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Psicologia Psicanalítica I - 1º Semestre - 2009/2010 Prof.

Pedro Aleixo

Psicologia Psicanalítica I
12-Dez Relação terapêutica. Transferência e contra-transferência.
04-Dez Relação de objecto. Winnicott e a importância do meio. A teoria do pensamento de Bion.
27-Nov Da teoria pulsional à teoria da relação de objecto. Fairbain e Klein.
13-Nov O narcisismo. A angústia e os mecanismos de defesa.
30-Out As fases do desenvolvimento libidinal. O complexo de Édipo.
23-Out A pulsão. Primeira e segunda teoria das pulsões.
16-Out A metapsicologia. Primeira e segunda tópica.
09-Out O inconsciente freudiano. As vias de acesso ao inconsciente. O sonho.

Palavra-chave: Inconsciente

REVOLUÇÃO EPISTEMOLÓGICA

A Psicanálise provocou um abalo no cógito, ergo sum de Descartes (império da consciência e da razão),
ao considerar que existem fenómenos inconscientes. A grande revolução epistemológica da Psicanálise
diz que a consciência constitui apenas uma ínfima parte da nossa psique.

A Psicanálise estuda então os fenómenos psíquicos inconscientes, tudo o que não é manifesto mas que
determina e condiciona o comportamento dos sujeitos.

O amor ou o ódio não dependem simplesmente da vontade do sujeito, dependem também de outros
factores. São fruto de um conflito interior entre os desejos e as pulsões e a culpa, as normas sociais, etc.
que condicionam/limitam a nossa busca pelo prazer. Estas forças determinam e condicionam os nossos
comportamentos. Segundo Freud, nós funcionamos a maior parte do tempo abaixo do limiar consciente,
estamos condicionados pelo nosso mundo interior. São as manifestações destes factores latentes, nos
sonhos, lapsos e actos falhados que a Psicanálise se preocupa em estudar.

Subjectividade e intersubjectividade

A Psicanálise Freudiana procura compreender os fenómenos subjectivos e intersubjectivos sob uma


perspectiva científica. A teoria e as técnicas da Psicanálise evoluíram ao longo do tempo e permitem hoje
abordar diferentes áreas, nomeadamente sobre diferentes processos de criação (ex: pintura, literatura,
teatro, etc.).

Conceito de Inconsciente

O conceito de inconsciente não é da autoria de Freud. A existência de comportamentos involuntários já


era conhecida antes dele. Foi Leibniz o primeiro a formular a ideia de uma actividade mental
inconsciente. Alguns médicos e filósofos também já tinham começado a falar nesta noção.

Erei (médico alemão no séc. XVIII), diz que as paixões exercem uma poderosa acção sobre o organismo.
Tanto podem tornar doente, como o podem curar mas. Erei apercebe-se que os afectos têm uma ligação

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muito importante com o físico. No final do século XIX os cientistas desprezavam o conceito de
inconsciente.

A Psicanálise surge no seio da medicina, a partir de dois pontos:

 de uma busca pela cura da histeria, pela tentativa de compreender os fenómenos histéricos que, até
à data haviam sido atribuídos a possessões demoníacas ou a questões sexuais;
 na acção, de natureza psicológica, que o terapeuta exerce sobre o paciente para o tratar, pela
humanização dos tratamentos.

Na antiguidade os terapeutas eram essencialmente padres que intersectavam a relação entre Deus e os
doentes. Mesmo nos dias de hoje ainda há quem atribua aos padres esta função.

No século XVIII Mesmer fala-nos do Magnetismo animal, que foi a primeira conceptualização científica
do que viria a ser a hipnose. A importância deste magnetismo prende-se com a ideia do efeito por
sugestão. O poder da sugestão tratava de facto algumas doenças nervosas. No entanto na sociedade
positivista da época o magnetismo acabou em descrédito.

Mais tarde, Bernhneim elabora uma teoria segundo a qual existe uma estimulação físico-química da retina
sobre o SNC. Ou seja, o terapeuta não tem qualquer influência sobre o sujeito, trata-se apenas de um
fenómeno físico-químico que o induz num sono profundo, e não o efeito da sugestão.

Charcot por seu lado veio contrariar esta teoria ao ser capaz de provocar sintomas histéricos em pacientes
mediante a hipnose. Charcot e Bernheim revelaram-se fundamentais no percurso de Freud, influenciando-
o na sua dedicação ao estudo das psicopatologias, e na formação das suas concepções psicanalíticas
iniciais. Tornou-se especialista em doenças nervosas, e durante os anos 1890s fundou a teoria
psicanalítica, deixou a hipnose e adoptou a livre associação (método que descobriu através de uma
paciente) e a interpretação de sonhos como método. Freud abandonou a hipnose por diversos motivos,
nomeadamente, nem toda a gente ser hipnotizável, é portanto, um método limitado. Quando as pessoas se
deixam hipnotizar Freud faz a cura pela catarse (descobre uma situação traumática) e, muitas vezes os
pacientes negavam os conteúdos descobertos. Para além disso muitas vezes a hipnose curava determinado
sintoma, mas fazia surgir um sintoma de substituição. Passou a usar o método da livre associação de
ideias (cura pela palavra1) e, rapidamente chegou a um novo método, a interpretação de sonhos. Através
da associação livre o sujeito vai falando livremente. Ao terapeuta cabe apenas o papel de apontar um
caminho, pontuando alguns aspectos, como se fosse os faróis de um carro que guia de noite. Através deste
método Freud descobre que os recalcamentos pertencem ao campo da fantasia, são desejos inconscientes.

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Regra: busca de emoções esquecidas
Técnica: associação livre
Motor: relação terapêutica

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A teoria psicanalítica é uma teoria de conflitos (2ª palavra-chave): forças propulsoras e forças repressoras
que se opõem à livre expressão dos desejos, destes se tornarem conscientes. É este equilíbrio de forças
que está constantemente no cerne do sujeito e da teoria psicanalítica.

Gradualmente a Psicanálise desloca-se para modelos relacionais e abandona os modelos pulsionais


iniciais. A relação passa a ter um papel fulcral na terapia. O vértice da Psicanálise é a vinculação entre o
terapeuta e o paciente. Quando surgiu, a Psicanálise estava muito centrada nos sintomas e na sua
remoção. Hoje, no essencial, ela procura perceber quais os processos que se encontram na origem desses
sintomas. A Psicanálise é um processo de investigação, de conhecimento. Depois de se conhecer, o
sujeito tem mais liberdade para fazer as suas escolhas.

O inconsciente freudiano. As vias de acesso ao inconsciente. O sonho.

Não foi Freud que descobriu o conceito de inconsciente mas foi ele o primeiro a estudá-lo
cientificamente. Descobriu que existem existiam fenómenos que não se conseguiam explicar, a menos
que se inferi-se a existência do inconsciente. Exemplo: paciente muito apegada às suas relações amorosas
e com o tempo começava a destruir a relação. Ela tinha consciência que fazia isso, mas não era capaz de
controlar.

Vias de acesso ao inconsciente (formas de o podermos estudar/observar):

 Associação livre
 Actos falhados e lapsos
 Sonhos (via privilegiada de acesso ao inconsciente)

Tese da obra “Interpretação de Sonhos”:

O sonho é uma actividade psíquica organizada, diferente da vigília. Tem as suas próprias leis. A
concepção que Freud atribui aos sonhos põe em causa as atribuídas até à data. De acordo com a teoria
popular os sonhos eram obras dos deuses e demónios e eram premonitórios. Daí a importância de os
decifrar. Para isso, recorria-se a uma chave de sonhos, através dos símbolos universais interpretava-se
qualquer sonho, pois esses símbolos eram iguais para todos.

De acordo com a concepção da ciência os sonhos não são mais que descargas cerebrais perfeitamente
aleatórias e desprovidas de qualquer significado psicológico.

Para Freud, os sonhos são uma produção própria de quem sonha. No essencial, para Freud, os sonhos têm
um sentido. Esse sentido é individual, o mesmo conteúdo tem significados diferentes consoante o sujeito.
Acede-se aos conteúdos dos sonhos pelo método da associação livre.

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Freud faz uma análise minuciosa aos sonhos, analisa sonhos, fragmentos de sonhos ou mesmo sequências
de palavras. Associar as ideias em torno do sonho implica perceber que a actividade do sonho é um
prolongamento do pensamento mas, durante o sono.

Meltza diz que o sonho é uma outra forma de pensar. O sonho é uma actividade do nosso pensamento
logo, alarga o nosso mundo.

Freud constata que muitas vezes alguns sonhos são muito rápidos, no que toca ao seu relato, mas quando
se começa a fazer associações o seu conteúdo não tem fim, há portanto por vezes uma discrepância entre
o que é relatado e o conteúdo para o qual o sonho nos remete. Isto acontece porque o sonho possui dois
tipos de conteúdo:

 Conteúdo manifesto – relatado por aquele que sonha.


 Conteúdo latente – aquilo para o qual o sonho nos remete.

Tese central afirma assim que o sonho é a realização disfarçada de um desejo recalcado. Recalcado
porque há censura. Esta tese é bastante visível nos sonhos das crianças.

Tipos de Sonho:

Sonhos de Comodidade – são aqueles cuja função é proteger o sono. Ou seja, o desejo satisfaz-se mas o
sono não é perturbado. Ex: tenho sede, então sonho que estou a beber água.

Sonho de Repetição – o que provoca esse sonho não está resolvido. Estes sonhos têm uma função
elaborativa, reparadora. O que desencadeia o sonho não está suficientemente pensado. Tentamos
processar esse acontecimento/informação problema durante o sono.

Nem em todos os sonhos esta realização dos desejos é clara, especialmente nos sonhos dos adultos. É aqui
que se mostra a necessidade de interpretação. O conteúdo do sonho teve que ser disfarçado para escapar à
“censura”.

Sonhos traumáticos – estes sonhos não representam a realização de um desejo. São muitas vezes sonhos
de repetição.

Pesadelos – provêm de uma instância punitiva, satisfazem o desejo de punição do superego. São por
vezes, desejos sexuais que se transformam em angústias. Não têm a ver com a expressão do desejo
pulsional do id, mas sim com o da censura/superego.

Trata-se de um disfarce mal conseguido pois, quando o disfarce é bem conseguido nem sequer nos
recordamos do sonho. Acordamos a meio da noite quando a emoção do sonho é tão forte que o sujeito
não a tolera e, o sonho deixa de cumprir o seu papel de guardião do sono. A censura é tanto mais eficaz
quanto mais ilógico for o sonho.

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O sonho pode não representar o desejo em si, mas sim o processo que conduz à realização desse desejo, e
que é intolerável para a consciência.

Quando sonhamos temos uma série de manifestações somáticas: mexemos os olhos, altera-se o nosso
ritmo cardíaco, etc.

Disfarce – serve para que o sonho possa passar pela censura. Os símbolos são belíssimos disfarces.
Podemos pensar no sonho como um sujeito surdo-mudo, uma vez que os sonhos funcionam
fundamentalmente em imagens. Somos nós, através da chamada elaboração secundária, que os
reconstruímos, que articulamos os diferentes flashes que temos do nosso sonho. Quanto mais
desarticulado é o sonho, melhor é o disfarce. Esta reconstrução também faz parte do sonho, existe uma
razão para o reconstruirmos/articularmos dessa maneira.

O sonho representa a formação de um compromisso (compromisso entre o desejo pulsional e a censura, as


duas forças equilibram-se e levam ao sonho, tal como podiam ter gerado um sintoma). Os sintomas são
também formações de compromisso. Nos dois casos o desejo acaba por se “realizar” ao mesmo tempo
que a censura cumpre o seu papel.

Materiais/fontes/conteúdos dos sonhos:

Utilizam os chamados “restos diurnos” O sonho dispõe das nossas impressões, das nossas memórias
infantis, mesmo daquelas que não valorizamos ou que negligenciamos.

O sonho, no essencial, escolhe entre impressões: valoriza umas em detrimento de outras, mas não valoriza
as que são realmente importantes. Nos sonhos o essencial aparece muitas vezes como acessório e o
acessório como essencial (deslocamento). Por vezes o que é mais importante é insuportável. Algumas
impressões são muitas vezes sobredeterminadas (ex: mãos dadas com a amiga).

Os sonhos mais censurados e, portanto, mais disfarçados e deslocados são os que têm conteúdos sexuais.

Processos do sonho:

Trabalho de Condensação – sobredeterminação de determinados elementos, o símbolo é um bom


exemplo, um só símbolo pode representar diferentes coisas. O relato que o sujeito faz de um sonho é
muitas vezes algo simples, no entanto, quando se analisa esse sonho ou fragmentos dele, remetem-nos
para uma infinidade de conteúdos que estavam sobredeterminadas. Muitas vezes o mesmo personagem
representa diferentes pessoas.

Trabalho de Deslocamento – resulta da transferência de uma intensidade psíquica de um elemento para


outro, de tal maneira, que alguns deles que eram “ricos” de significado ficam “pobres” ou vice-versa, para

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escapar à censura. O deslocamento pode ser visto como uma desfocagem. O sujeito foca-se em
determinado elemento em detrimento de outros.

A condensação e o deslocamento aparecem habitualmente combinados nos sonhos, actos falhados, lapsos,
etc.

Representação – consiste numa operação que transforma os pensamentos do sonho em imagens sobretudo
visuais. Os sonhos são fundamentalmente representados por imagens carregadas de sentido.

Elaboração secundária – consiste em apresentar o conteúdo do sonho num cenário inteligível. Quando o
sonho é essencialmente fragmentos de imagens essa elaboração acaba por ocorrer em diferentes níveis:
quando o sonho se forma (pouco frequente), e quando estou a recordar o sonho e o reconstruo (trabalho
do pré-consciente, já estou acordado mas estou a recordar o sonho) transformando o que é incoerente em
algo coerente com princípio, meio e fim, em algo inteligível. Quando ligamos o sonho o que
acrescentamos para que faça sentido, vem na continuidade desse sonho, não é algo sem importância. São
peças que faltavam e que, por alguma razão, as colocamos lá.

Dramatização – ex: imagem do teatro. O encenador procura que os actores representem o guião,
transformem as palavras em cenas/acções.

Mecanismos

Ausência de contradição – o sonho reencontra opostos; intemporalidade - os sonhos não têm tempo,
altera-se a ordem cronológica, uma ano passa em 2 mins, o ontem é hoje, etc. pela lógica do inconsciente
o sonho simboliza (os símbolos têm um papel muito importante, uma vez que permitem, por vezes,
escapar à censura, por exemplo símbolos sexuais). Os símbolos dos sonhos devem ser interpretados de
acordo com o material interno de cada um, o mesmo símbolo pode ter significados diferentes para pessoas
diferentes. No entanto, sendo seres de cultura existem símbolos comuns. Assim, para Freud a simbologia
está conjugada, existem símbolos individuais e símbolos colectivos presentes nos sonhos. Exemplo de um
símbolo universal: objectos pontiagudos (muitas vezes têm uma dimensão fálica).

Para Herbert os sonhos não se inscreviam na realização de um desejo, eles revelam o estado das coisas,
como está o nosso mundo interior. São uma mera descrição.

Os sonhos por vezes reparam situações, os sonhos reorganizam-nos, têm uma função reparadora. Assim,
um sujeito que não sonhe fica confuso.

Existem experiências do dia-a-dia tão discretas e subtis que não as processamos, não lhes prestamos
atenção e, com as quais podemos vir a sonhar. O sonho vai recuperar informação discreta e informação
intensa para depois processar e elaborar. Isso enriquece-nos, desenvolve o nosso mundo interior, pois
sonhar é uma forma de pensar e o pensamento é enriquecedor. O sonho tem então também a função de,
através do pensamento, reorganizar e aprofundar o nosso mundo interior.

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Os sonhos são a via régia de acesso ao inconsciente. No entanto, existem outras vias para o
alcançar:

 Sintoma (via patológica) – aparece como uma formação de compromisso. Tal como os sonhos
também revela o estado das coisas.
 Actos falhados (esquecimentos, lapsos, actos falhados):
o Esquecimentos: são relações estreitas entre palavras. Quando nos esquecemos de um nome
esse poderá estar associado a um sentimento penoso ou, próximo foneticamente de um
nome que suscite dor. Três tipos de esquecimentos de nomes:
 Esquecimento de inversão (exemplo: acho que a Cátia é uma chata, em vez de lhe
chamar Cátia, chamo-lhe chata)
 Esquecimento de contiguidade (nome muito próximo foneticamente)
 Esquecimento de equivalência (exemplo: D. Mabília – víbora; dinheiro – veneno)
 Lapsos – revelam desejos inconscientes. Nem todos os nossos lapsos estão relacionados com
desejos inconscientes, mas revelam sempre a presença de algo. Três tipos:
o Lapsos linguísticos (exemplo: conferência começar/acabar)
o Lapsos de escrita (exemplo: convite para a minha festa “evito-te para a minha festa.”)
o Lapsos de leitura
 Actos Falhados – são actos motores que expressam uma manifestação do inconsciente.

A Metapsicologia. Primeira e Segunda Tópica.

A Psicologia estuda os fenómenos psíquicos conscientes. A metapsicologia, a super estrutura teórica da


Psicanálise, preocupa-se com o estudo dos fenómenos psíquicos inconscientes. A metapsicologia será o
modo de representação do aparelho psíquico, como é constituído e como funciona.

Freud descobriu, ao estudar os sonhos, processos que se relacionavam com fenómenos inconscientes. As
suas concepções sobre os sonhos exigiram a compreensão topográfica do aparelho psíquico. Freud
desenvolveu então dois pontos de vista tópicos para representar o aparelho psíquico humano:

 1ª Tópica (a mais importante) – corresponde à representação topográfica do aparelho psíquico,


apresenta-o através de coordenadas (lugares).
 2ª Tópica – em vez de nos representar o modelo topográfico do aparelho psíquico, a segunda
tópica apresenta-nos o seu modelo estrutural. Este modelo não anula o primeiro, completa-o.
Nesta tópica está representado o jogo de forças dinâmico que ocorre entre as diferentes instâncias
do nosso inconsciente.

1ª Tópica

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Freud distingue três lugares:

 Inconsciente: dimensões pulsionais. O inconsciente é formado essencialmente por recalcamentos.


O inconsciente decorre dos recalcamentos, logo decorre do consciente, ou melhor, da parte do
consciente que é recalcada.
 Pré-consciente: memórias que facilmente podem ser actualizadas. Podemos aceder ao pré-
consciente, por exemplo, pela livre associação de ideias.
 Consciente: representa o que está presente, o que facilmente consigo
mobilizar.

Na primeira tópica, Freud colocou a censura na fronteira entre o consciente e


pré-consciente, com o inconsciente. Um espaço de transformação/articulação.
Algo que tem espessura e permite um trabalho de ligação. A censura tem uma
função importante para o funcionamento das dinâmicas do inconsciente.

2ª Tópica

Mais tarde, Freud considerou que o aparelho psíquico se encontrava dividido em três instâncias:

 Id – no essencial, grande parte das funções atribuídas ao inconsciente, Freud, vai atribuí-las ao id.
Apesar de, nos nossos dias, sabermos que tal não é verdade, para Freud no início da vida tudo era
id. O id é inconsciente, mas não é o inconsciente. O id rege-se pelo princípio do prazer. É um
processo primário, no qual se encontra a energia pulsional (pólo pulsional). A sua função é a
descarga imediata de emoções.
 Ego – sobre a pressão da realidade (pequenas experiências de frustração (exemplo: criança quer
comer, mas começa a perceber que os seus desejos não são satisfeitos no momento exacto em que
ela queria)) emerge o ego. Uma parte permanece inconsciente (nomeadamente os mecanismos de
defesa), mas outra é já pré-consciente e mesmo consciente. Do ego emerge, naturalmente, uma
outra instância, o superego. O ego rege-se pelo princípio da realidade. É um processo secundário.
 Superego - o superego emerge do ego através da interiorização das normas, da moral, da
educação, etc. o superego surge então como uma imposição exterior. Uma parte dele é
inconsciente, e outra pertence já ao consciente. Representa as proibições, as normas sociais, a
cultura. Os pais e os educadores são, no início da vida, os grandes precursores desta instância. O
superego é a instância responsável pelas culpabilidades inconscientes. Enquanto na 1ª tópica a
censura se encontrava na fronteira entre o consciente/pré-consciente e o inconsciente, na 2ª tópica
Freud desloca-a para o superego.

Consciente e Préconsciente Inconsciente

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Do ponto de vista dinâmico, o ego tem uma função reguladora do aparelho psíquico, assume portanto um
papel central. É responsável por equilibrar as forças repressoras e as forças propulsoras que o compõem.
O ego tem que atender às pulsões do id, às restrições do superego e às exigências da realidade. É então ele
que gere os conflitos intersistémicos entre estas três instâncias, ao mesmo tempo que também se ocupa da
gestão dos conflitos intrasistémicos, dos quais ele faz parte. É por este constante equilíbrio de forças que
se chama a esta tópico o modelo dinâmico. O ego encontra-se no centro da construção da nossa
identidade. Podemos mesmo considerar que corresponde ao gestor da nossa alteridade.

A Pulsão. Primeira e Segunda Teoria das Pulsões.

As dualidades são uma constante em toda a teoria de Freud e, também se encontram nas teorias
pulsionais. Freud desenvolveu duas teorias pulsionais que não são mutuamente exclusivas,
complementam-se.
Pulsão Instinto

Pulsão: é um conceito fronteiriço entre o mental (psíquico) e o somático (físico). Uma pulsão traduz-se
num impulso que tem a sua origem numa zona de excitação corporal que se encontra em tensão. Tem o
objectivo de suprimir esse estado de tensão através de um objecto. Assim a fonte da pulsão é um processo
somático, a excitação e, o seu objectivo é suprimir essa tensão pela obtenção de prazer. O estado de
tensão está associado a um desprazer, exemplo: fome (estado de desprazer em que procuro alimento
(objecto) para satisfazer a minha pulsão.

Instinto: trata-se de um comportamento biológico inato, é um comportamento hereditário.

1ª Teorias Pulsionais (1905)

As primeiras teorias pulsionais defendiam a existência de duas pulsões de acordo com a sua origem: as
pulsões do ego ou de autoconservação e as pulsões sexuais.

Pulsões do ego – correspondem às necessidades vitais do organismo. Servem para a preservação,


conservação do indivíduo.

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Pulsões sexuais – no essencial, servem para a obtenção de prazer. Este prazer ultrapassa largamente os
órgãos sexuais, entende uma diversidade de zonas erógenas. Estas pulsões regem-se pelo princípio do
prazer: objectivo é a obtenção de prazer, de preferência um prazer imediato (processo primário).

O desejo está para as pulsões sexuais como as necessidades estão para as pulsões do ego. Esta é uma
dinâmica conflitual. As pulsões do ego apoiam-se muitas vezes nas pulsões sexuais.

2ª Teoria das Pulsões (1920)

Esta segunda teoria das pulsões vai para além do princípio do prazer. Freud não põe de parte a sua
primeira teoria, esta segunda teoria é apenas uma reformulação da primeira, vem acrescentar-lhe
conhecimento. A segunda teoria opõe a pulsão de vida à pulsão de morte.

Pulsão de vida: esta pulsão está ao serviço da criação de ligações, da preservação da vida, do
estabelecimento de relações cada vez mais fortes. A segunda teoria integra as pulsões do ego e as pulsões
sexuais, ambas componentes das pulsões de vida.

Pulsão de morte: traduz-se numa tendência para a redução completa das tensões, tendem a conduzir o
corpo a um estado inanimado (tendências autodestrutivas, agressivas). Por oposição às pulsões de vida, as
pulsões de morte estão ao serviço da destruição de ligações, relações, etc.

Freud chega a estas pulsões através da compulsão para a repetição. Os sujeitos traumatizados de guerra
cuja capacidade de processar essa experiência emocional tão forte e difícil, não foi atingida. O indivíduo
não as conseguiu processar então, repete essas experiências, não pelo prazer, mas pela necessidade de as
elaborar de modo a ser capaz de processá-las. Na altura em que estas experiências traumáticas ocorrem o
indivíduo não estava à espera, não estava preparado para as viver.

Para além dos traumatizados de guerra Freud, também observou uma tendência destrutiva em alguns dos
seus pacientes.

As fases do desenvolvimento libidinal. O complexo de Édipo.

Ao estudar a histeria, Freud observou nos seus pacientes uma grande prevalência de relatos sobre
problemas sexuais na infância. Freud considera que estes episódios não correspondem à realidade mas
sim a fantasias que se encontram na cabeça dos pacientes. É aqui que ele introduz a noção de fantasma e
começa a sua teoria do desenvolvimento psicossexual.

Estas cenas sexuais dos pacientes traduziam-se em desejos inconscientes, em encenações imaginárias.
Não eram episódios reais, tinham-se passado no inconsciente.

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Estas funcionalidades no entanto, não dependem do aparelho sexual dos indivíduos, mas sim de diferentes
fontes de prazer que se alteram consoante a fase em que estamos, como por exemplo a actividade boco-
labial (na fase oral), actividade relacionada com o controlo do esfíncter anal, e outras actividades que
nada têm a ver com a actividade sexual de um adulto.

Cada uma das fases é definida por Freud em função de uma zona erógena prevalecente ou fonte de
pulsional (lugar onde ocorre a excitação), de um alvo pulsional (responsável pela satisfação da pulsão) e
de um objecto.

Freud distinguiu dois tipos de fases do desenvolvimento psicossexual: as fases pré-genitais (que precedem
a organização do complexo de Édipo) e as fases genitais.

Fases pré-genitais:

Fase oral: ocorre durante o primeiro ano de vida. A zona erógena prevalecente ou fonte pulsional desta
fase é a zona boco-labial, vias aerodigestivas até ao estômago e aos pulmões, os órgãos da fonação
(formação de sons) mas também todos os órgãos sensoriais, dando uma maior importância à visão e ao
tacto. No início de vida grande parte da relação mãe-filho passa pela alimentação e, o prazer oral apoia-se
muito na alimentação. As pulsões sexuais no início apoiam-se nas pulsões de autoconservação, só mais
tarde se autonomizam. O objecto pulsional é o seio materno ou o seu substituto. O alvo pulsional é duplo,
por um lado o prazer auto-erótico que se relaciona com o prazer com a estimulação da zona oral e por
outro o desejo de incorporação do objecto, já que nesta fase ter o objecto em si equivale a ser o objecto.

Karl Abraham dividiu esta fase em duas subfases:

 Fase oral primitiva: ocorre durante os primeiros 6 meses de vida. Prende-se com uma absorção
passiva, o bebé absorve o que lhe dão. Não distingue se é bom ou mau.
 Fase oral tardia: ocorre durante o 2º semestre de vida. É a fase sádica oral, a sucção é agora
complementada com actividades de mordedura. Esta actividade surge pela irritação das gengivas
ligada ao aparecimento dos primeiros dentes.

Fase anal: ocorre ao longo do segundo ano de vida e relaciona-se com o controlo ou domínio. A zona
erógena prevalecente ou fonte pulsional é a mucosa ano-rectal e todas as vias digestivas que se encontram
abaixo do estômago. O objecto pulsional (parcial) nesta fase é relativamente complexo, não devendo ser
reduzido apenas às fezes, mas também a tentativa de domínio sobre o objecto, a mãe, deve ser
considerado. É nesta altura que se observam brincadeiras em que simbolicamente a criança detém um
certo poder relacional sobre outro (ex: atirar coisas ao chão para a mãe apanhar). O alvo pulsional é o
prazer auto-erótico que decorre, fundamentalmente da estimulação da zona anal (reter ou não reter as
fezes).

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Karl Abraham também divide esta fase em duas subfases:

 Fase sádica anal expulsiva: ocorre ao longo do terceiro semestre de vida. Está muitas vezes
associada a uma expulsão intempestiva.
 Fase masoquista anal retentiva: ocorre ao longo do quarto semestre ano de vida. Associada a uma
retenção das fezes.

Este jogo entre o expulsar e o reter, leva a que a ambivalência atinja o seu ponto máximo no segundo ano
de vida. Por outro lado, em função da altura e do lugar em que escolhe reter ou não as fezes, elas podem
tornar-se numa arma ou num presente relacional. É nesta altura que a criança se torna capaz de se
diferenciar do exterior, do Eu e do não Eu e, começa a ter prazer na manipulação relacional com os
objectos exteriores (a mãe ou com o seu substituto). Daí que, por exemplo, as patologias obsessivas
estejam relacionadas com pontos de fixação nesta fase.

Fase fálica ou uretral: esta fase surge sensivelmente ao longo do 3º ano de vida. O tema central desta
fase prende-se com a presença ou a ausência de pénis. A zona erógena prevalente ou fonte pulsional é a
uretra e está relacionada, tal como na fase anal, com o prazer da retenção ou não, neste caso da urina. Tal
como acontece com o prazer anal, o prazer uretral tem uma dimensão auto-erótica bem como uma
dimensão objectal (fantasia de urinar sobre o outro). É nesta fase que se começa a manifestar a
curiosidade sexual infantil, que a criança se confronta com a presença ou ausência de pénis. Esta fase
antecede o complexo de Édipo. O confronto com esta diferença entre sexos pode levar a uma tentativa de
rejeição da mesma. Os rapazes negam o feminino e fantasiam com a sua mãe com pénis. Enquanto as
raparigas manifestam uma certa inveja do pénis e, imaginam que, um dia, eventualmente, o seu clítoris
vai crescer e terão também um pénis. Muitas vezes para compensar esta “inveja” da ausência de pénis,
têm comportamentos que se denominam por “ambição fálica” (exemplo: raparigas maria-rapaz, raparigas
que se expõem a situações de risco, a mais aventuras, são raparigas com maior propensão para o risco).

É também nesta fase que a criança cria inúmeras teorias sexuais sobre a fecundação (ex: ver os pais a
beijarem-se e pensar que a mãe vai engravidar), começa a interrogar-se de onde vêem os bebés.

Apesar da temática principal desta fase ser o pénis ou melhor o falos, pertence ainda a uma fase pré-
genital, uma vez que o pénis é apenas considerado enquanto representante do poder, como objecto
simbólico, e não como um órgão genital.

Complexo de Édipo

O complexo de Édipo corresponde ao ponto central que estrutura toda a sociedade humana, pela proibição
do incesto, e um momento crucial do desenvolvimento do nosso psiquismo.

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É a partir desta altura de deixam de existir objectos parciais e surgem os objectos totais, que são
integrados como um prazer sexual que conduzirá à sexualidade adulta. O complexo edipiano também
desempenha um papel importante na formação do superego e do ideal de ego.

Este fase ocorre aproximadamente entre os 4 e 7 anos de vida. Na sua forma positiva corresponde a uma
atracção pelo progenitor do sexo oposto e sentimentos de ódio/rivalidade pelo progenitor do mesmo sexo.
Já na sua forma negativa ou invertida, acontece o oposto. Muitas vezes as duas situações ocorrem ao
mesmo tempo, há uma certa oscilação entre estas duas posições e, normalmente, predomina a primeira, a
que se chama Complexo de Édipo completo.

Assiste-se a um drama/representação com 3 personagens (mãe, pai e criança) em que a criança fantasia
com a união de dois e a exclusão do terceiro, sendo que por vezes, pode ser ela própria a sentir-se
excluída.

Nos rapazes, a angústia de castração vem pôr termo à problemática edipiana, o rapaz renuncia à mãe sob
o efeito da ameaça castradora. Na rapariga é a angústia de castração que vai iniciar esta problemática e a
liquidação (resolução do complexo) poderá levar alguns anos. Alguns autores defendem que a resolução
completa só ocorre quando a rapariga tem um filho.

O complexo de Édipo inaugura a prevalência do ser sobre o ter: já não quero a minha mãe, quero ser
como ela; já não quero ter ou não ter pénis, quero ser homem ou mulher à semelhança dos meus pais –
inicia-se aqui a passagem de objecto parcial para o objecto total.

Período de Latência:

Com o início desta fase do “querer ser como a mãe/pai” entra-se no período de latência. Não se trata de
uma fase pois não existe nenhum objecto ou fonte, trata-se de um período de acalmia conflitual. Este
período ocorre aproximadamente entre os 6/7 (início do ensino básico) e os 12 anos. Os conflitos das
fases precedentes ainda existem, mas encontram-se menos activos, menos exuberantes. Assim, a criança
encontra-se agora mais liberta, permitindo direccioná-la para actividades de foro cognitivo, como a
aprendizagem e o conhecimento. Há nesta fase uma certa dessexualização progressiva do pensamento e
dos comportamentos, graças ao trabalho do recalcamento que permite activar os mecanismos de
sublimação (estas energias/dimensões libidinais são canalizadas para outros objectivos ligados à
aprendizagem e a factores sociabilizantes). Nesta altura também surge um deslocamento da problemática
edipiana para uma dimensão extrafamiliar. As dinâmicas relacionais complexificam-se e intensificam-se
permitindo a orientação da criança para actividades sociais mais alargadas e meios relacionais diferentes
(escola, amigos, etc.).

Este fenómeno contribui em grande medida para a liquidação do complexo de Édipo.

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Puberdade e Adolescência:

Mais do que um período ou fase, Freud fala em crise da adolescência. É nesta altura em que se assiste a
um aparecimento/retorno brutal das dimensões pulsionais “adormecidas” durante o período de latência. A
adolescência centra-se numa crise narcísica e de identidade, em que se vivem angústias intensas em
relação à construção da identidade do “eu”, do corpo e do sexo.

Há uma emergência pulsional massiva que vem desequilibrar as relações entre as instâncias
intrapsíquicas, o ego é invadido por energias pulsionais intensas das quais ele terá que se defender através
dos seus mecanismos (ex: misticismos, interiorizações, etc.). Muitas vezes, apenas um olhar atento
distingue estes mecanismos de patologias, pois o adolescente vive angústias muito intensas das quais se
procura defender.

No início da adolescência há uma reactivação de toda a problemática edipiana com o deslocamento das
personagens para os substitutos parentais idealizados (ex: professores, artistas, etc.). Surge também uma
reactivação da problemática pré-genital e, principalmente, da oral (anorexia mental, álcool, tabaco, etc.).

Aparecem ainda fenómenos masturbatórios (que já existiam antes mas não desta forma), agora, a
masturbação (terciária) é hiperculpabilizada e, pode mesmo conduzir o adolescente a graves inibições ou
mesmo, vir a desenvolver uma estrutura compulsiva ou obsessiva.

Assim, a adolescência surge-nos, à luz da Psicanálise, como um período de múltiplas renúncias: desde o
luto das ilusões ao luto das imagens parentais. Não só tem que admitir e interiorizar a grande diferença
existente entre o seu ego e o seu ideal do ego (ferida narcísica), como os pais se mostram agora como
seres imperfeitos (há a perda do objecto). Assim, os objectos edipianos, os pais, deixam de ser os únicos e
surge a necessidade de reorganizar, de alterar a relação que se estabelecia com esses objectos. Esta fase é
caracterizada por alargamentos de objectos e de objectivos. É uma fase de abertura e expansão dos
mundos relacionais. É a fase do querer saber, querer ir mais além.

Pode-se dizer que o final da adolescência representa de algum modo a última forma espontânea de
resolver espontaneamente os insucessos do complexo de Édipo. É com o final da adolescência que a
escolha do objecto sexual se fixa definitivamente.

 Estas fases correspondem a um desenvolvimento sequencial. Esta sequência pode levar a que
determinados conflitos de uma certa fase (zonas de fragilidade) se transformem em fixações. Mais
tarde pode então surgir uma regressão a esses pontos de fixação. Exemplo: anorexia,
toxicodependência, comportamentos obsessivo-compulsivos, etc.
 Conceitos-chave: fixação e regressão.

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O Narcisismo. A Angústia e os Mecanismos de Defesa.

Narcisismo
O narcisismo é inerente ao desenvolvimento da libido, é um componente da pulsão de auto-conservação.
O reservatório original da libido é constituído pelo Id. O ego apenas assume esta função após o seu
primeiro investimento dito narcísico. É este primeiro investimento, fundamental do ego, pela libido
originária do Id que dá origem ao Ego ideal.

O Narcisismo, em psicanálise, representa um modo particular de relação com a sexualidade. É um


conceito crucial no seu desenvolvimento teórico. O narcisismo é um protector do psiquismo e um
integrador da imagem corporal, ele investe o corpo e lhe dá dimensões, proporções e a possibilidade de
uma identidade, de um Eu. O narcisismo ultrapassa o auto-erotismo e fornece a integração de uma figura
positiva e diferenciada do outro.

Narcisismo primário - é o primeiro modo de satisfação da libido, onde as pulsões buscam satisfação no
próprio corpo. Nesse período ainda não existe uma unidade do ego, nem uma diferenciação real do
mundo. Consiste na dinâmica do investimento inicial do Ego total pela libido proveniente do Id.

Narcisismo secundário – designa todas as situações clínicas em que se observa um refluxo sobre o Ego da
libido objectal. Refluxo esse associado a uma dessexualização que permite, em particular, os processos de
sublimação. Ocorre em dois momentos: o investimento objectal e o retorno desse investimento para o
ego. Quando o bebé já consegue diferenciar seu próprio corpo do mundo externo ele identifica quais as
suas necessidades e quem pode satisfazê-las, então concentra num objecto as suas pulsões parciais,
geralmente na mãe.

O reservatório original da libido é o Id Mais tarde o grande reservatório da libido é o ego (libido
proveniente do id). O expoente máximo do narcisismo secundário surge quando o sujeito está
apaixonado.

Angústia
Estado composto por um afecto que tem um carácter de desprazer, e que é acompanhado por
determinadas sensações corporais específicas (batimentos cardíacos acelerados, respiração ofegante, etc.).

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Qualquer que seja a sua origem/modalidade, a angústia é sempre experimentada a nível do ego. É contra
ela que o ego vai pôr em prática os seus mecanismos de defesa (na sua maioria inconscientes). Se estes
mecanismos forem eficazes põem fim ao sentimento de angústia.

Existem duas circunstâncias possíveis para o aparecimento da angústia:

 Perante a percepção do ego da iminência de um perigo real surge uma reacção de angústia que,
muitas vezes desencadeia acções motoras (ex. Fuga) ou um bloqueio. Podemos chamar-lhe angústia
“automática”.
 Perante uma produção do Id, sentida pelo ego como perigosa, este último acciona mecanismos de
defesa para fazer face a essa produção.

Em 1926, Freud refere-se à “angústia sinal”, que se traduz na activação dos mecanismos de defesa por
parte do ego, face ao mínimo sinal de angústia.

Mecanismos de Defesa
1) Recalcamento – consiste numa operação que tem como objectivo manter fora da consciência os
afectos, representações, ideias, consideradas inaceitáveis. Por vezes pode ocorrer o retorno do
recalcado. Este pode surgir sob a forma de sintomas, muitas vezes sintomas histéricos.
2) Regressão – pressupõe um certo desvio do desenvolvimento normal, significa voltar atrás,
regressar a um ponto de fixação anterior. Traduz-se no uso de modalidades defensivas anteriores.
Exemplo: mãe sai de casa e a criança com cerca de 4 anos, volta a chuchar no dedo, regressão à
fase oral. Anorexia pode decorrer de traumatismos da fase oral.
3) Formação Reactiva – designa uma atitude psíquica de sentido oposto a um desejo recalcado,
constituída em reacção a este. Por exemplo: sujeito que tem muito cuidado com a limpeza porque
na verdade tem o desejo de se sujar, a limpeza também pode ser vista como uma forma de estar
em contacto com a porcaria. Pessoas muito dedicadas aos outros que tinham uma grande
rivalidade com os irmãos, transformar o egoísmo em altruísmo. Estas atitudes podem ser mais
generalizadas ou mais localizadas. Quando são localizadas surgem como traços de personalidade.
4) Isolamento – comportamento típico sobretudo na neurose obsessiva. Pode designar um
desaparecimento, no consciente, de um afecto ligado a uma determinada representação conflitual
(ideia, recordação, etc.). A representação permanece no consciente mas aparece desligada do
afecto que a acompanhava. Pode também designar uma separação artificial entre dois
comportamentos, pensamentos, etc. Desapareceram do consciente as conexões entre esses dois
episódios (ex: falar de uma situação que suscita emoção, sem demonstrar qualquer tipo de
emoção, de uma forma fria e impessoal. Descrevê-la como se fosse observador desse episódio.

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5) Anulação retroactiva – mecanismo psicológico através do qual o individuo se esforça de modo a


que pensamentos, gestos, actos, etc. passados, não tenham acontecido. Para isso, o sujeito serve-se
de um pensamento oposto a este. Este mecanismo, tal como o isolamento, surge como um
“procedimento mágico” na neurose obsessiva, é uma magia negativa. São pensamentos a dois
tempos: em que o primeiro anula o outro. Representam o conflito entre duas tendências opostas e
de intensidade quase igual. Exemplo: rituais obsessivos, tentar anular o efeito de um
comportamento anterior (passar por baixo de uma escada 2 x para que não me aconteça alguma
coisa).
6) Reversão no contrário e retorno sobre si – um processo pelo qual o alvo de pulsão se transforma
no seu contrário, na passagem da actividade à passividade, com retorno sobre si mesmo. Exemplo:
passagem do sadismo ao masoquismo.
7) Racionalização – utilização de justificações lógicas e racionais artificiais que vão escamotear os
verdadeiros motivos para determinado comportamento. Sujeitos extraordinariamente lógicos e
racionais, com um pensamento quase matemático. A racionalização acaba por estar muitas vezes
ligada ao isolamento.
8) Denegação – recusa em reconhecer um determinado sentimento/desejo/pensamento como seu.
Esse desejo/sentimento/pensamento, é fonte de um conflito. Exemplo: sonho – homem não era de
certeza o pai mas, não sabia quem era – era o pai.
9) Recusa – diferente de denegação. Recusa da própria realidade. Realidade incómoda. Este
mecanismo aparece ligado às psicoses – conflito com a realidade; a sua maior dificuldade é lidar
com a realidade que é intolerável, então constrói outras realidades; o afastamento da realidade
nunca é absoluto.

10) Clivagem – usado por Freud para designar um fenómeno muito particular que vê operar sobretudo
no fetichismo e nas psicoses. Acção de divisão do ego ou do objecto (as duas muitas vezes
coexistem). As duas partes do ego e/ou do objecto, desconhecem-se uma à outra. Exemplo: dupla
personalidade. Acontece muito no desenvolvimento com a clivagem do mau seio e do bom seio,
projectando para o exterior o mau seio (parte que não pode reconhecer como sua).

Da teoria pulsional à teoria da relação de objecto. Fairbairn e Klein.

Teoria da relação de objecto

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Toda a teoria de Freud se organiza em torno da teoria das pulsões que engloba, as questões do sujeito da
pulsão, da pulsão em si mesma e do objecto. Depois de Freud surge uma corrente psicanalítica que se
centrou sobre a relação de objecto e, sobre a sua génese na criança. Uma das críticas a Freud deveu-se ao
facto deste ter negligenciado um pouco o papel do meio envolvente. Segundo a teoria pulsional o objecto
da libido é o prazer.

A relação de objecto resume o modo de organização das relações do sujeito com o seu ambiente. Da
interacção entre a estrutura da personalidade do sujeito, a vida fantasmática (no que afecta a apreensão do
mundo) e, o funcionamento das defesas mais utilizadas. A relação de objecto põe o acento na
interactividade sujeito-objecto.

Em que, o objecto se encontra em conflito pelo sistema defensivo e, a relação comporta em si o risco de o
desviar de um espaço fantasmático para uma cena real. A relação de objecto exclui a dimensão pulsional
para dar lugar a uma concepção social e, inter-relacional do sujeito.

Ronald Fairbairn (1889 – 1965)

Segundo Fairbairn, o que o homem busca mais profundamente é o contacto emocional com os seus
semelhantes – crença central da sua estrutura teórica. Para que o centro emocional cresça e se torne
disponível e presente nas nossas interacções com os outros, são necessárias duas coisas: a criança tem
acima de tudo de se sentir amada pela sua mãe, depois pelo seu pai e pelos restantes familiares que lhe
são próximos. O trauma mais marcante para uma criança é o de não ser amada e, o seu amor não ser
recebido. Se isso acontecer, a criança retira-se e procura o conforto de um objecto interior, que ela
internalizou. A relação com o objecto internalizado é acompanhada externamente por certos
comportamentos (ex: chuchar no dedo, masturbação, comer ou beber excessivamente, homossexualidade,
incesto, etc.). A pessoa volta-se para o objecto internalizado face ao desapontamento traumático. Quando
o contacto emocional é traumático, a pessoa vira-se para estas acções frustrantes (expressões de um
desespero que revela uma impotência face a um desapontamento grave).

Para Freud, o objectivo da libido é o prazer (registo subjectivo da redução de uma tensão). Quando um
indivíduo se encontra num estado de tensão, tenta reduzi-la por intermédio de um objecto. Fairbairn diz
que o objectivo da libido é a busca do objecto. A palavra “objecto” refere-se normalmente a uma
pessoa, mas também pode designar um objecto parcial como por exemplo o seio. O desejo, no essencial, é
o desejo do contacto emocional. O objectivo da libido é a procura do estabelecimento de relações
satisfatórias com o objecto – por satisfatória entende-se uma relação que pressuponha contacto
emocional. A libido, para Fairbairn, não é um quantum de energia física gerada por um estado físico do
organismo mas, um movimento que provém do Ego e se dirige para o objecto. A libido não se esgota no
contacto com a superfície da zona erógena, mas sim quando tem contacto com a pessoa do mundo externo

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no seu centro emocional. As zonas erógenas traduzem-se nos caminhos que conduzem ao objecto,
caminhos através dos quais a libido passa mais facilmente.

A libido tem a sua origem no Ego, e não no Id, como se verificava na teoria pulsional de Freud. O Ego
surge como o grande reservatório da libido, dado que a partir daqui se procura o objecto. Fairbairn
despreza o Id, para ele toda a actividade tem origem no Ego, daí considerar que o narcisismo primário não
existe, apenas há narcisismo secundário.

Toda a actividade tem origem no Ego e dirige-se para o objecto. a libido começa por fluir do sujeito e
termina no objecto. Fairbairn defendia a perspectiva de Melanie Klein, de que todos nascemos com um
Ego intacto. Existe um Ego à nascença, ao contrário do que Freud defendia (à nascença apenas existe Id e
o Ego vai aparecendo com as experiências da vida).

Melanie Klein (1882 - 1960)

Grande revolucionária da teoria psicanalítica pela introdução da noção de relação de objecto. Foi ela que
preconizou a existência de um Ego à nascença, capaz de experienciar angústia (nomeadamente o
nascimento) e que, vai usar mecanismos de defesa. Esse Ego, é capaz de estabelecer relações de objecto.
É um Ego ainda imaturo e pouco organizado. A força deste Ego em Fairbairn, vai aparecendo na relação
com o objecto, em Kein esta força não é considerada directamente numa relação com o objecto, essa
relação pode fortificá-lo mas, já nascemos com um Ego mais forte ou mais fraco, não depende do
condicionamento do meio.

Enquanto Fairbairn partiu do sentimento de futilidade e do estado de retirada emocional provocado por
um desapontamento precoce, Melanie Klein fez do medo da aniquilação o seu ponto de partida. Medo de
algo que a destrói a partir do exterior – experiência interior do instinto de morte, experimentado de forma
fóbica. Assim, embora o objecto receado seja um elemento interno, é experimentado como sendo externo,
ou seja, é projectado para fora.

No início da vida o bebé não tem uma imagem bem definida da mãe, existem apenas várias sensações
(objectos parciais) tais como o cheiro, o sabor do leite, o toque do seio, etc. A criança não vê estes traços
como constituintes de um padrão ao qual chamamos “mãe” – objecto total. Dentro dos objectos parciais,
o seio surge, para Klein tal como para Fairbairn, como o objecto central, a zona erógena mais importante.

As relações objectais estão no centro da vida emocional. Quando nasce o bebé é exposto a uma série de
estimulações exteriores (luz, etc.) e, interiores como a secura boco-labial. Essa secura provoca um
reflexo, o da sucção. Assim, quando o bebé encontra o seio da mãe, recebe-o como sendo uma
gratificação. Quando está ao peito o bebé sente-se satisfeito e reconfortado, para ele incorporar leite é
incorporar calor e amor (experiência satisfatória com um seio bom) mas quando não há seio sente-se

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frustrado. É a ausência do objecto parcial que provoca a hostilidade. Estimulado pela frustração, o bebé
cria a fantasia de um mau seio, projectando o mau interno (frustração) para o seio fantasiado. O mau seio
é sempre aquele no qual foram projectados hostilidade e ódio violentos.

A intensidade do ódio é a paixão que domina este estádio, a posição esquizoparanóide (Klein incorporou
a designação “esquizóide” porque a criança se encontrava emocionalmente retirada do objecto neste
estado). Para Klein, a posição esquizoparanóide dominava os primeiros 3 a 4 meses de vida. Para
Fairbairn, a origem do estado esquizóide reside no desapontamento traumático, para Klein a origem do
estado esquizoparanóide reside na quantidade de instinto de morte herdado. Para ela, a posição
esquizoparanóide é simultaneamente um estádio (de desenvolvimento) e uma posição, um resíduo que
permanece na personalidade e ao qual, a pessoa pode regredir mais tarde. Este estádio encontra-se
associado a mecanismos de defesa projectivos, nomeadamente, a identificação projectiva. A criança
projecta no exterior todos os sentimentos intoleráveis e também, os bons sentimentos. Quando se sente
assustada pela acção interna do instinto de morte, ela projecta esses sentimentos no exterior, no mau seio.
O mau seio é ao mesmo tempo o seio da mãe e a experiência frustrante de “não ser alimentado” quando
quer. Há uma ligação entre a experiência interna (instinto de morte) e a experiência externa (ausência de
seio), o que origina uma projecção do interior no exterior – identificação projectiva. Na identificação
projectiva não há um objecto introjectado, mas sim a experiência de um objecto parcial odiado, no qual
são projectadas experiências internas insuportáveis.

Para Klein, o Ego existia desde a nascença, de modo a poder lidar com a ansiedade. Quando coincidia um
Ego forte e uma ansiedade moderada significava que o Ego seria capaz de gerir a ansiedade e, o bebé
estava apto a passar ao próximo estádio, posição depressiva. Por volta dos 3/ 4 meses de idade, os
objectos parciais que compõem no seu conjunto a “mãe”, começam a juntar-se. Esta posição é
acompanhada do afecto da depressão, o bebé sente-se mal e triste porque começa a sentir interiormente
que os ataques hostis se dirigem a uma pessoa com sentimentos e sensibilidade e não a um objecto
insensível. Esta posição encontra-se associada à introjecção do objecto. O bebé sente-se culpado por ter
prejudicado ou estragado a mãe, que agora percepciona como sendo o objecto amado, e que introjecta
como objecto total.

Assim, ao que Freud chamou de fase oral, Klein dividiu-a em posição esquizoparanóide e posição
depressiva. A passagem de uma posição para a outra ocorre pela prevalência das experiências boas em
relação às más (há uma diminuição dos mecanismos de clivagem e projecção). O objecto deixa de ser
parcial e passa a ser visto como um todo.

Para proteger o Ego imaturo de que Klein fala, surgem dois mecanismos: clivagem e projecção ou
identificação projectiva. Há uma clivagem inicial quando o objecto é dividido em bom e mau seio.
Daqui resulta um intercâmbio complexo entre fantasias de bom e mau. Deste intercâmbio, desta
complexidade relacional, espera-se que haja a internalização do bom seio, introjecção positiva que

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promove o crescimento. O bebé vai procurar livrar-se da experiência com o seio mau projectando-o. A
interiorização do bom seio era, segundo a perspectiva de Klein, a estrutura de base da saúde mental.

A teoria do pensamento de Bion. Winnicott e a importância do meio.

Teoria do Pensamento do Bion


O pensamento e a resolução de problemas ocupam um lugar central nas preocupações de Bion. A teoria
de Bion revolucionou todas as teorias prévias sobre o pensamento. Segundo Bion, primeiro dá-se o
desenvolvimento de pensamentos e, depois aparece o aparelho que irá lidar com eles: o pensar.

Bion distingue o pensamento verbal e o pensamento em imagens, ideograma. O pensamento em imagens


já existe no estado esquizoparanóide. A percepção interpenetra-se da cognição. A dimensão de um
objecto não é “vista” de acordo com o tamanho da projecção desse objecto na retina assim, no ver há um
pensar. Este processo está de tal forma enraizado que é frequente não percebermos que isso acontece. Nós
temos módulos cognitivos que nos permitem moldar activamente o ambiente que vemos. Assim, na
actividade perceptiva do quotidiano, há pensamentos que se fazem através de imagens, tal como nos
sonhos. Este tipo de pensamento, normalmente, não são conscientes. Num estado psicótico, o paciente
passa a pensar com imagens. Falam de forma sonhadora. Usam imagens mnésicas que representam
experiências emocionais intensas. Representam o seu pensamento sobre experiências traumáticas. Não se
encontram conscientes dos seus pensamentos mais profundos (o trauma permanece escondido). São estas
as imagens a que Bion chamou ideogramas. A imagem, seja ela uma memória ou uma percepção corrente,
é retida porque é a realização de uma preconcepção que existe.

Para que um pensamento dê origem a uma preconcepção (estado de procura emocional), tem que estar
associada a uma realização. Quando a criança anda à procura do seio e o encontra não há qualquer
pensamento, há apenas uma experiência de satisfação. Quando não há seio há uma procura frenética e
confusa. Depois surge um momento de clareza e uma imagem do seio que satisfaz – momento de
emergência do pensamento.

Bion diz que a seguir aos pensamentos oníricos surge a preconcepção, seguida por um pensamento ou
uma concepção e, só depois surge o conceito. A diferença entre preconcepção ou pensamento e um
conceito é que, o último é verbal e pode ser comunicado a outro sob a forma de linguagem.

Bion enfatiza que nos ideogramas não existe consciência, porque esta se encontra inevitavelmente ligada
ao pensamento verbal. A pessoa dominada pela parte psicótica da personalidade não é capaz de resgatar o
pensamento ideográfico das trevas para a luz do pensamento verbal.

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As experiências de frustração, de mau estar (fome, frio, etc.) e todas as sensações de desprazer, são um
agrupamento de sensações que Bion designa como elemento β.

Quando o bebé tem estas sensações de desprazer procura livrar-se delas,


projectando estas sensações na mãe. A mãe tem então, que ser capaz de
transformar essas sensações e torná-las suportáveis para o bebé. Bion
preconiza a existência da mãe como uma função – função α. Esta função α
vai operar sobre os elementos β e transformá-los em elementos α (os quais
vão ser introjectados pelo bebé).

Elementos β – seio mau; experiências de desprazer. Elementos dos quais o bebé se espera livrar através
da relação com a mãe.

Função α – resposta adequada da mãe que vai transformar essas sensações de desprazer em prazer, em
experiências boas e suportáveis. A mãe transforma os elementos β em elementos α e devolve-os ao bebé.

Elementos α – seio bom, experiências de prazer.

Capacidade de Rêverie

Capacidade que a mãe tem de sonhar o seu bebé. Bion acreditava que esta capacidade da mãe era um pré-
requisito maternal essencial. Se a mãe possuísse esta capacidade, então seria um bom contentor das
ansiedades do bebé. Com medo da aniquilação, o bebé projecta na mãe o receio e o terror da morte
(elementos β), mas se a mãe for capaz de os conter (função α), então, estes modificam-se e o bebé recebe-
os de novo de uma forma digerível (elementos α). É esta capacidade de compreensão que vai operar sobre
os elementos β, é um factor da função α. O bebé não vai apenas introjectar os elementos α, vai também
interiorizar a função α, a própria capacidade transformativa, capacidade de pensar sobre as experiências
emocionais. A função α traduz-se na capacidade de dar nome ou sentido às experiências emocionais. No
início da vida alguém tem que o fazer por nós, só mais tarde o conseguimos fazer sozinhos. Antes de
sermos capazes de pensar, alguém o teve que fazer por nós.

Se a mãe detestar a chegada do seu bebé, transmite-lhe uma resposta negativa de tal modo que, este se
sentirá um fardo para a mãe e, internalizará uma má ideia de si mesmo. Se, por outro lado, a mãe
“sonhar” o seu bebé (capacidade de rêverie), vai-se sintonizar com o bebé de maneira que, quando ele faz
gestos, olha para ela, vocaliza para ela, etc., a mãe é capaz de responder, adequadamente, com gestos,
olhares, vocalizações, etc. que vão ao encontro dos dele. O bebé sente-se então, reconfortado e satisfeito.
As suas ansiedades foram contidas e modificadas pela mãe. Numa relação terapêutica, a capacidade de
rêverie significa que o analista está preparado para ser mudado pelo
paciente. O analista está aberto ao sofrimento e à dor do paciente –
aspecto central do pensamento de Bion.

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Quando a mãe não é capaz de dar uma resposta adequada, os elementos β são re-introjectados pelo bebé,
da mesma forma que foram projectados. O bebé fica submerso nestes elementos que lhe provocam mau
estar, não apenas nos que lhe causavam desprazer e tentou projectar na sua mãe, como aqueles que foram
devolvidos por ela sem serem transformados. Há uma projecção de elementos β que em vez de serem
transformados em elementos α, vão ser de novo devolvidos ao bebé. Assim, este mecanismo que está ao
serviço da comunicação entre a mãe e o bebé transforma-se em mecanismos de defesa. Se a mãe se
desorganiza por ver o bebé chorar e não saber o que ele tem, não só não transforma os seus elementos β
em elementos α, como cria mais elementos β.

Winnicot
Enquanto Melanie Klein dava demasiada ênfase aos mecanismos e desvalorizava a natureza do objecto,
para Winnicot, a natureza do objecto é central e os mecanismos são sempre colocados em segundo lugar,
daí as noções de Verdadeiro Eu e Falso Eu ocuparem um lugar central na compreensão da sua teoria.
Winnicot olhando para uma situação clínica conseguia descobrir onde residiam as suas forças e utilizá-las
o mais possível.

As perspectivas de Winnicot desenvolvem-se sempre tendo em conta o tempo e o espaço. A preocupação


relativamente ao espaço deve-se ao facto de, neste desenvolvimento, ser precisamente a diferenciação
entre o exterior e o interior, o espaço próprio do self e do meio envolvente que deverá ser organizado. A
relação de objecto em Winnicot depende da maneira como a mãe apresenta os objectos, ou seja, permite
ao bebé encontrar o objecto em tempo adequado.

Winnicot afirma que, se a mãe não respondeu adequadamente ao seu bebé, este coloca um escudo para
proteger o seu Eu individual (Verdadeiro Eu). Os medos pré-genitais de invasão, de aniquilação ou de
fragmentação são sentidos por este Eu individual.

Quando Klein fala destas ansiedades pré-edipianas, refere-se a elas como sendo sentidas pelo Ego,
Winnicot por seu lado, refere-se a elas como sendo o Verdadeiro Eu. Quando o analista encontra as
ansiedades pré-edipianas no paciente, é a própria individualidade do paciente que é sentida como estando
em perigo. Klein afirma que a ameaça a esta parte da personalidade provém do instinto de morte que
labora no nosso interior, Winnicot diz que a ameaça reside no facto da mãe falhar, o que faz com que o
Verdadeiro Eu se retraia e se projecte – é o pecado da omissão da mãe que dá origem à perturbação. Se a
mãe falha em responder de forma crucial, então a criança passa a ser conivente e a identificar-se com o
funcionamento negativo da mãe.

Assim, na transferência o analista é recebido com hostilidade quando tenta aproximar-se do paciente de
modo compreensivo. Isto acontece porque o analista encontra o Falso Eu defensivo.

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O Verdadeiro Eu está ligado à ideia de processo primário. O Verdadeiro Eu recolhe em pormenor a


experiência ligada ao facto de viver. O Falso Eu é estabelecido à custa do Verdadeiro Eu, do qual toma o
lugar, mas protege-o de facto.

De vez em quando, o bebé emite um gesto espontâneo que emana do seu Verdadeiro Eu. A mãe necessita
de responder a este gesto, com um gesto seu positivo que venha do seu Verdadeiro Eu. O Verdadeiro Eu
não se transforma numa realidade viva se não for afirmado, a menos que, a mãe corresponda
repetidamente e, de forma adequada, aos gestos espontâneos do bebé.

A capacidade da mãe para fazer estes gestos, encontra-se relacionada com o que Winnicot designou por
preocupação maternal primária – estado de apurada sensibilidade da mãe para com o bebé (permite
que o holding ocorra tal como a capacidade de rêverie). Ele supunha que, quando uma mulher engravida,
adquire gradualmente um grau elevado de identificação com o seu bebé, identificação essa que atinge o
seu auge no momento do parto e, começa a decrescer lentamente passado alguns meses. Esta função
maternal permite à mãe conhecer as expectativas e as necessidades precoces do seu filho e faz com que se
sinta pessoalmente satisfeita se este estiver bem.

Tal como a mãe não pode descobrir o que fazer a partir de livros ou de qualquer outra pessoa quando o
seu bebé comunica espontaneamente com ela, também o analista não tem, em última instância, a quem
recorrer, especialmente em certos momentos. A acção exigida pelo paciente pode ser a de que o analista
fale ou permaneça calado, mas de qualquer das formas, deseja uma reposta proveniente do Verdadeiro Eu
do analista.

Quando a mãe possui alguma doença ou perturbação de carácter e, não é capaz de responder ao seu bebé
com base no seu Verdadeiro, ocorrem dois processos: a criança perde uma experiência psicológica
essencial e, fica aterrorizada a um nível muito profundo. De maneira a poder lidar com este abismo, o
bebé internaliza o funcionamento do Falso Eu mau da mãe. O Falso Eu é então, constituído pelos aspectos
não responsivos odiados da mãe, pelo que se encontram no paciente precisamente as características que
ele abomina. Por exemplo, um paciente cuja mãe fora extremamente possessiva com ele, odiava este tipo
de atitude e conseguira livrar-se dela, mas agia para com o analista precisamente da mesma maneira. Este
poderá ser o modo que o bebé arranja para se sentir mais próximo da sua mãe.

Winnicot acredita que nos primeiros meses o bebé se sente um só com a sua mãe, só depois começava
lentamente a separar-se dela. Para Winnicot, desde o nascimento, o bebé pensa que o seio é dele, faz parte
de si (para Bion e Klein o bebé experimenta o seio como algo separado de si). Winnicot atribui os
sentimentos inatos da posição esquizoparanóide de Klein às falhas da mãe – a falha em adaptar-se ao
bebé, em segurá-lo física e psicologicamente (holding1 – segurar, conter o bebé ou o paciente, com um
tipo de sintonia e atenção dotada de intencionalidade afectiva. Esta capacidade é permitida pela
preocupação maternal primária). Para ele o desenvolvimento também consiste na separação do bebé da

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sua mãe, com a ajuda do pai (Winnicot não enfatizava a vinculação libidinal à mãe, mas antes a luta do
bebé para se libertar).

À medida que a diferenciação entre a criança e a sua mãe ocorre, desenvolve-se a capacidade para criar
símbolos. Para Winnicot existe um estado intermédio, quando a relação táctil com a mãe ainda não deu
lugar a uma relação internalizada. Nesta altura a criança segura algo material (boneca, pano, etc.) que
representa a mãe ou, mais propriamente o seio da mãe – objecto transitivo. A vinculação à mãe é
realizada através da visão, do olfacto e do tacto e o bebé investe o objecto com as mesmas qualidades
maternais. Nesta fase o bebé não é nem uno com a mãe nem se encontra ainda separado desta, o objecto
transitivo não se encontra nem no exterior nem no interior. É esta a área em que a ilusão ocorre, que o
individuo cria a o mundo objectal de um modo particular. O funcionamento da ilusão depende da
capacidade de rêverie da mãe.

Para Winnicot o conceito de “mãe suficientemente boa” representa, mais do que uma mãe perfeita, é uma
mãe que dá uma resposta adequada no tempo, para que o bebé crie a capacidade de tolerância à frustração
(capacidade de espera), para Bion este é um factor inato. Esta capacidade mesmo sendo biológica, pode
aumentar ou diminuir na relação com a mãe.

1
envolvência, relação que a mãe estabelece com o bebé, o seu cheiro, etc. todos os cuidados que
a mãe dá ao bebé e que o fazem sentir-se envolvido e lhe transmitem amor.

Relação terapêutica. Transferência e contra-transferência.

A psicanálise é uma investigação sobre o sistema relacional do sujeito. Nomeadamente, das relações
infantis, das relações que este estabelece com os objectos e, com o psicanalista. É a análise e a
compreensão destas 3 fontes que permitem elaborar algumas relações patológicas que foram ocorrendo ao
longo da sua vida. É também através destas fontes que se percebe a história, o sistema relacional do
sujeito. Ao compreender melhor o seu passado, mais facilmente o sujeito se conhece, vive o presente e
projecta o futuro.

Transferência e Contra-transferência
A contra-transferência é a resposta do analista à transferência. É uma resposta inconsciente. Traduz-se no
analista “sonhar” (rêverie) o paciente (compreender o paciente). O inconsciente do analista encontra-se
com o inconsciente do paciente. Quando o analista se apercebe dele dá uma resposta adequada.
Mecanismo de identificação projectiva.

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Transferência são fenómenos de repetição. São novas edições, cópias das tendências e dos fantasmas que
devem ser despertados e tornados conscientes pelos progressos da análise e, cujo traço característico
consiste em substituir uma pessoa anteriormente conhecida pela pessoa do analista. Revive-se um número
considerável de estados psíquicos anteriores, não como estados passados mas como relações actuais com
a pessoa do analista. Há transferências que em nada diferem do seu modelo quanto ao conteúdo, com a
excepção da pessoa (substituída). Outras transferências sofreram uma atenuação do seu conteúdo, uma
sublimação e, são mesmo capazes de se tornar conscientes. A transferência analítica depende da
utilização que o analista vai poder fazer dela tornando conscientes as tendências ternas ou hostis. A
transferência torna-se assim, no mais poderoso auxiliar da análise se, o analista for capaz de a
desmantelar e traduzir o seu sentido ao paciente. A transferência, antes de mais, é uma resistência à
análise. É sobretudo a transferência hostil que constitui a resistência principal, chegando mesmo a tornar a
análise impossível (como é o caso dos paranóicos). Quanto ao “amor de transferência”, é importante que
o analista se aperceba dele e, não atribua este sucesso pessoal ao seu encanto. O “amor de transferência”
não é autêntico pois, nada na situação presente o justifica – irrealidade da transferência.

Transferência positiva – fenómenos de ternura e amor de sexualidade dominam (amor desinteressado)

Transferência negativa – fenómenos de ódio dominam. O nosso lado mais agressivo vem ao de cima.
Transferência erotizada.

Numa análise ocorrem as duas. Ambas devem ser analisadas, compreendidas e desmanteladas, para que
possa surgir uma nova relação mais saudável e real.

Transferência complementar: analista  paciente – para evitar que ocorra uma transferência por parte do
analista sob a pessoa do paciente, é essencial que o analista faça análise de vez em quando, para se
conhecer bem e saber controlar este tipo de situações.

Contra-transferência

Tem uma grande importância. Inicialmente era vista, tal como a transferência como um obstáculo à
análise. A análise da contra-transferência é necessária para que os sentimentos pessoais e as resistências
interiores do analista não venham prejudicar o processo da cura. A contra-transferência permite ao
analista compreender analiticamente o paciente. É a tomada de consciência das resistências e dos afectos
contra-transferênciais do analista que vão guiar o analista para compreender, para além das aparências o
que o paciente lhe transmite. Assim, para analisar o analista está sujeito a um permanente trabalho de
auto-análise, pelo menos no que toca à parte do seu inconsciente que é implicada na relação com o
paciente.

Racker distingue dois tipos de contra-transferência:

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Contra-transferência concordante – o analista acolhe o paciente no seu interior, dando uma resposta
adequada aos movimentos de transferência do sujeito.

Contra-transferência complementar – o paciente projecta objectos internos no interior do analista. O


analista identifica-se com eles e interioriza-os. Exemplo: medo do paciente – análise que o analista faz do
que sente permite perceber que o paciente sente que está a projectar no analista os seus conflitos.

Apesar de difícil, o desejável é que ocorra na relação analítica uma contra-transferência que apenas
considera os movimentos transferênciais do paciente.

Interiorização da função analítica consiste em permitir ao sujeito pensar sobre ele.

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