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Rev Dor.

São Paulo, 2011 abr-jun;12(2):138-51 ARTIGO DE REVISÃO

A dor como um problema psicofísico*


Pain as a psychophysical problem
José Aparecido da Silva1, Nilton Pinto Ribeiro-Filho2
*Recebido do Laboratório de Psicofísica e Percepção. Ribeirão Preto, SP.

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A quantificação da obvious association of pain to a set of emotional, motiva-


dor enfrenta dificuldades especiais. Elas surgem devido à tional and cultural factors. However, pain measurement is
óbvia associação das sensações de dor com um conjunto essential to evaluate and treat its effects. This study aimed
de fatores emocionais, motivacionais e culturais. Apesar at showing that psychophysical methods might be adequa-
disso, a mensuração da dor é essencial para a avaliação e tely used to measure both clinical and experimental pain.
o tratamento dos seus efeitos. O objetivo deste estudo foi CONTENTS: In addition, the methodology may be use-
mostrar que os métodos psicofísicos podem ser adequada- ful to analyze pain mechanisms, analgesia, methodologi-
mente empregados para a mensuração, tanto da dor clínica cal biases inherent to pain verbal records, and to dissociate
quando da dor experimental. sensory and cognitive components from pain sensation/
CONTEÚDO: Em adição, a metodologia pode ser útil perception.
para analisar os mecanismos da dor, a analgesia, os vieses CONCLUSION: The psychophysical methodology may
metodológicos inerentes aos registros verbais da dor e dis- be a trustworthy and valid measurement of the fifth vital
sociar os componentes sensoriais e cognitivos da sensação/ sign, which is pain, in all its dimensions.
percepção de dor. Keywords: Clinical pain, Experimental pain, Pain evaluation,
CONCLUSÃO: A metodologia psicofísica pode ser uma Pain measurement, Pain perception, Pain psychophysics.
medida fidedigna e válida do quinto sinal vital, que é a dor,
em todas as suas dimensões. INTRODUÇÃO
Descritores: Avaliação da dor, Dor clínica, Dor experimen-
tal, Mensuração da dor, Percepção da dor, Psicofísica da A sensação de dor é fundamental para a sobrevivência.
dor. Dor é o primeiro indicador de qualquer lesão tecidual.
Qualquer estímulo que resulta em lesão ou ferimento
SUMMARY conduz a uma sensação de dor, entre eles o calor, o frio,
a pressão, a corrente elétrica, os irritantes químicos e
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Pain quanti- até mesmo os movimentos bruscos. Diferente de outros
fication faces special difficulties. They appear due to the sistemas sensoriais, todavia, o sistema sensorial para
a dor é extremamente amplo; uma sensação dolorosa
pode ser iniciada em qualquer parte do corpo ou no
1. Professor Titular do Departamento de Psicologia da Uni- próprio sistema nervoso central (SNC). Vários locais
versidade de São Paulo, Campus da USP. Ribeirão Preto, SP, são emparelhados aos vários tipos de sensações de dor.
Brasil. A sua percepção é claramente uma rica e multidimen-
2. Professor Adjunto do Instituto de Psicologia da Universida-
de Federal do Rio de Janeiro, Praia Vermelha. Rio de Janeiro, sional experiência, a qual varia tanto em qualidade
RJ, Brasil. quanto em intensidade sensorial, assim como em suas
características afetivo-motivacionais.
Endereço para correspondência: Sem dúvida, a sensação de dor é um importante domí-
José Aparecido da Silva nio da experiência humana e, talvez, aquela que tenha,
Avenida dos Bandeirantes, 3900
14040-901 Ribeirão Preto, SP. continuamente e com mais sucesso, iludido inúmeras
Fones: (16) 3602-3728 - (16) 9991-8443 tentativas de conceituação consistente, de quantifica-
E-mail: jadsilva@ffclrp.usp.br ção, ou mesmo de documentação sistemática, por ge-

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rações de especialistas de diferentes áreas do conheci- soriais, hedônicos e cognitivos da dor, tem sido muito
mento. Infelizmente, ela ainda possui o mesmo status, importante para o melhoramento da avaliação da dor,
apesar do renovado interesse no entendimento de sua principalmente no sentido de fornecer métodos para a
natureza, agora agregado com a aplicação de uma quan- mensuração diferencial dessas variadas dimensões psi-
tidade enorme de diferentes e inovados métodos de ex- cológicas da experiência e percepção da dor.
perimentação e análises. Sua complexidade e natureza De fato, as aplicações da psicofísica têm sido relevan-
multidimensional, as quais são evidentes mesmo nas tes tanto para o tratamento, quanto para a manipulação
análises mais elementares dos vários tipos de dor, têm, da dor aguda e da dor crônica. A psicofísica da dor tem
contudo, obstruído virtualmente o desenvolvimento de tido um papel destacado em clarificar os mecanismos
uma definição adequada de dor, ou o que, talvez, seja o da dor e, também, em fornecer uma base científica para
mais importante, dificultado a construção de uma teoria os modernos métodos de avaliação e mensuração da
geral da dor, bem como a derivação de técnicas de tra- dor. Como as medidas da dor são essenciais para a ava-
tamento claramente eficazes. liação, bem como para o tratamento dos efeitos da dor,
Uma parte do diálogo mantido entre um médico de um time o rigor das ferramentas da psicofísica pode contribuir
de futebol, e um grupo de jornalistas, que cobria o dia a dia para este processo de mensuração e avaliação tanto da
dos jogadores, revela como o estudo da dor é complexo e dor clínica quanto da dor experimental. Elas também
intrigante. “... Eu sempre aceitei a dor desse jogador, mes- podem ser úteis para analisar os mecanismos da dor,
mo achando que os exames clínicos eram normais. Mas a a analgesia, assim como para investigar os inúmeros
dor é um artefato subjetivo...”, comentou o médico. vieses inerentes aos registros verbais da dor. Além dis-
Não obstante essa complexidade e dificuldades para en- so, a metodologia psicofísica pode contribuir para a
tender a natureza do fenômeno da dor, sua análise deve, análise e acompanhamento das técnicas e estratégias
necessariamente, ser concebida dentro do contexto fun- de tratamentos usadas para alívio da dor1. Há, porém,
damental de uma relação, ainda que incompleta, entre inúmeros problemas metodológicos referentes aos di-
estímulo e sensação. O problema pode ser colocado de ferentes métodos ou procedimentos utilizados para a
maneira mais simples, ater-se em apenas duas alterna- sua adequada avaliação. Apesar disso, a metodologia
tivas para o aparecimento do estímulo adequado (pre- psicofísica pode gerar uma medida fidedigna e válida
sente ou ausente) e, também, em duas alternativas para do quinto sinal vital - a dor - em suas três principais
o registro da experiência da dor (presente ou ausente). dimensões, ou seja, sensorial, avaliativa e afetiva.
Assim, o problema da avaliação e da mensuração da
dor torna-se genuinamente um problema psicofísico, DEFINIÇÃO DA DOR
envolvendo a detecção, a discriminação e a magnitude
da sensação a estímulos dolorosos. Como já descrito, a dor pode ser definida como uma
A mensuração da dor é provavelmente uma das áreas experiência subjetiva que pode estar associada à le-
mais importantes no vasto domínio do estudo da dor. são real ou potencial nos tecidos, podendo ser descrita
Os pioneiros na pesquisa acerca da dor, interessados tanto em termos destas lesões quanto por ambas as
em sua mensuração, adaptaram a metodologia psicofí- características. Independente da aceitação e da ampli-
sica com o propósito de avaliar e mensurar a dor clínica tude dessa definição, a dor é considerada como uma
e a dor experimental. De fato, os métodos atuais utili- experiência, uma sensação, genuinamente subjetiva e
zados para a mensuração e avaliação da dor têm raízes pessoal. A dor tem aspectos sensoriais, afetivos, auto-
históricas na psicofísica, um campo da psicologia ex- nômicos e comportamentais. Além disso, a sensação
perimental que de longa data se preocupa com as rela- de dor não necessariamente necessita ser baseada em
ções entre as propriedades dos estímulos e as respostas qualquer experiência prévia com ela. A despeito disso
ou reações comportamentais, ou percepções sensoriais. muitos estudiosos tratam a dor como uma simples di-
A psicofísica tem como suposição central que o sistema mensão variando apenas na magnitude sensorial. Mas,
perceptual é um instrumento de mensuração, a gerar descrevê-la somente em termos de sua intensidade é
resultados (experiências, julgamentos, respostas) que o mesmo que especificar o mundo visual apenas em
podem ser sistematicamente mensurados e analisados. termos da intensidade luminosa, sem considerar o pa-
Os estímulos podem ser métricos (têm unidades físi- drão, a cor, a textura. Apenas uma definição que inte-
cas definidas) e não métricos (sem unidades físicas). gra todas estas características da sensação de dor pode
Por isso a psicofísica, analisando os componentes sen- ser significativa no contexto clínico e de pesquisa.

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DOR CLÍNICA VERSUS DOR EXPERIMENTAL Mesmo naquelas observações clínicas onde aspectos
intensivos da dor são de interesse, algumas vezes, cer-
Comparação sistemática entre a dor produzida no labo- tas medidas são obtidas indiretamente como, por exem-
ratório a dor experimental e a dor clínica tem atraído plo, o número de pacientes que solicita medicação, a
vários pesquisadores, tanto por razões teóricas quan- quantidade de narcóticos ou de outros analgésicos re-
to práticas. A dor experimental e a dor clínica diferem queridos, o número de queixas, de remoções, etc., no
pelo menos na fonte do desconforto, e pelas reações lugar de ocorrerem avaliações explícitas. Esta diferen-
afetivas e cognitivas do indivíduo. De fato, a dor expe- ça que, pode ser óbvia e fácil de ser negligenciada (e de
rimental não implica qualquer envolvimento psicológi- fato ela é) do ponto de vista tradicional, é substancial
co significativo para o sujeito e não há um sofrimento do ponto de vista de uma abordagem psicofísica que
real, tal como ocorre com a dor clínica. Além disso, considera tanto a avaliação (aspectos qualitativos va-
a duração da dor experimental – segundos, minutos, riados) quanto à mensuração (aspectos quantitativos)
talvez um período tão longo quanto duas horas – é, da dor, tanto em ambientes clínicos como em ambien-
invariavelmente, muito menor do que a dor clínica, a tes de pesquisa. Talvez, tenha sido por esta razão que,
qual pode durar por muitos anos. A intensidade da dor atualmente, em alguns países, a dor foi declarada como
experimental é usualmente muito menor do que a seve- o quinto sinal vital, a qual deve sempre ser mensurada,
ridade da dor clínica. registrada, ou anotada de alguma forma.
Embora seja tecnicamente possível manipular a dor ex- Apesar das diferenças entre dor clínica e dor experi-
perimental para que ela produza padrões de sofrimento, mental, certamente há relações diretas e indiretas entre
angústia, ansiedade, duração e nível de intensidade os elas, as quais justificam a importância dos estudos de
mais similares àqueles que ocorrem com a dor clíni- dor em laboratório. A metodologia psicofísica moderna
ca, tais manipulações, felizmente, não são éticas e nem criada por Stevens, quase que exclusivamente no con-
mesmo legais. Não obstante, a indução da dor possui texto de laboratório com outras modalidades sensoriais,
algumas vantagens, pois permite um maior controle muito contribuiu para o desenvolvimento dos métodos
dos estímulos e das condições experimentais, combi- escalares diretos que, atualmente, são freqüentemente
nados com um registro cuidadoso das respostas dos utilizados na mensuração das diferentes dimensões da
sujeitos. Isto certamente não ocorre com a dor clínica. dor clínica.
Embora essas diferenças sejam extremamente valiosas, A psicofísica clássica, com sua ênfase nos estímulos,
elas fracassam, por não destacarem a mais importante. foi muito útil para o desenvolvimento da mensuração
Do ponto de vista psicofísico, isto se refere à nature- da dor experimental, enquanto, ao contrário, a psicofí-
za dos julgamentos que tipicamente aparecem nos dois sica moderna, com sua ênfase na sensação, muito con-
contextos ou ambientes. No ambiente clínico, além do tribuiu para a mensuração da dor clínica. Na dor clíni-
questionamento necessário para a documentação mé- ca, o estímulo exato não é conhecido, ou se conhecido,
dica lidando especificamente com os aspectos qualita- não é facilmente manipulado, de maneira que o expe-
tivos da experiência da dor, um paciente típico rara- rimentador não tem controle direto sobre ele. Devido
mente, faz se em algum momento o faz, um julgamento a essa interação, os resultados experimentais podem,
explícito sobre a intensidade de sua sensação dolorosa. eventualmente, contribuir para a avaliação objetiva e a
Em contraste, os estudos de laboratório da dor, quase predição das reações de dor, enriquecendo-as, especial-
que por definição, requerem que o sujeito concentre-se mente no entendimento da dor crônica. Sem dúvida,
sobre seus sentimentos de dor e julgue a intensidade inúmeros estudos têm revelado que os mesmos fatores
dos mesmos. Explicitamente, e de certa forma exclusi- que modelam as respostas aos estímulos que provocam
vamente, o julgamento dos aspectos intensivos de uma dor experimental, também contribuem para a experi-
dada experiência de dor claramente distingue a dor ência da dor clínica, por exemplo, mais sensibilidade à
clínica da dor induzida em laboratório. Em adição, no dor é associada com maior intensidade de dor clínica1-3.
contexto de laboratório é possível requerer do sujeito
que ele faça julgamentos de várias intensidades de dor, POR QUE MENSURAR A DOR?
apresentadas, aleatoriamente, em situações controladas
de estimulação, enquanto no ambiente clínico o sujeito Por ser uma experiência subjetiva, a sensação de dor
julga, se isso eventualmente ocorrer, uma dada dor que não pode ser objetivamente determinada por instru-
ele está vivenciando naquele momento vivenciando. mentos físicos que, usualmente, mensuram diretamen-

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te o peso corporal, a temperatura, a altura, a pressão avaliação independente desses diferentes componentes
arterial e a pulsação. Em outras palavras, não existe um ou dimensões da dor. Todavia, no passado, um grande
instrumento padrão único e invariável, tal como uma número de estudos acerca da dor e da analgesia, e ain-
régua, que permita a um observador externo mensurar da atualmente realizados, consideram a dor como uma
de forma objetiva essa experiência interna, complexa e dimensão unitária que varia apenas na magnitude de
genuinamente pessoal. A despeito destas dificuldades sua intensidade. Mas, como os resultados de um expe-
intrínsecas, por que é importante mensurar a dor? rimento sobre a dor podem depender de qual dimensão
A mensuração da dor é extremamente importante no de dor está sendo no momento da avaliação, o fato de
ambiente clínico, pois se torna impossível manipular usar de uma simples medida da sensação dolorosa pode
um problema desta natureza sem ter uma medida sobre introduzir significativa variabilidade sobre os mecanis-
a qual basear o tratamento ou a conduta terapêutica. mos e também sobre o tratamento eficiente da dor.
Sem tal medida, torna-se difícil determinar se um tra- O que os pacientes entendem quando eles descrevem
tamento é necessário, se o tratamento prescrito é efi- a magnitude de dor que estão sentindo? Eles referem-
caz, ou mesmo quando deve ser interrompido um dado -se à intensidade sensorial, à presença de qualidades
tratamento. Com uma mensuração apropriada da dor sensoriais específicas, ou ao seu sofrimento, ansiedade,
torna-se possível determinar se os riscos de um dado angústia? São os registros de dor usualmente associa-
tratamento superam os danos causados pelo problema dos a uma dessas dimensões, ou os seus significados
clínico e, também, permite escolher qual é o melhor variam entre indivíduos? Se o estudo da sensação da
e o mais seguro entre diferentes tipos de conduta te- dor precisa ter uma fundamentação científica, é essen-
rapêutica. Ao lado disso, pode-se fazer um melhor cial mensurá-la. Por exemplo, caso necessite conhecer
acompanhamento e análise dos mecanismos de ação de a eficácia de diferentes fármacos analgésicos, precisa-
diferentes drogas farmacológicas. Em outras palavras, -se de números para dizer que a dor diminuiu de algu-
é possível aperfeiçoar a escolha. Considerar apenas a ma forma. Além da importância de conhecer que um
característica sensorial da dor, especialmente a sua in- fármaco diminuiu a sua intensidade, também é impor-
tensidade, ignorando suas propriedades afetivas e mo- tante conhecer se o fármaco especialmente diminuiu a
tivacionais é olhar para apenas parte do problema, e, qualidade de queimação da dor, ou se os sentimentos
talvez, nem mesmo para a parte mais importante dele. de desconforto e de desprazer, associados com a dor,
Há tempos destacou que a experiência subjetiva de dor sumiram de alguma forma5.
é mais importante do que qualquer outro aspecto asso- Ora, a avaliação da dor clínica é, usualmente, basea-
ciado a ela4. da nos registros verbais ou nos descritores comumen-
Uma avaliação eficaz da intensidade da dor possibilita te usados pelos pacientes para descreverem a dor que
examinar sua natureza, suas origens e os seus corre- estão vivenciando naquele momento. Um problema
latos clínicos em função das características emocio- que existe relaciona-se ao grau em que esses descri-
nais, motivacionais, cognitivas, e de personalidade tores verbais, comumente utilizados, compartilham os
do cliente/paciente. Algumas vezes, apenas medidas mesmos significados entre as principais dimensões da
grosseiras, tais como “dor presente” ou “dor ausente”, dor. Isto porque um dado descritor de dor pode ter mais
são necessárias para as intervenções clínicas; mas, para do que um significado associado a ele. Isto levou, por
completamente entender o fenômeno e para avaliar a exemplo6, a desenvolverem o questionário de avaliação
eficácia destas intervenções, necessitamos de medidas de dor McGill como um instrumento para avaliar as
mais sofisticadas tanto da intensidade quanto das res- qualidades sensoriais, afetivas e avaliativas da dor, jun-
postas afetivas associadas à dor. tamente com vários outros aspectos, tais como intensi-
dade, padrão e localização. Este questionário tem sido
A LINGUAGEM DA DOR traduzido e padronizado para diferentes culturas, raças
e sexos, haja vista a grande variabilidade no significado
Como já descrito, a dor é uma experiência descrita em dos diferentes descritores de dor usados pelos pacien-
termos de características sensoriais, motivacionais e tes para descrever tanto a dor clínica aguda quanto a
cognitivas e, muitas vezes, com sequelas emocionais. crônica7,8.
Por isso a utilidade de muitas medidas da dor, como, De fato, aparentemente, todos concordam que a dor
por exemplo, as escalas e os questionários multidimen- constitui-se numa experiência subjetiva, pessoal e mul-
sionais, resultam parcialmente do reconhecimento e da tidimensional que envolve dimensões psicológicas,

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comportamentais, afetivas, cognitivas e sensoriais. Por ciente. Uma avaliação global considerando todas as
ser um fenômeno multifacetado, a dor é também afe- múltiplas dimensões da sensação de dor é imprescin-
tada pela experiência passada e pela cultura. Assim, dível, especialmente em contextos clínicos. Mas é a
medir a intensidade da dor é de suma importância sensação de dor mensurável? Certamente é.
para os pesquisadores e para os clínicos, pois a sua
mensuração é essencial para a avaliação dos métodos A mensuração da sensação de dor
que a controlam. A avaliação/mensuração da dor é A dor tem sido considerada uma experiência sensorial
um pré-requisito fundamental para o seu tratamento e emocional subjetiva desagradável, difícil de quantifi-
e manipulação eficazes9-11. Visto que a dor é uma ex- car e qualificar. É um fenômeno complexo, derivado de
periência genuinamente subjetiva, apenas aqueles que estímulos sensoriais ou de lesões neurológicas, e que
a sentem podem determinar sua severidade e também pode ser modificado pela memória, pelas expectativas
a adequação de seu alívio. Em outras palavras, ape- e pelas emoções dos indivíduos. Além disso, a dor pode
nas a perspectiva do paciente é a correta e, portanto, ser influenciada por uma variedade de outros fatores,
suas autoavaliações são as mais acuradas e as mais incluindo as habilidades para manuseá-la e controlá-la,
confiáveis12,13. Por consequência, é razoável questio- os sinais vitais, a história médica e cirúrgica, as condi-
nar como tal fenômeno pode ser avaliado ou mensu- ções socioeconômicas, o contexto cultural, o sexo e as
rado. Pelo fato da dor ser uma experiência subjetiva habilidades intelectuais ou cognitivas.
é possível somente avaliá-la ou mensurá-la por meio A dor é usualmente associada com lesão ou a um pro-
das variadas respostas ou reações manifestadas pelas cesso patofisiológico que causa uma experiência des-
pessoas que a vivenciam. Entretanto, qual aspecto da confortável e desagradável sendo, geralmente, descrita
dor deve ser primariamente considerado, avaliado em tais termos. Por ser assim definida, ela constitui-se
ou mensurado? Sua intensidade ou os seus variados uma experiência multidimensional e, portanto, sua ava-
componentes hedônicos? Para isso, torna-se essencial liação engloba a consideração de inúmeros domínios,
definir ou esclarecer o que significam os termos ava- incluindo o fisiológico, o sensorial, o afetivo, o cog-
liação e mensuração no contexto da dor. nitivo, o comportamental e o sociocultural. Em outras
palavras, a dor afeta o corpo e a mente, e sua complexi-
AVALIAÇÃO VERSUS MENSURAÇÃO dade torna-a difícil de ser mensurada.
Embora não haja qualquer marcador biológico da dor,
Os termos avaliação e mensuração da dor são fre- a descrição individual e o autorregistro geralmente for-
quentemente usados como sinônimos, mas muitos necem evidências acuradas, fidedignas e suficientes
autores entendem que é importante distingui-los14. A para detectar a presença e a intensidade da dor. De fato,
mensuração é uma tentativa de quantificar a expe- não há qualquer marcador biológico disponível até o
riência individual da sensação de dor em compara- presente momento para indicar a presença ou o grau
ção com outros indivíduos experienciando a mesma da dor, exceto os indicadores manifestados por aqueles
sensação, enquanto avaliação é parte de um processo vivenciando dor.
global e é muito mais ampla que uma simples men- De acordo com o Instituto Nacional de Saúde (NIH),
suração. dos Estados Unidos, a autoavaliação é o “indica-
Certamente os mesmos instrumentos escalares po- dor mais confiável da existência e da intensidade da
dem ser utilizados tanto para a avaliação quanto para dor”. As medidas da dor que podem ser quantificadas
a mensuração, mas os usos das informações geradas incluem a intensidade, a localização a distribuição, a
diferem. As escalas de mensuração são essenciais na duração e periodicidade, a qualidade, sinais associados
pesquisa, mas elas são também úteis na prática clíni- e sintomas, o impacto e o significado pessoal2,16,17. O
ca onde esteja envolvida uma grande equipe. instrumento ideal para avaliação da dor, portanto, deve
Categoricamente afirmam que apenas uma simples incluir a identificação da presença de dor bem como o
medida da dor não é suficiente quando são conside- progresso da dor com o tempo ou em função do trata-
radas as múltiplas facetas da experiência da dor15. mento. Este instrumento deveria também ser aplicável
Do mesmo modo, sugere que a mensuração envolve a qualquer indivíduo, independente das características
quantificar a dor, enquanto avaliação envolve uma fisiológicas, emocionais ou culturais.
compreensão global da experiência dor9. Em resumo, Também, para manuseio e controle eficientes da dor,
perguntar apenas se um paciente tem dor não é sufi- torna-se necessário avaliá-la de forma regular e consis-

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tentemente, tal como é usualmente feito com os outros vital – juntando-se a frequência respiratória, pressão ar-
sinais vitais. Porém, temperatura, pulso, respiração e terial, frequência cardíaca e temperatura.
pressão sanguínea podem ser objetivamente mensura-
das, enquanto a sensação de dor considerada como o As dimensões da sensação de dor
“quinto sinal vital” é inerentemente subjetiva. Antes do século XIX, a dor era definida como um fe-
Todavia, não é suficiente perguntar, “quão intensa é sua nômeno da mente e poucas tentativas foram feitas para
dor numa escala de zero a 10?”. O clínico deve ava- tentar explicá-la em termos de seus mecanismos anatô-
liar cuidadosamente os aspectos multidimensionais do micos e fisiológicos. Com a evolução do pensamento
fenômeno da dor para desenvolver um compreensivo científico houve grandes progressos no conhecimento
programa de atendimento ao paciente, pois uma avalia- da anatomia e fisiologia do corpo humano e, por con-
ção precisa e confiável da dor é crucial para um plane- sequência, uma escola de pensamento emergiu, a qual
jamento eficiente para o seu tratamento. É impossível considerava a dor como um sistema sensorial huma-
manipular um problema clínico sem ter uma medida so- no, similar à audição ou visão, com os seus próprios
bre a qual basear o tratamento. Sem mensuração, não se substratos neurológicos. A transmissão da informação
pode determinar se o tratamento é necessário, se o tra- da dor foi considerada como estando ao longo de uma
tamento prescrito é eficiente, ou quando interrompê-lo. via direta, indo desde os receptores periféricos até o
Não se pode determinar se os riscos de um tratamento centro de dor no cérebro. Esta visão reducionista da
superam os malefícios causados pela condição física e, experiência da dor supunha que a dor era uma sensação
além disso, não se pode escolher logicamente entre os específica e que sua intensidade era proporcional à ex-
diferentes tipos de tratamentos. A mensuração habilita- tensão da lesão dos tecidos. Este “modelo nociceptivo”
-nos a examinar a natureza, as origens e os correlatos da experiência da dor ainda permanece como padrão
da dor. Em algumas circunstâncias, medidas grosseiras, em muitas intervenções clínicas.
como “dor presente” ou “dor ausente”, são necessárias Porém, recentemente, o conceito de dor tem mudado
para intervenções clínicas, mas para um completo en- de um simples sinal neurofisiológico para um fenôme-
tendimento do fenômeno e para avaliar a eficácia das no psicofisiológico complexo, com muitos correlatos
intervenções tornam-se necessárias medidas sofistica- inter-relacionados, ainda que pouco entendidos. Esta
das da intensidade e da dimensão afetiva da dor. mudança ocorreu, em parte, por causa das recentes pes-
A avaliação incorreta da dor é a causa principal do ma- quisas demonstrando que a gravidade da dor registrada
nejo inapropriado da dor. O motivo mais comum para o pode estar relacionada a sintomas fisiológicos especí-
tratamento incorreto da dor nos hospitais norte-america- ficos, combinados com o efeito de uma ou mais variá-
nos tem sido o fracasso dos clínicos em avaliarem a dor veis psicológicas. Fatores culturais, influências sociais
e o seu alívio. Para minimizar isso tem havido inúme- moduladoras, assim como, fatores de personalidade e
ros esforços e campanhas para elevar a consciência dos comportamentos instrumentais podem influenciar o re-
clínicos sobre a importância da avaliação e mensuração gistro da dor. Desde que a experiência da dor possa ser
da dor. Como consequência direta desses esforços, em influenciada por uma composição destes fatores, torna-
1996, A Sociedade Americana de Dor (American Pain -se evidente que qualquer tentativa séria para avaliá-la
Society) introduziu o conceito “dor como o quinto si- deve incluir medidas que sejam sensitivas a tal modu-
nal vital”. Esta iniciativa enfatiza que a avaliação da dor lação. Todavia, é surpreendente que o progressivo en-
é tão importante quanto a avaliação dos outros quatro tendimento dos fatores psicológicos, que modulam a
sinais vitais padrão e que os clínicos necessitam agir sensação de dor, não tenha apresentado grande influ-
quando os pacientes registram dor. Também reconhecen- ência nos procedimentos utilizados para avaliar a dor
do a importância da avaliação da dor, outras sociedades clínica. Em muitos contextos, como mencionado, a dor
norte-americanas ligadas à saúde, reconheceram o valor ainda é mensurada ao longo de uma dimensão unitária
de tal abordagem e incluiu a dor como o quinto sinal vi- da intensidade. A mensuração da dor, baseada exclu-
tal em suas campanhas nacionais acerca do seu manejo sivamente nessa dimensão, fracassa em reconhecer as
e o seu controle. Da mesma forma, em 14 de junho de características reativas (emocionais) e sensoriais (sen-
2003, a Direção Geral de Saúde, em Portugal, estabele- timentos) da dor.
ceu como norma de boa prática nos serviços prestadores Claramente, não há uma correspondência um a um en-
de cuidados de saúde, o “registro sistemático da intensi- tre lesão nos tecidos e sensação de dor. A dor é uma
dade da dor”, elevando-a a dignidade de 5º quinto sinal experiência perceptual, subjetiva, e a característica que

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a diferencia de uma simples sensação é exatamente sua Análise estatística multivariada


qualidade afetiva. Assim, a dor parece ter duas proprie- A estatística multivariada tem sido introduzida com o
dades genuínas: (a) uma sensação corporal e (b) um propósito de verificar se de fato os descritores de dor
efeito afetivo de natureza aversiva. Por sua vez, cada se enquadram ao longo de dimensões rotuladas como
uma dessas propriedades pode ser caracterizada ao lon- sensorial e afetiva. A metodologia tem envolvido prin-
go de outras dimensões: sensações podem ser externas cipalmente a análise fatorial (Factor Analysis - FA) e
(por exemplo: pressão, temperatura) ou internas (do- em menor extensão a análise multidimensional (Mul-
lorido, queimação), e o afeto pode pertencer ao nível tidimensional Scaling - MDS) e a análise de conglo-
de excitação ou a emoções qualitativamente diferentes merados (Cluster Analysis). Comum, a todos estes
(por exemplo: medo, raiva, tristeza). Há também fe- procedimentos, é a análise simultânea de um número
nômenos associados, tais como antecedentes neurais e de variáveis sem designá-las como independente ou
conseqüentes comportamentais18. Mas, categoricamen- dependente, com o propósito de descobrir a estrutura
te, a dor é vivenciada em um nível físico e em um nível latente destas variáveis. Tomados em conjunto, estes
afetivo. Como enfatizada pela Associação Internacio- procedimentos revelam indicações que permitem supor
nal para o Estudo da Dor19, “a dor é inquestionavelmen- claramente a existência da separação dos componen-
te uma sensação numa parte ou partes do corpo, mas ela tes sensorial e afetivo da dor. Há, porém, dois grandes
é também sempre desagradável e, portanto, é sempre problemas metodológicos nestes procedimentos. Em
uma experiência emocional” (S 217). primeiro lugar, as amostras têm sido sempre pequenas.
Entretanto, apesar do aparente consenso de que a dor Para gerarem dados confiáveis, estes procedimentos
tem componentes sensoriais e afetivos, nem todos es- requerem amostras com, pelo menos, 200 sujeitos, ou
tão convencidos da separação entre estes componentes. uma amostra pelo menos cinco vezes maior que o nú-
De um lado, alguns autores20 argumentam que é impos- mero de variáveis englobadas pelos fatores esperados,
sível, introspectivamente, separar sensação, percepção além de uma rotulação criteriosa dos fatores e a incor-
e cognição, e que seria mais apropriado falar de cau- poração de uma série sistemática de estudos em que a
sas contribuintes em lugar de componentes separados estrutura dos fatores é progressivamente refinada. Em
da dor. Para estes autores, a ideia dos componentes de segundo lugar, há limitações inerentes na análise mul-
sensação e reação como partes distinguíveis da expe- tivariada que usualmente impõem constrangimentos no
riência não é bem corroborada e, também, não possui problema focalizado. Por exemplo, os tipos de estímu-
uma justificativa convincente, podendo, portanto, pode los selecionados e a tarefa designada influenciam as
ser provavelmente descartada. De outro lado, outros respostas dos sujeitos.
autores21 propõem que dor e emoção são processados
separadamente e em paralelo. Para eles, os eventos sen- Aplicações da Teoria da Detecção de Sinal (TDS)
soriais e a informação afetiva são processados quase Em contraste com a análise estatística multivariada do
simultaneamente, e a separação dos componentes sen- vocabulário da dor, a teoria da detecção de sinal tem
soriais e afetivos aparece no início da codificação do frequentemente permitido a demonstração experimen-
estímulo, de acordo com o tipo de especialização do tal dos componentes da dor. A identificação desses com-
receptor. Porém, muitas dessas abstrações não são fa- ponentes também tem sido problemática. A interpreta-
cilmente testáveis, embora algumas delas possam ser ção de d´ e β em termos unitários é aberta a desafios. O
consistentes com evidências neurofisiológicas. critério de respostas β, representa o grau de prontidão
Assim, a comprovação da questão da separação entre para registrar a dor, e esta razão de verossimilhança é
dimensão sensorial e dimensão afetiva da dor deve um produto de multifacetadas variáveis psicológicas
necessariamente ser baseada em evidências empí- (tais como atitude, recompensa, características da de-
ricas, e recentemente há vários estudos que a sus- manda e personalidade) da qual emoção é um dos in-
tentam. Tais estudos, realizados com este propósito, gredientes. Algumas intervenções, como manipulações
podem ser agrupados em quatro grandes grupos: (1) médicas e psicológicas, envolvendo o uso de tranquili-
análise estatística multivariada, (2) aplicações da Te- zantes e expectativas (através da sugestão ou placebo),
oria da Detecção de Sinal (TDS), (3) escalonamen- claramente identificam um componente afetivo como
tos psicofísicos unidimensionais e (4) imageamento distinto das propriedades sensoriais da dor. Num senti-
cerebral para identificar um substrato neural comum do estrito, a TDS faz uma substancial distinção entre os
da dor. constituintes sensorial e psicológico da dor.

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Silva e Ribeiro-Filho Rev Dor. São Paulo, 2011 abr-jun;12(2):138-51

Outra preocupação é com a caracterização do d´. Este são obtidas em cada escala, corrobora-se a distinção
índice não é apenas um indicador da sensibilidade da entre as dimensões afetivo-sensorial. As escalas de ca-
presença ou ausência do estímulo (isto é, a detecção do tegorias, as escalas analógicas visuais e as escalas de
sinal). Na pesquisa de dor, entretanto, ele representa a razão têm sido frequentemente utilizadas com este pro-
discriminabilidade entre os vários estímulos adjacen- pósito. Todavia, cada uma delas apresenta problemas
tes que causam dor, considerando que é virtualmente metodológicos que devem ser considerados.
impossível apresentar um estímulo de intensidade zero Com o uso das escalas de categorias há dois problemas
sem evocar sensações de tato ou de temperatura, como centrais. Primeiro, pelo fato do número de categorias
ocorre nesse caso. Por consequência, d´ mede a sensi- com as quais os estímulos são julgados serem fixos, o
bilidade diferencial em vez da sensibilidade absoluta método introduz sérios vieses. Por isso, as escalas de
à dor. A conceituação de d` tem sido revisada, pois há categorias são especialmente sensíveis aos efeitos de
demonstração de que este parâmetro pode também ser contexto, tais como, a amplitude das categorias e a fre-
influenciado por variáveis cognitivas tais como déficits quência dos estímulos. No caso da mensuração da dor,
de memória e perseverança na resposta. uma maior fonte de erro tem sido o constrangimento
Assim, segue-se que d´ e β não são medidas puras das causado ao examinando pela imposição de uma âncora
respostas sensoriais e afetivas, respectivamente, porque ou limite superior, no fim do contínuo de dor, isto é, da
eles são influenciados também por fatores cognitivos. escala de mensuração da dor. Segundo, as escalas de
Além disso, ambos os índices podem não ser abertos à categorias não permitem afirmações sobre a razão de
avaliação independente. A sensação pode influenciar o diferenças entre as medidas de dor obtidas. Tem sig-
critério de resposta e vice-versa. E como ocorre com nificado afirmar que uma medida é maior do que outra
os procedimentos da análise estatística multivariada, ou subtrair uma da outra, mas não é possível deduzir
apesar da separação estatística com o uso da TDS, os quantas vezes uma medida é maior ou menor que outra.
dois componentes da dor podem ser funcionalmente re- Num esforço para minimizar algumas das limitações
lacionados. das escalas de categorias, as escalas analógicas visuais
A TDS tem sido usada em vários estudos22-24 para exa- têm atraído considerável interesse na mensuração da
minar a influência do placebo, do óxido nítrico, do dor. Devido às suas características psicométricas e fa-
diazepam (um bloqueador neuromuscular menor), da cilidade de uso pela maioria das pessoas, estas escalas
morfina (um narcótico analgésico), da acupuntura e da têm sido usadas para diferenciar dimensões sensoriais e
estimulação elétrica transcutânea no nervo. Dor, nes- afetivas da dor. Os dados usualmente têm mostrado es-
tes casos, foi evocada por estimulação elétrica da pol- timativas consistentemente mais altas para a sensação
pa dentária ou por calor aplicado à pele. Os resultados do que para o afeto em condições em que a dor foi ex-
destes estudos foram consistentes com uma interpre- perimentalmente induzida. Adicionalmente, às estima-
tação de d´ como sensibilidade à dor e o critério de tivas obtidas nessas escalas ajustam-se perfeitamente á
resposta (β) como um viés de resposta. A administração funções de potência, com um diferente expoente para
do placebo resultou em apenas uma variação no crité- a dimensão sensorial e a dimensão afetiva. Este padrão
rio de resposta sem uma mudança em d´, enquanto as de resultados tem sido tomado como forte suporte de
intervenções ativas reduziram d´ com efeitos variáveis que estas escalas podem separar as duas dimensões da
sobre o critério de resposta. Estes resultados têm des- experiência da dor.
pertado novos interesses para esta técnica e reavivado Porém, dois problemas metodológicos devem ser apon-
a atenção sobre a avaliação da analgesia e dos vieses tados. Primeiro, as medidas obtidas com as escalas
de resposta25-27. analógicas estão sujeito à variabilidade dependendo do
comprimento da escala e do modo como as extremida-
Escalonamentos psicofísicos des da escala são rotuladas. Ademais, as instruções po-
Talvez, a metodologia psicofísica mais comumente dem influenciar como os sujeitos respondem às solici-
usada para a mensuração da sensação de dor seja as es- tações para emitir respostas diferenciais às dimensões
calas de estimação unidimensionais. Para medir o com- sensoriais e afetivas. Segundo, embora as estimativas
ponente sensorial em relação ao componente afetivo da analógicas sejam um caso especial do método de em-
dor, esta abordagem tem feito uso de escalas pareadas, parelhamento intermodal entre modalidades diferentes,
onde uma dada escala é usada para quantificar cada sua adaptação para a mensuração da dor contradiz as
componente em separado. Se estimativas diferenciais propriedades de razão. As estimativas analógicas estão

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Rev Dor. São Paulo, 2011 abr-jun;12(2):138-51 A dor como um problema psicofísico

ancoradas no topo, diferente das escalas de razão. Além fazer ajustamentos intermodais proporcionais à razão
disso, ela carrega um elemento das escalas de catego- das diferenças entre dois estímulos é também uma fon-
rias porque descritores são comumente usados para de- te de dúvida. Replicaram a estas críticas fazendo men-
marcar vários pontos na escala e estes podem distorcer ção a uma vasta literatura confirmando as escalas de
a distribuição das estimativas. razão obtidas através do emparelhamento intermodal28.
A escala de razão constitui o nível mais alto de men- Afirmaram que, se estes métodos produzem medidas
suração. Ela requer um ponto zero não-arbitrário ou em nível de razão das dimensões afetiva e sensorial da
origem e intervalos iguais entre as escalas. Tal escala dor, é um assunto discutível29. De fato, a constatação
é comumente obtida pelas estimativas de magnitude da existência de funções psicofísicas separadas para
(Magnitude Estimation - ME) em que os sujeitos assi- dor sensorial e dor afetiva é uma evidência insuficiente
nalam um número facilmente relembrado, por exemplo, para a separação dos dois componentes. Porém, o mais
10, a um estímulo padrão e, então, assinalam números importante é a divergência entre as duas funções ou
aos estímulos subsequentes, de modo que a razão entre uma diferença entre suas inclinações, e ambas têm sido
os números assinalados e o número 10 reflita a razão invariavelmente encontradas em vários estudos, explo-
entre a sensação produzida pelo estímulo variável e rando tanto a dor experimental quanto a dor clínica,
a sensação produzida pelo estímulo padrão; alternati- usando o método do emparelhamento intermodal.
vamente, os sujeitos podem ajustar o comprimento de
uma linha ou a força dinamométrica para emparelhar Imageamento cerebral
mudanças proporcionais na magnitude do estímulo, O uso das técnicas de imageamento cerebral como,
um procedimento denominado de emparelhamento in- por exemplo, Tomografia por Emissão de Pósitrons
termodal (Cross-Modality Matching- CMM). Este tem (PET), Imagens por Ressonância Magnética Funcional
sido o método dominante utilizado com o propósito de (fMRI) em humanos, tem permitido aos pesquisadores
derivar escalas de razão para as dimensões afetivas e investigarem as bases neurais da experiência sensorial
sensoriais da dor. complexa e emocional da dor. Examinando a percep-
Os estudos que utilizaram estes métodos psicofísicos ção, concomitantemente com a atividade neural em hu-
têm revelado que as estimativas de magnitude, assim manos conscientes, os estudos têm permitido revelar
como os emparelhamentos intermodais dos descritores como o cérebro processa a complexa sensação da dor.
de dor têm produzido uma amplitude maior para as es- De fato, uma combinação da mensuração de múltiplos
timativas da dimensão sensorial do que aquelas para a indicadores perceptuais com o imageamento cerebral
dimensão afetiva. Este padrão de resultados é tomado permite aos pesquisadores examinarem a determinação
como suporte da idéia de que há um contínuo para a dor neural de diferentes aspectos da experiência da dor.
sensorial e um contínuo separado para a dor afetiva. Usando análises correlacionais, diferentes substratos
Interessante notar que sob intervenção farmacológica, neurais das dimensões sensorial e afetiva da experiên-
as estimativas de razão dos dois componentes da dor cia da dor têm sido comparados e elas têm revelado
revelam alteração seletiva. O fentanil que é um opioide que estes dois construtos (sensorial e afetivo) não são
reduz a dor sensorial, mas não afeta a sua contrapar- isomórficos. O componente afetivo da dor, isto é, o
te afetiva. De outro lado, o diazepam reduz a afetiva, quão desagradável é a experiência da dor, é altamente
mas não a sensorial. Isto vai de encontro com os efeitos influenciado pela intensidade da sensação da dor. Num
documentados destes fármacos: os opioides tendem a esforço para dissociar as dimensões sensoriais e afeti-
exercer um efeito analgésico, mas os tranqüilizantes vas da dor, os pesquisadores têm também feito uso das
menores têm seu efeito alterando o ânimo28,29. sugestões hipnóticas em sujeitos experimentais para
Tem havido também vigorosos debates sobre se as es- seletivamente alterar a intensidade percebida ou o des-
timativas obtidas com estes tipos de escalonamentos prazer de um estímulo doloroso (por exemplo, tempe-
se conformam às escalas de razão. Por exemplo, tem ratura) apresentado na mão do sujeito31. A partir de aná-
rejeitado a suposição das propriedades de razão des- lises correlacionais entre as percepções dos sujeitos e
tas escalas30. Ele apontou que a exigência de um nível as mudanças no fluxo sanguíneo cerebral evocado pela
de mensuração de razão com um ponto zero não-arbi- dor, os pesquisadores revelaram que, a ativação evo-
trário, racional, raramente é satisfeito, até mesmo nas cada da dor no córtex somatossensorial primário (S1)
ciências naturais e, provavelmente, é inatingível em foi mais altamente relacionada à dimensão sensorial da
psicologia. Apontou, também, que os sujeitos poderem dor, enquanto que o córtex anterior cingulado (ACC)

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Silva e Ribeiro-Filho Rev Dor. São Paulo, 2011 abr-jun;12(2):138-51

foi mais bem relacionado à dimensão afetiva32,33. cos recomendam o uso das escalas multidimensionais
Tem afirmado que os estudos sobre o imageamento na avaliação de dor complexa ou persistente, pois en-
cerebral em humanos vivenciando dor indicam que há tendem que a dor é mais bem avaliada quando muitos
uma rede de estruturas corticais e subcorticais que es- indicadores são utilizados.
tão subjacentes a esta experiência, seja a dor originada Com as escalas multidimensionais, os estímulos são
de lesão tecidual periférica ou a partir de anormalida- representados por valores psicológicos sob mais que
des do sistema nervoso central33. uma dimensão ou atributo. Desta forma, múltiplos in-
Pelo fato da experiência sensorial e emocional asso- dicadores das diferentes dimensões da experiência da
ciada com a dor variar amplamente entre indivíduos, dor, tanto de suas dimensões primárias, a intensidade
bem como dentro do mesmo indivíduo em diferentes e o desprazer, quanto de suas múltiplas dimensões, tais
momentos e em diferentes contextos, torna-se obvia- como localização, duração, intensidade e qualidade, e
mente importante combinar rigorosos métodos quan- que fornecem o máximo de informação possível sobre
titativos com as técnicas de imageamento cerebral. As as respostas individuais da dor e suas inúmeras intera-
dissimilaridades vivenciadas são refletidas em vários ções, devem ser incluídos em qualquer escala multidi-
padrões de ativação neural observada em diferentes mensional. Na realidade, as escalas unidimensionais ou
estudos experimentais. Todavia, apesar dessas diferen- bidimensionais, de estimação da magnitude da intensi-
ças, muitos aspectos comuns emergem destes estudos, dade ou do desprazer da dor, podem ser classificadas
incluindo a ativação de regiões sensoriais, tais como o como técnicas restritas porque o número e a qualidade
córtex somatossensorial primário e o córtex somatos- das dimensões são pré-determinadas antes que a men-
sensorial secundário (S2) e áreas límbicas, tais como suração seja feita. As escalas multidimensionais não-
o córtex anterior cingulado e o córtex insular (IC). O -restritas permitem aos pacientes determinarem o nú-
mais importante é que o grau de ativação destas regiões mero e o tipo de dimensões e são, portanto, supostas ser
é dependente de fatores cognitivos, tais como o esta- menos enviesadas, melhor representando a realidade da
do de atenção, que altera a percepção de dor. Portan- experiência da dor. Entretanto, esta diferenciação não é
to, quando um paciente vivencia dor, independente de totalmente clara porque o objetivo, mesmo das escalas
sua origem, pelo menos alguns componentes desta rede não restritivas, é descobrir as dimensões reais da dor
cortical são prováveis de serem ativadas e podem ter e, portanto, conduzir à mensuração restritiva. Inversa-
distintos determinantes neurofisiológicos34,35. mente, o sistema de dimensões sensoriais e afetivas foi,
em parte, descoberto através da categorização empírica
Como as dimensões da dor são mensuradas? dos registros de dor17.
A experiência da dor pode ser mensurada consideran-
do duas suposições básicas. Primeira, que a dor é uma Tipos de indicadores da sensação de dor
dimensão univariável e unitária, isto é, ela é conside- Há três grandes categorias nas quais podem ser agrupa-
rada como uma simples dimensão variando apenas em dos os indicadores da sensação de dor: (1) indicadores
magnitude. Segunda, a percepção da dor é claramente obtidos através da autoavaliação (autorregistros) da dor,
uma rica e multidimensional experiência, variando na (2) indicadores observáveis (comportamentais) da dor
qualidade sensorial, na intensidade sensorial e em ca- e (3) indicadores fisiológicos (alterações biológicas) da
racterísticas afetivo-motivacionais. No primeiro caso a dor. Às vezes, estes indicadores são agrupados em ape-
dor usualmente é avaliada por meio de escalas unidi- nas duas amplas categorias: indicadores fisiológicos e
mensionais e, no segundo caso, por meio de escalas/ indicadores psicofísicos. A figura 1 mostra, esquema-
questionários multidimensionais. Nas escalas unidi- ticamente, um modelo de avaliação e mensuração da
mensionais, os estímulos podem ter muitos atributos, sensação de dor, considerando estas duas categorias.
mas há apenas uma dimensão psicológica de interesse. Dentre as medidas fisiológicas, ditas objetivas pode-
Portanto, usualmente elas avaliam uma simples e única -se destacar a resposta galvânica da pele, os batimentos
dimensão da dor, isto é, a magnitude da intensidade da cardíacos, os potenciais evocados, a dilatação da pupi-
dor comumente registrada pelo paciente. Embora úteis la, a pressão sanguínea, a sudação palmar, a saturação
para avaliarem a dor aguda de etiologia bem definida de oxigênio, a pressão intracraniana, o fluxo sanguíneo
(por exemplo, a dor no pós-operatório), as escalas de na pele e imagens das diferentes áreas do cérebro por
estimação da intensidade podem simplificar a avalia- ressonância magnética funcional (fMRI) ou por Tomo-
ção de algum tipo de dor. Para evitar isso muitos clíni- grafia por Emissão de Pósitrons (PET). Dentre as medi-

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Rev Dor. São Paulo, 2011 abr-jun;12(2):138-51 A dor como um problema psicofísico

das psicofísicas, ditas subjetivas destacam-se as esca- Os diários podem ser relativamente estruturados con-
las unidimensionais e multidimensionais dirigidas aos tendo a informação necessária para registro preparada
atributos sensorial, hedônico e avaliativo da sensação num formato que é completada em intervalos regulares
de dor. Importante no modelo é a inclusão de variáveis e contínuos como, por exemplo, o registro contínuo ou
que modulam a percepção, a sensação, a intensidade em intervalos fixos da dor percebida durante um período
e a qualidade da dor vivenciada e, então, registrada. de tempo. Estimativas da intensidade da dor, níveis de
Variáveis atentivas, mnemônicas, cognitivas e motiva- repouso e de atividades, e estados afetivos, emocionais e
cionais podem diretamente afetar a dimensão sensorial, sentimentos atuais podem também ser registrados.
bem como o caráter hedônico da dor clínica e mesmo O autorregistro é considerado um instrumento padrão
da dor experimental percebida. De fato, provavelmen- da mensuração da dor porque ele é consistente com a
te, a variável psicológica mais estudada que modifica a própria definição da dor. Dor é uma experiência sub-
experiência da dor, é o estado atentivo. jetiva. Mas, o dilema das medidas derivadas da autoa-
Um grande número de estudos registra que a dor é per- valiação, reside exatamente, na sua natureza subjetiva.
cebida de forma menos intensa quando os indivíduos Elas são baseadas na percepção do paciente de sua dor
são distraídos da dor. A distração é manipulada fazen- e esta percepção pode ser influenciada por outros fa-
do-se com que o paciente atenda a outra modalidade tores. Por exemplo, que certeza o clínico tem de que
sensorial, como a visual, a auditiva ou a um estímulo tá- o paciente está dando respostas honestas, confiáveis,
til, conduzindo a uma modulação sensorial intermodal ou que estas respostas não tenham sido enviesadas por
similar àquela observada em outras modalidades36,37. outros fatores não inerentes à percepção de dor.
Interessante observar também que alguns autores têm Tem havido uma controvérsia sobre a validade dos dados
usado técnicas hipnóticas31 e a técnica de realidade vir- obtidos através da autoavaliação; alguns trabalhos reve-
tual imersiva para controlar e/ou modular a dor38. Além lam que o nível de dor registrado pelos pacientes com dor
disso, variáveis culturais, raciais e de sexo, também po- crônica não foi relacionado com os seus respectivos re-
dem afetar a percepção e a experiência da dor39,40. gistros de incapacidade física41. O dilema aqui reside no
fato de que é esperado que o grau de incapacidade física
Indicadores por autorregistros da sensação de dor seja proporcionalmente relacionado à severidade da dor.
A pessoa se queixando de dor fornece informações para Quando ambos não se relacionam deste modo, argumen-
completar a medida da dor. As autoavaliações são usa- ta-se que o autorregistro da dor do paciente é exagerado e,
das de várias formas. Elas frequentemente envolvem a portanto, inválido. Certamente isto é o esperado, mas o de-
estimação através de alguma escala métrica. Um clínico sempenho físico atual e o nível de desempenho físico per-
pode solicitar ao paciente para estimar a dor mais intensa cebido podem ser dois construtos inteiramente diferentes,
(a pior dor), a menor dor e a dor moderada percebida na cada um dos quais dando informação clínica válida sobre
última semana. Diários como papéis e lápis ou eletrôni- um paciente com dor clínica. Finalmente, as medidas do
cos, constituem outros modos de obter uma prospectiva, autorregistro baseiam-se na habilidade de uma pessoa se
visão subjetiva da dor de um paciente, se a dor é per- comunicar sobre a dor. O autorregistro não é possível com
sistente ou crônica. É um modo muito útil de medir o infantes, crianças jovens, ou com pessoas com necessida-
impacto que a dor causa na vida funcional do paciente. des especiais que dificultam a comunicação.

Indicadores objetivos Indicadores subjetivos


Afeto, Emoção, Motivação
Medidas fisiológicas Medidas psicofísicas
Cognição, Atenção, Memória

fMRI Escalas
Batimento cardíaco Modulação unidimensionais
Potencial evocado da dor Escalas
Suor palmar multidimensionais

Figura 1 – Interação entre os diferentes indicadores da sensação de dor

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Silva e Ribeiro-Filho Rev Dor. São Paulo, 2011 abr-jun;12(2):138-51

Indicadores comportamentais da sensação de dor Indicadores fisiológicos/biológicos da sensação de dor


Os indicadores de comportamentos observáveis consti- A terceira categoria de indicadores úteis para a mensu-
tuem outro conjunto de reações capturadas pelas esca- ração da sensação de dor é fisiológica. A dor causa mu-
las de mensuração da dor. Estes indicadores, usualmen- danças biológicas na frequência cardíaca, respiração,
te, feitos por um clínico, ou por alguém muito familiar transpiração, tensão muscular, pressão arterial e outras
ao paciente, consistem no registro de algum compor- mudanças associadas com o estresse, a agonia e a afli-
tamento observável associado à experiência da dor, ção da resposta43. Estas mudanças biológicas podem
usualmente referente ao comportamento ou desempe- ser usadas como uma medida indireta da dor aguda,
nho físico. Exemplos são: o choro; as expressões fa- mas a resposta biológica à dor aguda pode estabilizar-
ciais tais como, sobrancelhas franzidas, olhos cerrados, -se ao longo do tempo como tentativas do corpo para
afundamento da prega nasolabial, lábios abertos, boca recuperar sua homeostase. Por exemplo, a respiração e
alargada verticalmente e língua tensa e côncava; os os batimentos cardíacos podem mostrar pequenas alte-
movimentos físico-corporais dos braços e das pernas, rações no início de uma enxaqueca, principalmente se
o tônus muscular, a agitação, a excitabilidade, a con- o início for relativamente repentino e severo, mas com
solabilidade, etc. São frequentemente utilizados para o decorrer do tempo estas oscilações provavelmente
avaliar a dor em recém-nascidos, crianças pré-escola- retornam às taxas anteriores ainda que possa persistir
res, idosos e em pessoas portadores de deficiência físi- a enxaqueca. Medidas desses indicadores fisiológicos
ca ou cognitiva. Além disso, estes indicadores podem são úteis em situações onde as medidas comportamen-
ser úteis para corroborar os autorregistros dados pelo tais observáveis são mais difíceis. Por exemplo, medi-
paciente. Eles são também úteis para identificar outras das comportamentais podem ser usadas para medir a
áreas preocupantes, particularmente a mensuração do dor em infantes, mas as medidas fisiológicas têm forne-
funcionamento físico e os fatores ergonômicos que po- cido importante informação sobre a dor pós-cirúrgica
dem exacerbar ou causar dor relacionada ao trabalho. em recém-nascidos18,44. Em resumo, as medidas de au-
Os componentes subjetivos podem ajudar em determi- torregistro são consideradas o padrão-ouro na mensu-
nar qual tipo de programa de tratamento é mais apro- ração ou avaliação da dor. Afinal, somente o paciente
priado para qual tipo de paciente com dor42. Não obs- conhece exatamente quão intensa e o quão perturbado-
tante, as medidas comportamentais, como uma técnica, ra é a dor que ele sente. As medidas feitas por outros,
por exemplo, podem ser relativamente custosas, pois o clínico ou alguém próximo do paciente como o con-
requerem muito tempo de observação, além de treino jugue, são úteis, mas estas mensurações são indiretas.
intensivo sobre as técnicas de observação. Elas podem É ainda muito importante notar que todas estas três
também ser menos sensíveis aos componentes afetivos categorias de medidas têm algum grau de erro. Elas
e subjetivos da experiência da dor. fornecem uma parte da configuração geral (da gestalt)
Em pesquisa, as medidas comportamentais têm-se da experiência de dor do paciente, mas elas não têm
mostrado mais acuradas para dor aguda desde que o 100% de precisão.
comportamento de dor tende a se habituar quando a Nos capítulos seguintes vamos discutir os vários pro-
dor torna-se mais crônica. Entretanto, também, não há cedimentos e/ou técnicas que podem ser usadas para
qualquer comportamento que seja um indicador de dor. obter uma descrição mais completa da sensação de
Compressão do abdome, por exemplo, pode ser devido dor, clínica e experimental ou induzida. As escalas
à dor, mas pode também ser um espasmo de náusea. unidimensionais e as escalas multidimensionais mais
Para conhecer o que cada comportamento significa, comumente usadas para mensurar e avaliar a sensação
deve-se perguntar ao paciente e isto nada mais é que o de dor, tanto em adultos quanto em crianças, serão des-
próprio autorregistro. critas, incluindo suas propriedades psicométricas quan-
Por último, os indicadores observáveis aparentemente do aferidas. Importante, todavia, destacar novamente
constituem uma medida mais objetiva da dor do pacien- que as medidas que descrevem a dor são, por nature-
te, mas elas podem refletir a subjetividade das mensu- za, autoavaliativas. Elas são tipicamente na forma de
rações feitas pelo clínico, ou por alguém conhecido do questionários, inventários, formulários, escalas de es-
paciente, da dor do paciente. Aqueles que fazem tais timação, escalas analógicas visuais e desenhos. Lem-
mensurações devem ser necessariamente treinados a brando ainda que a sensação de dor possa ser descrita
identificar e a registrar quais comportamentos estão as- em termos de sua intensidade (isto é, o quão intensa ela
sociados ou não à dor. é), de sua qualidade (isto é,o quão penetrante, difusa,

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Rev Dor. São Paulo, 2011 abr-jun;12(2):138-51 A dor como um problema psicofísico

dura, estonteante, etc. ela é), e sua localização espacial 12. Twycross R. Pain relief in advanced cancer. London:
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A descrição da dor de um paciente serve a vários pro- 13. McCaffery M. Nursing the patient in pain. Philadel-
pósitos. Uma descrição de linha de base permite com- phia: JB Lippincott; 1972.
parações de mudanças. Idealmente, a dor poderia ser 14. Dick MJ. Assessment and measurement of acute
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mento, e então durante e no final do tratamento. As es- 15. Turk DC, Melzack R. Hanbook of pain assessment.
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cientes com dor crônica e os resultados, quando com- Press; 1985. p. 191-231.
binados, são usados para aumentar a fidedignidade da 17. Gracely RH, Naliboff BD. Measurement of pain sen-
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tempo e esforço fornece uma linha de base para verda- CA: Academic Press; 1996. p. 243-313.
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