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A CONCEPÇÃO DE BULLYING:

EXPRESSÕES DE VIOLÊNCIA NO AMBIENTE ESCOLAR

DAMKE, Anderléia Sotoriva – FACIAP/UNIPAN


sotodamke@yahoo.com.br

GONÇALVES, Josiane Peres – PUCRS


josianeperes@unipan.br

Resumo

Esta pesquisa busca discutir as manifestações do fenômeno bullying no cotidiano escolar.


Inicialmente apresentamos a sua conceituação que abrange comportamentos agressivos,
insultos, discriminação e exclusão da criança no ambiente escolar. Assim, o bullying é
caracterizado pela sua repetição, que ocorre sem um motivo aparente com os envolvidos. Em
seguida, exploramos a classificação dos envolvidos, como é o caso das vítimas, que são
classificadas como: vítima típica, vítima provocadora e a vítima agressora. Em seguida,
abordamos o bullying no cotidiano escolar. Apesar das discussões recentes, esse fenômeno
não é novo na escola e sua manifestação nesse ambiente pode sofrer influência de alguns
fatores, tais como: o clima escolar, as relações interpessoais e a relação professor - aluno, ou
desestruturação familiar, falta de relacionamento afetivo, maus tratos físicos e excesso de
tolerância, ou ainda, através de características próprias do indivíduo, como impulsividade e
dificuldades de atenção. Na seqüência apresentamos a pesquisa de campo, com caráter
qualitativo que envolveu 3 escolas da Rede Municipal de Ensino da cidade de Cascavel –
Paraná. E ao final desse estudo, articulamos algumas questões para analisar formas que
possibilitem preparar os profissionais da educação para lidarem com o fenômeno e, assim,
consigam trabalhar com os alunos questões que os façam compreender a gravidade de praticar
essa forma de violência. Nesse contexto, consideramos que a escola necessita ser um
ambiente seguro, o que permitirá à criança socializar-se e desenvolver responsabilidades,
defender idéias e, acima de tudo, assumir uma autonomia própria. Ao preparar os
profissionais da educação para lidarem com as manifestações do bullying, poderíamos
contribuir para que o ambiente escolar se transforme em um local menos violento,
possibilitando aos alunos o equilíbrio e a superação de lidar com suas emoções, seja em
estado de repressão ou agressividade, valorizando a tolerância e a solidariedade entre os
alunos.

Palavras-chave: Bullying; Escola; Violência.

Introdução
Atualmente, várias são as indagações que surgem quando se ouve falar do fenômeno
bullying na escola, muitas vezes identificado pelos profissionais da educação como algo que
faz parte do momento da criança como meras brincadeiras infantis, outras vezes o termo nem
é identificado entre a comunidade escolar. A partir dos autores pesquisados, dentre eles
FANTE (2005), PINHEIRO (2006), LOPES (2005), é possível compreender melhor esta
problemática que prejudica o desenvolvimento cognitivo, social e afetivo dos alunos que
vivenciam o bullying no ambiente escolar. O bullying é uma realidade bem presente no
cotidiano escolar, muitas vezes de forma mascarada entre os comportamentos das crianças
(FANTE, 2005, p. 29).
Segundo Fante (2005, p. 29) o bullying pode ser responsável por vários resultados
negativos no processo de aprendizagem e no relacionamento interpessoal entre alunos e no
próprio desenvolvimento psíquico, devido as suas características, dentre elas: maltratar,
causar sofrimento, desestruturar o emocional e acabar com a motivação da criança em relação
à vida escolar. Diante de tais questões, esse estudo tem como objetivo discutir as
manifestações do fenômeno Bulliyng no cotidiano escolar.

Conceituando o Bullying
Neste item apresentamos algumas conceituações do fenômeno bullying para evitar a
construção de conceitos errôneos que acabam banalizando a sua manifestação como meras
brincadeiras infantis. Fante (2005, p. 14) apresenta, em uma tradução literal de bully, como
valentão, tirano, brutalizador ou amedrontador.
De acordo com Fante (2005, p. 28) o bullying é um subconjunto de comportamentos
agressivos que envolvem intimidações, insultos, assédios, exclusões e discriminações de todo
gênero. Para a autora, são atitudes caracterizadas pela repetição e, pelo desequilíbrio de poder
e pela violência que geralmente acontece sem motivo aparente, cuja finalidade é de maltratar,
intimidar, provocar dor, angústia e sofrimento.
Pesquisas recentes registradas por Pinheiro (2006, p. 121) revelam que muitas crianças
estão sofrendo o bullying, por meio de ataques ao seu gênero sexual, com brincadeiras
maliciosas que as rotulam com características masculinas ou afeminadas. Tais como: “gay”,
“lésbica”, “sapatão” e “frutinha”, apelidos que têm a finalidade de agredir e destruir a moral
do aluno frente ao grupo escolar.
É interessante analisar como esse fenômeno age sobre os alunos, a ponto de levá-los a
manifestar o desejo de desistir da escola, devido ao sofrimento que a criança transporta ano
após ano de sua vida escolar, pois a discriminação a acompanha ao longo dos anos. Podemos
verificar que a manifestação do bullying está presente no cotidiano escolar em atitudes
corriqueiras entre os alunos, que se referem às atitudes de “xingamento”, “gozação”,
“humilhação”, “zombaria”, “isolamento”, situações que acompanham a criança por um grande
período de tempo e que, muitas vezes, não são capazes de resolver tal situação sozinha.
Lopes (2005, p. 166) classifica o fenômeno bullying em três estilos: o bullying direto,
que engloba a imposição de apelidos, assédios, agressões físicas, ameaças, roubos e ofensas
verbais; bullying indireto, o qual envolve atitudes de indiferença, isolamento e difamação e o
cyberbullying, que ocorre através da intimidação eletrônica por celulares ou internet, em que
os alunos utilizam de mensagens e e-mails difamatórios, ameaçadores, assediadores e
discriminatórios que provocam agressões entre os mesmos. Convém ressaltar que os
envolvidos com o bullying estão propensos a diversas implicações que interferem de forma
negativa nas atividades sociais, por serem submetidos a tais formas de violência.
Diante da apresentação de algumas características de agressão que envolve o
fenômeno, faz-se necessário analisar que o bullying não é uma mera violência, já que a
agressividade ocorrida em suas manifestações não se limita simplesmente a um fato isolado.
Pelo contrário, é uma agressão contínua que torna o aluno prisioneiro do agressor, o que pode
resultar no afastamento do aluno do ambiente escolar.

Classificação dos Envolvidos


Em busca de uma melhor compreensão e identificação dos envolvidos com tal
fenômeno, serão apresentadas algumas características por meio de pesquisas discutidas no
livro de Fante (2005) em que podemos classificá-los em: vítima típica, vítima provocadora,
vítima agressiva, testemunhas e agressor.
Segundo Fante (2005, p. 71) vítima típica refere-se ao indivíduo que sofre repetidas
vezes a agressão e não resolve a situação por não conseguir se impor. Na maioria das vezes
essa vítima é tímida, insegura, submissa e possui baixa auto-estima, que a impede de reagir
contra a violência sofrida. Esse caso retrata as características dos envolvidos como uma
vítima típica, sendo que a maioria dos alunos que sofrem bullying na escola possui o
comportamento de timidez, retração e dificuldades de socialização.
A vítima provocadora é caracterizada, segundo Fante (2005, p. 71), pela personalidade
agressiva, pois tenta revidar a agressão, mas geralmente isso acontece de forma ineficaz e são
alunos que sofrem maus tratos, apelidos, gozações e buscam resolver o problema sozinho.
Nesse caso, a autora explica que os alunos tentam revidar para conseguir libertar-se desta
violência e acabam sofrendo repressões, agressões a ponto de desistir do próprio direito à
liberdade.
Existe também, conforme Fante (2005, p. 71), o caso da vítima agressora, que é o
sujeito que sofre a violência e transfere a indignação em forma de agressão a crianças mais
frágeis. Muitos alunos que são vítimas acabam se tornando agressores para repreender o
sentimento de humilhação e indignação, transferindo para os colegas a mesma violência.
Na situação apresentada, percebemos que o desejo de suicídio vem como forma de
terminar com o problema. Assim, a vítima carrega consigo o desejo de promover o sofrimento
a outras pessoas, já que não consegue resolver a própria situação. Tal situação apresenta
indícios de uma vítima agressora, a qual tenta transportar o seu sentimento de humilhação e
sofrimento através de uma outra forma de violência a outros alunos.
Os estudos de Fante (2005, p. 71) apontam a existência de testemunhas que são
sujeitos que presenciam o bullying, mas se calam pelo medo de tornarem-se futuros alvos de
agressão. Essas testemunhas, acabam sofrendo pelo simples fato de não conseguirem acabar
com o sofrimento dos colegas.
Pereira (2002, p. 26) utiliza-se das análises de Olweus (1978) para mencionar que as
crianças vítimas de bullying possuem dificuldades para uma autodefesa e que, normalmente,
são ansiosas, amedrontadas e com falta de confiança ou, ainda, na maioria das vezes, são
crianças isoladas por não possuírem habilidades de socialização. Conforme se observou nos
casos já apresentados, estas são, geralmente, as características das pessoas que sofrem o
bullying.
Lopes (2005, p. 169) afirma que as crianças que sofrem o bullying estão mais
propensas a sofrer danos à saúde, tais como: depressão, ansiedade, irritabilidade,
agressividade, pânico, desmaios, insônia, estresse entre outros sintomas. Entendemos que tal
situação traz sérias implicações à saúde da criança e interferem tanto no desenvolvimento
cognitivo, como também no desenvolvimento das relações sociais.
Com relação aos danos à saúde já apresentados, Fante (2005, p. 79) também expõe
uma preocupação, que é a superação desta repreensão, pois, além de causar danos à saúde de
caráter psicossomático1, também pode desencadear outras reações como a hiperatividade,
impulsividade e agressividade quando a vítima é submetida a intenso sofrimento, responsável
pela evolução de traumas psíquicos, que afetam o indivíduo durante toda a sua vida.
Para conhecer o agressor, será utilizada a visão de Fante (2005, p. 73) que caracteriza
o autor do bullying pelo mau-caráter, impulsividade e por ser um indivíduo anti-social.
Segundo a autora, muitas vezes sua agressividade é movida por uma base familiar deficitária,
com comportamentos agressivos entre os próprios familiares, um relacionamento que

1
Segundo Fante (2005) - Doenças psicossomáticas são distúrbios emocionais que desempenham um papel
importante, precipitando início, recorrência ou agravamento de sintomas, distinguindo das doenças puramente
orgânicas.
estimula a criança a utilizar-se da violência para impor seu poder a fim de conseguir o que
deseja. Compreendemos que, na maioria das vezes, o agressor promove a violência
acreditando que está agindo de forma correta, devido à concepção de valores que possui em
sua vida, frente ao mundo que o cerca.
Existem diversos fatores que influenciam a criança a tornar-se o agressor das
manifestações do bullying, como afirma Lopes (2005, p. 167). A autora menciona que os
fatores podem ser de origem familiar, como desestruturação familiar, falta de relacionamento
afetivo, maus tratos físicos e excesso de tolerância ou através de características próprias do
indivíduo, como impulsividade, dificuldades de atenção e hiperatividade. Para a autora, o
agressor é normalmente popular entre os alunos, com comportamentos anti-sociais, agressivo,
impulsivo, que tem prazer em dominar e causar danos sobre os outros alunos.
No mesmo sentido, Fante (2005, p. 169) contribui com Lopes (2005) ao apresentar
outros fatores que também podem influenciar o comportamento agressivo da criança, seja
pelo contexto social em que a criança está inserida, como desigualdades sociais, pobreza e
violência. Ou ainda, os meios de comunicação que banalizam a violência e podem ser
responsáveis pela formação de comportamentos agressivos e torna-se grande influência na
formação da identidade da criança.
Entre tantas influências negativas que cercam a criança em seu cotidiano, entendemos
que, ao chegar à escola, ela traz consigo idéias, pensamentos e ações próprias da cultura que a
envolve. Com relação a este problema, analisamos a importância da escola desenvolver uma
formação de valores coletivos, atitudes que permitirão a convivência do aluno com o grupo
escolar.

Bullying no Cotidiano Escolar


Na seqüência abordamos o bullying no cotidiano escolar, com comportamentos,
influências e relacionamentos que provocam a sua manifestação naquele ambiente. Tal
manifestação implica no desenvolvimento cognitivo e social dos alunos que vivenciam esse
fenômeno.
Fante (2005, p. 29) afirma que o fenômeno bullying já está na escola há muito tempo,
porém de forma oculta e sutil, que passa despercebido ao professor, pois a maioria das
agressões acontece longe dos adultos, tornando-se desconhecido aos olhos dos profissionais
da escola. A autora (2005, p. 185) destaca alguns fatores internos à escola que podem ser
responsáveis pelos comportamentos agressivos, tais como: o clima escolar, as relações
interpessoais e a relação professor - aluno. Dessa forma o clima escolar é caracterizado pela
socialização e busca pela eqüidade entre os alunos.
Fante (2005, p. 190) afirma que, as crianças são mais propensas a desenvolverem a
capacidade de relacionar-se socialmente na idade escolar, na qual o professor estará
influenciando o desenvolvimento do caráter da criança, para socializar-se com o grupo
escolar. Nesse contexto, podemos perceber que a escola possui um papel fundamental no
desenvolvimento do relacionamento social da criança, pois o professor possui o papel do
mediador no processo de interação, ao desenvolver a sociabilidade do aluno com o grupo
escolar.
Com base na situação acima, a escola poderia contribuir com a manifestação do
bulliyng quando não propicia tal desenvolvimento quanto ao relacionamento de alunos e
professores, seja por manter ações hostis, repressivas ou excluidoras que podem ocorrer pela
falta de preparo do professor em lidar com situações conflituosas da sala de aula. A ausência
desse preparo pode fomentar mais manifestações de bullying na escola.
Nessa perspectiva, Fante (2005, p. 190) apresenta diversas ações caracterizadas como
manifestações de bullying, tais como: intimidações, gozações, isolamento, insultos,
ridicularizações, assédios, apelidos, racismo entre várias outras atitudes. Esse fenômeno
diferencia-se das outras violências pela sua repetição, que acaba levando a vítima a sofrer
emocionalmente. Esse sofrimento pode levar o aluno a parar de estudar, ou ainda, a pedir a
transferência para outra escola, onde ele não se sinta tão exposto e fragilizado.
Compreendemos que as manifestações do bullying são situações do dia-a-dia da escola
e que passam despercebidas aos olhos dos profissionais da educação, muitas vezes pelo
desconhecimento de como agir e outras por considerar as agressões como meras brincadeiras
infantis. Portanto, é notório o sofrimento do aluno quando submetido ao bullying e a
dificuldade que a criança tem em libertar-se de tal violência.
Nas pesquisas desenvolvidas por Fante (2005, p. 67), percebemos que o bullying
ocorre com maior freqüência na sala de aula e, assim, há uma preocupação com a figura do
professor em seu ambiente de atuação. Nesse caso, os alunos, muitas vezes, desrespeitam a
presença dos professores e promovem na sala de aula um ambiente de insegurança com
conflitos constantes, no qual até o professor acaba tornando-se vítima do bullying.
Com base nos autores pesquisados, atribuímos uma preocupação com a capacitação
dos professores, para lidar, ou diminuir os casos de bullying, pois estão diretamente ligados
ao processo de ensino, seja pela desmotivação, baixa auto-estima e redução do rendimento
escolar, responsável por parte do percentual de evasão escolar. Por isso, compreendemos que
o bullying e a violência escolar deveriam merecer uma maior atenção da escola para a
possível redução desse fenômeno.

Bullying: Conhecendo a Realidade Escolar

Neste item apresentamos a pesquisa de campo em que buscamos conhecer os


acontecimentos que envolvem a escola e analisar o conhecimento que os professores possuem
sobre o bullying no ambiente escolar. Assim, desenvolvemos uma pesquisa de caráter
qualitativo com cinco Escolas da Rede Municipal de Ensino de Cascavel. No entanto
obtivemos um retorno de apenas três escolas. A pesquisa atingiu quinze professores com
experiência profissional entre cinco e trinta anos de carreira, com formações que envolvem
graduados e pós-graduados.
É interessante mencionar que este estudo envolve uma pesquisa de natureza
qualitativa, que segundo Triviños (1987, p. 129) baseia-se na percepção do fenômeno, o que
permite uma análise das respostas dos professores pesquisados, bem como a comparação e
interpretação das diversas respostas sobre o assunto. Quanto à coleta de dados, realizamos a
partir de um questionário com 5 perguntas abertas, e assim, optamos em preservar os nomes
das escolas que serão indicadas pelas letras do alfabeto, por exemplo, A, B, C.
Na escola, A entregamos quinze questionários, com o retorno de apenas cinco. Na
escola B, também entregamos quinze questionários e obtivemos o retorno de um questionário
respondido. Em justificativa, a pedagoga afirmou que algumas professoras desconheciam o
termo e acreditavam não poder contribuir com a pesquisa. Outras professoras não tiveram
tempo para responder os questionários, o que reforçou a importância da discussão desse tema.
Já na escola C, entregamos dez questionários com o recebimento de nove respondidos.
Segundo a pedagoga da escola, foi desenvolvido um estudo para responderem os
questionários.
Ao observarmos a quantia de devolução de questionários, foi possível analisar um
descomprometimento de algumas escolas com a pesquisa, talvez por falta de conhecimento,
ou descaso com o fenômeno. No entanto, as quinze professoras que responderam os
questionários contribuíram de forma valorosa para o desenvolvimento deste estudo.
Inicialmente indagamos a compreensão dos professores sobre o fenômeno bullying. A
escola A referiu-se como: “agressão física, ou psicológica”2; outros professores apresentaram
como “brincadeiras com regras” ou “toque físico com algum grau de agressividade”, diante
2
Comentários retirados do questionário.
de tais informações, percebemos uma fragmentação do fenômeno e um desconhecimento
sobre a abrangência do termo. A escola B apresentou uma compreensão maior sobre o
fenômeno, apresentando o bullying como “provocação, intimidação e atos de violência física
ou psicológica”. E a escola C, com um destacado embasamento, após ter estudado sobre o
assunto, atribuiu diversas características ao fenômeno, tais como: “discriminações, ameaças,
agressão física ou moral” entre outros exemplos.
Vale ressaltar as características atribuídas por Fante (2005, p. 28) ao bullying como
um subconjunto de comportamentos agressivos que envolvem intimidações, insultos,
assédios, exclusões e discriminações. Situações caracterizadas pela repetição e pelo
desequilíbrio de poder, com a finalidade de maltratar, causar sofrimento tornando o aluno
prisioneiro de uma violência.
Ao analisar a compreensão dos professores e a conceituação de Fante (2005) sobre o
fenômeno bullying, foi possível perceber que muitos dos professores que não entregaram os
questionários não possuíam uma compreensão esclarecida sobre o assunto e, quanto aos
respondidos, apresentaram respostas fragmentadas, detendo-se em algumas características
sobre o fenômeno.
Na segunda questão indagamos sobre a participação dos professores em cursos sobre o
bullying. Tanto a escola A quanto a escola B, afirmaram que não participaram de cursos nesta
área. Já a escola C referiu-se a cursos de “discriminação racial”, “agressividade”, “formação
da criança e do adolescente” e “formação continuada”.
Na questão acima percebemos a grande necessidade de cursos e palestras, aos
profissionais da escola, que envolva o bullying no ambiente escolar, pois os professores
entrevistados apresentaram diferentes níveis de conhecimento, demonstrando uma falta de
compreensão sobre o bullying. Nesse caso, alguns professores apresentavam dificuldade para
identificar, enquanto outros para lidar com o fenômeno, resultando, assim, na ausência da
intervenção e prevenção.
Na terceira questão, abordamos como os professores identificam o fenômeno bullying.
A escola A classificou como “falta de limites, desestrutura familiar, desequilíbrio emocional,
verbalização de acordos e brincadeiras do grupo”, na escola A foi possível verificar a
dificuldade em separar as brincadeiras escolares das manifestações do bullying.
É importante mencionar que na terceira pergunta a escola B identificou o fenômeno
como: “quando a pessoa é humilhada e intimidada por outra, causando constrangimento”,
nesta escola pode-se perceber que a professora obteve certa compreensão do fenômeno. E a
escola C afirmou que identificam o bullying nas “ameaças, pressões, pessoas agressivas,
dominação do outro, intimidação e chacotas”. Na escola C também foi possível verificar a
assimilação do fenômeno com as situações do cotidiano escolar.
Na situação acima, a escola A apresentou dificuldades em identificar as manifestações
do bullying, considerando que o fenômeno se encontra nos fatores que podem influenciar a
agressão, portanto, nem sempre tais situações provocam a manifestação do bullying. Lopes
(2005, p. 167) apresenta algumas situações que podem influenciar na manifestação do
fenômeno, tais como: falta de relacionamento afetivo, desestruturação familiar, explosões
emocionais, impulsividade e maus tratos físicos, situações.
Na quarta questão foi solicitado que os professores descrevessem alguns exemplos de
bullying. A escola A referiu-se aos exemplos de situações como: “pedala Robinho, chá de
cueca, hoje não” 3. A escola B referiu-se às fofocas, rumores negativos, ameaças e insultos.
Tais situações apontadas por esta instituição acontecem na maioria das escolas. A escola C,
com o estudo prévio, conseguiu alcançar diversos casos existentes na escola que se referem ao
bullying, tais como: “isolar, ofender, assediar, humilhar, intimidar e discriminar o gênero da
criança”.
É interessante mencionar que, nas pesquisas de Pinheiro (2006, p. 121), também
identificamos que muitas crianças estão sofrendo por ataques ao gênero sexual, por rotulações
com características masculinas ou afeminadas, situação que visa denegrir a moral do aluno e
lhe causar um sofrimento contínuo.
Os casos apontados pelos professores pesquisados permitem relembrar a
caracterização das ações do bullying de acordo com Lopes (2005, p. 166) que apresenta a
imposição de apelidos, assédio, agressões físicas, ameaças, roubos, ofensas verbais, atitudes
de indiferença, isolamento e difamação.
Na questão número cinco indagamos sobre o que o professor faz ao perceber a
manifestação do bullying. Neste item, a escola A apresentou algumas contribuições que se
referem ao diálogo como forma de conscientização contra o fenômeno, outras respostas
afirmam que “entre crianças não existe” 4, ou ainda, “não passaram por nenhuma situação que
envolvesse isso” .
Já a escola B, ao responder a quinta questão, demonstrou dificuldade na compreensão
e se referiu às conseqüências do fenômeno ao invés de falar sobre suas ações perante a

3 “Pedala Robinho”: refere-se a um tapa na nuca; “hoje não”: conforme acordo prévio as pessoas envolvidas se
agridem se não falar antes a frase “hoje não” ao ver o possível agressor; “chá de cueca”: puxar a cueca por trás
e segura-la puxando-a para cima com violência”. Tais características são referidas nos comentários retirados da
pesquisa de campo.
4
Informação retirada dos questionários da atual pesquisa de campo.
manifestação do bullying. Quanto à escola C, a mesma apresentou a idéia de proteger a
vítima, intervir ou encaminhar à equipe pedagógica caso percebesse o fenômeno. Outras
professoras afirmaram que “depende da proximidade com os envolvidos”.
Diante das situações apresentadas, Fante (2005, p. 29) afirma que o bullying acontece
de forma oculta e sutil que passa despercebido ao professor, pois a maioria das agressões
acontece longe dos adultos, tornando-se desconhecido aos olhos dos profissionais da escola.
Vale ressaltar que as três escolas apresentaram dificuldades para lidar com as manifestações,
apresentando uma postura de despreparo para atender tais situações que envolvem o bullying,
seja por falta de compreensão para identificar as características do fenômeno sobre o
comportamento das crianças, seja por desconsiderar a importância do caso.

Considerações Finais
A seguir apresentamos algumas considerações construídas, no decorrer do trabalho,
sobre o fenômeno bullying. Ao longo desse estudo, entendemos que as escolas identificam
apenas algumas possíveis características do fenômeno e apresentam dificuldade na
compreensão das diversas situações que envolvem o bullying. Talvez tal situação ocorra por
que o bullying é muito mais complexo do que se pode imaginar, pois engloba características
diversas e trata-se de uma violência contínua e sufocante que compromete o desenvolvimento
da criança, impulsionando-a a desenvolver diversos traumas e bloqueios que repercutem sobre
toda a sua vida.
A dificuldade em reconhecer o bullying pode ocorrer, também, segundo Fante (2005,
p. 16), porque as vítimas normalmente sofrem caladas, com medo de expor a situação de
repressão e acabam ficando presas a tal violência, acarretando diversas implicações no seu
próprio desenvolvimento. Nesse caso, constatamos a ausência da percepção sobre o
sofrimento da criança, o que pode reforçar a fragmentação do entendimento do fenômeno que
os professores demonstram ao tentar lidar, sem sucesso, com tal situação.
Assim, muitos professores não conseguem identificar a manifestação do bullying, pois
normalmente as crianças evitam expor o problema aos profissionais que atuam naquele
contexto, por entenderem que nada podem fazer para ajudá-las. O ambiente escolar é
apresentado por Fante (2005, p. 209) como um possível veículo redutor do fenômeno
bullying, pois pode ensinar os alunos a trabalhar com a situação, despertando o equilíbrio e a
superação de lidar com suas emoções, seja em estado de repressão ou agressividade,
valorizando a tolerância e a solidariedade entre os alunos.
Consideramos que a escola pode ser o caminho para influenciar na mudança de
idéias, comportamentos e valores, tanto para os profissionais atuantes da escola que precisam
estar preparados para enfrentar o bullying, quanto para os alunos que serão capazes de agir de
forma responsável, consciente e autônoma, frente às diversas situações cotidianas.
Rodrigues (2003, p. 83) afirma que há uma necessidade de que os educadores
identifiquem as experiências de vida dos alunos, em busca de promover a compreensão da
realidade cultural e da participação ativa da sociedade. O autor, ainda destaca a importância
de auxiliar o educando a facilitar o desenvolvimento da autonomia, permitindo a sua
socialização com uma auto defesa contra possíveis agressões e a criticidade sobre os fatos que
o envolvem, formação essa, capaz de assegurar a adaptação do aluno no ambiente social.
Compreendemos que a escola precisa ser um local seguro, tranqüilo e agradável que
permitirá à criança aprender a socializar-se, desenvolver responsabilidades, defender idéias e,
acima de tudo, assumir uma autonomia própria. Porém, para a escola atingir tal objetivo, é
necessário a recuperação deste ambiente permitindo o desenvolvimento eficaz do processo de
ensino e aprendizagem.

REFERÊNCIAS

FANTE, Cléo. Fenômeno Bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a
paz. São Paulo: Verus, 2005.

LOPES, Neto A. A, Bullying-comportamento agressivo entre estudantes. Jornal Pediatria.


Rio de Janeiro, 2005.

OLWEUS, Dan. Aggression in the schools: bullies and whipping boys. Washington,
Hemisphere, 1978.

PEREIRA, Beatriz Oliveira, Para uma escola sem violência – estudo e prevenção das
práticas agressivas entre crianças. Lisboa: Dinalivro. 2002.

PINHEIRO, Paul. World report on violence against children. New York- United Nations.
2006.

RODRIGUES, Neidson, Por uma nova escola: o transitório e o permanente na educação. 13


ed. São Paulo. Cortez, 2003.

TRIVIÑOS, Augusto N.S. – Introdução a pesquisa em ciências sociais: a pesquisa


qualitativa em educação. São Paulo, 1987, Atlas.

VÁSQUEZ, I. (1997). Hiperatividade: avaliação e tratamento. In: BAUTISTA, R.


Necessidades Educativas Especiais. Lisboa: Dinalivro, 1997. p. 159-184.

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