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César Henrique Queiroz Porto

Laurindo Mékie Pereira

Teoria da História
Econômica e Política

Montes Claros/MG - 2011


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Autores
César Henrique de Queiroz Porto
Doutorando em História pela USP. Professor do Departamento de História da Universidade
Estadual de Montes Claros – Unimontes/MG

Laurindo Mékie Pereira


Doutor em História pela USP. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de
Montes Claros – Unimontes/MG.
Sumário
Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

Unidade 1
A História política . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

1.2 História e poder: irmãos siameses . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

1.3 O século XIX: história e historiografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .13

1.4 A História Política: a hegemonia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

1.5 A História Política: a crise . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

Unidade 2
A história econômica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

2.2 Os primórdios (século XIX e antes de 1929) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

2.3 Os Annales: conceitos, temas e fontes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

2.4 A História Econômica: outros campos de estudo e renovação . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

Unidade 3
A Nova História Política . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .37

3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

3.2 O poder ampliado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

3.3 A cultura política . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

3.4 Desafios da história política . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

Atividades de Aprendizagem - AA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
História - Teoria da História Econômica e Política

Apresentação
A disciplina História Econômica e Políti- campo específico desde as origens na Grécia
ca é parte fundamental na formação teórica antiga. Também nessa unidade são identifi-
e metodológica do acadêmico do curso de cados os conceitos e as tendências da história
História. Mais do que o conteúdo, esse estudo política no século XIX e nas três primeiras dé-
privilegia o entendimento da construção do cadas do século XX, período áureo da chama-
conteúdo. Em outras palavras, aqui se preten- da história política tradicional. Por fim, essa
de estudar como se faz a história econômica unidade se concentra nos fatores diversos que
e política, e não necessariamente fatos e pro- resultaram na crise da história política entre
cessos econômicos e políticos, embora os dois 1929 e 1970, período de forte hegemonia da
aspectos estejam estreitamente relacionadas. história social e econômica.
O leitor-acadêmico é convidado a parti- Precisamente quando termina a Unidade
cipar da construção de seu aprendizado acer- I, começamos a tratar da história econômica,
ca de duas dimensões do campo da história: dimensão com forte prestígio entre os histo-
economia e política. Trata-se de um desafio riadores nas primeiras gerações do movimen-
estimulante: estudar as duas áreas em uma só to Annales (1929-1969/1970). Nessa unidade,
disciplina, perceber suas especificidades e re- partimos dos primórdios dos estudos econô-
lações e, acima de tudo, compreender como micos no século XIX até o ano-marco de 1929,
ambas integram e contribuem para uma abor- período no qual a história política predomi-
dagem maior que é a história propriamente nava e os estudos da economia eram menos
dita. prestigiados. Em seguida, tratamos da história
Os objetivos dessa disciplina são: econômica sob a influência da metodologia,
• avançar na compreensão da teoria e me- conceitos, temas e fontes dos Annales. É a era
todologia da história; de ouro da história econômica. Por fim, identi-
• focalizar as dimensões da economia e da ficamos e problematizamos a renovação e am-
política como objeto de análise do histo- pliação dos campos da história econômica, sa-
riador; lientando a sua inestimável contribuição para
• compreender a trajetória da história polí- o conhecimento histórico em geral.
tica e da história econômica; Na terceira Unidade, estudamos a nova
• conhecer os principais conceitos de cada história política que emergiu a partir dos anos
dimensão investigada; 1970, conjuntura em que história econômica
• problematizar os estudos em história a experimentava seu refluxo. A renovação da
partir do melhor entendimento dos pro- história política é discutida tendo em pers-
cessos político e econômicos; pectiva as transformações gerais pelas quais
• identificar as principais contribuições, li- passou a historiografia nas últimas décadas do
mites e possibilidades abertas pela histó- século XX. A ampliação do poder e a emergên-
ria economia e política; cia da categoria cultura política são temas cen-
• propiciar ao acadêmico um melhor pre- trais nessa nova história política que interage
paro para a sua prática como historiador- fortemente com a cultura, que se nutre dessa
-pesquisador-professor. interação e se arrisca também nesse diálogo,
O texto é dividido em três unidades, sen- como é destacado ao final.
do a primeira e última concernentes à histó- Em tempo, lembramos aos acadêmicos
ria política, e a segunda à história econômica. que esse texto é apenas um entre muitos ins-
A sequência não é arbitrária. Trata-se de uma trumentos que ele deverá utilizar para cons-
escolha que reflete a história das duas dimen- truir/reconstruir constantemente o seu apren-
sões, representando sinteticamente o desen- dizado sobre a história econômica e política.
volvimento cronológico e as fases de prestígio, Em sintonia com esse aspecto, colocamos ao
crise e renovação das duas áreas. longo do texto questões para reflexão e análi-
Na Unidade I, são trabalhados os primór- se, bem como recomendamos a indispensável
dios da história política, salientando as rela- consulta aos textos citados na bibliografia uti-
ções estreitas entre a história em geral e esse lizada.

9
História - Teoria da História Econômica e Política

Unidade 1
A história política

1.1 Introdução
Quando falamos em história, é sempre sas estão de tal forma associadas que fica
necessário pontuar em que sentido estamos praticamente impossível tratar de uma sem
utilizando o termo. Em primeiro lugar, exis- considerar a outra. Essa relação é pensada em
te a história “acontecida”, a vivência prática duas perspectivas: a) a questão do poder en-
das pessoas, o desenrolar da vida ao longo quanto um tema de estudo dos historiadores
do tempo e no espaço. Quando o homem re- e b) a atuação dos historiadores como agentes
solveu refletir sobre esta vivência e tentou do poder. Embora haja um espaço maior para
explicá-la, surgiu a história "disciplina". Como o primeiro caso, as duas problemáticas estarão
foi estudado na disciplina "Introdução ao Ensi- em discussão ao longo de toda a unidade.
no de História", a história enquanto disciplina No item 1.3, cujo titulo é “O século XIX:
começou na Grécia Antiga, sendo Heródoto história e historiografia” discutimos como a
considerado didaticamente como o fundador história se consolidou enquanto disciplina au-
da história. tônoma e reconhecida no século XIX, apon-
Entre os historiadores, usa-se com frequ- tando as conjunturas científicas/intelectuais e
ência também os termos historiografia, teoria políticas em que se deu este processo e salien-
da história e filosofias da história. A historio- tando como essas conjunturas condicionaram
grafia é a história da história-disciplina. A teo- os trabalhos desenvolvidos pelos historiadores
ria da história é uma reflexão sobre conceitos naquele período.
e metodologias utilizados pelos historiadores. Na sequência, discutimos “A História Po-
As filosofias da história são narrativas totais lítica: hegemonia” (item 1.4). Nessa parte pro-
que identificam um sentido na e da história, curamos identificar as características gerais da
tendo surgido nos séculos XVIII e XIX no am- história política que ficaria conhecida como a
biente intelectual iluminista-racionalista. “velha história política” ou a “história política
Nesta disciplina Teoria da História Econô- tradicional”. Procuramos, nessa parte, mostrar
mica e Política estudamos um pouco da teoria também as razões pelas quais esse domínio da
da história e da historiografia. Pode-se dizer história foi o hegemônico no período, desta-
que existe um “campo da história”, termo ge- cando como havia fatores teórico-metodoló-
nérico para abarcar tudo o que fazem os histo- gicos e sócio-históricos que ajudam a compre-
riadores, aí incluídas a história disciplina, a teo- ender essa conformação da história.
ria e metodologia da história, a historiografia, Por fim, tratamos da crise da história polí-
a filosofia da história e todas as especialidades, tica (item 1.,5). Nesse momento, investigamos
abordagens e dimensões do trabalho desses os fatores históricos, institucionais e teóricos
profissionais que, conforme definição de Marc que contribuíram, conjuntamente, para que
Bloch, estudam as ações do homem no tempo os estudos do político fossem deixados em
(BLOCH, 2001, p. 24) segundo plano por algumas décadas. Entre os
Na disciplina "História Econômica e Políti- primeiros fatores, destacamos a I Guerra Mun-
ca" estudaremos um pouco da teoria da histó- dial de 1914-1918, a entrada efetiva das mas-
ria em duas dimensões – Econômica e Política. sas no processo político, a Revolução Russa e
Veremos, assim, um pouco de teoria da histó- a crise de 1929. Entre os fatores institucionais,
ria e um pouco de historiografia. foi dado destaque para a emergência do mo-
Esta unidade é dividida em 5 partes, in- vimento dos Annalles sob a direção de Lucien
cluindo essa introdução. No item 1.2 intitulado Febvre e Marc Bloch em 1929. Por fim, entre
“História e poder: irmãos siameses”, discutimos os fatores teóricos, estudamos a influência de
as estreitas relações entre os historiadores e o uma certa leitura do marxismo que definia o
poder, especialmente o poder político. Como Estado como um mero instrumento de classe.
indica o próprio título escolhido, as duas coi-

11
UAB/Unimontes - 6º Período

1.2 História e poder: irmãos


siameses
Desde o seu surgimento, a história apresenta fortes vínculos com o poder político. A dimen-
são da política desde sempre foi um objeto do seu interesse. História e poder estão de tal forma
articulados que se pode chamá-los de irmãos siameses, conforme a metáfora utilizada por Fran-
cisco Falcon (FALCON, 1997, p. 61). Segundo este autor, as complexas relações entre a história e o
poder podem ser estudadas sob dois aspectos: 1) o poder enquanto objeto dos historiadores e 2)
os historiadores enquanto agentes do poder e/ou produtores de conhecimentos condicionados
pelos mecanismos de poder.
O primeiro aspecto é o mais estudado e será o nosso objeto principal. Todavia, o segundo
não será ignorado, aparecendo também ao longo deste texto, ainda que secundariamente. A sua
importância não pode ser negligenciada sob o risco de o historiador estar perpetuando uma ve-
lha tradição que, segundo Josep Fontana, tem marcado a atividade deste profissional:

“Desde os começos, nas manifestações mais primárias e elementares, a História


tem tido sempre uma função social – geralmente a de legitimar a ordem esta-
belecida –, ainda que tenha tendido a mascará-la, apresentando-se com a apa-
rência de uma narração objetiva dos acontecimentos concretos.” (FONTANA,
1998, p. 15).


Figura 1: Quando Heródoto e Tucidides decidiram escrever a história, o objeto escolhido foi de natu-
Ruínas do Parthenon, reza política. O primeiro narrou as chamadas Guerras Médicas ocorridas entre os anos 490 e 479
o mais importante do século V a.C. O segundo objetivava compreender e registrar a Guerra do Peloponeso, conflito
monumento da em que se envolveram Esparta e Atenas nos séculos V e IV a.C.
civilização clássica
grega, dedicado à Políbio, outro historiador de destaque na antiguidade, escreveu no século II a. C. exaltando
deusa Atena. Foi os feitos do Império Romano. Como afirma Vavy Pacheco Borges,
construído sob o
governo de Péricles
entre 447 e 438 a.C.

12 Fonte: http://www.
guiageo-grecia.com/acro-
polis.htm
História - Teoria da História Econômica e Política

Políbio escreve que Roma é “a obra mais bela e útil do destino”, e que todos
os homens devem a ela se submeter. A história é vista como mestra da vida,
levando os homens a compreenderem o seu destino. Roma é o centro do mun-
do, e a imposição de seu destino é o destino histórico mundial (BORGES, 1993,
p. 21).

As breves referências a três historiadores No século XVIII, a influência iluminista foi


da antiguidade já revelam como eles se vincu- marcante entre os historiadores. A razão pro-
lam ao poder, ora como estudiosos dele, ora põe-se, então, a tomar o lugar antes ocupado
como estudiosos e agentes, cooperadores e pela fé e o filósofo quer substituir o teólogo
legitimadores da ordem estabelecida. (BORGES, 1993, p. 21). É nessa época que sur-
Na Idade Média, a história foi produzi- gem as filosofias da história, as grandes narra-
da principalmente pelas pessoas vinculadas à tivas que pretendiam explicar todo o processo
Igreja Católica, instituição que reunia grande histórico procurando identificar neles uma
poder eclesiástico, social e político no período. grande diretriz, uma lógica que presidiria to-
Foi o tempo da história teológica. Neste mo- das as ações humanas (REIS, 2006). Mas foi no
delo, perdeu-se muito do rigor crítico. No altar século XIX que a historia tornou-se uma disci-
e no gabinete do historiador, falava-se pratica- plina autônoma e institucionalizada.
mente a mesma língua.

1.3 O século XIX: história e


historiografia
O nacionalismo foi uma das tônicas da história no século XIX. Os estados nacionais, inglês e
francês se estabilizaram, o norte-americano unificou-se em definitivo, o mesmo ocorrendo com
a Itália e a Alemanha. Nessas circunstâncias, surgiram também as histórias nacionais. Como ensi-
na Eric Hobsbawm, os historiadores são muito importantes para se “inventar as nações”. Nesses
casos, seu papel consiste basicamente em estudar o passado e conferir-lhe os sentidos reclama-
dos pelo presente (HOBSBAWM, 1998).
Este século foi também o tempo da expansão imperialista europeia (e secundariamente
norte-americana) sobre os continentes africano e asiático. Neste processo, além dos objetivos
econômicos, mobilizaram-se argumentos religiosos e científicos com vistas à legitimação das
ações europeias sobre o território de outros povos.
O século XIX foi também o tempo da ciência, da fé na razão. As ciências naturais e exatas se
desenvolveram bastante no período. Nesse contexto, qualquer conhecimento só teria credibili-
dade se fosse científico. Um exemplo disso foi Marx e Engels que se autodenominaram socialistas
científicos. Ao fazerem isso, eles a um só tempo procuravam se legitimar no mundo intelectual e polí-
tico, bem como depreciavam os outros projetos socialistas que eles denominavam utópicos.
Nesse ambiente, os historiadores também teriam que fazer um trabalho científico, sob pena
de não serem ouvidos. É aí que nasce a chamada História Metódica. Conforme definição de Guy
Bourdé e Hervé Martin, a

[...] escola metódica quer impor uma investigação científica afastando qualquer
especulação filosófica; pensa atingir os seus fins aplicando técnicas rigorosas
respeitantes ao inventário das fontes, à crítica dos documentos, à organização
das tarefas na profissão (BOURDÉ; MARTIN, 1983, p. 97).

De maneira geral, a história produzida no século XIX, incluindo a escola metódica acabou
ficando conhecida como a história positivista. Esta se caracteriza pelo rigor quanto ao uso das
fontes, pela concentração sobre o fato irrepetível e singular, pelo privilégio da descrição sobre
a interpretação, pela separação objeto-sujeito, pelo uso e valorização das fontes escritas oficiais
julgadas como mais confiáveis, pela ênfase no grande personagem e nos estudos concernentes
ao Estado, às batalhas, às ações dos grandes líderes políticos e militares.

13
UAB/Unimontes - 6º Período

Figura 2, 3 e 4: ►
pensadores do século
XIX: Charles Darwin
(1809-1882), Augusto
Comte (1798-1857) e
Karl Marx (1818-1883)
Fonte: http://pt.wikipedia.
org/wiki/Charles_Darwin

Neste caderno didático, estamos falando muito rapidamente da historiografia em geral por-
que ela não é nosso objeto especifico de análise, mas se constitui como um “pano de fundo” da
discussão que fazemos aqui acerca da história política e econômica. Assim, considerando esse
quadro geral da historiografia que acabamos de descrever, podemos tratar mais diretamente das
dimensões da história. Nessa unidade I, privilegiamos a dimensão política.

1.4 A História Política: a


hegemonia
A história política viveu o apogeu no sé- O privilégio do fato, da história que ocor-
DICAS culo XIX e nas primeiras décadas do século XX. re no tempo curto, também se relaciona com
Um exemplo de traba- Como já destacamos, a história e o poder es- a ênfase no político. A cerimônia de posse de
lho de tipo positivista, tão estreitamente relacionados. Cada dimen- um presidente, a coroação de um rei, o desem-
em que o autor trans- são da história possui um tema ou aspecto da barque de um exército em um determinado
creve grandes trechos
das fontes, onde se en- vida social que merece sua maior atenção. No território, o transpor de uma fronteira inimi-
contra mais descrição caso da história política é o poder o seu tema- ga, a morte de uma autoridade, são fatos da-
do que interpretação -chave. Em virtude disso, a definição do que é, tados, documentados e únicos. São, portanto,
é o livro PIRES, Simeão as formas, as linguagens pelas quais se expres- aos olhos do historiador do século XIX, objetos
Ribeiro. Raízes de sa, onde se localiza, como se conquista, como se passíveis de comprovação e descrição. Por ou-
Minas. Montes Claros,
1979. perde, como se distribui o poder são questões tro lado, ciclos econômicos, costumes, práticas
que interessam aos pesquisadores dessa área. culturais, mentalidades, seriam temas de difícil
As circunstâncias em que se desenvolveu recorte, de difícil datação e verificação, seriam
a história disciplina no século XIX, favoreceram impróprios para aquela historiografia. Dificil-
o predomínio da dimensão do político. As exi- mente alguém poderia fazer um trabalho cien-
gências cientificistas levaram à exigência da tífico sobre estes temas naquele momento.
prova documental, da descrição do fato. Nesse Além dessas razões técnicas ou científi-
caso, as fontes que melhor se prestam a estes cas, havia outros fortes motivos para que a his-
requisitos são precisamente as escritas. Entre tória política fosse privilegiada. Em tempos de
estas, as oficiais eram as que pareciam mais fervor nacionalista e de expansão imperialista,
verdadeiras porque as públicas, formais, as- os historiadores não ficaram imunes a essa
sinadas por uma autoridade eram tidas como influência. Na França, por exemplo, os historia-
impessoais e acima dos conflitos sociais. Fon- dores metódicos atuaram na legitimação da Ter-
tes iconográficas, por exemplo, exigiriam mui- ceira República, defendendo a tríade república,
ta interpretação e menos descrição, e era pre- nacionalismo e colonialismo (BOURDÉ; MARTIN,
cisamente esse um dos pontos condenados 1983). Mas não se tratava de algo adstrito à Fran-
pelo pensamento então dominante entre os ça, podendo ser encontrados em outros paÍses.
historiadores. Na perspectiva destes, pode-se Identificamos, assim, elementos metodo-
dizer que o ideal seria “deixar a fonte falar”. lógicos – a adesão aos princípios cientificistas pre-
14
História - Teoria da História Econômica e Política

dominantes e a tentativa de “imitar” as ciências produção da história. A estes elementos e influ-


exatas e naturais – as influências políticas - nacio- ências pode-se somar também a teoria e o fun-
nalismo e imperialismo – que se reforçavam na cionamento do Estado então existentes.

No século XIX, predominava uma leitura idealista do Estado. Em grande medida, isso se de- ▲
via à influencia do pensamento de Hegel para quem o Estado era uma instituição neutra, situada Figura 5: (18/06/1815):
A derrota de Napoleão.
acima ou fora dos conflitos e interesses dos grupos sociais e das pessoas individuais. Nessa visão, a
Fonte: www.google.com.
instituição estatal é tida como um agente que promove e visa ao bem comum. Tratava-se de uma vi- br/imgres?imgurl=http://
são funcional ao desenvolvimento, consolidação e expansão da ordem capitalista (COUTINHO, 1989) . www.portalsaofrancisco.
Outro autor importante na discussão sobre o Estado é Max Weber (1864-1920). O pensa- com.br
mento de Weber é bastante rico e exige um pouco mais de atenção. Segundo ele:

[...] o Estado é aquela comunidade humana que, dentro de determinado terri-


tório – este, o ‘território’, faz parte da qualidade característica – reclama para
si (com êxito) o monopólio da coação física legítima, pois o específico da atu-
alidade é que a todas as demais associações ou pessoas individuais somente
se atribuiu o direito de exercer coação física na medida em que o Estado o per-
mita. Este é considerado a única fonte do ‘direito’ de exercer coação (WEBER,
1999, vol. 2, p. 525-526).

Ampliando o raciocínio, o autor acrescenta:

O Estado, do mesmo modo que as associações políticas historicamente prece-


dentes, é uma relação de dominação de homens sobre homens, apoiada por
meio da coação legítima (quer dizer, considerada legítima). Para que ele sub-
sista, as pessoas dominadas têm que se submeter à autoridade invocada pelas

15
que dominam no momento dado (WEBER, 1999, vol. 2, p. 526).
UAB/Unimontes - 6º Período

Quando e por que as pessoas consideram uma dada dominação legítima? Para responder
essa questão, o autor constrói a sua teoria dos três tipos de liderança, sendo que cada lideran-
ça corresponde a um tipo de dominação. A primeira é a dominação tradicional que se funda na
Autoridade do “eterno ontem, do costume sagrado por validade imemorável e pela disposição
habitual de respeita-lo.” A segunda é “a autoridade do dom da graça pessoal, extracotidiano (ca-
risma): a entrega pessoal e a confiança pessoal em revelações, heroísmo ou outras qualidades
de líder[...]”. É a dominação “carismática”. A terceira é a “a dominação em virtude de ‘legalidade,
da crença na validade de estatutos legais e da ‘competência’ objetiva, fundamentada em regras
racionalmente criadas, isto é, em virtude da disposição de obediência ao cumprimento de deveres
fixados nos estatutos [...] (WEBER, 1999, vol. 2, p. 526).
A análise que Weber faz da administração do Estado moderno também é instrutiva para a
compreensão do seu conceito. Na sua visão, os “funcionários” são indispensáveis ao funciona-
mento do Estado e ao exercício da dominação, da mesma forma que os trabalhadores em uma
empresa privada. O Estado moderno e a empresa capitalista são semelhantes. Em ambos os ca-
sos, os trabalhadores não são donos dos meios de produção. Estão separados deles. O desenvol-
vimento do Estado moderno dá-se justamente pela desapropriação dos portadores particulares
de poder administrativo e bélicos. No estágio final desse desenvolvimento, a separação entre
quadro administrativo e meios materiais de organização se torna plena. É o Estado moderno de-
finido por Weber (WEBER, 1999, vol. 2, p. 529)
Considerando, portanto, o conjunto dos argumentos, o conceito completo pode ser assim sintetizado:

[...] o Estado moderno é uma associação de dominação institucional, que den-


tro de um determinado território pretendeu com êxito monopolizar a coação
física legitima como meio de dominação e reuniu para este fim, nas mãos de
seus dirigentes, os meios materiais de organização, depois de desapropriar to-
dos os funcionários estamentais autônomos que antes dispunham, por direito
próprio, destes meios de colocar-se, ele próprio, representado por seus diri-
gentes supremos (WEBER, 1999, vol. 2, p. 529).

O pensamento de Weber também era Para além da teoria, o funcionamento real


inteiramente compatível com a dinâmica ca- do Estado também contribuiu para que a his-
pitalista. O desafio lançado a este sistema par- toriografia tomasse a forma que conhecemos.
tiu de Karl Marx e sua crítica marxista à noção Os regimes fechados com forte concentração
hegeliana de Estado. As formulações de Marx de poder no executivo eram predominantes.
são datadas do século XIX. No entanto, nos As democracias liberais praticamente se res-
marcos da historiografia positivista, o materia- tringiam aos Estados Unidos, à França e à In-
lismo histórico não era visto com bons olhos. glaterra.
Na próxima parte, retomaremos essa proble- Apesar dessas diferentes formas de go-
mática do Estado pela chave do marxismo, verno, o Estado era predominantemente um
Figura 6: Palácio de
Inverno: sede do o crescimento da influência marxista neste aparelho coercitivo. A sua face predominante
governo czarista na debate no século XX e como esse fenômeno era a da força. Para os povos dos continentes
Rússia. acarretou fortes consequências para a história africano e asiático, palco das disputas e explo-
Fonte: http://www. política. Por ora, é importante destacar que, ração imperialista, as diferenças entre as ações
boliche.com.br/images/ quando Marx referia-se ao Estado, ele o fazia de um estado liberal – caso da Inglaterra, por
petersburgo_palacio_in-
verno.jpg destacando o seu caráter coercitivo, não avan- exemplo – de um Estado não liberal, caso da
▼ çando para uma análise dos aspectos não re- Alemanha, por exemplo, seriam imperceptí-
pressivos da estrutura do poder estatal. veis.
Dessa forma, em um esforço de síntese,
podemos dizer que: 1) o poder é a categoria
central para a história política, 2) no século
XIX e início do século XX, o poder estava bas-
tante concentrado no aparelho de Estado, 3)
este efetivamente ocupava grandes espaços e
desempenhava grandes papéis que afetavam
a vida das pessoas em geral, fato mais parti-
cularmente visível em conflitos armados e na
repressão aos movimentos sociais, 4) coerente
com o funcionamento real do Estado, as teo-
rias acerca dele destacavam o seu aspecto co-
ercitivo – visão de Marx, por exemplo -, e a sua
natureza de agente do bem comum – na

16
História - Teoria da História Econômica e Política

explicação de Hegel; 5) consequentemente, quando os historiadores do político focalizam o Es-


tado e as ações dos seus líderes, eles estavam sendo coerentes com o seu tempo, seus valores e
teorias. Todavia, a coerência não é necessariamente uma virtude e nem sempre é lúcida.
Com a emergência do movimento Analles, a história política positivista, ou tradicional, pas-
sou a ser objeto de severas críticas. Uma síntese conhecida dessas críticas foi escrita pelo histo-
riador Jacques Julliard. O trecho é significativo e nos servirá como um resumo dessa parte do
nosso caderno.

A história política é psicológica e ignora os condicionantes; é elitista, talvez bio-


gráfica, e ignora a sociedade global e as massas que a compõem; é qualitativa
e ignora as séries; o seu objetivo é o particular e, portanto, ignora a compara-
ção; é narrativa, e ignora a análise; é idealista e ignora o material; é ideológica
e não tem consciência de sê-lo; é parcial e não o sabe; prende-se ao consciente
e ignora o inconsciente; visa os fatos precisos, e ignora o longo prazo; em uma
palavra, uma vez que essa palavra tudo resume na linguagem dos historiado-
res, é uma história factual. Em resumo, a história política confunde-se com a vi-
são ingênua das coisas, que atribui a causa dos fenômenos a seu agente mais
aparente, o mais altamente colocado, e que mede a sua importância pela re-
percussão imediata na consciência do espectador. Uma tal concepção, como
é evidente, é pré-crítica; ela não merece o nome de ciência, mesmo enfeitada
com o epíteto e “humana”, e sobretudo não merece o nome de ciência social
(JULLIARD, 1976, p. 180-181).

As palavras de Julliard acertam o âmago da história política tradicional. A listagem dos seus
vícios deixa evidente que ela deveria ser abandonada. Esses vícios também a desautorizam en-
quanto ciência, segundo o autor. Para além dessas opções metodológicas bastante questioná-
veis, essa historiografia que se pretendia científica e que proclamava a separação entre sujeito e ob-
jeto era fortemente condicionada pelos caprichos políticos dos estados nacionalistas e imperialistas.
Hegemônica, a história política não foi exclusiva neste período (século XIX e primeiras déca-
das dos séculos XX). Como registra Peter Burke, desde o século XIX, autores importantes produzi-
ram trabalhos fora dos cânones da história política factual. Vamos “ouvir” o autor:

Mesmo no século XIX, alguns historiadores foram vozes discordantes. Michelet


e Burckhardt, que escreveram suas histórias sobre o Renascimento mais ou me-
nos na mesma época, 1865 e 1860, respectivamente, tinham visão mais ampla
da história do que os seguidores de Ranke Burckhardt interpretava a história
como um campo em que interagiam três forças – o Estado, a Religião e a Cultu-
ra -, enquanto Michelet defendia o que hoje poderíamos descrever como uma
“história da perspectiva das classes subalternas”, em suas próprias palavras “a
história daqueles que sofreram, trabalharam, definharem a e morreram sem ter
a possibilidade de descrever seus sofrimentos (BURKE, Peter. Escola dos An-
nales (1929-1989): A revolução francesa da historiografia. São Paulo: Unesp,
1997, p. 18-19).

Além destes autores, Peter Burke acrescenta outros nomes importantes e que trabalhavam
fora da órbita da história tradicional:
Glossário
Não podemos esquecer que a obra-prima do velho historiador francês Fustel Lopold Von Ranke:
de Coulanges, A Cidade Antiga (1864), dedicava-se antes à história da religião, historiador alemão
da família e da moralidade, do que aos eventos e à política. Marx também ofe- que viveu entre 2795 e
recia um paradigma histórico alternativo ao de Ranke (BURKE, 1997, p. 19). 1886. Foi um dos mais
influentes historiado-
O autor registra ainda as contribuições de outros grandes nomes para a crítica ao modelo res do século XIX. Seu
positivista, como François Simiand e Henri Berr. objetivo era “narrar os
Além dos historiadores, estudiosos de outras áreas, especialmente da economia, também fatos como realmente
aconteceram”, máxima
teciam críticas à velha história política. Assim, salienta Peter Burke, “é inexato pensar que os his- que se tornou a síntese
toriadores profissionais desse período estivessem exclusivamente envolvidos com a narrativa da chamada história
dos acontecimentos políticos.” Apesar disso, admite o autor, “os historiadores eram vistos dessa positivista.
maneira pelos cientistas sociais” (BURKE, 1997, p. 21).

17
UAB/Unimontes - 6º Período

1.5 A História Política: a crise


O ano de 1929 é considerado a data-símbolo do fim da hegemonia da história “positivista”,
ou metódica e do início de uma nova fase da historiografia, especialmente a francesa. Entre 1929
e a década de 1970, a história política perdeu prestígio à medida que avançava a renovação pro-
posta e praticada pelo “movimento Annales” deflagrado por Marc Bloch e Lucien Febvre.
A perda de prestígio da história política é explicada por um conjunto de fatores que inclui
a influência dos Annales, mas vai alem de sua influência. Segundo o historiador francês René Re-
mond, existem fatores de ordem histórica, institucional e teórico-metodológica que ajudam a
explicar as transformações pelas quais passou a historiografia, mais precisamente a crise da his-
tória política tradicional. (REMOND, 2003, p. 19)
Comecemos pelos fatores históricos. Como ensina Remond,

o historiador é sempre homem de um tempo, aquele em que o acaso o fez


nascer e do qual ele abraça, às vezes sem o saber, as curiosidades, as inclina-
ções, os pressupostos, em suma, a “ideologia dominante”, e mesmo quando
se opõe, ele ainda se determinada por referência aos postulados de sua época
(REMOND, 2003, p. 13)

Entre os processos históricos mais importantes nas primeiras décadas do século XX, desta-
cam-se o advento da democracia política e social, o crescimento do movimento operário, a revo-
lução russa, a Primeira Guerra (1914-1919) e a crise de 1929.
A democracia política na realidade data do século XIX quando ocorreu o que Eric Hobsba-
wm denomina de a “eleitoralização” da política. Em termos bem simples: quando as eleições pas-
saram a ser regulares em diversos países, os discursos, gestões e ações das lideranças passam a
ser pensados e executados tendo em perspectiva as eleições (HOBSBAWM, 1990).


Figura 7: Lênin fala aos trabalhadores na Rússia
Fonte: http://www.sociologiacienciaevida.uol.com.br/

18
História - Teoria da História Econômica e Política

O crescimento do movimento operário e Marshal, as três famílias ou gerações de direi-


a conquista dos direitos sociais são processos tos que integram a cidadania. Segundo as re-
bastante articulados e juntamente com a “elei- flexões do autor para a história da Inglaterra, o
toralização” contribuem para que as “massas” século XVIII foi o tempo da conquista dos direi-
apareçam como agentes políticos centrais. tos civis, o século XIX da construção dos direitos
Foi também nas décadas iniciais do sécu- políticos e o finalmente no XX a conquista dos
lo XX que se completaram, segundo Thomas direitos sociais (MARSHAL, 1988, p. 11-20).

◄ Figura 8 e 9: Soldados
nas trincheiras da
Primeira Guerra
Mundial (1914-1918)
Fonte:www.mundo-
vestibular.com.br/
materias/1guerra/trinchei-
ra.jpg

19
UAB/Unimontes - 6º Período

A Primeira Guerra (1914-1919) trouxe sérias implicações para todo o planeta, mas especial-
mente para a Europa. O conflito, afirma Hobsbawm, encerrou o sonho burguês e suas certezas
quanto à expansão permanente da riqueza e a manutenção da paz pelo império da razão. Diz o
autor:

[...] a Primeira Guerra Mundial [...] assinalou o colapso da civilização (ocidental)


do século XIX. Tratava-se de uma civilização capitalista na economia; liberal na
estrutura legal e constitucional; burguesa na imagem de sua classe hegemô-
nica característica; exultante com o avanço da ciência, do conhecimento e da
educação e também com o progresso material e moral; e profundamente con-
vencida da centralidade da Europa, berço das revoluções da ciência, das artes,
da política e da indústria e cuja economia prevalecera na maior parte do mun-
do, que seus soldados haviam conquistado e subjugado; uma Europa cujas po-
pulações [...] haviam crescido até somar um terço da raça humana; e cujos maio-
res Estados constituíam o sistema da política mundial (HOBSBAWM, 1995, p. 16).

Estreitamente relacionada à Primeira “É um engano supor que as pessoas ja-


Guerra, a Revolução Russa também é repre- mais aprendem com a história” (HOBSBAWM,
sentativa dos novos tempos, seja pelos seus 1998, p. 266), nos ensina Hobsbawm. Seria um
impactos concretos, seja pela dimensão sim- engano ainda maior (e neste caso imperdoá-
bólica – a primeira revolução socialista da his- vel) que os historiadores também não apren-
tória. Para Hobsbawm, ela foi um dos acon- dessem com a história. Felizmente, eles apren-
tecimentos mais importantes do século XX. deram. O mundo era outro e por isso carecia
O autor a intitula a “revolução mundial” e en- de outras explicações.
xerga seus desdobramentos condicionando Neste novo cenário, as questões econô-
fortemente o desenrolar do “breve século XX”. micas e sociais se impunham como objeto da
(HOBSBAWM, 1998). atenção de qualquer pesquisador da vida so-
Para completar o cenário histórico que cial. Foi nessas circunstâncias que a Revista de
precede a emergência da nova história, é ne- história econômica e social fundada por Marc
cessário citar a crise econômica de 1929. Em Bloch e Lucien Febvre evoluiu como um “pei-
DICAS termos sumários, pode-se dizer que ela reve- xe dentro d’água”, como diz François Dosse.
1
Como quer Peter lou as insuficiências do liberalismo econômico (DOSSE, 2003, p. 35)
Burke, os Annales (POLANYI, 1980), exigiu o repensar do papel O lançamento da revista em 1929 serviu
são melhor descritos do Estado na economia e transformou a eco- para datar o início do movimento dos Annales1
como movimento do
que com o escola haja nomia e suas leis em um assunto de interesse e sua proposta de uma história total, de uma
vista a as divergências das pessoas em seu cotidiano. história-problema, com um diálogo interdis-
individuais e as suas A história política também entrou em crise ciplinar, utilizando um amplo e diversificado
transformações ao por razões que vamos denominar institucionais, conjunto de fontes e ampliando quase que ao
longo do tempo. Cf. mais claramente, pelo surgimento de um novo infinito os seus objetos conforme propunham
(BURKE, 1997, p. 12)
movimento protagonizado pelos historiadores. os historiadores franceses.


Figura 10: Gráfico da
crise da bolsa de valores
de Nova Iorque em 1929
Fonte: http://www.
webartigos.com/
articles/10376/1/A-Nova-
-Ordem-Economica-Mun-
dial/pagina1.html

20
História - Teoria da História Econômica e Política

◄ Figura 11: Capa de


exemplar da Revista
Annales de mar./abr. de
2008
Fonte: http://cafehistoria.
ning.com/group/Annales

A perspectiva aberta pelos Annales com a construção de uma história-problema diferen-


ciava-se fortemente da narrativa descritiva da velha história política; a ênfase nas séries, na con-
juntura e na estrutura tornava o fato desprezível; a longa duração tornava o tempo do episódio
insignificante, uma duração “caprichosa” e “enganadora”, conforme palavras de Fernand Braudel
(BRAUDEL, 1982, p. 11). Por fim, a prioridade do social e do econômico deslocava o político (RE-
MOND, 1988; BURKE, 1997).
Peter Burke sintetiza as principais diretrizes do movimento dos Annales:

Em primeiro lugar, a substituição da tradicional narrativa dos acontecimentos


por uma história-problema. Em segundo lugar, a história de todas as atividades
humanas e não apenas a história política. Em terceiro lugar, visando completar
os dois primeiros objetivos, a colaboração com outras disciplinas, tais como a
geografia, a sociologia, a psicologia, a economia, a linguística, a antropologia
social, e tantas outras. Como dizia Febvre, com o seu característico uso do im-
perativo: Historiadores, sejam geógrafos. Sejam juristas, também, e sociólogos,
e psicólogos (Febvre, 1953, p. 32). Ele estava sempre pronto “para pôr abaixo os
compartimentos” e lugar contra a especialização estreita. De maneira similar,
Braudel escreveu O Mediterrâneo como o fez para “provar que a história pode
fazer mais do que estudar jardins murados (BURKE, 1997, p. 11-12).

A história política foi também prejudicada pelo marxismo oficial e vulgar.


Foi a versão stalinista, ou o marxismo vulgar, como quer Hobsbawm (1998, p. 158-160), que
mais prejudicou as pesquisas sobre os temas políticos, haja vista o fato de que a política era en-
tendida como subproduto das relações econômicas, já sendo perfeitamente explicadas, nessa visão,
quando se faz as pesquisas concernentes aos temas sociais e econômico. (JULLIARD, 1976, p. 182).

21
UAB/Unimontes - 6º Período

No âmbito teórico-metodológico, a mais significativa mudança ocorreu com a nova com-


preensão do papel do Estado. O marxismo vulgar compartilhava e difundia uma leitura reducio-
nista do Estado. Nessa vertente, o Estado era definido como mero instrumento de classe, sem
vida e importância próprias.
Consequentemente, uma vez que o poder confundia-se com o próprio Estado na história
política tradicional, e este é agora visto simples produto do social-econômico, seria aconselhável
desconsiderar a ambos como objetos relevantes para pesquisa.
Dessa forma, gastar tempo, energia e recursos investigando o Estado era algo impensável,
como explica Remond:

Ater-se ao estudo do Estado como se ele encontrasse em si mesmo o seu prin-


cípio e a sua razão de ser é portanto deter-ser na aparência das coisas. Em vez
de contemplar o reflexo, remontemos à fonte luminosa: ou seja, vamos de uma
vez à raiz das decisões, às estratégias dos grupos de pressão. Eis porque his-
toriadores e sociólogos se desviaram da observação do Estado: Alain Touraine
chegou a dizer com razão que há 30 anos se lançou uma interdição na historio-
grafia e nas ciências sociais ao estudo do Estado. (REMOND, 1988, p. 20-21)

O desinteresse desse marxismo pelo estu- Quando defende a legitimidade da histó-


do do político é convergente com as linhas ge- ria política, Remond critica estas concepções re-
rais dos Annales das duas primeiras gerações. ducionistas do Estado e da instância do político.
É possível que as diferenças entre as duas es- Seu principal argumento nos embates e resistên-
colas sejam quanto à presença de uma teoria cia ao abandono da pesquisa do político no inte-
da mudança social e de um maior interesse rior da historiografia é precisamente a defesa da
pela discussão teórica no interior do marxismo autonomia do político, da sua existência própria.
(CARDOSO, 1997, p. 9). Não por acaso que este é um dos fundamentos
Dessa maneira, Annales e marxismo vulgar da nova história política. E esta é liderada, entre
convergem para o desprestígio da história política. outros, exatamente por René Remond.

Figura 12: Campo de ►


Concentração Nazista
Fonte: http://saudealterna-
tiva.org/category/blog/

As consequências do quase abandono de, ele participou da resistência aos nazistas e


DICAS (nunca completo, é verdade) da história polí- pagou um alto preço por isso.
2
DOSSE, François. A tica foram graves. Em primeiro lugar, ocorre o No entanto, como destaca François Dos-
história em migalhas. empobrecimento do conhecimento histórico. se2, os Annales, de maneira geral, não confe-
Dos Annales à Nova Além disso, esse procedimento resultou em riram a devida atenção a questões centrais do
História. Bauru: EDUSC, omissão política. Marc Bloch, especificamente, seu tempo, a exemplo das ditaduras fascista e
2003, p. 95-96
não se enquadra entre os omissos. Na realida- nazista. O próprio Bloch confessa:

22
História - Teoria da História Econômica e Política

Nós não ousamos ser, na praça pública, a voz que grita, a primeira vista no de-
serto /.../ preferimos nosso confinamento na quietude temerosa dos nossos es-
critórios. Possam nossos herdeiros perdoar-nos o sangue que está sobre nossas
mãos (Bloch, apud: DOSSE, 2003, p. 96).

A II Guerra Mundial: Carta de um filho a sua mãe

“Querida mamãe: De todas as pessoas que conheço, a senhora é única que vai sentir mais, por PARA REFLETIR
isso meus últimos pensamentos são para a senhora. Não culpe ninguém mais por minha morte, por-
Marc Bloch participou
que eu mesmo escolhi minha sorte. da resistência francesa
Não sei como lhe escrever, porque, mesmo tendo a cabeça clara, não consigo encontrar as pala- aos nazistas. Foi fuzila-
vras certas. Assumi meu lugar no Exército de Libertação, e morro quando a luz da vitória já começa a do em 16 de julho de
brilhar [...] Vou ser fuzilado daqui a pouco com 23 outros camaradas. 1944, nas proximidades
Depois da guerra a senhora deve exigir seus direitos a uma pensão. Eles lhe entregarão minhas de Lyon – França.
coisas na prisão, só que estou ficando com o colete de papai, porque não quero que o frio me faça
tremer [...]
Mais uma vez, digo adeus. Coragem!

Seu filho,
Spartaco.

(Spartaco Fontanot, metalúrgico, 22 anos, membro do grupo resistente de Misak Manou-


chian, 1944, in Lettere, 1954, p. 3056)

(Citado por HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX – 1914-1991. São Paulo:
Cia das Letras, 1995, p. 144)

Referências
BLOCH, Marc. Apologia da História ou O Ofício do Historiador. Edição anotada por Étienne
Bloch. Prefácio de Jacques Le Goff; apresentação a edição brasileira Lilia Moritz Schwarcz. Tradu-
ção André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

BORGES, Vavy Pacheco. O que é história. São Paulo: Brasiliense, 1993.

BOURDÉ, Guy; MARTIN, Hervê. As escolas históricas. Lisboa: Publicações Europa-América, 1983.

BRAUDEL, Fernand. História e Ciências Sociais. Lisboa: Presença, 1982.

BURKE, Peter. Escola dos Annales (1929-1989): A revolução francesa da historiografia. São Pau-
lo: Unesp, 1997.

CARDOSO, Ciro Flamarion. História e paradigmas rivais. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS,
Ronaldo (orgs). Domínios da história. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci. Um estudo sobre o seu pensamento político. Rio de Janeiro:
Campus, 1989.

DOSSE, François. A história em migalhas. Dos Annales à Nova História. Bauru: EDUSC, 2003.

FALCON, Francisco. Historia e Poder. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (orgs). Do-
mínios da história. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

FONTANA, Josep. História: análise do passado e projeto social. Bauru: Edusc, 1998.

HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalismo desde 1870. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

JULLIARD, Jacques. A política. In: GOFF, Jacques; NORA, Pierre. História: novos problemas. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1976.
23
UAB/Unimontes - 6º Período

POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens da nossa época. Rio de Janeiro: Campus,
1980.

REIS, José Carlos. Historia & Teoria: historicismo, modernidade, temporalidade e verdade. Rio de
Janeiro: FGV, 2006.

REMOND, René (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: FGV, 2003.

WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: UNB, 1999, vol. 2.

Sugestões de Filmes

- Narradores de Javé

- O declínio do império americano

- As invasões bárbaras

24
História - Teoria da História Econômica e Política

Unidade 2
A história econômica

2.1 Introdução
Nesta Unidade será discutida a formação da história econômica enquanto disciplina. É
debatida como era vista a questão econômica na história pelos estudiosos no século XIX e pri-
meiras décadas do século XX, sendo um importante momento de inflexão os anos 1930 com os
Annales não apenas para a história econômica, mas para a história de um modo geral. Na sequ-
ência, se discute o desenvolvimento desse campo de investigação com os principais trabalhos
que foram produzidos na área; posteriormente se trata dos alcances, limites e renovação da his-
tória econômica.
Antes de tratar do tema propriamente dito, há uma observação importante. A apreensão do
contexto em que todas essas questões eram discutidas e formuladas é fundamental para compreen-
são da história econômica.
Esse campo de investigação e conhecimento, que é uma área da história intimamente liga-
da a esta, mantém sua especificidade de abordagens, métodos e conceitos. Esses temas serão
discutidos a seguir.

2.2 Os primórdios (século XIX e


antes de 1929)
DICAS
3
A primeira edição é de
1974.

A história econômica, quando comparada


Fases do Capitalismo
com a história propriamente dita, é um campo
Como foi advertido, o contexto é importante para compreender
de investigação ainda jovem. Sua origem pode
a formulação das teorias econômicas. Ainda que existam autores que
ser remontada ao final do século XIX, época
estabelecem outras divisões, segue abaixo um breve esquema com
da elaboração das grandes histórias nacionais,
as fases do capitalismo.
obras que, em geral, reservavam pelo menos
Pré-Capitalismo (séculos XV-XVIII)
um capítulo dedicado à cultura e, ao que aqui
Fase das chamadas “Grandes Navegações” em que as nações
interessa mais de perto, à economia.
européias entraram em contato com o Novo Mundo e estabeleceram
A inserção de uma parte dedicada à eco-
o colonialismo, por meio do qual, as colônias deveriam fornecer ma-
nomia, ao lado da política e da cultura, nesses
téria-prima para as Metrópoles enquanto estas eram exportadoras
trabalhos de caráter mais geral, indica tam-
de produtos manufaturados. Esse processo, somado à expropriação
bém o esboço da formação da própria econo-
dos camponeses, permitiu a acumulação primitiva de capitais nas
mia enquanto um campo autônomo de pes-
nações européias, principalmente na Inglaterra.
quisa e conhecimento.
Capitalismo Industrial (séculos XIX-1914)
O surgimento desse campo autônomo de
Fase de desenvolvimento e consolidação da atividade industrial
conhecimento, todavia, não é em vão. Está li-
possibilitada também em razão da exploração colonial. Nessa fase
gado às mudanças por que passava a socieda-
houve a chamada Partilha da África e da Ásia pelos países europeus.
de industrial, e vivenciando um momento em
Capitalismo Financeiro (1945- aos dias atuais)
que o Capitalismo se encontrava em sua fase
Fase em que o capitalismo se expande sob a forma de bancos,
imperial, logo, um momento de afirmação das
empresas e indústrias com vistas a dominar o mercado. Aqui ocorre
nações que procuravam se expandir. (CHAU-
o Neocolonialismo.
NU, 1976, p. 40-41)3.

25
UAB/Unimontes - 6º Período

Apenas para se ter uma ideia que para al- ta inglês W. S. Jevons buscou uma explicação
GLOSSÁRIO
guns pode parecer um tanto exagerada, antes baseada nas alterações das manchas solares
Fisiocracia: surgida no da renovação dos Annales, a partir de 1929, a que influíam na atividade solar e, por sua vez,
século XVIII, é conside-
história econômica se encontrava em um es- atingiam as colheitas que regulavam todas
rada a primeira escola
de economia científica. tágio que talvez pudesse ser caracterizado de as atividades econômicas. Por esse motivo, a
Os fisiocratas viam na arqueológico. explicação de Jevons ficou classificada como
terra a principal fonte A economia, ou para ser mais exato, a exógena, ou seja, por buscar explicações em
de riqueza. Acredi- busca de explicação dos ciclos econômicos, é fatores que não estavam diretamente relacio-
tavam ainda que o
um dos temas mais discutidos nas Universida- nados com a economia. Assim, fatores como
sistema econômico, tal
como um órgão, era des européias no final do século XIX, principal- guerras, epidemias, fatores cósmicos ou me-
regido por uma ordem mente na França, pelo menos entre os pesquisa- teorológicos também entravam no bojo das
natural. dores das chamadas ciências humanas e sociais. explicações, consideradas exógenas, dos ciclos
Sendo assim, como se pode ver, um dos econômicos (CARDOSO & BRIGNOLI, 1979, p. 276).
Economia política
temas que irá dominar a cena historiográfica Mesmo a teoria das flutuações conjuntu-
clássica: é a designa-
ção dada à primeira francesa com o movimento dos Annales nos rais, já presente na obra de Juglar, não se inte-
escola moderna de anos 30 do século XX já era discutido desde o grou à teoria mais geral (CARDOSO & BRIGNO-
pensamento econô- final do século anterior. Não constitui, em es- LI, 1979, p. 277).
mico. Entre os seus sência, uma novidade absoluta. Porém, muitos Eric Hobsbawm tece considerações a
principais representan-
dos trabalhos que foram desenvolvidos, prin- respeito da formulação de teorias econômi-
tes estão Adam Smith,
David Ricardo e John cipalmente no último quarto do século XIX, cas em alguns lugares da Europa no século
Stuart Mill. Em geral, irão influenciar bastante os historiadores fran- XIX. O autor dissocia crescimento econômico
defendiam que os mer- ceses, com destaque para os da chamada Pri- e formulação de teorias relacionadas à eco-
cados apresentavam a meira e Segunda geração dos Annales. nomia. O autor observa que, muito embora a
tendência a encontrar
Em relação à busca de explicação dos ci- economia política clássica esteja intimamente
um equilíbrio econômi-
co, tese à qual Keynes clos econômicos, nem a Fisiocracia, nem a Eco- associada a Grã-Bretanha, isto não foi porque
e seus adeptos irão se nomia Política clássica dos séculos XVIII e XIX a Grã-Bretanha era uma economia capitalista
contrapor. tiveram preocupações em fornecer um mode- pioneira. Para ilustrar sua argumentação aven-
lo teórico que explicasse as variações dos ciclos ta o exemplo dos Países Baixos no século XVIII,
econômicos (CARDOSO & BRIGNOLI, 1979, p. 276). que eram uma outra economia capitalista
O interesse voltava-se principalmente pioneira, e que, no entanto, foi uma produto-
para o conhecimento de questões que eram ra menos destacada de teóricos econômicos.
mais essenciais à vida econômica como a ren- (HOBSBAWM, 1998, p. 110).
da, o lucro, o salário, o valor, o preço e o custo Apenas para uma comparação, no final
das mercadorias, entre outros. A elaboração do século XIX, a Alemanha possuía muito mais
de um modelo teórico que explicasse a produ- cargos de ensino na economia e uma literatura
ção, a distribuição, o intercâmbio e o consumo mais volumosa na área que ingleses e france-
de bens e serviços na sociedade levou, desse ses juntos (HOBSBAWM, 1998, p. 111).
modo, a construir os instrumentos conceituais A separação entre história e economia
da análise econômica. não se fez sentir plenamente até o final do sé-
Não foi feito esforço algum no sentido de culo XIX. Esta foi uma questão muito debatida,
integrar os dados econômicos da história aos principalmente no campo da metodologia,
modelos já referidos. na década de 1880 em importantes centros
São expressões desse tipo de análise e acadêmicos europeus – na Alemanha princi-
abordagem os trabalhos de John Stuart Mill, palmente. Esse debate ficou conhecido como
David Ricardo, demonstraram-se incapazes de a “batalha metodológica” e tratava-se basica-
integrar as flutuações cíclicas em um modelo mente da disputa entre métodos dedutivos
geral (CARDOSO & BRIGNOLI, 1979, p. 276). e indutivos. Esse debate foi provocado pelo
Um desses trabalhos é o do igualmente economista austríaco Carl Menger (1840-1921)
francês Juglar. Escrevendo por volta de 1875, também como uma crítica ao chamado “Histo-
foi este economista quem pela primeira vez ricismo Alemão” que dominava as interpreta-
estudou os ciclos econômicos de uma maneira ções em economia na Alemanha e que era ca-
mais sistemática. Em sua opinião, as variações racterizado pela extrema valorização da fonte
do tipo de juros, a política dos bancos cen- e apegado aos fatos “tal como aconteceram”.
trais e as modificações dos estoques de metais Parece ter sido essa a origem da história eco-
preciosos eram as origens das chamadas flu- nômica enquanto especialização acadêmica,
tuações econômicas (CARDOSO & BRIGNOLI, pelo menos, na Grã-Bretanha.
1979, p. 275-276). Não há, portanto, nenhuma relação entre
Ainda haveria outras explicações para os o sucesso de uma economia e o prestígio inte-
ciclos econômicos no século XIX; o economis- lectual de seus teóricos.

26
História - Teoria da História Econômica e Política

Dito de outra maneira, as fortunas das economias nacionais parecem ter pouco a ver com o
fornecimento de bons economistas. Deve-se levar em conta ainda que suas opiniões não eram
tão acessíveis quanto são nos dias de hoje.
A Alemanha que não tinha bons teóricos até o fim do século XIX e parece não ter sofri-
do com isso em vista da dinâmica de sua economia.
A Áustria, antes de 1938, onde havia muitos teóricos de destaque, que eram muitas vezes con-
sultados pelos governos, só foi notícia de sucesso econômico depois de 1945, quando, por ironia do
destino, tinha perdido quase todos os seus teóricos de prestígio sem encontrar substitutos à altura.
E Hobsbawn corrobora essa característica ao dizer: “O significado prático dos fornecedores
de boa teoria econômica não é evidente por si mesmo.” (HOBSBAWM, 1998, p. 112).
Os neoclássicos admitiam que sua própria teoria tinha pouca relação com a realidade. Os
teóricos puros (aqueles que lidam apenas com a teoria) não conseguiriam negar que, pela in-
vestigação empírica, ou seja, a investigação histórica do passado por meio das fontes, poderiam
saber mais sobre a economia do que meramente confirmar ou não alguma proposição teórica
(HOBSBAWM, 1998, p. 112).
Alguns chegaram a considerar que o papel da teoria econômica pura era absolutamente se-
cundário (HOBSBAWM, 1998, p. 112-113). Para Hobsbawm, a teoria pura chegou a desenvolver de
fato uma dimensão prática, porém, essa dimensão prática se mostrou totalmente diferente da
que se imaginava que tivesse antes de 1914 (HOBSBAWM, 1998, p. 113), ou seja, antes da Primeira
Guerra Mundial.
As diferenças entre os dois lados na batalha dos métodos eram, em grande medida, entre
liberais ou neoliberais em economia e partidários da intervenção governamental (HOBSBAWM,
1998, p. 113).
Por trás da insatisfação dos institucionalistas norte-americanos com a economia neoclássica,
estava a defesa de uma intervenção estatal maior na economia, que a visada pelos neoclássicos
(HOBSBAWM, 1998, p. 113).
Houve mudanças com a Segunda Guerra Mundial.

A abordagem historicista ou institucionalista que rejeitava a teoria pura ficou


evidente justamente no momento em que até mesmo a economia capitalista,
cada vez mais, dependente ou dominada pelos setores públicos, teve que ser
deliberadamente administrada ou planejada. [...] Isso exigia ferramentas inte-
lectuais que historicistas e institucionalistas não forneciam, conquanto se incli-
nassem ao intervencionismo econômico (HOBSBAWM, 1998, p. 114).

Durante a Primeira e Segunda Guerra Mundial, assistiu-se ao surgimento de uma economia


de base teórica para o planejamento e administração (HOBSBAWM, 1998, p. 114).
Nessas condições,

A aplicação da teoria neoclássica à política cresceu à medida que os teóricos


puros abandonavam a notável falta de interesse que até então demonstravam
na expressão e verificação numérica de seus conceitos, [...] Embora o impacto
da teoria econômica neoclássica no planejamento socialista também se retar-
dasse, por razões históricas e ideológicas, na prática, a sua aplicabilidade à eco-
nomias não capitalistas também foi reconhecida a partir da Segunda Guerra
Mundial (HOBSBAWM, 1998, p. 114-115).

A teoria pura, dependendo da maneira como foi operacionalizada e ampliada, tem a sua
aplicação prática. “Na verdade, não se pode mais dizer que ela não tenha utilidade prática”
(HOBSBAWM, 1998, p. 115).
Para Hobsbawm, “a teoria econômica facilita a escolha entre decisões, mas por si só não
gera tomadas de decisões políticas positivas” (HOBSBAWM, 1998, p. 115).
A rigor, o interesse dos historiadores pela quantificação não foi inaugurado com os An-
nales nos anos 1930. Vários estudos sobre a história dos preços haviam sido realizados no
século XIX. (BURKE, 1997, p. 67)
Um dos principais questionamentos feitos a esse tipo de história, assim como para toda
aquela produzida antes dos Annales, era acerca da falta de problematização, como observou
Braudel em sua crítica exemplar (BRAUDEL, 1992).
A história dos preços foi, se é que se pode dizer assim, a ponta de lança da história serial
econômica; atestam isso os trabalhos de François Simiand, Ernst Labrousse, entre outros.
Primeiramente, isso se explica em razão do preço de certos artigos e suas variações (ou por

27
UAB/Unimontes - 6º Período

que não dizer flutuações) constituem um indicador bastante seguro da atividade econômica.
Outro motivo é o fato dos preços dos artigos de consumo e salários constituírem os dados eco-
nômicos mais antigos que se podem contar. Além disso, também se dá em razão da disponibili-
dade das fontes dispostas em livros contábeis.
Alguns dos principais expoentes dos Annales serão tratados no próximo tópico, juntamente
com uma breve discussão sobre a natureza das principais fontes utilizadas por esses historiadores.

2.3 Os Annales: conceitos, temas e


fontes
Procurando seguir a divisão proposta 25% (FRAGOSO e FLORENTINO, 1997).
por Peter Burke, os Annales passaram por Mas o que explica esse movimento?
três momentos ou fases distintas. O primeiro Em princípio, o maior interesse pela história
deles seria o de 1929 a 1945 quando esteve econômica era explicado em razão do mo-
sob a direção de Marc Bloch e Lucien Febvre. mento em que vivia a Europa afetada por
De 1946 a 1969, é a chamada “era Braudel”, guerras mundiais e a necessidade de sua
momento de grande influência de Fernand reconstrução. Além disso, questões relacio-
Braudel e fase em que o movimento dos An- nadas ao desenvolvimento e modernização
nales é conduzido basicamente por ele. A dos países europeus, em contraste com a
partir de 1970, não é mais possível associar descolonização dos países afro-asiáticos,
os Annales a uma ou duas pessoas, mas a eram intensamente discutidas. Assuntos
uma série delas. Desde então, ganham pro- como esses e a internacionalização do ca-
eminência nomes como George Duby, Jac- pital explicam o maior interesse dos histo-
ques Le Goff, Emmanuel Le Roy Ladurie, en- riadores por temas de natureza econômica
tre vários outros (BURKE, 1997). (CHAUNU, 1976).
Em todas essas fases, a história eco- Como foi visto anteriormente, a história
nômica goza de situações diferentes. Na tradicional, ou a história “acontecimental”,
primeira delas desfrutava de uma po- como também designou François Simiand, é
sição privilegiada, já que 60% dos tra- a história “atenta ao tempo breve, ao indiví-
balhos publicados na revista dos Anna- duo, ao evento, habituou-nos há muito tem-
les eram sobre história econômica. Na po à sua narrativa precipitada, dramática, de
segunda fase, esse índice reduziu para fôlego curto” (BRAUDEL, 1992, p. 44).
40%. Dos anos 70 em diante, o número Essa abordagem é muito distante da
de trabalhos em história econômica caiu que propõe a chamada nova história econô-
vertiginosamente, chegando a cerca de mica e social ao colocar

no primeiro plano de suas pesquisas a oscilação cíclica e assenta sobre suas du-
rações: prendeu-se à miragem, também à realidade das subidas e descidas dos
preços (BRAUDEL, 1992, p. 44).

Parece lícito considerar que há ao lado da história de sentido mais tradicional – atenta ao
tempo curto – uma história mais ligada à “conjuntura que põe em questão o passado por largas
fatias: dez, vinte, ou cinquenta anos” (BRAUDEL, 1992, p. 44).
O evento seria, assim, mais apropriado ao tempo curto. A esse respeito, Braudel, mais uma vez, ensina:

O tempo curto, à medida dos indivíduos, da vida cotidiana, de nossas ilusões,


de nossas rápidas tomadas de consciência – o tempo, por excelência do cronis-
ta, do jornalista (BRAUDEL, 1992, p. 45).

O que seria da atenção do jornalista, ou do cronista, por exemplo, seriam os eventos como:
“um incêndio, uma catástrofe ferroviária, [...], um crime, uma representação teatral, uma inunda-
ção.” (BRAUDEL, 1992, p. 45). Todos esses eventos escapam ao interesse mais imediato de análise
do historiador econômico.
“A Ciência Social tem quase horror do evento. Não sem razão: o tempo curto é a mais capri-
chosa, a mais enganadora das durações.” (BRAUDEL, 1992, p. 46).
Contudo, há que se advertir que a história tradicional é frequentemente confundida com a

28 história política. Segundo Braudel, “a história política não é forçosamente ocorrencial, nem con-
denada a sê-lo.” (BRAUDEL, 1992, p. 46).
História - Teoria da História Econômica e Política

Nas palavras do historiador,

[...] é um fato que, salvo os quadros factícios, quase sem espessura temporal, de
onde recortava suas narrações, salvo as explicações de longa duração de que
era preciso sorti-la, é um fato que, no seu conjunto, a história dos últimos cem
DICAS
anos, quase sempre política, centrada no drama dos ‘grandes eventos’, traba- O britânico John May-
lhou no e sobre o tempo curto (BRAUDEL, 1992, p. 46). nard Keynes se celebri-
zou ao ser considerado
Braudel comenta que a “superação do renda, entre outros assuntos relacionados. um dos economistas
tempo curto foi o bem mais precioso, por- Em consequência da própria crise de 1929 mais influentes do sé-
culo XX. Suas contribui-
que o mais raro, da historiografia dos últimos e a depressão que se seguiu na década de ções tiveram importân-
anos,...” (BRAUDEL, 1992, p. 47). O rompimento 1930, tornou-se necessário o estudo dos ciclos cia decisiva no âmbito
“com as formas tradicionais da história do sé- econômicos para evitar que novas crises acon- da macroeconomia (ver
culo XIX não foi uma ruptura total com o tem- tecessem, ou seja, com o objetivo de serem conceito de macroeco-
po curto.” (BRAUDEL, 1992, p. 47). criadas políticas anticíclicas. nomia no tópico 2.2).
Defendia basicamente
Essa ruptura beneficiou a história econô- Apesar de ter sido desenvolvido um con- uma maior intervenção
mica e social, em detrimento da história políti- siderável número de estudos sobre os ciclos do Estado na economia
ca. Daí a história pôde se renovar; houve a mo- econômicos, não houve formulações teóricas por meio de medidas
dificação de métodos, o deslocamento do centro consensualmente admitidas sobre as cau- fiscais e monetárias
de interesses e o aparecimento da história quantita- sas do ciclo econômico. Ademais, os estudos para amenizar os efei-
tos adversos dos ciclos
tiva, por exemplo (BRAUDEL, 1992, p. 47). dessa natureza tenderam a esmaecer com o econômicos caracteri-
Uma das mudanças mais significativas foi, desaparecimento dos ciclos de Juglar (CAR- zados por momentos
sobretudo, a alteração do tempo histórico tra- DOSO & BRIGNOLI, 1979, p. 278), que será ex- de recessão, depressão
dicional. O historiador de temas políticos, es- plicado mais adiante. e prosperidade. Assim,
tudado da maneira tradicional, necessitava de As explicações sobre as flutuações econô- conforme as suas
doutrinas, os governos
recortes cronológicos bem mais curtos, enquan- micas podem ser agrupadas em dois grandes poderiam controlar
to o historiador de temas econômicos necessita tipos: o primeiro deles é o das explicações de- melhor a economia
de recortes cronológicos bem mais amplos. dutivas, e o segundo, o das explicações empí- com o aumento e dimi-
O estudo de aspectos como curva de ricas (CARDOSO & BRIGNOLI, 1979, p. 278). nuição de impostos, a
preços, progressão demográfica, movimento Em geral, as explicações dedutivas são emissão de dinheiro no
mercado de acordo os
de salários, variações da taxa de juro, o estudo da derivadas de alguma teoria, e geralmente, momentos de maior ou
produção, requerem do historiador um tempo muito não tem comprovação empírica (CARDOSO & menor prosperidade.
mais longo para análise (BRAUDEL, 1992, p. 47). BRIGNOLI, 1979, p. 278). Os adeptos das idéias
“A dificuldade, por um paradoxo, é discer- Já as explicações empíricas são, por de Keynes são chama-
nir a longa duração do domínio onde a pesquisa exemplo, aquelas que derivam de uma análise dos de Keynesianianos.
histórica acaba de obter seus inegáveis sucessos: estatística e/ou qualitativa dos ciclos econô-
o domínio do econômico” (BRAUDEL, 1992, p. 51). micos. Em situações como esta, a explicação
A proposta de renovação dos Annales sur- se dá de modo indutivo, generalizando-se a
giu em meio à crise econômica mundial de 1929. partir de casos concretos (CARDOSO & BRIG-
A partir dos anos 1930, aumentou significativa- NOLI, 1979, p. 279).
mente o interesse dos historiadores pela história. Antes mesmo de ser discutido como os
Esse interesse estava estreitamente vinculado, aspectos de ordem social e, mais detidamen-
como já foi observado, à crise da bolsa de valo- te os de ordem econômica, foi estudado pelos
res de Nova Iorque em 1929, que afetou pratica- historiadores dos Annales e é de grande utili-
mente o mundo inteiro (BURKE, 1997, p. 67). dade o esclarecimento de alguns conceitos
A história econômica, ou mesmo a histó- que fazem parte do vocabulário dos estudiosos.
ria econômica quantitativa que se forjou nesse Serão discutidos na sequência conceitos
período, também foi a tentativa de fornecer como os de Macroeconomia, Microeconomia,
uma resposta à crise. Os autores que escreve- as diferenças entre o meio rural e o urbano e
ram nesse período também buscavam com- os conceitos fundamentais para os historiado-
preender e explicar aquela crise que atingiu res dos Annales, mais efetivamente, os de Con-
uma dimensão jamais vista na história (CHAU- juntura e Estrutura.
NU, 1976, p. 43). Partindo para a análise do primeiro con-
Com a crise de 1929, que também era re- junto de termos, Macroeconomia e Microeco-
sultado das teorias que pregavam a interven- nomia estão intimamente relacionados, assim
ção mínima do Estado na economia, muda como os demais. O primeiro quer dizer o estu-
completamente a problemática da economia do das variáveis econômicas globais, relativas
política, pois ganha força o pensamento de a um determinado conjunto de países, regi-
Keynes que defendia uma maior intervenção ões, entre outros, tais como produção, impor-
do governo na economia. tação, exportação, etc. Já o segundo compre-
Assim, as preocupações mais imediatas ende o estudo de unidades de produção, seja
passaram a ser o pleno emprego, os juros, a de empresas agrícolas, de mineração, comer-
29
UAB/Unimontes - 6º Período

ciais, entre outras (CARDOSO & BRIGNOLI, mo, de uma Conjuntura cultural. Porém, é no
1979, p. 266). campo da economia que mais se estuda a Con-
Outro esclarecimento necessário é quan- juntura (CARDOSO & BRIGNOLI, 1979, p. 261).
to à distinção entre o rural e o urbano. A vida Braudel foi seu maior vulgarizador ao fa-
econômica rural é caracterizada pela maior lar em uma “Conjuntura geral do século XVI”,
dispersão das unidades de povoamento, apre- ao tratar do afluxo de metais preciosos – a
senta uma tendência para o tradicionalismo e prata americana – na Europa que levou ao au-
um caráter conservador relativo às técnicas de mento exponencial dos preços no século XVI.
produção, à organização do trabalho. A evolu- A Conjuntura, o movimento da vida eco-
ção no meio rural, em geral, segue um ritmo nômica, caracteriza-se pela repetição, pela re-
econômico mais lento quando comparado ao corrência. É por isso que, como salienta Peter
meio urbano. Burke, em alguma medida, o termo Conjuntu-
A vida econômica urbana, por sua vez, é ra pode equivaler ao termo tendência (BURKE,
mais diversificada e complexa; é também mais 1997, p. 129). Os movimentos de alta são suce-
vulnerável. O estudioso das atividades urbanas didos por movimentos de baixa e assim suces-
e rurais deve estar atento ao fato de que estas sivamente. Logo, estas flutuações econômicas
variam enormemente. são consideradas como cíclicas, falando-se
Quando se estuda a agricultura, por correntemente em “ciclos econômicos”. Desse
exemplo, devem ser levadas em consideração modo, a Conjuntura, como algo que se repete
questões climáticas, como a distribuição das constantemente assume um caráter estrutural.
chuvas – o que se relaciona intimamente com Os movimentos de alta e de baixa não são ale-
o movimento das colheitas. Outro aspecto é atórios, mas se apresentam com certa regulari-
que, muitas vezes, no meio rural, a terra, além dade (CARDOSO & BRIGNOLI, 1979, p. 261).
de constituir um fator econômico, também é Esta é uma consideração importante para
um fator de prestígio social. compreender outro conceito fundamental que
Por um lado, a indústria que normalmen- é o de Estrutura. Tal como empregado pelos
te se considera uma atividade eminentemen- historiadores dos Annales, Conjuntura ainda
te urbana, nos séculos XVI a XVIII, época da era utilizado no sentido complementar oposto
produção das manufaturas, foi uma atividade ao de Estrutura (BURKE, 1997, p. 129).
urbana e rural ao mesmo tempo (CARDOSO & Se os movimentos apresentam-se com
BRIGNOLI, 1979, p. 267-268). certa regularidade, são cíclicos em relação a
Como foi dito anteriormente, dois con- algo estável, e é justamente esta permanência
ceitos fundamentais à história econômica que que se denomina de Estrutura.
se forjou nesse período são os de Conjuntura Não se deve, todavia, confundir Estrutura
e Estrutura, centrais para os historiadores do com algo que está parado. Como advertem
Annales. Ciro Flamarion Cardoso e Héctor Perez Brig-
Elevações e quedas da produção, varia- noli, “A permanência, a estabilidade relativa
ções de preços é o que comumente se enten- da estrutura é simplesmente uma questão ati-
de por Conjuntura. A Conjuntura é, pois, mo- nente à rapidez ou velocidade da mudança.”
vimento, mudança. Todavia, o termo não se Assim sendo, uma das características que dis-
limita somente ao campo da economia. Con- tingue Conjuntura e Estrutura é simplesmente
juntura implica, naturalmente, a conexão entre uma diferença entre os ritmos do movimento
fenômenos diversos, mas simultâneos (BURKE, (CARDOSO & BRIGNOLI, 1979, p. 262).
1997, p. 129). Assim, há também uma Conjun- Estrutura é
tura social, política e, por que não dizer mes-

uma organização, uma coerência, relações bastante fixas entre realidades e


massas sociais. Para os historiadores estrutura é sem dúvida, articulação, ar-
quitetura; uma realidade que o tempo utiliza mal e veicula mui longamente
(BRAUDEL, 1992, p. 49).

Depois de discutir alguns dos conceitos Exemplo de movimento breve, ou de cur-


básicos do vocabulário da história econômica, ta duração, é o Ciclo de Kitchin, ou movimen-
se analisa agora os ciclos econômicos que fo- to Inter-anual. Como o próprio nome sugere,
ram um tema dominante nos Annales, princi- é um ciclo que tem a duração de alguns anos.
palmente na chamada geração de 1929 a 1945. Este ciclo também leva o nome de Ciclo de Ki-
De uma maneira geral, existem dois tipos tchin em homenagem a um dos economistas
de flutuações: os movimentos breves, ou de que o estudou, Joseph Kitchin. O Ciclo de Ki-
curta duração, e os movimentos grandes, ou tchin, em geral, dura de 3 a 4 anos, e seus efei-
de longa duração. tos só são detectados mediante análise estatís-

30
História - Teoria da História Econômica e Política

tica (CARDOSO & BRIGNOLI, 1979, p. 269-270). do século XIX (CARDOSO & BRIGNOLI, 1979, p. 273). DICAS
Há ainda o Movimento Intradecenal ou Não pode deixar de ser mencionado o Uma obra influenciada
Ciclo de Juglar, também simplesmente de- interciclo, que é uma flutuação intermediária pela teoria dos Ciclos
signado de Ciclo de econômico. É conhecido entre o Ciclo de Juglar e o Ciclo de Kondratieff. de Kondratieff para
como Ciclo de Juglar em homenagem ao eco- Dessa maneira, sua duração é de 10 a 20 anos analisar a formação
nomista francês que foi pioneiro em seu estu- e apresenta uma tendência para uma fase alta econômica do Brasil é a
do economista Roberto
do. Já a designação de Intradecenal foi dada ou uma fase baixa. Simonsen. Nela o autor
por François Simiand. O Ciclo de Juglar é o mo- Existe, porém, uma diferença entre o In- argumenta que o Brasil
vimento mais típico das flutuações econômi- terciclo e o Ciclo de Juglar, juntamente com o passou por um ciclo da
cas. Sua duração oscila entre 7 e 10 anos. Em Ciclo de Kondratieff. O interciclo não se repete cana de açúcar (séculos
geral, seus efeitos resultam em consequências com a mesma periodicidade que o Ciclo de Ju- XVI-XVII), pelo ciclo
do ouro (século XVIII)
sociais conforme as variações de emprego, dos glar e o Ciclo de Kondratieff. e pelo ciclo do café
preços, da distribuição de renda, entre outros. Um dos Interciclos mais conhecidos é o (século XIX). A diferen-
As características do Ciclo de Juglar são per- investigado por Labrousse. Em seu estudo so- ça é que, enquanto na
ceptíveis para o público, diferentemente do bre a França, o historiador apontou para uma teoria de Kondratieff,
Ciclo de Kitchin, que só são possíveis de per- tendência secular de alta para o século XVIII, o Ciclo geralmente
possui uma duração
ceber com análise estatística, como foi visto e o período de 1772 a 1787 caracterizar-se-ia de 60 anos (incluindo
em linhas atrás. como um Interciclo (um Interciclo de baixa, as duas fases: FASE A,
Mesmo que existam outras fases deste Ci- neste caso), que afetou as rendas da população, de ascensão, e FASE B,
clo econômico, as mais difundidas são quatro e isto teria sido um dos principais motivos para a de queda), na obra de
fases. A primeira delas é a de expansão, ou o deflagração da Revolução Francesa de 1789. Simonsen a duração do
Ciclo tem um período
auge, ou seja, o período máximo de prospe- Como foi falado anteriormente, o tema de cerca de 100 anos
ridade. Outro período é a crise, o momento dos ciclos econômicos foi um dos assuntos do- ou mais.
de inversão da tendência ascendente. Outra minantes entre os historiadores franceses inse-
fase é a depressão ou contração e, por fim, a ridos na perspectiva analítica dos Annales. Em
recuperação, isto é, o momento do reinício da seguida serão discutidas algumas das obras
prosperidade (CARDOSO & BRIGNOLI, 1997, dos principais expoentes dessa vertente.
p. 269-270). Um dos estudos mais influentes do perí-
Há os movimentos longos, ou de longa odo foi Recherches anciennes et nouvelles sur
duração. Dentre os movimentos longos, um le mouvement general des prix (algo que pode
dos mais estudados é o Movimento interdece- ser traduzido como “Antigas e novas pesquisas
nal ou Ciclo de Kondratieff. sobre movimento geral dos preços”), publica-
Schumpeter designou este ciclo de Kon- do em 1932, da autoria de François Simiand.
dratieff, que é o nome do economista russo Como já foi apontado antes, no seu livro, o
que pela primeira vez estudou de maneira sis- autor cunhou as designações FASE A e FASE B
temática este movimento. para se referir respectivamente aos períodos de
A primeira designação deste ciclo é de expansão e retração econômica (BURKE, 1997, p.
François Simiand, que chama de FASE A para o 67), o que foi incorporado pelos historiadores.
período ascendente, e FASE B para o período Outro importante trabalho foi o de Ernst
descendente. O Ciclo de Kondratieff compre- Labrousse. De orientação marxista, o autor
ende movimentos de longa duração, que em empreendeu um criterioso estudo quanti-
geral oscila entre 50 e 60 anos, consideradas tativo da economia francesa no século XVIII,
as duas fases, ou seja, a FASE A, ascendente, e publicado em duas partes. A primeira delas,
a FASE B, descendente. Ciro Flamarion Cardo- Esquisse du moviment des prix et des revenus,
so e Héctor Perez Brignoli procuraram chamar (“Esboço do movimento e rendimento dos
atenção para o fato de que muitos historiado- preços”), de 1933, trata dos movimentos dos
res designam de Ciclo de Kondratieff apenas a preços de 1701 a 1817. Já a segunda parte, La
uma das fases, quando o correto é compreen- crise de l’ économie française (“A crise da econo-
der o Ciclo como um período de 50 a 60 anos mia francesa”), é sobre a crise do Antigo Regi-
(CARDOSO & BRIGNOLI, 1979, p. 272). me (BURKE, 1997, p. 68).
Há ainda, dentro dos movimentos de lon- Entre os aspectos destacados por La-
ga duração “A tendência secular”. Trata-se de brousse em sua obra, estava o de que uma má
uma tendência geral de aproximadamente um colheita tinha um efeito desastroso e determi-
século para uma fase alta ou para uma fase de nava o declínio das rendas rurais, por exemplo.
baixa. Pelo menos em relação aos preços, ge- Outro aspecto relevante destacado em seu
ralmente, essas fases já são bem conhecidas. livro foi a importância da crise econômica do
Em geral, há uma tendência à elevação para o final da década de 1780, como uma precondição
século XVI, uma tendência de baixa para o sé- da Revolução Francesa (BURKE, 1997, p. 68).
culo XVII, à elevação do século XVIII, e à baixa Outra obra que causou impacto na his-

31
UAB/Unimontes - 6º Período

DICAS toriografia foi Sevilha e o Atlântico, de Pierre Esta nova abordagem foi denominada
Chaunu, que também contou com a colabo- por Pierre Chaunu de “História Serial”. Para que
Alinhado a perspec-
tiva dos Annales, Luís ração de sua esposa, Huguette. Talvez fora a esse tipo de história fosse praticada, as fontes
Filipe de Alencastro maior tese já escrita. Com 12 volumes, sendo o deveriam ter as seguintes características:
em seu livro “O Trato volume 8 dedicado à análise, conta com mais • As fontes devem apresentar validade ou
dos Viventes: formação de 3.000 páginas escritas. A maior parte da segurança, ou seja, precisam possuir ab-
do Brasil no Atlântico obra é, contudo, repleta de gráficos, tabelas soluta confiança em relação ao documen-
Sul” (Companhia das
Letras, 2000) analisa a e quadros. O autor se debruçou sobre toda a to que realmente deve registrar o que se
formação do Brasil em documentação da Casa de Contratação de Se- pretende medir;
sua relação com o oce- vilha, que era responsável pelo controle das • A documentação deve ter continuidade
ano atlântico, ou mais frotas que partiam da Espanha para o Novo e abundância. São necessárias longas e
precisamente com a Mundo, no período de 1504-1650. contínuas séries que permitam realizar as
África. Sua abordagem
é alinhada à perspecti- A abordagem do autor é a mesma de Fer- conclusões verdadeiras;
va de Pierre Chaunu em nand Braudel ao abordar o oceano atlântico • As fontes devem apresentar homogenei-
“Sevilha e o Atlântico” como espaço de investigação. dade e, assim sendo, a fonte deve ser da
e a de Fernand Braudel, Para encaminhar a uma conclusão desse mesma natureza para todo o período em
“O Mediterrâneo e o tópico, vale dispensar algumas palavras sobre estudo (CARDOSO & BRIGNOLI, 1979, p. 281).
Mundo Mediterrâneo
na Época de Filipe II”. a natureza das fontes empregadas por esses O objetivo da história serial é a reconstru-
autores em suas diversas obras. É preciso ter ção de uma série de preços, por exemplo, con-
em vista que a introdução da quantificação na fiável, contínua e homogênea. A história serial
história foi feita, em princípio, no domínio da não tem, contudo, somente este objetivo; a
história econômica. Contestava-se o positivis- reconstrução da série é um meio em direção à
ATIVIDADES mo, relacionando-o ao acontecimento, apre- história total.
Uma das obras pio- sentava-se como alternativa a série estatística.
neiras no esforço de
interpretação econô-
mica do Brasil é o livro
clássico “Formação do
Brasil Contemporâneo”
de Caio Prado Junior.
2.4 A História Econômica: outros
campos de estudo e renovação
Você considera que o
autor tenha analisado
a formação do Brasil
conforme a teoria dos
Ciclos de Kondratieff?
A história já foi definida como o estudo de que ela seleciona como “econômicos” ape-
da ação do homem no tempo conforme foi nas alguns aspectos do comportamento hu-
visto anteriormente a concepção de Marc Bloch mano e deixa os demais aspectos para outro
e amplamente aceita pelos historiadores. Em estudioso. O objeto da economia é, portanto,
alguma medida, a economia pode ser definida definido por exclusão, e sobre isso os economis-
como “o estudo do gênero humano nos assun- tas nada podem fazer a respeito, “por mais cons-
tos ordinários da vida” (apud: HOBSBAWM, 1998, cientes que sejam” (HOBSBAWM, 1998, p. 122).
p. 118). Logo, história e economia possuem uma A história, de sua parte, não pode sim-
preocupação em comum: o homem, o ser huma- plesmente se dar ao luxo de decidir excluir
no e os seus meios de vida no passado. qualquer aspecto da vida humana, muito em-
Em geral, os economistas concordam bora certas tendências historiográficas levem,
quanto ao valor da história para a sua discipli- de tempos em tempos, a concentrar-se em al-
na; mas a recíproca não é verdadeira. Os histo- guns aspectos e negligenciar outros. Seja por
riadores nem sempre foram unânimes quanto necessidade ou por conveniência, os historia-
ao valor da economia para a sua disciplina. dores tenderão a se especializar. Alguns irão se
Isso se deve, pelo menos em parte, ao fato de concentrar na história da Igreja, na história da
que a história abarca um campo de conheci- diplomacia, entre outras áreas, mas quase to-
mento muito mais amplo que a economia. dos irão aspirar àquilo que na França se chama
Uma desvantagem da economia, enquan- de história total no sentido que lhe atribuiu
to matéria que lida com o mundo real, é o fato Braudel e para quem

Globalidade não é querer escrever uma história completa do mundo... é sim-


plesmente o desejo, ao nos defrontarmos com um problema, de ir sistematica-
mente além de seus limites (BRAUDEL, 1978, p. 245, apud: BURKE, 1997, p. 130).

32
História - Teoria da História Econômica e Política

Esse tipo de abordagem esteve bastante Outro campo que a história quantitativa DICAS
em voga até a Segunda geração dos Annales de também estendeu sua influência foi para a his- Você sabia que quanto
1946 a 1969 e, depois desse período a história, tória da população, ou Demografia Histórica, maior o número de
foi se fragmentando progressivamente com o também chamada de História Demográfica, a missas que o fiel
estudo de temas cada vez mais específicos. partir dos anos 50 do século XX. encomendava, maior
De alguma maneira, isso acontece com a Assim como o desenvolvimento dos es- era considerada sua fé?
No século XVIII, muitos
história social que praticamente também foi tudos sobre história dos preços estiveram inti- mercadores que saíam
escrita em paralelo com a história econômica. mamente relacionados à crise de 1929, a histó- da Bahia para negociar
A história social, diferentemente da história ria demográfica esteve relacionada à explosão seus produtos em Mi-
econômica, não pode considerar que alguma populacional, pós-segunda guerra. nas Gerais encomenda-
coisa esteja fora do seu potencial âmbito de A história demográfica também propor- vam um determinado
número de missas por
análise (HOBSBAWM, 1998, p. 122). Apesar dis- ciona dados quantitativos para a história econô- sua alma já que temiam
so, o campo especializado da história econô- mica. Pode-se estudar, por exemplo, a oferta de não chegar ao seu
mica é mais amplo que o campo da economia mão de obra e o consumo de uma determinada destino, uma vez que
(HOBSBAWM, 1998, p. 123). população em aumento ou declínio. o caminho era extre-
A renovação da história econômica foi en- Os pesquisadores da História Demográ- mamente perigoso.
Para saber mais a esse
cetada a partir dos anos 1970 com a chamada fica desenvolveram o método da “reconstitui- respeito, ver: FURTADO,
Terceira geração dos Annales, como já foi men- ção familiar”, em que procuravam vincular os Júnia Ferreira. Homens
cionado, momento em que não houve a proe- registros de nascimento, casamento e morte de Negócio: a interiori-
minência de uma ou duas lideranças, mas, sim, de uma determinada região a um dado perío- zação da Metrópole e
de uma série delas. do. Essa vertente da historiográfica foi influen- do Comércio nas Minas
Setecentistas. São Pau-
A história quantitativa foi sentida inicial- te, sobretudo, nos anos 1940 e 1950; dos anos lo: HUCITEC, 1999.
mente na economia, mais precisamente na 1960 em diante, sua influência também se es-
história dos preços. Posteriormente, a história praiou para a história social. O tributo do dízimo é
quantitativa ampliou seu raio de influência Um estudo já alinhado a essa perspectiva um excelente índice
para a história social, e já nos anos 1970, como é o de Pierre Goubert, Beauvais et le Beauvaisis para se medir a produ-
ção das propriedades
a Terceira geração dos Annales, a história cul- de 1960; Goubert conjuga a história dos pre- rurais de uma maneira
tural (história das mentalidades, por exemplo) ços com a história da população no período serial. Quando do
também se viu contagiada pela influência his- que vai de 1600 a 1730 (BURKE, 1997, p. 73). seu pagamento, são
tória quantitativa (BURKE, 1997, p. 66-67). Outro campo que pode estar sujeito à registrados os nomes
O que se verificou de mais inovador a quantificação é o estudo da produção. Este dos proprietários, o
nome da localidade e o
partir da década de 1970 foi o emprego de é, todavia, um campo de estudos bem mais valor tributado, o que
métodos quantitativos, ou seriais, para analisar difícil que o estudo dos preços, por exemplo, permite saber os níveis
aspectos culturais (BURKE, 1997, p. 88-93). A principalmente em relação às fontes. As esta- de produção. Para um
abordagem estatística acabou sendo empre- tísticas oficiais são a fonte de primeira mão, exemplo de trabalho
gada para estudar a história do livro, a história embora nem tudo possa ter registrado. Já os utilizando esse tipo de
fonte, ver: CARRARA,
da alfabetização, entre outros assuntos. documentos de empresas, as fontes tributárias Ângelo Alves. Minas e
A quantificação não se restringiu à his- e aquelas relativas ao comércio internacional Currais. Produção rural
tória econômica e, portanto, tem sido em- constituem o material mais disponível e mais e mercado interno de
pregada até mesmo em áreas que em outros frequentemente utilizado. Fontes fiscais per- Minas Gerais, 1684-
momentos se poderia considerar como im- mitem acesso indireto aos níveis de produção, 1807. Juiz de Fora: UFJF,
2007.
prováveis. A história social, a história das men- mas como constituem um material relativa-
talidades e mesmo certas vertentes da histó- mente abundante são sempre utilizáveis. Os
ria política também têm se interessado pela documentos das próprias empresas também
quantificação. constituem outro tipo de fonte a ser utilizada,
Um exemplo de trabalho que emprega mas no âmbito mais local.
métodos quantitativos para investigar aspec- Juntamente com o estudo dos preços, há
tos culturais é o desenvolvido por Michel Vo- ainda o estudo das flutuações das rendas. Para
velle, que tentou mensurar o comportamento se estudar os salários e as receitas do trabalho,
que as pessoas tinham diante da morte no os livros contábeis e as estatísticas oficiais são
processo que chamou de “descristianização”. A as fontes a serem utilizadas. No que diz respei-
fonte utilizada foi cerca de 30 mil testamentos. to às receitas do Estado, as fontes fiscais e as
O historiador estudou quase todas as possibi- estatísticas oficiais são as fontes obrigatórias.
lidades de análise que a fonte permitia. Men- As trocas comerciais constituem outro
surou, por exemplo, os principais santos que importante campo para a história econômica
eram devotados pelos fiéis, o número de mis- quantificada. Os documentos da alfândega, os
sas que o testador solicitava para a salvação livros de registros dos portos, ferrovias e ou-
de sua alma, entre outros assuntos. tras empresas de transporte fornecem dados

33
UAB/Unimontes - 6º Período

DICAS de grande interesse, mesmo os dados estatís- nou difícil incorporar em suas análises proble-
ticos oficiais do Estado. mas dinâmicos como desenvolvimento econô-
Um exemplo de livro
que emprega fontes Na atual situação da economia enquanto mico e flutuações (HOBSBAWM, 1998, p. 111).
seriais em sua análise disciplina, os economistas poderiam ouvir mais Algumas Faculdades de economia na In-
é “Perfeitos Negocian- as observações, contribuições, e mesmo conse- glaterra, como a de Cambridge, sempre man-
tes: Mercadores das lhos de outras disciplinas; dentre elas, a história. tiveram em seu programa a disciplina de histó-
Minas Setecentistas”
Discutindo a situação da Inglaterra, Hobs- ria econômica, porém de uma maneira muito
(Annablume, 1999) de
Cláudia Chaves. Em bawm propõe que poderia haver uma maior pouco integrada, sendo que sua função não
seu livro, a historiadora integração, ou talvez, uma reintegração da his- era muito clara.
utilizou as relações de tória à economia. Por outro lado, os historiadores econômi-
rendimento dos regis- De sua parte, a economia sempre foi víti- cos sempre tiveram uma espécie de vida dupla
tros de Minas Gerais
ma da história. Por seu turno, às vezes, a histó- entre as duas disciplinas, que lhes dão razão
no século XVIII que
consistia em listas fei- ria surpreende os economistas. Mais recente- de ser (a história e a economia).
tas quando os comer- mente, alguns economistas estão insatisfeitos Pelo menos no mundo anglo-saxão, sem-
ciantes passavam por com a situação de sua disciplina e, talvez, os pre existiram dois tipos de histórias econômi-
pontos de fiscalização historiadores possam contribuir para um escla- cas; havia uma “velha história econômica” e
na Capitania. Nesses
recimento, se não, uma revisão desse quadro. uma “nova história econômica”; uma história
documentos eram
anotados normalmente Os economistas precisam reintegrar a econômica para historiadores e uma história
o nome do negocian- história em suas análises e eles precisam mais econômica para economistas.
te, sua procedência e dessa reintegração que os historiadores, por- O segundo tipo, a história econômica
destino, data e a discri- que a economia é uma ciência social aplicada. para economistas, basicamente é teoria, prin-
minação dos produtos
Em geral, os economistas estão primor- cipalmente a teoria neoclássica.
que conduzia. Esse tipo
de fonte permitiu que dialmente voltados, direta ou indiretamente, O segundo tipo, a nova história econômi-
fossem reconstituídos às operações de economias reais que desejam ca, que também pode ser designada de clio-
os principais fluxos transformar, melhorar ou proteger contra a metria, que procura conjugar fontes históricas
comerciais de Minas deterioração (HOBSBAWM, 1998, p. 109). em sua análise; até agora tem sido menos re-
Gerais no século XVIII.
Hobsbawm também não deixa de fazer al- volucionária.
Alfred Marshall (1842- guns questionamentos se os economistas real- Isto porque, segundo Robert Fogel, histo-
1924) é considerado mente precisam reintegrar a história à economia. riador econômico, prêmio Nobel de Economia
um dos economistas Muitos deles recorrem ao passado em busca de e portanto, uma opinião autorizada, na histó-
mais influentes de seu respostas que o presente não é capaz de for- ria econômica norte americana – onde con-
tempo e seu “Princípios
necer. Nas palavras do historiador: “Por muito centrou uma boa parte dos adeptos da nova
de Economia é tratado
introdutório”, um dos tempo [...] o interesse pela história entre os eco- história econômica – os cliometristas podem
manuais de economia nomistas recuou, mesmo quando temas profun- ter alterado, mas nunca substituído as narra-
mais adotados na In- damente históricos passaram a ocupar o centro tivas básicas do crescimento da agricultura,
glaterra. Marshall nas- das atenções” (HOBSBAWM, 1998, p. 110). o surgimento da manufatura, a evolução do
ceu em Londres e fez
E acrescenta: “Meu raciocínio supõe que, sistema financeiro, a expansão do comércio e
carreira na Universida-
de de Cambridge, onde divorciada da história, a economia é um navio muitas outras coisas que foram reconstituídas
se tornou especialista desgovernado e os economistas sem a histó- e documentadas, por métodos tradicionais
em economia política, ria não têm muita noção de para onde o navio (HOBSBAWM, 1998, p. 108).
contribuiu para que a navega” (HOBSBAWM, 1998, p. 118). Em outras palavras, os cliometristas alte-
economia ganhasse
Na Inglaterra, ou pelo menos em Cam- raram, mas não substituíram as narrativas bá-
uma base mais científi-
ca. Entre os seus alunos bridge, uma das mais prestigiadas faculdades sicas de certos processos históricos que foram
mais ilustres está John de economia do país e possivelmente do mun- reconstituídos e documentados com métodos
Maynard Keynes. do, a história e a economia, desde os tempos tradicionais (HOBSBAWM, 1998, p. 108).
de Marshall (que viveu de 1842 a 1924), estive- Velhos historiadores econômicos não
ram permanente e incomodamente conjuga- acreditam na verificação ou não de certas pro-
das. Segundo Hobsbawm “A relação tem sido posições na teoria econômica em vigor e no
complexa e problemática para ambos os la- estreitamento do campo de visão da “nova”
dos” (HOBSBAWM, 1998, p. 107). história econômica (HOBSBAWM, 1998, p. 108).
Um economista como Marshall sabia que A história econômica não implica uma
a economia precisava da história, mas não sa- desconfiança da teoria quantitativa enquanto
bia como encaixar a história em sua análise tal, mas implica certo ceticismo com a teoria
(HOBSBAWM, 1998, p. 108). neoclássica em razão do seu caráter a-histó-
A economia britânica e, mais precisamen- rico (ou seja, que tem aplicação em diversos
te Marshall, jamais excluíram de suas análises tempos e espaços) e também em razão do
a história e a observação empírica. Apesar caráter altamente restritivo de seus modelos
disso a economia britânica estreitou sua base (HOBSBAWM, 1998, p. 109).
e perspectiva de uma maneira tal que lhe tor- Eric Hobsbawm observa que o interesse

34
História - Teoria da História Econômica e Política

por temas relacionados à história econômica nais (HOBSBAWM, 1998, p. 109). Atividades
ou à história do pensamento econômico re- Enquanto historiador, Hobsbawm ar-
Um dos motivos pelos
duziu consideravelmente; nas teses de dou- gumenta que é preocupado com o futuro. quais muitos histo-
torado nos Estados Unidos decaíram de 13% A história deve se preocupar com o futuro riadores puderam se
para 3% por volta de 1975. Contrariamente, o no sentido de entender este enquanto par- dedicar à história serial
tema do crescimento econômico, que até os te de um continuum do passado e do pre- foi em razão da natu-
reza e disponibilidade
anos 1940 não tinha sido tema de nenhum tra- sente. Nesse sentido, os economistas têm a
das fontes. No Brasil,
balho, compreende 13% de todas as teses na aprender com os historiadores (HOBSBAWM, pode-se considerar
mesma época. 1998, p. 120-121). que desde o período
Hobsbawm não deixa de observar que Efetivamente, a história não pode alterar colonial existem fontes
com o crescimento numérico, a profissionali- o que já aconteceu, mas pode fazer especula- dessa natureza, porém,
foi nos séculos XIX e XX
zação e a consolidação do campo acadêmico, ções, cogitar hipóteses. Sendo que passado,
que foram elaboradas
não apenas da economia como de outras dis- presente e futuro fazem parte de um todo, os de maneira mais siste-
ciplinas, desenvolveu-se uma grande massa de historiadores podem fazer recomendações mática fontes estatís-
trabalho que tem por objetivo não a interpre- para o futuro. Com essa finalidade, a história ticas em que se visava
tação do mundo, nem visam a sua transforma- pode ser especialmente útil à economia (HO- saber, por exemplo, o
tamanho da popula-
ção, mas, sim, objetivam progredir carreiras e BSBAWM, 1998, p. 109).
ção. Faça uma breve
obter vantagens em relação a outros profissio- pesquisa na Internet
e verifique qual é o
órgão estatal respon-

Referências
sável pela realização
desse tipo de trabalho
procurando alinhar as
suas principais compe-
tências.
BRAUDEL, Fernand. Escritos Sobre História. São Paulo: Perspectiva, 1992.

BURKE, Peter. Escola dos Annales (1929-1989): A revolução francesa da historiografia. Tradução
Nilo Odália. São Paulo: Unesp, 1997.

CARDOSO, Ciro Flamarion Santana & BRIGNOLI, Héctor Perez. Os Métodos da História. Introdu-
ção aos problemas, métodos e técnicas da história demográfica, econômica e social. Traduzido
por João Maia. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

CHAUNU, Pierre. A economia: ultrapassagem e perspectiva. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre
(orgs) História: novas abordagens. 4 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976.

FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo. História econômica. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAIN-
FAS, Ronaldo. Domínios da História. Rio de Janeiro: Campus, 1998.

HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Cia. das Letras, 1998.

Sugestão de Filme

- Tempos Modernos

35
História - Teoria da História Econômica e Política

Unidade 3
A Nova História Política

3.1 Introdução
Após você estudar a história econômica, a renovação da história política passou, fun-
seus objetos, seus métodos, suas contribui- damentalmente, pela ampliação dos objetos
ções, suas conquistas, problemas e desafios do historiador e no caso em discussão, pelo
em diversas fases, voltamos agora, novamen- entendimento do poder em uma nova formu-
te, para a história política. Essa organização do lação. Em termos mais claros: o poder passa
caderno não é arbitrária. Na realidade, a fase a ser entendido como aspecto presente nas
de ouro da história econômica coincide com a mais diversas relações e não mais como algo
fase de maior crise da história política. Assim, localizado no interior do Estado. O próprio
optamos por organizar o caderno obedecen- conceito de Estado foi reformulado, o que
do ao próprio movimento da historiografia. também contribuiu para ampliar o campo de
Nesta unidade focalizamos o que se con- investigação da história política.
vencionou chamar de “nova história políti- No item 3.3 – “A cultura política” – estu-
ca”. Em síntese, trata-se do revigoramento do damos como o conceito de cultura política se
campo após todas as críticas recebidas espe- transformou nos últimos anos na categoria mes-
cialmente durante o período de 1929 a 1970. tra da nova história política. Em virtude dessa
A nova história política integra um movimen- sua centralidade, procuramos definir o conceito
to mais amplo de transformação da história e suas características e destacar a sua utilidade
como um todo, mais especificamente pela para o historiador desse campo da história.
influência da chamada terceira geração dos Por fim, no item 3.4 falamos dos “Desafios
Analles cujo início pode ser data em 1969 da história política” salientando que as várias
com a saída de Fernand Braudel da direção possibilidades abertas pela nova história po-
da Revista Analles e com a crescente hege- lítica são bem-vindas, mas observando que
monia dos estudos culturais. essa renovação da área não se fez sem problemas
Além dessa breve introdução, essa uni- e sem riscos. Concluímos provocando os leitores a
dade é composta por mais três itens. No item aceitarem os desafios desse campo de estudos e
3.2 – “O poder ampliado” – destacamos como produzirem uma história social da política.

3.2 O poder ampliado


Adotamos como data referência para a a ampliação das funções do Estado, a exemplo
nova fase dos estudos do político, o ano de do processo de burocratização; c) o desen-
1974, quando é publicada a coleção Faire de volvimento da tecnologia de informação que
l’histoire, organizada por Jacques Le Goff e “torna imediatamente políticos um grande
Pierre Nora. Nesta, Jacques Julliard faz o in- número de acontecimentos, conferindo-lhes
ventário dos vícios da velha história política uma repercussão pública” (JULLIARD, 1976,
e aponta os caminhos para a nova fase. Entre p. 184); c) a reconciliação da história política
os fatores da renovação apontados/propostos com o quantitativo e com a longa duração e d)
por Julliard, destacam-se a) o reconhecimento a ampliação do conceito de política e mesmo
de que há “problemas políticos que resistem de poder, ultrapassando as leituras que os cir-
às modificações da infraestrutura, e que não cunscreviam ao Estado.
se confundem com os dados culturais que “A história política de amanhã será o estudo
prevalecem num momento dado” (JULLIARD, do poder e de sua repartição” (JULLIARD, 1976, p.
1976, p. 182), ou seja, o político é específico; b) 190), previu acertadamente o autor francês.

37
UAB/Unimontes - 6º Período

Antes mesmo da renovação dos estu- foi personagem central na Segunda Guerra
dos sobre a política, os processos históricos já (1939-1945) e, após o conflito mundial, tornou-
Figura 13: o ano de indicavam essa necessidade. Como observa -se crescente a importância das relações in-
1968 foi marcado René Remond, a intervenção do poder pú- ternacionais na vida interna dos Estados. Por
por manifestações
estudantis na França. blico na vida social e econômica só cresceu a tudo isso, como destaca o historiador françês,
Fonte: www.alunosonline.
partir de 1929, especialmente por causa do as questões políticas mostraram possuir uma
com.br/historia/maio- enfrentamento da crise do liberalismo econô- materialidade própria, mesmo não sendo algo
-de-1968/ mico. Além disso, por razões óbvias, o Estado desconectado das demais instâncias.


Figura 14: Manifestação dos Estudantes na França em 1968

38
Fonte: http://www.revistabrasileiros.com.br/imagens/124/em/textos/31/
História - Teoria da História Econômica e Política

O desenvolvimento dos meios de comunicação também desempenhou um papel funda-


mental para as transformações por que passaram a história e a mais particularmente a história
política. As modernas tecnologias de comunicação, em virtude do caráter global e instantâneo
das informações que elas fornecem, transformaram praticamente todos os fatos em aconteci-
mentos políticos.

Foi para todos que De Gaulle pronunciou o Apelo de 18 de junho, mesmo se


poucos o ouviram; é para todos que um campeão de esqui ultrapassa um re-
corde nas altitudes solitárias [...]: a publicidade é a lei de bronze do aconteci-
mento moderno (NORA, 1976, p. 186).

Pierre Nora fez essa análise no início da década de 1970. Hoje, quatro décadas depois, suas
ideias podem ser radicalizadas. Pode-se dizer que atualmente assistimos ao vivo e online o de-
senrolar-se da história política. É possível que o exemplo mais conhecido disso seja o ataque
às torres gêmeas do World Trade Center nos Estados Unidos no dia 11 de setembro de 2001. O
evento foi transmitido ao vivo para milhões de pessoas em todo o planeta. Sintomaticamente, os
terroristas apostam precisamente nessa repercussão midiática das suas ações. Além do prejuízo
material e humano imediato, os autores dessas medidas querem explorar ao máximo a dimen-
são simbólica das suas atividades.
A renovação da história política foi, em verdade, parte da renovação da história como um
todo, liderada pelo que se denomina terceira geração dos Annales (BURKE, 1997). Os historiado-
res do político se abriram para um diálogo com a linguística, ciência política, antropologia, psico-
logia social, matemática e informática. Essa cooperação com outras disciplinas foi e é muito para
a história política, como assinala Remond, “é impossível para a história política praticar o isola-
mento: ciência-encruzilhada, a pluridisciplinaridade é para ela como o ar que ela precisa para res-
pirar.” (REMOND, 1988, p. 29).
Na esteira da renovação/ampliação do que constitui o político, os objetos também se ampliaram:

Poder e política passam assim ao domínio das representações sociais e suas


conexões com as praticas sociais; coloca-se como prioritária a problemática do
simbólico – simbolismo, formas simbólicas, mas, sobretudo o poder simbólico,
como em Bourdieu. O estudo do político vai compreender a partir daí não mais
apenas a política em seu sentido tradicional, mas, em nível das representações
sociais ou coletivas, os imaginários sociais, a memória ou memórias coletivas,
as mentalidades, bem como as diversas práticas discursivas associadas ao po-
der (FALCON, 1997, p. 76).

Além dos discursos e propostas formais


e racionalizadas para se compreender a polí-
tica, passou-se a estudar a sua manifestação
também em outras dimensões, procurando
compreender os elementos não inteiramente
racionais que ajudam a explicar por que de-
terminada proposta ou candidato obtém ou
não sucesso. Um exemplo disso são as cha-
madas encenações políticas. Aquelas experi-
ências em que o poder se apresenta em uma
espécie de teatro. Para compreensão dessas
práticas, Georges Balandier é uma importante
referência. Para o autor, o recurso à dramati-
zação, o uso dos cerimoniais, a produção de
imagens e a manipulação de símbolos são prá-
ticas contínuas do poder estabelecido. E este
não se sustenta apenas pela justificação ra-
cional ou pelo domínio imposto pela força. O
imaginário e o simbolismo lhes são essenciais.
Desde as sociedades tribais, passando pelos
regimes absolutistas, democracias contempo-
râneas, ditaduras republicanas, regimes socia-
listas, todo poder político, afirma o autor, “[...] ▲
obtém finalmente a subordinação por meio da Figura 15: Desfile Militar: 60 anos de China Comunista
teatralidade [...]” (BALANDIER, 1982). Fonte: http://leilacordeiro.blogspot.com/2009/10/noticias-desta-
-quinta-feira-01-10-09.html
39
UAB/Unimontes - 6º Período

O teatro político ocorre nas mais diferentes situações. Podemos encontrá-lo em um grande
evento, como o desfile de comemoração dos 60 anos da Revolução Chinesa – vide figura 15 –
mas também em eventos protagonizados por um único homem, mas que se serve de dezenas
câmeras para se exibir em rede nacional. É o caso do deputado Roberto Jefferson que denun-
ciou o chamado “mensalão”. O deputado usa bem sua oratória de advogado e faz também um
espetáculo. Interpreta, faz gestos, quando fala que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi traído si-
mula estar sendo atingido por uma faca nas costas. É um ator e fala ao vivo para milhões de pessoas.

Figura 16, 17, 18, 19: ►


Roberto Jefferson
denuncia o “mensalão”.
Brasília, 2005 /
Fonte: http://www.
consciencia.net/opiniao/
gilberto.html

http://contextolivre.
blogspot.com/2010/10/
bob-jeff-anuncia-voto-
-em-plinio.html, http://
bordalo13.blogspot.
com/2010_06_01_archive.
html
Autores diversos influenciaram na transformação da história política, a exemplo de Norbert
Elias, Alex Tocqueville, Hannah Arendt, Jacques Revel, Raymond Aron, Raoul Girardet, Michel
Foucault, Clifford Geertz, Louis Dumont e Pierre Bourdieu. Autores identificados com o pensa-
mento marxista também foram importantes, como Antônio Gramsci, Nicos Poulantzas, Perry An-
derson e Edward P. Thompson (FALCON, 1997).
A ampliação dos objetos e o reconhecimento de que o poder está descentrado e se encon-
tra presente nas mais diversas relações não elimina, todavia, a importância do Estado. Embora o
político e/ou o poder não sejam mais entendidos como algo restrito à instituição estatal, a com-
preensão da sua natureza e funcionamento permanece importante. Consequentemente, conti-
nua sendo necessário discutir as suas definições.
Diferentemente do que propunha a ortodoxia marxista, o Estado não é simples agente de
classe, mas possui suas próprias razões, pode atuar um pouco acima dos condicionantes sociais
e econômicos. Para Remond, a ampliação da ação do pode público para áreas, como moradia,
assistência social, saúde, legislação e subvenção da produção, incorporou uma multiplicidade de
interesses que resultam em uma margem de autonomia aos administradores. Diz o autor:

Análises de processos de decisão relativos a escolhas importantes demonstra-


ram [...] que as escolhas políticas não são o simples decalque das relações de
força entre categorias profissionais. Estas, em primeiro lugar, são múltiplas e
estão longe de se entender; só o observador externo pode ter a ilusão de sua
homogeneidade. Sua diversidade, seus antagonismos proporcionam ao gover-
no, aos políticos, ao aparelho administrativo uma margem de independência,
um espaço de liberdade e uma capacidade de arbitragem que eles usam ge-
ralmente em função da ideia que fazem do interesse superior da coletividade
nacional (REMOND, 1988, p. 24).

Figura 20: Palácio de ►


Versalhes – França.
Fonte: http://www.skyscra-
percity.com/showthread.
php?t=621817

40
História - Teoria da História Econômica e Política

◄ Figura 21: Palácio de


Versalhes – França.
Fonte: http://www.skys-
crapercity.com/showthre-
ad.php?t=621817

A “margem de independência” de que fala o autor é muito semelhante ao conceito de au-


tonomia relativa do Estado de Nicos Poulantzas, um autor importante na renovação do marxis-
mo e da própria história política. Talvez a diferença entre os dois conceitos esteja na extensão da
margem. Esta parece ser mais ampla para Remond do que para Poulantzas. Além disso, enquan-
to o primeiro acredita que a arbitragem é utilizada em função das concepções dos governantes
quanto ao “interesse superior da coletividade”, o segundo compreende que o limite da autono-
mia relativa é dado justamente pela estrutura de classe presente na sociedade capitalista. O fim
último da própria autonomia é de natureza classista:

O Estado sempre detém uma autonomia relativa em relação a essa ou àquela


fração do bloco no poder (inclusive em relação a tal ou qual fração do pró-
prio capital monopolista) a fim de assegurar a organização do interesse geral
da burguesia sob a hegemonia de uma de suas frações (POULANTZAS, 1981, p.
130).

Seja como for, a reformulação no conceito de Estado ocorreu dentro e fora do marxismo, como
revelam os textos de Remond e Poulantzas. A história política superava, assim, um dos obstáculos le-
vantados pelo marxismo vulgar, e mesmo por outros pensadores, ao seu desenvolvimento.
No entanto, foi a reformulação do próprio conceito de poder a mudança mais significativa.
Se a ampliação do papel e do conceito de Estado já implicava uma maior abertura quanto à de-
finição da categoria, os novos movimentos sociais que emergiram ao final da década de 1960 e
a máxima de que “o pessoal é político” (WOODWARD, 2000) conferiram à noção de poder uma
elasticidade antes inimaginável. A influência dessa nova conjuntura atingiu setores diversos para
além da história política. Segundo Stuart Hall, o Centre for Contemporary Cultural Studies teve que
reformular suas abordagens e mesmo seus objetos em virtude da avalanche do movimento fe-
minista (HALL, 2003, p. 196).

41
UAB/Unimontes - 6º Período

Figura 22, 23: ►


Movimento Fora
Collor em 1992.
Fonte:http://www.une.org.
br/home3/movimento_es-
tudantil/movimento_
estudantil_2007/m_9920.
html

Nesse processo de repensar o poder a maior influência certamente foi de Michel Foucault e
Glossário sua visão de que o poder é “algo que circula”, que “funciona em cadeia” e que “nunca está loca-
Centre for Contempo- lizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um
rary Cultural Studies bem” e em cujas malhas os
(Centro de Estudos
Culturais Contemporâ-
indivíduos não só circulam, mas estão sempre em posição de exercer este po-
neos): grupo criado em
der e de sofrer a sua ação, nunca são o alvo inerte [...] mas estão sempre cen-
1963 na Universidade
tros de transmissão (FOUCAULT, 2000, p. 183)
de Birmingham - In-
glaterra. Integraram o
CCCS grandes pensa- Na perspectiva foucaultiana, o poder
dores como Stuart Hall
e Richard Hoggart. circula em todas as direções [...] é prática produtora de sentido, que se inscreve
Entre seus temas des- nos corpos, que os tornam sujeitos e que os assujeitam [...], [o poder] maquina,
tacam-se subculturas, [produz] conexões e desarticulações, continuidades e rupturas, fluxos e cortes.
cultura popular, mass [...] Não pressupõe um centro [...] se espraia por todo o corpo social. A casa, a
media e feminismo. família burguesa não são uma fortaleza contra as forças de fora, elas são o pon-
to de passagem e de inscrição destas forças (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2007, p.
74-75).

Figura 24, 25: Ataque ►


ao World Trade
Center. Nova Iorque –
11/09/2001
Fonte: http://www.
portalbrasil.net/reporta-
gem_atentado_wtc.htm
http://especiais.ig.com.br/
zoom/11-de-setembro-
-nove-anos-depois/

42
História - Teoria da História Econômica e Política

Essas reformulações do conceito de poder, bem como a contribuição específica de Foucault,


não ocorreram sem gerar problemas e críticas na e para a história política como veremos poste-
riormente nas reações de René Remond quanto à delimitação do campo do político e nas inda-
gações de Peter Burke quanto à identidade da nova historia política.

3.3 A cultura política


A mais recente e, pode-se dizer também, a mais produtiva conquista da história política foi
construir um diálogo efetivo com a história da cultura, segmento hegemônico na atualidade por
meio da categoria cultura política. Vamos, portanto, estudar um pouco este conceito.
Cientistas Políticos e Antropólogos, especialmente os norte-americanos, já utilizavam o
conceito há várias décadas quando os historiadores decidiram aplicá-los aos seus estudos. Após
a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) quando o mundo ocidental vivia uma onda desenvol-
vimentista, cientistas políticos dos EUA construíram uma visão etapista das culturas políticas,
apontando a “cultura cívica” das nações democráticas ocidentais como um modelo ideal de cul-
tura política. A categoria foi também utilizada na Antropologia, produzindo uma crítica ao mo-
delo anterior. Na vertente antropológica, valorizavam-se mais os aspectos simbólicos, as percep-
ções dos indivíduos sobre a vida social e política (GOMES, 2005, 28-29).
Entre os historiadores, o conceito era utilizado ainda um pouco timidamente na década de
80. No ano de 1988 quando publicava o livro "Por uma história política", obra que celebrava o
renascimento dessa área da história, René Remond previa que o conceito estava prestes a ocupar
um lugar central entre historiadores. No mesmo livro, Serge Berstein, outro historiador francês,
define a cultura política como

[...] uma cultura difusa [que] se exprime por um sistema de referências em que
se reconhecem todos os membros de uma mesma família política, lembranças
históricas comuns, heróis consagrados, documentos fundamentais [...], símbo-
los, bandeiras, festas, vocabulário de palavras codificadas etc. [...] (BERNSTEIN,
2003, p. 88-89)

A “profecia” de Remond parece ter se cumprido. Dez anos depois, em 1998, Serge Berstein
afirma que o conceito se tornou a “resposta mais satisfatória” para a explicação dos comporta-
mentos políticos (BERNSTEIN, 1998, p. 349).
Nesse texto de 1998, Berstein aprofunda o conceito, listando os elementos que o integram e
suas características. O autor começa ratificando e reproduzindo a definição de seu colega Jean-
-François Sirinelli para quem a cultura política é

[...] uma espécie de código e de um conjunto de referentes, formalizados no


seio de um partido ou, mais largamente, difundidos no seio de uma família ou
de uma tradição política. (BERNSTEIN, 1998, p. 350)

Mas o conceito só fica completo quando Berstein desenvolve o tema, apontando os aspec-
tos que integram uma cultura política:

[...] uma visão dividida do mundo, em que entram em simbiose uma


base filosófica ou doutrinal, a maior parte das vezes expressa sob a for-
ma de uma vulgata acessível ao maior número, uma leitura comum e
normativa do passado histórico com conotação positiva ou negativa
com os grandes períodos do passado, uma visão institucional que tra-
duz no plano da organização política do Estado os dados filosóficos ou
históricos precedentes, uma concepção da sociedade ideal tal como a
vêem os detentores dessa cultura e, para exprimir o todo, um discurso
codificado, em que o vocabulário utilizado, as palavras-chave, as fórmu-
las repetitivas são portadores de significação, enquanto ritos e símbo-
los desempenham ao nível do gesto e da representação visual, o mes-
mo papel significante (BERNSTEIN, 1998, p. 350-351).

Resumindo e interpretando a citação acima, podemos dizer que uma cultura política é in-
tegrada por uma filosofia, uma visão do passado, um modelo de sociedade/Estado, um discurso
que se traduz em palavras e ideias e se representa em gestos, ritos e símbolos. Um exemplo pa-

43
UAB/Unimontes - 6º Período

radigmático de cultura política seria a cultura política republicana na França, formada a partir da
Para refletir
Revolução de 1789. No Brasil, talvez possamos falar em uma cultura política trabalhista que sur-
1. Existiria uma giu na chamada Era Vargas (1930-1945), solidificou-se no período democrático (1945-1964) e teria
cultura política sobrevivido até o período ditatorial, passando por mudanças evidentemente.
petista no Brasil? O conceito apresentava diversas vantagens. Entre elas, destacam-se o fato dele escapar ao
2. A mineiridade determinismo de cunho sociológico e/ou marxista e também não se prender a uma leitura idea-
pode ser pen- lista da adesão dos indivíduos a uma determinada doutrina política (BERSTEIN, 1998).
sada como uma Segundo o autor, cultura política se diferencia dos conceitos de ideologia e de tradição. Do
cultura política? primeiro, porque ele depende da noção de classe, parece algo mais bem acabado e formulado,
ao qual se adere por convicção racional, interesse material ou por determinação socioeconômi-
co-profissional; do segundo porque ele remete à ideia de algo sólido e imutável, enquanto as
culturas políticas são plurais e móveis, transformam-se, evoluem (BERSTEIN, 1998).
A essa altura você pode estar se perguntando: quando e por que surgem as culturas políti-
cas? Elas nascem em um momento de crise, como resposta a uma dada conjuntura. São nas cir-
cunstâncias marcadas por grandes abalos e mudanças que emergem essas espécies de respostas
à crise. No caso francês, a cultura política republicana emergiu como uma resposta à crise revolu-
cionária do final do século XVIII.
É preciso, nesse momento, destacar que embora seja possível datar o nascimento das cul-
turas políticas, elas não são imóveis. Elas evoluem, isto é, modificam-se ao longo do tempo, ajus-
tam-se à realidade sob pena de desaparecer. Elas são também plurais, estando em permanente
diálogo e operando trocas entre si. A pluralidade e o intercâmbio não eliminam a disputa – afinal
são políticas; consequentemente, pode haver uma cultura política predominante em relação às
outras (BERNSTEIN, 1998, p. 354).
Outra pergunta importante é quanto à difusão de uma cultura política. Neste caso, segundo
Berstein, ocorre algo semelhante a outros pensamentos. A sua difusão se dá por canais conven-
cionais como a família, a escola, o Exército, os partidos, os locais de trabalho, os sindicatos e a mí-
dia. A diferença é que a cultura política se forma espontaneamente. Estas instituições não agem
por doutrinação.

A ação é variada, por vezes contraditória, e é a composição de influências di-


versas que acaba por dar ao homem uma cultura política, a qual é mais resul-
tante do que uma mensagem unívoca (BERSTEIN, 1998, p. 357).

Embora importantes e presentes no processo de formação e difusão de cultura política, a


razão, o planejamento e intenção não são determinantes. Segundo o autor, pode haver mesmo
uma boa dose de irracionalidade porque a cultura vai além da razão e, uma vez consolidada, re-
siste a argumentos racionais. A cultura política é algo vivido e, como tal, forma-se de maneira
lenta e complexa ao longo da vida, incluindo a infância e adolescência.
Dessa maneira, uma cultura política solidificada não se altera com facilidade,

uma bagagem tão solidamente integrada, e que beneficia do peso da experi-


ência, da dedicação às causas pelas quais milita, não poderia ser atingida por
criticas provenientes da argumentação racional (BERSTEIN, 1998, p. 360)

Não se trata de puro impulso e completa irracionalidade: sua aquisição se fez por raciocínio,
praticá-la implica análise, mas é fato que a “interiorização das razões de um comportamento aca-
ba por criar automatismos que soa apenas o atalho da diligência racional anteriormente adquiri-
da” (BERSTEIN, 1998, p. 360-361).
Em síntese, o sucesso desta formulação estaria em sua capacidade de explicar/compreen-
der a adesão política para além das escolhas racionais e das determinações sócio-econômicas.
O conceito lograria estudar o político a partir da cultura. Nada mais apropriado para um período
em que, conforme palavras do historiador Rodrigo Patto Sá Motta, “tudo tem sido explicado pela
influência dos fatores culturais” (MOTTA, 2009, p. 14).

44
História - Teoria da História Econômica e Política

3.4 Desafios da história política


No tempo atual e com o uso do conceito de cultura política, o campo de estudos da história
política alargou-se de forma considerável. Isso é bastante positivo.
Todavia, esse processo não se fez sem custos. Há também problemas. Rodrigo Patto Sá Mot-
ta elenca alguns deles. O autor diz que é necessário evitar o modismo e propõe então alguns
cuidados, especialmente quanto às delimitações que se deve fazer no uso do conceito. Neste
item, o autor destaca três pontos:
a. A cultura política requer, além dos pré-requisitos presentes na própria definição, um tem-
po de maturação, uma vez que sua reprodução se dá em “práticas reiterativas”. Berns-
tein fala que o amadurecimento de uma cultura política pode demandar duas gerações
(BERNSTEIN, 1998). Assim, o conceito não se aplica, por exemplo, a eventos e movimentos
efêmeros, característicos do tempo curto (MOTTA, 2009).
b. “Nem toda história cultural do político implica o uso da categoria cultura política” (MOT-
TA, 2009, p. 25). A presença de símbolos e mitos no discurso e prática de diversos per-
sonagens e/ou instituições ao longo da história não necessariamente indica a presença
efetiva de uma cultura política específica (Motta, 2009).
c. As culturas políticas existem a partir do século XVIII, quando a política se torna um campo
mais aberto à participação de segmentos mais amplos, abrindo espaço, assim, às disputas
de projetos, ideias e valores que se constituem culturas políticas. Desta maneira, é arrisca-
do utilizar o conceito para períodos históricos precedentes (MOTTA, 2009).

Há também outros riscos a serem evitados: a banalização do conceito advinda da sua utili-
zação sem critério, algo comum quando um conceito está “na moda”. O relativismo radical que
ignora a possibilidade de distorções e manipulação, procedimentos comuns no terreno da polí-
tica; “uma interpretação conservadora da história” oriunda da ênfase na tradição em detrimento
das mudanças e o reducionismo culturalista (MOTTA, 2009).
Além das questões levantadas por Motta, a história política das últimas décadas apresenta
mais três problemas e/ou desafios. O primeiro é a questão da delimitação dos seus objetos; o
segundo é o problema da sua identidade enquanto área da história; o terceiro é o que denomi-
namos aqui de “hipervalorização do político”.
Tomando como base a máxima de que “o pessoal é político” e servindo-se da ideia de o
poder descentra como afirma Michel Foucault, tudo parece ser poder ou ele parece estar em to-
dos os lugares. Ora, se o poder, que é o objeto por excelência do historiador do político (BAR-
ROS, 2004), expande-se de forma quase infinita, fragmenta-se também e até mesmo esgarça-se
o “material” para estudo do historiador.
Conforme afirma o historiador inglês Peter Burke:

O território da política expandiu-se, no sentido de que os historiadores (seguin-


do teóricos como Michel Foucault) estão cada vez mais inclinados a discutir a
luta pelo poder na fábrica, na escola ou até mesmo na família. Entretanto, o
preço de tal expansão é uma espécie de crise de identidade. Se a política está
em toda parte, será que há necessidade de história política? (BURKE, 1992, p. 8).

Para enfrentar este problema, Rene Remond, um dos líderes da renovação da história políti-
ca, sugere um recorte:

[...] a política é a atividade que se relaciona com a conquista, o exercício, a prá-


tica do poder [...]. Mas não qualquer poder! O abuso, a partir de 1968, da noção
de poder e a extensão de sua aplicação desencadearam sua diluição: tudo se-
ria relação de poder, no ensino, na família, nas relações interpessoais. Seriam
então a escola e a família sociedades políticas? Só é política a relação de po-
der na sociedade global: aquela que constitui a totalidade dos indivíduos que
habitam um espaço delimitado por fronteiras que chamamos precisamente de
políticas. [...] Entretanto, se o político é aquilo que tem relação direta com o Es-
tado e a sociedade global, ele não se reduz a isso: ele se estende também às
coletividades territoriais e a outros setores por esse movimento que ora dilata
e ora encolhe o campo do político. [...] existe uma política para a habitação, as-
sim como para a energia, a televisão é um investimento político, o sindicalismo
intervêm no campo das forças políticas (REMOND, 2003, p. 444).

45
UAB/Unimontes - 6º Período

A sugestão de Remond data de 1988. Ela integra o livro por ele organizado – Por uma histó-
ria política – que registra e, de certa forma, comemora a renovação da área. Passados vinte anos,
a história política continua a crescer e seus objetos parecem cada vez mais numerosos. O vigor
desse campo também é facilmente perceptível, bastando, para isso, um pequeno passeio por
qualquer livraria.
Mas as preocupações e problemas destacados por Remond e Burke também estão presen-
tes e continuam a requerer uma resposta por parte dos historiadores que investigam a temática
política.

Figura 26, 27: Posse de Lula ►


na presidência da República
do Brasil – Brasília,
01/01/2003.
Fonte: http://brasiliabsb.com/
lula.htm http://www.planalto.
gov.br/pr1.htm

46
História - Teoria da História Econômica e Política

Por fim, destacamos o risco da hipervalorização do político e da consequente ignorância


dos condicionamentos sociais. Para se afirmar enquanto dimensão específica da história, a his-
tória política dependeu e ainda depende em boa medida do reconhecimento de que a política
tem suas dinâmicas, caprichos e “leis” próprias. Em outras palavras, a política não é um mero re-
flexo do social e/ou do econômico. Esse reconhecimento constitui uma grande conquista para os
historiadores e não pode ser negligenciada. Todavia, ela não pode desaguar em outro extremo:
desprezar as relações entre o político, o econômico e social.
Os riscos de uma história, que no afã de reconhecer a dinâmica própria da política ignora o
social, são sintetizados por Marcelo Badaró Mattos quando ele fala da historiografia mais recente
acerca do governo Goulart e do golpe de 1964 no Brasil:

Em uma apreciação mais geral, pode-se situar a maior parte da produção re-
cente a respeito do governo Goulart como decisivamente influenciada pela
perspectiva de uma “história política renovada” [...] Sente-se, porém, a falta de
um nexo maior entre tal análise política e a história social daquele período. Não
no sentido de retomar as teses mais mecânicas de algumas análises [...] que pa-
reciam negar qualquer nível de autonomia à dimensão política, reduzindo to-
dos os desdobramentos daquela conjuntura simples reflexo das contradições
do modelo de desenvolvimento econômico. Mas sim para não afastar comple-
tamente do horizonte que, para além dos embates entre “esquerdas” e “direi-
tas”, ou melhor, explicando-os, encontramos interesses sociais distintos e con-
flitantes, que se manifestam em diferentes projetos de poder (MATTOS, 2008,
p. 261).

Os desafios colocados ao historiador do político são, portanto, pesados. Mas as possibilida-


des e potencialidades da área são também expressivas. Ao final dessa parte, vale lembrar uma
regra fundamental em qualquer debate sobre áreas de estudo do historiador: a história política,
antes de ser política, é história. E acrescentaríamos que a melhor maneira de se fazer história é
abordá-la enquanto manifestação coletiva, enquanto história social e, em se tratando de política,
o melhor caminho seria fazer uma história social da política.

Referências
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Janeiro: Francisco Alves, 1976.

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ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. História: a arte de inventar o passado. Bauru: Edusc,
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UAB/Unimontes - 6º Período

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BARROS, José D’Assunção. O campo da história: especialidades e abordagens. 2 ed. Petrópolis:


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REMOND, Rene. (org). Por uma história política. Rio de Janeiro: FGV, 2003.

MATTOS, Marcelo Badaró. O governo João Goulart: novos rumos da produção historiográfica.
Revista Brasileira de História. São Paulo, ANPUH, v. 28, n. 55, jan.-jun., 2008.

Sugestão de Filmes

- Invictus

- Rede de Mentiras

48
História - Teoria da História Econômica e Política

Resumo
A história é um campo do conhecimento No segundo capítulo, enfocamos a histó-
que exige uma ampla e diversificada leitura. ria econômica, apontando que a sua expansão
Esse caderno elege como tema da discussão e prestígio ocorrem precisamente quando a
as dimensões política e econômica da histó- história política experimentou sua fase mais
ria. Além desse recorte, a presente abordagem crítica. Sob a influência da crise de 1929 e dos
também se concentra nos aspectos teóricos e esforços pela recuperação, os estudos econô-
metodológicos e não em uma história econô- micos adquiriram proeminência, seja pelas mãos
mica e política internacional do mundo con- dos autores filiados aos Annales, seja pelas mãos
temporâneo. Apesar desses recortes, esse ma- de pesquisadores de formação marxista.
terial é apenas uma espécie de bússola para os O recuo da história econômica a partir
acadêmicos. Todo livro sobre história, teoria ou dos anos 1960/1970 “coincide” com a emer-
historiografia é incompleto. O mesmo se aplica a gência da história cultural e, posteriormente,
esse caderno. Esse reconhecimento é fundamen- com um retorno da história política, agora re-
tal para que os leitores desse texto sejam estimu- novada, se autointitulando “nova”. O terceiro
lados a consultar as referências aqui utilizadas. capítulo prioriza a discussão dessa última fase
No primeiro capítulo, após breve aborda- da história política quando ela se aproximou
gem sobre a história desde o seu surgimento vigorosamente da história da cultura, nascen-
na Grécia Antiga, analisamos a história política do daí uma das mais difundidas categorias da
no século XIX e primeiras décadas do século nova história política: a cultura política. Por
XX, salientando as razões históricas e teóricas fim, salientamos os limites e as virtudes des-
do seu vigor, identificando seus métodos e ca- se conceito e apontamos sugestões para uma
tegorias principais. história social da política.

49
História - Teoria da História Econômica e Política

Referências
Básicas

BERSTEIN, Serge. Cultura política. In: RIOX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean-François (Dir). Para uma
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51
UAB/Unimontes - 6º Período

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mentalidades. São Paulo: Brasiliense, 2004.

52
História - Teoria da História Econômica e Política

Atividades de
Aprendizagem - AA
1) Sabe-se que desde a antiguidade, passando pela época medieval e moderna, até os dias de
hoje, história e poder possuem uma relação muito estreita. No texto abaixo, a historiadora Vavy
Pacheco Borges, escreveu sobre essa relação:

“[Políbio] escreve que Roma é ‘a obra mais bela e útil do destino’ e que todos os homens devem a ela
se submeter. A história é vista como mestra da vida, levando os homens a compreenderem o seu desti-
no. Roma é o centro do mundo, e a imposição de seu destino é o destino histórico mundial.” BORGES,
Vavy Pacheco. O que é história. São Paulo: Brasiliense, 1993, p. 21.

Com base no excerto acima, no Caderno Didático e nos conhecimento que tem sobre o assunto,
assinale a alternativa abaixo que melhor expressa que tipo de relação era essa:

a. ( ) A relação dos historiadores enquanto agentes e estudiosos do poder.


b. ( ) A relação dos historiadores enquanto estudiosos do poder.
c. ( ) A relação dos historiadores enquanto agentes do poder.
d. ( ) A relação de distanciamento que os historiadores tinham do poder.

2) No período medieval, assim como na antiguidade, a história era produzida por pessoas vincu-
ladas ao poder e, no caso do medievo, aquelas ligadas à Igreja Católica. Em vista disso, como se
caracterizava a história produzida no âmbito eclesiástico:

a. ( ) No período medieval, produzia-se uma história eminentemente jurídica, com grande


rigor crítico e voltada para a legitimação da ordem estabelecida.
b. ( ) No período medieval, produzia-se uma história tipicamente eclesiástica, com estrito
rigor crítico (realizado pelos religiosos nos mosteiros) e voltada para a transformação da
sociedade.
c. ( ) No período medieval, produzia-se uma história muito apegada aos eventos militares
em razão das várias batalhas que travaram, com pouco rigor crítico e voltada para a or-
dem estabelecida.
d. ( ) No período medieval, produzia-se uma história tipicamente eclesiástica, com pouco
rigor crítico e comprometida com a ordem estabelecida.

3) “[...] quer impor uma investigação científica afastando qualquer especulação filosófica; pensa
atingir os seus fins aplicando técnicas rigorosas respeitantes ao inventário das fontes, à crítica
dos documentos, à organização das tarefas na profissão”. BOURDÉ, Guy; MARTIN, Hervê. As esco-
las históricas. Lisboa: Publicações Europa-América, 1983, p. 97.

A definição acima corresponde à importante vertente da história surgida no século XIX. A passa-
gem refere-se à:

a. ( ) Escola de Frankfurt.
b. ( ) Escola dos Annales.
c. ( ) História Serial.
d. ( ) Escola Metódica.

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UAB/Unimontes - 6º Período

4) No século XIX, a história se institucionaliza enquanto disciplina. A história positivista foi a for-
ma como ficou conhecida a produção do gênero no período, que era caracterizada por:

a. ( ) Grande rigor crítico na utilização das fontes, apego ao fato único, a separação entre
sujeito e objeto em relação ao tema estudado, e a realização de narrativas sobre eventos
militares e políticos.
b. ( ) Pouco rigor crítico na utilização de documentos, concentração em fatos da vida coti-
diana, sem a intervenção do estudioso que deveria apenas narrar os acontecimentos tal
como aconteceram.
c. ( ) Grande rigor crítico na utilização das fontes, preocupação em estabelecer grandes sé-
ries documentais, principalmente para estudo de eventos de natureza econômica.
d. ( ) Pouco rigor crítico na utilização de documentos, concentração em eventos eclesiásti-
cos, e uma história isenta e imparcial.

5) No final do século XIX, já existiam trabalhos que voltavam-se para o estudo de questões de or-
dem econômica, porém, com uma abordagem muito diferente daquela que se verificou a partir
da década de 30 do século XX com os Annales. Fernand Braudel, um dos principais nomes deste
movimento, fez uma crítica exemplar em relação aos trabalhos que eram produzidos, principal-
mente, no segundo quartel dos oitocentos. Assinale a alternativa que corresponde ao seu argu-
mento:

a. ( ) Segundo Braudel, a principal diferença dos trabalhos que se produziam no século XIX
em relação àqueles que foram elaborados pelos Annales consistia na falta de problemati-
zação.
b. ( ) Segundo Braudel, o problema dos trabalhos de história econômica do século XIX era
o fato de muitos deles se encontrarem dispersos em enciclopédias e obras gerais e não se
ocuparem integralmente de temas de história econômica, mas abordando o assunto sem-
pre de maneira não muito sistemática.
c. ( ) A crítica fundamental de Braudel em relação à história econômica que se praticava
antes dos Annales era o fato dos estudiosos se ocuparem sobretudo de assuntos como
salários, preços e rendas.
d. ( ) A principal crítica de Braudel aos trabalhos de história econômica do século XIX era o
fato de terem se voltado para a formulação de um modelo teórico mais geral, não partin-
do para a análise de estudos de caso mais concretos.

6) Segundo os historiadores Ciro Flamarion Cardoso e Hector Perez Brignoli, o principal interesse
dos trabalhos inseridos na chamada economia política clássica dos séculos XVIII e XIX estava vol-
tado:

a. ( ) Para o fornecimento de um modelo teórico que explicasse os ciclos econômicos.


b. ( ) Para os valores das matérias-primas com a finalidade de diminuir os custos de produ-
ção nas indústrias.
c. ( ) Para o estudo de temas como a renda, o lucro, os salários, os preços e os custos das
mercadorias.
d. ( ) Para a renda e obtenção de lucro a fim de dar impulso ao capitalismo que se desen-
volvia.

7) O historiador Eric Hobsbwam realiza importantes considerações a respeito da formulação de


teorias econômicas e desenvolvimento econômico. Assinale abaixo a alternativa que está de
acordo o seu pensamento:

a. ( ) Para o autor existe uma relação muito próxima entre crescimento econômico e formu-
lação de teorias econômicas. O maior exemplo disso é a Inglaterra que foi palco da revolu-
ção industrial e abriga a Universidade de Cambridge, que tem uma das mais prestigiadas
faculdades de economia do mundo.
b. ( ) Segundo Hobsbawm, a formulação de teorias econômicas precede o desenvolvimen-
to industrial dos países, já que assim poderiam planejar melhor a economia a alcançarem
a plena prosperidade.
c. ( ) Para o autor, não existe uma relação direta entre prosperidade econômica e elabora-

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História - Teoria da História Econômica e Política

ção de teorias econômicas. Como exemplo, cita o caso da Holanda que possuía uma eco-
nomia dinâmica no século XVIII, mas particularmente pobre de teóricos da economia.
d. ( ) Segundo Hobsbawm, a formulação de teorias econômicas só acontece depois dos
países terem alcançado plena prosperidade, pois assim acumulariam recursos necessários
para investirem em educação e pesquisa.

8) O historiador francês Serge Bersntein, escrevendo na década de 1980, deu importante contri-
buição a história política com sua formulação do conceito de cultura política. Assinale a alternati-
va que melhor expressa esse conceito:

a. ( ) A cultura política é definida somente pela utilização de símbolos e códigos nos dis-
cursos políticos.
b. ( ) Entre os aspectos que integram o conceito de cultura política, está uma visão de mun-
do, uma leitura do passado, uma visão de Estado e uma concepção de sociedade. Aque-
les que detêm essa cultura a expressam por meio de um discurso repleto de significados,
gestos e representações.
c. ( ) A cultura política é um produtos dos órgãos do Estado e, em resposta a situações de
crise política, visa à transformação da sociedade.
d. ( ) A cultura política emerge nos momentos de estabilidade política e se apresenta como
algo estático já que visa à conservação da sociedade.

9) Nas últimas décadas houve uma difusão bastante ampla do conceito de cultura política, o que
é um aspecto positivo de acordo os estudiosos. Todavia, isto não deixou de trazer algumas impli-
cações advindas do uso desmesurado do conceito. Conforme o historiador Rodrigo Pato Sá Mot-
ta, são cuidados que se deve tomar na aplicação do conceito de cultura política, exceto:

a. ( ) Ter sempre em vista que o conceito de cultura política não se aplica a eventos de cur-
ta duração.
b. ( ) Lembrar que a presença de símbolos e gestos nos discursos políticos nem sempre sig-
nifica necessariamente a presença de uma cultura política específica.
c. ( ) As culturas políticas só existem a partir do século XVIII.
d. ( ) O conceito de cultura política, por sua precisa definição, não corre o risco de sofrer
distorções. O historiador não precisa se preocupar com esse aspecto.

10) Marque a alternativa que está mais de acordo com a concepção de poder de Michel Foucault:

a. ( ) O poder é algo descentrado, está em todos os lugares e difuso pela sociedade.


b. ( ) O poder se encontra principalmente no âmbito institucional, ou seja, nos órgãos de
governo.
c. ( ) O poder é exercido, sobretudo por grandes líderes políticos que exercem função pú-
blica.
d. ( ) O poder é exercido exclusivamente pela população politicamente representada, que
pressiona os governantes em busca de mudanças.

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