Você está na página 1de 9

Revista de Psicologia

CONSIDERAÇÕES ÉTICAS NA TESTAGEM


Revista
de Psicologia Ethical considerations in testing

Janaina Rodrigues 1

Resumo
Este artigo versa sobre as questões éticas imbricadas na utilização de testes psicológicos, quando da consecução de
avaliações psicológicas. Os profissionais da psicologia procuram em meio a novas construções de identidade, refletir
sobre a sua atuação segundo parâmetros éticos, quer estes sejam dados pela teoria a qual sua prática coaduna ou por
princípios pessoais do profissional que a executa. Como a profissão do psicólogo relaciona-se imprescindivelmente a
aplicação de testes psicológicos aja vista que é função exclusiva deste profissional, repensar a sua identidade e prática
implica na reflexão de sua conduta quando os utiliza, ou, ainda que não os use diretamente em seu trabalho, como
se posiciona frente a essa temática, sobretudo neste momento em o uso dos testes tem enfatizado mais uma avaliação
dirigida aos contextos habituais de desempenho e tem grangeado uma melhor reputação no seio da investigação e da
prática psicológica, nomeadamente por parte dos profissionais que lidam com recursos humanos em geral, requerendo,
portanto contribuições sobre o assunto.

Palavras-chave: ética, avaliação psicológica, testes.

Abstract
This article turns on the existent ethical subjects in the use of psychological tests, when of the attainment of psycholo-
gical evaluations. The professionals of the psychology seek amid new identity constructions, to contemplate about his/
her performance according to ethical parameters, he/she wants these are given by the theory which his/her practice
combines or for the professional’s personal beginnings that it executes her. As the psychologist’s profession links the
application of psychological tests unavoidably acts view that is this professional’s exclusive function, to rethink his/her
identity and practice implicates in the reflection of his/her conduct when it uses them, or, although it doesn’t use them
directly in his/her work, as front the that theme is positioned, above all at this time in the use of the tests it has been
emphasizing one more evaluation driven to the habitual contexts of acting and he/she has been obtaining a better re-
putation in the breast of the investigation and of the psychological practice, namely on the part of the professionals that
work with human resources in general, requesting therefore contributions on the subject.

Keywords: ethics, psychological evaluation, tests.

1
Psicóloga, formada pela Universidade Federal de Uberlândia, com especialização em Psicopedagogia Escolar pela Faculdade de Edu-
cação também pela UFU. Email: janarods@yahoo.com.br

Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 2 - n. 1, p. 117-125, jan./jun. 2011 117


Revista de Psicologia

1 - INTRODUÇÃO pessoais e sociais, bem como o caráter, o


modo de ser de uma pessoa ou de uma co-
Segundo Bock (1999) a Psicologia, munidade. Em seguida discute a avaliação
enquanto categoria profissional e enquanto psicológica como processo realizado pelos
ciência, passa por um momento de refle- psicólogos no qual este lança mão de tes-
xão. Em meio aos planos que lança sobre o tes psicólogos como instrumento de inves-
futuro e as novas construções de identida- tigação, para depois relacionar a ética na
des, promove a reflexão inevitável sobre a testagem.
atuação dos seus profissionais segundo pa-
râmetros éticos, isso por que a toda prática Face às contradições e mesmo com-
psicológica subjaz um modelo ético, quer plexidade do assunto aqui discutido, não se
seja dado pela teoria a qual se coaduna ou pretende encerrá-lo neste espaço ou apre-
por princípios pessoais do profissional que sentar conclusões definitivas, mas incitar
a executa. reflexões nos profissionais e estudantes em
formação da área a fim de construírem jun-
A profissão do psicólogo relaciona-se tos, uma prática responsável e socialmente
imprescindivelmente a aplicação de testes comprometida.
psicológicos aja vista que é função exclusi-
va deste profissional, de modo que repen-
sar a sua identidade e prática implica na 1.Ética
reflexão de sua conduta quando os utiliza,
Segundo Boff (2003), vivemos gra-
ou, ainda que não os use diretamente em
ve crise mundial de valores e isso dificul-
seu trabalho, como se posiciona frente a
ta, para a grande maioria das pessoas, à
essa temática.
distinção entre o que é correto e o que não
Extrapolando a situação clínica e in- é. Esse obscurecimento da ética redunda
dividual, voltada para a classificação e ca- numa insegurança e permanente tensão
tegorização dos testandos como foi em sua nas relações sociais que tendem a se orga-
origem, o uso dos testes atualmente tem nizarem ao redor de interesses particula-
enfatizado mais uma avaliação dirigida aos res, e não ao redor do direito e da justiça.
contextos habituais de desempenho e tem Assim, diante desse momento peculiar da
grangeado uma melhor reputação no seio história, torna-se premente a pergunta: “o
da investigação e da prática psicológica, que é ética, que é moral? É a mesma coisa
ou há distinções a serem feitas?”.
nomeadamente por parte dos profissionais
que lidam com recursos humanos em geral O autor mencionado considera que,
(Godoy & Noronha, 2005) requerendo por- apesar de na linguagem comum e mesmo
tanto contribuições sobre o assunto. culta, ética e moral serem utilizadas como
sinônimos, aprofundando-se a questão ve-
Assim, pretende-se com este traba-
rifica-se que não o são. Boff (2003) mostra
lho relacionar a testagem psicológica com
que a ética é parte da filosofia, e como tal,
a ética profissional, principalmente por
considera concepções de fundo acerca da
acreditar que pensar a atuação dos psicó-
logos na vertente de uma conduta pautada vida, do universo, do ser humano e de seu
na ética inclui necessariamente a reflexão destino, estatuindo princípios e valores que
sobre o uso que este faz dos instrumentos orientam pessoas e sociedades. Já a moral
que têm e produz a favor do seu trabalho. é parte da vida concreta, e trata da prática
real das pessoas que se expressam segun-
Para isso, aborda inicialmente a
do costumes, hábitos e valores estabeleci-
questão da ética tomando-a num sentido
dos pela cultura.
existencial como morada humana, que se-
gundo Boff (2003) representa o conjunto Feitas as devidas distinções entre os
ordenado de princípios, valores e das mo- termos, volta-se a pergunta: o que é ética?
tivações últimas das práticas humanas, Mas antes de abordá-la, e a fim de clarear

118 Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 2 - n. 1, p. 117-125, jan./jun. 2011


Revista de Psicologia

outro questionamento não menos impor- a humanidade unida e preservar o capital


tante, discorrer-se-á sobre as afirmações ecológico indispensável à vida” (p. 28). Já
levantadas por Singer (2002) sobre o que a a fundamentação racional da ética repre-
ética não é. sentou um esforço do pensamento humano
desde a existência dos primeiros filósofos
Para ele, a ética não é um sistema
gregos e continua ainda sendo fonte de in-
ideal enquanto teoria, mas inaproveitável
teresse para vários estudiosos, mesmo que
na prática; o que acontece quando as pes-
restrita ao meio acadêmico e distante do
soas acreditam que a ética seja um sistema
cotidiano popular.
de normas simples e breves, distantes das
complexidades da vida. As que pensam que Para Boff (2003) esses dois para-
a ética é um sistema de normas, ainda que digmas não estão invalidados, mas sem
mais complexas e específicas, são denomi- dúvida, precisam ser enriquecidos e para
nados deontologistas. que possa ganhar um mínimo de consen-
so, a ética deve emergir da afetividade (do
Os conseqüencialistas não partem
pathos). Para ele o afeto representa um
de regras morais. Singer (2002) considera
sentir profundo que faz o homem entrar
que eles partem de objetivos para avaliar
em comunhão, sem distância, com tudo
a qualidade das ações. Se elas favorecem
aquilo que o cerca. Pelo pathos (paixão)
esses objetivos, então são consideradas
capta-se o valor das coisas, sendo este o
corretas. O utilitarismo é a mais conhecida
que dá dignidade aos seres e os tornam
desse tipo de teoria.
desejáveis. Mas há que se ater para o fato
Singer (2002) entende que por ser de que os valores são circunstanciais: “to-
universal, a ética trás consigo a idéia daqui- dos os valores valem, mas nem todos va-
lo que é maior que o individual. Condutas lem para todas as circunstâncias” (p.31)
em bases éticas não podem estar atreladas e, para ordenar e disciplinar a paixão,
apenas a benefícios que proporciona aque- é que subsiste a razão. A justa medida
le que a executa, ele cita a célebre fórmula entre essas duas dimensões é que torna
de Kant: “Aja somente segundo a máxima possível a emersão da ternura e do vigor,
através da qual você possa, ao mesmo tem- as duas forças que sustentam uma ética
po, desejar que ela se transforme numa lei promissora.
universal”.
A ternura, de acordo com Boff
Ao extrapolar o âmbito individual, (2003), denota o cuidado com o outro que
do “eu” e o “você”, deve-se considerar os protege e confere paz. O vigor, por sua vez,
interesses de todos os que serão afetados equivale a dominar sem conter, direcionar
pela ação para que ela atenda as exigências com tolerância. Ambos constituem uma
da conduta pautada na ética, buscando o personalidade integrada capaz de manter
curso de ações que maximize os interesses os paradoxos unidos e se enriquecer com
das pessoas envolvidas. A ética exige que eles. De tais pressupostos nasce uma éti-
se extrapolem pontos de vistas pessoais e ca inclusivista que “se estrutura ao redor
que se volte para um ponto de vista seme- de valores fundamentais ligados à vida, ao
lhante ao que um espectador “imparcial” seu cuidado, ao trabalho (...). É um ethos
adotaria. que ama, cuida, se responsabiliza, se so-
Sobre o que vem a ser a ética, Boff lidariza e se compadece” (p. 32), e que se
(2003) identifica as religiões e a razão como constitui nas, e pelas, relações estabele-
às duas fontes que orientaram eticamente cidas pelo ser humano com o universo e
as sociedades até os dias atuais. Descon- seus semelhantes.
siderando as diferenças entre as diversas Sobre a questão relacional da ética,
religiões, o autor acredita que os pontos Freire (2003) coloca que ela aparece in-
comuns entre elas “permitem elaborar um dissociada do outro, haja vista que este é
consenso ético mínimo, capaz de manter elemento indispensável á instauração da

Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 2 - n. 1, p. 117-125, jan./jun. 2011 119


Revista de Psicologia

subjetividade: primeiro pela separação de 2. Avaliação psicológica


mim em relação ao outro, depois pela subs-
Realizada, sobretudo, por psicólogos
tituição de mim pelo outro; processo que
clínicos, visando à identificação de forças
exige a ida do eu na direção de sua exte-
e fraquezas no funcionamento psicológico,
rioridade e uma implicação do eu pela vin-
com um foco na existência ou não de psi-
da do outro. Há nisto tudo uma alteridade
copatologia, a avaliação psicológica é um
radical que intima o sujeito a assumir uma
processo científico que utiliza métodos e
responsabilidade absoluta para com todos
técnicas de investigação, geralmente a nível
os outros. Para Freire (2003) “Essa é a di-
individual, para entender problemas com
mensão ética por excelência, a do estar a
base em alguma teoria e para identificar e
serviço de Outrem” (p. 13).
avaliar aspectos específicos a fim de clas-
Na psicologia essa ética da “alterida- sificar o caso e prever seu direcionamento,
de radical” faz-se relevante pela indagação comunicando os resultados através de uma
que produz quando investiga a existência devolutiva e propondo soluções (Cunha,
de um lugar para o outro nas práticas que 2000).
são realizadas em seu nome. Como discu-
Ela parte de hipóteses, que serão ou
te Freire (2003), aquele que procura o ser-
não confirmadas ao longo de um processo
viço de psicologia é um outro em relação
limitado no tempo e inserido num contexto
ao profissional. Este, através da disposição
em que os papéis são definidos. No contra-
da escuta como meio de responder ao seu
to isso é evidenciado através das posições
sofrimento, responsabiliza-se pela sua an-
assumidas: o paciente pede ajuda e o psi-
gústia oferecendo-lhe morada temporária,
cólogo, caso se disponha, aceita o pedido
enquanto o outro reconstrói sua própria
e se compromete a satisfazê-lo, dentro dos
habitação.
limites da suas possibilidades. O plano de
Mas, como alerta Guareschi (1992) é avaliação é estabelecido com base nas per-
preciso adotar uma postura crítica diante de guntas e hipóteses iniciais, definindo-se, a
todo criado, visto que, limitados pelo huma- partir dele, os instrumentos necessários,
namente instituído, temos que reconhecer como e quando serão utilizados.
nossa limitude histórica e deixar uma porta
Segundo Cunha (2000), a duração
aberta às possibilidades, aperfeiçoamento e
de um processo de avaliação psicológica é
transformações. O que implica no campo da
ética pensá-la como uma instância crítica estimada no tempo necessário para que se
sobre o dever ser das relações humanas em possam operacionalizar as tarefas implí-
vista de possibilidades plenas de realização citas pelo plano de avaliação, bem como,
das pessoas como ser humano. completar as tarefas subseqüentes até a
comunicação dos resultados e recomen-
Nessa perspectiva, a dimensão crí- dações pertinentes. No momento em que é
tica da ética significa que ela está sempre possível ter uma previsão, deve-se formali-
por se fazer. Não pode ser considerada zar com o paciente ou responsável os ter-
como algo pronto e acabado. Implica a co- mos em que o processo irá se desenvolver,
locação, através de proposições, de exigên- definindo papéis, obrigações, direitos e res-
cias e desafios em uma busca infinita para ponsabilidades mútuas, através do estabe-
alcançá-los. A dimensão da relação refere- lecimento de um contrato de trabalho.
se, em conformidade ao que já fora expos-
to, àquilo que não pode ser sem outro, já Abrange em sua investigação, as-
que ninguém pode se dizer ético a partir pectos passados, presentes (diagnóstico) e
de si mesmo, como a concepção de indivi- futuros (prognósticos) a cerca da persona-
duo centrado no eu quer. Pode-se ser ético lidade analisada, utilizando para esse fim,
apenas em relação ao outro, e, por incrível certas técnicas, como, entrevistas semidi-
que pareça, é ele quem decide se somos, ou rigida, testes psicológicos, técnicas proje-
não, éticos. tivas, entrevistas de devolução. Assim que

120 Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 2 - n. 1, p. 117-125, jan./jun. 2011


Revista de Psicologia

selecionados os meios e administrados os Por serem instrumentos que podem contri-


instrumentos, obtêm-se informações que buir com o plano de trabalho profissional
devem ser inter-relacionadas com os dados do psicólogo no Brasil, é válido investir e
da história clínica e da história pessoal do exigir uma formação melhor durante a gra-
sujeito em testagem. Elaborado as inferên- duação na área de testagem.
cias desejadas de acordo com os objetivos
De qualquer forma, face à necessi-
da avaliação, os resultados são comunica-
dade de apresentar diretrizes para o uso
dos ao paciente e a quem poderá oferecer
correto de testes e encorajar melhores prá-
subsídios para decisões ou recomendações
ticas para o processo de avaliação psico-
(Cunha, 2000).
lógica instituiu-se no encontro realizado
De forma geral, a avaliação psicoló- na cidade de Atenas, em 1995, as “Dire-
gica é realizada utilizando-se um modelo trizes para o uso de Testes: International
psicológico de natureza clínica que envol- Test Commission”. Os seus objetivos in-
ve: o levantamento de perguntas relacio- cluem a produção de um conjunto de di-
nadas com os motivos da consulta e defi- retrizes relativas às competências neces-
nição das hipóteses iniciais e dos objetivos sárias aos usuários dos testes, tais como
do exame, numa entrevista com o paciente conhecimento, capacidades, habilidades e
e/ou com seus responsáveis; o planeja- outras características pessoais (Diretrizes
mento, seleção e utilização de instrumen- internacionais para a utilização de testes,
tos de exame psicológico; posteriormente, 2003).
o levantamento quantitativo e qualitativo
dos dados, integração das informações e
inferências na formulação do parecer ou 3. Ética na testagem psicológica
laudo; entrevista devolutiva, para a comu- Tendo discorrido sobre a ética e o uso
nicação dos resultados; orientação e en- dos testes psicológicos durante processo de
cerramento do processo com a formulação avaliação psicológica, pode-se constatar que
final de um relatório. tanto em suas pesquisas quanto nas apli-
Assim visto, a avaliação psicológica cações práticas de seus procedimentos, os
é um processo de coleta de dados, cuja rea- psicólogos demonstram preocupações com
lização pode incluir o uso de testes psicoló- questões de ética profissional ao buscarem
gicos. Embora seja uma atividade exclusiva atuar levando em consideração seus deve-
dos psicólogos, tem sido muito questiona- res, valores e responsabilidades para com
da, sobretudo quando nela está incluso o a ciência e com as pessoas com as quais se
uso daqueles. As críticas são atribuídas relaciona. Um exemplo desta preocupação
principalmente ao uso inadequado e incor- é o programa empírico sistemático seguido
reto dos testes, e das informações geradas na década de cinqüenta para desenvolver
por eles e à falta de cientificidade dos ins- o primeiro código de ética para a profissão
trumentos usados. Aliada a essas críticas, e que resultou na preparação de uma série
algumas também apontam para a forma- de padrões oficialmente adotados pela As-
ção em avaliação dos profissionais que os sociação Psicológica Americana –APA (We-
utilizam (Godoy & Noronha, 2005). chsler, 2001).
Em seu estudo, Godoy e Noronha Segundo Wechsler (2001), a versão
(2005) apontam para a importância dos atual desse código de ética compreende um
profissionais usuários de instrumentos preâmbulo e seis princípios gerais destina-
psicológicos terem condições de entender dos a orientar os psicólogos para os ideais
os usos e as limitações dos testes que uti- superiores da profissão (competência, inte-
lizam, considerando que eles são constru- gridade, responsabilidade científica e pro-
ídos para avaliar certos eventos, ou proce- fissional, respeito pela dignidade e direitos
dimentos, ou atributos, numa determinada das pessoas, preocupação com o bem es-
população e sob circunstâncias restritas. tar do outro e responsabilidade social). Ela

Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 2 - n. 1, p. 117-125, jan./jun. 2011 121


Revista de Psicologia

também apresenta oito padrões éticos com tões mais amplas de valores em todos os
regras obrigatórias para psicólogos traba- campos da psicologia aplicada e teórica. A
lhando em contextos diversos. realidade profissional mostra, muitas ve-
zes, que apenas no plano ideal todos os
Segundo os princípios gerais, o psi-
profissionais agem guiados pelo bom senso
cólogo deve: procurar manter os mais altos
e por valores sociais. A falta de informação
padrões de excelência no seu trabalho; reco-
clara e orientação podem levar a decisões
nhecer os limites de sua competência; estar
que priorizem os ganhos pessoais em detri-
a par do desenvolvimento da literatura cien-
mento dos custos para o paciente. Na área
tífica; apresentar comportamentos honestos,
da testagem, o estabelecimento de padrões
justos e respeitosos na sua atuação; evitar
éticos e princípios de valores ajudam a de-
que valores pessoais possam vir a afetar o
finir o uso profissionalmente responsável
relacionamento com o sujeito a ser atendi-
dos testes.
do; procurar sempre atender, com técnicas
especificas, as necessidades de diferentes Como forma de expressar as preo-
clientelas; respeitar o direito de privacidade, cupações dos profissionais brasileiros com
confidencialidade, autodeterminação, auto- essas questões, foi lançado em agosto de
nomia dos indivíduos atendidos, guarda si- 2005 o novo Código de Ética Profissional
gilosa da informação e recusa de continuar do Psicólogo (Conselho Federal de Psicolo-
o tratamento; estar sensível as diferenças gia, 2005), que instituiu, dentre outros, de-
individuais e à relação de poder no atendi- veres que devem ser adotados na testagem
mento ao outro; e, deve ainda, divulgar os psicológica: “Art. 1º: São deveres funda-
conhecimentos psicológicos a fim de reduzir mentais dos Psicólogos: c) Prestar serviços
o sofrimento e contribuir para a melhoria da psicológicos de qualidade, em condições de
humanidade. trabalho dignas e apropriadas à natureza
desses serviços, utilizando princípios, co-
Cabe ressaltar que a realidade bra- nhecimentos e técnicas reconhecidamente
sileira, algumas vezes, dificulta a imple- fundamentas na ciência, na ética e na le-
mentação de diretrizes estabelecidas em gislação profissional; f) Fornecer, a quem
um país onde a formação e a atuação do de direito, na prestação de serviços psicoló-
psicólogo se processa diferentemente. No gicos, informações concernentes ao traba-
nosso país experienciamos dilemas éticos lho a ser realizado e ao seu objetivo profis-
constantes em relação à política, à atua- sional; i) Zelar para que a comercialização,
ção de alguns profissionais e a corrupção; aquisição, doação, empréstimo, guarda e
assistimos diariamente o desrespeito aos forma de divulgação do material privativo
direitos dos cidadãos e o descaso com a do psicólogo sejam feitas conforme os prin-
responsabilidade social. Em relação à falta cípios deste código”.
de ética no uso do conhecimento psicoló-
gico, encontramos profissionais de outras De acordo com Wechsler (2001), em
áreas utilizando-se de técnicas restritas cada uma das etapas da avaliação psico-
aos psicólogos, ou mesmo, psicólogos de- lógica, que envolvem desde a seleção dos
satualizados, usufruindo equivocadamente testes a serem utilizados, sua aplicação,
desses instrumentos e de seus resultados, correção, interpretação, até elaboração de
fotocopiando material sujeito a direitos au- laudos e devolução dos resultados colhi-
torais, desconsiderando os erros da medida dos, como visto, existem várias situações
nas suas interpretações, desprezando con- que podem afetar a qualidade do trabalho
dições que afetam a validade dos testes em prestado e a ética que o norteia. Estar cons-
cada cultura, dentre outros. ciente dessas possibilidades permite que se
antecipem os conflitos éticos e que se possa
De acordo com Guzzo e Pasqua-
trabalhar com justiça social.
li (2001) desde a década de setenta existe
uma grande preocupação não apenas com Na seleção dos instrumentos para
problemas éticos, mas também com ques- avaliação psicológica, o psicólogo deve, a

122 Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 2 - n. 1, p. 117-125, jan./jun. 2011


Revista de Psicologia

fim de realizar um trabalho dentro de prin- Entre os possíveis receptores de re-


cípios éticos, investigar na literatura espe- sultados de teste, além dos próprios tes-
cializada os melhores instrumentos dispo- tandos, estão os pais de menores, os pro-
níveis para cada objetivo desejado, avaliar fessores, os empregadores, os psiquiatras,
as qualidades psicométricas dos instru- o pessoal de tribunal e de instituições de
mentos, considerar as variáveis sociodemo- recuperação. Apenas o participante que se
gráficas (idade, sexo, nível de escolaridade, submeteu aos testes e quem solicitou a tes-
etc.), condições físicas gerais, presença de tagem tem direito aos resultados da avalia-
deficiências na escolha dos testes e escalas ção, sendo que este último deve ser informa-
a serem utilizadas. do unicamente em relação ao que solicitou.
Em toda devolutiva de avaliação psicológica,
Na administração dos testes escolhi-
é desejável considerar as características da
dos, deve prestar informações aos indivídu-
pessoa que vai receber as informações. Isso
os envolvidos quanto à natureza e objetivos
se aplica não somente à sua educação geral,
da avaliação e dos instrumentos a serem
mas também à sua possível resposta emo-
aplicados, obtendo seu consentimento li-
cional ao que será comunicado.
vre e esclarecido por escrito, fornecer as
condições físicas adequadas em termos de A comunicação dos resultados pode
espaços, mobiliário, ventilação e silêncio, ser assistemática ou sistemática. Entre os
organizar o material que será utilizado pre- informes sistemáticos, os tipos mais co-
viamente, estabelecer uma relação de con- muns são algumas entrevistas de devo-
fiança antes da aplicação, seguir rigorosa- lução e os laudos, que habitualmente são
mente as instruções, evitar se ausentar da encaminhados a profissionais da área mé-
sala durante a resolução dos testes. dica, da saúde e da educação.
Durante a correção e interpretação O laudo é uma peça escrita constitu-
dos instrumentos utilizados, é imprescin- ída em uma das etapas finais da avaliação
dível que o psicólogo siga os critérios e as psicológica e que contém as conclusões al-
tabelas apropriadas de cada manual, que cançadas sobre o caso. Presta-se à comu-
leve em consideração os aspectos qualitati- nicação sistemática dos resultados servindo
vos da aplicação, que interprete os resulta- mesmo, como arquivo do atendimento reali-
dos obtidos de forma dinâmica e contextua- zado, a partir do qual podem ser desenvolvi-
lizada e que arquive os dados coletados, de dos planos de intervenção ou constatar-se o
forma confidencial, por um período mínimo que parecia óbvio. Por abarcar os resultados
de cinco anos. advindos do trabalho do psicológico (realiza-
ção de testagens psicológicas) pode ser con-
Em relação à elaboração de laudos siderada uma expressão da sua competên-
e entrevistas de devolução, de maneira ge- cia profissional (Guzzo e Pasquali, 2001).
ral, o psicólogo deve evitar ser influenciado
nas suas conclusões por valores pessoais, A produção dos laudos e a quali-
utilizar-se de linguagem clara e adequada dade das suas informações são relevantes
ao receptor, evitar fornecer resultados em não apenas para o trabalho dos próprios
forma de respostas certas e esperadas aos psicólogos visto que podem vir a subsidiar
instrumentos utilizados, respeitar o direito a prática de outros profissionais que de-
de cada sujeito conhecer os resultados da pendem dos resultados de uma avaliação
avaliação ao qual foi submetido, guardar psicológica (juízes, educadores e médicos).
sigilo das informações obtidas quando isto Além disso, por todas as implicações que
não implica risco de vida para o sujeito, e os resultados contidos nos laudos possam
deve redigir os dados obtidos no processo adquirir como fontes de informações para
avaliativo em forma de laudo. As informa- tomadas de decisões a respeito do sujeito
ções certamente não devem ser transmiti- a quem se refere, é necessário que sejam
das rotineiramente; elas devem oferecer ex- produzidos a partir de diretrizes éticas e
plicações interpretativas apropriadas. científicas.

Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 2 - n. 1, p. 117-125, jan./jun. 2011 123


Revista de Psicologia

Segundo Guzzo e Pasquali (2001), quada, profissional e ética, atentando-se


durante algum tempo acreditou-se que o às necessidades e direitos daqueles envol-
psicólogo ao aprender técnicas de avaliação vidos no processo de avaliação, bem como
psicológica poderia executar o laudo sobre às razões para utilizá-los e ao contexto no
este exame sem necessidade de atenção qual se realiza a testagem. Compreende-
especifica à sua formulação. No entanto, a se, assim, que a utilização ética dos testes
ineficiência em relação aos seus propósitos, implica atuar de forma profissional, garan-
fez com que os laudos psicológicos se tor- tir o seu uso competente, assumir respon-
nassem, atualmente, objeto de estudo do sabilidades durante o processo, garantir a
psicólogo durante a sua formação e o seu segurança ao arquivar seus resultados e
exercício profissional. assegurar a confidencialidade destes.
A elaboração de laudos no Brasil, na Nesse sentido, o uso eticamente
atualidade, bem como de qualquer outro orientado dos testes psicológicos inclui a
documento decorrente de avaliação psico- avaliação do potencial dos testes, a seleção
lógica, deve seguir os padrões instituídos de instrumentos tecnicamente confiáveis
pelo Conselho Federal de Psicologia (2003) para cada situação, à preparação cuida-
tanto no que se refere à linguagem escri- dosa das sessões de aplicação, a adminis-
ta utilizada, quanto aos princípios éticos tração adequada dos testes, a correção e
e técnicos que devem norteá-la. Pode, no análise dos resultados segundo procedi-
entanto, variar em sua estrutura, conforme mentos e sistema de correção dados nos
as questões básicas e os objetivos do exame manuais e a comunicação dos resultados
(Guzzo e Pasquali, 2001). de forma clara e adequada para as pesso-
as envolvidas.
Como atividade exclusiva do psicó-
logo, a competência na aplicação de testes, As diretrizes apontadas são mais
correção e registro dos resultados obtidos, auxiliares do que obrigações visto que pro-
depende de uma formação especializada, curam contemplar a diversidade de con-
de atualizações e constante aprimoramen- textos, situações e públicos aos quais os
to nas técnicas disponibilizadas, da reali- testes se destinam, considerando-os como
zação de estudos e pesquisas sobre o as- um todo e não como práticas particulares.
sunto. Cabe a classe desses profissionais Além do que, como visto, a ética enquanto
a valorização do trabalho que realiza, atra- elemento constituído nas e pelas relações
vés, sobretudo, de uma prática que atenda sociais perpassa a história de vida pessoal
os objetivos aos quais se destina e que ofe- e profissional de cada psicólogo e o modo
reça benefícios e melhorias à vida das pes- como este concebe o universo, a humani-
soas que buscam ajuda para seus conflitos dade e os dilemas que se dão na relação
psicológicos. entre eles.
Não obstante, considerando-se que
estar a serviço do outro é a dimensão ética
2 - CONCLUSÃO por excelência da psicologia, há que se con-
Buscando refletir sobre a atuação do siderar que estar atento aos conhecimentos
psicólogo na situação da testagem na ver- e produções existentes sobre o trabalho que
tente de uma conduta dita como ética pro- se realiza é indispensável a um profissional
curou-se discutir o que seria uma atuação competente e compromissado com aquele
assim intitulada, contextualizar o uso de ao qual se coloca à disposição.
testes na avaliação psicológica, para enfim
apontar as questões éticas que perpassam
cada momento da sua realização. 3 - REFERÊNCIAS
Um psicólogo competente na área da Anastasi, A., & Urbina, S. (orgs.) (2000) Na-
testagem utilizará os testes de forma ade- tureza e uso dos testes psicológicos. In, Tes-

124 Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 2 - n. 1, p. 117-125, jan./jun. 2011


Revista de Psicologia

tagem psicológica (7ª Ed.) (pp.17-39). Porto vel em: http://www.intestcom.org/Downlo-


Alegre: Artes Médicas Sul. ads/Portuguese%20guidelines%202003.pdf
Bock, A. M. B. (1992) A psicologia a cami- Freire, J. C. (2003) A Psicologia a serviço
nho do novo século: identidade profissional do outro: ética e cidadania na prática psi-
e compromisso social. Estudos de Psicolo- cológica. Psicologia Ciência e Profissão, 23
gia, 4(2), 315-329. (4), 12-15.

Boff, L. (2003) Ética e moral: a busca dos Godoy, S. L. de, & Noronha, A. P. P. (2005)
Instrumentos psicológicos utilizados em
fundamentos. Petrópolis, R. J.: Vozes.
seleção profissional. Revista do Departa-
Conselho Federal de Psicologia (2003). Re- mento de Psicologia – UFF, v. 17 – nº1, p.
solução CFP N.º 007/2003. Disponível em: 139- 159, jan/jun.
http://www.crpsp.org.br/a_orien/legis- Guareschi, P. (1992) A emergência da cons-
la.../fr_cfp_007-03_Manual_Elabor_Doc.ht. ciência ética. Aparecida: Santuário.
Conselho Federal de Psicologia (2005). Re- Guzzo, R. S. L, & Pasquali, L. (2001) Lau-
solução CFP N.º 010/05. Disponível em: do Psicológico: A expressão da competência
WWW.pol.org.br profissional. In L. Pasquali (org.) Técnicas
Cunha, J. (2000) Psicodiagnóstico V (5ª ed. de exame psicológico (pp.155-170). São
rev.). Porto Alegre: Artmed. Paulo: Casa do psicólogo.
Singer, P. (2002) Ética prática (3ª ed.). São
Diretrizes internacionais para a utilização
Paulo: Martins Fontes.
de testes (2003). Versão Original: Interna-
tional Test Commission - ITC (2000). Versão Wechsler, S. M. (2001) Princípios Éticos e De-
portuguesa: Comissão para a Adaptação ontológicos na Avaliação Psicológica. In L. Pas-
Portuguesa das Directrizes Internacionais quali (org.) Técnicas de exame psicológico (pp.
para a Utilização de Testes (2003). Disponí- 171-193). São Paulo: Casa do psicólogo.

Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 2 - n. 1, p. 117-125, jan./jun. 2011 125

Você também pode gostar