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O antiniponismo no Brasil: debates na Assembleia Nacional Constituinte de 1933-34.

BIANCA SAYURI MIKI∗

No Brasil, a relação entre os brasileiros e os primeiros imigrantes nipônicos foi marcada por uma
tensão que oscilava entre os sentimentos de admiração e de rejeição. Essas posições já estavam
visíveis antes mesmo da chegada maciça de japoneses ao Brasil no início do século XX. Embora
os mitos sobre a terra dos samurais e das gueixas atraíssem admiradores interessados no distante
e exótico país das cerejeiras, a atribuída distinta formação racial e o avanço bélico nipônico
despertavam o medo e a repulsa. Ainda no século XIX, a imigração chinesa1 já havia contribuído
para a edificação de estereótipos em relação aos nipônicos –, pois aos olhos ocidentais não
familiarizados, os dois povos pareciam ter fortes semelhanças físicas (DEZEM, 2005: 45-50).
Entretanto, a chegada de 781 imigrantes vindos de Kobe, no Japão, ao porto de Santos, em São
Paulo, em 18 de junho de 1908, fez com que o que antes era um imaginário coletivo sobre os
japoneses se chocasse com a realidade.
A admiração deu lugar ao medo e o interesse deu lugar à repulsa. À esse tipo de rejeição
dá-se o nome de antiniponismo. O antiniponismo pode ser compreendido como a oposição à
presença de japoneses e de seus descendentes numa localidade diferente do território do qual são
nativos. Apesar desse posicionamento não ter sido unânime na sociedade brasileira, ele pode ser
identificado nos grupos que detinham as responsabilidades políticas sobre o caminho para se
conduzir a nação. Nos anos 1930, alguns políticos brasileiros denunciaram a imigração japonesa
como um problema nacional e levantaram essa questão dentro de um espaço destinado a se
discutir a construção de uma nova Constituição – a Assembleia Nacional Constituinte.
A pesquisa que venho desenvolvendo procura analisar a presença do antiniponismo na
Assembleia Nacional Constituinte de 1933-34, articulando-se a partir de quatro pressupostos
principais:


Mestranda em História Social da Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
Bolsista CNPq.
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Entre 1812 e 1819, uma colônia de chineses foi trazida de Macau para o Rio de Janeiro pelo Governo Real
Português para introduzir a cultura do chá no Brasil. Tratava-se de um projeto econômico estratégico que foi
considerado um fracasso, pois a falta de experiência dos imigrantes, as condições climáticas e os maus tratos aos
quais eram submetidos os levaram a fugir e abandonar as plantações. Esse episódio contribuiu para a imagem
negativa dos orientais.
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a) A compreensão de que a Assembleia Nacional Constituinte de 1933-34 é um espaço
rico e privilegiado para uma investigação sobre esse tema.
b) A identificação de que a atuação política de alguns intelectuais brasileiros na
Assembleia Nacional Constituinte de 1933-34 foi decisiva para criar e recriar imagens sobre os
japoneses.
c) A compreensão de que os estereótipos atribuídos aos japoneses já se faziam presentes
na sociedade brasileira antes do período da Segunda Guerra Mundial – momento em que o
antiniponismo havia sido abertamente manifestado devido às alianças bélicas que cada nação
havia feito.
d) A identificação de que os discursos antinipônicos articulavam argumentos tanto de
caráter racial quanto de caráter bélico.
Diante disso, a pesquisa ainda em andamento, analisa o caráter antinipônico presente nos
debates ocorridos dentro da Assembleia Constituinte Nacional de 1933-34. O importante fórum
foi palco de discussões sobre políticas migratórias restritivas e reuniu diversos argumentos que
contribuíram para fomentar o medo em relação ao “perigo amarelo”.

A Assembleia Nacional Constituinte e os rumos da nação


Ao longo do Governo Provisório, um dos temas centrais foi o debate sobre a constituição
física e moral do cidadão brasileiro, uma vez que o país era formado por uma população com
acesso precário aos meios que viriam contribuir para uma vida produtiva e de capacitação
profissional. Adeptos da crença de que os seres humanos se dividiam em raças distintas, os
intelectuais brasileiros defenderam seus projetos de nação com base em argumentos raciais.
Logo, para alguns políticos brasileiros presentes nas sessões da Assembleia Nacional
Constituinte, o aprimoramento da raça e das condições de vida da população tornaram-se o foco
das suas atenções. O processo constituinte que resultaria na futura Constituição foi convocado em
1932 e efetivado com as eleições gerais realizadas em maio de 1933. A Assembleia Nacional
Constituinte foi aberta em 15 de novembro de 1933, formada por partidários com os mais
diversos interesses políticos. Fragmentada, a Constituinte de 1933-34 contava com representantes
das oligarquias mercantis, elites estaduais, militares, médicos, advogados, sanitaristas, membros
dos setores rurais e industriais, dentre outros. Havia tanto opositores quanto apoiadores do
Governo Provisório de diferentes tendências ideológicas. Entretanto, havia um ponto em que
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todos pareciam concordar. Para os membros da Constituinte, o povo brasileiro necessitava de
imediata intervenção por parte do Estado que deveria fornecer à população meios adequados para
a obtenção de parâmetros satisfatórios de saúde e educação
Ao discutir os rumos da nação, tornava-se imprescindível para os membros da
Constituinte abordar a composição racial do povo brasileiro. E discutir a formação racial do povo
implicava, para eles, numa discussão sobre políticas migratórias, uma vez que aumentavam o
número de imigrantes que chegavam ao país. Foi dentro desse contexto que foi inserido o debate
sobre a imigração japonesa. A preocupação se estendia aos descendentes dos imigrantes que,
embora já tivessem nascido no Brasil, não se encaixavam no ideal de brasilidade defendido por
alguns constituintes. O imigrante japonês estava se tornando uma ameaça à construção da
identidade nacional.
A leitura dos debates parlamentares permite compreender que os seus participantes
constituíram um grupo que representava de forma significativa as elites dirigentes e científicas
brasileiras. Entendia-se ser necessário retirar do meio social qualquer elemento nocivo como
doenças e degenerescências em geral para “civilizar” a sociedade brasileira. Dentre as medidas
profiláticas propostas para combater esses efeitos indesejáveis, uma se destacou: o controle
imigratório. Através desta medida de intervenção procurar-se-ia evitar que indivíduos tidos como
não assimiláveis se misturassem aos brasileiros.
A adesão maciça dos constituintes contribuiu para a rápida disseminação do
antiniponismo no Brasil. Os intelectuais que participaram da Assembleia Nacional Constituinte
de 1933-34 formaram um grupo privilegiado para se pensar as políticas racialistas, pois foi
atribuída a eles a devida autoridade para produzir as reflexões cientificas que justificavam as
ações do Estado. Para alguns deles, a imigração japonesa se tornou um dos assuntos mais
importantes a serem discutidos para o bem da nação.

O caráter racial do antiniponismo


Discutir a presença de japoneses no Brasil tornou-se, portanto, uma questão central na
Constituinte de 1933-34. Tanto que, em 19 de dezembro de 1933, pouco mais de um mês após a
abertura da Constituinte, já estava sendo debatida uma proposta que lidava diretamente com esse
tema. A proposta debatida foi a de número 1053 de Artur Neiva (1880-1943) na qual se lia: “Só
será permitida a imigração de elementos da raça branca, ficando proibida a concentração em
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massa, em qualquer ponto do país”. Neiva já iniciava seu discurso com a seguinte defesa:
“ninguém suponha que o signatário da emenda tenha, nem de longe, qualquer preconceito de
raça. Sobre isso já manifestou de público sua opinião, em artigos pela imprensa e depois
compendiados em livro” (ASSEMBLEIA, 1934a: 211). Não apenas ele alegava ser ausente de
preconceito de raça como afirmava ser o povo brasileiro um “exemplo único no mundo” de um
povo sem preconceito de raça e religião.
A participação de Neiva e a sua formação acadêmica permitem traçar um perfil dos
homens de ciência que participaram da campanha antinipônica. Artur Neiva (1880-1943) foi um
médico que havia sido discípulo de Oswaldo Cruz, e teve importante atuação no Instituto
Soroterápico (atual Instituto Oswaldo Cruz). Ele elaborou o primeiro código sanitário do país que
serviu de base para outros que se fizeram mais tarde e, em 1920, foi encarregado de estudar as
organizações sanitárias no Japão e nos Estados Unidos e a profilaxia da lepra na Noruega, nas
Filipinas e no Havaí. Foi nesse mesmo período que ele aceitou o convite de uma instituição
japonesa para proferir conferências no Japão sobre o desenvolvimento da medicina e da higiene
no Brasil. Além do respeito e da admiração que já recebia por ser um homem das ciências com
uma carreira acadêmica bem-sucedida, Neiva argumentava ter a vantagem de ter visitado o país
de origem dos imigrantes que ele tentava repelir. Ele havia sido o único dos antinipônicos
constituintes que já havia visitado o Japão e fez uso desse evento para dar a si mesmo maior
credibilidade. Eleito deputado à Assembléia Nacional Constituinte na legenda do Partido Social
Democrático da Bahia, Neiva parecia ter duas grandes questões na sua agenda política: combater
a imigração japonesa e elaborar formas de colonizar e explorar a região da Amazônia.
Ao defender a proposta 1053, Neiva apresentou uma definição sobre a composição racial
do homem brasileiro. Disse ele:

O brasileiro descendente do luso, do negro e do índio, fez em quatro séculos obra


memorável de colonização justamente em zonas onde povos reputados grandes
colonizadores falharam, como ocorreu com o inglês, o holandês, e o francês nas
Guianas, enquanto o brasileiro realizou o trabalho imenso da conquista e civilização da
Amazônia (ASSEMBLEIA, 1934a: 211).

O brasileiro foi por ele definido como racialmente mestiço, pois era “descendente do luso,
do negro e do índio”. Neiva alegou que o resultado dessa miscigenação teria sido bem sucedido,
permitindo-o até mesmo a uma comparação com outros povos que não teriam obtido o mesmo
êxito que os brasileiros.
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A mestiçagem foi utilizada positivamente como ideologia pelo Estado brasileiro a partir
da década de 1930. Servindo como base para a construção da identidade nacional, a defesa da
mestiçagem já estava presente no pensamento social brasileiro. Entretanto, era defendido um tipo
peculiar de mestiço que era aquele que incorporava o branco europeu, o negro africano e o pardo
indígena – o que não quer dizer que ele estivesse defendendo a vinda de negros ou de indígenas
para o país. Neiva apenas constatava que esses grupos já se encontravam miscigenados no Brasil
e, na sua opinião, a assimilação de negros e indígenas era tida como necessária. O único “tipo” de
imigrante que ele almejava para a formação do povo brasileiro era o branco europeu. Aos demais,
cabia a restrição. Sendo assim, ao amarelo nipônico não era dado espaço nessa equação, pois, do
ponto de vista racial, o povo brasileiro ainda não estava completamente formado. Neiva
acreditava que a introdução dos japoneses poderia comprometer a consolidação do processo de
miscigenação, pois os nipônicos não poderiam contribuir para o branqueamento da população.
Em discurso do dia 16 de fevereiro de 1934, outro membro da Constituinte compartilhou
dessa mesma apreensão e disse:

Pedro Calmon, em trabalho recentemente publicado sobre o mesmo assunto, disse: ‘Em
1768, havia na Bahia um branco para dezenove pretos e no Rio de Janeiro um branco
para dezessete pretos’. Ora, conhecida a fertilidade da raça negra, muito maior que a
da branca, imaginem os Srs. Constituintes como está misturado o nosso sangue com o
dessa raça. Por isso mesmo, podemos dizer que, se já prestamos um tão grande serviço
à humanidade na mestiçagem do preto, é o bastante. Não nos peçam outras, tanto mais
quanto ainda não completamos a primeira. A do amarelo, a outrem deve competir
(ASSEMBLEIA, 1935b: 77).

Esse discurso foi protagonizado por Miguel Couto (1865-1934). Assim como Neiva,
Couto também havia se formado em medicina e havia acumulado, ao longo de sua vida, títulos
em importantes instituições nacionais e internacionais, que contribuíram para que a sua opinião
sobre o “quão perigosos eram os nipônicos” fosse ouvida. Ele havia se tornado presidente da
Academia Nacional de Medicina em 1914 – sendo este um cargo que nunca mais desocupou e no
qual foi nomeado vitalício –, virado membro da Academia Brasileira de Letras cinco anos depois
e, em 1933, foi deputado na Assembleia Nacional Constituinte. Couto foi um dos líderes da
Campanha Antinipônica e já havia publicado em 1930 a obra Seleção Social. Esse livro foi uma
compilação de artigos escritos para o periódico O Jornal nos anos de 1924 e 1925 em que ele
declarava que a presença de imigrantes japoneses no Brasil era um assunto que deveria ser
tratado com o maior rigor possível.
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Nesse discurso, a miscigenação do negro foi vista por Couto como um “grande serviço à
humanidade” que foi prestado pelos brasileiros. Ele não deixou explícito o que entendia como
“grande serviço à humanidade”, pois não se aprofundou nessa questão nesse discurso em
particular. Entretanto, a sua afirmação permite deduzir que a “raça negra” seria por ele
considerada racialmente inferior ao mestiço, pois o último teria sido o resultado de um processo
com consequências positivas para a humanidade. Além da atribuída alta fertilidade, Miguel
Couto não apresentou nesse discurso outras características biológicas que ele acreditava
pertencerem aos negros e nem mesmo explicou o que haveria na raça negra que merecesse ser
melhorado por meio da miscigenação. De todo modo, essa parte específica da sua fala abriu uma
fresta que permite ver sua crença na hierarquização das raças, uma vez que, para ele, a
mestiçagem brasileira teria sido um “grande serviço à humanidade” no que concerne ao
tratamento dispensado ao elemento negro que havia sido diluído na população.
Entretanto, Couto afirmava, assim como Neiva, não ter preconceito algum de raça.
Continuou ele:

também eu não tenho, Sr. Presidente, os preconceitos de nacionalidade, de cor, ou de


raça. Quanto à nacionalidade, porque nesta era, chamada a idade oceânica ou
internacional, de há muito o estrangeiro deixou de ser o inimigo; é antes o amigo, o
comensal, o companheiro, o mutuante de nossa fortuna. [...] [O]s trabalhadores
estrangeiros são, pois, agentes da nossa riqueza. Não tenho preconceitos – repito –
contra o estrangeiro, como não os tenho aos homens de cor. Porventura alguém, neste
país, é branco puro? (ASSEMBLEIA, 1935b: 77).

Segundo Couto não haveria um “branco puro” no país, o que permite ver, novamente, a
afirmação do Brasil mestiço. A mestiçagem foi utilizada por ele para sustentar sua defesa de que
não era dotado de preconceito de raça ou de cor. Em sua opinião, o Brasil seria um país mestiço,
e foi exatamente esse projeto de nação que ele endossava nos seus discursos. A sua preocupação
estaria no processo de formação desse país mestiço, e não na manutenção de uma raça “branca
pura”, inexistente no Brasil. A visão de um país mestiço permitia aos constituintes uma
reinvenção do Brasil, pois vislumbrava a possibilidade de que diferentes grupos étnicos
convivessem dentro de um mesmo território. Entretanto, o mesmo argumento não excluía a
defesa pela vinda de imigrantes brancos europeus que pudessem contribuir para o branqueamento
da população.
Ainda no discurso de 16 de fevereiro de 1934, Couto declarou que existiria dificuldade
em se classificar os seres humanos, e disse
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se a ciência ainda não fixou o conceito de raça, há, contudo, senhores, grupos humanos
completamente diversos e inconfundíveis. Há, enfim, pretos, amarelos, e brancos;
classifiquem-nos como quiserem, mas são diferentes (ASSEMBLEIA, 1935b: 78).

Para Couto, não havia dúvida alguma de que a humanidade era dividida entre raças
distintas. A indefinição sobre o conceito de raça não excluía, para ele, a existência de diferenças
entre “pretos, amarelos e brancos”. Ele mantinha um pensamento racializado ao mesmo tempo
em que negava ser dotado de qualquer “preconceito de raça ou de cor”. Tanto Couto quanto
Neiva negavam que estavam rejeitando o imigrante japonês devido ao preconceito racial, mas
alegavam que esse mesmo imigrante seria dotado de certas qualidades inerentes à sua raça que o
tornava uma ameaça aos brasileiros. Para eles, os japoneses representavam um problema por
serem considerados inassimiláveis aos brasileiros. A palavra inassimilável foi a classificação
empregada para caracterizar de forma negativa os japoneses.
Essa palavra foi usada por Neiva pela primeira vez na Constituinte ainda na sua defesa da
proposta 1053. Ele foi bem claro ao identificar a quem se endereçava a emenda ao afirmar que “a
intenção do signatário quando se refere à imigração de elementos da raça branca visa, e não deve
ocultar, os povos asiáticos” (ASSEMBLEIA, 1934a: 214). Na sua opinião, existiriam
características inerentes aos nipônicos que os tornariam um perigo para o Brasil, e ele oferece as
suas justificativas:

Por mais que admire os nipões, muito mais amor consagra à Pátria que se deve
precaver contra uma colonização de povo de mentalidade estranha, de língua diversa,
com religião diferente e positivamente inassimilável, até nas regiões asiáticas, onde
vivem encerrados em concentração (ASSEMBLEIA, 1934a: 215).

Neiva acreditava que os japoneses eram inassimiláveis por possuírem uma mentalidade
estranha, uma língua diversa e uma religião diferente que os tornariam incompatíveis com os
brasileiros. Portanto, ele acreditava existir qualidades inerentes aos japoneses que o classificavam
como inassimiláveis. Entretanto, haveria qualidades admiráveis, como Neiva apontou ao
continuar a sua explicação:

Se continuarem, no entanto, a entrar na proporção que vai se aproximando de 30 mil


japoneses por ano, teremos, a cabo de um decênio, cerca de 300 mil japoneses, que
adicionados aos já existentes e seus descendentes, formarão núcleo superior a meio
milhão de japoneses, que aos poucos deslocarão o trabalhador nacional, o que será
fácil, e mais tarde o próprio italiano e sírio, como, aliás, já vai ocorrendo
(ASSEMBLEIA, 1934a: 215).
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Neiva acreditava que os japoneses eram dotados de características positivas como “altas
qualidades de cultura, disciplina, organização e capacidade de trabalho”, mas ainda assim seriam
perigosos, pois podiam se fixar de tal maneira em terras brasileiras que viriam a deslocar o
trabalhador nacional. Há uma inversão no seu discurso, pois mesmo as qualidades por ele
atribuídas aos japoneses servem para temê-los.
Apesar de afirmar que os japoneses têm uma “mentalidade estranha, uma língua diversa e
uma religião diferente”, tanto Neiva quanto Couto recusaram a acusação de racismo. Distanciar o
debate antinipônico do racismo científico foi uma estratégia na Constituinte. Os constituintes
antinipônicos pareciam não ver ligação entre as qualidades raciais negativas que eles atribuíam
aos japoneses, como o fato de serem inassimiláveis, e o preconceito racial. O uso do conceito
inassimilável servia para se referir aos problemas sociológicos/ psicológicos ou de
condicionamentos culturais que eles atribuíam aos japoneses.
O psiquiatra Xavier de Oliveira também se opôs à imigração japonesa por questões raciais
e defendeu uma “política eugênica da imigração” como seguiu na sessão de 25 de janeiro de
1934:

reafirmo que essa política eugênica da imigração, que encetaram os Estados Unidos, há
alguns anos, está sendo seguida pelos demais países da América, excluído o Brasil que
ainda não quis, ou não pôde chegar até ela. Ao contrário, cada vez mais, vamos nos
distanciando dela (ASSEMBLEIA, 1935a: 454).

Antonio Xavier de Oliveira (1892-1953) havia sido outro constituinte antinipônico que
também havia se formado em medicina. Eleito deputado pelo Ceará à Assembléia Nacional
Constituinte na legenda da Liga Eleitoral Católica, assumiu sua cadeira em novembro do mesmo
ano. Na Constituinte, ele defendeu vigorosamente a proibição da entrada de imigrantes japoneses
e de todos os grupos de cor, especialmente os negros, no Brasil.
No mesmo debate, ele havia sido apoiado pelo constituinte Teotônio Monteiro de Barros
que, assim como Xavier de Oliveira, criticou o descaso das autoridades brasileiras diante da
urgência de se selecionar os tipos de imigrantes que podiam vir ao Brasil. Disse ele:

Enquanto os outros países imigratórios, cujas nacionalidades ainda estão em formação


- como os Estados Unidos, a Argentina, o Canadá, o Chile, a Austrália e a Nova
Zelândia – já passaram da fase propriamente política da imigração para a outra, que
chamo eugenética, ainda estamos na fase econômica, a fase pré-guerra (ASSEMBLEIA,
1935a: 454).
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Entretanto, outro problema – que não o de caráter racial – também estava sendo atribuído
aos japoneses pelos constituintes antinipônicos.

A ameaça bélica
Na sessão de 27 de fevereiro de 1934, Couto alegou que o aumento do número de
imigrantes japoneses no Brasil representava um problema para nação. Ao contabilizar a
quantidade de colonos nipônicos, Couto foi interrompido pelo constituinte Antônio Carlos
Pacheco e Silva que lhe pediu que não se esquecesse de incluir na sua estatística os “japoneses
nascidos no Brasil, que não se conservavam brasileiros”. Em resposta, o constituinte Morais
Andrade, um defensor da vinda dos japoneses, esclareceu que os filhos de japoneses tinham o
registro civil no Brasil, mas a lei japonesa os autorizava, ao atingir a maioridade, a escolher entre
a nacionalidade brasileira ou a japonesa. Morais Andrade e outro colega seu, o igualmente
advogado Nero Macedo, eram as vozes dissonantes que discordavam sobre a existência de um
“perigo amarelo”. Eles insistiram que os nipônicos eram bons colonos e tinham a capacidade de
desenvolver um sentimento de pertença em relação ao Brasil (ASSEMBLEIA, 1935b: 490).
Entretanto, diante da resposta de Morais Andrade, Pacheco e Silva respondeu que essa era
uma forma de despistar as autoridades brasileiras, ao que Xavier de Oliveira completou com
“tanto confia no patriotismo dos mesmos filhos”, pois os filhos de japoneses “continuaram sendo
japoneses”. Para Couto e Pacheco e Silva, os filhos de imigrantes japoneses desenvolviam um
sentimento de pertença em relação ao Japão – o país de origem de seus pais – e não em relação ao
país em que estavam nascendo – no caso, o Brasil.
Outro constituinte que se opôs à imigração japonesa foi Teotônio Monteiro de Barros que
alegou que os japoneses permaneciam fieis ao país de origem. Disse ele:

É certo, senhores, que não são vãos, não são sem razão, os receios que aqui manifesto.
A observação desse elemento imigratório, o contato que tenho tido, pessoalmente, com
ele, o exame e a leitura de estudos a respeito do assunto levaram-me a concluir sobre os
japoneses, relativamente ao meio étnico brasileiro, pela seguinte forma:
1 - têm notável tendência a se segregarem e a se isolarem, procurando não se adaptar
ao meio, mas japonizá-lo:
2 - absoluta dessemelhança de usos e costumes, procurando conservar, a todo transe,
aqueles que trazem para o nosso meio, com repúdio aos nossos nacionais;
3 - praticam obediência cega e absoluta, obediência que vai até ao extremo, não
somente às autoridades consulares e à delegação diplomática em nossa terra, mas aos
próprios agentes das companhias colonizadoras que os trazem para o Brasil,
personalidades e autoridades essas que colocam antes e acima de qualquer autoridade
brasileira no meio em que vivem (ASSEMBLEIA, 1935a: 238).
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A alegada ausência de patriotismo dos japoneses em relação ao Brasil levava a acusações


de que os imigrantes e seus descendentes faziam parte de um plano do Império do Japão para
criar áreas de influência no continente americano. Na sessão de 02 de fevereiro de 1934, Neiva
alegou que os imigrantes japoneses estavam “invadindo” o país pelo interior:

Há uma questão importante: eles já tomaram conta da concessão paraense e fazem


trabalhar os índios maués sob sua ordem, explorando o guaraná. Querem, agora, entrar
no Maranhão; já estão se insinuando no Piau, onde o Sr. Hatori deseja colocar
japoneses nas colônias agrícolas de David Caldas e de Sampaio. E a invasão do norte
se intensifica. O Sr. Noda já visitou o Amazonas para ver se o japonês poderia ali viver.
(ASSEMBLEIA, 1934b: 349-350).

A existência de uma possível “invasão japonesa” no Brasil era denunciada por


antinipônicos na Assembleia Nacional Constituinte. Ao afirmar que “há muito o estrangeiro
deixou de ser o inimigo; é antes o amigo, o comensal, o companheiro, o mutuante de nossa
fortuna” (ASSEMBLEIA, 1935b: 77), Couto estava se referindo aos japoneses que se fixavam
em território nacional. A vitória japonesa na Guerra Russo-Japonesa (1904-1905), a invasão à
região da Manchúria (em 1931) e a anexação da Coréia (iniciada em 1910) contribuíram para os
discursos antinipônicos que apontavam para o poderio bélico japonês (DEZEM, 2005: 150-159).
Sendo assim, para eles, restringir a imigração japonesa tratava-se de uma questão de segurança
nacional.
Aos olhos dos constituintes, os japoneses representavam uma ameaça pela expansão
militar que protagonizavam no continente asiático e pela atribuída capacidade de organização.
Neiva havia discursado que “o perigo do japonês está não na questão da superioridade ou
inferioridade da raça – pois não tenho esse preconceito – mas na superioridade de organização.
Os nipões são o milagre da organização e nós o prodígio da desorganização” (ASSEMBLEIA,
1934b: 337). Mais uma vez, o constituinte atribuía uma qualidade aos japoneses que servia para
aumentar o temor em relação aos mesmos.
Miguel Couto questionava a forma como havia sido realizada a imigração e a fixação dos
japoneses no país, pois segundo ele, na obra Seleção Social:

Os imigrantes nipônicos não nos chegam como os outros; não são enviados para onde a
nossa conveniência, mas aonde a deles; não são trabalhadores das nossas terras, são
exploradores das suas; não entram na nossa casa como hóspedes, senão como donos,
aldeões das suas aldeias. [...] Discuta quem quiser, a sério ou a riso, o perigo amarelo;
nós não (COUTO, 1930: p. 12).
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Os trabalhadores japoneses foram retratados como exploradores das terras brasileiras por
terem, segundo Couto, “escolhido” os locais para onde seriam acomodados. Essa impressão de
Couto surgiu da sua interpretação sobre a forma como a imigração japonesa ocorreu no Brasil. O
que diferiu significativamente a imigração japonesa das imigrações protagonizadas por homens
de outras nacionalidades foi a tutela do Estado nipônico. Ao contrário da imigração dos italianos
e dos alemães que envolveram, em grande parte, iniciativas particulares, a imigração japonesa
contou com a ajuda direta do governo japonês e do governo brasileiro. A intensa participação dos
dois governos levou o médico a acusar os japoneses de tentarem “ser donos” do país.
Os cafeicultores paulistas podiam contar com o subsídio governamental, o que se mostrou
vantajoso para eles devido ao fornecimento de mão de obra barata. Somente em 1923 o governo
paulista suspendeu os subsídios à imigração japonesa devido a duas razões principais. A primeira
se devia à insatisfação dos fazendeiros com o fato de muitas das famílias imigrantes terem
alcançado a condição de pequenos agricultores independentes ou terem optado pela vida nos
centros urbanos, desligando-se, portanto, das fazendas de café (GERALDO, 2007: 62). A
segunda razão se devia à influência do que já estava acontecendo nos Estados Unidos e no
Canadá e que eram os países preferenciais dos imigrantes japoneses. Em 1907, os Estados Unidos
implementaram políticas restritivas à imigração japonesa e em 1923 foi a vez do Canadá.
Influenciado pelas ações dos países receptores de imigrantes japoneses e cientes da insatisfação
dos fazendeiros paulistas o estado de São Paulo optou por não mais fomentar a imigração.
A despeito de todas as críticas a vinda de japoneses ao Brasil e da defesa pela vinda de
mais imigrantes brancos, o governo brasileiro não havia tomado nenhuma atitude efetiva para
restringir a imigração japonesa. Nem os governos estaduais haviam se mobilizado a esse respeito
e, o Estado de São Paulo, como pode ser visto, já havia até mesmo subsidiado e estimulado a
entrada de japoneses. Somente nos debates na Assembleia Nacional Constituinte de 1933-34 é
que o tema havia ganhado notoriedade com a adesão de grande parte dos membros ali presentes e
tornou-se importante tema a ser discutido.

Considerações finais
Artur Neiva, Miguel Couto, Antônio Xavier de Oliveira, Pacheco e Silva e Teotônio
Monteiro de Barros foram alguns dos antinipônicos que se declararam contrários à imigração
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japonesa para o Brasil. Existem outros constituintes que estão sendo identificados ao longo desta
pesquisa. A Assembleia Nacional Constituinte foi um espaço onde ficaram explícitas algumas
imagens sobre os japoneses que foram sendo criadas e recriadas contando com a atuação política
de alguns intelectuais brasileiros. Ocorrida entre os anos de 1933 e 1934, a Assembleia permite
ver que os estereótipos atribuídos aos nipônicos já se faziam presentes nessa sociedade antes
mesmo do período da Segunda Guerra Mundial. A análise dos debates permite identificar que os
discursos antinipônicos articulavam argumentos tanto de caráter racial quanto de caráter bélico.
A crença de que os japoneses seriam inassimiláveis do ponto de vista racial e cultural e a
atribuída ameaça que eles representavam do ponto de vista bélico formaram a principal base de
argumentação dos antinipônicos. E mesmo a atribuição de qualquer boa qualidade aos japoneses
serviu, ao longo dos debates parlamentares, para alimentar um discurso favorável a leis
migratórias restritivas. Preocupados com os rumos da nação e acreditando na existência de um
“perigo amarelo”, os antinipônicos que participaram da Assembleia Nacional Constituinte de
1933-34 orquestraram uma bem sucedida propaganda antinipônica.
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Fontes:
ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS
DO BRASIL, 1933-1934, Rio de Janeiro. Anais da Assembleia Nacional Constituinte, v.
IV. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1934.
______. Anais da Assembleia Nacional Constituinte, v. VII. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1934.
______. Anais da Assembleia Nacional Constituinte, v. VI. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1935.
______. Anais da Assembleia Nacional Constituinte, v. VIII. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1935.

Bibliografia
ABREU, A. A.; BELOCH, I.; LATTMAN-WELTMAN, F.; LAMARÃO S. T. N.(Coords).
Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro – Pós 1930. Rio de Janeiro: Editora FGV,
CPDOC, 2001.
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