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ANA CLARA RESSIGUIER ARAUJO

DEBORA SILVA CARDOSO


LAURA PEREIRA LA-GATTA
LIVIA RIBEIRO GOMES
MARIA LUIZA VILAS NOVAS
PAULA PEREIRA MENEZES
THAÍS CARDOZO ESPINOSA
VALENTINA OLIVEIRA ESPINOSABARROS MARTINS
Orientador (a): Anderson Pereira Nunes

DOR

Campos dos Goytacazes- RJ


2023
RESUMO: A dor é uma experiência complexa que envolve componentes sensoriais e
emocionais, associada a lesões reais ou potenciais. Existem vários tipos de dor, como
aguda, crônica, crônica neuroplástica, crônica nociceptiva, fisiológica,
nociceptiva/inflamatória e mista. Seus componentes incluem a nocicepção, com
receptores de dor, e todo o processo da interpretação das informações no sistema
nervoso central. Mecanismos de dor abrangem transmissão, modulação e percepção,
tornando o entendimento desses processos crucial. Os tratamentos abrangem
medicamentos analgésicos, fisioterapia, terapias cognitivas e, muitas vezes, uma
abordagem multidisciplinar para um manejo eficaz, considerando a natureza
diversificada da dor.

Palavras-Chaves: Dor;Sistema Nervoso;Crônica.


ABSTRAC: Pain is a complex experience that involves sensory and emotional
components, associated with real or potential injuries. There are several types of pain,
such as acute, chronic, chronic neuroplastic, chronic nociceptive, physiological,
nociceptive/inflammatory and mixed. Its components include nociception, with pain
receptors, and the entire process of interpreting information in the central nervous
system. Pain mechanisms encompass transmission, modulation, and perception,
making understanding these processes crucial. Treatments encompass analgesic
medications, physiotherapy, cognitive therapies and, often, a multidisciplinary approach
for effective management, considering the diverse nature of pain.

Keywords: Pain;Nervous System;Chronic.


Sumário
INTRODUÇÃO.........................................................................................................6
REFERENCIAL TEÓRICO.......................................................................................6
TIPOS DE DOR.........................................................................................................7
Dor acuda..................................................................................................................7
Dor Fisiológica ..........................................................................................................7
Dor Inflamatória.........................................................................................................7
Dor Cronica.............................................................................................................. .8
Dor Cronica Neupática ..............................................................................................8
Epidemiologia.............................................................................................................8
Etiologia.................................................................................................................. ....8
Sintomatologia........................................................................................................ ...8
Fisiopatologia da dor neupática...............................................................................10
Dor Cronica nociplastica..........................................................................................12
Dor Cronica Mista....................................................................................................12
MECANISMO DE DOR............................................................................................Erro!
Indicador não definido.
Percepção............................................................................................................... .33
Nocicepção...............................................................................................................14
Area Sensitiva Primaria............................................................................................16
Sensibilização Periférica..........................................................................................16
Sensibilização Central..............................................................................................17
MODULAÇÃO ENDOGENA DA DOR......................................................................18
Modulação Segmentar..............................................................................................18
Modulação Suprasegmentar.....................................................................................18
Sistema Serotoninergico...........................................................................................20
Sistema Noradrenergico............................................................................................20
Sistema Opioide........................................................................................................21
Sistema Endocanabinóide.........................................................................................22
TRATAMENTO.........................................................................................................25
Farmacológico...........................................................................................................25
Canabidiol.................................................................................................................26
Não Farmacológicos.................................................................................................27
Meditação..................................................................................................................28
FIBROMIALGIA........................................................................................................28
Diagnóstico..................................................................................................................29
Causas.........................................................................................................................30
Sintomas......................................................................................................................31
Tratamentos.................................................................................................................31
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 32
REFERENCIAS...........................................................................................................32
INTRODUÇÃO

A dor, um dos sintomas psicofísicos mais frequentes dentro da medicina, é um


fenômeno tão complexo e tão ligado ao ser humano, que nos permite considerá-la parte
inerente da própria estrutura humana. A Associação Internacional para o Estudo da
Dor define-a como “uma sensação desagradável com sofrimento emocional associada
com lesão tecidual real ou potencial, ou delineada em termos de tal lesão”. O existir ou
coexistir com a dor é antigo como a humanidade e ela pode ser valorizada e
quantificada sob as mais diferentes formas. A sua percepção em um determinado
indivíduo permanece muito subjetiva e relaciona-se com o insulto nociceptivo sob uma
maneira muito complexa e pouco entendida.
Como a dor tem o seu elemento afetivo, condições psicológicas assumem
grande importância em todos os estados de dor persistente, as quais podem
desencadear depressão e ansiedade que agravam a dor, pois compartilham o mesmo
mecanismo fisiopatológico. Além do mais, a tolerância à dor e a capacidade de senti-
la sem verbalizar são também influenciadas por raça, sexo, cultura e religião. Por isso,
por sua presença ser tão frequente no cotidiano do indivíduo, não é difícil entender que
a preocupação inicial da medicina sempre foi atenuar a dor, e o grande número de
avanços feitos na terapêutica médica pode ser atribuído em parte à diversidade de
substâncias capazes de aliviá-la ou, até mesmo, de eliminá-la. É fundamental,
entretanto, que o médico perceba que é uma pessoa que ele está tratando, não
simplesmente um sintoma.

REFERÊNCIAL TEÓRICO

A dor é uma experiência angustiante associada a uma lesão tecidual atual ou


potencial com componentes sensoriais, emocionais, cognitivos e sociais.
De aspecto mais moderno temos a conceptualização apresentada na obra
"Neurociências: desvendando o sistema nervoso" em que a dor é a percepção de
sensações, como irritação, inflamação, ganchos, queimação, latejamento, que provêm
de uma parte do corpo. Assim, nota-se que a dor pode ser entendida como uma
sensação desagradável seja ela provocada por uma lesão ou atribuída a tal. (BEAR.,
et al., 2017).
Os receptores da dor são conhecidos como nociceptores que são neurônios do
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sistema nervoso periférico responsáveis pela detecção e transmissão dos estímulos


dolorosos, sendo através da liberação de transmissores ou neurotransmissores, que a
célula é capaz de comunicar com os seus adjacentes pós-sinápticos.

TIPOS DE DOR
É ampla a variedade de dores e de sensações dolorosas, esta diversidade é
produto das numerosas etiologias de dor, bem como das respostas individuais aos
estímulos dolorosos. A dor deve ser classificada de acordo com a fisiopatologia, a
duração, a Fisiopatologia da dor 20 localização da dor, a etiologia e dependência do
sistema nervoso simpático e região afetada (Sakata e Issy, 2008). A dor pode-se
manifestar de forma contínua, descontínua, difusa e até perfurante. A forma como ela
se assume vai condicionar o tipo de tratamento a instituir (Grunenthal, 2012). Quando
se pretende classificar a dor em relação à sua fisiopatologia então, esta pode ser de
origem nociceptiva, neuropática e psicogênica. Quando a dor é do tipo nociceptivo
então esta, ainda pode ser de origem somática ou visceral. A dor neuropática pode ser
de origem central ou periférica. Quanto à duração pode ser classificada em crônica ou
aguda e subaguda durável. A dor pode ser dependente ou independente do sistema
nervoso simpático e pode surgir através de várias etiologias tais como: cancro,
espasmos ou traumatismos. Existem, síndromes que causam dor, tais como: a
lombalgia, a fibromialgia, a lombociatalgia. A região afetada não deixa de ser um
método de classificação importante, pois dela muitas vezes depende a avaliação a que
o paciente é sujeito, perante isto pode ser uma dor lombar, torácica, cefálica, cervical,
abdominal, pélvica, dos membros, entre outras (Sakata e Issy, 2008).

Dor acuda

A dor aguda é imediata e tem um papel biológico de manutenção da integridade


do indivíduo, pois identifica uma agressão. Ela é, também, tipicamente associada a
condições clínicas de rápida instalação, produzindo, algumas vezes, sintomas graves
em um curto período.

Dor fisiológica

Seu estímulo é transitório e induz as respostas rápidas com o objetivo de


proteção, além de identificar o agente agressor e, normalmente, não requer tratamento.
Por ter um caráter protetor ela está relacionada, por exemplo, com quando tocamos
uma panela quente e rapidamente removemos a mão para não causar maiores danos
como queimaduras. Ela tem o estímulo nociceptivo baixo, uma vez que a agressão não
gera tantas lesões e possui o papel de alertar o corpo sobre algo perigoso e sinalizar
onde está a agressão. Exemplifica-se a afirmação acima no reflexo miotático inverso,
no qual ao pisar em algum objeto pontiagudo instintivamente retiramos o pé.

Dor inflamatória/nociceptiva

Tem um nível de lesão e de estímulos dos neurotransmissores muito superiores


ao da dor fisiológica e, por isso, não tem caráter protetor e sim caráter nocivo que
precisa ser tratado. É uma dor que por se referir à ativação do sistema imunológico por
dano tecidual relacionado à inflamação, provavelmente, não vai passar sozinha, mas
é facilmente curada com medicamentos, os anti-inflamatórios. Porém, se a pessoa não
tratar adequadamente essa dor entre 3 e 6 meses, por demorar para procurar um
médico ou o médico prescrever um medicamento inadequado para esse tipo de lesão,
o qual não vai curar essa dor, ela facilmente se torna crônica.
Além disso, sabe-se que após qualquer pós-operatório, normalmente, essa dor
é existente. Porém, quando a cirurgia é eletiva e o paciente não realizou nenhum
estímulo fisiológico o médico consegue fazer com que haja pouca ou nenhuma dor pós-
operatória quando realiza o protocolo de analgesia preventiva da dor. Esse protocolo
consiste em antes de qualquer incisão cirúrgica o médico usar medicamentos que
bloqueiam a ativação dos nociceptores, sendo uma forma de bloquear a dor
inflamatória.

Dor crônica

É uma dor causada por lesão tecidual, podendo ser cutânea ou visceral. Ocorre
quando tem uma lesão suficiente ao ponto de produzir vários mediadores da
inflamação que não foram devidamente tratados em média de 3 a 6 meses da lesão.

Dor crônica neuropática


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A dor neuropática é um dos tipos de dor crônica que ocorre quando os nervos
sensoriais do Sistema Nervoso Central e/ou periférico são lesados ou danificados.
Esse tipo de problema está cada vez mais presente na população e pode levar à
incapacidade, resultando em diferentes sensações de dor (SWIEBODA et al., 2013). A
dor neuropática é amplamente conhecida como uma das condições dolorosas crônicas
mais difíceis de reconhecer e tratar, constituindo um desafio significativo para clínicos
gerais e especialistas da dor. É particularmente problemática por poder se tornar
crônica imediatamente ou em poucos dias, pela sua severidade, etiologia heterogênea
e resistência às terapias analgésicas convencionais. O impacto da dor neuropática é
vivido intensamente por pacientes que a classificam como “devastadora” e "exaustiva”,
pois há interferência na qualidade de vida, humor e atividades da vida diária.
Sempre que possível, a dor neuropática deverá ser classificada em central ou
periférica, consoante a localização da lesão/disfunção, pois apresentam manifestações
clínicas e patofisiologia distintas. Tendo essa definição em mente, a dor neuropática
refere-se a uma ampla gama de condições clínicas (tabela 1) que podem ser
categorizadas anatomicamente (periférico ou central) e etiologicamente (degenerativo,
traumático, infeccioso, metabólico e tóxico). Sabe-se, também, que esse tipo de
problema está cada vez mais presente na população e pode levar à incapacidade,
resultando em diferentes sensações de dor (SWIEBODA et al., 2013).

Figura 1: Classificação da dor neuropática de acordo com o local da patologia principal

Fonte: From Lancet

Epidemiologia

Nesse paradigma é importante ressaltar, embora a prevalência exata da DN seja


desconhecida, estima-se que seja superior a 8% na população geral. Espera-se que a
incidência da DN aumenteno futuro secundariamente ao aumento da prevalência de
doenças malignas e benignas na população cada vez mais envelhecida, assim como
ao avanço no tratamento de doença oncológica e, consequentemente, ao maior
número de sobreviventes dessas patologias.

Etiologia

O tipo de lesão nervosa que provoca DN está associado a diversas etiologias,


incluindo infecções, traumatismos, distúrbios metabólicos, quimioterapia, cirurgia,
radiação, neurotoxinas, inflamação e infiltração tumoral. Contudo, é de salientar que
nem todos os pacientes com estas doenças de base irão manifestar DN nem há forma
de predizer quais os pacientes que a desenvolverão.

Sintomatologia

Caracteriza-se pela aparição de hiperalgesia, dor espontânea, parestesia e


alodinia mecânica e por frio (Jiang et. al., 2019) . Estes sintomas surgem como
resultado da sensibilização periférica e central, que se caracterizam por mudanças
plásticas que modificam o desempenho da via nociceptiva, aumentando e prolongando
a resposta aos estímulos periféricos (Figura 1) (COSTIGAN; SCHOLZ; WOOLF, 2009).
Além disso, a dor neuropática pode persistir por muito tempo após cessar a sua causa
inicial e, portanto, torna-se uma doença em vez de um sintoma, impactando
acentuadamente o bem-estar do paciente.

Fisiopatologia da dor neuropática

1) Macrófagos ativados e células de Schwann sintetizam mediadores


inflamatórios, citocinas e fatores de crescimento para a regeneração nervosa. O fator
de crescimento nervoso aumenta a síntese de substância P e peptídeo relacionado
com o gene da calcitonina (CGRP), nas terminações nervosas centrais e periféricas.
Este ambiente desencadeia um estado de hiperexcitabilidade nos nociceptores
aferentes primários.
2) Observa-se modificação da permeabilidade das membranas neuronais, assim
como aumento do número e atividade dos canais de Na+ e Ca2+, na zona de
regeneração e nos gânglios sensitivos. A elevada densidade de canais de Na+ provoca
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descarga neuronal exacerbada e ectópica. As células de Schwann, que controlam a


expressão e distribuição destes canais no axônio, sofrem desaferenciação com
mudanças na produção de mielina e fatores de crescimento, atingindo neurônios
lesados e neurônios intactos vizinhos. Assim, as fibras degeneradas e neuromas
recém-formados provocam despolarizações nas células vizinhas induzindo excitação
cruzada que envolve fibras C, Aβ e Aδ, condicionando propriedades sensoriais
alteradas.
3) Os receptores nociceptivos das fibras C passam a responder a estímulos
mecânicos e térmicos, normalmente inócuos, ou a ter atividade espontânea. Esta
também pode ocorrer nas fibras Aβ e Aδ.
4) Nos gânglios da raiz dorsal há supra-expressão de canais de Ca2+ voltagem-
dependentes. A entrada de cálcio nos nervos afetados acarreta a libertação de
substância P e glutamato, facilitando a transmissão do estímulo nociceptivo Quanto
mais glutamato, mais cálcio entra pelo NMDA, mais o AMPA fica excitado, e quanto
mais cálcio entra, mais aumenta a expressão da óxido nítrico. O óxido nítrico vai
aumentar a expressão desses canais, por isso é um ciclo sem fim, não tem cura, visto
que, se torna um processo de retroalimentação, caracterizando, assim, o processo de
neuroplasticidade.
5) Por outro lado, os neurónios centrais inervados pelos nociceptores afetados
são submetidos a alterações funcionais dramáticas – sensibilização central. Estas
incluem desorganização sináptica, ampliação da distribuição espacial das terminações
aferentes intactas nos locais da lesão (pelo desenvolvimento de novas terminações,
principalmente de tipo Aβ) das quais resulta um aumento dos campos receptivos e
condução de estímulos inócuos.
6) Ocorre também redução da expressão de receptores opióides no axônio e
gânglio sensitivo, supra-expressão de receptores da substância P e CGRP, aumento
da atividade do glutamato nos receptores de NMDA, redução do GABA e dos seus
receptores e elevação do Ca2+ intracelular com a promoção de mecanismos
sensibilizadores.
Dor crônica nociplástica

“A dor nociplástica é aquela que você não consegue enquadrar nem na


nociceptiva nem na neuropática. É mais difusa e difícil de ser localizada”.Sendo assim,
não existe uma inflamação periférica nem um problema de condução da dor, por
exemplo, a chamada dor psicogênica ou psicossomática, que está relacionada à
percepção do estímulo doloroso. Segundo a reumatologista, “o emocional modula a
dor, se o paciente está ansioso a dor vai ficar mais intensa, se está calmo a percepção
será menos intensa. O mesmo estímulo em pessoas variadas pode ter uma conotação
diferente, então não tem como mensurar e, por isso, é um erro absurdo menosprezar
a dor do outro”. (DUARTE ,2023).

Dor crônica mista

“É quando você tem a fusão de uma dessas três”. Ela pode ter começado de
uma forma e terminado de outra ou se manifestado de diferentes maneiras. Isso
acontece por causa da sensibilização do sistema nervoso central. Os mecanismos que
regulam a dor se tornam ausentes, fazendo com que, independentemente do estímulo,
a pessoa sinta uma dor muito mais intensa do que se esperaria. Um exemplo é o
paciente com câncer.É a manifestação mais comum da dor, impossível de isolar entre
os diferentes tipos. O tratamento, portanto, tenta tratar aquele que é mais
predominante. Em geral, a melhora de um, melhora o outro também.A reumatologista
lembra ainda que dor é um sintoma real e, que se está persistindo e atrapalhando a
qualidade de vida, deve ser avaliada. “A dor não é invalidez. A pessoa não deve
começar a se diminuir por causa dela, deve investigar, procurar ir para frente, tentar
mudar”.

MECANISMO DE DOR

Percepção

O sistema sensorial consiste em células receptoras sensoriais que recebem


estímulos do ambiente e conduzem as informações dos receptores ao encéfalo ou à
medula espinhal. Essas informações, atingindo ou não a consciência, são chamadas
de “informação sensorial”, mas se a informação atinge a consciência pode também ser
chamada de “sensação”. O entendimento dessa sensação é chamado de “percepção”,
por exemplo, sentir dor é uma sensação, mas a consciência de que a dor é numa parte
do corpo (perna, braço, dente), é a percepção. Existem vários fatores que afetam as
nossas percepções como mecanismos receptores sensoriais - a adaptação,
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processamento da informação, emoções, personalidade, experiência e antecedentes


sociais. Em resumo, para a percepção ocorrer estes três processos – tradução da
energia do estímulo em potenciais de ação pelo receptor, transmissão dos dados ao
longo do sistema nervoso e interpretação dos dados – precisam ser concomitantes.
O fenômeno doloroso é um processo neurológico complexo que resulta da
influência entre neurônios, isto é, os neurônios que conduzem os estímulos
nociceptivos estão sujeitos à influência modulatória de outros neurônios que liberam
mediadores inibitórios ou excitatórios. Na grande maioria dos casos, a dor resulta da
ativação de neurônios aferentes primários específicos, os nociceptores, da lesão e
disfunção desses nociceptores ou do sistema nervoso central (SNC). A dor causada
por uma excessiva estimulação dos nociceptores localizados na pele, vísceras e outros
órgãos designa-se dor nociceptiva, enquanto que a dor que resulta de uma disfunção
ou lesão do sistema nervoso central ou periférico é chamada dor não nociceptiva.
Embora ainda existam muitas dúvidas em relação aos mecanismos geradores da dor,
poder-se-á afirmar que a dor resulta de um desequilíbrio entre os sistemas nociceptivos
e anti- nociceptivos, podendo surgir por dois mecanismos: Devido a uma lesão dos
tecidos, evocando uma estimulação física ou química dos nociceptores; e por lesão do
sistema nervoso (central ou periférico), resultante da redução dos mecanismos
inibidores nociceptivos, ou da hiperexcitabilidade central ou periférica. A lesão,
independentemente da causa (traumática, imunológica ou infeciosa), está
habitualmente associada a um processo inflamatório. A inflamação é, classicamente,
definida pela coexistência de rubor, calor, tumor, dor e incapacidade ou perda de
função. No processo de inflamação participam múltiplos elementos celulares e
mediadores químicos apresentando, por isso,grande complexidade.

Nocicepção

De acordo os receptores da dor, os nociceptores, transmitem sinais dolorosos


para o sistema nervoso central utilizando duas vias separadas que correspondem
principalmente aos dois tipos de dor: a via para a dor aguda e a via para a dor crônica.
Anatomicamente, existem quatro tipos de fibras sensoriais ou fibras aferentes primárias
(Aα, Aβ, Aδ e C), classificadas segundo o seu diâmetro, velocidade de condução e
receptores a que se associam.
Quando falamos da dor e na complexa transmissão dos estímulos nociceptivos,
existem dois tipos de fibras aferentes importantes, as fibras Aδ e as fibras tipo C. Essas
fibras terminam no corno superior da medula e de onde partem vários feixes em direção
ao córtex cerebral, sistema límbico e hipotálamo. Os sinais dolorosos pontuais rápidos
(dor aguda) são desencadeados por estímulos mecânicos ou térmicos e são
transmitidos pelos nervos periféricos para a medula espinhal por meio de fibras Aδ.
Inversamente, o tipo de dor crônica é desencadeada, principalmente, por estímulos
dolorosos do tipo químico e algumas vezes por estímulos mecânicos ou térmicos
persistentes. A dor crônica é transmitida para a medula espinhal por fibras do tipo C.
Devido a esse sistema de dupla inervação, o estímulo doloroso súbito, em geral, causa
sensação dolorosa “dupla”: dor pontual rápida, que é transmitida para o cérebro pela
via de fibras Aδ, seguida de uma dor transmitida pelas fibras do tipo C.
Após a detecção de um estímulo nociceptivo ocorrem vários eventos, tanto
elétricos quanto químicos. A primeira etapa é a transdução da dor, que consiste na
detecção de estímulos nocivos mecânicos, térmicos e inflamatórios nos nociceptores
periféricos, para a sua conversão no impulso elétrico. Em seguida, através das fibras
Aδ e fibras do tipo C, os impulsos elétricos são transmitidos para o corno dorsal da
medula espinal e na presença de um estímulo, as fibras Aδ são responsáveis pela dor
aguda imediata que é seguida por uma dor mais difusa provocada pela ativação dos
nociceptores tipo C. Quando chega à medula espinal, enfim, a informação segue para
o tálamo somatossensorial, medial e para núcleos do tronco cerebral, locais onde
ocorre as ligações entre o tálamo e os centros corticais superiores, que procedem ao
controle da percepção e da resposta de integração afetiva à dor.

Área sensitiva primária

A substância cinzenta da medula espinhal subdivide-se em dez lâminas (I-X),


da lâmina I à lâmina VI, encontram-se as lâminas que fazem parte do corno dorsal da
medula espinhal. No caso das fibras relativas à dor, fibras Aδ e do tipo C, terminam na
zona marginal da lâmina I e na zona superficial da substância gelatinosa da lâmina II
e, algumas das fibras Aδ também terminam na lâmina V. Nas lâminas V e VI estão os
interneurônios excitatórios ou inibitórios que regulam o fluxo de informação nociceptiva.
As células que respondem a estímulos inócuos, mas que não são nocivos estão
localizadas nas lâminas III e IV. Ao entrar na medula espinhal, os sinais dolorosos
tomam 2 vias para a área somatosensitiva , essas vias são organizadas
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separadamente na medula espinhal e, também, no encéfalo. A via ascendente ântero-


lateral, também designada de via espino-talâmica e a via da coluna dorsal, também
chamada de porção de substância branca. No caso da via espino-talâmica a dor é
transmitida pelas fibras Aδ do tipo rápido, principalmente, as dores mecânicas e
térmicas agudas e maioria dessas fibras terminam na lâmina I dos cornos dorsais. A
via da coluna dorsal transmite a dor, principalmente, por fibras periféricas crônicas do
tipo C, no entanto, também transmitem alguns sinais das fibras do tipo Aδ. Nessa via,
as fibras periféricas terminam na medula espinhal quase inteiramente nas lâminas II e
III dos cornos dorsais que, em conjunto, são referidas como substância gelatinosa.

Sensibilização periférica

A sensibilização periférica foi descoberta ainda nos anos 70, graças a um


trabalho realizado por Iggo e Perl, que identificaram um alto limiar de neurônios
sensoriais específicos, sintonizados de forma a responder apenas aos estímulos
nocivos. Perl e, mais tarde, outros cientistas demonstraram que os nociceptores
periféricos poderiam ser sensibilizados após ocorrer a lesão, reduzindo o seu limiar e,
então, essa zona foi designada de hiperalgesia primária. A hiperalgesia é, por
definição, o aumento da percepção da dor provocada por um estímulo nocivo em que
há um aumento da excitabilidade levando a um aumento da eficácia de ativação de
canais de íons que, por sua vez, levam à redução do limiar de disparo de canais
dependentes de voltagem e uma resposta exagerada. Assim, a dor sentida em
resposta a estímulos que ocorrem num curto período de tempo após o estímulo original,
pode ser mais intensa que a dor sentida inicialmente.
Na sensibilização periférica, o estímulo é um conjunto de mediadores
inflamatórios liberados (macrófagos, neutrófilos, linfocitos T y mastocitos) a partir de
células lesadas e inflamatórias que sensibilizam o nociceptor, reduzindo o limiar e
consequentemente aumentando a capacidade de resposta, essencialmente no local
da lesão e da inflamação. Na duração do processo inflamatório, os neurônios
sensibilizados liberam substância P e CGRP a partir de vesículas. Essas duas
substâncias quando liberadas vão estabelecer uma ligação com receptores localizados
em diferentes células relacionadas com o processo inflamatório, tais como os
neutrófilos, mastócitos e basófilos, que irão liberar substâncias pró-inflamatórias –
citocina, bradicinina e histamina - promovendo a síntese de outros mediadores como a
COX que, por sua vez, promove a síntese de prostaglandinas e eicosanóides. Também
são liberados fatores tróficos, como o fator de crescimento nervoso (NGF) e ocorre a
libertação de ATP a partir de células lesionadas, síntese e libertação de óxido nítrico.
Com isso, a amplificação do sinal da medula espinhal para os centros superiores e
ocorre então a sensibilização periférica, que contribui de forma importante para a
manutenção da dor crônica.

Sensibilização central

A repetida ativação dos nociceptores C conduz os neurônios a um estado de


hiperexcitabilidade que se caracteriza pelo aumento da resposta aos estímulos,
redução do limiar de ativação, aumento dos campos receptivos e aumento da sua
atividade espontânea. Essas alterações são associadas aquilo que se observa na
prática clínica, nomeadamente a hiperalgesia primária (aumento da resposta aos
estímulos), a hiperplasia secundária (aumento dos campos receptivos), a alodínia
(redução do limiar de ativação) e a dor espontânea (aumento da atividade espontânea).
A sensibilização da membrana corresponde a um estado de hiperexcitabilidade celular
que leva ao aumento da resposta dos nociceptores a substâncias químicas ou a outros
estímulos, nos quais pode levar ao aparecimento de hiperalgesia e/ou alodinia. A
hiperalgesia é definida como um aumento das respostas aos estímulos dolorosos, por
isso, é um fenômeno sensorial que aparece em alguns indivíduos como consequência
de lesões teciduais ou, sem a presença delas, como consequência de síndromes
neuropáticas. A hiperalgesia proporciona, ao organismo, um mecanismo protetor
adicional, uma vez que contribui para a prevenção da zona lesada, estimula o processo
curativo e a cicatrização da lesão de origem. Ela, também, é produzida por uma lesão
que engloba duas zonas, a zona de hiperalgesia primária, que rodeia imediatamente a
lesão, e a zona de hiperalgesia secundária, que se estende para além da zona afetada.
Na zona de hiperalgesia primária qualquer forma de estímulo de baixa intensidade
provoca sensações dolorosas, o qual se deve à sensibilização dos nociceptores que
inervam a área lesada. Portanto, a hiperalgesia primária pode ser interpretada como
um processo periférico devido a alterações das propriedades fisiológicas dos
nociceptores que inervam o tecido lesionado.
No que diz respeito à hiperalgesia secundária, ela é caracterizada por uma
alteração sensorial provocada por ativação de mecanorreceptores de baixo limiar e por
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um aumento das sensações dolorosas provocadas por estímulos mecânicos de alta


intensidade. Essas duas alterações produzem, respectivamente, a sensação de dor
provocada pelo tato e o aumento da sensibilidade de estímulos mecânicos nocivos.
Nenhuma delas é atribuível a mecanismos periféricos, pois são produzidas por
variações no processamento central e pelos sinais gerados nos mecanorreceptores de
baixo limiar (dor provocada pelo tato) e de alta intensidade (aumento da sensibilidade
dolorosa mecânica). Essas alterações centrais são provocadas pelo aumento da
atividade aferente que provém da zona de hiperalgesia primária como consequência
da sensibilização dos nociceptores periféricos. Uma das alterações sensoriais da
hiperalgesia, é a dor provocada pelo tato, uma sensação designada alodínia, definida
como dor produzida por um estímulo que normalmente não causa dor. A hiperalgesia
e a alodínia são fenômenos de grande importância, por dois motivos, o seu
aparecimento demonstra claramente que a sensação de dor é um processo dinâmico
cuja intensidade e magnitude depende da história da zona afetada e não só do estímulo
de origem; por outro lado, a sensação de dor provocada pelo tato demonstra que a dor
pode ser produzida em indivíduos normais pela ativação dos mecanorreceptores de
baixo limiar, existindo uma lesão periférica prévia. Essas interpretações têm
consequências importantes para a análise e tratamento da dor neuropática, uma vez
que é possível que as manifestações de alodínia e de dor provocada pelo tato que
caracterizam os síndromes neuropáticos não são mais do que expressões
fisiopatológicas do mecanismo normal da hiperalgesia secundária.
Uma das características do estado de hiperexcitabilidade é o seu prolongamento
no tempo sendo, por isso, designada por potenciação de longo prazo (long term
potentiantion – LTP). Esse fenômeno de sensibilização central consiste no aumento da
eficácia de uma sinapse excitatória após uma estimulação de curta duração e alta
frequência, no qual ocorrem muitas alterações neuroquímicas. O windup é outro
fenômeno envolvido na sensibilização central, que consiste no aumento da resposta
dos neurónios da medula espinal quando se aplica um estímulo repetitivamente, mas
com uma baixa frequência.
Quando uma fibra C é ativada por um estímulo libera-se glutamato (Glu) na
sinapse entre o seu terminal central e o neurônio espinhal. Em seguida, o glutamato
liga-se aos receptores AMPA (cujo agonista preferencial é o ácido α-amino-3-hidroxil-
5-metil-4- isoxazolopropiónico) e NMDA (assim designados pelo facto de o seu
agonista preferencial ser o N-metil-D-aspartato) presentes no neurônio espinhal.
Enquanto a ligação aos recetores NMDA não provoca qualquer efeito, devido ao
bloqueio pelo magnésio (Mg+), a ligação aos receptores AMPA provoca a rápida
entrada de sódio (Na+) e, consequentemente, a despolarização da membrana do
neurônio espinhal com o eventual aparecimento de um potencial de ação. Essa
transmissão sináptica termina com a inativação dos receptores AMPA e a abertura de
canais de potássio sensíveis à voltagem que geram a repolarização da membrana. A
despolarização temporária da membrana provoca a abertura de canais de Ca2+
dependentes de voltagem e se houver uma estimulação repetida (como acontece nos
fenómenos de LTP ou windup) a membrana tende a ficar despolarizada devido ao
aumento dos íons de Ca2+ e Na+. Desta forma, os canais dos receptores NMDA
deixam de estar bloqueados pelo íon Mg+, dá-se a ligação do glutamato e,
consequentemente, a passagem de mais Ca2+. A substância P (SP), que é liberada
simultaneamente com o glutamato dos terminais centrais de uma grande proporção
dos nociceptores, tem também um papel essencial na ativação dos receptores NMDA.
A sua ativação conduz à ativação da fosfolipase C (PKC) e consequentemente a
produção de diacilglicerol (DAG) e trifosfato de inositol (IP3). Sendo que, o IP3 promove
o aumento da concentração intracelular de Ca2+, através da sua saída do retículo
endoplasmático, e o DAG ativa a PKC, a responsável por provocar a fosforilação dos
receptores NMDA.

MODULAÇÃO ENDOGENA DA DOR (A modulação inibitória de estímulos


nociceptivos ocorre a nível espinhal/segmentar e
supraespinhal/suprasegmentar)

Modulação segmentar

A respeito da modulação segmentar, Melzack e Wall propuseram a teoria do


Gate Control em 1965. Tal teoria baseia-se no princípio de que existe uma complexa
rede de interneurônios na substância gelatinosa (lâmina II) que modulam a transmissão
da informação. Sendo que a substância gelatinosa é constituída por interneurônios que
sintetizam neurotransmissores inibitórios ou excitatórios, como o GABA (ácido gama-
aminobutírico) e o glutamato respectivamente. Este circuito de interneurônios controla
o equilíbrio entre estímulos vindos pelas fibras aferentes nociceptivas (Aδ e C) e não
nociceptivas (Aβ), determinando o estado do “portão”. Quando a informação
19

nociceptiva atinge um limiar que excede a inibição, “abre o portão”, ativa as vias que
levam à experiência da dor e os comportamentos relacionados. Para além da ativação
do 2(segundo) neurônio, ao nível do corno dorsal da medula espinhal, como todos os
aferentes são excitatórios ocorre a inibição dos interneurônios inibitórios, aumentando
a percepção da dor. Com isso, as fibras Aβ que têm um grande diâmetro e são
altamente mielinizadas, transmitem informação táctil e não são ativadas pela dor. Por
este motivo, quando esse equilíbrio é favorável à sua ativação há estimulação de
interneurônios que suprimem a transmissão das fibras tipo C e bloqueiam a dor parcial
ou total.

Modulação suprasegmentar

Em relação à modulação suprasegmentar existem duas áreas fundamentais do


tronco cerebral envolvidas na diminuição da dor: a substância cinzenta periaquedutal
(PAG) e a rostral ventromedial (RVM). Embora o sistema PAG/RVM tenha sido
inicialmente desenvolvido como explicativo da ação inibitória do sistema nervoso
central sobre os sinais nociceptivos ao nível da medula espinhal, percebeu-se
posteriormente que possuía a capacidade de facilitar a nocicepção. Reynolds verificou
que através da aplicação direta de estimulação elétrica na PAG era possível induzir
analgesia de tal ordem que foi efetuada uma laparotomia num rato completamente
consciente. A PAG influencia a modulação descendente da dor através das suas
conexões recíprocas com a RVM, integrando retroinibição de diferentes estruturas
como o córtex cingulado anterior, o córtex pré-frontal, o córtex insular e amígdala. As
interações entre o córtex pré-frontal e amígdala conferem uma modulação emocional
e afetiva das funções cognitivas em estados de dor, estando implicadas em tarefas
como tomadas de decisão e avaliação de risco/benefício. A amígdala desempenha um
papel fundamental nas respostas emocionais - estresse e ansiedade - e contribui para
a integração da dor e consequentes respostas de medo e ansiedade. Os neurónios do
núcleo central da amígdala são excitados por estímulos nociceptivos ao nível da
articulação do joelho e aumentam a sua resposta face a inflamação periférica ou
visceral. A sensibilização desses neurônios, mediada por receptores do glutamato,
representa uma alteração de neuroplasticidade que promove estados de dor crônica.
As vias inibitórias descendentes comunicam com o corno dorsal da medula
espinhal através de sinais químicos, incluindo opioides endógenos, serotonina (5-HT),
e norepinefrina (NE). A RVM inclui o nucleus magnus da rafe serotoninérgico, o núcleo
reticular gigantocelular – pars alfa e o núcleo paragiganto-celular lateral, todos
projetando diretamente na medula espinhal. A estimulação ou a inativação não seletiva
dos neurônios da RVM pode suprimir ou aumentar a nocicepção. A estimulação elétrica
pode produzir diferentes respostas, de promoção ou inibição, consoante o limiar de
ativação alcançado. Por sua vez, a aplicação focal de opioides na RVM induz
analgesia, enquanto que o neuropeptídeo colecistoquinina (CCK) produz hiperalgesia.
De acordo com estudos de Fields et. al, em 1983, com base nas propriedades
fisiológicas de resposta dos neurônios da RVM, foi possível identificar três classes
distintas. Conclui-se que a RVM exerce um efeito bidirecional na modulação da dor,
através das “on” e “off” cells. Estas células são recrutadas por diferentes estruturas
superiores com um papel importante no medo, sensação de doença e estresse
psicológico inibindo ou facilitando a dor.
A administração de opioides (sistêmicos ou diretamente na PAG) resultou num
aumento de atividade das “off cells” através da sua desinibição. Pelo contrário, as “on
cells” são a única população de células na RVM diretamente inibidas pelos opioides, o
que sugere que expressam recetores μ (mi). Essas células são ativadas pela CCK
através do recetor CCK2. Estudos neuroanatômicos mostraram a co-localização de
receptores CCK2 e receptores opiodes μ em neurônios RVM, que se pensa
corresponderem a “on cells”, facilitadoras da dor. Um desequilíbrio entre as vias
descendentes inibitórias e excitatórias pode estar na origem de estados patológicos de
dor. Pode notar que, a via descendente facilitadora, encarada como um mecanismo
endógeno de modulação da dor, serve o propósito de proteção biológica para evitar
lesões durante estados de dor aguda. No entanto, uma ativação contínua desse
sistema contribui para a manutenção de estados de hiperalgesia e alodinia após lesão
tecidular ou nervosa.

Sistema serotoninérgico

Sabe-se que mais de um terço das projeções descendentes a partir da RVM são
serotoninérgicas, formando o trato bulboespinhal que através do funículo dorsolateral
alcança o corno dorsal da medula espinhal. Pelo contrário, os neurônios
serotoninérgicos dos núcleos da rafe originam projeções ascendentes difusas para
estruturas límbicas, estando implicados na etiologia e tratamento de alterações do
21

humor e esquizofrenia. O grupo de estudos de Besson foi o primeiro a inferir que a


analgesia induzida pela eletroestimulação da RVM se fazia acompanhar de uma
libertação de 5-HT na medula espinhal. A administração intra-tecal de 5HT promoveu
antinocicepção quando teve a indução de estímulos nociceptivos agudos. A 5-HT pode
ser excitatória ou inibitória, dependendo o seu efeito do subtipo de recetor ativado. São
conhecidas sete classes de recetores 5HT, identificados de 5-HT1 a 5-HT7, que
apresentam quinze subtipos. A ativação de 5-HT1A, HT1B, HT1D, HT7 implica
antinocicepção, enquanto que ativação dos recetores 5-HT2A e 5-HT3 tende a
promover a nocicepção. O estado de antinocicepção induzido por microinjeção de
morfina na RVM foi bloqueado por um antagonista dos receptores 5-HT7, enquanto
que a hiperalgesia promovida pela administração de CCK na RVM foi bloqueada por
um antagonista dos receptores 5-HT3. Em outros estudos, agonistas sistêmicos dos
receptores 5-HT7 apresentaram um efeito contra a hiperalgesia, enquanto que
antagonistas dos mesmos receptores promoveram um aumento da dor. Em conjunto,
essas observações indicam o papel importante bidirecional da serotonina na
modulação da dor.

Sistema noradrenérgico

É conhecido o papel antinociceptivo da noradrenalina através da sua atuação


ao nível dos adrenorecetores espinhais α2. Embora nem a PAG nem a RVM possuam
neurônios noradrenérgicos, ambas comunicam com importantes estruturas
noradrenérgicas. A fonte espinhal de noradrenalina são axônios descendentes com
origem nas áreas noradrenérgicas do tronco cerebral, nomeadamente o locus
coeruleus (A6), e os núcleos A5 e A7. Daqui partem os axônios noradrenérgicos
diretamente para a medula espinhal, onde inibem a resposta pré- e pós-sináptica de
neurônios espinhais transmissores da dor. A ativação de adrenoreceptores espinhais
α2 provoca a inibição da transmissão do estímulo nociceptivo ao nível da medula
espinhal, através da inibição da libertação de neurotransmissores excitatórios, com
origem nos terminais dos aferentes primários. Por outro lado, estudos recentes
demonstraram que a ativação de receptores α1 provoca despolarização de
interneurônios GABA, aumentando a inibição por este mecanismo. Um aumento da
eficácia noradrenérgica ao nível da medula espinhal em resposta a estados de lesão
ou inflamação reforça o mecanismo base de sucesso clínico da administração de
inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina, em casos de neuropatia
diabética, fibromialgia e osteoartrite.

Sistema opioide

Os opioides endógenos são expressos por vias descendentes com origem na


PAG através da ativação de receptores opioides nas terminações pré- e pós-sinápticas
nos neurônios do corno dorsal. Os receptores opioides são expressos por neurônios
centrais e periféricos, bem como por células neuroendócrinas, do sistema imune e
endócrino. São considerados, atualmente, três grupos principais de receptores
opioides no sistema nervoso central, mi (μ), capa (κ) e delta (δ). Todos eles têm a
capacidade de modular canais de cálcio, pré- e pós- sinápticos, diminuindo o influxo
dele e atenuando a excitabilidade neuronal e/ou diminuindo a libertação de
neuropeptídeos pronociceptivos. Além disso, a ativação dos receptores opioides
promove a abertura dos canais GIRK (do inglês G protein–coupled inwardly rectifying
K+), impedindo a excitabilidade dos neurônios e/ou a propagação de potenciais de
ação. Por fim, o seu efeito inibitório ao nível dos canais de Na+, TRVP1 e ASICs nos
neurônios da DRG resulta na diminuição de transmissão do estímulo nociceptivo,
reduzindo a percepção da dor. Estados patológicos de dor estão associados a diversas
alterações adaptativas ao nível dos sistemas nervoso, endócrino e imune. Demonstrou-
se que a aplicação local ou sistêmica de agonistas dos receptores opioides promovem
um maior efeito analgésico em tecidos sujeitos a inflamação, do que em tecidos não
inflamados, formulando a teoria de que a inflamação tecidular periférica pode induzir a
expressão de diferentes receptores e do seu mRNA nos neurónios da DRG. Os ligantes
endógenos, que ativam estes receptores, derivam de proteínas precursoras,
nomeadamente, a proopiomelanocortina (POMC), que origina a βendorfina; a
proencefalina, que origina a met e leu encefalinas; e a prodinorfina, que origina as
dinorfinas. A β-endorfina e as encefalinas são agentes antinociceptivos que atuam ao
nível dos receptores mi e delta. Enquanto que dinorfinas podem ter efeitos pro- e
antinociceptivos via receptores NMDA do glutamato e receptores opioides κ,
respetivamente.
Peptídeos opioides extracelulares são suscetíveis a inativação enzimática
rápida por encefalinases (aminopeptidase N e endopeptidase neutra), expressas ao
nível do SNC, SNP e leucócitos. A prevenção da degradação desses opioides
23

extracelulares pelas encefalinases, a nível central e periférico, produziu efeitos


analgésicos. Tal estratégia evita concentrações não fisiológicas de agonistas exógenos
ao nível dos receptores, diminuindo o risco de desregulação, tolerância e
dessensibilização, bem como de efeitos excitatórios paroxísticos a esse nível.

Sistema endocanabinóide

O sistema endocanabinóide é composto pelos recetores CB1 e CB2, pelos


ligantes endógenos anandamide(AEA) e 2-AG ( 2-arachidonyl glycerol) e pela
respectiva maquinaria enzimática de síntese ([NAPE – PLD] – do inglês
Nacylphosphatidylethanolamine phospholipase D e [DAGLα] – do inglês diacyglycerol
lípase α) e de degradação (FAAH – do inglês fatty acid amide hydrolase e MAGL – do
inglês monoacyglycerol lipase). Os recetores dos canabinóides, CB1 e CB2, são
expressos ao longo das estruturas neuroanatómicas nociceptivas do SNC e SNP. Os
recetores CB1 são encontrados na PAG, no corno dorsal da medula espinhal e nos
neurônios do gânglio dorsal, enquanto que os receptores CB2 estão localizados nas
células do sistema imune, na micróglia e nos queratinócitos. Esses receptores estão
acoplados a proteínas G, ligando-se aos endocanabinóides (CBs) e atuando por
inibição sináptica retrógrada, diminuindo as concentrações de cálcio pré-sináptico e
ativando canais de potássio, reduzindo a libertação de neurotransmissores, como o
glutamato. Um aumento do cálcio intracelular nos neurônios pós-sinápticos estimula a
produção de AEA e 2-AG e consequentemente a ativação de recepores CB1. Estão
também envolvidos na modulação supraespinhal descendente inibitória, via a PAG e a
RVM. Os CBs são rapidamente sintetizados de novo a partir de precursores lipídicos
da membrana pós-sináptica. São predominantemente produzidos nas células da
micróglia em estados de neuro-inflamação, onde o 2-AG promove o seu recrutamento
através da ativação dos receptores CB2. A síntese de novo de receptores CB2 ocorre
nas células centrais da micróglia após lesão nervosa periférica. Os agonistas CB2 são
eficazes na modulação da resposta inflamatória, possuindo efeitos antinociceptivos em
casos de nocicepção aguda, hiperalgesia inflamatória e mostrando benefícios no
tratamento de doenças crônicas, como neuropatia periférica provocada pela diabetes
mellitus.
Ademais, o sistema endocanabinóide é um sistema muito importante de controle
endógeno da dor, funcionando em paralelo com o sistema opioide e desempenhando
um papel crucial no desenvolvimento e resolução de estados de dor. Os seus
componentes localizam-se não só ao nível dos neurônios excitatórios, bem como ao
nível dos inibitórios, das células imunes periféricas e das células da glia do SNC. Desse
fato resulta uma ação antinociceptiva ou pro-nociceptiva dependendo do local de
expressão e do estado fisiológico subjacente. São conhecidas as propriedades
antinociceptivas em situações de dor aguda bem como a capacidade de supressão da
hiperalgesia e alodinia em estados de dor neuropática, nomeadamente através do
receptor CB1. No entanto, o principal problema da sua utilização como alvo terapêutico
é a diversidade de efeitos adversos associados à ativação global dos receptores CB1.
A via do acido araquidónico produz prostanóides que potenciam a bradicinina a
sensibilizar as fibras C. A COX-2 (ciclo-oxigenase-2) tem a capacidade de metabolizar
a AEA e a 2-AG em compostos prostanóides que potenciam esse efeito de
sensibilização. Em estados inflamatórios, nos quais há um aumento da COX-2, não só
ocorre a perda do efeito antinociceptivo dos CBs, como os seus metabólitos produzem
um efeito pro-nociceptivo. A COX-2 oxida o 2-AG formando uma prostaglandina-like
pronociceptiva, PGE2-G. Os inibidores da COX-2 em baixas doses não têm grande
eficácia no seu bloqueio, mas têm a capacidade de bloquear a conversão de 2-AG em
PGE2-G. Aliado à expressão da COX-2 estão os efeitos da prostaglandina E2 ao nível
do SNC.
Num estudo recente com inibidores da COX-1 (ciclo-oxigenase-1), inibidores da
COX- 2 e inibidores não seletivos da COX-1 e 2, todos foram responsáveis por atenuar
a hiperexcitabilidade do SNC antes e durante o desenvolvimento de inflamação. No
entanto, apenas os inibidores da COX-2 foram capazes de reverter o estado de
hiperexcitabilidade estabelecido e impedir a formação da PGE2-G. Concluiu-se que a
inibição da COX-2 a nível espinhal não só diminuiu a produção de prostaglandinas,
mas também impediu a degradação de CBs.
A FAAH é a principal via de degradação dos CBs, pelo que esta inibição
enzimática poderá trazer benefícios no tratamento da dor crónica. O desenvolvimento
de terapêuticas tendo como alvo este sistema aliado à inibição da COX-2, antagonismo
do TRPV1, ou em combinação com opioides ou AINEs (anti- inflamatórios não
esteroides) têm grande potencial de produzir um perfil que combina uma elevada
eficácia, minimizando os efeitos secundários provocados pelos canabinomiméticos.
Em suma, os canabinóides são eficazes analgésicos em situações de dor aguda, dor
inflamatória e dor neuropática. Como têm a capacidade de atuar tanto a nível periférico
25

como central, poderão desempenhar um papel importante na inibição da sensibilização


central modulando a inflamação existente.

TRATAMENTO

O tratamento adequado da dor assume um aspeto relevante e prioritário.


Existem múltiplas técnicas que devem ser usadas, de forma combinada, de acordo
com a dor de cada doente e, indicações específicas para um tratamento eficaz da dor.
As técnicas de controlo da dor mais usadas, são as técnicas farmacológicas e as
técnicas não farmacológicas. Após uma avaliação adequada do doente, incluindo as
suas características (idade, patologias associadas, ansiedade, ambiente envolvente,
existência de medicação ou não, entre outros fatores), o diagnóstico do tipo específico
de dor e a sua causa, deve ser atribuído um tratamento eficaz para a dor. Além disso,
estudos apontam que a ausência do tratamento, não só traz uma qualidade de vida
ruim, como também piora o estado clínico do paciente.
No artigo abaixo mostra a pesquisa realizada que na falta de tratamento da
Fibromialgia (dor crônica), houve perda de substância cinzenta e branca do encéfalo:
Estudos anteriores encontraram repetidamente alterações morfométricas cerebrais
distintas em pacientes com fibromialgia (FM), afetando principalmente anormalidades
da substância cinzenta e branca em áreas relacionadas ao processamento sensorial e
afetivo da dor. No entanto, poucos estudos até agora relacionaram diferentes tipos de
alterações estruturais e pouco se sabe sobre os determinantes comportamentais e
clínicos que possam influenciar o surgimento e a progressão de tais alterações.

Farmacológico

As técnicas farmacológicas conservadoras envolvem, fundamentalmente,


fármacos analgésicos e fármacos adjuvantes. Os analgésicos podem ser opióides e
não opióides, sendo que o fármaco de referência nos opióides fortes é a morfina, nos
opióides fracos a codeína, e nos analgésicos não opióides os anti-inflamatórios não
esteroides (AINE’s), onde também se incluem outros analgésicos antipiréticos como o
paracetamol e o metamizol. Os fármacos adjuvantes tem uma grande importância no
controlo da dor, são fármacos pertencentes a vários grupos farmacológicos que,
apesar de não serem verdadeiros analgésicos, contribuem para o alívio da dor,
potenciando os analgésicos e interferindo nos vários fatores que podem agravar o
quadro álgico. São exemplos os antidepressivos, os anti convulsivantes, os relaxantes
musculares.

Canabidiol

Cannabis, é uma planta medicinal usada no tratamento de dor crônica. As


pesquisas mostram resultados positivos na modulação da dor. Os estudos pré-clínicos,
principalmente em animais, evidenciam a ação dos canabinoides nas vias da dor.
Alguns dos primeiros estudos e discussões documentados sobre o tema ocorreram
ainda na década de 189037, quando foi mostrado que os canabinoides reduziriam as
reações de cães às picadas de agulha. Nas décadas de 1970, 1980 e 1990, diversos
trabalhos constataram que o SCB se expressa através das vias ascendentes e
descendentes da dor em sítios periféricos, espinais e supraespinhais, encontrando-se,
entre outros, em terminações nervosas de neurônios aferentes primários, no gânglio
da raiz dorsal, em lâminas superficiais da medula espinal e em localizações encefálicas
como o córtex, tálamo, hipotálamo, amigdala, substância cinzenta periaquedutal (PAG)
e no bulbo ventromedial rostral (RVM)38-48. Neste mesmo período, outras pesquisas
também verificaram que os canabinoides poderiam suprimir as reações
comportamentais em modelos inflamatórios e de lesão nervosa, assim como agiriam
na dor por estímulos mecânicos, químicos e térmicos49-55. Sua potência e eficácia se
compara à dos opioides56, podendo superá-los em modelos de dor neuropática57. Os
endocanabinoides são expressos no SNC em menor quantidade do que o sistema
opioide58 e
são menos efetivos que este na dor aguda quando administrados diretamente
no RVM e na PAG59. Entretanto, estudos recentes sugerem que os canabinoides
seriam mais eficazes que os opioides para o manejo dos estados crônicos de dor60,61.
Não obstante, há evidências experimentais de interações desses sistemas através de
heteromerização, resultando em receptores simultaneamente canabinoides e opioides,
com potencial de desenvolvimento de ligantes híbridos com finalidade analgésica62. A
partir das descobertas das últimas décadas do século XX, postulou-se que os
canabinoides apresentariam, entre outros efeitos, alta potência e eficácia em reduzir
as respostas aos estímulos dolorosos, inclusive do ponto de vista comportamental e
neurofisiológico. Esta ação se daria via receptores CB1 com potencial de inibição tanto
27

de neurônios de faixa dinâmica ampla (WDR), quanto dos neurônios específicos para
nocicepção, supressão do efeito de windup, ação em neurônios medulares, bem como
talâmicos e, ainda, da modulação das vias descendentes da dor63. Pesquisas recentes
em roedores têm observado possíveis novos efeitos em todo o SCB, como a ação
analgésica dos endocanabinoides AEA e 2-AG na dor inflamatória e neuropática, com
o AEA atuando em receptores CB1 e TRPV164,65. Observou-se também o aumento
da expressão do CB2 no encéfalo, gânglio da raiz dorsal e corno dorsal da medula
espinal, sob condições inflamatórias e patológicas66-76. Ainda em roedores, há
indícios de que a neuromodulação mediada por canabinoides pode estar envolvida
também em terapias antálgicas não farmacológicas, como a estimulação elétrica
nervosa transcutânea (TENS)77, a analgesia induzida por atividade física na dor
inflamatória78 e a terapia de imersão em água quente79. Um estudo recente sugere
ainda que medicamentos não baseados em canabinoides, como o paracetamol
(acetaminofeno), podem ter seu efeito analgésico auxiliado pela estimulação de
receptores CB1 no RVM80, assim como outros compostos podem interagir com os
receptores canabinoides no SNC81. Em modelos de lesão por constrição crônica (CCI)
em ratos, verificou-se aumento do AEA e 2-AG na PAG e no RVM após 7 dias de lesão
por constrição do nervo ciático, quando a hiperalgesia e alodínia mecânica estão em
pontos máximos82. Notou-se também aumento das concentrações na medula espinal
após a indução de dor crônica em outros modelos de CCI82,83. O AEA possui efeitos
anti-hiperalgésico e anti-alodinia através de mecanismos envolvendo o CB1 84,85,
enquanto o 2-AG leva aos mesmos efeitos através da ativação dos CB1 e CB2
periféricos86. O uso de CBD reduziu de forma significativa a alodinia em ratos no pós-
-operatório recente de ligação do nervo ciático87 e no pós-operatório imediato de
constrição do nervo trigeminal88. Resultados semelhantes foram obtidos com o uso do
THC, o qual ainda mostrou capacidade de impedir o desenvolvimento de tolerância à
morfina89. O THC possui efeitos mais intensos que o CBD na redução da dor,
entretanto seu uso é limitado pelos efeitos adversos. A administração conjunta de THC
e CBD mantém o alto efeito analgésico do THC, porém reduzindo de forma significativa
seus efeitos indesejados.

Não farmacológicos

Além da terapia farmacológica, a dor pode também ser controlada através de


terapias complementares não farmacológicas de forma a restabelecer e melhorar a
qualidade de vida dos pacientes. Essas terapias tem um custo menor, apresentam
menos efeitos secundários e têm em comum o mecanismo de ação baseado em
métodos físicos tais como processos mecânicos, térmicos e elétricos. Para inserir essa
terapia no tratamento do paciente deve ser feita uma avaliação prévia e não se deve
substituir a terapia farmacológica, mas sim associar a medicação do utente com
tratamentos físicos, de forma a potenciar o efeito analgésico permitindo uma melhoria
significativa da qualidade de vida do paciente. Dentro dessas intervenções não
farmacológicas temos, a acupuntura, a termoterapia, a estimulação elétrica nervosa
transcutânea (TENS), as massagens e as intervenções cognitivo-Comportamentais

Meditação

A prática da meditação também é uma alternativa complementar de tratamento


à dor. Conforme o artigo abaixo: A meditação e a dor alteram as dimensões sensoriais,
cognitivas e afetivas de nossa experiência subjetiva ( Koyama et al., 2005 ; Cahn e
Polich, 2006 ). Dado que a meditação mindfulness pode atenuar a experiência subjetiva
da dor ( Grant e Rainville, 2009 ; Brown e Jones, 2010 ; Zeidan et al., 2010b ), as
regiões cerebrais envolvidas na meditação devem interagir de alguma forma com
aquelas envolvidas no processamento nociceptivo, ainda que o específico os
mecanismos cerebrais associados à meditação mindfulness permanecem pouco
caracterizados. Além disso, permanece desconhecido como esses mecanismos
cerebrais poderiam potencialmente influenciar a atividade cerebral relacionada à dor. (
Buhle e Wager, 2010 ).
O sistema de transmissão nociceptiva, compreende três neurônios dispostos em
série, denominados neurónios de primeira, segunda e terceira ordem, os quais
transmitem a informação sensorial desde os órgãos periféricos (pele, articulações,
músculos e vísceras) até ao sistema nervoso central.

FIBROMIALGIA

A Fibromialgia é um distúrbio sistêmico de dor generalizada, consequência do


processamento anormal da dor no sistema nervoso central. Como evidência, estudos
recentes encontraram níveis aumentados de glutamato, um neurotransmissor
29

excitatório, no sistema nervoso central de pacientes com fibromialgia. E costuma ser


acompanhada por fadiga e alterações no sono, na memória e no humor. Ela é uma
condição crônica idiopática que causa dor musculoesquelética generalizada,
hiperalgesia e alodínia. Sendo assim, o objetivo é abordar a epidemiologia geral da
fibromialgia de acordo com os estudos mais recentes publicados, identificando a
prevalência geral mundial da doença, seus perfis epidemiológicos básicos e seus
custos econômicos, com interesse específico nos casos espanhol e da Comunidade
Valenciana. A fibromialgia afeta, em média, 2, 2,10% da população mundial; 2,31% da
população europeia; 2,40% da população espanhola; e 3,69% da população da
Comunidade Valenciana. Supõe uma perda dolorosa da qualidade de vida das pessoas
que a sofrem e os custos econômicos são enormes: na Espanha, estima-se que sejam
mais de 12.993 milhões de euros por ano.

Diagnóstico

Atualmente, o diagnóstico da fibromialgia é realizado por exclusão. Não se


consegue diagnosticar a fibromialgia com exames complementares (raio X ou exame
laboratoriais), porém alguns estudos estão avançando em relação a descobertas de
biomarcadores para o exame de sangue. Estudos recentes concordam que o
diagnóstico permanece clínico, e o objetivo do exame físico e das investigações
laboratoriais é descartar alguma outra doença somática ou autoimune que possa
explicar suficientemente os sintomas. Por isso, continua sendo um desafio para os
médicos, especialmente para clínicos gerais e psiquiatras, conforme observado em
uma pesquisa realizada em seis países europeus, México e Coréia do Sul, que relatam
a falta de conhecimento sobre a doença é frequentemente citada como a razão das
indefinições e dúvidas.
A identificação da doença é feita pelos sintomas relatados e por um exame físico
que identifica os pontos dolorosos no corpo. Os pontos e os sintomas serão analisados,
segundo o American College of Rheumatology (ACR 2010 e os critérios modificados
de 2011 e 2016 ), que dividem o corpo em 19 regiões e pontuam o número de regiões
dolorosas, juntamente com um escore de gravidade dos sintomas que avaliará a
intensidade da fadiga, das alterações do sono, da saúde mental e dos sintomas
cognitivos (memória, concentração, atenção etc.) para então fechar um diagnóstico.
Anteriormente só se considerava a palpação, a contagem de pontos dolorosos
e sua localização. Hoje, a palpação não é mais considerada fator principal para a
identificação, ela não é mais aceita como um achado clínico confiável. A prevalência
da fibromialgia no Brasil – estudo de base populacional com dados secundários da
pesquisa de prevalência de dor crônica brasileira.

Causa

Ainda não se sabe exatamente se há uma causa específica, mas existem alguns
fatores em comum nos pacientes:
 Fatores genéticos e epigenéticos (em estudo): em alguns casos a
fibromialgia é recorrente em pessoas da mesma família e da interação
com o meio;
 Traumas psicológicos e estresse: problemas como traumas na infância,
perdas, términos de relacionamentos, problemas profissionais e em casa,
e situações estressantes;
 Traumas físicos: acidentes de carro, principalmente os que afetam a
região do pescoço;
 Distúrbios psicológicos: depressão e ansiedade são comuns nos
pacientes fibromiálógicos, podendo desencadear a doença ou ser uma
consequência dela;
 Menos fibras nervosas: os pacientes com fibromialgia apresentam menor
densidade de fibras nervosas na pele;
 Infecções: a fibromialgia pode aparecer logo após infecções bacterianas
ou virais.

Sintomas

Os sintomas são comuns a outras doenças o que dificulta a sua identificação.


Por conta do diagnóstico difícil, muitas vezes, a doença é confundida com tendinite e
outras patologias quando as dores acontecem nos ombros, coluna cervical e joelhos.
Os principais sintomas são: dor persistente e sensibilidade que se espalham
pelo corpo todo, principalmente pelo crânio, tórax e coluna vertebral; rigidez corporal,
fadiga (sono fragmentado e sono não-restaurador), dificuldades cognitivas, distúrbios
intestinais, ansiedade e/ou depressão, comprometimento das atividades diárias.
31

Tratamento

Os objetivos do tratamento se concentram na melhoria das atividades


funcionais, da qualidade de vida, da redução da dor crônica generalizada, da fadiga,
da insônia e da disfunção cognitiva. É necessário também, tratar as comorbidades
como transtornos do humor ou do sono. De acordo com a EULAR (European League
Against Rheumatism), os paciente respondem melhor a um programa de tratamento
individualizado e multidisciplinar contendo reumatologistas, psiquiatras, psicólogos,
fisioterapeutas e nutricionista. Assim como mudanças no estilo de vida e práticas de
atividade física de baixo impacto que incluem natação, hidroginástica, corrida leve e
caminhada. Os exercícios físicos incentivam a liberação de substâncias como a
endorfina (que agem como analgésicos naturais, dando sensação de relaxamento e
bem-estar).
O relatório da EULAR, revisado em 2016, constatou que a única recomendação
de terapia “forte” (com excelentes resultados) para o tratamento da fibromialgia é o
exercício. As prescrições de caminhada e exercícios aquáticos resultam em melhor
adesão a longo prazo. Recomenda-se o tratamento fisioterapêutico e as práticas do
RPG e Pilates. Assim como as terapias para o relaxamento deve ser incluídas quando
necessário (Yoga, acupuntura etc).
Priorizar a educação do paciente, que deve enfatizar a importância do
autocuidado incluindo os exercícios, o sono e a redução do estresse.
Cuidados com alimentação saudável que contenha boas fontes de nutrientes
precursores de serotonina (responsável pelo bem-estar) são indicados, para minimizar
os sintomas e reduzir o cortisol (liberados em momentos de estresse) e induzir o sono
e o relaxamento:
 Alimentos fontes de triptofano terão como objetivo aumentar a produção
de serotonina e podemos citar exemplos como: carnes magras, peixes,
mel, iogurte desnatado, queijos brancos e magros, nozes, leguminosas,
damasco, açaí, arroz integral e banana;
 Alimentos fontes de melatonina: aveia, cereja, amendoim e vinho;
 Alimentos antioxidantes: frutas e verduras em geral, chá verde, cúrcuma,
cacau;
 Alimentos que atuam na redução do estresse/cortisol: abacate,
fitoterápicos adaptógenos (rodiola rosea, withannia somnifera e ginseng
coreano); Suplementos coadjuvantes: ômega 3, óleo de prímula,
resveratrol, coenzima Q10 e cúrcuma.

Estudos apontam a música como aliada ao tratamento da dor: a música reduz a


dor e aumenta a mobilidade funcional na fibromialgia. A dor na fibromialgia (FM) é difícil
de tratar e a mobilidade funcional parece ser uma comorbidade importante nesses
pacientes que pode evoluir para uma deficiência. Neste estudo, queríamos investigar
os efeitos analgésicos da música na dor da FM. Vinte e dois pacientes com FM foram
passivamente expostos a (1) música auto-escolhida, relaxante e agradável e a (2) uma
condição auditiva de controle (ruído rosa). Eles avaliaram a dor e realizaram a “tarefa
timed-up & go (TUG)” para medir a mobilidade funcional após cada condição auditiva.
Ouvir música relaxante, agradável e auto-escolhida reduziu significativamente a dor e
aumentou a mobilidade funcional em nossos pacientes com FM. A analgesia induzida
pela música foi significativamente correlacionada com as pontuações do TUG;
sugerindo assim que a redução do desconforto da dor aumentou a mobilidade
funcional. Notavelmente, essa melhoria de mobilidade foi obtida com música tocada
antes da tarefa motora (não durante), portanto, o efeito não pode ser explicado apenas
pelo arrastamento motor para um ritmo rápido. Os mecanismos cognitivos e
emocionais parecem ser centrais para a analgesia induzida pela música. Nossas
descobertas incentivam o uso da música como adjuvante do tratamento para reduzir a
dor crônica na FM e aumentar a mobilidade funcional, reduzindo assim o risco de
incapacidade.

CONCLUSÃO

Infere-se, por conseguinte, que a investigação aprofundada sobre a fisiologia da


dor, seus mecanismos e tratamentos, como no contexto citado da fibromialgia, destaca
a complexidade e importância dessa condição. A compreensão dos mecanismos
fisiológicos relacionados não somente a fibromialgia, mas também a todo o aspecto da
dor, aliada à identificação de fatores fisiopatológicos específicos, é crucial.
Tratamentos promissores, como terapias cognitivo- comportamentais, exercícios
físicos adaptados e medicamentos direcionados, oferecem esperança para melhorar a
qualidade de vida dos pacientes. O desafio futuro consiste na busca contínua por
33

abordagens integradoras e personalizadas, visando aliviar o sofrimento e proporcionar


uma gestão eficaz dessa condição desafiadora.

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