Você está na página 1de 13

ESCRITORAS BRASILEIRAS

Pasta no OneDrive com mais de 100 artigos para baixar:

https://1drv.ms/u/s!Aj6kOBkyV630khcEvKdfnFl6K5aP?e=hcoacK

Autor: Sérgio Barcellos Ximenes.

Artigos no Medium | Blog literário | Scribd | Twitter | Livros na Amazon

______________________

O retrato falso de Emília Freitas, autora do romance "A Rainha do Ignoto"

Resumo

Tema: o retrato erroneamente atribuído em várias páginas da Web à poeta e


romancista Emília Freitas (1855-1908), autora de "A Rainha do Ignoto" (1899).

Origem do engano: um retrato publicado na revista "A Estrela", fundada e dirigida


pela escritora Francisca Clotilde.

Legenda do retrato: "À gentil cultora das letras, Melle Emília de Freitas,
distintíssima colaboradora e propagandista da [revista] 'Estrela' em Mossoró"; Emília
Freitas tinha por nome de batismo "Emília de Freitas".

Evidências de que se trata de uma homônima da escritora:

. O retrato saiu em edição da revista publicada em 1915, sete anos após a morte da
autora.

. Emília de Freitas nascera em 1855; jamais seria chamada de "mademoiselle"


(jovem mulher) com mais de 50 anos de vida.

. A foto revela uma mulher realmente jovem.

. Emília não residiu em Mossoró (CE).

. Quando a primeira edição da revista foi lançada, em 1906, Emília morava em


Manaus, onde viria a falecer dois anos depois.

Trabalho acadêmico que divulgou a foto original: "Francisca Clotilde e a palavra


em ação (1884-1921)", dissertação de mestrado de Luciana Andrade de Almeida,
apresentada em outubro de 2008; a autora informou se tratar de uma homônima da
escritora.

Primeira menção à foto e à falsa atribuição: "Uma escritora na periferia do


Império: vida e obra de Emília Freitas (1855-1908)", tese de doutorado de Alcilene
Cavalcante de Oliveira, apresentada em abril de 2007; a foto não é mostrada na tese.

Principal divulgadora do equívoco: A Academia de Letras de Jaguaruana (ALJ),


na página inicial do site http://academialetras1.ucoz.com.br/; Jaguaruana é a cidade
natal de Emília Freitas, e a escritora é a patrona maior da instituição.

__________________________________________

Apresentação

Em outro artigo, integrante da série sobre a escritora maranhense Maria Firmina dos
Reis, mostrei como mais de 100 páginas da Web divulgam atualmente um retrato a bico
de pena que representa a escritora Maria Benedita Câmara Bormann, a Délia (autora do
romance "Lésbia"), como se fosse o da primeira romancista brasileira, autora de
"Úrsula". Veja em "O retrato falso de Maria Firmina dos Reis, nesta pasta, subpasta
Maria Firmina dos Reis.

No caso deste artigo, o engano não é (ainda) tão grave, mas tem o potencial de se
tornar equivalente ao do caso Délia-Maria Firmina, primeiro porque está sendo
difundido por uma instituição oficial e, segundo, por estarmos no ano de comemoração
dos 120 anos da primeira edição de "A Rainha do Ignoto", fato que ensejou o
lançamento de várias reedições do romance.
A foto no site da Academia Jaguaruana de Letras

Emília de Freitas (nome de batismo) nasceu em 1855 na Vila da Passagem das


Pedras e União (então distrito de Aracati), atual cidade de Jaguaruana, situada no Vale

Nada mais justo, portanto, que fosse escolhida como a "patrona maior da Academia
de Letras de Jaguaruana". Nesta condição, seu retrato é exibido na página inicial do site
da Academia.
http://academialetras1.ucoz.com.br/

Só há um problema: esse retrato não é da escritora cearense, autora do romance "A


Rainha do Ignoto".

Aparentemente, o retrato já fez parte do verbete da autora na Wikipédia, porque a


página mostrada abaixo reproduz a imagem, acompanhada do devido crédito.
http://opiniaoenoticia.com.br/sem-categoria/as-primeiras-escritoras-do-brasil/

Obviamente, a inserção do retrato como a foto oficial da autora cearense, na


Academia de Letras de sua cidade natal, serve de incentivo natural para a reprodução da
imagem e para a consolidação do equívoco. Assim se deu no caso Délia-Maria Firmina,
o mais marcante e duradouro engano dessa natureza na história da nossa literatura.
https://twitter.com/morganarosana/status/1187851905340444673
http://artemisiodacosta.blogspot.com/2019/05/literatura-cearense-emilia-freitas-
vida.html
A verdadeira "dona" do retrato

A solução do mistério da "dona" da foto estava disponível há muitos anos no meio


acadêmico; na verdade, há 12 anos.

Em 2008, Luciana Andrade de Almeida, aluna do Centro de Humanidades da


Universidade Federal do Ceará, apresentou a dissertação de mestrado "Francisca
Clotilde e a palavra em ação (1884-1921)", no Programa de Pós-Graduação em História.

Na página 204, Luciana mostrava a origem da foto que é parcialmente utilizada no


site da Academia Jaguaruana de Letras.

Após a imagem, escaneada de uma edição de outubro de 1915 da revista "A Estrela",
dirigida por Francisca Clotilde, lia-se a seguinte legenda:

"À gentil cultora das letras, Melle Emília de Freitas, distintíssima colaboradora e
propagandista da [revista] "Estrela" em Mossoró".
A escritora Emília Freitas tinha por nome de batismo "Emília de Freitas".

Repare na semelhança entre esse retrato e o exibido no site da Academia.


As palavras seguintes de Luciana e a nota de rodapé põem fim ao mistério:

"Francisca Clotilde e a palavra em ação (1884-1921)", Luciana Andrade de Almeida,


dissertação de mestrado, Centro de Humanidades da Universidade Federal do Ceará,
Programa de Pós-Graduação em História, outubro de 2008, Fortaleza.

http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/2911
A primeira menção à foto (mas sem a apresentação da imagem) consta da tese de
doutorado em Literatura Brasileira "Uma escritora na periferia do Império: vida e obra
de Emília Freitas (1855-1908)", apresentada por Alcilene Cavalcante de Oliveira na
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em abril de 2007; portanto, um ano e
meio antes da dissertação de Luciana.

"Uma escritora na periferia do Império: vida e obra de Emília Freitas (1855-1908)",


páginas 137 e 138, Alcilene Cavalcante de Oliveira, tese de doutorado em Literatura
Brasileira, Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), abril de 2007.

https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/ECAP-73BHB7

A tese de Alcilene foi editada em livro e é considerada a biografia "oficial" de Emília


Freitas, tendo o mesmo status em relação à autora cearense que a biografia "Maria
Firmina: Fragmentos de uma Vida", de José Nascimento Moraes Filho, em relação à
escritora maranhense.
_________

Emília Freitas era espírita praticante e difusora dessa doutrina. Somente se


imaginássemos um ato dessa natureza seria possível que, sete anos depois de sua morte
aos 53 anos de idade, ela enviasse uma foto sua, jovem, à antiga amiga, também
romancista e poeta, Francisca Clotilde. Repare que Francisca chama a amiga ceareanse
de "Melle" (mademoiselle), ou seja, uma jovem mulher.

Além desses dois pontos importantes (o ano de envio da foto e a idade da


fotografada), temos outro motivo de suspeita: a homônima Emília de Freitas, segundo a
editora, divulgava a revista "A Estrela" em Mossoró, cidade onde Emília não residiu.

Em 1906, ano do lançamento do primeiro número de "A Estrela", em Fortaleza,


Emília já residia em Manaus, onde viria a falecer dois anos depois.

_________

Esse retrato original também está sendo associado na Web à autora de "A Rainha do
Ignoto".
http://www.fortalezanobre.com.br/2017/02/os-homenageados-nas-ruas-da-
cidade.html

Espera-se (ingenuamente, assim como no caso de Maria Firmina dos Reis) que a
divulgação desse equívoco ajude a evitar a recorrência da associação da foto publicada
em 1915 com a escritora Emília Freitas (1855-1908).

Você também pode gostar