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XII Encontro Anual da Associação Nacional dos Cursos de

Graduação em Administração

Tema: “Fatores críticos no Ensino de graduação em


Administração”

Apresentação de trabalho

Título: “Avaliação de currículo de Administração: avaliação


de dispositivos educacionais a partir do método de
referencialização de Figari.”

(Modalidade: Comunicações sobre o tema “Gestão Acadêmica”)

Pesquisadora: Dra. Hilda Maria Cordeiro Barroso Braga.

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2

Resumo

A progressiva modernização das organizações inseridas no processo de


globalização tem implicado numa crescente pressão sobre seus recursos
humanos, exigindo-lhes um perfil profissional cada vez mais abrangente no que
diz respeito às habilidades gerenciais. Este fenômeno desencadeou processos de
mudança nos cursos de Administração e negócios norte-americanos e europeus,
representando grande desafio para aqueles cujo processo pedagógico enfatizava
apenas os conteúdos. A repercussão dessa mudança de enfoque se deu
gradativamente em outros países, sendo que, no Brasil, esse reflexo só foi
percebido e assimilado pelas escolas de Administração que mantinham
intercâmbio de professores e alunos com escolas do exterior.

Consciente desses fatores, este artigo apresenta uma reflexão sobre um


método para avaliação de processos educacionais, o Método de Referencialização
de Figari, que se apresenta como um dispositivo metodológico que favorece o
processo de avaliação pela abordagem multifacetária e participativa para facilitar o
processo de intervenção.

Considerando a atualidade dos temas ligados à avaliação no contexto


educacional brasileiro, em que se verifica, em muitas áreas, pouca eficiência para
os recursos investidos e uma forte pressão da sociedade por resultados efetivos
do sistema educacional, tanto público como privado, parece-nos muito útil e atual
apresentar um método de avaliação pouco conhecido ainda no contexto
educacional brasileiro mas que parece coadunar-se aos propósitos e meios de
avaliação, pois enfatiza o processo de construção dos referenciais da avaliação a
partir da visão dos atores envolvidos no processo e, por conseqüência, relativiza
os resultados da avaliação.

Nesse sentido é que a metodologia aqui estudada contribui para o trabalho


educacional, porque respeita a identidade e os interesses de quem está sendo
avaliado, uma vez que são os próprios atores envolvidos que trabalham na
identificação dos referenciais, ou na maior parte deles, com os quais se procederá
à avaliação.

Palavras-chave: avaliação qualitativa, avaliação de currículo de Administração.

Apresentação

Numa sociedade organizacional por excelência, em que todas as atividades


são exercidas por intermédio de organizações e cuja complexidade contextual e
conjuntural reflete-se no interior dessas organizações, tornando-as mais
complexas, o papel do administrador passa a ser cada vez mais valorizado.

A Administração, pelo seu caráter multidisciplinar, simultaneamente acolhe


e permite às outras disciplinas – Economia, Psicologia, Direito, Sociologia, entre
3

outras – evoluir a partir da vivência de seus conceitos nas organizações. Graças a


esse caminho de mão dupla é que a Administração efetivamente se torna o
grande instrumento de ação das nações que aspiram ao desenvolvimento.

As funções do administrador são desenvolvidas em todos os tipos de


organizações públicas e privadas, cujas dimensões vão desde a microempresa até
os grandes conglomerados nacionais ou internacionais.

Todos os níveis de governo envolvem funções administrativas, seja na


pequena prefeitura do interior ou na metrópole e também na empresa estatal. A
rigor, nenhuma atividade humana que apresente a relação entre, no mínimo, duas
pessoas, prescinde das funções administrativas – planejar, organizar, dirigir,
avaliar e controlar. Modernamente, outras atividades e funções como negociação,
gerenciamento de conflitos, monitoração de informações, liderança, comunicação
interpessoal, empreendedorismo e outras são acrescidas e reconhecidas como
atividades próprias do administrador.

A progressiva modernização das organizações inseridas no processo de


globalização tem implicado numa crescente pressão sobre seus recursos
humanos, exigindo-lhes um perfil profissional cada vez mais abrangente no que
diz respeito às habilidades gerenciais. Este fenômeno desencadeou processos de
mudança nos cursos de Administração e negócios norte-americanos e europeus,
representando grande desafio para aqueles cujo processo pedagógico enfatizava
apenas os conteúdos.

A repercussão dessa mudança de enfoque se deu gradativamente em


outros países, sendo que, no Brasil, esse reflexo só foi percebido e assimilado
pelas escolas de Administração que mantinham intercâmbio de professores e
alunos com escolas do exterior.

Atualmente, a idéia freqüentemente veiculada nos fóruns de discussão


sobre formação de profissionais para o cenário empresarial, é de que as escolas
de Administração precisam preparar bons executivos para as empresas que vivem
numa incessante competição, nos mercados globalizados. Nesse contexto, surge
o novo perfil dos profissionais da administração em cargos executivos, em que o
valor do profissional passa a ser medido por suas habilidades de empreender,
solucionar problemas, lidar com informações, negociar, relacionar-se e comunicar-
se, liderar e motivar equipes, além de compreender o seu negócio, isto é,
demonstrar conhecimento técnico especializado.

A tônica atual para os cursos de cunho profissionalizante então está cada


vez mais voltada ao desenvolvimento de habilidades e atitudes próprias de cada
área profissional.

Estudioso dos processos de formação de profissionais, Wild (1997:96) traz


uma colaboração importante ao mostrar que o aprendizado numa área tão
aplicada quanto a Administração deve ser situacional, pois este fator influenciará
4

decisivamente na compreensão que se busca dos fenômenos organizacionais.


Para o autor,
“o conhecimento é a informação transformada, racionalizada e
estruturada pelo receptor, e de diferentes modos influenciada pelas
circunstâncias, percepções, experiências, ações, etc.”

As escolas de Administração, diante de tantas mudanças, estão passando


atualmente pelo seu terceiro estágio de desenvolvimento – o primeiro com ênfase
nos conteúdos, o segundo nos métodos de ensino. O desafio atual está no uso da
tecnologia como meio de acesso a seus programas, bem como o apoio contínuo
aos alunos – a educação continuada.

Nesta nova fase, a atuação do professor se transforma. Ao invés de ser


aquele que comunica o conhecimento, ele passa a criar situações de aprendizado
para seus alunos, proporcionando acesso direto às mais diversas fontes de
informação relevantes (Wild, 1997).

A maneira de enfrentar essa mudanças parece não estar clara, para a


maioria das faculdades de Administração no país. Com isso, correm o risco de ser
superadas por outras organizações mais ágeis nas formas de oferta dos serviços
educacionais à sociedade. Este é o desafio a que, neste momento, devem voltar
suas atenções os dirigentes e corpo docente das escolas de nível superior, para
continuar mantendo o espaço social que lhes compete.

Ao lado da eficiência técnica, aparecem também outras necessidades sobre


sociedade com as quais o ensino superior não pode se omitir. As sociedades -
nesse processo de internacionalização de mercados pela formação de blocos
econômicos, fragilização do conceito Estado-nação, articulação da sociedade civil
e reconstituição dos espaços comunitários, na busca de resolução de seus
problemas e melhores formas de convivência (Dowbor, 1996) - abrem novas
perspectivas no processo de reprodução social e na formação de um ser humano
mais completo, em suas dimensões econômicas, culturais, sociais e lúdicas.
Este cenário aponta um outro desafio para as escolas de formação em nível
superior, responsáveis pela formação dos jovens que formarão a elite intelectual
do país. Além de implementar currículos capazes de promover o desenvolvimento
profissional em consonância com o mercado, não podem negligenciar sua
responsabilidade na formação integral do profissional e do cidadão, num processo
contínuo e interligado.

Estes múltiplos desafios exigem competência técnica, comprometimento,


discernimento e coragem para encontrar espaços de atuação e de resistência,
numa sociedade com mecanismos poderosos e outros tantos mais sutis de auto-
reprodução, padronização e exclusão.

A partir de uma clara consciência desses fatores, este artigo apresenta uma
reflexão sobre um método para avaliação de processos educacionais, o Método
5

de Referencialização de Figari, que se apresenta como um dispositivo 1


metodológico que favorece o processo de avaliação pela abordagem de diversos
ângulos: o institucional e macrossocial, o microssociológico e relacional (grupal), o
instrumental e praxeológico2, que possam fornecer, ao final do processo,
elementos diagnósticos que apoiem o trabalho de intervenção.

Trata-se de um método de avaliação de dispositivos educacionais 3 a partir


de um referencial, que será construído a partir de uma análise dos diversos
elementos intervenientes no currículo, ou melhor, “(...) em função do desígnio e do
desenho que os atores dele podem traçar.“ (Figari, 1996:36)

Entendemos que a importância de um método de avaliação do cotidiano


escolar reside nas certezas que ele poderá imprimir à forma de construção do
sistema de referências, a partir do qual se emitirá um juízo de valor. Com isso, o
método de referencialização de Figari, pela ênfase no sistema de referências que
presidirá a avaliação, se bem compreendido em sua aplicação, poderá ser de
grande valor aos processos de avaliação das diversas situações educacionais.

Considerando a atualidade dos temas ligados à avaliação no contexto


educacional brasileiro, em que se verifica, em muitas áreas, pouca eficiência para
os recursos investidos e uma forte pressão da sociedade por resultados efetivos
do sistema educacional, tanto público como privado, parece-nos muito útil e atual
apresentar um método de avaliação pouco conhecido ainda no contexto
educacional brasileiro4, mas que parece coadunar-se aos propósitos e meios de
avaliação, pois enfatiza o processo de construção dos referenciais da avaliação a
partir da visão dos atores envolvidos no processo e, por conseqüência, relativiza
os resultados da avaliação.

No momento em que as instituições de ensino superior brasileiras, em todo


o território nacional, são avaliadas sistematicamente, através de boa parte de seus
cursos, a partir de referenciais surgidos da visão dos docentes especialistas em
cada área e representantes das grandes instituições educacionais do país –
notadamente as públicas – a avaliação, mais que um instrumento gerador de
informações para nortear mudanças de percurso, parece apenas acentuar a
discriminação entre os jovens estudantes de nosso país.

1
Dispositivo: definido nos dicionários como a forma particular como se distribuem os diversos órgãos de um
aparelho, de uma máquina e, por extensão, o próprio mecanismo do aparelho. Gerard FIGARI. Avaliar: que
referencial?. p. 30.
2
Praxeológico: refere-se, no campo das Ciências Humanas, à busca do conhecimento como superação de um
ponto de vista tradicional sobre uma ação, a moral, a política, etc, para adquirir um novo ponto de vista –
praxeológico, ou seja, o conhecimento a serviço da ação. É o conhecimento para a transformação do agir
humano e do mundo. H. JAPIASSU. Introdução às Ciências Humanas. p. 134.
3
Dispositivo educacional: designa não apenas o quadro ou conjunto de uma atividade de formação, mas
também a construção da ação coletiva, objeto de um projeto de aprendizagem ou de um processo de
avaliação. Gerard FIGARI. Avaliar: que referencial?. p. 30-31.
4
O método de referencialização de Figari foi traduzido para a língua portuguesa em 1996, em Portugal.
6

Não há como se conformar e aceitar os efeitos desses resultados, gerados


a partir de referenciais externos, sem buscar a contrapartida: auto-conhecimento
dos processos educacionais, com a valorização do que é próprio de cada
instituição e sua contribuição para o meio social; o conhecimento das condições
de seu corpo discente, para mapear os desvios de seus objetivos e metas e, num
esforço conjunto da comunidade acadêmica, trabalhar na superação dessas
dificuldades.

Com a finalidade de estudar o método de referencialização em sua prática,


a autora aplicou-o a uma avaliação de uma situação particular – um processo de
reformulação curricular de um curso de Administração, numa instituição particular
confessional. Esta aplicação teve mero propósito didático, para facilitar a sua
compreensão, revelando suas potencialidades e limites na avaliação de processos
educacionais.

A intenção deste trabalho não é avaliar especificamente o desempenho do


aluno ou o do docente, a instituição e o sistema educacional, mas refletir sobre
uma metodologia de avaliação qualitativa de processos educacionais que não
ignora dados quantitativos, que considera o conjunto de forças intencionais
explícitas (e outras tantas ocultas) de todos os atores envolvidos e que pode
estimular e alimentar a reflexão do processo em avaliação.

Este método, é importante ressaltar, poderá ser aplicado a diversas


situações educacionais que tenham o propósito de mudanças qualitativas 5. Trata-
se também de uma metodologia de avaliação capaz de congregar os atores
envolvidos num programa de formação em nível superior, num esforço crítico e
reflexivo de avaliar as funções e virtudes do que fazem, e mais, avaliar, à luz do
que pretendem e se comprometem, o que de fato fazem.

5
Mudança qualitativa como é tratada em Pedro DEMO, Avaliação qualitativa. , p. 2.
7

I - Introdução.

Considerando que existem diversas concepções e ainda mais abordagens


de avaliação, torna-se importante tecer aqui algumas considerações a respeito da
ação e intenção de avaliar, como suporte à reflexão sobre a validade da aplicação
do método de referencialização de Figari às diversas situações educacionais.

O método aqui apresentado pretende trabalhar a qualidade formal e política


em Educação, a partir da procura de referenciais que vão surgindo de sucessivos
questionamentos e do desvelamento de um sistema de coordenadas que vai
sendo desenhado pelos atores do processo.

Avaliar significa afirmar valores, por isso se trata de atividade humana


fortemente marcada por características políticas, ideológicas e econômicas,
impulsionada por alguma necessidade da parte dos atores envolvidos no
processo, sejam eles executores, beneficiários, financiadores ou reguladores. Esta
necessidade é impulsionada, muitas vezes, por uma crise ou prenuncia uma crise,
inclusive a de qualidade. Mas é importante salientar que o conceito de qualidade
aqui transcende os princípios positivistas da Qualidade Total 6, que propõe uma
modelização da universidade segundo as empresas capitalistas, que se
estruturam em torno da competição, eficiência, produtividade e lucro. Qualidade,
aqui, define-se como em Demo (1996), para quem “qualidade” é processo de
construção e participação; é questão de competência humana, que implica
consciência crítica, capacidade de ação, saber e mudança em seu meio social.

As universidades particulares são, sob este aspecto, empresas que estão


no mercado, competindo e comportando-se como tantas outras empresas
prestadoras de serviço. A nomenclatura empresarial vai ganhando espaço nos
documentos e então se vê referências relacionando “ensino” a “produto” e “aluno”
a “cliente”.

Na linguagem empresarial, o processo educacional é sintetizado pela


fórmula: a escola (o negócio) oferece aos clientes (os alunos) o produto (o ensino)
pago, visando habilitação profissional (a formação), por meio da maximização de
seus recursos (professores e infra-estrutura material).

6
Qualidade Total: Idéia amplamente divulgada nas sociedades globalizadas, a partir da acirrada competição,
rápida superação de tecnologias de produção e apelo do consumidor por melhores produtos e serviços, que
levam as organizações empresariais a desenvolver cada vez mais formas de eficiência competitiva, para a
satisfação de seus interesses econômicos. Geraldo R. CARAVANTES et alii. Administração e Qualidade: a
superação dos desafios. p. 61.
8

Pensando academicamente, porém, são outros os elementos que se


apresentam, e que não seguem a ótica do mercado empresarial. Os programas de
Qualidade Total, por exemplo, referem-se freqüentemente às questões da
satisfação do cliente, pois enfocam relações de mercado. Alunos e professores
podem estar concordando em seus pontos de vista e necessidades de troca de
informação, mas também estas relações podem ser concorrentes e antagônicas,
abrindo espaços para um debate cujos resultados nem sempre significam o
consenso. Na dinâmica da vida universitária, o consenso e o dissenso em torno de
princípios, fundamentos e idéias é o esperado. É isto que anima o debate e a
construção do conhecimento.

Em Educação, diferentemente do mundo empresarial, é fundamental a


construção de ambiente receptivo às manifestações – mesmo as divergentes –
dos interesses políticos, econômicos, éticos, sociais e humanos que compõem as
relações na vida em sociedade.

No campo da Educação é preciso buscar os fundamentos de qualidade fora


da ótica empresarial. Nesta perspectiva, Demo (1996) apresenta a noção de
qualidade em três vertentes: a de humanização da realidade, a de participação
democrática resumida na cidadania, e a dimensão cultural, entendida como
competência para a construção de identidade.
A Educação então não pode ser concebida como venda de um produto – o
ensino – mas como um processo estratégico de formação humana. No entender
de Ottone & Tedesco (1992:19-21), a Educação

“não será, em hipótese nenhuma, apenas ensino, treinamento,


instrução, mas especificamente formação, aprender a aprender, saber
pensar, para poder melhor intervir, inovar”.

O processo educacional envolve também questões numa outra perspectiva


do aluno, que não é meramente como cliente a quem se atende em suas
necessidades. No processo educacional, nem sempre o aluno tem plena
consciência de suas necessidades de formação e, por isso, rejeita uma série de
conteúdos, atividades e metodologias que não dizem respeito a seus interesses,
muitas vezes numa visão estreita da profissão e do potencial da Educação. Os
alunos, em sua maioria, não percebem que a aprendizagem é um processo
doloroso porque desestabiliza, muda os referenciais e exige esforço, persistência
e abnegação.

Para compreender a dimensão da qualidade de um processo educacional é


que o estudo sobre uma metodologia de avaliação ganha significado. É uma
oportunidade de colaborar com uma dada realidade, que busca caminhos para
implementar melhorias na formação dos alunos, mas que rejeita a imposição de
macanismos de qualidade pela ótica pura e simples da racionalização e dos
resultados quantitativos. O objetivo maior é identificar parâmetros de qualidade
contextualizados e reconhecidos como pertinentes pelos atores dessa realidade.
9

Esta proposta de estudo de uma metodologia de avaliação – o método de


referencialização de Figari – não deve ser entendida como um instrumento a mais
de controle e de intimidação, ou mesmo de ataque à imagem e auto-estima do
avaliado, em função de seus resultados. Ao contrário, coloca-se como uma
metodologia que agrega os atores, nos diversos momentos de reflexão sobre a
ação pedagógica, suscitando formas de intervenção para a melhoria do processo.

A avaliação, conforme análise de Keim (2000), tem algo preestabelecido –


referenciais e parâmetros considerados relevantes para alguma estrutura de poder
– e nunca é isenta de intenções e nem neutra, uma vez que é um processo de
enfrentamento, carregado de ideologias e de tensões, muitas vezes claras e
outras tantas dissimuladas. Nesse sentido é que a metodologia aqui estudada
contribui para o trabalho educacional, porque respeita a identidade e os interesses
de quem está sendo avaliado, uma vez que são os próprios atores envolvidos que
trabalham na identificação dos referenciais, ou na maior parte deles, com os quais
se procederá à avaliação. Depreende-se então que, neste processo, cujos
referenciais são construídos pelos próprios atores, neutralizam-se os efeitos
negativos da avaliação – punição, imagem denegrida, discriminação – para criar
um espaço de reflexão e ação em direção daquilo que o próprio grupo eleger
como referenciais de qualidade em Educação.

Neste momento em que os nossos sistemas escolares dão lugar a toda


espécie de avaliações, com métodos e finalidades diversas, mas
predominantemente tecnicistas, visando ao controle e gerando discriminação,
parece relevante a reflexão e o aprofundamento sobre o que se avalia, como fazer
isso e como aproveitar seus resultados em uma outra perspectiva: em benefício
da melhoria qualitativa do trabalho educacional em que atuamos, agregando os
parceiros de ideal e disponíveis para o envolvimento e o compromisso.

O item que se segue, portanto, volta-se à explicação do método de


referencialização de Figari, como alternativa de avaliação de dispositivos
educacionais, de forma ampla, multifacetária e agregadora, de maneira a lidar com
a diversidade das situações educacionais e seus desafios.

Para melhor compreensão da metodologia, esta será desenvolvida, passo a


passo, em uma situação real - o processo de reformulação curricular do curso de
Administração, pertencente a uma Universidade do interior paulista, no período de
1995 a 1998, que doravante será designado “curso de administração do interior
paulista”.

II - Uma metodologia de avaliação de dispositivos educacionais: o método de


referencialização de Figari
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Este item se propõe a descrever a metodologia de referencialização de


Figari - os passos para a construção de instrumentos de avaliação do
funcionamento de estruturas educativas, sejam instituições, organismos e serviços
educacionais, estabelecimentos escolares, programas de apoio à formação de
professores, currículos, etc.

2.1. Fundamentação da metodologia.

O processo de avaliação de uma reformulação curricular precisa ser tratado


por uma abordagem teórica que permita a coleta e análise dos referenciais que
qualificam um currículo de ensino profissional em nível superior, a partir do que
pensam, recomendam e determinam os agentes envolvidos.

Pelo rastreamento de documentos, pronunciamentos e entrevistas com os


atores – os que concebem a profissão, os que conduzem a educação numa dada
área profissional, os que vivenciam o processo educativo (professor e aluno), e os
que se beneficiam de seus resultados (o profissional e a sociedade) – pretende-se
construir um corpo de referenciais para avaliação de um processo de reformulação
curricular que, a partir da análise de uma situação particular, permitirá a reflexão
sobre a potencialidade e limites de uma metodologia aplicável às situações de
avaliação de dispositivos educacionais.

O trabalho pretende, através da aplicação a uma situação real, refletir sobre


uma metodologia de avaliação de processo de reformulação curricular, em que se
evidenciem seus efeitos – repercussões e impactos a caminho da construção de
currículos que respondam favoravelmente às demandas da sociedade por
profissionais de Administração.

O estudo pretende ainda provocar a auto-análise e auto-crítca dos atores


sobre sua ação pedagógica, podendo, pelos seus resultados, remeter a
alternativas para futuras avaliações qualitativas de processos de reformulação
curricular em outras áreas de ensino.

Tendo por lastro estudos concretos, Figari (1996) descreve o processo de


construção de dispositivos metodológicos que possibilitam desenvolver processos
de avaliação, ou, mais precisamente, avaliar dispositivos educacionais a partir de
um referencial.

Não é intenção do autor orientar a produção de documentos tidos como


“referenciais”, nem mesmo propor, para cada situação estudada, um conjunto de
objetivos a atingir, o que, inclusive, poderia ser interpretado como uma guia de
avaliação de um dispositivo educativo. A intenção é elucidar o processo de
construção das diferentes fases da referencialização, a partir das diferentes
dimensões do problema, acompanhadas das justificações trazidas pelos dados
existentes ou recolhidos, para a compreensão da operação por parte dos
respectivos atores e parceiros.
11

Os estudos de Figari (1996) contribuem sobremaneira para o


esclarecimento das articulações entre as noções de referente e de
referencialização, como instrumental aplicável ao processo de avaliação de
situações educacionais.

Para lidar com a complexidade do processo educacional, Figari (1996)


afirma que é indispensável a organização de um quadro de referências a partir dos
quais se poderá desencadear a avaliação das especificidades e dos efeitos do
processo .

O referencial propriamente dito, como se verificará no corpo deste trabalho,


apresentar-se-á com toda a sua fragilidade e a efemeridade, uma vez que ele
pertence aos seus autores e utilizadores, e ficará na dependência daquilo que
cada entidade promotora decidir reconhecer-lhe.

Para a autora deste trabalho, a construção do corpo de referenciais é uma


oportunidade de refletir com os atores sobre a ação pedagógica em processo,
além de ser um elemento motivador para a intervenção.

O referencial, nesta situação, revela-se como um esquema de


decodificação que se constrói como ponto de referência, a partir do qual se
processará a análise de uma dada situação, emitindo-se um juízo de valor. Deve
ficar claro, contudo, que um referencial, assim elaborado, pretende ser revelador
ao suscitar algumas das representações de uma dada realidade, dinâmica e
instável, perpetuamente inacabada e em processo de mudança, sem, entretanto,
pretender esgotá-la.

A avaliação de um processo de reformulação curricular, por suposto, como


qualquer outra avaliação, parte de um sistema de referências – o referencial –
previamente estabelecido. A maior dificuldade na avaliação, então, segundo o
autor, está em estabelecer uma metodologia que minimize as incertezas e
favoreça a construção de um sistema de referências válido para os atores daquela
situação particular, em um dado momento da vida acadêmica e num contexto
específico. Este processo de fixação de um sistema de referências é que será
chamado de “referencial”.

Resultante de certo número de trabalhos realizados pelo autor em


instituições de ensino e que tratavam de avaliações de situações educacionais, o
método propõe a construção, simultaneamente, do objeto da avaliação – o
dispositivo educativo – e da perspectiva metodológica, que se designará por
referencialização.

Este processo não é repetitivo, pois cada situação é única e pode revelar
aspectos inesperados que despertem o interesse dos avaliadores e os estimulem
a prosseguir.
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O aspecto efêmero dos referenciais, que são tão somente a história de


cada “referencialização”, vivenciada pelos parceiros da avaliação, evita também a
utilização dos resultados da avaliação como uma norma ou um padrão de medida,
que viria a julgar erroneamente uma nova realidade por indicadores ultrapassados.

A validade dos referenciais, nesse sentido, está resumida no envolvimento


maior ou menor dos atores com o processo, e seu compromisso com a
intervenção resultante da referencialização. Esta, por sua vez, tem a finalidade de
dar suporte à construção de instrumentos que sirvam para tratar as informações
concernentes a uma dada situação, não podendo ser generalizada.

O referencial deve sua pertinência ao fato de conseguir expressar a


identidade do dispositivo que, em si mesmo, representa um momento da realidade
em evolução. Com isso, o referencial perde a razão de ser quando se completa o
processo de avaliação.

Mas, em tudo isso, Figari (1996:180) diz que “(...) permanece o elemento
cuja vocação consiste em ser universalmente aplicável: o método”.

Num processo de avaliação, a referencialização constitui a fase central do


trabalho, uma vez que por ela se justificam os resultados, ainda que não de
maneira absoluta, mas relativamente a um quadro hipotético justificado.

Considerando o interesse deste trabalho, a avaliação de um processo de


reformulação curricular, Figari (1996:95) apresenta a noção de currículo, desde a
origem das intenções de programação das seqüências de aprendizagem, a
planificação das atividades educativas, o percurso do aluno no sistema, as
relações entre o projeto (pedagógico) e os programas, conteúdos e metodologias
aplicadas.

O currículo, para o autor, é uma estrutura dinâmica, que não pode ser
qualificada apenas pelo agrupamento aleatório de conteúdos, mas deve ser
encarado pelo seu papel estratégico na aquisição das competências, habilidades e
atitudes que todos os sistemas educacionais visam a favorecer e, as alterações
sofridas ao longo do tempo decorrem das insatisfações dos atores que vêem
aquele currículo inadequado para atingir os objetivos esperados.

São essas preocupações e insatisfações que devem anteceder um


processo de reformulação curricular, por meio do qual se tentará responder: qual o
currículo necessário para determinadas necessidades de formação? Como se
deve construí-lo? Quais são e como avaliar os impactos das mudanças sobre as
habilidades, competências e atitudes esperadas no caso específico deste
trabalho? E ainda: por que é que as mudanças não produziram os efeitos
esperados?
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O processo de avaliação começa com a definição de quais interrogações


devem ser privilegiadas. A análise das possíveis respostas a essas perguntas
suscita outras reflexões e estudos, tais como a seleção e a organização da
aprendizagem, as habilidades pedagógicas dos docentes, as metodologias
utilizadas, a infra-estrutura disponibilizada, a forma de seleção e a origem dos
candidatos, a análise dos discursos e documentos e a prática do cotidiano.

Estabelecido o quadro (o dispositivo) e fundamentado o método (a


referencialização), parte-se para resolver o conjunto de problemas relativo à
interpretação das informações fornecidas pelo dispositivo avaliado: o papel dos
diferentes processos utilizados no ensino e na aprendizagem e o sentido que os
atores da avaliação lhes atribuem.

A construção de um quadro de referências, a partir do qual se avaliará um


processo de reformulação curricular, deve considerar uma reflexão sobre a
inserção do curso em uma dada instituição, que por sua vez reflete uma
sociedade, com seus aspectos econômicos, políticos, sociais, culturais e legais.

As preocupações podem percorrer desde o nível da microestrutura de um


currículo, suas interfaces com o mercado de trabalho e outros cursos de mesma
formação, até as superestruturas da sociedade e suas relações com as políticas
mundiais para a educação, numa rede de interdependências.

Esclarecer cenários, delinear o contexto, identificar as escolhas de


conteúdos e metodologias, a partir dos atores envolvidos, parece um caminho
para identificar os referenciais para esta tarefa de avaliação.

A referencialização, como metodologia, favorece a análise das situações


que alimentam o dispositivo educacional – objeto avaliado – o contexto
educacional, profissional e social, o cotidiano da escola e do aluno - porque
delimita o contexto, num ambiente amplo e multiforme.

O processo de referencialização deve finalmente levar à legitimidade dos


resultados da avaliação, pois, em face dos numerosos referenciais disponíveis,
num trabalho coletivo se buscará identificar e justificar os referenciais que
presidirão aquela determinada avaliação (a quem pertencem) e, por
conseqüência, seus resultados serão um suporte aos processos de intervenção.

2.2. O objeto avaliado: o dispositivo educacional

O método da referencialiazação é aplicável a qualquer situação


educacional, que doravante será designada como dispositivo educacional. O
dispositivo educacional que será avaliado pelo método da referencialização, neste
trabalho, é o processo de reformulação curricular do curso de Administração do
interior paulista, o qual será designado simplesmente como dispositivo
educacional.
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Primeiramente se deve proceder à conceituação do objeto a ser avaliado,


para que, com clareza, a aplicação da metodologia produza resultados coerentes
e pertinentes com o objeto de interesse.

A intenção de realizar uma avaliação de um processo de reformulação


curricular supõe, primeiramente, o entendimento da idéia de currículo. O estudo
das noções das estruturas educacionais suscita diversos sentidos. Estrutura,
porém, evoca sobretudo uma instituição estabilizada, que pertence mais ao campo
social e político do que ao da pedagogia.

Esta noção pode designar realidades muito diferentes: as


macroestruturas, que se referem aos sistemas educacionais; as microestruturas,
como as turmas ou os grupos de um curso; e as mesoestruturas, que são as
organizações intermediárias – as instituições de ensino e os currículos
organizados (Figari, 1996). O interesse particular deste trabalho está nas
mesoestruturas, no seio das quais se encontram os fenômenos relativos à
construção de currículos, bem como da avaliação dos recursos para o processo
educacional.
Para definir com clareza o objeto da avaliação, Figari (1996) propõe o
emprego do termo dispositivo, noção esta que evoca as características de um
sistema mais próximo dos atores da educação, do ensino ou da formação.

O termo dispositivo, ora utilizado, é definido como um conjunto de meios


planejadamente dispostos com vistas a um determinado fim, como também a
forma particular como se distribuem os diversos órgãos de um aparelho, de uma
máquina7 e, por extensão, o próprio mecanismo ou aparelho. Por extensão, o
aparelho apenas designará a parte visível do dispositivo, quer dizer, o próprio
aparelho – o organismo, o curso, o programa de conteúdos ou de ações
devidamente registrados e divulgados.

No primeiro sentido, quer dizer a forma como se dispõem os elementos, ou


ainda, os diferentes fenômenos relativos à construção do dispositivo – a análise
dos dados que determinam a situação de uma ação educacional, a participação
dos atores, os modos de escolha e tomada de decisão sobre conteúdos e
metodologias, etc. Para Crozier e Friedberg, apud Figari (1996:30-31), o
dispositivo educacional designa o “construto da ação coletiva”, que se concretiza
por um projeto de aprendizagem e se modifica por indicações resultantes de um
processo de avaliação, mesmo não intencional.

“O dispositivo, tantas vezes circunstancial e efêmero, é um


produto do nosso tempo: marcado de tecnicidade, procura a eficácia,
verifica os resultados. Em educação e em formação, se não estiver
referido a um campo de conhecimento identificado ou a um sistema de
valores coerente, o dispositivo pode tornar-se um objecto de
manipulações e um mecanismo ilegível e inoperante” (Figari, 1996:32).
7
Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. p. .598.
15

As instituições universitárias vêm sendo constantemente pressionadas para


acompanhar as necessidades do mercado produtivo, tanto em quantidade de
pessoal habilitado como também pela formação de profissionais com o domínio de
habilidades, competências e atitudes específicas demandadas por esses mesmos
mercados.

Os críticos do atual ensino superior, na área de formação de profissionais,


apontam para os cenários futuros e o papel do ensino superior, que prepara no
momento atual, os profissionais que irão atuar daqui a quatro ou cinco anos e
permanecerão no mercado, pelo menos, por mais trinta anos.

Essa tarefa se torna bastante complexa para as instituições de ensino


superior, uma vez que envolve uma constante atualização de equipamentos
laboratoriais, formação contínua de professores com domínio de metodologias e
estratégias próprias para o processo de aprendizagem, e que está, por isso
mesmo em constante defasagem em relação às rápidas mudanças do mercado
produtivo.

As instituições também convivem com contradições que parecem


insuperáveis, ao reconhecerem a necessidade de uma maior individualização dos
procedimentos de ensino e de formação, principalmente em função das
características dos alunos egressos do ensino médio. Por outro lado, estão
estruturadas para um ensino superior massificado – pela manutenção de classes
numerosas, massificação das metodologias, sucateamento de equipamentos e
laboratórios, relativa valorização de seu corpo docente, limitações orçamentárias,
etc. Também sofreu a pressão interna e ações de seu corpo acadêmico, na busca
da realização mais plena de seu papel de instituição formadora, que ultrapassa os
limites das demandas de mercado.

Diante de tantas dificuldades enfrentadas pelas instituições de ensino


superior, os processos de criação de cursos e as reformulações subseqüentes
tendem a ocorrer como uma atividade de remediação em resposta às imposições
legais ou a distorções curriculares evidentes, ou mesmo para tentar reproduzir os
modelos bem sucedidos em outras instituições, como se os alunos, professores e
infra-estrutura fossem os mesmos.

Apesar dos inúmeros e complexos problemas, não se pode esperar que as


soluções sejam encontradas nos organismos externos ou mesmo pela simples
reforma das estruturas institucionais. Boa parte delas, segundo Figari (1996:31),

“(...) deve ser encontrada na modificação profunda das práticas de


formação e de ensino, assim como ao nível da organização dos
dispositivos que permitam a realização de procedimentos
sociocognitivos adaptados às situações”.
16

A avaliação de um dispositivo ou de um processo de alteração desse


mesmo dispositivo deve compreender um espaço que vai desde a posição desse
dispositivo em uma dada instituição, até o espaço individual de seus alunos –
limitações, potencial e motivação pessoal. Trata-se de encontrar um instrumento
que compreenda e releve, num dado espaço temporal, as finalidades, os grandes
objetivos, as necessidades operacionais e as motivações de seus agentes frente a
um dispositivo educacional. É o desafio de captar a ação educacional em
processo.

2.3. As dimensões da avaliação.

As interrogações a respeito do dispositivo educacional, segundo Figari


(1996), podem ser organizadas em três dimensões, que parecem
poder englobar o conjunto das características e problemáticas
envolvidas num processo de reformulação de dispositivo educacional.

A primeira dimensão compreende as determinações que induzem às


escolhas dos componentes do dispositivo e que justificam a prática deste de um
determinado modo e não de outro. Encontram-se assim, nesta categoria, os
procedimentos que têm em conta dados sobre o meio (fatores econômicos) e
características dos atores (fatores sociais), que levam e induzem a diagnósticos
(insucesso escolar, desinteresse pela formação e pelos estudos) e às buscas de
soluções (meios acrescidos, dispositivos de reforço). A esse conjunto, o autor
chama de o induzido (Figari, 1996).

A segunda dimensão é a que busca explicar, acompanhar e orientar a


elaboração do dispositivo. A referencialização supõe, então, compreender a
construção do dispositivo a partir da observação das representações,
comportamentos e evoluções que irão definir a ação educativa propriamente dita.
Figari (1996) designa a isto de o construído.

A última dimensão surgirá da observação e interpretação das formas


evidentes das ações, assim como de seus efeitos. Estamos tratando aqui de
avaliar a produção do processo de reformulação de um dispositivo. É de
fundamental importância analisar as características desse dispositivo alterado
frente a seus efeitos e resultados pois, através deles – o produzido – a qualidade
do processo de reformulação do dispositivo será analisada e valorada.
17

A avaliação se processará, então, através das três dimensões – o induzido,


o construído e o produzido. O induzido tem a função diagnóstica que avalia e
interpreta os dados da situação. O construído, por sua vez, trata da função de
regulação ao acompanhar e corrigir os processos de elaboração. Por fim, o
produzido se refere à função somativa 8 que ultrapassa a ação educativa, ao
avaliar sua produção pelas competências desenvolvidas e pelo reconhecimento
social (Figari, 1996).

O problema que se coloca então é como elaborar um sistema de


referências que dê conta de compreender os elementos das três dimensões
referidas, inferindo sobre causas e conseqüências com consistência, ainda que
tendo em mente que o processo de alteração de um dispositivo educacional é um
processo único, com uma lógica própria na produção de seus efeitos.

A busca de pontos concretos e abstratos de referências deve anteceder o


processo de inteligibilidade temporal de uma determinada ação. Sem a clareza
dos referencias, a partir dos quais se emite um juízo de valor, o processo de
avaliação tende a se reduzir a um processo de controle, completamente estranho
à sua realidade contextual e temporal.

As dificuldades encontradas no processo de construção de referências não


estão necessariamente na metodologia ou nos instrumentos, mas apontam para a
captação das intenções que presidem a construção de um projeto, ou o dispositivo
educacional. Estas intenções podem ser indefinidas e até infinitas, e antecedem à
elaboração dos objetivos, das estratégias e dos programas muito bem definidos ou
o quanto possível, uma vez que se esforçarão por traduzir essas finalidades e
intenções, a partir do que os atores compreendem, para tornar essas intenções
operacionalizáveis.

”(...) se a avaliação implica uma verdadeira situação de comunicação,


os materiais que se podem recolher para um tratamento posterior
residem nas margens da organização formal (do discurso, da situação,
da ação...), e mais ainda no não dito do que no enunciado.” (ADMEE,
1990, apud Ardoino, 1996:21).

Captar os dados que estão à margem de todo o processo formal exige uma
abordagem de avaliação clínica, ao associar a escuta à observação, além de
exigir a constante interpretação.

8
A estratégia de avaliação somativa é aquela que usa os dados, no final das atividades, com o objetivo de
aferir os resultados do ensino, da aprendizagem ou da instituição como um todo, a fim de que o
administradores decidam se devem fechar cursos, criar novos cursos ou simplesmente tomar decisões sobre
mudanças no planejamento da instituição. E. C. B. MACHADO. “Avaliação dos cursos de Administração
como estratégia de melhoria da qualidade de ensino”. p. 49-56.
18

Os processos inscritos numa temporalidade, ao serem avaliados,


apresentam-se muitas vezes polêmicos e, por sua vez, acarretam alterações nos
procedimentos de recolha e análise dos dados. Para essa situações (Ardoino,
1996) não se recomendam os instrumentos empregados na avaliação clássica,
mais apropriada às situações onde o que se pretende é o controle.

“A avaliação de uma situação, desde que esta não se encerre na


medida, é, no fundo, um trabalho de ordem etnológica que confere um
estatuto positivo à intersubjetividade, criando literalmente a noção de
objeto-sujeito” (Ardoino, 1996:22).

Continua ainda o autor, afirmando que nesses casos não há como se


esperar uma homogeneidade na construção dos referenciais, mas sim reconhecer
o caráter multirreferencial, ou a heterogeneidade dessa construção.

III – Etapas do processo de referencialização: a aplicação da metodologia de


Figari no processo de reformulação curricular do curso de
Administração do interior paulista.

A avaliação de dispositivos educacionais é um processo desafiador porque


envolve, em grande parte, a própria avaliação institucional, ao devassar o
cotidiano de professores, alunos e decisores. A autora deste trabalho, que atuou
como avaliadora no processo, acredita, porém, que a abertura de espaço para
avaliação, como ocorreu nos diversos encontros realizados para reflexão sobre o
curso de Administração reformulado, representou um grande avanço, revelando a
maturidade do grupo.

Muitas críticas foram feitas ao processo de reformulação curricular, desde


os alunos até a Reitoria, mas foram reconhecidos também seus avanços.
Ressalvados os poucos professores descrentes no sucesso das mudanças, a
maioria colaborou com o processo, oferecendo opiniões e sugestões.
O momento mais desafiador neste processo foi a efetivação das mudanças,
isto é, a concretização, na prática, daquilo que foi aceito pelo grupo como
necessário.

De qualquer forma, é importante registrar que os atores envolvidos no


processo de reformulação curricular do curso de Administração do interior paulista
estiveram sempre disponíveis e interessados nos resultados.

Este trabalho contou também com o apoio da Reitoria, que se manifestou


favorável ao estudo, frisando que seus resultados deveriam reverter-se em
benefícios para o próprio curso em estudo e outros nos quais houvesse ambiente
favorável à instauração de um processo semelhante.

A seqüência, doravante desenvolvida, consta da explicação das etapas da


referencialização aplicado ao currículo do curso de Administração reformulado,
para, em seguida, proceder a avaliação.
19

Etapa 1 – A origem do pedido.

As preocupações dos docentes envolvidos no processo de reformulação


curricular do curso de Administração da Faculdade do interior paulista
representaram um pedido capaz de animar o processo de avaliação. Este conjunto
de preocupações tinham por foco o perfil do profissional de Administração em
formação, o processo de aprendizagem adequado ao perfil do aluno ingressante,
a incorporação de valores éticos e humanos na formação do futuro profissional e
outros temas que serão explicitados ao longo do capítulo.

Essas indagações, por si só, não constituem um quadro de avaliação,


porque a referencialização não consiste apenas em responder a questões
previamente formuladas. É necessário estudar este conjunto de questionamentos
de maneira a identificar, juntamente com os atores envolvidos, que dimensões
estão envolvidas no pedido e quais informações estão disponíveis para elucidá-
las.

Nesta primeira etapa do processo de referencialização, evidenciam-se os


interesses dos promotores do pedido, para cuja análise o avaliador deve buscar
obter o maior número de fontes de informação disponíveis. Estas, porém, não se
esgotam neste momento, uma vez que, desencadeado o processo de avaliação,
outras fontes poderão surgir e outras serão induzidas, de maneira a responder
melhor o dispositivo que se pretende avaliar.

Quadro 1 – Síntese do Pedido.


20

Questões da avaliação ( o pedido) Dimensões do dispositivo a avaliar

1. O currículo de Administração reformulado 1.1. Curricular (currículo mínimo x flexibilidade


favorece à formação do profissional nos moldes curricular).
da atual política para a educação superior e 1.1. Ênfase em disciplinas de desenvolvimento
tendências futuras? de habilidades (perfil do administrador).
1.2. Monitoramento do mercado de trabalho
regional.
1.3. Análise do mercado profissional e
tendências futuras.
1.4. Perfil dos professores (Qualificação
acadêmica e experiência profissional na
área de Administração).

2. O currículo de Administração reformulado 2.1. Processo Seletivo.


favorece o crescimento do aluno, na 2.1. Conjunto de disciplinas de formação geral.
perspectiva de superação de suas 2.2. Atividades curriculares que visem ao
dificuldades escolares? desenvolvimento de competências e
revisão de conteúdos do Ensino Médio.
2.3. Professores habilitados para trabalhar o
desenvolvimento de habilidades e
competências.

3. O currículo de Administração reformulado 3.1. Nível de abrangência dos conteúdos da


favorece o melhor desempenho dos alunos área de Administração.
no Exame Nacional de Cursos – Provão? 3.2. Defasagem de conteúdos.
3.3. Desenvolvimento de habilidades de análise
crítica e síntese.
3.4. Visão interdisciplinar dos conteúdos.
3.5. Capacidade de comunicação escrita.
3.6. Capacidade de compreensão de texto.

4. O currículo de Administração reformulado 4.1. Atividades de estágio.


favorece maior interação entre o curso e o 4.2. Visitas técnicas.
mercado de trabalho? 4.3. Professores com experiência profissional
em Administração.
4.4. Presença de profissionais da região no
corpo docente.
4.5. Convênios e parcerias com empresas da
região, para convênios.
4.6. Relacionamento da IES com seus ex-
alunos.
21

5. O currículo de Administração reformulado 5.1. Presença de ações que favorecem a


favorece a educação para a reflexão e o cultivo de valores éticos
responsabilidade social, para a (professados pela IES).
participação política e o exercício da 5.2. A influência das disciplinas de formação
cidadania? humana contribuem para a formação
integral do aluno.
5.3. Presença/participação de atividades
comunitárias no processo pedagógicas do
curso.
5.4. Participação de professores e alunos nas
atividades de extensão comunitária.
5.5. Formação/postura dos professores.

Etapa 2 – O Projeto de Avaliação

O projeto de avaliação é o trabalho de transformar os questionamentos


apresentados no pedido numa proposta de dispositivo de avaliação, que
compreende uma proposta de abordagem metodológica e suas respectivas
orientações.

Este é um processo bem elaborado, que ultrapassa a mera tentativa de


responder perguntas de forma pontual, mas, mais do que isso, supõe a interação
entre quem faz o pedido – uma entidade, um grupo de pessoas representativas de
uma comunidade acadêmica, grupos de interesse – e os atores, que passam a ter
a oportunidade de se tornarem parceiros (Figari,1996:156) na tarefa de construir
um projeto de avaliação que ultrapasse a ação pontual, buscando o sentido dos
fenômenos para todos os atores envolvidos.

O avaliador, com os atores, através deste processo, estudará o dispositivo


educacional a partir de um conjunto de referências que podem explicar a sua
criação, as reformulações e pretensões futuras. Num segundo momento,
procurarão elencar categorias para flagrar os momentos importantes e
significativos do dispositivo, conferindo-lhe identidade.
22

A metodologia da referencialização não tem a obrigatoriedade de fornecer


resultados exaustivos sobre o modo de funcionamento ou mesmo sobre a
adequação dos meios em relação aos objetivos esperados, ou ainda sobre as
especificidades do dispositivo em relação a outros da mesma área. Espera-se,
porém, construir, pela ação conjunta do avaliador e dos atores do processo, um
sistema de referências, que constitui a primeira fase do estudo. Num segundo
momento, a partir das características valorizadas no sistema de referências,
rastrear as informações disponíveis e interpretar o corpo de informações
disponíveis. Nesse sentido, Demo (1989:28) reflete que:

“A ciência é somente um modo possível de ver a realidade, nunca


único e final. As próprias disciplinas acadêmicas representam recortes
parciais de uma realidade complexa”.

Assim, esta proposta de avaliação reconhece suas limitações, mas também


suas possibilidades reais de colaborar com o processo educacional.

O conhecimento do dispositivo educacional – a reformulação curricular que


se está avaliando – deve remeter às finalidades que presidem a existência do
dispositivo, ou melhor, o avaliador deve tomar conhecimento das orientações que
presidem sua realização, desde o nível macro até o micro, as motivações para a
reformulação curricular e como esta se processou.

Para o conhecimento do sistema de referências a que se submete o


dispositivo educacional aqui estudado, buscar-se-á , por exemplo, informações
sobre os objetivos da educação superior explicitadas pela “Declaração Mundial
sobre Educação Superior no Século XXI” 68, as políticas educacionais brasileiras
para o ensino superior, o currículo mínimo do curso de Administração fixado pelo
MEC, as orientações da Comissão de Especialistas do Curso de Administração da
SESu/MEC e as características de outros cursos de Administração reconhecidos,
pela sociedade, como de alta qualidade.

Por outro lado, o processo de avaliação deverá também empenhar-se na


descrição do dispositivo educacional na sua especificidade, que o distingue em
relação a qualquer outro na região.

68
Este texto é resultado da Conferência Mundial sobre Educação Superior no século XXI: Visão e Ação, em
Paris, na sede da UNESCO, de 5 a 9 de outubro de 1998, onde ministros, autoridades educacionais, cientistas
e representantes de aproximadamente 200 países refletiram sobre o futuro da educação superior no próximo
século. Nesse encontro aprovaram a Declaração Mundial sobre a Educação Superior no Século XXI: Visão e
Ação, bem como o Marco Referencial de Ação Prioritária para a Mudança e o Desenvolvimento da Educação
Superior. Declaração Mundial sobre Educação Superior no século XXI: visão e ação. p. 11-27.
23

Faz parte do projeto de avaliação também a explicitação das abordagens


metodológicas para estudo e análise do corpo de informações. O estudo do
dispositivo educacional, segundo Figari (1996), pode recorrer a métodos de
análise de conteúdo de documentos descritivos, tais como o projeto pedagógico
do curso, no qual constem o perfil profissiográfico, o elenco de disciplinas e
respectivos programas, descrição e funcionamento das atividades, etc., bem como
a análise de documentos prescritivos (legais), como o texto do currículo mínimo,
as diretrizes curriculares e outros documentos similares.

Na análise do funcionamento, o autor recomenda o seguinte procedimento:


apelar para o recurso da observação através de visitas de estudo, entrevistas com
professores e alunos, bem como a análise de seus efeitos através da verificação
dos resultados escolares, o questionamento dos atores e parceiros (alunos,
professores, entidades empregadoras, etc).

Ressalta-se que boa parte das metodologias de coleta de informação exige


a interação do avaliador e demais atores envolvidos com o dispositivo
educacional, num processo dialógico em que o pesquisador, segundo Saul
(1995:60-61),

“(...) deveria:
. abandonar a tradicional arrogância em diferentes sintaxes culturais,
adotar a humildade dos que realmente querem aprender e descobrir;
. romper com a assimetria das relações sociais geralmente impostas
entre o entrevistador e o entrevistado; e
. incorporar pessoas das bases sociais como indivíduos ativos e
pensantes dos esforços de pesquisa”.

Quadro 2 – Síntese do Planejamento da Avaliação.


24

Objetos da avaliação Dimensões reagrupadas a partir Proposta metodológica para


(questões de estudo) de cada categoria cada conjunto de dimensões
Categorias gerais

O Projeto Pedagógico e:

• a organização curricular • Análise de conteúdo de


(formação geral e documentos: projeto pedagógico
específica/flexibilidade); do curso, programas de
disciplina, plano de aulas.
• a formação humana;
• Impactos da • Análise de conteúdo em
• as metodologias de ensino- entrevistas com professores,
reformulação alunos, coordenadores, pessoal
aprendizagem;
curricular nas de apoio.
condições • a interação teoria e prática;
• Observação (professores e
pedagógicas
• condições de estudo; alunos).

• processo de avaliação; • Aplicação de questionários.

• a infra-estrutura material e de • Análise dos Relatórios do


pessoal de apoio; MEC/INEP sobre desempenho
no “Provão”.
• política institucional para o ensino
de graduação; • Entrevista com os professores
responsáveis pelo Estágio
• mecanismos de interação com o Supervisionado e Empresa Jr.
mercado de trabalho.
25

• Processo de recrutamento;
• Análise de documentos
• Adequação da formação dos (curriculum vitae e ficha de
professores; acompanhamento docente).

• Processo de atualização na área • Análise da avaliação docente.


profissional e no exercício da
• Impactos da docência; • Observação no cotidiano
reformulação escolar.
curricular no • O docente e a experiência
profissional em Administração; • Análise de conteúdo dos
desempenho
discursos (conversas informais e
docente • Competência didático- entrevistas).
pedagógica;
• Análise da infra-estrutura
• Inter-relacionamento entre os material e de pessoal à atividade
professores (interdisciplinaridade); docente.

• Postura ética do professor • Entrevistas com os professores (


(compromisso com o curso, os individuais e coletivas).
alunos, os professores, a
instituição, a profissão de • Análise do cotidiano escolar
Administrador); (disparidade entre o discurso e a
prática em sala de aula; o
• Condições de trabalho (apoio compromisso em relação ao
material, remuneração, ambiente curso e aos alunos e o
de trabalho, tipo de contrato); realizado).

• Apoio institucional para o • Análise das decisões políticas


permanente desenvolvimento sobre a atividade docente.
docente.

• Perfil dos alunos ingressantes; • Análise de documentos


(Relatórios do Processo Seletivo,
• Expectativa dos alunos em Relatório da avaliação discente).
• Impactos da relação ao curso;
• Aplicação de questionários.
reformulação • Condições de estudo;
curricular no • Análise dos discursos nas
desempenho e • Desempenho no curso; entrevistas individuais e coletivas
formação do e conversas informais.
• Desempenho no Provão;
corpo • Observação no cotidiano.
discente. • Postura ética do aluno;

• Perfil do formando
(desenvolvimento de habilidades,
colocação profissional e
perspectivas futuras);

• Desempenho profissional dos ex-


alunos;

• O aluno e o exercício da
cidadania
26

Este quadro síntese representa a conclusão do Planejamento da Avaliação:


definição dos objetos da avaliação, representados por três grandes categorias; as
dimensões de cada categoria; e a indicação de uma proposta metodológica para o
estudo dessas dimensões.

O Quadro representa o recorte que a avaliadora estabeleceu para


prosseguir a referencialização, através do desenvolvimento do Plano de Estudo do
processo de reformulação curricular do curso de Administração do interior paulista.

Etapa 3 - O Plano de Estudo

Esta etapa do trabalho consiste em transformar as preocupações,


explicitadas no pedido, em processos de construção de critérios para a avaliação,
ou seja, do plano estratégico para o plano científico. Trata-se, pois, de organizar
um plano de descrição do dispositivo – o currículo reformulado – que permita
fornecer não só uma análise das suas características visíveis, mas também um rol
de questões que se colocam à avaliação:

1. estabelecer as dimensões do problema analisado;


2. proceder ao ajuste das questões inicialmente formuladas;
3. estabelecer as linhas de investigação e a construção do corpo do
trabalho;
4. e definir os modos de tratamento e de análise das informações.

A organização do Plano de Estudo implica a retomada das questões iniciais


a respeito do dispositivo educacional, para se definir as formas de tratamento que
caberão a cada uma. A referencialização, portanto, passa por uma reflexão prévia
sobre cada uma das questões inicialmente formuladas.

O plano de trabalho da referencialização supõe uma reflexão sobre cada


uma das questões colocadas no pedido para se estabelecer as dimensões do
problema: é a fase da problematização. Deve-se, no entanto, ter presente a
importância de se respeitar as questões iniciais (o pedido), para não se perder o
propósito que animou o processo de avaliação. Ao mesmo tempo, cada questão
deve levar à construção de um corpo de referências – um referencial de avaliação.

O questionamento inicial, na seqüência, será dividido em subquestões que


traduzem escolhas prévias sobre o que se espera responder. Fica evidente, neste
momento, que o procedimento metodológico de avaliação não supõe esgotar a
análise do fenômeno, mas privilegiar escolhas a partir dos interesses dos atores.
27

O terceiro passo consiste, a partir das subquestões, em organizar


sistematicamente a investigação, visando identificar as fontes de informação e
estabelecer os métodos de coleta de dados: análise documental, questionários,
entrevistas, depoimentos, observação e outros que sejam pertinentes à natureza
do trabalho.

A referencialização supõe procurar as informações disponíveis ou identificar


os elementos em relação aos quais a avaliação vai progredindo. Para cada
dimensão do problema se buscará identificar as fontes de informação, sejam elas
invocadas, quando já existem, ou induzidas, quando se tratar de buscar
informações pelo questionamento, diálogo ou observação.

Retomando a primeira questão do pedido de avaliação do curso de


Administração reformulado, por exemplo, que diz respeito: “às novas condições
pedagógicas propostas pela reformulação curricular formal e sua conseqüente
implantação ao longo de quatro anos: seus impactos na formação profissional
demandada pelo mercado e sociedade em geral”, proceder-se-á, no plano formal,
à análise do Projeto Pedagógico, no qual são explicitados o perfil profissiográfico
pretendido, os objetivos gerais e específicos do curso, os programas das
disciplinas e respectivos ementários, metodologias e estratégias de ensino,
sistemas de avaliação, etc.
Buscar-se-á também dialogar com os atores que participaram do processo
de reformulação curricular, com o objetivo de captar as informações sobre as
intenções, motivações pessoais e ações não previstas no plano formal.

O currículo formal é apenas a parte visível de uma construção complexa,


determinada pelo contexto social, econômico, político e cultural. Nasce das
escolhas pessoais, coletivas ou institucionais na ordenação e estruturação de um
dispositivo e da implementação de mecanismos para sua viabilização, como
resultado de um pedido ou desejo institucional de atuar nesta ou naquela área.

Por isso, a avaliação de um dispositivo assim produzido passa


primeiramente pela reconstituição da história destas determinações, dos projetos e
mecanismos que foram surgindo para atender a uma intenção. Procurar-se-á
sempre encontrar o sistema de referências em relação ao qual esta construção
complexa surge, como funciona e, a partir da compreensão de suas interações,
analisar o seu sentido. É sempre uma análise situacional, restrita a um
determinado contexto, mas capaz de explicar alguns fenômenos envolvidos no
desenrolar da formação, tais como as motivações que levam às escolhas de
conteúdos, metodologias, ambientes, as produções docente e discente que
ultrapassam o programado, dando condições aos atores, a partir desses
conhecimentos, para o desenvolvimento de futuras estratégias de ação.

Dos modos de tratamento e análise.


28

É importante ressaltar que esta metodologia de avaliação não pretende ser


exaustiva e nem conclusiva em seus resultados. O processo de avaliação é
relativo porque é um empreendimento humano, embora intencional, está limitado à
compreensão que os atores têm do fenômeno.

Compreender uma situação onde as pessoas interagem, segundo Saul


(1995:45) requer buscar significados subjetivos a partir das opiniões e ideologias
com as quais as pessoas interpretam os fatos, observar como reagem aos fatos e
situações. Com isso, o enfoque recai sobre os processos e não sobre os
resultados, de maneira que a informação possibilite a reformulação racional da
ação pedagógica.

Contribuindo sobre a idéia de avaliação qualitativa, Abramowicz (1996:56)


afirma:

“(...) abordagem da avaliação qualitativa que privilegia o fenômeno


educacional sob o ângulo de sua imprevisibilidade, flexibilidade e que,
portanto, não permite limitá-lo a uma moldura tecnicista, desarticulada
de valores.”

Os estudos sobre processos devem registrar os sucessos em sua evolução,


em seu estado de progresso. É observar as situações, indagando aos
participantes - os atores - sobre seus julgamentos, interpretações e perspectivas.
A avaliação qualitativa requer metodologias sensíveis às diferenças, portanto as
mais variadas e flexíveis. Torna-se importante, segundo ainda a mesma autora
(p.56) “(...) o contexto, os processos, a subjetividade, os pequenos números, o
caso único.”

A referencialização, enquanto metodologia de avaliação centrada em


processo, vai evoluindo à medida em que, a cada etapa, surjam elementos
relevantes para a avaliação do dispositivo.

A compreensão da situação, a partir dos que nela atuam – valores,


interpretações e aspirações – pode fornecer um conjunto de informações que
alimentem as reflexões, a discussão e o debate, criando condições mais
favoráveis à intervenção.

Quadro 3 – Ajuste das dimensões de cada categoria.


29

Objetos da avaliação As dimensões de estudo


• O perfil profissiográfico e a formação profissional
• O perfil profissiográfico e a formação para a cidadania
• Os campos de estudo e os objetivos dos conteúdos
1. Os impactos da
• Os campos de estudo e a organização curricular
reformulação curricular nas
condições pedagógicas • As metodologias de ensino-aprendizagem
• Recursos didático-pedagógicos
• Apoio às atividades didático-pedagógicas
• A tipologia e modalidades de avaliação da aprendizagem
• A natureza da avaliação da aprendizagem
• O recrutamento e processo de seleção docente
• Habilidades didático-pedagógicas
• A formação acadêmica do docente
• Experiência profissional em Administração
2. Os impactos da
reformulação curricular no • Desenvolvimento profissional
desempenho docente • Desenvolvimento para a docência
• A prática docente (preparação de aulas, desenvolvimento das aulas,
relacionamento com outros professores e disciplinas, relacionamento com os
alunos)
• A prática docente e a postura ética
• Apoio às atividades docentes (programas de formação para a docência,
infra-estrutura material e pessoal, política de contratação e remuneração, política
de fixação do docente).
30

• O perfil do ingressante quanto às expectativas com o curso e a instituição)


• As formas de ingresso: processo seletivo, transferência de curso ou portador
de diploma de curso superior
• Competências cognitivas de ingresso
• O perfil do estudante e as condições de estudo: tempo de dedicação, local
adequado para estudo, apoio pessoal, ambiental e material
3. Os impactos da • O estudante e o desempenho nas disciplinas: a forma de aprovação, tempo
reformulação curricular no para a conclusão do curso
desempenho discente • O estudante e o desempenho no Provão: interesse pela prova, análise das
dificuldades e evolução do desempenho de 96 a 98
• O estudante e seu compromisso como o curso, atividades acadêmicas
gerais, com os colegas, com as causas da comunidade local e geral
• O perfil do egresso e o sucesso profissional
• O ex-aluno e as evidências do exercício da cidadania
• A percepção (avaliação) que o ex-aluno tem da instituição, do curso e da
carreira profissional escolhida
• O ex-aluno e seu vínculo com a instituição, com a educação continuada e a
atividade docente
31

Etapa 4 – O referencial de avaliação.

Considerando que a avaliadora recebeu um pedido que comporta várias


questões a respeito do processo de reformulação curricular; em seguida formulou
um projeto de avaliação para responder ao conjunto de questionamentos a partir
de referenciais; estabelece um plano organizador do estudo, pelo detalhamento
das dimensões do problema, posto como questões a serem avaliadas. Estabelece
instruções de investigação e prevê os modos de tratamento das informações
colhidas no âmbito desse quadro. Todo esse processo, desde o início e as demais
etapas que o procedimento permita avançar é a referencialização.

Verifica-se, nesse processo, que as questões inicialmente propostas pelo


pedido, ao serem tratadas, constituem-se no primeiro referente e estruturam os
primeiros questionamentos. Entretanto, não podem se constituir nas únicas
categorias de um referencial de avaliação, porque à medida que se avança na
análise das informações colhidas, esse conjunto de dados vai afetando o sentido
dos primeiros questionamentos e fundamenta um novo conjunto de categorias.

Com isso, o referencial propriamente dito, que pertence aos atores


enquanto avaliadores, é um forma momentânea captada pelo processo de
referencialização, mas torna-se um documento de referência que propõe a matriz
mais pertinente para tratar as informações sobre a reformulação curricular (Figari,
1996).

O referencial oferece, então, um quadro em que as categorias vão sendo


constituídas em função dos resultados obtidos no momento da investigação que
precedeu a sua primeira formulação.

Esse quadro evoluiu de uma primeira formulação, em que o referencial


dependia das questões colocadas no pedido, para uma segunda formulação, na
qual os referenciais passam a depender das finalidades do dispositivo educacional
analisado, ou pelo menos, daqueles que a referencialização pôde fazer emergir.

Chega-se então ao termo da construção do referencial (Figari,1996),


quando se torna possível, a partir das operações anteriores de formulação e de
fundamentação dos critérios, em nome dos quais o avaliador apresentará
resultados, juízos, opiniões ou decisões para intervenção.

O indicador, para Figari (1993) constitui a própria informação, a partir do


momento em que esta é designada como objeto de estudo. Trata-se de
estabelecer as bases de dados a partir dos quais se pode estabelecer as relações
entre os indicadores.
32

O indicador se define também como uma categoria intelectual de apreensão


de uma dada realidade (Barbier, 1985). Neste sentido, verifica-se a dificuldade de
se justificar sua representatividade. Ela só se justifica por ser uma escolha dos
atores, a partir do olhar sobre o dispositivo avaliado.

O indicador, por fim, é a concretização de um critério, e se constituirá no


instrumento privilegiado da avaliação (Bonniol e Genthon, 1989), não sendo mais
que um elemento metodológico intermediário da avaliação. Cada indicador deverá
remeter a um conjunto de informações (materiais e procedimentos) que, por sua
vez, permitirão o desenvolvimento da avaliação. O essencial reside na escolha da
metodologia, que então definirá o conjunto de indicadores.

A referencialização deverá suscitar os referenciais que auxiliarão os atores


na compreensão, ainda que relativa, de quais aspectos alterados de fato foram
relevantes: estrutura curricular, formação de professores, formação dos alunos,
inserção dos alunos no mercado de trabalho e exercício da cidadania.

Para demonstrar o modo operatório do método – a metodologia – utilizadas


as informações da reformulação curricular do curso de Administração da
Faculdade particular do interior paulista, aplicadas aos quatro momentos do
processo de referencialização: o primeiro no qual surge o pedido que condiciona
o quadro de estudo; o segundo, a elaboração do projeto de avaliação, que
constitui a proposta da organização de operação formulada pelos avaliadores; o
terceiro, o plano de estudo, que consiste na tradução metodológica do projeto de
avaliação, formulando um primeiro corpo de hipóteses e prevendo o modo de
tratamento da informação; e o quarto, a formulação das categorias a partir do
referencial explícito da avaliação propriamente dita, que será apresentado a seguir
no quadro 4.

Quadro 4 - Referencial de Avaliação do currículo do curso de Administração

1. Avaliação dos impactos da reformulação nas condições pedagógicas.


Dimensões Categoria
Indicadores
1. Perfil profissiográfico e • O perfil profissiográfico do curso e a formação profissional
a formação a) atende à formação geral do Administrador
profissional em b) atende à formação técnico-instrumental da Administração
Administração c) atende às necessidades do mercado empresarial regional

• O perfil profissiográfico do curso e a formação para a cidadania


2. Perfil profissiográfico e a) currículo se desenvolve de forma contextualizada
a formação para b) currículo favorece o envolvimento com a comunidade local
cidadania c) aluno participa das decisões que impactam o curso de Administração
d) incentiva a criticidade
• Os campos de estudo e suas finalidades
a) dissemina conhecimentos gerais
b) dissemina conhecimentos específicos e atualizados de Administração
e) Os campos de estudo c) desenvolve as habilidades para gestão
e seus objetivos d) favorece a integração do conhecimento
e) favorece a interação teoria e prática
33

f) desenvolve conteúdos essencialmente práticos de Administração


g) os conteúdos privilegiam a realidade do aluno
• A organização curricular
a) garante o equilíbrio entre a formação geral e a formação específica
b) contempla encadeamento dos conteúdos ao longo do curso
f) Os campos de estudo c) favorece o equilíbrio entre teoria e prática
e a organização d) prevê o estágio supervisionado ao longo do curso
curricular e) contempla atividades de apoio ao estudo do aluno
f) favorece a interdisciplinaridade
g) respeita a condição e ritmo de estudo do aluno

• As metodologias de ensino-aprendizagem e a formação em Administração


a) favorecem a autonomia de estudo do aluno
b) instigam a busca de novos conhecimentos
g) As metodologias de c) incentivam o bom desempenho do aluno
ensino-aprendizagem d) favorecem a interação teoria e prática
e) favorecem a interação professor-aluno
f) favorecem a interação aluno-aluno
g) criam espaço de crítica e emancipação
h) valorizam o conhecimento extracurricular e a cultura do aluno
i) atendem às características individuais dos alunos

• A avaliação e o processo de aprendizagem


a) a prática de avaliação é processual e diversificada
h) Avaliação da b) a prática de avaliação é coerente com as metodologias de ensino-
aprendizagem aprendizagem utilizadas
c) integra-se ao processo de aprendizado do aluno

2. Avaliação dos impactos da reformulação curricular no desempenho


docente.
Dimensões Categoria
Indicadores

• O processo de recrutamento e seleção docente e a formação em Administração


a) verifica o domínio de conteúdo na disciplina pretendida
1. Do recrutamento e b) analisa a experiência profissional na área
processo de seleção c) avalia o domínio de habilidades didático-pedagógicas para classes numerosas
d) analisa da experiência docente anterior
e) analisa a titulação docente

• As habilidades didático-pedagógicas para formação em Administração


2. Das habilidades a) Domina as habilidades didático-pedagógicas para a formação em Administração
didático-pedagógicas b) Domina as estratégias de ensino-aprendizagem para classes numerosas
c) utiliza estratégias de ensino-aprendizagem variadas
d) avalia o processo de aprendizagem de forma coerente com o plano desenvolvido

• A formação do docente e o curso de Administração


3. Da formação do a) Favorece a evolução da titulação do quadro docente
docente b) Contempla a aderência entre a formação acadêmica e a área de ensino
c) prefere que o docente tenha experiência profissional na área que ensina
d) promove o desenvolvimento acadêmico-profissional continuado

3. Avaliação dos impactos da reformulação curricular no desempenho


discente.
34

Dimensões Categoria
Indicadores
• Das expectativas do ingressante
a) vê boas perspectivas para a carreira profissional em
Administração
b) reconhece a qualidade do curso de Administração da IES
• O aluno e as formas de ingresso no curso
a) submete-se a processo seletivo para Administração em 1ª opção
1. Do perfil do ingressante b) solicita transferência de outro curso da USF para Administração
c) preenche vagas ociosas como portador de diploma de curso
superior
d) preenche vaga ociosa por transferência de outras instituições
• O aluno e as competências cognitivas de ingresso
a) Tem boa capacidade de compreensão em leitura
b) domina a expressão escrita
c) revela conhecimentos gerais
d) cultiva o hábito de leitura
e) é bem informado
f) ) possui raciocínio lógico bem desenvolvido
f
• O estudante e suas condições de estudo
a) estuda exclusivamente
b) trabalha para manter seus estudos
c) trabalha para manter a família

• O estudante e sua dedicação aos estudos


a) estuda regularmente
b) estuda para as avaliações
c) estuda além do solicitado pelo professor
d) tem satisfação com o estudo

• O estudante e seu ambiente domiciliar de estudo


a) estuda em condições ambientais adequadas (conforto físico,
privacidade, etc.)
b) dispõe de recursos didáticos (livros, etc.)
2. Do perfil do estudante
c) dispõe de recursos tecnológicos (computador, internet, e-mail,
etc.)
• O estudante e o apoio institucional ao estudo
a) dispõe do apoio de professores além do horário de aula
b) dispõe do apoio de instrutores e monitores
c) dispõe de salas-ambiente para estudo (equipamentos de
informática disponíveis, ambientes de simulação, “home
theater”, etc
d) dispõe de biblioteca atualizada e diversificada
e) estuda em classe com número de alunos adequado
f) assiste às aulas em ambientes adequados (instalações
confortáveis, iluminação e ventilação, acústica, recursos
audiovisuais disponíveis)

• O aluno e o rendimento escolar


a) procura superar suas dificuldades
b) aproxima-se do perfil profissiográfico do curso
c) apresenta desempenho no Provão coerente com seu
desempenho escolar

• O aluno e o compromisso com o curso


a) participa efetivamente das atividades regulares do curso
b) participa efetivamente das atividades extraclasse, promovidas
35

pelo curso (visitas técnicas, jornadas e semanas de estudo,


palestras, ação comunitária, etc.)
c) participa das atividades institucionais (atividades promovidas
fora do âmbito do curso, de natureza atístico-cultural, esportiva,
pastoral, ação comunitária e de convívio)
d) compromete-se com os colegas (trabalhos em equipe, apoio a
colega com dificuldade de aprendizagem, problemas diversos,
atitudes solidárias)
e) participa dos espaços de discussão político-
acadêmicas.
• O ex-aluno e a inserção no mercado de trabalho
a) é solicitado pelo mercado de trabalho
b) integra-se a curto prazo ao mercado profissional
c) sente-se satisfeito com o desempenho/sucesso profissional

3. Do perfil do egresso • O ex-aluno e o exercício da cidadania


a) participa dos movimentos sociais na comunidade local
b) participa da vida política de sua cidade
c) defende a ética social, a partir de sua competência profissional

• O ex-aluno e a avaliação do curso e da carreira profissional


avalia satisfatoriamente a carreira de Administrador
reconhece o papel do curso de Administração da IES no seu
desempenho/sucesso profissional
encaminha suas críticas/sugestões para o aprimoramento do
curso de Administração, após sua inserção no mercado
profissional

• O ex-aluno e as atividades de natureza acadêmica


a) continua a estudar por conta própria
b) cursa programas de pós-graduação lato e stricto sensu
c) faz cursos de outra natureza
c)
36

Conclusões

Este estudo sobre a aplicabilidade da metodologia de referencialização de


Figari ao currículo do curso de Administração do interior paulista reformulado,
além de possibilitar o retrato dos avanços e das limitações da reformulação
curricular ocorrida de 1995 a 1998, deixou algumas lições, não inéditas no cenário
educacional, mas que ainda não tinham sido vividas, anteriormente, pelo grupo de
professores e alunos envolvidos neste processo.

A avaliação do que foi a aplicação da referencialização possibilitou aos


participantes perceber a abrangência e riqueza da situação avaliativa que, no
cotidiano, passa desapercebida aos menos atentos, embora participantes do
processo. A aplicação da metodologia de avaliação ultrapassou as expectativas da
avaliadora, que buscava, num primeiro momento, verificar a potencialidade do
método, mas foi além. Uma vez percebida a intenção e a metodologia, o processo
foi partilhado por um grupo de atores – principalmente professores e alunos – que,
numa contribuição valiosa, dispuseram-se a refletir, criticar e propor novas formas
de atuação para o curso em avaliação.

Nos momentos da avaliação em que foram explicitadas suas finalidades –


um exercício acadêmico de um lado, e, de outro, a oportunidade de avaliar, de
fato, a ação pedagógica de um curso – verificou-se um clima de expectativa de
mudanças, principalmente entre os alunos, que demonstraram sentir-se
respeitados, ao perceberem que, na avaliação, estava implícita a intenção de
promover as condições para um melhor desempenho dos alunos, dando-lhes voz
e ver.

Ao mesmo tempo que alguns professores permaneceram em atitude


passiva diante do que se fazia, por acreditarem, manifestadamente, tratar-se da
reprodução de mais uma situação de controle, surpreendentemente, outros
tomaram a iniciativa de proceder a avaliação de certas práticas do curso, mesmo
sem seguir a metodologia que tão cuidadosamente buscamos implementar.
Mesmo assim, tivemos o cuidado de analisar os resultados e verificar de que
maneira poderiam contribuir com nosso trabalho.

Teve ainda, este trabalho, o mérito de sensibilizar, a partir dos resultados


que buscamos socializar, a cada um dos que efetivamente colaboraram no
processo, estimulando-os a enfrentar os problemas com conhecimento de causa.
Mas esses efeitos ultrapassaram o grupo envolvido, tanto que, no início deste
trabalho, foi dito que havia a intenção de divulgar seus resultados para animar
futuras reformulações de processos pedagógicos neste ou em outros contextos, e
já existe demanda para isso.
37

A autora acredita na força da avaliação, desenvolvida num clima de diálogo,


confiança e entusiasmo, como instrumento de superação das dificuldades e
transformação da realidade. Neste sentido, a metodologia de avaliação pela
referencialização tem um mérito indiscutível: facilita a cumplicidade entre os
atores, uma vez que a busca dos referenciais de avaliação é trabalho coletivo,
permeado por conversas, discussões, confissões e desabafos. Esta cumplicidade
se estende para além da avaliação, pois supõe o convite a todos os participantes
à utilização dos resultados e à escolha deste ou daquele caminho para a
superação dos problemas.

Na dinâmica do cotidiano escolar vivenciam-se constantes consensos e


dissensos – principalmente no relacionamento entre os professores e no
relacionamento professor-aluno. Nestes embates, assiste-se à defesa de idéias
que, muitas vezes, não se aplicam à realidade circundante. Nesse sentido, essas
discussões não chegam a modificar a ação pedagógica. Esta oportunidade de
avaliar o processo de reformulação curricular pela referencialização, ao contrário,
fez convergir uma série de discussões sobre informações concretas dos corpos
docente e discente e de suas condições de trabalho.
Este processo de conscientização da realidade em que atua, força o corpo
docente a tomar posições – aceitar o desafio de fazer um bom trabalho, ou o
melhor possível, nestas condições. Para outros, o processo se mostrou uma
oportunidade de aprendizado: num primeiro momento causou alguma
perplexidade mas, em seguida, mostrou-se animador e estimulante, porque
revelou caminhos a serem percorridos coerentes com as necessidades de nossos
alunos, as condições de infra-estrutura da instituição e os objetivos do curso de
Administração.

Alguns professores, comprometidos com suas próprias crenças, posições,


programas e conteúdos, não participaram e não se envolveram. Acredita-se que
esta postura é muito mais uma defesa de interesses que um boicote às ações
para a melhoria do curso. Pelo lado do professor, alguns lutam pela manutenção
de suas disciplinas e programas, porque acreditam estarem fazendo o melhor;
outros, porque não querem assumir maior carga de trabalho, refazendo
programas, preparando novas aulas; outros ainda se esquecem do curso e das
características da formação profissional para defenderem apenas a importância de
suas disciplinas.
Esta avaliação revelou também um pouco dos sentimentos e expectativas
dos alunos, por possibilitar momentos de informalidade em que ocorreram
desabafos e confissões. Os alunos ingressantes mostram pouca percepção a
respeito do compromisso e esforço que lhes compete – esperam tudo da escola e
dos professores. Ao final do curso, muitos se dão conta do que não fizeram e
lamentam a oportunidade perdida. Com esse quadro, o compromisso de trabalhar
pelo aluno, da primeira à última série, precisa ser assumido por todos – a
instituição, os professores e o próprio aluno.
38

De qualquer forma, esta metodologia de avaliação demonstrou sua


aplicabilidade e utilidade ao final do processo, ao ser capaz de identificar o
referencial de qualidade do curso, de forma contextualizada e reconhecido como
pertencente ao grupo. Por isso, seus resultados já impulsionaram determinadas
ações. Os professores são os que mais resistem aos mecanismos de imposição
que, via de regra, uma avaliação externa impõe. Nesta situação particular, a
aplicação da metodologia criou oportunidades muito ricas de reflexão sobre a ação
pedagógica, retirando dos atores as propostas de intervenção e o compromisso
com as mudanças, que não ocorrem se os atores não acreditarem na importância
delas.

Fica um alerta, também, aos que futuramente pretendam se utilizar desta


metodologia: o ponto a que chegamos foi uma das representações possíveis da
realidade em estudo, no período 1995 a 1998. Se retomadas a partir daquele
período, aquelas representações já terão novas configurações e a
referencialização deverá continuar avançando para captar esse novo momento.

Outra faceta que se revela pela aplicação da referencialização é que um


conjunto de indicadores construído com pouco envolvimento dos atores, ao ser
submetido ao grupo, traduz muito pouco do processo educacional. Este fato fez
com que a avaliadora decidisse por eliminar os indicadores que se encontravam
nesta situação. Permaneceram somente os conjuntos de indicadores que os
atores reconheciam como sendo válidos – significativos e representativos – do
curso de Administração reformulado.

É importante relembrar que na referencialização se trabalha com


uma multiplicidade de referenciais que vão surgindo sucessivamente, através das
reflexões conjuntas a respeito do contexto estudado. Coube, então, à avaliadora,
tentar contemplar as dimensões mais representativas, relevando outras, para que
se pudesse chegar ao termo do quadro de avaliação.

Neste processo, o avaliador poderá continuar contribuindo, quando, junto


com os demais atores, se dispuser a estudar os encaminhamentos pertinentes a
partir dos resultados obtidos.

Da avaliadora também foi exigido o papel de mediadora, além da


articulação do grupo, nos momentos de tensão e resistência. Foi preciso ceder em
alguns momentos à vontade de alguns professores, sem perder a perspectiva de
outras oportunidades. Pode-se afirmar que este trabalho implicou também em
paciência e persistência no caminhar, para não perder a oportunidade maior:
avaliar para melhorar.
39

A aplicação da metodologia exigiu dedicação, esforço e persistência da


avaliadora, uma vez que se propôs a ultrapassar a superficialidade e aparências,
para buscar intenções, motivações e outros sentimentos que interferem no agir
humano. Deste fato, justificam-se o tempo e o esforço despendidos, condições
estas que, se não existissem, não levariam a metodologia a colaborar de fato para
potencializar o trabalho dos atores.

Ressalta-se também, neste trabalho, a participação de professores, alunos


e funcionários no âmbito do curso de Administração do interior paulista, no período
analisado, que estiveram sempre dispostos a colaborar.

Muito se avançou no processo pedagógico do curso de Administração de


1995 a 1998, não por mérito individual – seja da instituição, da direção do curso,
dos professores ou dos alunos dedicados. Ao contrário, foi a força do grupo,
neutralizando as fraquezas e potencializando as qualidades, a responsável por
tudo o que se conseguiu. Com isso, apesar de todo o esforço despendido,
chegamos a um momento de maturidade do grupo, no sentido de termos
trabalhado conjuntamente para avaliar o que vimos fazendo, sem pudor ou
melindres, mas conscientes de que para mudar é preciso conhecer; melhorar
significa mais esforço – do professor e do aluno; fazer e construir é mais do que
um trabalho isolado, é encontrar parceiros, é estimular pelo entusiasmo em
relação ao que se acredita, é não desistir, mas persistir sempre.

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