmo os excessos de
tecido conjuntivo que colonizaram a porção háptica da prótese. No olho receptor, realizam-se
trepanação central de 4 mm, onde será introduzida a parte óptica; extração do cristalino nos
olhos fácicos, remoção do esfíncter iriano e; eventualmente, vitrectomia anterior. Inserimos a
parte óptica e suturamos a parte háptica na superfície ocular com fio inabsorvível. Recobrimos
todo o conjunto com mucosa bucal. A parte central, sobre a porção óptica, é aberta após 30
dias (Fig. 7).

Figs. 5 (A e B) A. P ró te se d e C h irila (A lp h a C o r). B. P ró te se d e C h irila em o lh o h u m a n o .

Fig. 6 C e ra to p ró te s e b io c o lo n iz á v e l.

Fig. 7 C e ra to p ró te s e a p ó s a e x p o s iç ã o da p o rçã o ó p tic a .


Ceratoprótese

PROGNÓSTICO

A maior parte das ceratopróteses apresenta bom prognóstico nos casos de falência de trans­
plante de córnea. Porém, o prognóstico continua limitado em casos que constam com olho
seco grave, principalmente na SSJ, que apresenta alto índice de endoftalmite (Fig. 8). Nesses
casos, a osteo-odontoceratoprótese ainda parece apresentar os melhores resultados em longo
prazo.

1 )0"i

0,9-

0 , 8-
Falência Tp de córnea
0,7-

(D
■o 0 , 6-
CD

!Õ 0,5- Penfigoide
CD
-Q
O
CL 0,4-
Queimadura
0,3-

0 , 2-

0 , 1- SSJ □ S o b re v id a

0,0 T
0 6 12 18 24 30
S e g u im e n to (m e s e s )

Fig. 8 G rá fic o c o m p a ra n d o s o b re v id a da c e ra to p ró te s e d e D o h lm a n em d ife re n te s in d ic a ç õ e s .

COMPLICAÇÕES

As complicações mais frequentemente relacionadas ao implante da ceratoprótese incluem:


1. Necrose e dissolução do tecido adjacente à ceratoprótese: ocorre pela ação de enzi­
mas proteolíticas, o que pode levar a vazamento, hipotonia, endoftalmites e descola­
mento de retina.
2. Glaucoma: complicação grave, podendo levar rapidamente à cegueira principalmente
pela dificuldade de quantificar a pressão intraocular. Nos pacientes com próteses de
PMMA, deve-se acompanhar o paciente por exames de campos visuais seriados, bem
como pelo aspecto do disco óptico. Nas próteses de segunda geração (dotadas de óp­
tica flexível), faz-se possível a aferição da pressão intraocular pela tonometria de apla-
nação. O advento recente de implantes valvulares para o glaucoma tem contribuído
para o controle desse problema, embora procedimentos ciclodestrutivos possam vir a
ser necessários para atingir um melhor controle pressórico.
Doenças Externas Oculares e Córnea

3. Uveíte pós-operatória: pode levar à formação de membranas inflamatórias, descola­


mento de retina ou edema macular.
4. Formação de membrana atrás da ceratoprótese (retroprotética): ocorre pelo cresci­
mento epitelial (conjuntival) em direção à porção posterior da prótese. Essa membrana
pode ocorrer em associação com inflamação intraocular prolongada ou sangramento
dentro do olho. O uso do YAG laser tem sido efetivo no tratamento de finas membra­
nas; entretanto, membranas espessas constituem um sério problema. Em tais casos,
eventualmente é preciso recorrer a técnicas invasivas como a discisão ou remoção das
membranas com vitreófago, com baixo índice de recidiva.
5. Descolamento de retina (DR): o diagnóstico do DR em ceratopróteses é facilmente
constatado através da oftalmoscopia binocular indireta ou ultrassonografia. A tecno­
logia empregada nas cirurgias vitreorretinianas com o uso de lentes e inversores óp­
ticos não se adequa, entretanto, à presença de ceratopróteses. Nos casos em que se
constatou tal eventualidade, fez-se necessária a remoção da prótese e a utilização de
ceratopróteses temporárias para a execução da cirurgia vitreorretiniana.
6. Expulsão da prótese: de todas as complicações, a expulsão da prótese é a que acarreta
maiores problemas (Fig. 9).

F ig . 9 E x p u ls ã o d e c e ra to p ró te s e p ó s -e n d o fta lm ite .

CONCLUSÕES

Apesar dos recentes avanços tecnológicos, o uso da ceratoprótese ainda apresenta limitações
decorrentes do custo e de dificuldades intra e pós-operatórias. Esperamos que novas gerações
de ceratopróteses, advindas da cooperação dos setores de bioengenharia e oftalmologia, pos­
sam melhorar os resultados desse procedimento para que esses dispositivos sejam utilizados
em maior escala e com mais segurança para recuperar a visão de pacientes portadores de do­
enças graves da superfície ocular.

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o
*< Cirurgia Refrativa
U"
La ser em Cirurgia de Córnea

FABRÍCIO WITZEL DE MEDEIROS • MILTON RUIZ ALVES

E X C IM E R L A S E R

Há mais de 20 anos, o excimer laser é empregado dentro da Oftalmologia. O início data da dé­
cada de 1970 quando foi gerada a primeira emissão de luz por meio da ativação de xenônio
líquido e o aparelho foi utilizado na fabricação de computadores. Após esse passo elementar,
grandes modificações ocorreram no aperfeiçoamento dessas máquinas, quando foi descober­
ta a sua aplicabilidade sobre tecidos biológicos, culminando com a sua introdução dentro da
cirurgia refrativa em 1988, com a realização do primeiro PRK (Photorefractive Keratectomy) nos
Estados Unidos.
O feixe de luz é gerado pela ativação de complexos de gases nobres, e não por um tipo
apenas de gás como no início. Primeiramente, os gases são excitados por meio de uma descar­
ga elétrica, o que altera a configuração atômica, pois os elétrons são retirados de sua posição
natural. Quando os elétrons retornam ao seu posicionamento original, fótons são gerados e a
energia acaba encontrando o mesmo direcionamento e fase (princípio da coerência), gerando
o que chamamos de LASER (Light Amplification by Stimulated Emission ofRacliation).
r
E bem estabelecido que o comprimento de onda de 193 nm, obtido pela combinação ga­
sosa argônio-fluor, é o que apresenta melhor resultado em termos de retirada de tecido cor-
neano com menor lesão tecidual adjacente. A emissão ocorre no espectro da luz ultravioleta e
possui pulsos da ordem de nanossegundos, gerando o mais poderoso feixe de luz nessa classe
de lasers, que é invisível ao olho humano.
Os gases nobres mais empregados na gênese dos pulsos de luz dentro da família dos exci­
mer lasers são: ArF (193 nm), KrF (248 nm) e XeCl (308 nm), os dois últimos com comprimentos
de onda reconhecidamente mutagênicos, constituindo, assim, outro motivo para o emprego
clínico do primeiro.
As duas primeiras gerações de excimer lasers usadas na prática clínica possuíam feixe de
laser amplo (broad beam), gerando um feixe de aproximadamente 6 mm de diâmetro para apli­
538 Doenças Externas Oculares e Córnea

cação com maior intensidade ablativa no centro. Em seguida, surgiu o laser em fenda (scanning
slit) e, posteriormente, o feixe foi redefinido com a introdução do laser com feixe estreito
(narrow/small beam), também conhecido como varredura em ponto (flyingspot) em que diversas
miras com pequeno diâmetro de exposição (aproximadamente de 0,8 a 2 mm) giram alter­
nadamente aplicando os pulsos. Dessa forma, aumentou-se a capacidade do excimer laser de
gerar uma ablação mais precisa e personalizada.
Ablando pequeníssimas áreas da córnea por vez, torna-se possível a criação de superfí­
cies corneais asféricas, com menor ou sem nenhuma degrau entre a zona óptica e a zona de
transição da ablação. Com tratamentos assim, as chances de complicações como ilha central
e espalhamento de luz/glare são evitadas ou diminuídas, uma vez que a alternância dos pulsos
permite uma ablação corneai mais regular, com melhor eficiência dos pulsos subsequentes. Al­
gumas plataformas nos dias de hoje apresentam padrões de ablação com tendência a se man­
ter maior tecido na área de transição para a periferia corneana (tissue saving), mas esse tipo de
abordagem tem mostrado uma maior indução de aberrações de alta ordem no pós-operatório,
todavia sem alteração na sensibilidade ao contraste.
Através da ablação pelo excimer laser, precisas quantidades de tecido corneai são retiradas,
minimamente influenciando térmica ou mecanicamente o leito corneai residual adjacente.
Correções miópicas tendem a alterar o formato corneai normalmente prolado (centro mais
curvo que a periferia) para o oblado (curvatura central mais plana em relação à periferia), o
que inversamente ocorre nas correções hipermetrópicas. O pulso gerado pelo laser provoca
a decomposição fotoablativa com quebra das moléculas do tecido-alvo, e os fragmentos são
expelidos à velocidade supersônica (1.000 a 3.000 m/s) já que a energia liberada por pulso
medida em mj/cm2 (fluência = energia/área) é extremamente alta. A uma fluência de 100 a 250
mj/cm2, normalmente empregada por esses lasers, aproximadamente 0,1 a 0,5 jum de tecido
corneai é removido por pulso.
Esse processo difere da fotocoagulação causada pelo laser de argônio e do processo de
Breakdown gerado pelos lasers sólidos, que serão abordados adiante.
Além da correção de erros refrativos, como miopia, hipermetropia e astigmatismo, os
excimer lasers prestam-se ao tratamento de uma variedade de distrofias corneais, cicatri­
zes superficiais, erosões epiteliais recorrentes, degenerações e irregularidades corneais
por meio da modalidade PTK (Phototherapeutic Keratectomy) em que o laser é utilizado para
suavizar a superfície corneai, tornando-a melhor opticamente e/ou regularizando a super­
fície.
No PTK, geralmente se utilizam ablações com limite de até 100 mjli (incluindo a porção
epitelial, que tem de 40 a 50 mjLi), embora alguns autores admitam ablações mais profundas
Alguns lasers procuram corrigir a indução hipermetrópica do PTK, que é gerada não apenas
pelo consumo de tecido corneai, como também pelo desvio hipermetrópico provocado bio-
mecanicamente pela ablação.

LA SER DE FEMTOSSEGUNDO

O uso dos lasers sólidos em cirurgia do segmento anterior já se consolidou dentro do meio
oftalmológico em decorrência dos benefícios apresentados pelo equipamento.
Loser em Cirurgia de Córnea

0 laser de femtossegundo é baseado na emissão de pulsos de comprimento de onda infra­


vermelho (1.053 nm) com a indução de plasma (conjunto de íons e elétrons em movimento),
além da formação das ondas de cavitação e choque. Possui mira de aproximadamente 3 pm
(menor que a metade do tamanho de uma hemácia) e é capaz de induzir disparos no interior
de tecidos transparentes como a córnea.
O plasma formado expande-se em velocidade supersônica com indução das bolhas de ca­
vitação, que são facilmente observadas após a emissão do laser.
O laser de femtossegundo apresenta vantagens em relação ao tradicional microcerátomo,
como maior reprodutibilidade na criação da lamela pediculada da cirurgia de LASIK (Laser in
Si tu Keratomileusis) e menor índice de complicações (lamelas livres, perfurações, lesões epite-
liais). Enquanto as variações de espessura da lamela pediculada com o microcerátomo podem
atingir 30 mm ou mais, no uso do laser de femtossegundo essa variação gira em torno de 10
mm, o que gera maior segurança, principalmente em casos com espessura corneai limítrofe.
Além disso, lamelas pediculadas com espessura de até 90 mm podem ser confeccionadas, au­
mentando o leito residual e, provavelmente, diminuindo a interferência biomecânica da pro­
dução da lamela pediculada na córnea e eventos como ectasia.
Estudos realizados em animais mostram que parâmetros histopatológicos, como infiltra­
ção celular e nível de apoptose, são comparáveis com os observados quando do emprego do
microcerátomo. Com as novas versões do laser de femtossegundo, há queda na incidência de
ceratite lamelar difusa, que era observada em até 20% dos casos de LASIK com a utilização
da sua versão mais antiga (frequência 15 kHz). Menor indução de astigmatismo, melhor sen­
sibilidade ao contraste e menor indução de aberrações de alta ordem são outros benefícios
associados ao LASIK com a utilização do laser de femtossegundo.
As aplicações do laser de femtossegundo estendem-se além do LASIK. Atualmente, trans­
plantes penetrantes e lamelares de córnea são realizados com a utilização do laser, além do
transplante endotelial profundo, mostrando a grande versatilidade do aparelho. As incisões
são feitas de maneira mais homogênea e regular, eliminando as conhecidas causas de indução
de astigmatismo relacionadas ao uso dos trépanos.
Outros procedimentos, como criação de túneis corneais para colocação de anéis intraes-
tromais ou incisões radiais para correção de erros astigmáticos, estão dentro do foco de uso
desse laser e têm mostrado resultados promissores.
Além disso, embora com resultados ainda preliminares, essa nova tecnologia tem se mostra­
do útil na cirurgia de catarata. Incisões corneais regulares, além da capsulorrexe e fragmentação
do núcleo, podem ser guiadas por imagem de OCT (Optical Coherence Tomography) acoplado. Mes­
mo que em testes iniciais, o laser de femtossegundo acoplado à OCT ainda tem sido capaz de
fragmentar a periferia do cristalino dentro do saco capsular com o objetivo de tentar aumentar
a elasticidade do tecido cristaliniano, induzindo melhora dos sintomas da presbiopia. Dentro do
campo da presbiopia ainda, com o emprego do laser de femtossegundo, é possível a criação de
cortes das lamelas corneanas sem a quebra da camada de Bowman, e isso tem sido utilizado na
alteração da anatomia corneana para tratamento desse distúrbio da refração (INTRACOR).
Embora, no momento, o acesso ao uso do laser de femtossegundo seja limitado pelo alto
custo operacional, não restam dúvidas de que os benefícios associados ao emprego dessa
nova tecnologia a tornarão ferramenta fundamental no campo da cirurgia de segmento ante­
rior moderna.
540 Doenças Externas Oculares e Córnea

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Ceratectomia Fotorrefrativa
com Excim er La ser (PRK)

MARCELO VIEIRA NETTO • JACKSON BARRETO JR. • ANDRÉ TORRICELLI

INTRODUÇÃO

A ceratectomia fotorrefrativa (PRK) consiste na remoção mecânica da camada epitelial cor­


neai, incluindo sua membrana basal, com subsequente fotoablação da camada de Bowman e
porção anterior do estroma corneai. A remoção mecânica da membrana basal epitelial, bem
como a fotoablação da camada de Bowman, resulta na completa exposição do leito estromal
às citoquinas e fatores de crescimento liberados pelas células epiteliais lesionadas, bem como
citocinas presentes no filme lacrimal.
A resposta cicatricial observada após PRK é, de modo geral, um fenômeno intenso, resul­
tando muitas vezes em hiper ou hipocorreção, regressão do efeito refrativo e, principalmente,
opacificação corneai após correção de altas ametropias. A intensidade da resposta cicatricial
pós-PRK tem relação direta com a quantidade de tecido estromal fotoablado. A distribuição
heterogênea dos ceratócitos, com maior concentração no estroma anterior, pode justificar as
diferenças no grau de resposta cicatricial após a correção de diferentes níveis de ametropia.
Eventos celulares são geralmente mais marcantes após PRK, resultando em mais hiperplasia
epitelial e remodelação estromal pós-operatória. Finalmente, quanto maior o erro refrativo
inicial a ser corrigido, maior a imprevisibilidade refracional final, bem como maiores as chan­
ces de complicações.

RESPOSTA CICATRICIAL APÓS PRK

A maior extensão epitelial submetida à lesão cirúrgica leva à maior liberação de fatores pró-in­
flamatórios epiteliais, principalmente IL-1, TNF-a, sistemas ligantes FAS, FMO-2 e 4, FCE, FCP
e TGF. Mediante dano à membrana basal epitelial, fatores de crescimento epitelial disparam a
produção de fibronectina para cobrir a área defeituosa, a qual servirá como uma matriz tem-

541
542 Doenças Externas Oculares e Córnea

porária para a adesão das células epiteliais. Além disso, outras citocinas, integrinas, lamininas
e fibronectinas influenciam no mecanismo de adesão das células epiteliais. Consequentemen­
te, é observada uma intensa ativação celular, com alta taxa de apoptose e necrose de ceratóci-
tos, bem como proliferação de fibroblastos e diferenciação de miofibroblastos.
Além disso, observam-se também alta produção de fibras de colágeno desorganizadas e
outros materiais extracelulares, resultando em diferentes graus de opacidade corneai. A dife­
renciação de fibroblastos em miofibroblastos pode ser bastante significativa após PRK, princi­
palmente após a correção de elevados graus de miopia. Os miofibroblastos representam uma
variação fenotípica dos ceratócitos, caracterizados por alto poder contrátil e menor transpa­
rência, sendo diretamente responsáveis pela opacidade corneai.
A resposta cicatricial pós-PRK é geralmente caracterizada por maior hiperplasia epitelial e
remodelação estromal. A hiperplasia epitelial resulta de uma tentativa de restaurar a confor­
mação original da córnea, bem como de restabelecer a regularidade de sua superfície. A remo­
delação estromal ocorre como uma consequência do tumover de ceratócitos e a consequente
produção e reorganização da matriz extracelular. A formação de hcize corneai é mais comum
após PRK e está diretamente relacionada à quantidade e profundidade de tecido estromal fo-
toablado (Fig. 1). Outros fatores, como regularidade final do leito estromal ablado e tempo de
fechamento do defeito epitelial, podem também repercutir no grau de opacificação corneai.
Na maioria das vezes, o grau de opacificação corneai tende a diminuir com o passar do tem­
po. Geralmente, em um período de 12 meses, observa-se significativa melhora no nível de
opacidade corneai, embora, em muitos casos, não ocorra total desaparecimento da opacida­
de. Acredita-se que muitas dessas células desapareçam por processo de apoptose ou necrose
celular. Entretanto, Maltseva et cil. demonstraram a reversibilidade fenotípica dos ceratócitos,
provando que os miofibroblastos não são uma diferenciação terminal.
Entretanto, a resposta cicatricial pós-PRK depende também de várias características indi­
viduais, incluindo fatores genéticos e diferentes graus de sensibilidade estromal às citocinas
e fatores de crescimento. Além disso, variações técnicas e diferentes quantidades de tecido
ablado e diferentes níveis de irregularidades superficiais repercutirão diretamente na intensi­
dade da resposta pós-operatória.

F ig . 1 A s p e c to d e haze c o rn e a i p ó s-P R K .
Ceratectomia Fotorrefrativa com Excim er Laser (PRK) 543

INDICAÇÕES DE PRK

A técnica de PRK sempre foi considerada uma ótima alternativa para o LASIK, especialmente
em casos de baixa e moderada miopia, acompanhados ou não de baixo astigmatismo. Os re­
sultados obtidos com o PRK nessas situações sempre se mostraram equiparáveis com os resul­
tados obtidos com o LASIK. Entre as principais vantagens do PRK, encontram-se a ausência de
complicações relacionadas à criação da lamela corneai e, principalmente, a maior preservação
das propriedades biomecânicas da córnea, resultando em um provável menor risco de ectasia
corneana iatrogênica. Além disso, existem situações especiais em que o PRK é considerado a
técnica de escolha, tais como:
Córneas finas (sem alterações topográficas), para preservar mais estróina residual.
Córneas curvas e planas (porém regulares e simétricas), pelo risco de complicações relacio­
nadas ao disco corneai.
Alterações tróficas epiteliais (como distrofias ou olho seco moderado).
Atividades profissionais de risco (como serviço militar, esportistas profissionais e pratican­
tes de artes marciais).
Diâmetro pupilar aumentado.
Limitações anatômicas (como órbita muito profunda e fissura palpebral estreita).

CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS NO PÓS-OPERATÓRIO

A técnica de PRK é caracterizada por uma resposta cicatricial exacerbada, envolvendo uma
maior hiperplasia epitelial, maior remodelação estromal e maior risco de formação de mio-
fibroblastos. Clinicamente, tais fenômenos celulares são representados por um acentuado
desconforto pós-operatório, uma recuperação da visão mais lenta e um risco iminente de
opacificação do estroma corneai. Nos primeiros 3 dias, a dor, fotossensibilidade, hiperemia
conjuntival e edema palpebral são frequentemente observados. A partir daí, as queixas do pa­
ciente relacionam-se a uma lenta recuperação da visão, acompanhada por moderada flutuação
refracional que pode durar até 4 semanas. Após o primeiro mês, a maior preocupação envolve
o possível risco de opacificação subepitelial. A somatória de todos esses pontos negativos
faz com que a maioria dos cirurgiões continue optando pelo LASIK como técnica de escolha.
Entretanto, quando bem orientados e medicados, a maioria dos pacientes tende a tolerar tais
inconvenientes em favor de uma maior segurança peri e pós-operatória.

COMPLICAÇÕES E TÉCNICAS ALTERNATIVAS

A cirurgia de PRK é realizada basicamente em duas etapas: a desepitelização corneai e a aplica­


ção do excimer laser. A desepitelização pode ser diretamente realizada com uma lâmina romba
ou pode-se tratar a região central da córnea com solução alcoólica para facilitar a remoção do
epitélio. Após a aplicação do excimer laser, sempre é colocada uma lente de contato terapêu­
tica, a qual deve permanecer até a completa reepitelização corneana. As limitações do PRK,
544 Doenças Externas Oculares e Córnea

como maior desconforto pós-operatório, lenta recuperação visual e, principalmente, maior


risco de opacidades corneais, têm levado a uma constante busca por diferentes técnicas de
superfície ocular, como LASEK, Epi-LASIK e PRK com mitomicina C.
A laser subepitelial keratomileusis (LASEK) é considerada uma modificação da técnica PRK,
em que é criado um retalho epitelial após a aplicação de solução alcoólica. Depois da ablação
do leito estromal, o retalho epitelial é reposicionado.
A técnica de Epi-LASIK consiste na criação de um retalho epitelial de forma automática.
A nova técnica baseia-se no emprego de um microcerátomo modificado (epicerátomo), capaz
de promover a separação epitélio-estromal com mínimo dano à membrana basal epitelial.
Entretanto, tanto o LASEK, quanto o Epi-LASIK resultam também em acentuado desconforto
pós-operatório, bem como lenta recuperação visual e eventual formação de haze corneai. Mais
estudos são necessários para estabelecer as reais vantagens dessas técnicas sobre o tradicio­
nal PRK.
Atualmente, o uso da mitomicina C (MMC), um antimetabólito, tem permitido correções
maiores nas ablações de superfície pelo efeito modulador que ela exerce no estroma cornea-
no. A aplicação da mitomicina C tópica no perioperatório vem sendo empregada com caráter
terapêutico, em caso de haze preexistente, ou profilático, em pacientes com alto risco para
formação de haze pós-operatório. Netto et al. demonstraram, em estudos com coelhos, que
a MMC atua por inibir a mitose de células que têm por função repopular o estroma anterior
da córnea. Dessa forma, a proliferação das células progenitoras em miofibrolastos também é
bloqueada, favorecendo a transparência corneana. A mitomicina é geralmente aplicada na re­
gião central da córnea, após a aplicação do laser, na concentração de 0,02% por um tempo de
exposição que varia de 12 a 60 segundos. Apesar de altamente eficiente na prevenção do haze,
estudos no longo prazo ainda são necessários para atestar sua total segurança.

PRK PERSONALIZADO

Recentes avanços tecnológicos baseados no maior conhecimento óptico trouxeram à tona


a possibilidade de corrigir erros refrativos baseados na análise da frente de onda. O maior
objetivo desse tratamento consiste na correção de aberrações de alta ordem (Higher-Order
Aberrations - HOAs) presentes no olho humano, resultando em uma melhora quantitativa e
qualitativa da visão final. Nagy et al. publicaram os primeiros resultados com PRK personali­
zada em 2002; foram avaliados 150 olhos míopes operados na plataforma WASCA (Meditec,
Jena, Alemanha) para correção de equivalente esférico médio de -4,02 ± 1,04 D. A acuidade
visual não corrigida (AVNC) média foi de 1,04 e 80,7% dos olhos apresentaram AVNC > 20/20.
Quanto ao perfil aberrométrico, dois estudos prospectivos e controlados comparam PRK
personalizada e convencional com diferentes plataformas de excimer laser em um seguimento
de 6 meses. No primeiro estudo, relatou-se menor indução das aberrações de alta ordem nas
ablações personalizadas em relação ao tratamento convencional, sobretudo nos pacientes
que tinham maior RMS de HOAs no período pré-operatório (Mastropasqua et ai, 2004). No
segundo estudo, entretanto, essa diferença não foi significativa, exceto pelo coma, que foi sig-
nificativamente menor no grupo personalizado (Mastropasqua et al., 2006). Uma das possíveis
explicações para os achados seria a diferença nos perfis da ablação convencional em diferentes
Ceratectomia Fotorrefrativa com Excim er Loser (PRK) 545

plataformas. 0 avanço da tecnologia do excimer laser com a presença de flying spots menores
que 1,0 mm, sistemas de rastreamento ocular, compensação da energia na periferia corneana
e controle ciclotorsional contribui para a otimização dos resultados, mesmo com ablações
convencionais. Isto justifica a maior semelhança entre os resultados personalizados e conven­
cionais quando utilizadas plataformas de excimer laser mais recentes e modernas.

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LASEK e Epi-LASIK

RAMON CORAL GHANEM • VINÍCIUS CORAL GHANEM


GUSTAVO VICTOR • MILTON RUIZ ALVES

O PRK (Ceratectomia fotorrefrativa), o LASEK (Ceratectomia Subepitelial Assistida a Laser) e o


Epi-LASIK (Epipolis-LASIK) são variantes da chamada cirurgia refrativa de superfície, em que o
epitélio é removido e o laser aplicado diretamente sobre a camada de Bowman. As três técni­
cas diferem basicamente quanto ao manejo do epitélio.
O PRK consiste na remoção mecânica do epitélio corneai, incluindo sua membrana basal,
com subsequente fotoablação da camada de Bowman e da porção anterior do estroma corne­
ai. A completa exposição do leito estromal às citocinas presentes no filme lacrimal, junto com
fatores de crescimento liberados pelas células epiteliais lesadas, leva a uma resposta cicatricial
intensa, resultando muitas vezes em hiper ou hipocorreção, regressão do efeito refrativo e
opacificação corneai. Por essa razão, há muitos anos tenta-se compreender e modular a cica-
trização corneai nas diferentes técnicas de cirurgia refrativa. Uma boa cicatrização corneai é
fundamental para a manutenção da integridade da córnea e para a recuperação visual, além de
ser fator determinante de eficácia e segurança dos procedimentos cirúrgicos.
O LASEK é uma modificação do PRK, concebida por Azar et al. em 1996 e popularizada por
Camellin em 1998, que consiste na criação de um disco epitelial em formato semelhante ao
do disco estromal do LASIK, que é mantido conectado ao epitélio restante por um pedículo. O
excimer laser é aplicado diretamente sobre a camada de Bowman e, em seguida, o disco epite­
lial é reposicionado e uma lente de contato terapêutica adaptada. O disco teria como função
proteger a superfície tratada do estroma, como se fosse uma lente de contato biológica, ou
seja, prevenindo o influxo de células e mediadores inflamatórios provenientes do filme lacri­
mal para o estroma anterior. Teoricamente, o LASEK ofereceria reabilitação visual mais rápida
do que o PRK, menor incidência de opacificação corneai (haze) e dor no pós-operatório. Entre­
tanto, essas vantagens dependeriam da viabilidade das células epiteliais e de sua membrana
basal, o que não ocorre.

547
548 Doenças Externas Oculares e Córnea

Para a criação do disco epitelial na técnica Butterfly LASEK, utiliza-se um anel de 9,5 mm
preenchido com álcool a 20% que permanece em contato com o epitélio corneai de 30 a 60
segundos. Em seguida, irriga-se a córnea com solução salina balanceada (BSS) e realiza-se, com
esponja de merocel seca, desepitelização em faixa no sentido vertical para afastar o epitélio
em duas abas (Figs. 1A e B). Finalmente, é feita a umidificação da superfície da camada de Bow-
man e, depois, a aplicação do laser. O álcool causa uma clivagem entre as camadas da lâmina
densa e da lâmina lúcida na membrana basal epitelial, sugerindo dano à membrana basal, o
r
que poderia contribuir para encurtar a viabilidade das células epiteliais basais pós-LASEK. E
possível inferir que a permanência de tecido epitelial não viável sobre o leito estromal após a
fotoablação poderia, inclusive, contribuir para um processo mais lento e heterogêneo de ree-
pitelização e de recuperação visual.
Apesar de vários estudos terem comparado as técnicas do PRK e do LASEK, até recente­
mente ainda não havia consenso sobre qual era realmente melhor. Com o LASEK, a AV é dis­
cretamente melhor no primeiro dia de pós-operatório em comparação com PRK; no entanto,
alguns estudos mostram que, após o primeiro dia de pós-operatório, ocorre mais desconfor­
to e a recuperação visual é mais lenta do que a obtida com o PRK. Em 2008, Ghanem et ai
publicaram os resultados de um estudo prospectivo, randomizado, mascarado, contralateral
comparando as técnicas do PRK e do LASEK. Concluiu-se que o LASEK não apresenta benefí­
cios em relação ao PRK em nenhum aspecto pesquisado, especialmente na recuperação visual,
dor pós-operatória e formação de opacificação corneana. Uma metanálise publicada em 2010
comparando as duas técnicas também obteve a mesma conclusão em relação aos resultados
clínicos, porém observou que o LASEK leva a menor formação de opacificação corneai nos
primeiros 3 meses após a cirurgia, o que não ocorre após 6 meses.
Com o objetivo de criar uma lamela epitelial que permanecesse viável e que pudesse se
fixar com êxito no leito estromal após a fotoablação, foi desenvolvido o Epi-LASIK (epipolis em
grego = superficial). Nessa técnica, um microcerátomo modificado (epicerátomo), semelhante
ao utilizado no LASIK, realiza um disco epitelial (Fig. 2A-D). O disco é levantado para aplicação
do laser e, então, cuidadosamente reposicionado com espátula romba e esponja de merocel,
para evitar que se rasgue ou perfure. O epicerátomo utiliza uma lâmina romba, de metal ou
PMMA, que disseca o epitélio corneai, preservando a camada de Bowman. Essa técnica foi des­
crita por Pallikaris et ai em 2003, na tentativa de reunir os benefícios do LASIK e PRK.

F ig s . ( \ e B) D e se p ite liz a ç ã o em fa ixa v e rtic a l. A . A fa sta m e n to do e p ité lio co m e sp o n ja d e m e ro ce l seca B.


LASEK e Epi-LASIK

F ig s . 2 (A -D ) D isco e p ite lia l no E p i-L A S IK . N o ta-se a e s p e s su ra d o d isc o A -B - . C a b e ç a d o e p ic e rá to m o


(Masyk®, L o k ta l, B rasil) D .

A principal vantagem da técnica em relação ao LASEK está na automatização, que leva à


maior previsibilidade na criação do disco epitelial e à diminuição do tempo cirúrgico, evitan­
do variações no grau de hidratação do estroma corneai. Inicialmente, acreditou-se que, por
dispensar a utilização do álcool para a confecção do disco epitelial, a membrana basal deste
se manteria íntegra e haveria menor toxicidade ao estroma. No entanto, Pallikaris et ai eviden­
ciaram a presença de microtraumatismos na membrana basal epitelial após Epi-LASIK, o que
comprometeria a função de barreira das células epiteliais, permitindo o acesso ao estroma de
citocinas inflamatórias. Além disso, podem ocorrer complicações durante a criação do disco
epitelial como discos incompletos, livres ou irregulares, com necessidade de conversão para
PRK. Mais graves são os casos de incursão estromal inadvertida do epicerátomo, que ocorrem
com uma frequência de 0,33 a 3% e podem levar à suspensão da cirurgia. Finalmente, a eficácia
dessa técnica na prevenção da opacificação corneai pós-operatória não foi ainda confirmada.
Vários estudos recentes têm demonstrado que a manutenção do disco epitelial prolonga o
tempo de cicatrização epitelial, atrasa a recuperação visual e aumenta a dor pós-operatória.
Dessa forma, atualmente tanto o LASEK quando o Epi-LASIK são pouco utilizados, enquanto o
PRK permanece como a técnica mais utilizada para ablações de superfície.

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Ceratomileusis com
Excim er La ser in Situ (LASIK)

WALTON NOSÉ • GUSTAVO VICTOR • MILTON RUIZ ALVES

No desenvolvimento da técnica atual, muito contribuíram os trabalhos pioneiros do Dr. José


Barraquer, que foi o idealizador da ceratomileusis miópica, em que um disco corneai de apro­
ximadamente 300 jLtm era congelado, torneado de acordo com o necessário para a correção do
erro refrativo ocular e recolocado e fixado no leito estromal com suturas.
No decorrer dos anos, a ceratomileusis sofreu várias modificações. Pallikaris, em 1990,
descreveu as bases do corrente procedimento, e os primeiros resultados clínicos aparece­
ram em 1994. A ceratomileusis com excimer laser in situ (LASIK), atualmente, reúne na mesma
técnica cirúrgica a precisão e acurácia da fotoablação com o excimer laser e as vantagens
teóricas de um procedimento que, na sua realização, mantém a integridade do complexo
“camada de Bowman-epitélio corneai” . A aceitação do procedimento pelos pacientes tem
sido muito alta devido ao baixo desconforto, rápida recuperação visual e uso de medicações
tópicas por curto período. Entretanto, há algumas limitações para a realização segura do
LASIK com o microcerátomo, como em córneas muito curvas (mais propensas ao buttonhole),
córneas muito planas (mais propensas a discos livres e de pequenos diâmetros) e córneas
muito finas (ao deixar menor leito residual estromal). Em 2000, o FDA aprovou o primeiro
laser de femtossegundo para uso no LASIK: o Intralase de 6 kHz de frequência de disparo.
Daí em diante, houve várias inovações tecnológicas e surgimento de outros concorrentes. As
principais vantagens teóricas propostas da utilização desse tipo de laser na cirurgia refrativa
são: 1) confecção de disco corneano mais fino e com maior precisão e reprodutibilidade; 2)
possibilidade de utilizar o LASIK nas principais limitações do emprego dos microcerátomos
automatizados; e 3) menor taxa de complicações relacionadas à confecção do disco corne­
ano. Alguns relatam a utilização dos lasers de femtossegundo no LASIK em 30 a 50% dos
procedimentos realizados em 2008 nos EUA.

551
Doenças Externas Oculares e Córnea

MICROCERÁTOMOS

O primeiro microcerátomo, desenvolvido por Barraquer em 1958, possuía uma cabeça com
aplanador e lâmina de corte com ângulo de ataque de 0o, que deslizava manualmente ao longo
de um anel sem guia e sem sucção, sustentado por um cabo. Em 1962, agora mais acurado, o
microcerátomo tinha ângulo de corte de 26°, anel de sucção e guias de “rabo-de-andorinha”
entre o anel de sucção e a plataforma. Entre 1980 e 1983, Barraquer, Krumeich e Swinger de­
senvolveram o microcerátomo BKS 1000. Ruiz, entre 1983 e 1986, desenvolveu o microceráto­
mo automatizado, que proporcionou uma velocidade constante de passagem sobre a córnea e
uma espessura mais uniforme da ceratectomia, além de superfícies estromais mais lisas. Esse
microcerátomo percorria um trilho com engrenagens posicionadas na parte superior do anel
de sucção. Estava criado o Automated Corneai Shaper® (ACS), (fabricado pela Hansa of Miami®,
FL, EUA e distribuído pela Chiron Vision Corporation® of Irvine, Califórnia, EUA), que se tornou
o microcerátomo mais utilizado no mundo.
Atualmente o microcerátomo mais empregado em LASIK, no Brasil e no mundo, é o Han-
satome® (Figs. 1A-H).
Atualmente, ainda há a preocupação de construir microcerátomos mais acurados, com
resultados reprodutíveis, seguros, fáceis de usar, baratos, duráveis e com melhor qualidade de
corte. O grande número de microcerátomos disponíveis no mercado ilustra o fato de que o
microcerátomo ideal ainda não foi criado. Os fabricantes de microcerátomos continuam a ofe­
recer versões novas e melhoradas dos equipamentos, visando obter melhores resultados; en­
tretanto, não se sabe se essas mudanças e inovações resultam em melhora clínica significativa.
Há várias implicações clínicas relacionadas ao uso dos microcerátomos. Os microceráto­
mos que tendem a cortar lamelas corneais pediculadas mais finas são mais propensos a pro­
duzir lamelas perfuradas ou buttonholes, lamelas incompletas e lamelas livres. Por outro lado,
lamelas corneais pediculadas mais espessas proporcionam leito estromal residual mais fino,
limitando a quantidade de ablação que pode ser realizada com segurança.
Uma revisão da literatura sugere que a média da espessura real das lamelas corneais pe­
diculadas não corresponde à previsibilidade informada pelos fabricantes de microcerátomos
para seus aparelhos. Lamelas corneais pediculadas podem ser produzidas de maneira a deixar
tanto o estroma posterior da lamela quanto o do leito residual com maior ou menor grau de
regularidade, o que pode influenciar na qualidade da acuidade visual. Do mesmo modo, os
microcerátomos podem deixar maior ou menor número de partículas na interface, danificar
em maior ou menor grau o epitélio corneai, alterar as aberrações ópticas do olho e contribuir,
em maior ou menor intensidade, para a resposta cicatricial corneai (aumentando seu índice de
opacificação), e assim interferir no resultado final pós-operatório.
A qualidade da ceratectomia lamelar feita pelo microcerátomo depende de vários fatores.
Entre os principais, podemos destacar: qualidade da lâmina, angulação da lâmina em relação
à superfície corneai (ângulo de ataque), velocidade e regularidade de corte, nível da pressão
ocular durante o corte, distância entre a lâmina e a plataforma de aplanação, velocidade de
oscilação da lâmina e mecanismo de corte.
As complicações relacionadas ao emprego do microcerátomo em LASIK são objeto de
inúmeros estudos. Existe uma curva de aprendizado em que a incidência de complicações
diminui ao longo do tempo. As complicações mais frequentes em LASIK estão relacionadas
Ceratomileusis com Excim er Laser in Situ (LASIK)

F ig s . 1 (A -H ) M ic ro c e rá to m o H ansatom e® . A . A n e l d e s u c ç ã o co m c re m a lh e ira . B . D e ta lh e d o p in h ã o do
a n e l d e su c ç ã o . C, P e rfil d o n ú c le o da c a b e ç a d o a p a re lh o , lad o d ire ito "R ". D, P la ta fo rm a d e s u p o rte da lâ m in a
co m fix a ç ã o ao n ú c le o da c a b e ç a do a p a re lh o . I. D e ta lh e da e n g re n a g e m c o n ju g a d a no in te rio r d o n ú c le o
da c a b e ç a d o a p a re lh o . F D e ta lh e d o m o to r e x c ê n tric o , q u e se e n c a ix a na c a b e ç a d o a p a re lh o . 3. D e ta lh e do
e n c a ix e da c a b e ç a co m o a n e l d e su c ç ã o , i. L a m e la p e d ic u la d a c o rn e a i se n d o c o n fe c c io n a d a p e lo m ic ro c e ­
rá to m o . N o ta-se o e n c a ix e da c a b e ç a d o a p a re lh o co m o p in h ã o e c re m a lh e ira do a n e l d e su c ç ã o .

ao microcerátomo, e as principais são: lamela incompleta (relatos entre 0,3 e 1,2%), dobras
na lamela, crescimento epitelial na interface (relatos entre 0,92 e 9%), lamela livre, lamela fina
ou irregular (relatos entre 0,3 e 0,75%), lamela com buraco (ou buttonhole, relatos entre 0,2 e
0,56%), deslocamento da lamela (relatos entre 0 e 1,5%), disfunção lacrimal (relatos até 33%),
554 Doenças Externas Oculares e Córnea

partículas na interface, infecções (1:5.000 casos), ceratite lamelar difusa (relatos entre 0e 5^) e
ectasias corneais. A redução da sensibilidade corneai e a síndrome de disfunção lacrimal após
LASIK ocorrem com maior intensidade em olhos em que foram operados com microcerátomos
que produzem lamela corneai com pedículo superior. A inervação corneai provém dos nervos
posteriores corneais longos que penetram na córnea às 3 e 9 horas. Lamelas corneais com
pedículo superior cortam os dois braços do plexo nervoso, e lamelas corneais com pedículo
nasal cortam apenas o braço temporal. A posição do pedículo da lamela corneai pode afetar o
resultado refrativo. Uma média de 0,24 D de astigmatismo induzido a favor da regra foi asso­
ciada a lamelas corneais com pedículo superior.
A ectasia corneai após LASIK é uma complicação rara; entretanto, a quantidade de rela­
tos aumenta a cada ano. Até o final de 2003, havia 26 casos de ectasia, secundários ao LASIK,
descritos na literatura. A espessura mínima segura do leito estromal residual ainda não é co­
nhecida para evitar esse tipo de complicação. Baseado em relatos de casos e considerações
biomecânicas, recomenda-se, no mínimo, 250 jum de espessura estromal posterior residual;
entretanto, alguns autores recomendam 300 pm. Adicionalmente a esse mínimo de leito estro­
mal residual, outros autores indicam que o estroma residual deve ser, no mínimo, maior que
a metade da espessura corneai total pré-operatória. Além de uma espessura corneai mínima
para o leito estromal residual, outros fatores de risco foram relatados para a ocorrência des­
sa complicação, tais como diâmetro da zona óptica de tratamento, ceratocone, degeneração
marginal pelúcida, índice de asfericidade, quantidade de ablação, paquimetria pré-operatória
e pressão ocular pré e pós-operatória.

LA SERS DE FEMTOSSEGUNDO

Todos os quatro lasers de femtossegundo disponíveis comercialmente utilizam pulsos de ener­


gia infravermelhos extremamente curtos para realizar fotodisrupção da córnea.
A Tabela I mostra diferentes tipos de lasers usados em Oftalmologia, seus comprimentos
de onda e respectivos efeitos no tecido.
Um femtossegundo equivale a um milionésimo de 1 nanossegundo ou um bilionésimo de
um milionésimo de 1 segundo, e é representado como 10 15 de 1 segundo. Fazendo analogia,
1 femtossegundo com 1 segundo seria equivalente a 1 segundo para 32 milhões de anos.

TABELA I Lasers u sa d o s em o fta lm o lo g ia

L a se r C o m p rim e n to d e o n d a (nm ) Efeito no te cid o

D ióxido de carbono 10.600 Fototérm ico

Nd:YAG 1.064 Fotodisrupção

Fem to sseg und o 1.053 Fotodisrupção

Criptônio 528-647 C oagulação foto q uím ica

A rgônio 488-514 C oagulação foto q uím ica

Excimer 193 Fotoablação


Ceratomileusis com Excim er Laser in Situ (LASIK)

O tempo em que o tecido é exposto ao laser é tão curto, que praticamente não há aque­
cimento tecidual. Entretanto, há diferenças quanto à quantidade de energia aplicada, à taxa
de repetição dos tiros de laser e ao diâmetro e distribuição dos spots de laser na córnea. Em
recente revisão dos modelos comercialmente disponíveis de lasers de femtossegundo, Lubats-
chowski (2008) classificou-os em dois grupos: grupo de alta energia e baixa frequência de tiro
(IntraLase e Perfect Vision), e grupo de baixa energia e alta frequência de tiro (LDV e Visumax).
Existe relação entre quantidade de energia e frequência de tiros necessários à formação do
disco corneai. Quanto menor a taxa de repetição, maior será a energia necessária em cada dis­
paro. Quanto mais energia em cada disparo, maior formação de bolhas intraestromais e menor a
acurácia do laser, pois a cavidade é maior. A quantidade total de energia utilizada para a confec­
ção da lamela depende também do tempo total necessário para a conclusão da tarefa. As princi­
pais vantagens de utilizar os lasers de femtossegundo são: 1) maior qualidade de corte (precisão,
acurácia e reprodutibilidade), especialmente em cortes profundos, em que os microcerátomos
são menos ainda reprodutíveis e possuem pior qualidade de corte, possibilitando melhor acuida­
de visual; 2) menor influência do cirurgião; 3) recuperação visual mais rápida; 4) maior precisão
na obtenção de tamanhos e formatos adequados de lamelas; 5) possibilidade de confecção de
cortes especiais nas bordas das lamelas; 6) possibilidade de criar duas lamelas doadoras, uma
anterior e outra endotelial, com maior qualidade de corte a partir de uma córnea doadora; 7)
possibilidade de confecção de lamelas mais finas, provavelmente influenciando menos na biome-
cânica corneana. Atualmente é a maneira de obter lamelas corneanas com a melhor qualidade de
corte possível. As desvantagens são o elevado custo e a curva de aprendizado. Como o IntraLase
é o mais antigo dos lasers de femtossegundo no LASIK, há maior quantidade de dados com esse
tipo de laser. Ele começou com frequência de tiro de 6 kHz, depois foi aumentando para 10kHz,
15 kHz, 30kHz, 60 kHz e, ultimamente, está disponível em 150 kHz. Com a introdução do mode­
lo de 60 kHz, a quantidade total de energia aplicada na córnea foi significativamente diminuída,
assim, a taxa de complicações e inflamação foi minimizada. Adicionalmente, com uma menor
energia utilizada em relação aos primeiros modelos, uma maior taxa de repetição proporcionou
maior proximidade e alinhamento entre os spots aplicados à córnea, fazendo com que houvesse
maior qualidade de corte. Melhorias ópticas dos novos modelos do IntraLase associado a essa
evolução ajudaram a diminuir a distância entre as fotodisrupções epiteliais na borda do disco
corneano, diminuindo a inflamação e epitelização da interface; esta também é influenciada pelo
ângulo de corte da borda do disco.
Em geral, os lasers de femtossegundo utilizam menor nível de pressão para criação do dis­
co corneano do que os microcerátomos. Também há maior repetibilidade, precisão e acurácia
que os microcerátomos.
Os principais lasers de femtossegundo disponíveis atualmente são apresentados a seguir.

Intralase F150 (Abbott Medicai Optics) (Fig. 2)


r

Ultima versão do primeiro laser de femtossegundo para utilização na córnea. Aprovado pelo
FDA, CE e ANVISA, é o que realiza corte em maiores angulações nas bordas do disco. Está em
desenvolvimento para realizar alguns passos cirúrgicos na facectomia. Possibilita a observação
do corte e a centralização do tratamento. O vácuo é realizado de maneira manual. Tem 150
kHz de taxa de repetição, com espaço entre eles de aproximadamente 3 pm.
Doenças Externas Oculares e Córnea

F ig . 2 In tra L a s e F 150 (A b b o tt M e d ic a ls O p tic s).

Technolas perfect Vision 520F (Bausch & Lomb and 20/10 Perfect Vision)
Anteriormente chamado de Femtec, mudou de nome quando a 20/10 Perfect Vision se asso­
ciou à Bausch & Lomb em abril de 2009 (Fig. 3). Não necessita de um aplanamento corneano
como outros aparelhos ou microcerátomos, possibilitando o uso de menor energia de sucção
e conforto para o paciente. Essa característica de aplicação do laser na córnea curva permite
melhor arquitetura do túnel estromal para implante de segmentos de anel estromal, porém
influencia negativamente na regularidade da espessura do disco corneano entre o centro e a
periferia. Esse laser de 80 kHz, além de realizar o disco no LASIK, está sendo desenvolvido para
a realização dos seguintes procedimentos: a) realização da remodelagem corneana intraes-
tromal com consequente correção dos erros refracionais, sem a necessidade de realizar disco
(INTRACOR), aprovado no CE; b) realização de alguns passos cirúrgicos na cirurgia da catara­
ta, como: incisão, capsulorehxis, fragmentação do núcleo do cristalino (CUSTOLENS). Não está
aprovado atualmente pelo FDA, nem ANVISA.

T e c h n o la s P e rfe c t V isio n 5 2 0 F (B a u sc h & L o m b an d


2 0 /1 0 P e rfe c t V isio n ).

Visumax (Zeiss) (Fig. 4)


Assim como o Technolas Perfect Vision, não necessita de aplanamento corneai como outros
aparelhos ou microcerátomos, possibilitando o uso de menor energia de sucção e conforto
para o paciente. Essa característica de aplicação do laser na córnea curva permite melhor ar-
Ceratomileusis com Excim er Loser in Situ (LASIK)

Fig.4 V is u m a x (Z e iss).

quitetura do túnel estromal para implante de segmentos de anel estromal, porém influencia
negativamente na regularidade da espessura do disco corneai entre o centro e a periferia. O
modelo mais recente tem 500 kHz de taxa de repetição. Assim como o IntraLase, há a pos­
sibilidade da alteração do ângulo de corte do laser. Além de criar o disco corneai, na Europa
esse laser está sendo utilizado para a cirurgia chamada extração lenticular pelo femtossegundo
(Femtoseconcl lenticule extraction ou FLEx), cirurgia em que há a criação de uma lente estromal
intracorneana e, depois, a criação do disco, para que o cirurgião a remova, corrigindo as ame-
tropias. Esse laser não foi ainda aprovado no FDA e ANVISA. Estudos preliminares do FLEx para
r

miopia na índia mostraram resultados promissores.

LDV (Ziemer) (Fig. 5)


Este laser de femtossegundo, aprovado pelo FDA, CE e ANVISA, é o mais rápido, com taxa de
repetição na casa dos MHz. A alta taxa de repetição, assim como o Visumax, possibilita ao laser
enviar mais spots no tratamento, de maneira sobreposta (overlapping) e ainda utilizar menos
energia para a criação de discos mais regulares e lisos. Tem controle automatizado do vácuo
para o tratamento, assim como utiliza spots menores, melhorando a resolução do tratamento.
Isto reduz a dificuldade de levantar o disco pela não existência de pontes de colágeno não fo-

Fig. 5 LD V (Z ie m e r).
558 Doenças Externas Oculares e Córnea

toabladas ou não separadas. Há mais área corneai recebendo o tratamento. Esse laser é o mais
“portátil” dos descritos. Também está em desenvolvimento a sua utilização em alguns passos
cirúrgicos na cirurgia da catarata e na criação de lentes intraestromais.
Ahn et ai (2011) comparou três tipos de lasers de femtossegundo e um microcerátomo na
confecção de disco corneai, analisando a morfologia, precisão e acurácia. Os autores tiveram
o cuidado de obter quatro grupos homogêneos considerando-se idade, kl e 1<2. O grupo cha­
mado de Femtoseconcl 1 foi realizado com modelo IntraLase de 60 kHz com energia 0,65 mj,
separação entre os spots de 7 pm e ângulo de corte na borda do disco setado em 70°. O grupo
Femtosecond 2 foi realizado com o modelo Visumax de 200 kHz com energia programada de
0,30 mj, e a separação entre os spots foi de 1,5 pm. O grupo chamado Femtoseconcl 3 foi realiza­
do com o modelo LDV de 1 MHz, e sobreposição dos spots em 0,7 mm. Todos os cortes tiveram
a programação de corte de 110 pm. O pedículo foi superior em todos os cortes. O microce­
rátomo utilizado foi o modelo M2 (Moria) com programação de corte de 130 pm. As medidas
horizontal e vertical da espessura do disco corneai em 7 diferentes regiões da córnea foram
realizadas em 2 scans axiais com o OCT RTVue Fourier Domain OCT system (Optvue, Inc.), que
tem resolução de profundidade de 5 pm e 26.000 scans axiais por segundo. O ângulo de corte
também foi aferido nas posições de 0o, 90°, 180° e 270° nos dois scans realizados. As duas me­
didas chamadas Interface referem-se às medidas das bordas do disco corneai. Os resultados da
previsibilidade dos cortes (medida da espessura realizada - medida da espessura programada)
nos quatro grupos nas 7 regiões estudadas estão representados na Figura 6.

Fig.6 P re v is ib ilid a d e d o s c o rte s (m e d id a da e sp e ssu ra re a liz a d a - m e d id a da e s p e s su ra p ro g ra m a d a ) nos


4 g ru p o s n as 7 re g iõ e s e s tu d a d a s . R e p re se n ta a m o rfo lo g ia da e sp e ssu ra d e c o rte d o s d ife re n te s tip o s de
a p a re lh o s e s tu d a d o s . (F o n te : A h n etal. J C a ta ra c t R e fra c t S u rg , 2 0 1 1 ; 3 7 :3 4 9 -5 7 .)
Ceratomileusis com Excim er Laser in Situ (LASIK)

A morfologia de corte nos diferentes tipos de lasers de femtossegundo são influenciados


pelas diferentes características dos aparelhos, entre elas estão a maneira que o aparelho faz o
vácuo e aplana a córnea. Quanto mais íngreme o corte nas bordas do disco, menor a chance
de deslocamento do disco.

Fs 200 (Alcon)
O Fs 200 é o laser de femtossegundo da Alcon® (Fig. 7). Assim como o LDV® e IntraLase®, é
aprovado pela ANVISA e FDA. Esse laser pode confeccionar discos corneais para Lasik, túneis
para implante de anel intraestromal e cortes no eixo z para transplantes penetrantes. Da mes­
ma forma que o IntraLase® e o LDV®, (Tabela II) há a possibilidade de personalizar as bordas do
corte (cogumelo, top hat, zigue-zague). Esse aparelho trabalha com duplo vácuo para o corte.
O primeiro vácuo é dado pelo anel de sucção ao ser posicionado no paciente. O segundo vá­
cuo é dado após a correta aplanação da córnea pela cabeça do laser; que é baixada por meio de
joystick. A composição da Alcon® geralmente o traz com o Allegretto de 500 Hz, que também
pode ser adquirido separadamente.
Esse laser faz corte z em diferentes formatos (top hat, cogumelo, zigue-zague), assim
como o IntraLase® e FS 200®. Em breve, o modelo Z6 Power Plus, equipado com OCT, será
utilizado na facectomia para confeccionar as incisões, capsulorexis e a quebra do crista­
lino.

Fig. 7 Fs 2 0 0 (A lc o n ).
560 Doenças Externas Oculares e Córnea

TABELA I C a ra c te rís tic a s d o s d ife re n te s lasers d e fe m to s s e g u n d o a tu a lm e n te d is p o n ív e is

In tra L a se In tra L a se In tra L a se In tra L a se Fem tec LD V V isu M a x PS 200

Taxa de 15 kHz 30 kHz 60 kHz 150 kHz 80 kHz 208 kHz 200 kHz 300 kHz
repetição

Energia do 1,5-2,5 \i\ 0,8-1,2 jul 0,8-1,2 jllI 0,5-1,3 jul 4,6 jul 10-20 nJ 40-420 0,3-1,5 jul
pulso nJ

Tam anho do 1-1,8 1-1,8 1-1,8 1-1,8 2,3 1 1 3*


disparo (jum)

C o m p rim ento 1053 1053 1053 1053 1053 1045 1048 1053
de onda (nm )

D uração do >500 600-800 600-800 600-800 500-700 200-350 220-580 350


pulso (fs)

Ano 2003 2005 2006 2008 2006 2006 2006 201 f


disponível

*Atualizado pelo autor (dados Alcon® Brasil).

TÉCNICA CIRÚRGICA

O procedimento é realizado sob anestesia tópica com colírio de proparacaína a 0,5%. O uso
de campo cirúrgico de plástico aderente para isolamento dos cílios é útil e evita que os mes­
mos dificultem posteriormente a passagem do microcerátomo. Coloca-se um blefarostato que
permita boa abertura palpebral para facilitar a colocação do anel de sucção. Marca-se a córnea
com linhas assimétricas feitas da pupila ao limbo com tinta de violeta de genciana, o que pos­
sibilita a reposição correta do disco corneai em casos de deslocamento ou de corte completo.
Coloca-se o anel de sucção, controlando-se a pressão ocular. Para que o corte ocorra na espes­
sura desejada, a pressão ocular deve ser maior que 65 mmHg, e por isso deve ser medida com
o tonômetro de aplanação que acompanha o kit do microcerátomo.
O passo crucial da cirurgia corresponde ao momento do corte do disco, já que, nesse mo­
mento, podem ocorrer complicações graves. Se o microcerátomo parar ou perder sucção duran­
te o corte do disco, obtém-se um corte incompleto e, nesse caso, o disco deve ser reposicionado
e nova intervenção programada para cerca de 90 dias. O disco completo permite realizar a fo-
toablação estromal programada; terminada a ablação, deve ser reposicionado, guiando-se pelas
marcas de referência epiteliais. Uma vez realizado o corte do disco, retira-se o anel de sucção, e,
com uma espátula, o disco é reclinado para o lado nasal ou o superior, se o corte tiver sido feito
horizontal ou vertical. Para controlar a centralização da ablação, pede-se ao paciente que mante­
nha o olhar na luz de fixação. O dispositivo eye tracking é ativado nesse momento. O excimer laser
é aplicado no leito estromal, de acordo com a programação prévia, e esse tratamento resultará
r
em diminuição de espessura do leito estromal. E totalmente imprescindível que a espessura
remanescente do leito estromal fique superior a 250 pm; caso contrário, pode-se desencadear
quadros graves de ectasia corneai. Após a fotoablação, a reposição do disco é feita com espátula
e realizada com manobra suave e uniforme para evitar a formação de dobras. Durante essa ma­
nobra, a interface é irrigada com solução salina balanceada para a remoção de qualquer elemen­
Ceratomileusis com Excim er Loser in Situ (LASIK) 561

to estranho. Com esponja, as margens do disco são secadas e o olho é deixado exposto à luz do
microscópio durante 3 a 4 minutos, para que o disco obtenha suficiente adesão pela desidrata­
ção. Em seguida, retira-se o blefarostato e observa-se se o movimento palpebral do piscar não
desloca o disco. Ao final, utiliza-se uma concha de plástico para a proteção do olho e prescreve-
se o uso tópico de antibiótico e corticosteroide por 1 semana. A realização desse procedimento
com segurança exige treinamento do cirurgião, o que pode ser conseguido realizando-se cortes
de disco em cirurgia experimental, empregando-se, para tal, olho de porco.
Uma seleção criteriosa dos candidatos deve ser feita no exame oftálmico pré-operatório.
r
E importante que os candidatos sejam informados dos riscos potenciais e que suas motivações
e expectativas sejam discutidas. Geralmente são selecionadas pessoas com idades superiores
a 18 anos e com, pelo menos, 2 anos de estabilidade refracional.
No uso dos lasers de femtossegundo, a técnica cirúrgica é alterada de acordo com o mo­
delo utilizado (há modelos em que o paciente precisa ser deslocado de uma maca, onde é
confeccionado o flap, para outra, onde será aplicado o excimer) ou pela curva de aprendizado
no manuseio do aparelho. Em geral, o disco corneano é mais liso que nos microcerátomos au­
tomatizados. No modelo IntraLase, em que há mais dados na literatura, a formação de pontes
na interface é relatada, necessitando uma maior cuidado no levantamento do disco.
Em caso de uso do laser de femtossegundo para a confecção da lamela corneai, as seguin­
tes observações são necessárias:
Primeiro, programa-se no aparelho a espessura e formato desejado da lamela. Geralmen­
te, é necessário ativar o laser passando um código de barra que acompanha a embalagem das
partes descartáveis, comumente relacionadas ao vácuo imposto ao olho a ser operado. Após
a montagem do kit descartável e anestesia tópica dos olhos, posiciona-se ou o anel de vácuo,
em alguns aparelhos, ou a cabeça do aparelho, em outros modelos em que já vem acoplada
ao módulo de vácuo para apreensão do olho. Em alguns aparelhos, o nível de vácuo é produ­
zido e monitorado de maneira digital e objetiva na tela do aparelho, após o acionamento do
vácuo, ou de maneira manual e não objetiva em outros tipos de lasers. Após o nível de vácuo
ser atingindo, há a liberação para a aplicação do laser quando o cirurgião desejar nos modelos
em que o módulo de vácuo já é acoplado à cabeça do laser (a aplanação da córnea se deu na
hora do posicionamento da cabeça no olho), ou baixa-se, por meio de um joystick, a cabeça do
laser, que fará a aplanação da córnea e aplicação do laser. Há tipos de laser de femtossegundo
em que a aplanação da córnea é mínima e imperceptível. Antes da aplicação do laser, deve-se
checar rapidamente a centralização do tratamento, que em geral é feito na tela do aparelho,
podendo modificá-la. Após o término da aplicação do laser, o vácuo é liberado automaticamen­
te, ou manualmente, nos modelos em que o vácuo se dá com ajuda manual. Assim, levanta-se
a lamela para a aplicacão do excimer.
Atualmente, a tendência, baseada nos limites aprovados, tem sido indicar o LASIK no tra­
tamento de miopias até -10,00 D, astigmatismos até 6,00 D e hipermetropias até +6,00 D.

MIOPIA

Assim como nos outros procedimentos refrativos, a acurácia e precisão do LASIK dependem
r
do grau de miopia tratada. E maior nas miopias baixas e moderadas. Um estudo mostrou que
562 Doenças Externas Oculares e Córnea

98% dos olhos com equivalente esférico (EE) de -3,61 D, seguidos por 12 meses após o LASIK,
encontravam-se com ±1,00 D do alvo e 93% obtiveram AVsc de 20/40, ou melhor. Outro estu­
do mostrou que 63% dos olhos portadores de alta miopia com ou sem astigmatismo (miopia >
-6,00 D e astigmatismo entre 0 e -4,50 D) após 1 mês do LASIK encontravam-se com ± 1,00 D
de EE da emetropia e que 71% obtiveram AVsc de 20/40 ou melhor. Dados preliminares obtidos
de tratamento personalizado mostraram-se muito satisfatórios, com alto grau de eficiência e
segurança. Mais de 90% dos olhos conseguiram AVsc de 20/20 e 71% AVsc de 20/16. Ressalta-
se que, para 47% dos pacientes, a AVsc pós-operatória foi melhor que a AVcc pré-operatória.

HIPERMETROPIA

Foi bem demonstrado que níveis baixos e moderados de hipermetropia, astigmatismo hiper-
metrópico simples e astigmatismo hipermetrópico composto são corrigidos com eficácia e
segurança pelo LASIK.
A ablação para correção de hipermetropia leva ao encurvamento da córnea central, tornan­
do a superfície anterior central mais prolada. Essas mudanças na curvatura corneai relacionadas
com o LASIK para hipermetropia (H-LASIK) associam-se com regressão da correção via hiperpla-
sia epitelial e/ou remodelamento estromal. A utilização de zonas de ablação maiores está asso­
ciada a menor regressão e maior estabilidade do efeito refrativo. Pacientes com olho seco devem
ser alertados sobre a possibilidade de desenvolverem epiteliopatia neurotrófíca induzida pelo
LASIK (LINE), causada pelo corte dos nervos corneais e pelo encurvamento corneai.
O H-LASIK é mais efetivo no tratamento de EE de hipermetropia entre +1,00 D e +6,00
D, com ou sem astigmatismo. Um estudo mostrou que hipermetropia primária (EE de +1,73 ±
0,70 D) obteve 1 ano após o LASIK o EE de -0,18 ± 1,08 D. Outro estudo em que a hiperme­
tropia foi classificada como baixa (+1,00 D a +2,00 D), moderada (+2,01 D a +3,00 D) e alta
(acima de +3,01 D) mostrou, 1 ano após o LASIK, que 94% dos pacientes com hipermetropia
alta apresentavam refração com ±1 D da emetropia. Outro estudo mostrou boa previsibili­
dade na redução do EE com H-LASIK para tratamento de hipermetropia secundária após RK.
Nesse estudo, 88% dos olhos estavam ±1 D da emetropia, 95% obtiveram AVsc de 20/40, ou
melhor. Estudos com seguimento maior são necessários para confirmar a estabilidade refrativa
nesses olhos.
Os resultados preliminares com o tratamento personalizado não se mostraram vantajosos
em relação ao tratamento-padrão em todos os grupos avaliados.

ASTIGMATISMO

E consenso que preservar tecido corneai é fundamental para a manutenção da arquitetura da


córnea. Para o tratamento do componente cilíndrico miópico, o laser aplana o meridiano mais
curvo, alterando a periferia e o centro da córnea. A correção do componente cilíndrico hiper­
metrópico, além de consumir menos tecido, remove estróina corneai periférico do meridiano
mais plano, interferindo pouco com o centro da córnea, sendo hoje a melhor opção. Para o
tratamento do astigmatismo misto, existem três opções: 1) tratamento do astigmatismo como
Ceratomileusis com Excim er Laser in Situ (LASIK) 563

componente cilíndrico negativo (+ 3,00 DE: -4,00 DC 180°); 2) tratamento do astigmatismo


como componente cilíndrico positivo (-1,00 DE; +4,00 DC 90°); e 3) tratamento do erro re-
frativo em duas etapas, primeiro o tratamento do componente cilíndrico negativo (-1,00 DC
180°) e, depois, o tratamento do componente cilíndrico positivo (+ 3,00 DC 90°). A composi­
ção de um tratamento utilizando-se ablação com cilindros negativo e positivo é a que conso­
me menos tecido corneai, minimizando o efeito no centro desta. Os lasers atuais são equipa­
dos com programas que oferecem as três possibilidades de tratamento.
Os resultados da literatura mostraram que o LASIK é seguro e previsível na correção de
astigmatismos baixos e moderados (< 2,00 DC). Um estudo multicêntrico, prospectivo, mos­
trou resultados similares entre pacientes tratados para miopia e entre aqueles tratados para
astigmatismo miópico (<-5,00 DC). Outro estudo mostrou que mais de 92% dos pacientes por­
tadores de miopia ou hipermetropia baixa com astigmatismo hipermetrópico e/ou misto entre
0,50 DC e 6,00 DC, 1 ano após o LASIK, apresentavam erro refrativo com ±1 D da emetropia
e que 95% obtiveram AVsc > 20/40.

LASIK EM CASOS COMPLEXOS

LASIK após RK
Muitos estudos têm mostrado que o LASIK é seguro e efetivo no tratamento tanto de miopia
r
residual quanto de hipermetropia induzida pela RK. E necessário haver estabilização do erro re­
frativo, suspensão do uso de LC por no mínimo 4 a 6 semanas e cuidadosa revisão das incisões
da RK, uma vez que a presença de cistos de inclusão epitelial aumenta o risco de epitelização
da interface, e esses pacientes devem ser evitados. Recomenda-se o uso de plataforma de 180
j L t m para confeccionar o disco (se a espessura corneai permitir), manipulação cuidadosa do disco

para não abrir as incisões e seguimento frequente do paciente no pós-operatório pelo maior
•\

risco de complicações, como o crescimento epitelial na interface disco-estroma. As vezes ocorre


pequena perfuração corneai com Seidel leve que não impede o término da cirurgia, e uma lente
de contato terapêutica deve ser colocada ao término do procedimento. Os casos com incisões
abertas frequentemente apresentam distorção e irregularidade corneais importantes, sendo
muitas vezes necessárias a limpeza e, sutura dessas incisões primeiramente, e, havendo cicatri-
zação e melhora da irregularidade corneai, é possível, em muitos casos, realizar o tratamento a
laser. Atualmente, dá-se preferência ao PRK nos casos de excimer laser após RK.

LASIK após PRK


A correção de grandes erros refrativos (maiores que -6,00 D) com o PRK tem sido limitada pela
ocorrência de regressão e desenvolvimento de haze. O retratamento de hipocorreção pós-PRK
com novo PRK deve ser evitado pelo risco de nova hipocorreção, aumento do haze e perda de AV.
O LASIK mostrou-se seguro, eficaz e previsível no tratamento de hipocorreção pós-PRK
em olhos sem ou com discreto haze. Alguns cirurgiões sugerem que se deva utilizar corticoide
tópico por tempo prolongado no pós-operatório desses olhos, da mesma forma que se faz
após o PRK primário.
564 Doenças Externas Oculares e Córnea

LASIK após transplante de córnea


Os erros refrativos presentes em olhos de indivíduos submetidos a transplante penetrante de
córnea (TPC) são geralmente responsabilizados pela diminuição de AV a despeito da transpa­
rência corneai. A média de astigmatismo verificado nos olhos submetidos a TPC para tratar
ceratocone tem variado entre 2,00 D e 6,00 D, sendo em 15% dos casos maior que 5,00 D. O
objetivo do LASIK é reduzir o erro refrativo para permitir a sua correção com óculos. Muitos
estudos têm apontado vantagens do LASIK em relação às outras técnicas no controle dos erros
refrativos após TPC. A sua realização deve ocorrer somente após 12 meses da cirurgia para
reduzir o risco de deiscência durante a confecção do disco. Todas as suturas devem ter sido
previamente removidas. O LASIK é mais efetivo no tratamento da miopia que do astigmatismo
pós-TPC. Um estudo mostrou que o EE pré-operatório de -7,58 ± 4,42 D foi reduzido para
-1,57 ± 1,20 D 12 meses após o LASIK. Nesse mesmo período, o componente cilíndrico médio
foi reduzido de 3,64 ± 1,72 DC para 1,04 ± 1,05 DC. A AVcc permaneceu a mesma, melhorou
em 21 de 23 olhos e diminuiu nos outros 2 olhos (uma linha em um e três linhas no outro).
Os resultados refrativos são menos previsíveis do que os obtidos nos olhos sem cirurgia
prévia. A indicação nesse caso tem por objetivo reduzir a anisometropia e a ametropia para
valores que permitam a correção com óculos ou LC.

ARS (a ju sta b le re fra ctiv e su rg e ry ) e bióptica


A técnica da bióptica foi popularizada pelo Dr. Roberto Zaldivar para a correção de erros re­
frativos grandes. Ela resulta da combinação de implante de lente intraocular fácica de câmara
posterior com cirurgia corneai. Idealmente, com o implante de LIO, programa-se um grau re­
sidual miópico leve. Essa hipocorreção é corrigida com a realização de PRK ou LASIK. O disco
corneai do LASIK pode ser confeccionado ao mesmo tempo em que se realiza o implante da
LIO, ou pode preceder em algumas semanas a aplicação do excimer laser. A bióptica é espe­
cialmente útil nos altos míopes, situação em que os cálculos do poder da LIO são menos acu­
rados e que a realização de cirurgia apenas na córnea aumenta o risco de aberrações, perda
de sensibilidade ao contraste, ocorrência de glare e halos, além de outras complicações. Os
resultados preliminares com essa técnica têm sido animadores. O termo ARS é mais utilizado
para a associação de um implante fácico de câmara anterior com uma das técnicas que utili­
zam o excimer laser.

LASIK pós-faco
Alguns estudos têm mostrado a eficácia e segurança do LASIK na correção de erro refrativo
r
residual após a facectomia. E prudente esperar ao menos 3 meses da facectomia para esse
tipo de correção.

COMPLICAÇÕES

Embora o paciente sinta algum desconforto durante o procedimento, causado principalmente


pela colocação do anel de sucção e pelo vácuo, com elevação da pressão ocular, o pós-operató­
Ceratomileusis com Excim er Laser in Situ (LASIK) 565

rio de LASIK geralmente transcorre de forma bastante confortável. Em uma evolução normal,
apenas algum lacrimejamento, sensação de corpo estranho e sensibilidade à luz ocorrem. Es­
ses são pequenos problemas que se resolvem rapidamente.
Qualquer dor mais intensa, que persista apesar do uso de analgésico comum, como dipi-
rona ou acetaminofeno, requer exame à lâmpada de fenda. A ocorrência de dor geralmente
está relacionada com erosão do epitélio, defeito ou deslocamento do disco ou, ainda, posição
defeituosa. Esses problemas são mais comuns nas reoperações. As complicações mais comuns
no pós-operatório de LASIK são as seguintes:
Erosão do epitélio: Nos casos em que ocorre erosão do epitélio, deve ser feita a reposição
ou a retirada da parte lesionada e colocada lente de contato gelatinosa terapêutica, que per­
manecerá no olho durante 24 a 48 horas, até que ocorra a reepitelização. Devido ao aumento
do risco de infecção, deve ser feito o uso tópico de antibióticos.
Deslocamento do disco: O deslocamento ocorre mais comumente nas primeiras 24 horas
de pós-operatório, antes do crescimento do epitélio sobre o local do corte da lamela. Exis­
tem várias causas potenciais. Uma das mais comuns é o tempo de espera insuficiente para a
aderência do disco. O tempo recomendado varia de 1 a 5 minutos. Aguardar 2 a 3 minutos
tem sido uma conduta que reduz consideravelmente a possibilidade de deslocamento. Seria
conveniente manter o centro da córnea úmido e a periferia seca para facilitar a aderência e
ainda fazer o teste da estria antes de retirar o blefarostato. Outras causas são as utilizações de
curativo após a cirurgia, comprimindo e causando distorção do disco, o ato de coçar o olho, o
toque da pálpebra superior contra a borda do disco, quando o corte é horizontal, exoftalmo,
lagoftalmo, piscar incompleto, disfunção do filme lacrimal, irrigação excessiva da interface,
hidratação do estróina e aderência ruim do disco. Mesmo com boa aderência, se a superfície
seca, a fricção da pálpebra contra o disco pode provocar o seu deslocamento. O uso de lente
de contato terapêutica durante as primeiras 24 horas, evitando o toque direto da pálpebra
contra a borda do disco, pode ser útil na prevenção dessa complicação, assim como a apli­
cação de colírios umidificantes e câmara úmida, mantendo a superfície corneai umidificada,
diminuindo o atrito da pálpebra contra a córnea.
Em caso de deslocamento, a reposição do disco deve ser feita o mais rapidamente pos­
sível, evitando a formação de estrias. Quando não se consegue a aderência satisfatória, pode
ser necessário suturar o disco.
Perda do disco: Essa é uma complicação rara na atualidade, porém ainda pode ocorrer
quando se obtém um disco livre durante a cirurgia. Uma falha mecânica do microcerátomo,
uma córnea grande e plana, com ceratometria abaixo de 41,00 D e perda da sucção durante a
passagem do microcerátomo podem causar a ocorrência de disco livre. A rotura do pedículo
pelo paciente, ao coçar o olho, também pode ser uma causa. Um astigmatismo irregular inten­
so ou uma mudança imprevisível na refração podem ocorrer.
Descentralização do disco: A movimentação do olho antes de atingir o nível de vácuo ne­
cessário à apreensão pode ser uma causa desse tipo de complicação. Outra causa importante é
a descentração do anel de vácuo. No caso de uso do laser de femtossegundo, a não observação
do olho do paciente, durante posicionamento do aparelho e/ou no momento de aplicação do
laser, também é causa desse tipo de descentração.
Corpo estranho na interface: Material estranho, como fragmentos de metal, fiapos, partí­
culas de lipídios, muco e talco, pode estar presente na interface. Geralmente, esses materiais
566 Doenças Externas Oculares e Córnea

não causam problemas; entretanto, quando provocam irregularidade, reação inflamatória ou


pequenas áreas de necrose, podem causar perda da melhor acuidade visual corrigida. Entre as
possíveis causas estão a falta de irrigação adequada da interface, irrigação excessiva, aumentan­
do o contato com objetos de metal, a colocação de material cirúrgico sobre tecido e a utilização
de luvas com talco. Os fragmentos de metal são oriundos do microcerátomo ou do instrumental
cirúrgico. Quando há risco de comprometimento da visão, o paciente deve ser levado novamen­
te para a sala de cirurgia, o disco deve ser levantado e removido o corpo estranho. A prevenção
dessa complicação deve ser feita por meio de irrigação adequada e de exame minucioso da in­
terface, durante a cirurgia e ainda à lâmpada de fenda, logo após o ato cirúrgico, uma vez que a
qualidade óptica do biomicroscópio é superior à do microscópio cirúrgico.
Dobras e estrias: Lamelas finas, procedimentos demorados causando desidratação, fo-
toablação em altas ametropias, formando uma concavidade central e deslocamento do disco
estão entre as causas mais comuns de dobras e estrias (Fig. 8).
Dependendo de sua intensidade e localização, elas podem causar diminuição da acuida­
de visual e indução de astigmatismo irregular. São mais bem observadas à lâmpada de fenda,
com a técnica de iluminação em reflexo vermelho ou com fluoresceína. Quando poucas ou
localizadas fora da área pupilar, não requerem tratamento. As estrias, com o disco em posição
normal ou deslocado, são tratadas da mesma forma. Todo epitélio frouxo deve ser removido
com esponja de merocel ou espátula, assim como aquele junto à borda do disco, de modo
a permitir uma boa visualização da reposição e evitar o seu deslocamento para a interface.
Após essa manobra, o disco é levantado, hidratado e reposicionado. A hidratação deve ser
feita com solução salina hipotônica (0,45%) ou água destilada. Esponjas de merocel podem ser
usadas para estender o disco, após ele começar a ficar aderido ao leito estromal. Sutura pode
ser necessária. Lente de contato terapêutica deve ser utilizada durante cerca de 48 horas. A
prevenção dessa complicação pode ser feita evitando-se a reutilização de lâminas do micro­
cerátomo, que produzem lamelas finas, a desidratação do disco e o movimento dos olhos,
durante o período de espera para aderência do disco. O tempo de espera deve ser adequado
e o paciente deve ser examinado à lâmpada de fenda, logo após a cirurgia, para o diagnóstico
precoce, facilitando o tratamento.
Olho seco: Alterações da função lacrimal são comuns após LASIK, sendo reportadas por
até 33% dos pacientes, em alguns estudos. Nos primeiros dias, há aumento do lacrimejamento
reflexo e redução do tempo de rotura do filme lacrimal, que usualmente se normaliza após o
Ceratomileusis com Excim er Laser in Situ (LASIK) 567

primeiro mês. Portanto, é possível ocorrer sensação de olho seco já nos primeiros dias de pós-
operatório, embora seja mais comum após a primeira semana. Na técnica de LASIK são corta­
dos nervos corneais e terminações nervosas são destruídas pela fotoablação no leito estromal,
causando diminuição temporária da sensibilidade, que, por sua vez, determina redução da se­
creção lacrimal basal e reflexa e da frequência do piscar. A mudança na asfericidade da córnea
determina instabilidade do filme lacrimal e redução do tempo de rotura do filme lacrimal. A di­
minuição da sensibilidade corneai persiste por 3 a 6 meses, mas os sintomas podem demorar
mais tempo para desaparecerem. O tratamento é feito por meio da reposição lacrimal ou mes­
mo pela oclusão temporária dos pontos lacrimais. Pacientes com teste de Schirmer abaixo de
10 mm e secreção basal abaixo de 5 mm têm um risco maior de apresentar sintomas de olho
seco, após a cirurgia, e devem ser avaliados com cautela quanto à indicação do procedimento.
No uso do laser de femtossegundo, há relatos de menor incidência de olho seco, descre­
vendo como principais causas possíveis o menor dano aos nervos corneanos pelo disco mais
fino e/ou as células limbares pelo anel de fixação do laser.
Crescimento epitelial na interface: O crescimento epitelial na interface geralmente é per­
cebido algumas semanas após a operação. Ocorre em 2 a 3% das reoperações para correção de
miopia e em cerca de \% após o procedimento primário (Fig. 9).
Na correção da hipermetropia, como o diâmetro da zona de ablação é maior e, às vezes,
chega até a borda do disco, há maior ocorrência de crescimento de epitélio na interface. Na
maioria dos casos, o epitélio está localizado próximo à borda do disco, não interfere na visão
e não requer tratamento. Quando o epitélio está localizado mais centralmente, ele pode cau­
sar astigmatismo irregular e interferir na acuidade visual. Eventualmente, os pacientes podem
queixar-se de dor, que seria decorrente da irritação dos nervos corneais na interface. O risco
de crescimento epitelial é maior nos casos de reoperações em que irregularidades da borda
do disco podem ocorrer durante a sua confecção. Para diminuir esse risco, as bordas do leito
estromal devem ser cuidadosamente limpas antes da reposição do disco. O tratamento consis­
te em levantar o disco, fazendo antes a remoção do epitélio junto à sua borda, com espátula
ou pinça. A seguir, deve ser realizado um debridamento do leito estromal e também da face
interna do disco. Utiliza-se esponja de merocel que é passada sobre a superfície somente uma
vez e, então, descartada, para evitar a reintrodução do epitélio na interface. Em raros casos, o
crescimento é agressivo, podendo ocorrer necrose, e a sua remoção deve ser imediata. O cres­
cimento epitelial pode ser minimizado ou prevenido evitando o toque, no leito estromal, de
instrumentos que estiveram em contato com o epitélio. A irrigação sob o disco diminui essa

Fig. 9 E p ite liz a ç ã o na in te rfa c e p ó s-L A S IK .


568 Doenças Externas Oculares e Córnea

possibilidade, embora isso também possa introduzir células epiteliais na interface. Dois estu­
dos relatam uma menor incidência de epitelização na interface com o laser de femtossegundo.
Ceratite infecciosa: O defeito epitelial quando se utiliza a técnica de LASIK, ao contrário
do que acontece em PRK, ocorre apenas no local do corte, e a reepitelização ocorre, geral­
mente, nas primeiras 24 horas. Esse fato faz com que a ceratite infecciosa pós-LASIK seja rara,
cerca de 1 caso para cada 5.000 procedimentos, havendo, entretanto, certa divergência entre
os estudos publicados.
Atuam como fatores predisponentes blefarite, olho seco, uso de lentes de contato e ma­
quiagem no pré-operatório, além do uso de lentes de contato no pós-operatório. A lente
de contato reduz o efeito da lavagem da superfície corneai pela lágrima e a renovação dos
componentes de defesa, como lisozima e leucócitos. A utilização de corticosteroide também
predispõe à infecção. Dor, hiperemia ocular, fotofobia, lacrimejamento e diminuição da acui-
dade visual estão entre as primeiras queixas do portador de infecção. A biomicroscopia são
observados defeito epitelial, reação de câmara anterior, infiltrados esbranquiçados ou branco-
amarelados e edema de córnea. No caso de infecção por bactérias Gram-positivas, geralmente
se observam úlcera ou infiltração única. Quando se trata de fungos ou micobactérias, são co­
muns as lesões satélites ao foco infeccioso primário, podendo ocorrer hipópio. Infecções que
surgem na primeira semana de pós-operatório são causadas, mais comumente, por Streptococ­
cus sp. e, após a segunda semana, mais frequentemente por bactérias filamentosas (Mycobac­
terium sp. e Nocarclia sp.) e fungos.
O tratamento de ceratite infecciosa deve ser iniciado assim que ocorrer a suspeita e ime­
diatamente após a coleta de material para cultura e antibiograma. A pesquisa de fungos, bac­
térias e parasitos é um procedimento obrigatório. O material deve ser coletado da área de
infiltrado, levantando-se o disco quando necessário. Nesse caso, deve-se coletar material do
disco e do leito estromal. O tratamento pode ser iniciado com quinolona de quarta geração
(gatifloxacino ou moxifloxacino) ou com a associação de antibióticos fortificados (cefalotina
50 mg/ml e tobramicina 14 mg/ ml ou amicacina mais tobramicina), instilados a cada hora, até
se obterem os resultados dos exames laboratoriais. O tratamento oral e tópico com claritro-
micina (500 mg VO 2 vezes/dia) é empregado no controle de infecções por micobactérias. Em
alguns casos, pode ser necessária a amputação do disco.
Considerando a gravidade de uma infecção de córnea, medidas preventivas precisam ser
tomadas para prevenir essa complicação. Se o paciente apresenta blefarite, ela tem que ser
tratada antes da cirurgia. Nos casos de disfunção lacrimal, é necessário verificar a resposta ao
tratamento antes de submeter o paciente à operação. A utilização de iodopovidona colírio a
5%, 30 a 60 minutos antes da cirurgia, pode ser eficiente na prevenção de infecção, assim como
cuidados de antissepsia e assepsia. No pós-operatório, deve ser prescrito antibiótico tópico,
recomendando-se ao paciente não deixar entrar água no olho durante os primeiros dias, não
usar piscinas, banheiras de hidromassagem, saunas e evitar situações e locais onde haja um
risco maior de exposição a agentes infectantes, durante as primeiras semanas.
Ceratite lamelar difusa (DLK): Trata-se de reação inflamatória, não infecciosa, que ocorre
na interface da cirurgia de LASIK. A causa é desconhecida. O aspecto difuso, a ausência de
um foco único, a boa resposta ao tratamento com corticosteroide sugerem um processo não
infeccioso. Uma reação tóxica ou alérgica parece ser a causa mais provável. A complicação
seria desencadeada por antígenos ou toxinas introduzidas na interface ao tempo da cirurgia,
Ceratomileusis com Excim er Laser in Situ (LASIK) 569

podendo ser secreção das glândulas meibomianas, antígenos Gram-negativos, associados com
água estagnada nos sistemas de limpeza e desinfecção, material acumulado dentro de cânulas,
antisséptico, ferrugem da lâmina ou do microcerátomo. A DLK pode, entretanto, ocorrer nas
reoperações sem a utilização do microcerátomo. O lipopolissacarídeo (endotoxina) liberado
com a morte de bactérias é extremamente tóxico para o estroma corneai. A ceratite lamelar
difusa surge entre o primeiro e o sexto dias após a cirurgia.
O diagnóstico é feito pela história e o exame clínico. O paciente pode apresentar diminui­
ção da acuidade visual e fotofobia, mas, na maioria dos casos, não apresenta sintomatologia
nos primeiros estágios. Lineberger classificou a DLK da seguinte forma:
Estádio 1: observa-se, à biomicroscopia, infiltrado de aspecto granular difuso, na periferia
da interface, sem comprometer o eixo visual. Muitas vezes não é diagnosticado. Ocorre cerca
de 1 caso para cada 25 a 50 olhos operados.
Estádio 2: mais frequente após 2 a 3 dias de pós-operatório. O infiltrado migra para o
centro, comprometendo o eixo visual, e origina o aspecto que recebeu o nome de síndrome
das areias do Saara.
Estádio 3: o infiltrado é mais denso no centro com relativo clareamento da periferia, po­
dendo, entretanto, ser intenso no centro e na periferia. Não há hiperemia associada nem rea­
ção de câmara anterior. A acuidade visual está diminuída. Ocorre 1 caso para cada 500 olhos
operados (Fig. 10).
Estádio 4: é o estádio final da DLK não tratada ou tratada de forma inadequada. A ceratite
é intensa, com necrose e cicatrização permanente. O acúmulo de células inflamatórias na re­
gião central e a liberação de colagenases e outras enzimas proteolíticas promovem o consumo
de tecido estromal, levando à hipermetropia induzida, astigmatismo irregular e baixa da acui­
dade visual corrigida. Ocorre 1 caso para cada 5.000 olhos operados.
Os estádios 1 e 2 respondem bem ao tratamento intensivo feito com corticosteroide tópi­
co. Os estádios 3 e 4 geralmente requerem o levantamento da lamela e irrigação da interface
seguida de tratamento intensivo com corticoide tópico. O esteroide é ministrado a cada hora,
durante 1 semana, reduzindo-se gradualmente a dose.
A limpeza rigorosa do microcerátomo e todos os instrumentos cirúrgicos, evitando-se a
reutilização de cânulas e lâminas, pode ajudar a prevenir a ocorrência da ceratite lamelar da
interface.
Ectasia corneai: A ectasia corneai que ocorre após a cirurgia de LASIK é uma complicação
pouco comum, que usualmente surge de 1 a 12 meses após o procedimento cirúrgico. A maio-

Fig. 10 C e ra tite la m e la r d ifu sa (D L K ). A s p e c to b io m ic ro sc ó -


p ico 7 d ia s a p ó s a c iru rg ia .
570 Doenças Externas Oculares e Córnea

ria dos casos ocorre em pacientes míopes, que foram submetidos à correção acima de -8,00
D, com espessura corneai final menor que 400 jum e estroma posterior abaixo de 250 pm. En­
tretanto, exceções têm sido relatadas. Em um estudo retrospectivo de 10 olhos de 7 pacientes
que desenvolveram ectasia pós-LASIK, todos os pacientes apresentavam ou formas frustras
de ceratocone (88%) ou estroma posterior residual abaixo de 250 pm. Geralmente, a ectasia
manifesta-se com regressão do efeito cirúrgico, perda da melhor acuidade visual corrigida e
astigmatismo irregular. A topografia mostra a existência de astigmatismo irregular com encur-
vamento inferior da córnea. O Orbscan evidencia ectasia no mapa de elevação posterior, coin­
cidindo com a área mais fina, no mapa de paquimetria. O melhor recurso para esses pacientes
é a adaptação de lente de contato rígida gás-permeável. Porém, alguns podem necessitar de
transplante de córnea. A prevenção dessa complicação consiste em não operar pacientes com
qualquer forma de ceratocone ou com afilamento corneai. A ocorrência de ectasia pode ser
evitada respeitando-se um mínimo de 250 pm de estroma posterior e uma espessura corneai
mínima de 410 pm após o LASIK. Knorz e Vossmerbaeumer (2008) compararam a adesão do
disco corneai em LASIK com microcerátomo e laser de femtossegundo. Relataram que a adesão
é maior nos discos realizados com laser, diminuindo as chances de deslocamento do disco e
possivelmente de ectasia.
Cicatrização: A morte celular estromal no LASIK com laser de femtossegundo se dá por
necrose, diferentemente da apoptose observada no emprego do microcerátomo. A necrose
celular gera inflamação. Também já foi demonstrado correlação direta entre a quantidade de
energia utilizada pelo laser de femtossegundo e a morte celular estromal e a inflamação. Num
estudo comparativo entre a confecção de disco corneai com o IntraLase de 15 kHz, 30 kHz, 60
kHz e o microcerátomo Hansatome, foi demonstrado haver maior inflamação e necrose celular
com o laser de 15 kHz frente aos outros grupos. Também não houve diferença significativa na
intensidade da morte celular e presença de inflamação no centro da córnea entre o laser de 60
kHz e o microcerátomo na confecção do disco corneano.
Três novas complicações surgiram com o advento do laser de femtossegundo: camada de
bolhas opaca (opaque bubble layerou OBL), síndrome de sensibilidade luminosa transitória (tran-
sient light-sensitivity syndrome ou TLSS) e halos coloridos ou em arco-íris (rainbow glare).
As OBL não são descritas quando da utilização de lasers de femtossegundo de baixa ener­
gia. São mais descritas com o IntraLase, também pela maior experiência e dados na literatu­
ra. A fotodisrupção com o laser cria bolhas de gás carbônico e água que podem levantar um
pouco o disco corneai e até perfurar discos mais finos. Essa camada de bolhas pode também
interferir na eficácia do eye-tracking durante a aplicação do excimer laser. Também há relatos da
presença dessas bolhas na câmara anterior.
A síndrome de sensibilidade luminosa transitória é mais frequente no uso dos lasers de
r
femtossegundo de 6 e 15 kHz, sendo raramente observada nos lasers de 30 e 60 kHz. E descri­
ta como um aumento a sensibilidade luminosa após LASIK com laser de femtossegundo sem
intercorrência, após 2 a 6 semanas da cirurgia, apesar de boa acuidade visual e exame normal
à biomicroscopia. Apesar de ter etiologia desconhecida, é relacionada à inflamação. Algumas
hipóteses foram levantadas, tais como migração de citocinas da interface para a íris e esclera
e depósitos de clebris necróticos ou subprodutos das bolhas de gás; ativação de ceratócitos na
interface. O tratamento recomendado é a utilização de corticosteroides tópicos com maior
intensidade, podendo ser necessária a complementação oral também.
Ceratomileusis com Excim er Loser in Situ (LASIK) 571

Os halos coloridos são descritos como resultantes do efeito difrativo do espalhamento


luminoso. Costuma aparecer em ambientes um pouco escuros ou ao entardecer, gerando os
pacientes relatam a formação de raios luminosos de várias cores diferentes a partir de uma
fonte de luz branca. Não há o comprometimento visual por essa complicação. Bamba et al.
(2009) relatam que lasers com alta taxa de repetição de tiro ou baixo nível de energia empre­
gada e a abertura numérica da óptica de foco do laser são os mais importantes fatores para a
diminuição da incidência desse tipo de complicação.

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Personalização na
Cirurgia Refrativa

PAULO SCHOR • MAURO CAMPOS

INTRODUÇÃO: O QUE É PERSONALIZAÇÃO


A partir da inovação tecnológica “emprestada” de ramos das Ciências Naturais, como a Física,
foi possível grande parte da evolução nas ciências da vida, como a Medicina. A óptica tem essa
relação de interdisciplinaridade com a Oftalmologia, por ambas tratarem com os fenômenos
derivados de radiações do espectro eletromagnético, e, no caso específico, a luz visível e o la­
ser. Há vários séculos, as relações da luz com a matéria, e o comportamento da luz ao atraves­
sar dióptros e ser modulada por estes são conhecidos, mas a instrumentação, com a constru­
ção de aparelhos que pudessem medir e quantificar tal comportamento, foi fundamental para
que o conhecimento se transformasse em ação efetiva. Um dos exemplos clássicos que pode­
mos usar para introduzir o assunto é o conhecimento das imperfeições dos sistemas ópticos,
ou aberrações ópticas. Conhecemos algumas aberrações de longa data, como o astigmatismo,
miopia e hipermetropia, porém a física também conhece outras imperfeições, com as aberra­
ções esféricas, coma, trifólio etc. A instrumentação biomédica possibilitou que não somente
o astigmatismo, miopia e hipermetropia pudessem ser diagnosticados e tratados, mas tam­
bém as outras aberrações, que atualmente são conhecidas como aberrações de alta ordem.
Tendo, portanto, possibilidade de diagnóstico de padrões oculares mais complexos, podemos
representar uma ametropia mais detalhadamente, e, quanto mais precisamente definirmos
um sistema, mais o isolamos dos demais, e, identificamos como único, ou seja, personaliza­
mos sua existência. Foi dessa possibilidade de personalização que nasceu o termo “cirurgia
personalizada” , que nada mais é do que a adição de novos termos numéricos aos conhecidos
astigmatismo (com seu eixo), miopia e hipermetropia.
574 Doenças Externas Oculares e Córnea

MÉTODOS DE MEDIDA
O poder do sistema óptico humano pode ser medido pela caracterização de cada interface ou
dioptro, como a face anterior da córnea, face posterior, humor aquoso, e assim por diante,
■\

ou pela consequência que essas interfaces em conjunto causam à luz que penetra o olho. A
medida da sua consequência, chamamos de refratometria, e ao ajuste cognitivo, refratometria
subjetiva. Tínhamos, como já citado, somente 3 grandezas para definir a refração do paciente:
seu componente esférico (míope ou hipermetrope), seu componente cilíndrico (astigmatismo)
e o eixo desse componente cilíndrico (eixo do astigmatismo), e tais componentes eram defi­
nidos por interpolações (aproximações) matemáticas a partir de um sistema óptico que geral­
mente apresenta irregularidades finas, ou detalhes, que são as aberrações de alta ordem. Com
o auxílio da computação, as aproximações e interpolações não precisaram mais ser realizadas,
e os sistemas puderam ser avaliados em toda a sua complexidade e extensão, pois os com­
putadores permitiram verificar e apresentar superfícies complexas. Um dos primeiros usos
dessa tecnologia computacional foi a videoceratografia corneana computadorizada, também
chamada topografia corneana. A análise pormenorizada do reflexo dos anéis de Plácido pela
superfície anterior da córnea produz um mapa onde é possível a localização de áreas ou pon­
tos mais curvos e mais planos da córnea, e a reconstrução da forma da mesma, de um modo
mais real do que com a aproximação das esferas e cilindros. Tal mapa não é igual em dois indi­
víduos, sendo, portanto, personalizado. A mesma determinação de um dioptro é possível para
a face posterior da córnea, por meio da análise de fendas de luz, cuja obtenção é baseada no
princípio de Scheimplug. Porém, para a reconstrução de toda a refração, ou poder dioptrico
ocular, precisaríamos saber a forma e posição de todos os dioptros (ou pelo menos dos mais
importantes), e ainda não conseguimos a imagem e análise das faces do cristalino, e nem da
posição acurada da retina, em relação à linha de visão. Utilizamos, então, a consequência da
luz ao penetrar no olho humano, capturando o desvio da luz retilínea em cada ponto da pu­
pila de entrada do paciente, ou em sua retina. A partir desses desvios, montam-se os mapas
de uma superfície refrativa, onde não mais observamos esferas e cilindros, mas a posição dos
raios em cada ponto. Temos novamente um mapa individualizado, onde a refração de todo
o sistema é personalizada. A esse método denominamos aberrometria ocular, ou análise de
frentes de onda.

POSSIBILIDADES DE CORREÇÃO

Resultados atuais
Futuro

Com as possibilidades técnicas atuais, tanto em termos de detecção e diagnóstico quanto de


execução de procedimentos, ou manufatura de lentes, devemos esperar uma individualização
cada vez maior das ofertas de correção óptica. As limitações de cada tipo de procedimento,
seus riscos e benefícios são as áreas de interesse atual, e devem sempre se pautar pelo equi­
líbrio entre a modernidade possível e a segurança do provado. Em medicina, os avanços tec­
nológicos são confrontados com a resposta orgânica, que, além de demorar a se manifestar,
Personalização na Cirurgia Refrativa

é multifacetada, e até que haja um grande número de pacientes tratados (milhares) por um
tempo longo (anos), nossas respostas são limitadas, e os estudos devem seguir seu caráter
experimental. A utilização rotineira da tecnologia é responsabilidade da sociedade e de seus
órgãos de controle, como a ANVISA. Um campo onde a personalização deve avançar certamen­
te é o das lentes intraoculares (LIO), por se tratar de próteses que podem ser fabricadas extra-
corporeamente, com total imobilização e grande precisão. Na fase de fabricação, as LIO não
respondem ao ambiente orgânico do corpo humano, e, sendo inertes, podem ser moldadas
ou injetadas de acordo com quase todas as especificações que oferecermos aos tornos mecâ­
nicos computadorizados. Já podemos ter LIO bifocais e tóricas; também já podemos ter LIO
irregulares e prismáticas, para casos especiais, ou específicos, ou individuais. A tecnologia do
diagnóstico já permite tal individualização, e a fabricação pode seguir tal padrão, porém uma
grande barreira é o custo da fabricação em pequena escala dessas próteses. O ganho do capital
na produção em larga escala, espetacularmente explorado até hoje, deve abrir um pequeno
(por hora) espaço para a produção individual. Esse pode ser um dos futuros esperados. Melho­
ra na gestão de produtos oculares de modo a possibilitar, sem um aumento extraordinário de
custos, a entrega de soluções individuais. Outra fronteira a ser observada é a que aposta em
próteses com capacidade de adaptação própria (inteligência?), que podem responder a estí­
mulos externos, como luz ou forças mecânicas, e se adaptar, ou ser moldada posteriormente,
às necessidades dos pacientes. Todos esses resultados dependem de investimento e condições
culturais favoráveis à inovação, e esse parece ser o maior desafio nacional. Criar, desenvolver,
testar e exportar produtos de alto valor agregado.
do
Crosslinking
Colágeno Corneano

PATRICIA CABRAL ZACHARIAS SERAPICOS • ANA LUISA HÖFLING-LIMA

INTRODUÇÃO
Crosslinking (CXL) do colágeno corneano é nome de uma técnica inovadora no tratamento de
doenças progressivas da córnea que levam à ectasia primária, como no caso do ceratocone e
Degeneração Marginal Pelúcida, e secundárias, como na ectasia pós-cirurgia refrativa, espe­
cialmente após o excimer laser intraestromal associado à Ceratomileusis.
Consiste na irradiação, com luz ultravioleta A (370 nm), da córnea embebida com solução
de riboflavina a 0 , l ^ , agente fotossensível que produz radicais livres de 0 2 quando irradiado
pela luz UVA. Estes, quando presentes no estroma corneano, induzem a formação de novas
ligações covalentes inter e intrafibras de colágeno do estroma anterior da córnea, pois são es­
pécies reativas, que conectam duas cadeias proteicas de colágeno, semelhante ao que ocorre
na fotopolimerização de polímeros.
Além desse efeito de novas ligações covalentes, o crosslinking do colágeno corneano pro­
duz efeitos bioquímicos relevantes: a reorganização das fibras de colágeno anteriores, a maior
resistência às enzimas proteolíticas do estroma corneano, aumento no diâmetro da fibra de
colágeno corneano (já demonstrado em modelos animais) e a apoptose dos ceratócitos na pro­
fundidade de 250 a 300 micra do estroma corneano. Todas essas alterações podem modificar
a biomecânica da córnea, já que aumentam sua rigidez e resistência.
Sabe-se que a riboflavina (ou vitamina B I2) tem duas importantes funções: ela absorve a
luz UVA e atua como agente fotossensível para a geração de espécies reativas de oxigênio (0-),
a partir dos quais se desenrolam os efeitos bioquímicos do CXL. A riboflavina atua também
como barreira à penetração da luz UVA, protegendo as estruturas mais internas do olho dos
possíveis efeitos deletérios da irradiação: lesão ao endotélio corneano, catarata, retinopatia,
maculopatia etc.
Recentemente, foi publicado estudo utilizando two-photon microscopy (TPM), técnica não
invasiva que utiliza a autofluorescência dos tecidos, e foi capaz, em modelos experimentais de

577
Doenças Externas Oculares e Córnea

córneas de coelhos, de detectar os efeitos terapêuticos do CXL e aferir o grau de crosslinking


do colágeno corneano obtido após o procedimento. Segundo o autor, é útil em detectar efeito
terapêutico do CXL imediatamente após o mesmo, já que, até o momento, esse é observado a
partir dos efeitos adversos do CXL (p. ex., haze corneano) ou a partir das alterações topográfi­
cas, visíveis após 3 a 6 meses do procedimento.
Considera-se o CXL um procedimento seguro, com baixo risco de complicações e de efei­
tos deletérios ao endotélio, íris, cristalino, vítreo e retina. Foi introduzido na prática clínica no
final da década de 1990 e, desde então, tem sido considerado por diversos autores alternativa
conservadora para estabilizar a progressão das ectasias corneanas. Mais recentemente, vêm-
se estudando outras indicações do CXL, como tratamento para ceratopatia bolhosa, ceratites
infecciosas e prevenção de miopia axial.
O CXL foi aprovado pelo Conselho Federal de Medicina em setembro de 2010, sendo
considerado procedimento com baixo índice de complicações e eficaz em retardar e/ou es­
tabilizar a progressão das doenças ectásicas da córnea. Desde então, não é mais considerado
procedimento experimental em nosso país.

INDICAÇÕES

Degenerações ectásicas
C eratocone

Casos de ceratocone em progressão são a principal indicação de crosslinking. Atualmente, é


tido na literatura como opção terapêutica efetiva capaz de estabilizar a progressão do cerato­
cone. O objetivo do tratamento é a estabilização da progressão do ceratocone.
Seus efeitos na córnea ectásica incluem a formação de novas ligações covalentes entre
as fibras de colágeno no estroma anterior da córnea, modificando a rigidez do tecido, o que
torna a córnea mais resistente ao afmamento progressivo e, assim, a progressão da doença.
Vários estudos demonstram que o efeito do CXL está concentrado nas 200 a 300 micras an­
teriores da córnea, devido à maior absorção de luz UVA nessa área. Relatos da literatura mos­
tram o aumento da rigidez corneana de até 329% em córneas humanas após o crosslinking. Com
a interrupção da progressão do ceratocone, modifica-se a frequência de os portadores dessa
alteração chegarem à indicação de transplante de córnea.
A maior parte dos estudiosos nessa área indicam o tratamento baseados na progressão da
doença. A progressão da doença tem sido caracterizada com medidas da córnea de curvatura
e espessura obtidas em intervalo entre 6 meses e 1 ano, avaliados em exames consecutivos,
utilizando tecnologias equivalentes de obtenção de medidas. O aumento da curvatura cornea­
na pontual > -0,75 D, aumento do equivalente esférico > -0,75 ou aumento da profundidade
da câmara anterior são as medidas usadas para a definição de progressão.
Vários estudos apontam melhora na acuidade visual com ganho de linha de visão, devido
à redução da curvatura e do astigmatismo, assim como a diminuição das irregularidades topo­
gráficas da córnea, como resultado do aumento da rigidez corneana após o CXL. Há publica­
ções que apontam melhora das medidas ceratométricas máxima e do ápice do cone em torno
Crosslinking do Colágeno Corneano

de 2,0 D e do astigmatismo (cerca de 1,0 D) em parcela significativa dos pacientes tratados,


após 1 ano do procedimento.

D egeneração m arginal pelúcida

A aplicação do CXL em casos de Degeneração Marginal Pelúcida (DMP) em progressão, assim


como nos casos de ceratocone, visa a estabilização da ectasia corneana. Há poucos dados da
literatura do uso do CXL nesses casos, apenas relatos de casos de curto seguimento, o que
limita em parte as conclusões clínicas.
Em relatos mais recentes, o CXL foi combinado a técnicas de implantação de anéis intra-
estromais e ceratectomia fotorrefrativa (PRK) para obtenção da melhora da acuidade visual.
Essas tentativas de remodelamento da córnea irregular, modificando o astigmatismo irregular
e centralizando a área mais curva da córnea, também podem proporcionar uma melhor adap­
tação de lentes de contato e, consequentemente, melhora da acuidade visual.
Os dados de literatura ainda são escassos e pouco consistentes, porém animadores, já que
sabemos do prejuízo na qualidade de vida dos portadores de DMP em virtude da baixa visão,
e os casos que necessitam de ceratoplastia têm limitação do sucesso cirúrgico, pois o botão
doador é grande e descentrado, aproximando-se dos vasos limbares, o que pode aumentar as
possibilidades de rejeição do botão doador.

DEGENERAÇÕES ECTÁSICAS SECUNDÁRIAS

Ectasia Pós-LASIK
A ectasia pós-LASIK (laser-asslstecl in situ kercitomileusis), é uma complicação rara, mas bastante
temida do LASIK, cujas causas ainda não estão completamente estabelecidas. Evidentemente,
a prevenção da ectasia é a melhor estratégia, e deve-se ter especial atenção para reconhecer
córneas “de risco”, no pré-operatório das cirurgias refrativas.
Há autores que propõem a elevação do disco de córnea, que então é suturado utilizando
pontos contínuos e ininterruptos de náilon 10-0, na tentativa de regularizar a curvatura cor­
neana.
Estudos de literatura recentes mostraram que o crosslinking do colágeno corneano pode
interromper e, em alguns casos, parcialmente reverter a progressão da ectasia iatrogênica
após o LASIK, provavelmente decorrente do aumento da estabilidade biomecânica da córnea
obtida após o procedimento.

CERATOPATIA BOLHOSA
Ceratopatia bolhosa é séria complicação dos procedimentos cirúrgicos intraoculares, e consi­
derada a principal indicação de ceratoplastia em todo o mundo.
Na teoria, o CXL representa uma alternativa para minimizar a dor ocular através da redu­
ção da formação de micro e macrobolhas, decorrente da melhora do edema da córnea doente.
No entanto, publicações recentes mostraram que os pacientes tratados apresentaram melhora
580 Doenças Externas Oculares e Córnea

do edema de córnea, dor ocular e da transparência corneana logo após o procedimento; po­
rém, o efeito é temporário, com recorrência do quadro dentro de 6 meses.
Aparentemente, o CXL pode beneficiar olhos que ainda não estão clinicamente descom-
pensados, mas já apresentam comprometimento endotelial. Isso porque estudo utilizando
imunofluorescência confocal mostrou efeito reduzido do crosslinking do colágeno nos casos
mais avançados e com fibrose estromal, justificando o achado clínico dos demais estudos, que
apontaram efeito reduzido e recorrência mais precoce nos casos mais avançados.
Ainda assim, o CXL com riboflavina tem a vantagem da ausência de cicatrizes na superfície
da córnea, ao contrário dos métodos conservadores tradicionais, como micropuntura ou cau­
terização, permitindo técnicas cirúrgicas que preservam a superfície anterior, se for necessária
abordagem cirúrgica futura. Além disso, pode ser considerado opção temporária e paliativa para
reduzir o edema de córnea e dor ocular, retardando a indicação cirúrgica nos casos mais brandos
da doença.

CERATITE INFECCIOSA
A ideia de aplicação do CXL nos casos de ceratite infecciosa baseia-se no seu efeito tóxico con­
tra os patógenos, além de maior resistência às colagenases especialmente na metade anterior
da córnea, que foi demonstrado em modelos experimentais, já que a atividade colegenolítica
aumentada é o mecanismo mais importante na úlcera de córnea.
Relato de série de casos mostrou que o CXL pode ser benéfico no tratamento de casos
difíceis de ceratite infecciosa, já que houve melhora dos sintomas dos pacientes tratados, con­
trole do melting corneano e epitelização corneana.
Recentemente publicado um relato de caso de paciente em melting corneano devido à úl­
cera de córnea por Pseudomonas cieruginosa mostrou efeito benéfico do CXL, em que o melting
corneano foi controlado e a lesão, cicatrizada após o procedimento.
Apesar disso, estudos in vitro controlados foram pouco animadores quanto ao uso do
CXL para tratamento de ceratites infeciosas, de etiologia bacteriana, herpética e por Acan-
thamoeba.

PREVENÇÃO DE MIOPIA AXIAL


Miopia progressiva é um dos grandes desafios da Oftalmologia, afetando cerca de 50% dos
pacientes míopes.
Estudo in vivo do crosslinking do colágeno escleral em olhos de coelhas mostrou aumento
significante da rigidez escleral após o tratamento, revelando que este pode ser, futuramente,
opção válida para o tratamento de miopia patológica.
No entanto, efeitos adversos significativos foram notados nas camadas externas da retina
no local de irradiação e na retina interna do lado oposto.
Portanto, ainda não podemos considerar essa aplicação viável na prática clínica.
Crosslinking do Colágeno Corneano

CONTRAINDICAÇÕES

■ Idade < 15 anos.


Espessura corneana < 400 micra no ponto mais fino*
Alergia à riboflavina.
Gravidez ou amamentação.
Antecedente de herpes ocular ou erosão epitelial recorrente.
História de queimadura corneana.

Em série de casos de 20 pacientes, recentemente publicado, com paquimetria central en­


tre 320 e 400 micra foi utilizado riboflavina hipo-osmolar (310 mOsm/1), no intuito de edema-
ciar a córnea até espessura mínima de 400 micra, para a realização da irradiação. Os resultados
são promissores, porém não se pode extrapolar o que ocorre em córneas não edemaciadas.

PRÉ-OPERATÓRIO

No pré-operatório do crosslinking, deve-se criteriosamente selecionar os candidatos que po­


tencialmente teriam benefício do procedimento. O primeiro passo é fornecer orientações es­
pecíficas sobre seus riscos e benefícios, devendo o paciente estar devidamente informado do
propósito do procedimento.
O paciente deve ser submetido a exame oftalmológico completo, incluindo acuidade vi­
sual com e sem correção, refração cuidadosa, medida da pressão intraocular, biomicroscopia
do segmento anterior (atenção para cicatrizes, opacidades etc.) e fundoscopia sob midríase.
Entre os exames de imagem de córnea, a topografia corneana é o principal a ser pedido.
Se disponível, é interessante solicitar tomografia de segmento anterior (OrbscanTM, Penta-
canTM ou VisanteTM), já que tem a vantagem de fornecer mapa paquimétrico e topográfico,
possibilitando que se saiba a curvatura e a espessura nos diversos pontos da córnea.
São também necessárias microscopia especular, para avaliação do endotélio corneano, e
paquimetria ultrassónica.

TÉCNICA CIRÚRGICA

O tratamento deve ser realizado sob condições de assepsia e antissepsia, em sala cirúrgica.
Inicia-se o procedimento com a instilação colírio de proximetacaína a l^ e pilocarpina a 2%(2
vezes), seguido de assepsia e desepitelização corneana nos 8 mm centrais da córnea. Procede-
se então à embebição da córnea com solução de riboflavina a 0,1%, que é instilada a cada 5
minutos, por 30 minutos. Inicia-se então a irradiação da córnea com luz UVA (370 mn), irradi-
ância de 3 mW/cm2, por 30 minutos, estando a fonte emissora a 45 mm do ápice da córnea.
Durante a irradiação, deve-se reinstilar colírio de riboflavina a cada 5 minutos e de proxime­
tacaína a 1% a cada 15 min.
Doenças Externas Oculares e Córnea

Após finalizado o tratamento, coloca-se lente de contato terapêutica, que deve permane­
cer até a completa reepitelização da córnea.
Todos os passos do procedimento são igualmente importantes. Estudos mostraram que a
não remoção do epitélio (hidrofóbico) impede a difusão completa e homogênea da riboflavina
(hidrossolúvel) pelo estroma corneano, diminuindo o efeito bioquímico em aproximadamente
um quinto daquele obtido pelo método tradicional.
Kapasi et al. sugere, em seu estudo, que o CXL em que a remoção epitelial utiliza o excimer laser
(PTK CXL) parece ser superior ao CXL com remoção epitelial mecânica em termos de resultados
visuais. Isso porque o laser, além de remover o epitélio, regulariza a superfície irregular da córnea
ectásica, já que, ao remover tecido em uma espessura constante, retira pouco tecido estromal do
ápice do cone juntamente com o epitélio, regularizando a superfície anterior da córnea.
Em outro estudo, Wollensak et al. concluíram que, sem riboflavina, a absorção da luz UVA
seria reduzida na córnea em apenas 30%, com 50% da absorção pelo cristalino, ratificando a
importância da riboflavina no procedimento.

VARIAÇÕES DA TÉCNICA CIRÚRGICA


A técnica convencional anteriormente descrita já está bem consagrada entre os estudiosos do
crosslinking, ainda que diversos autores propõem algumas variações técnicas na tentativa de
acelerar a reepitelização e a reabilitação visual, além da redução do desconforto ocular causa­
do pelo procedimento.
Kanellopoulos publicou estudo com 21 pacientes com ceratocone bilateral que tiveram
CXL randomizado em dois grupos, sendo em um olho o procedimento realizado com 7 mw/
cm2 por 15 minutos e o outro olho recebeu CXL a 3 mw/cm2 por 30 minutos. Nos dois grupos,
optou-se pela ceratectomia fotorrefrativa (PTK) com excimer laser para remoção epitelial o que,
segundo o autor, poderia permitir mais rápida embebição do estroma corneano com a solução
de riboflavina, devido à remoção da membrana de Bowman. Nesse estudo, o autor concluiu
que o crosslinking realizado com aumento da intensidade de irradiação da luz UVA e menor
tempo de exposição oferece resultados clínicos semelhantes à técnica convencional na estabi­
lização da ectasia, sem efeitos deletérios adicionais.
Em outro estudo, esse autor propôs a criação de um pocket intraestromal de 7 mm de diâ­
metro, na profundidade de 100 micra da córnea a ser tratada, para a administração de 2 doses
de 0,1 ml de riboflavina a 0,1%, sendo iniciada a irradiação com luz UVA 7 mW/cm22 minutos
após a administração da riboflavina. Dessa maneira, há redução do desconforto pós-operató­
rio e das possíveis complicações relacionadas à remoção epitelial, como ceratite infecciona e
cicatrizes estromais.
No entanto, ainda permanece indefinido, na literatura, se a criação do pocket intraestromal
pode levar à desestabilização biomecânica da córnea ectásica, questionando a validade dessa
variação técnica.

PÓS-OPERATÓRIO
No pós-operatório, como já dito, coloca-se lente de contato terapêutica, que deve permanecer
até a completa reepitelização da córnea, mínimo de 3 a 5 dias.
Crosslinking do Colágeno Corneano

O paciente deve fazer uso de antibiótico tópico (moxifloxacino ou gatifloxacino a 0,3%) até
o fechamento do epitélio (cerca de 5 dias), esteroide tópico (fluormetolona a 0,1%) por 3 se­
manas, AINE tópico (cetrolaco de trometamina) por apenas 2 dias e analgésico oral (dipirona,
paracetamol), os dois últimos para alívio da dor.
A frequência de visitas de pós-operatório depende de cada cirurgião, mas geralmente o
paciente é visto no primeiro e sétimo dias de pós-operatório, 1, 3, 6 e 12 meses após o tra­
tamento.

COMPLICAÇÕES E EFEITOS ADVERSOS


Apesar de ser considerado um procedimento seguro, há relatos na literatura de ceratite bac-
teriana no pós-operatório precoce do CXL, reativação de ceratite herpética com irite, além de
melting corneano com perfuração 1 semana após o procedimento, que o autor atribuiu ao uso
de colírio de diclofenaco.
O típico haze corneano é alteração clinicamente presente em quase todos os pacientes
submetidos ao CXL. Alguns estudos mostram que a profundidade do CXL pode ser observada
seguindo a linha de demarcação do haze no estroma corneano, que é mais prevalente entre 1
e 3 meses do procedimento e diminui com o tempo, aproximando-se da condição pré-opera-
tória após 1 ano do procedimento.
Outras complicações relacionadas ao CXL, ainda que raras, incluem infiltrados estéreis,
edema de córnea, ceratite lamelar difusa, além de lesão transitória do endotélio corneano.
Nos últimos anos, houve o aumento do interesse em reduzir o tempo de irradiação total do es­
troma corneano com o aumento da intensidade de irradiação da luz UVA, o que pode reduzir
a perda de ceratócitos corneanos, além de outros possíveis efeitos deletérios do crosslinking.
Estudos recentes mostraram que, em modelos animais, o CXL reduziu estatisticamente a
permeabilidade corneana, possivelmente pela maior densidade de crosslinks estromais, o que,
na prática clínica, sugere que a dose de medicações tópicas devem ser aumentadas em olhos
com história de crosslinking para a obtenção do efeito terapêutico esperado, como no caso do
tratamento de ceratites infecciosas.
Recentemente, Koller et ai publicaram estudo que visou estabelecer os fatores de risco
para complicações e taxa de falência após o crosslinking. Foi concluído que idade maior que
35 anos e acuidade visual com correção pré-operatória melhor que 20/25 foram identificadas
como fatores de risco para complicações, e ceratometria máxima > 58 D, no pré-operatório,
como fator de risco significativo para falência do tratamento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O crosslinking do colágeno corneano é procedimento seguro, com baixo risco de complicações,
cada vez mais utilizado em oftalmologia. Já está bem estabelecido, na literatura mundial, o
benefício de seu uso para a estabilização de ectasias corneanas em progressão, sendo op­
ção válida para a redução das indicações de transplantes de córnea. Associar o CXL a outros
procedimentos ceratorrefrativos, como anel intraestromal e ceratectomia fotorrefrativa, deve
584 Doenças Externas Oculares e Córnea

ser sempre considerado como alternativa terapêutica promissora à ceratoplastia lamelar ou


penetrante, já que, em muitos casos, pode melhorar a acuidade visual, estabilizar a ectasia e
postergar, ou até prevenir, procedimentos cirúrgicos mais invasivos.
Outras indicações do crosslinking, como vimos, existem e permanecem em estudo.

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índice Alfabético

Números em itálico são referentes às figuras. Os números em negrito indicam onde os assuntos são abor­
dados mais extensamente.

A Amiodarona
depósitos corneanos por, 103
Ablação estromal, 522
Anaeróbios
Abrasão corneai, 338
pesquisa de, 45
Acanthcimoeba sp, 70
Anel intraestromal, 161, 503-518
ceratite por, 75, 102, 159
características, 504
achados clínicos, 159
complicações, 514
diagnóstico, 160
contraindicações, 505
sintomas, 159
cultura de, 53 descrição geral, 503
infecções por, 411 indicações, 505
núcleo da, 71 mecanismo de ação, 506
pesquisa de, 52 nomograma, 506
r

Acido nucleico resultados, 513


alterações do metabolismo do, 303 Angiografia fluorescente
r

Ácidos graxos essenciais, 236 do segmento anterior, 113


Adenovirus, 72, 136 Anoftalmo, 287
apresentação clínica, 136 Anomalias congênitas
ceratoconjuntivite epidêmica, 136 da córnea e esclera, 285-294
diagnóstico, 138 aspectos clínicos, 287
tratamento, 138 conceitos básicos, 285
Adesivos teciduais, 403-406 diagnóstico, 286
usos de, 403 Anomalia de Peters, 292
Alcaptonúria, 301 Antimicrobianos
Alergia ocular, 173-182 pesquisa de sensibilidade aos, 44
introdução, 173 Antígeno
Amebas, 159 presença de, 14
Amiloidose, 247, 302 Arte mis
familiar primária, 358 sistema, 110
Aminoácidos Astigmatismo, 562
alterações do metabolismo dos, 300 corneai

587
Doenças Externas Oculares e Córnea

controle do, 476 bacteriana, 74, 129


Azul de toluidina etiologia, 130
corante, 85 exame, 129
incidência, 129
B sinais e sintomas, 129
terapia, 131
Banco de olhos, 466
definição, 73
Bietti
diagnóstico, 73
distrofia cristaliniana de, 359
diferencial, 73
Bitot
estromal, 144
mancha de, 24
imune, 147
Blefarite(s), 237-252
filamentar, 273-275
classificação, 237
fisiopatologia, 273
definição, 237
manifestações clínicas, 274
diagnóstico diferencial, 247
tratamento, 275
estafilocócica, 125
fúngica, 74
patogênese, 125
infecciosas, 409
quadro clínico, 125
por Acanthamoeba sp, 75, 102, 159
tratamento, 125
por microsporídeo, 163
etiologia e epidemiologia, 240, 241
serpiginosa, 150
evolução, 251
superficial de Thygeson, 269-272
exames, 246
virai, 74
seborreica, 243
Ceratocone anterior, 365
sinais, 242
apresentação clínica, 365
sintomas, 246
exames complementares, 366
tratamento, 248
tratamento, 366
Blefaroceratoconjuntivite, 141,243
Ceratocone posterior, 366
Bowman
tratamento, 367
camada de, 9
Ceratoconjuntivite
distrofias da, 352
flictenular, 199-200
genética, 352
diagnóstico, 200
sintomas, 352
epidemiologia, 199
tratamento, 352
fisiopatologia, 199
introdução, 199
C
quadro clínico, 199
Calázio, 28, 243 , 250 tratamento, 200
Carboidratos lenhosa, 261-263
alterações do metabolismo dos, 295 diagnóstico, 262
Carcinoma epidemiologia, 261
espinocelular, 314, 3/5 fisiopatologia, 261
mucoepidermoide, 316 introdução, 261
Células epiteliais tratamento, 262
transplante autólogo de, 446 límbica superior, 257-259
Células germinativas achados clínicos, 257
transplante de, 443-454 definição, 257
Ceratectomia fotorrefrativa diagnóstico, 258
com excimer laser, 541-545 primaveril, 175
Ceratectomia fototerapêutica apresentação clínica, 176
com excimer laser (PTK), 519-526 fisiopatologia, 175
Ceratite, 73 laboratório, 177
apresentação clínica, 73 tratamento, 177
índice Alfabético

seca, 219 ceratite, 580


Ceratometria, 95 ceratopatia bolhosa, 579
definição, 95 complicações, 583
Ce rato metro, 95 contraindicações, 581
Ceratomileusis com excimer laser in situ (LASIK), degenerações ectásicas secundárias, 579
551-572 efeitos adversos, 583
Ceratopatia indicações, 578
neurotrófica, 277-281 introdução, 577
achados clínicos, 278 pós-operatório, 582
causas, 278 pré-operatório, 581
diagnóstico, 278 prevenção de miopia axial, 580
introdução, 277 técnica cirúrgica, 581
perspectivas futuras, 280 variações da, 582
tratamento, 279 Coleta de material, 33
Ceratoplastia lamelar, 461 conjuntiva e pálpebra, 34
Ceratoplastia parcial penetrante, 466 córnea, 38
Ceratopróteses, 527-533 Colorações
complicações, 531 usuais, 41
conclusões, 532 Conjuntiva
indicações, 528 doenças cicatriciais da, 183-194
introdução, 527 microbiota de, 53
prognóstico, 531 respostas normal e patológica em doenças da,
técnica cirúrgica, 528 23-29
tipos de ceratoprótese, 528 retalhos da, 415-423
Ceratoscópio, 95 transplante de, 458
Ceratose tumores da, 309
actínica, 313 Conjuntivite, 72
Chlamydia trachomatis aguda, 121
diagnóstico laboratorial para, 51 alérgica, 173
Cicatrização conjuntival, 28 apresentação, 173
Ciclosporina, 232 fisiopatologia, 173
Cirurgia refrativa laboratório, 174
personalização na, 573-575 tratamento, 174
introdução, 573 bacteriana
métodos de medida, 574 aguda, 127
possibilidade de correção, 574 tratamento, 127
Cistinose, 300 crônica, 128
achados clínicos, 300 em crianças e adultos, 126
definição, 300 patogênese, 126
patogênese, 300 quadro clínico, 126
Cistos neonatal, 128
epiteliais, 311 causas, 128
Citologias diagnóstico, 128
conjuntival, 39 causas de, 72
corneana, 39 clamidiana, 167
interpretação de resultados, 40 da arranhadura do gato, 128
Coats hipersensibilidade a fármacos, 195-198
anel branco de, 374 gonocócica, 126
Cola de fibrina, 461 tratamento, 127
Colágeno corneanos papilar gigante, 181
crosslinking, 577-585 apresentação clínica, 181
590 Doenças Externas Oculares e Córnea

fisiopatologia, 181 afmamento corneai marginal, 376


tratamento, 181 alterações involutivas, 369
virai, 121 depósitos, 371
Corantes vitais, 84 introdução, 369
Córnea Depósitos, 371
anomalias congênitas da, 285-294 Dermatoconjuntivite
aspectos clínicos, 287 atópica, 179
conceitos básicos, 285 apresentação clínica, 180
diagnóstico, 286 fisiopatologia, 180
distrofias e ectasias da, 349-368 laboratório, 180
doenças da tratamento, 180
tratamento, 393 Descemet
erosão recorrente da, 253-255 membrana de, 10
estrutura e função da região externa da, 5-12 Desordens
camada de Bowman, 9 ectásicas, 365
cápsula de Tenon, 8 Diabetes, 61
conjuntiva, 7 Diagnóstico ocular
desenvolvimento embriológico, 6 técnicas de, 33
endotélio, 10 Disgenesias
epitélio, 9 do segmento anterior, 480
esclera, 11 Distrofias
estroma, 9 da camada de Bowman, 352
limbo, 11 da córnea, 349
membrana basal epitelial, 9 definição, 349
membrana de Descemet, 10 endoteliais, 361
pálpebras, 6 hereditária congênita, 481
guttata, 361 epiteliais, 350
laser em cirurgia de córnea, 537-545 de Meesmann, 350
microbiota de, 53 estromais, 353
penetrante de Avellino, 358
transplante de, 465-478 granular, 353
propedêutica da, 93-96, 97-107 hereditária, 360
respostas normal e patológica em doenças da, lattice, 356
23-29 macular, 355
transplante de, 407-413 nebulosa central, 59
transplante em crianças, 479-487
polimorfa posterior, 481
tumores da, 309
Doador cadáver
Criptoftalmo, 287
transplante alógeno ceratolímbico, 449
técnica cirúrgica, 449
D
Doador vivo
Defeito epitelial persistente, 396 transplante alógeno limbicoconjuntival de, 448
Deficiência límbica, 216 Doença(s)
Deficiências nutricionais, 381-387 cicatriciais da conjuntiva, 183-194
de vitamina A, 381 da conjuntiva, 23
de vitamina B, 384 da córnea, 23
de vitamina C, 385 uso de lentes de contato no tratamento de,
de vitamina E, 387 393-399
Degeneração marginal peltkida, 367 de Wilson, 304
diagnóstico, 367 externas oculares
tratamento, 368 epidemiologia das, 119-122
Degenerações corneais, 369-378 imunológicas da esclera, 205-210
índice Alfabético 591

meibomiana, 244 anomalias congênitas da, 285-294


metabólicas, 295-305 doenças imunológicas da, 205-210
alterações da síntese de imunoglobulinas, Esclerite, 206
303 complicações, 209
alterações do metabolismo das proteínas, diagnóstico, 209
302 etiologia, 206
alterações do metabolismo do ácido manifestações clínicas, 206
nucleico, 303 nodular, 207
alterações do metabolismo dos tratamento, 209
aminoácidos, 300 Esclerocórnea, 290, 480
alterações do metabolismo dos Esfmgolipidoses, 298
carboidratos, 295 definição, 298
alterações do metabolismo e procedimento, 298
armazenamento dos lipídios, 296 Estesiometria, 94
alterações do metabolismo mineral, 304 definição, 94
Estesiômetro, 94
E Estroma, 9
Exame
Ecografia
citológico, 33
do segmento anterior, 113
Excimer laser, 537
Ectasia corneai, 569
ceratectomia fotorrefrativa com, 541-545
Edema
características clínicas, 543
corneano, 97
complicações e técnicas alternativas, 543
Endotélio, 10
indicações, 543
Endotelite
introdução, 541
disciforme, 144
personalizado, 544
Episclerite, 205
resposta cicatricial após PRK, 541
diagnóstico, 206
ceratectomia fototerapêutica com, 519
etiologia e patologia, 205
ablação estromal, 522
manifestações clínicas, 205
avaliação pré-operatória, 521
tratamento, 206
contraindicações, 521
Epi-LASIK e LASEK, 547-550
histopatologia, 525
Epitélio
indicações, 520
trauma ao, 28
máscara, 521
Epstein-barr, 152
precisão, 520
apresentação clínica, 152
resultados, 523
patogênese, 152
segurança, 519
tratamento, 152
ceratomileusis com, 551
Eritema multiforme, 191
achados oculares, 192
F
apresentação, 192
diagnóstico FAALK, 500
diferencial, 193 Fármacos
laboratorial, 193 conjuntivite e hipersensibilidade a,
incidência e prevalência, 191 195-198
introdução, 191 classificação, 195
patogênese, 191 fisiopatologia, 195
tratamento, 193 introdução, 195
ocular, 193 tratamento, 198
sistêmico, 193 Femtossegundo
Erosão recorrente da córnea, 253-255, 396 laser de, 498, 554
Esclera, 11 em transplante de córnea, 498, 499
592 Doenças Externas Oculares e Córnea

Fibrina tratamento, 145, 146


cola de, 461 Herpes-zóster oftálmico, 148
Fibrose conjuntival, 28 apresentação, 149
Filme lacrimal patogênese, 148
componentes celulares do, 62 tratamento, 150
componentes solúveis do, 62 Hifema, 335
disfunção do, 219-223 traumático, 335
deficiência aquosa do, 219, 220 tratamento do, 335
estudo do, 213-217 Hiperlipoproteinemias, 296
avaliação do, 213 achados clínicos, 296
disfunção, 216 definição, 296
Fleck patogênese, 296
distrofia de, 360 Hipermetropia, 562
Fluoresceína, 84 Hipersensibilidade
Folículo(s), 24, 90 tipos de reação de, 19
composição do, 24 citotoxicidade dependente de anticorpo, 19
Fotografia imediata, 19
externa, 92 mediada por imunocomplexo, 19
pela lâmpada de fenda, 92 tardia, 20
Fotomicroscopia Hipoproteinemias, 297
especular, 98 achados clínicos, 297
Fungos e leveduras, 50, 70 avaliação laboratorial, 297
filamentosos patogênese, 297
leveduriformes, 59
relação de, 58
identificação de, 46 Iluminação
micológico direto, 46 difusa, 89
direta
G métodos de, 79
Galilei, 110 indireta
sistema, 110 métodos de, 81
Gato Imunoglobulinas, 18
conjuntivite da arranhadura do, 128 alterações da síntese de, 303
Giemsa Infecção ocular
coloração de, 43 conceitos básicos de, 31-76
Glaucoma congênito, 290, 481 diagnóstico molecular das infecções
definição, 481 oculares externas, 71
Gram mecanismos de defesa, 31
coloração de, 41 microbiologia ocular, 65
técnicas de diagnóstico ocular, 33
Granuloma, 27
externas, 71
localização, 28
introdução, 71
Infecções bacterianas, 125-133
H
tratamento cirúrgico nas, 410
Hassal-Henle, 369 Infecções clamidianas, 167-169
Herpes simples, 73, 140 Infecções fúngicas, 155-157
apresentação clínica, 141 diagnóstico clínico, 155
diagnóstico diferencial, 142 diagnóstico laboratorial, 156
diagnóstico laboratorial, 145 tratamento, 156
infecção primária, 140 cirúrgico, 410
patogênese, 140 Infecções parasitária, 159-165
índice Alfabético 593

ceratite poi' Acanthcinioeba sp., 159-165 alterações do metabolismo e armazenamento


Infecções virais, 135-153 dos, 296
Inflamação conjuntival Lissamina
causas comuns de, 89 verde de, 86
sinais de, 88
Inflamação corneana M
causas de, 91
Macrófagos, 15
sinais de, 90
Mancha de Bitot, 24
Inflamação escleral
Material
sinais de, 92
coleta de, 33
Iridociclite
Megalocórnea, 289
herpética, 145
Meibomite, 245
Melanoma
K
maligno da conjuntiva, 319
Kimura Melanose adquirida primária, 318
espátula de, 34 Membrana
basal epitelial, 9
L disfunção da, 28
de Descemet, 10
Lágrima(s) e pseudomembrana, 27
artificiais, 231 composição, 27
testes de produção da, 215 Meesmann
Lâmpada de fenda, fotografia e sinais clínicos de distrofia de, 350
inflamação alterações, 350
fotografia externa pela, 92 sintomas, 350
propedêutica com, 79-96 tratamento, 350
LASEK e Epi-LASIK, 547-550 Membrana amniótica
Laser de femtossegundo, 512, 538, 554 transplante de, 433-441,460
técnica mecânica, 512 como curativo, 439
uso do nos transplantes lamelares, 489-501 como enxerto, 435, 436
Laser em cirurgia de córnea, 537-540 como substrato para multiplicação,
excimer laser, 537 439
LASIK história, 433
em casos complexos, 563 indicações, 435
Lentes de contato limitações, 439
uso de propriedades, 434
no tratamento de doenças da córnea, 393- Métodos
399 de iluminação direta, 79
complicações, 399 Microbiota, 57
efeitos terapêuticos, 393 de conjuntiva, córnea e anexos, 53
indicações, 395 ocular normal, 31, 55, 65
seleção da LCG, 394 Microcerátomos, 552
Leucócitos polimorfonucleares Microscopia confocal e especular
papel dos, 24 da córnea, 97-107
Limbo, 11 confocal in vivo, 99
conjuntival aplicações clínicas, 101
transplante alógeno de, 447 história, 99
transplante autólogo de, 444 introdução, 99
técnica cirúrgica, 445 especular, 97
Linfócitos, 15 Microsporídeo
Lipídios ceratite por, 163
594 Doenças Externas Oculares e Córnea

Mineral função, 93
alterações do metabolismo, 304 óptica, 93
Miopia, 561 Parinaud
Mitomicina C, 426 síndrome oculoglandular de, 128
como terapia adjuvante, 459 Penfigoide ocular cicatricial, 184
Molusco contagioso, 135 diagnóstico, 186
apresentação clínica, 135 diferencial, 186
patogênese, 135 etiopatogenia, 184
tratamento, 135 introdução, 184
Mooren quadro clínico, 184
úlcera de, 201-203 tratamento, 186
Mucolipidose, 299 Pentacam, 110
achados clínicos, 299 técnica de, 110
avaliação laboratorial, 299 Peters
Mucopolissacaridose, 295 anomalia de, 292,293, 480
achados clínicos, 295 Placa ceratótica, 312
definição, 295 Plácido
patogênese, 295 disco de, 110
Polimorfonucleares, 17
N Proteínas
Nanoftalmo, 288 alterações do metabolismo das, 302
definição, 288 Pterígio, 455-463
sintomas, 288 ceratoplastia lamelar, 461
Necrose escleral, 426 cola de fibrina, 461
Neoplasia intiaepitelial, 313 conduta, 457
Nevo, 317 definição, 455
Nomograma, 506 epidemiologia e etiopatogenia, 455
história natural, 456
morfologia, 457
taxa de recorrência, 461
Ocridine Orange transplante de conjuntiva, 458
coloração de, 43 transplante de membrana amniótica, 460
Olho uso de mitomicina C, 459
estrutura e função da região externa do, 5-12
seco, 219
Q
classificação do, 219
Orbscan Queratinização, 24
aparelho, 113
princípio do, 112 R

Radiação ionizante, 426


P
Reflexos luminosos, 94
Pálpebras, 6 Retalhos de conjuntiva, 415-423
Papilas, 25 anestesia, 418
definição, 25 avaliação pré-operatória, 418
gigantes, 26 classificação, 415
localização, 25 complicações, 421
nas conjuntivites alérgicas, 26 cuidados e medicações pós-operatórios, 421
produção, 26 indicações, 416
Papiloma escamoso, 311 resultados, 422
Paquimetria, 93 técnica cirúrgica, 418
corneana, 93 Retinoscopia, 94
índice Alfabético 595

função, 94 T
Retroiluminação, 82
Tecido conjuntivo
Rosa-bengala
subepitelial, 14
corante, 84
Tecido linfoide, 16
teste de, 85
Tenon
Rosácea, 189, 265-267
cápsula de, 8
características, 265
Terrien
diagnóstico, 190 degeneração marginal de, 376
diferencial, 266 Teste
fisiopatologia, 189 de Schirmer, 2/5
introdução, 189 Tetraciclina
sinais e sintomas, 190 e derivados, 235
tratamento, 190 Thygeson
RTVUE ceratite superficial de, 269-272
sistema, 112 diagnóstico diferencial, 271
epidemiologia, 269
S etiopatogenia, 269
Schirmer introdução, 269
quadro clínico, 270
teste de, 2/5
tratamento, 271
Segmento anterior
Tirosinemia, 301
angiografia fluorescente do, 113
Toluidina
desenvolvimento embriológico do, 6
azul de, 85
disgenesias do, 480
corante, 85
ecografia do, 113
Tomografia
propedêutica do
de coerência óptica (OCT), 111
tomografia e biomicroscopia ultrassónica,
princípios da, 111
109-114
do segmento anterior, 109
Seidel
Topografia corneana, 95
teste de, 84
Tracoma, 25, 73, 168
Síndrome
diagnóstico, 169
da imunodeficiência adquirida
processo cicatricial no, 28
portadores de, 60 Transplante de células germinativas, 443-454
de Sjogren, 225-236 Transplante de conjuntiva, 458
critérios diagnósticos, 228 Transplante de córnea em crianças, 479-487
epidemiologia, 226 complicações, 484
quadro clínico, 226 cuidado pós-operatório, 484
manifestações, 226-228 doenças metabólicas, 482
introdução, 225 indicações, 479
tratamento, 229 introdução, 479
oculoglandular de Parinaud, 128 resultados, 485
Sistema Scheimpflug tratamento cirúrgico, 483
conceitos do, 109 tumores, 482
Soro autólogo, 234 Transplante de córnea penetrante, 465-478
Sundmacher abordagem clínico-cirúrgica, 467
técnica de, 450 conceitos básicos, 465
Superfície ocular Transplante de córnea tectônico, 407-413
estudo da, 213-217 introdução, 407
imunologia da, 13-22 perfurações, 407, 409
tipos de reação de hipersensibilidade, 19 técnica cirúrgica, 412
lubrificantes e outras medicações para a, 231 tratamento cirúrgico, 408
Doenças Externas Oculares e Córnea

Transplante de membrana amniótica, 433-441, quadro clínico, 202


460 tratamento, 202
Transplante escleral, 425-430 epitelial neurotrófica, 142
causas de afmamento, necrose ou perfuração, geográfica, 142
425 primaveril, 398
conduta, 427
técnica cirúrgica, 427 V
Transplantes lamelares
Varicela-zóster, 148
e o uso de laser de femtossegundo, 489-501
Verde
classificação, 489
de lissamina, 86
complicações, 496
Vírus, 65
definição, 489
DNA, 65
histórico, 490
adenovirus, 66
imunologia dos, 492
papovavírus, 66
indicações, 493 poxvirus, 66
técnicas cirúrgicas, 496 RNA, 66
uso do laser, 498 bastonetes Gram-negativos, 67
vantagens e desvantagens, 494 cocos Gram-positivos, 68
Traumas, 325-331 espiroquetas, 69
barométricos, 330 picornavírus, 66
elétricos, 330 retrovirus, 66
mecânicos, 333-345 Visante
aberto, 338 sistema, 111
avaliação, 339 Visumax, 556
tratamento, 340 Vitamina A, 233
secundário, 343 deficiência de, 233, 381
fechado, 333 Vitamina B, 384
contuso, 333 deficiência de, 394
por radiação, 331 Vitamina C, 385
químicos, 325 deficiência de, 385
prognóstico, 326 Vitamina E, 387
técnica cirúrgica, 328 deficiência de, 387
tratamento, 327 Vogt
térmicos, 329 arco limbar de, 370
Tsubota Voriconazol, 156
técnica de, 450
Tumores W
da conjuntiva e da córnea, 309-321
Wilson
epiteliais, 311
doença de, 304
pigmentados, 316
dermoide epibulbar, 482
X
u Xeroderma pigmentoso, 313
r Xeroftalmia, 24
Ulcera
de Mooren, 201-203
Z
fisiopatologia, 201
introdução, 201 Ziehl-Neelsen
SA N T U Á R IO — 2013/1

prognóstico e acompanhamento, 203 coloração de, 42

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