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COLLECÇÃO EDUARDO PRADO
SERIE A

JACKSON DE FIQUEIREDO

A COLUMNA

DE FOGO

( 7 - 24 - 7 - 25 )

A.B

EDIÇÃO DO
CENTRO D VITAL
RIO DE JANEIRO

ANNUARIO DO BRASIL
|
Reservados todos os direitos de re
producção nos paizes que adheriram
á Co ição de Berne : Brasil : Lei
N.o 2577 de 17 de Janeiro de 1912.
Portugal : Dec. 18 de Março de 1911 .
COLUMNA DE FOGO
COLLECÇÃO EDUARDO PRADO

( CENTRO D. VITAL )

Serie A.

Pascal e a Inquietação modelina Jackson


4$000
de Figueiredo
O Clero Nacional e a Independencia do Bra 48000
sil – D. Duarte Leopoldo da Silva 48000
Ensaios de Critica Doutrinaria - Perilla Gomes
Mello 4 $000
Pelo Altar e pela Patria Placido de
da
As duas Bandeiras (Catholicismo e Brasil 48000
de) Alcibiades Delamare 5 $ 000
A Theosophia - Perillo Gomes 5 $ 000
Affirmações Jackson de Figueiredo.
Literatura Reaccionaria Jackson de Figuei 4$000
redo
A Historicidade da Existencia humana de 5 $ 000
Jesus-Christo Lucio José dos Santos 5$000
A Doutrina da Ordem Hamilton Nogueira .
A Columna de Fogo – Jackson de Figuei $000
redo 5.

Serie B

Cheia de Graça Durval de Moraes. 4$ 000


Symphonia Evangelica Carlos Magalhães
Azeredo 3$ 000
Leviticas Francisco Karam 39000

Serie C

Julio Maria Jonathas Serrano 5$ 000


Auta de Souza – Jackson de Figueiredo 28000
Durval de Moraes e os Poetas de Nossa Se
nhora Jackson de Figueiredo 5 $ 000
COLLECÇÃO EDUARDO PRADO
SERIE A

JACKSON DE FIGUEIREDO

A COLUMNA

DE FOGO

(7-24 — 7 - 25 )

B
A

EDIÇÃO DO
CENTRO D. VITAL
RIO DE JANEIRO

ANNUARIO DO BRASIL
LOAN STACK
3959

P Q 96 97

1925

WLADIMIR BERNARDES
DIRECTOR DA « GAZETA DE NOTICIAS >>

a cuja nobre attitude em face do


movimento revolucionario devo a publi
cação da maior parte destes artigos ,

E A
>

DERMEVAL LESSA

querido amigo a quem elles devem


muito de animação e carinho quoti
diano.

035
PREFACIO
Reservados todos os direitos de re
producção nos paizes que adheriram
á Convenção de Berne : Brasil : Lei
N.o 2577 de 17 de Janeiro de 1912.
Portugal : Dec. 18 de Março de 1911 .
2

A COLUMNA DE FOGO
COLLECÇÃO EDUARDO PRADO

( CENTRO D. VITAL )

Serie A.

Pascal e a Inquietação model na Jackson


4$ 000
de Figueiredo
O CleroNacional e a Independen :cia do Bra
4$ 000
sil – D. Duarte Leopoldo da Silva
Gomes 4$ 000
Ensaios de Critica Doutrinaria - cid
Perillo
o de Mello
Pla 4$ 000
Pelo Altar e pela Patria
As duas Bandeiras ( Catholicismo e Brasil da
de) Alcibiades Delamare 48000
A Theosophia Perillo Gomes 5 $ 000
5$ 000
Affirmações - Jackson de Figueiredo .
Literatura Reaccionaria Jackson de Figuei
redo 4$ 000
A Historicidade da Existencia humana de
Jesus-Christo Lucio José dos Santos 5$ 000
A Doutrina da Ordem Hamilton Nogueira . 5 $ 000
A Columna de Fogo – Jackson de Figuei
redo 5.$ 000

Serie B

Cheia de Graça Durval de Moraes. 49000


Symphonia Evangelica Carlos Magalhães
Azeredo 3$000
Leviticas Francisco Karam 38000

Serie C

Julio Maria Jonathas Serrano 5$ 000


28000
Auta de Souza –Jackson de Figueiredo
Durval de Moraes e os Poetas de Nossa Se
nhora Jackson de Figueiredo 5$ 000
D. Placido Roth O.S.B.

COLLECÇÃO EDUARDO PRADO


SERIE A

JACKSON DE FIGUEIREDO

A COLUMNA

DE FOGO

( 7 - 24 -- 7 - 25 )

A NUL MONTE
DI
BA
BIBLIOTHECA
WB
RIO DE JAN
EIRO

EDIÇÃO DO
CENTRO D. VITAL
RIO DE JANEIRO

ANNUARIO DO BRASIL

lusieira de São Benir


Rio de Janeiro
LOAN STACK
3157

P Q qua

THE?

: ?: 5

WLADIMIR BERNÁRDES
DA << GAZETA DE NOTICIAS
DIRECTOR

a cuja nobre attitude em face do


movimento revolucionario devo a publi
cação da maior parte destes artigos ,

E A

DERMEVAL LESSA

querido amigo a quem elles devem


muito de animação e carinho quoti
diano.

035
|

{
PREFACIO
1
PREFACIO

De 5 de Julho de 1922 a 5 de Julho de 1924,


afóra o debate sobre o governo Epitacio, ou melhor,
afóra a campanha de odio movida á nobre figura de
Epitacio Pessoa , e a exploração sentimental para al
cance da amnistia aos revolucionarios, posso dizer que
nada me interessava , de facto, no dominio da politica
nacional . Um doutrinario é , no Brasil dos dias que
correm , um idealista , um sonhador, um homein para
quem se olha com curiosidade, quando se olha. Ora
nunca fui outra cousa para os dirigentes de meu
paiz. Tambem jamais lhes pedi que me julgasseme
de outro modo. Devia, pois , recahir na minha obs
curidade, e foi o que se deu .
Mas, ' justo, no segundo anniversario da revolta
do forte de Copacabana , faz- se nova explosão revo
lucionaria, desta vez em S. Paulo, e com caracter
de extrema gravidade, porque nella se confundiam
poderosos elementos da força publica daquelle Estado,
e elementos não menos valiosos do Exercito Nacional.
Não hesitei um só momento , é posso dizer que
um dia após a angustiosa noticia da revolução, ini
ciei uma nova campanha doutrinaria em favor do
Governo e da ordem social.
Esta campanha, não a fiz só pela imprensa e em
artigos propriamente politicos. Fil - a na praça publi
ca, em « meetings » de difficil realisação, porque a
verdade é que a população da Capital Federal era
quase ostensivamente sympathica aos revolucionarios ;
fil - a em conferencias de ordem puramente doutrina
ria, assim como em artigos que, á primeira vista, não
visavam o grave e agitado problema do momento .
Em nenhum delles, porem , directa ou indirectamente,
deixei de verberar, com todas as forças da minha
consciencia, ou de, pelo menos, definir e esclarecer o
crime que, mais uma vez, se commettia contra a honra,
a dignidade, a propria vida da nação. É por isso que
inclui nesta collecção, o meu ensaio sobre a obra poe
tica de Tasso da Silveira, obra que representa um
golpe de força espiritual contra os moldes materia
listas, estratificados, da nossa poesia . Com este en
sajo dou prova de que sou capaz de applaudir tam
bem esta ou aquella revolução. Esta , é preciso dizer,
é como o jogo , o que os theologos chamam em si
indifterente. O sentido em que se faz, os principios
que a orientam é que lhe dão physionomia moral .
E os principios moraes catholicos, não só immensa
mente a restringem , como a fazem quase desneces
saria , em qualquer manifestação violenta , pois a ver
dade é que a actividade espiritual do catholico pode
ser considerada uma permanente revolução contra o
dominio tyrannico da natureza decahida , isto é, da
preponderancia do instincto e da paixão.
Isto esclarece o que a muitos imbecis tenho em
em vão tentado explicar, ou seja. que nem a revo
lução a mão armada me horrorisa mais que a revo
lução legislante, deliberante etc., nem ajuiso do
caracter dos que tomam parte na revolução armada
(homens, quase todos, muito differentes dos fabri
cantes, dos fazedores, dos guiões da Revolução ) do
caracter delles não ajuiso , digo, melhor nem ' peior
que do caracter dos pacificos conservadores, bonzos
do judaismo universal , parasitas da arvore paga do
Estado moderno.
Se os governos constituidos, por todo o Occiden
te , desde a implantação do regimen revolucionario,
merecem o apoio do homem christão, é porque os
movimentos de revolta nada mais promettem que um
maior arbitrio de massas ignaras . Alem disto, mesmo
esses governos de contradicção e sophisma, têm uma
funcção « policial » , que, se não contribue para a felici
dade positiva de paiz algum , é, pelo menos, garantia de
menos infelicidade. E como é na triste paz social, que
se vae refazendo pouco a pouco o senso politico chris
tão dos povos repaganisados pelos Direitos do Ho
mem , é essa paz, e a esperança della acalenta, o
que, de facto, defende o homem christão, quando pa
rece defender a contradictoria e «inhumana » (o que é
muito peior que deshumana ) ordem legal dos go
vernos democraticos, republicanos etc.
Pode -se, pois, dizer, que a melhor revolução é
pejor que a peior legalidade, porque se o que se
chama revolução é todo movimento de força, não
se viu ainda um só, entre nós, que se originasse da
convicção de que os principios, as instituições domi
nantes, é que são ruins, é que são desmoralisadoras
de todas as bôas intenções , de todos os bons pro
positos.
Quem refizer, acaso , ou quem fizer attentamente
a leitura destes trabalhos, poderá verificar que não
tem sido outra a minha attitude moral dentro do
dominio politico : defesa de homens honestos, por
que é dever defender a honestidade, mas defesa , so
bretudo, de toda a possibilidade de refazer, na con
sciencia do povo brasileiro, o imperio da lei christã
e dos principios em que ella assenta .

JACKSON DE FIGUEIREDO .

Rio, 8-1925 .
I
TOLERANCIA

Ha poucos dias, a uma esquina do planeta ,


que tanto pode ser Portugal como as mais pro
ximas da Garnier, viamos um dos homens
mais afortunados deste rico paiz e o modesto
escrevinhador destas linhas – passar, rolar pelo
asphalte da Avenida , sobre carros de luxo, al
guns dos astros mais brilhantes do nosso syste
ma social, homens da finança e homens da po
litica , famosos « condotieri » do mercado e expe
rimentados coroneis da administração . Certo , es
capou -me alguma blasphemia de pessimista ou ,
menos que isto, uma simples phrase irreveren
te, dessas que são o ultimo recurso de uma con
versa desentendida , quasi a morrer .
O amigo illustre , porém , coma que se rea
nimou aquelle golpe de acaso . Fulgiram - lhe os
olhos, já de si luminosos, de luz nova e singu
larmente penetrante . Sorriu depois, quasi sem
esconder que ali estava apiedado de mim e,
2
18 A COLUMNA DE FOGO

como houvera pouco antes attentado na capa de


um livro que eu tinha debaixo do braço , disse
me despedindo -se: O que V. precisa é ler e
reler este livro , ou melhor , gravar bem o seu
titulo no coração.
O livro não chegava a ser uina des
sas obras geniaes com que vae O espi
rito brasileiro refazendo a cultura occidental ,
arruinada pelas brutaes negações da guerra e
do bolchevismo ... Era um pequeno tratado sobre
a tolerancia, especie de cartilha ou de guia pra
tico aos que vivem mergulhados no terror de
parecerem menos aptos aos climas moraes qon
temporaneos...
Eis ahi até que ponto têm decahido no Bra
sil a intelligencia e o caracter, este principal ,
mente . Quem mais o tem , tem medo delle co
mo de uma vibora azougada. Não o quer ver res
pirar... E a prova é que , quanto póde, concor
re para a formação de uma atmosphera inimi
ga de todo caracter, porque inimiga de toda
convicção. Como foi possivel esse estado de
cousas, é o que é difficil explicar, mas facto
contra o qual não valem argumentos de qual
quer especie é que, se temos baixado noral
mente , se o nosso nivel social e politico é cada
vez mais inferior, é sempre em proporção ao
gráo de tolerancia com que vimos encarando
as cousas mais repugnantes e mais despudo
radamente implantadas no seio da nossa vida
A COLUMNA DE FOGO 19

de povo em pleno uso de bandeira , generaes ,


cornetas e tambores, tal e qual os povos que se
estimam livres e amantes da liberdade. Fize
mo -nos tão furiosamente o paiz da tolerancia
que quasi já somos como uma casa della: ...
e se a bandeira não é como luz verde á por
ta da nossa incrivel bôa fé , é porque não ha
quem a possa olhar sem recordar o sangue, que
por ella já foi derramado , em actos de intole
rancia da nossa offendida dignidade...
Não faz muito tempo, deu o « O Paiz » uma
resposta curta e incisiva a umas tantas carpi.
deiras da nossa imprensa , que só na tolerancia
vêm a possibilidade de salvar-se esta nação da
horrivel queda no classico abysmo da tyrannia ,
Nada mais fez aquelle matutino que apresentar a
essa piedosissima gente a photographia de um
certo general mexicano « pouco antes de ser fu
zilado, « pouco depois de ser vencido como che
fe revolucionario .
Dir-se -á que nem por estes e outros rigores
não cansa o espirito da Revolução naquella Re
publica . Mas além de serem muito sérias e mui
to graves as causas da permanente agitação na
na vida politica do Mexico , uma cousa, desde
logo, se patenteia como vantagemi aquelle paiz,
da incontestavel dureza de animo dos seus ho
mens : as revoluções por lá não desmoralisam
generaes nem politicos ; implicam vencedores e
vencidos, que não se acovardam nem diante da
20 A COLUMNA DE Fogo

dernota , nem diante dos juizes da victoria . É


claro que , se no Brasil , os fazedores de revolu
ção tivessem a certeza de que a derrota seria a
morte ou pelo menos, o exilio , em menor nume
ro as fariam, e jamais dessas que, vinte dias
depois de abortadas, nada mais pedem que um
baile sem mascaras e um foguetorio de lagri
mas reconciliadoras. Em politica , quando o que
se visa é o bem do paiz, se a reconciliação póde
ser possivel e consequencia de circumstancias
imperiosas , o que não se concebe é a dignidade
esmolando o perdão, porque dignidade pode
existir até no erro, mas jamais usará a lingua
gem da covardia .

E não reparam tambem esses propugnado


res da tolerancia como principio da nossa vida
politica que são elle proprios os primeiros que
negam a esta toda a nobreza das convicções
e toda a belleza das verdades praticadas . Real
mente , « a tolerancia sempre teve por objecto um
mal » . «Tolerar o bem, tolerar a virtude, seriam
expressões monstruosas) . É isto o que diz a
sabedoria dos seculos. Por conseguinte, que é
que se pede, entre nós, com essa desenfreiada
apologia da tolerancia, senão o carinho para
todos os sophismas e todos os crimes, quando
vencidos, ou o imperio delles reconhecido le
gitimo, como possibilidade ?
Se ella é somente a serenidade da justiça ,
a benignidade do trato , o respeito ás pessoas e
A COLUMNA DE Fogo 21

aos direitos naturaes do ser humano , é evidente


que não são os fazedores de revolução em nosso
paiz os que dão exemplo della, e são elles os
menos capazes de a definirem e de ajuizarem
do gráo em que a merecem . Tambem os scepticos,
os que não entram ein lucta alguma, não podem
ser ouvidos sobre o assumpto . A tolerancia nelles
é como diz Vermeersch , cegueira , engorgita
mento , paralysia . «Que coute la tolerance à ce
lui que n'interesse aucune grande cause ? »
No dominio da vida contemporanea, dada
a gravidade dos problemas agitados, é claro
que é muito mais util á sociedade um homem
fanatico de pessimas idéas do que um indiffe
rente , isto é , melhor o veneno que mata violen
tamente, mas a ' cujos primeiros symptomas é
possivel accudir com o antidoto indicado pelo
bom senso e a tradição, do que esse livido eli
xir de podridão, que é o scepticismo . Não, não
serão esses os erros politicos que nos arrasta
rão á ruina moral , que, de facto, parece apontar
nos o destino ... essa ou aquella forte affirma
ção de personalidade, que não faz do perdão
cantiga ou negocio. Pelo contrario, o que o
Brasil precisa é de convicções , é de vontades
ferreas , é de individuos capazes de perdoar,
sim , mas antes de tudo capazes de justiça e
destemor ante a prosapia do malandrismo po
litico .
22 A COLUMNA DE Fogo

O que em verdade se pode affirmar é que


o nosso presente mal -estar tem origem longin
qua , e jamais na acção decisiva , energica e con
tinuada , intolerante que é assim que a ba
ptisam desse ou daquelle dos raros homens
que entre nós têm encarnadoj o poder, e é bem
possivel que , se Pedro II , ao invés de fer Re
nan e alisar a testa de mestre Benjamin , tivesse
sido simplesmente um verdadeiro chefe da mo
narchia , consciente da obrigação que tinha de
a défender a todo transe, é bem possivel, re
pito , que , se Federação hoje tivessemos, ella não
fosse esta de dois sobre dezoito, nem o seu es
pirito constitucional um simples fantasma de
quarteis e jornaes esfomleados...
Se no mundo europeu a formação dos par
tidos marcou a era do enfraquecimento das na
cionalidades, verdade positiva, incontestavel , é
que , no Brasil , o desapparecimento dos partidos
foi a causa mais séria do enfraquecimento geral
dos caracteres dados á politica , e , por isso, das
não pequenas miserias de que já temos sido victi
mas , assim como do aplainamento do terreno pa
ra miserias ainda maiores . Ora, nunca os partidos
foram possiveis sem a intolerancia dos principios
e a relativa intransigencia dos homens, sem as
quaes não é possivel vida moral, ainor da verdade
e de tudo o mais que é sua consequencia. Foi jus
tamente o desapparecimento dessas condições de
A COLUMNA DE Fogo 23

vida moral, que , entregando cada um a si mes


mo, fez a escravidão da maioria , e nem sempre
aos mais dignos desse bastardo feudo . Não se
ja , pois, a tolerancia o ideal das novas gerações
1 brasileiras . Se estas se encontram no gráo de
inferioridade social , em que estão , devem -no
sobretudo á inepcia com que as gerações ante
riores se escravisaram a dogmas da imagina
ção e do orgulho , trahindo, ufanas, os do bom
senso e do patriotismo. A intolerancia não é
estupidez ou furia cega. Não é mesmo digno de
ser intolerante quem não sabe porque deve sel- o,
quem não sabe porque o é. Intolerancia é amor
da verdade, tanto da Suprema Verdade, como
de qualquer verdade . É a face exterior da con
vicção, que por sua vez é a face interior da ver
dade , que , se não depende de nós para ser,
só o é para nós quando a procuramos, a ama
mos, e sabemol- a defender.
Avalio como não sorrirá de mim , se me ler,
o illustre amigo que provocou estas considera
ções , bem menos valiosas que as de Mathias
Ayres em época de maiores vaidades e maiores
břios. Mas que se ha de fazer ?
Já agora é certo que bem diversamente
iremos ambos a luctar com o tempo, que não só
destróe prodigios de intolerancia com os de to
lerancia ... « Pontuaes na sepultura », como di
zia Machado , não poderemos deixar de ser...
E só depois de fechada sobre nós aquella porta,
24 A COLUMNA DE Fogo

poderemos saber talvez quem de nós foi mais


feliz e mais sabio .
Porque, é bom notar, não só de amarguras
e desgostos vive a intolerancia ...
Tem seus dias ! como se diz lá para o Norte.
HOJE COMO HONTEM

Na campanha presidencial , quando se ac


centuou a physionomia revolucionaria da cha
mada Reacção Republicana, sustentei com to
das as forças de minha consciencia o programma
de homens cuja maior força é a das armas. Por
nestas poucas palavras : a peor legalidade ainda
é melhor que a melhor revolução .
Amante do soldado, como de todas as for
ças que encarnam um principio de disciplina so
cial , fôra imbecilmente contradictorio combatel - o
na minha patria , em qualquer dominio em que
elle se apresentasse no exercicio de justas aspi
rações. Mas uma cousa são essas justas aspira
ções do cidadão armado pela Nação , outras são
o desmando dos ambiciosos, a gana de poder
de remodelação politica que se consubstancia
que é claro que já não se pode considerar sol
dado aquelle que nega a disciplina militar, a
26 A COLUMNA DE FOGO

hierarchia dos orgãos do Estado , a vontade da


Nação, e se lança em aventurosas salvações do re
gimen, abroquelado unicamente na immensa vai
dade de ser mais puro , mais consciente, que to
dos os seus concidadãos desarmados.
Esse homem é pura e simplesmente uin
criminoso . Punil- o é obrigação do Estado , é
obrigação do governoj, a quem a sociedade con
fia a realisação das seus fins moraes e materiaes
E é claro que, emquanto o homem fôr homem
e o brasileiro não me parece que seja cutra
oousa emquanto o homem fôr uma conscien
cia , uma vontade combatida por baixissimas pai
xões, é claro, repito, que a impunidade do cri
me será sempre uma animação ao crime, a
mais tremenda força creadora de pretex
to , de motivos, de occasiões para a rebeldia,
a loucura politica, o fanatismo partidario. Se a
criminoso impune , porém , é, profissionalmente,
um homem de armas , é evidente que a impuni
dade de seu crime já é de si mesma um crime
positivo, uma negação real do principio gerador
e mantenedor das sociedades , que aspiram á civi
lisação e ao progresso , cousas estas que suben
tendem uma ordem juridica, uma estabilidade
de poderes legalmente constituidos.
Ora , no Brasil , a impunidade do crime, prin
cipalmente do crime militar - esta é que é a
verdade se não é ainda lei, é cousa talvez mais
difficil de destruir : é o costume , é, como po
A COLUMNA DE Fogo 27

deremos dizer tambem , a lei interior da nossa


escura consciencia republicana.
Praticado que foi o crime de julho de 1922,
passadas as primeiras horas de panico e terror,
a realidade é que na trama mesma da repressão
estabelecia a hermeneutica dos nossos juizes as
bases moraes para novos levantes militares, no
vos crimes , novos attentados contra o Estado,
o que , nas circumstancias actuaes, equivale dizer
contra a nacionalidade.
É a um attentado desta ordem que a Nação
assiste, ou melhor, é um crime desta ordem o
que a fere neste momento , e em pleno coração
do seu systema de trabalho , em pleno coração
do seu orgulho de povo progressista . Tinha
que ser este fatalmente o resultado da toleran
cia para com o crime de hontem , o resultado
do morbido sentimentalismo, da interpretação
emasculada das nossas leis , em relação aos seus
negadores mais crueis , mais decididos , e , peor
que tudo isto , mais inconscientes e estupidos.
O novo crime ahi está . S. Paulo , a formosa,
a admiravel cidade de industria , de commercio ,
de arte , o orgulho mais legitimo talvez do co
ração brasileiro , lá está a arder, a debater-se sob
a metralha dos mesmos revoltosos, dos mesmos
soldados indisciplinados, dos mesmos inimigos
do Exercito , que ha dois annos bombardearam
a Capital da Republica e só não a dominaram
porque velavam a energia e o patriotismo de
28 A COLUMNA DE Fogo

Epitacio Pessoa e de todos quanto no Exercito


e na Marinha representavam a honia e a civilisa
ção do paiz.
Os revoltosos de hoje já terão a esta hora
recebido duras lições de experiencia . Já terão
provado que um homem lhano, simples , intel
gente e liberal como o Sr. Carlos de Campos , ás
vezes , é capaz de não se acovardar diante da
brutalidade e do crime. Já terão comprehendido,
por outro lado, que o actual presidente da Re
publica ainda conserva a mesma serena força de
consciencia , a mesma inflexivel vontade com que ,
como candidato por elles combatido, a tudo ven
ceu , mesmo as maiores infamias de que já foi
scenario a politica brasileira. Mas não é só isto :
terão notado não só que , mais uma vez, o ver
dadeiro Exercito , a verdadeira Armada, soube
ram comprehender perfeitamente de que lado
estavam o dever e as supremas leis do patriotis
mo, como tambem que o povo não só de S.
Paulo como do Brasil inteiro os olha com es
panto e horror, o justo horror de saber que do
seu proprio seio se levantam heróes de tão ne
gativos heroismos.
É uma cousa já agora clara como a luz do
sol , que não é mais possivel no Brasil a victo
ria de tão desabusados negadores da oonscien
cia publica, de tão audaciosos inimigos da Auto
ridade e da Lei . Deste ponto de vista , a lição
de agora é bem util ao paiz.
A COLUMNA DE Fogo 29

Vejamos , porém , se após mais esta dolorosa


experiencia, ainda apparecerão homens capazes
de tomarem a si a responsabilidade de atten
tados e crimes, filhos unicamente da bastarda
tolerancia com que até agora temos sacrificado o
paiz nas aras de um militarismo , que as proprias
forças armadas são as primeiras a combater e re
pellir.

9.7 - 24 .
HOJE COMO HONTEM

Permanece o paiz sob o peso de mais um


crime -- desta vez friamente premeditado con
tra a sua civilisação, a sua cultura , a sua estabi ,
lidade , o seu direito mesmo de viver.
Não ha , não pode haver outro nome para
attentados da ordem do que neste momento nos
infelicita . São crimes, crimes monstruosos e na
da mais . É disto que a Nação deve convencer
se , convencer -se absolutamente. E não somos
nós somente , jornalistas e politicos , que assim os
qualificamos . São militares envelhecidos no ser
viço das armas, são altas patentes do proprio
Exercito , são militares de todos os postos, os
primeiros a condemnar, com todo o vigor, a
descommedida vaidade, a estolida pretensão , o
espirito de casta dos seus transviados colmpa ,
nheiros.
Se as vibrantes , commoventes e commovi
das palavras do Sr. ministro da Guerra , ahi es
32 A COLUMNA DE FOoo

tão profligando os aventureiros, que envilecem o


patriotismo na turbulancia das suas paixões pes
scaes, não são menos dignas de nota as que
neste mesmo jornal publicou o . tenente Adauto
Castello Branco , por exemplo : «A autoridade
acima de tudo ! » diz elle. « E para manter essa au
toridade é que fomos creados. O militar não
veio para servir de constante ameaça á ordemi,
ao governo , á lei, ao principio democratico que
sustenta a Republica. O militar não tem outra
missão além da de mantenedor – pela coacção
legal da sua força, subordinada conscientemente
ao poder executivo - das instituições que ga
rantem , no interior, cada cidadão no livre exer
cicio da sua liberdade constitucional, e, no ex
terior, a soberania inviolavel da Patria .
Fóra disto , não ha missão para o militar. »
«A autoridade acima de tudo !» , este o prin
cipio philosophico, o principio moral e de di
reito com que devernos tentar refazer a nossa
mentalidade, educar a nosso sentimentalismo,
fazer -nos uma verdadeira Nação, emfim, uma
verdadeira Patria, e não esse triste chaos, de
instinctos e paixões subalternos, em que a lin
berdade é como uin un listrão de sangue sobre
nevens de occaso ...
Não ! Não ha liberdade onde não ha or
dem, nem ordem humana onde não ha governo ,
respeito da lei , subordinação das opiniões indivi
duaes á autoridade . Parece imbecil repetirem -se
A COLUMNA DE Fogo 33

phrases semelhantes, ridicula essa philosophia


de truismos autoritarios . Mas a verdade é que , no
Brasil , se estamos a ver taes miserias , taes in
famias , taes selvagerias, é porque ha cincoenta
annos outra cousa não se tem feito senão a apo
logia de todos os desrespeitos, a propaganda
de todas as immoralidades , o incitamento de
todas as taras , a guerra pela indifferença , quan
do não directa , a tudo quanto representa o sen
so da autoridade e da tradição.
Não ha vacillar mais. Se a Nação tem real
mente uma « elite» , esta nada tem a fazer senão
rasgar a cartilha revolucionaria em que hão en
venenado intelligencia e coração as ultimas ge
rações brasileiras . Não é dizer que essa cartilha
é um puro mitho, um fantasma de ima
ginações reaccionarias . Observemos cada uma
das nossas instituições educativas, a tribuna po
litica como o jornalismo, a escola leiga como o
proprio espirito da maioria absoluta das nossas
leis , e comprehenderemos o que é que mantem
viva e ameaçadora a chamıma das contradicções,
a chamma das aspirações revolucionarias.
Convençamo -nos que a doutrina é alimento
do espirito ou fogo que o devora e a tudo quanto
alcança .
Não será sobre leis agnosticas , leis que
de si mesmas são a negação da Suprema Auto
ridade , principio e fim de toda a actividade hu
mana no dominio do bem , que nos será possivel
3
34 A COLUMNA DE Fogo

instituir essa disciplina interior de que todas


1
as mais são méras consequencias.
Em relação á disciplina dos quarteis, bas
ta lembrar estas palavras de um escriptor mili
tar, que honra no entanto o idealismo democra
tico europeu em nossos dias : «É a saude geral
do corpo social a garantia unica das relações
regulares entre as tropas e o orgão central do
Estado » . «É preciso que na consciencia do mi
litar diz ainda Pavlovitch a lembrança
do apreço em que deve ter o seu direito de ci
dadão reprima as incitações da sua força die
soldado ». Isto quer dizer que é na consciencia da
nossa cidadania, é na consciencia da propria or
dem civil que devemos fortalecer, antes do mais,
todos os ideaes de ordem , de disciplina, de
hierarchia, porque é ella , em ultima analyse,
a inspiradora de todo o patriotismo como de
todas as suas aberrações .
Não pode haver exercito disciplinado onde
a propria nação não o fôr, onde todas as clas
ses sociaes não formarem um quadro de disci
plina , um ambiente de ordem capaz de gerar o
espirito de sacrificio quasi sobrenatural que re
quer a vida militar. Mas não se pode nagar que
de tres annos a esta parte , o Brasil tem demons
trado , mais de uma vez, que esse necessario am
biente de amor da disciplina e da lei já é uma
realidade em sua vida . As autoridades que re.
sistiram ás tentativas anarchicas de 1922 e ás que
A COLUMNA DE Fogo 35

se lhes seguiram até o formidavel crime de hoje ,


são , como productos de nosso meio politico
uma prova positiva de que já é mais forte do
que geralmente se pensa essa consciencia da
nossa cidadania .
Pois bem : a Nação , o povo , que se não
engane , que se não deixe nem atemorisar nem
vencer. Não ha neste momento o direito de ana
lyses partidarias, de juizos pessimistas sobre
este ou aquelle acto do governo. Só ha agora
un partido para a consciencia dos verdadeiros
patriotas: é o partido brasileiro, o da ordem le
gal , o da civilišação de nossa patria, po
civilisação não será jamais conquista da indisci
plina, da má fé , do abuso da força, da anarchia,
do caudilhismo, emfim .
Sustentemos , todos nós, forças conscientes
da Nação, o governo da Republica !

16.7 . 25 .
DISCURSO PRONUNCIADO NA ASSEMBLEA
CIVICA DO DIA 20 DE JULHO DE 1924
NA PRAÇA FLORIANO PEIXOTO E PUBLI
CADO NA “ GAZETA DE NOTICIAS DO
DIA 21 .

« Não é, como vedes, um improviso ; não


estou aqui , senhores, impulsionado unicamente
pela força, a um tempo triste e reconfortante
da violenta indignação patriotica, que vos juntou ,
neste momento , a sombra da estatua de Floriano,
para uma viva demonstração de que a conscien
cia civica, em nosso paiz, existe, de facto, e se
sente insultada, e se sente vilmente insultada
pelo grupo de facinorosos que, a esta hora,
mede forças com o Exercito da Republica !
Não, meus senhores ! Não me cabem vai
dades de eloquencia .
Se daqui vos falo, é porque esta tribuna
se me apresentou á consciencia, como um logar
38 A COLUMNA DE FOGO

de honra a que a logica mais fria , mais impe.


perativa, em nossa vida social, me suspendia
me elevava , como a representante, humilde, sim ,
mas incansavel, de uma doutrina de guerra , de
uma doutrina de exterminio, de intolerancia, de
absolutismo , contra tudo quanto, em nossa patria ,
representa a velha mentalidade depredadora, a
monstruosa mentalidade revolucionaria, que , mais
uma vez, se objectiva no crime innominavel de
que é victima a mais rica , a mais prospera das
unidades da Federação.
Sim , meus senhores!
Não ignoraes as accusações, que até por
homens de bôa fé mie têm sido feitas . Sei que
sou geralmente apontado como um homem de
violencia e aggressão, inclinado ás tyrannias mais
declaradas e ás repressões mais rudes do que
se tem convencionado chamar de liberdade.

A DOUTRINA QUE REPRESENTO

Acabo de vos confessar que , na realidade,


assim é , e nada mais aqui represento que essa
doutrina implacavel e , á primeira vista, inhuma
na e cruel.
Mas esquecem os meus accusadores , a es
sencia mesma dessa philosophia , ou não na que
rem ver e examinar de perto.
A COLUMNA DE Fogo 39

Não , meus senliores ! Não seria de meu


lado que , em ultima analyse , o coração, tantas
vezes ferido de nossa patria , poderia tem'er- se
de violencia e de opprobio , de tyrannia e de
crueldade, de crime e de oppressão .
Não ! infinitas vezes não !
É em nome do amor que tenho feito guer
ra ao desamor e á impiedade! É em prol da paz
que tenho feito guerra á guerra , a essa perigosa,
surda guerra dos insidiosos, dos nullos, dos in
capazes em todos os dominios da actividade pa
cifica e ordeira, e que outra esperança não aca
lentam senão a dos golpes de audacia , das ag
gressões inopinadas á ordem social, como es
ta que agora ainda mais nos infelicita pela des
honra e o desprestigio em face do mundo , do
que mesmo pelas enormes perdas de vidas e
tudo o mais que temos a lastimar.
Uma cousa é certa , porém ; não me atemo
risa , de modo algum , a campanha de diffama
ção, de adulteração capciosa do meu pensamen
to, das minhas mais caras idéas.
Não é de agora, por exemplo, que em
jornaes infamissimos e meios delecterios me
apontam como um inimigo do Exercito , um de
preciador das forças armadas .
Á calumnia, á infame e miserabilissima ca
lumnia, responde a minha vida inteira .
40 A COLUMNA DE Fogo

SOU UM CRENTE DO DEUS DOS .


EXERCITOS

Sou um crente do Deus dos Exercitos !


que é o Creador da Ordeni, da hierarchia do
mundo ! Já vesti uma farda e formei entre
os mais enthusiastas daquella esperança que o
maior dos nossos poetas fez arder , como uma
chamım'a sagrada, no coração do Brasil .
o que nunca fiz, senhores, foi insultar a
Exercito Brasileiro, confundindo -o , de modo vil ,
com os desordeiros, fardados ou não, que tan
tas vezes o têm negado e repudiado, pois é
negar, é repudiar a propria razão de ser de
um Exercito, falsear -lhe a disciplina , transfor
mal -o em ameaça permanente da paz interna da
nação, em força bruta, em loucura organisada,
em negação a ferro e fogo da ordem e da dis
ciplina .
Não ! O Exercito Brasileiro não são, feliz
mente , os miseraveis que mais impudicamente
invocam o seu nomie, a sua dignidade profissio
nal, á dor de cada derrota politica, ao vexame
de cada prova de impotencia das suas maleficas
!
paixões .
Não o representavam em 1922, por exem
plo , loucos bombardeadores da Capital da
Republica. Elle foi, pelo contrario , aquella for
ça disciplinada, aquella muralha de homens des
A COLUMNA DE FOGO 41

temerosos e fieis que, em derredor do grande


presidente , guardou intactos os nossos fóros de
paiz civilisado . Do mesmo modo, e muito mais
agora , claro , mais claro que a propria luz do sol,
é que não é o Exercito Brasileiro, a horda de
cafres , de mamelucos, de selvagens, que ensan
guenta a nobre, a admiravel terra paulista .
Não indagaes quem - coordenando todas
as forças da nação castiga a criminosa ousa
dia ,repelle o assalto infame. Sabeis, perfeita
mente , que esse, sim , é o Exercito Brasileiro,
ferido nos seus santos orgulhos, mas implacavel,
por isso mesmo, no animo com que vai casti
gando os inimigos da sua cohesão, da sua for
ça , da sua unidade .

O EXERCITO QUE VIMOS APPLAUDIR

É a este Exercito, meus senhores, que aqui


vimos applaudir, dar uma prova de que o nossa
coração o acompanha nos seus soffrimentos, de
que a nossa consciencia reflecte o fulgor de
suas espadas , e se avermelha tambem ao refle
ctir o sangue , que elle vai derramar na luta, que
se nos afigura decisiva , contra os seus desgraça
dos, infelizes negadores. A consciencia civil do
paiz não tem outro cuidado, a esta hora , senão
o de sua victoria , não pede a Deus outra cousa ,
42 A COLUMNA DE FOoo

não quer outro galardão que o direito de coroal


o com os louros dessa mesma victoria sobre
tão sinistros inimigos da patria .
O Rio de Janeiro fala quasi sempre por
todo o Brasil , mas , desta vez, corresponde real
mente á immensa , larga e profunda indignação
do paiz inteiro , e nada mais fazemios que dar
aos nossos mesmos desaffectos do exterior uma
como demonstração por absurdo, dolorosa mas
temivel , da nossa unidade , da nossa cultura, do
nosso patriotismo !
Senhores , não estamos aqui para apoiar
um partido, um
homem , interesses outros que
não os da propria nacionalidade.
É claro que nos sentimos orgulhosos dos
chefes que a nação tem escolhido nestes ultimos
annos, porque não ignoramios que, sem a ener
gia, a serenidade, o patriotismlo delles, dispersa
teria sido a nossa energia, perturbada, por con
seguinte, a nossa serenidade, desfeito talvez o
nosso patriotismo.

OS AFRICANISADORES DA NOSSA
PATRIA

Graças a Deus, hontem como, hoje, os bar


baros africanisadores da nossa patria não tiveram
mais firmes e irreductiveis oppositores que a
propria consciencia dos chefes da nação.
A COLUMNA DE Fogo 43

A energia de Epitacio Pessoa foi coino


um raio que os fulminou na penultima inves
tida ; a imperturbabilidade, a calma, a expres
são de contida mas resoluta indignação do Sr.
Arthur Bernardes é a força, por assim dizer
mysteriosa, que mais os perturba e desordena
neste momento .
Mas , repetimos : não estamos aqui para apoi
ar um partido e nem mesmo um governo .
Aqui estamos para affirmarnos, a nós mes
mos, que somos O povo , que somos a nação,
nas suas mais diversas expressões de activida
de cultural, de humanidade christã . Queremos
que , de uma vez por todas, saibamos que ain
da duvidam do nosso direito de viver em paz :
nós o queremos inviolavel , respeitado , temido ,
soberano !
Queremos proclamar, tão alto quanto pos
sivel que somos um povo culto, na plenitude
de sua força espiritual, que já alcançámos a
idade da analyse e do raciocinio, e não mais
nos illudem palavras , por mais formosas, cha
vões liberaes , por mais bombasticos, apostrophes,
por mais brilhantes , promessas, por mais lyricas
e cominoventes.
O que nós desejamos é a paz interior, são
as affirmações de cultura real e trabalho posi
tivo.
Creiam os imbecis que se crêem genios,
prophetas, salvadores do mundo : nós os despre
44 A COLUMNA DE Fogo

zamos, nós os julgamos ridiculos. Nada que


remos delles.
Para o Brasil , principalmente, para o Bra
sil, é isto que devemos accentuar : mais vale a
peor, a mais triste, a mais mesquinha legali
dade, que as incertezas da mais generosa re
volução . O que o Brasil precisa é de paz. É cum
o trabalho quotidiano, paciente , enriquecedor e
moralisador de todas as suas classes cultas ou
bem guiadas, que se formará o ambiente moral
em que, mesmo os governos menos intelligen
tes , poderão ser uteis ao paiz. Tudo o mais e
loucura, é illusão de criança, é descommedida
vaidade ou refalsada má fé de salteadores po
liticos.

O NOSSO CREDO

Senhores ! Affirmemios este novo credo : cre


mios nas obras do espirito !
Affirmemol - o a esta hora com todas as
forças do coração !
Não nos temamos, nem mesmo que elle se
expresse em colera e fulgor de indignação. Ha
< coleras racionaes » , ha coleras santas !
mesmo Espirito Santo nos aconselha
nas Escripturas lembrava um grande bispo
brasileiro nos aconselha que nos indigne
A COLUMNA DE Fogo 45

mos, comtanto que não offendamos a Deus nem


ao proximo. Irai- vos, diz, e não pequeis . >>
Esta linguagem só é mysteriosa para os
cobardes e para os que não amam . Nós não so
mos cobardes, e amamos a nossa patria !
Nós a queremos grande , honrada , respei
tado , soberana ! Devemos odiar, portanto , todos
os insensatas odios que a enfraquecem e dimi
nuem.
Senhores ! Affirmemos este novo credo sal
vador do Brasil : Cremos nas obras do espirito ,
cremos na disciplina, na reforma das consci
encias, nas remodelações da paciencia e do tra
balho . Morra a Revolução ! »
A COLUMNA DE FOGO

No seculo XVIII lembra A. S. Klein ,


na sua «Synthese Politica » , a maioria dos
pensadores julgava « que as decisões dos homens
investidos de um poder publico, podiam modi
ifcar a bel prazer, o estado das cousas , senão
tudo , immediatamente, pelo menos durante o
curto periodo da sua vida » .
A theoria corrente no seculo XIX foi dia
metralmente opposta á precedente. Os philoso
phantes da orientação victoriosa - eis o que é
singular cahindo cada vez mais baixo em ple
no dominio do materialismo revolucionario, prin
cipiaram por se preoccupar quasi que exclusiva
mente dos phenomenos economicos e acabaram
por «negar toda influencia aos individuos, pre
tendendo que os homens só eram guiados pela
interesse ; só as fluctuações da riqueza consti
tuiam a razão profunda dos acontecimentos em
que eram envolvidos os governos » .
48 A COLUMNA DE Fogo

Esse rude materialismo, ainda vivo , não


resta duvida, na pratica politica da maioria dos
povos occidentaes, póde-se dizer que vae des
apparecendo e já agora é quasi impossivel en
contrar as suas mais notaveis caracteristicas na
obra dos pensadores politicos contemporaneos,
1
mesmo na obra daquelles que mais nobremente
encarnam o pensamento revolucionario, como é
o caso do escriptor que citei.
.É o proprio Klein quem já nos diz que.
nenhuma dessas duas concepções é conforme
aos factos, e que « é inadmissivel que acontecia
tos provocados pelos homens obedeçam a leis
sobre as quaes os homens não tenham ' influen
cia alguma».
Isto quer dizer que o factor moral, a que
o individuo serve de base, volta a exercer uma
influencia decisiva na formação do ambiente po
litico para a remodelação das sociedades moder
nas . E se assim não fosse, a verdade é que in
mundo occidental marcharia a um destino egual
ao da civilisação norte -africana, por exemplo...
Até bem pouco tempo , o ideal moderno
parecia identificado, e de modo absoluto , ao
progresso scientifico . No emtanto, já são os pro
prios pensadores revolucionarios, como Paulo
Ghio , o famoso professor de Economia Politica
da Nova Universidade de Bruxellas, que con
fessam a enorme decepção : «A sciencia diz

este – é algumas vezes má conselheira. Inten


A COLUMNA DE Foco 49

sifica as iniciativas mas secca egualmente as


fontes da verdadeira felicidade ; falseia , quan
do mais não seja, a noção da felicidade» . E
accrescenta : « Não quero falar mal da sciencia
mas devo constatar que ella se colloca ás vezes
a serviço da violencia e da rapacidade. Sim , é
difficil voltar atrás , mas já que a noção de pro
gresso se identifica com a de rapidez, tema
muito que a humanidade esteja a marchar, sob
pretexto de progresso , e cada vez mais depressa
para um grande desastre moral !» .
Por outro lado , um revolucionario como
Klein , já não se illude com os processos da vio
lencia a tal ponto que lhe esqueça dizer : «Q
primeiro passo nesta direcção arrisca anniquilar
por muito tempo o dominio da idéa» .
Eis ahi um bom aviso a incautos e presum
pçosos da penna ... Se são os proprios mestres
do pensamento anti -catholico que fazem taes con
fissões, é porque a evidencia já se vae fazendo
mesmo entre as suas fileiras de que a
Revolução é um mal, em qualquer dos seus as
pectos .
Tem que se voltar, pois, á formula mais
treana do inicio da reacção catholica , nos pri
meiros annos do proprio seculo XIX : a Revo
lução é, nos seus principios mesinos, tão hostil,
tão contraria á felicidade humana , á vida em
sociedade , que, para combatel -a, é necessario
4
50 A COLUMNA DE Fogo

pregar-se não já a contra -revolução, mas o con


trario da revolução .
Ora , é isto o que não se pode fazer sem
uma doutrina que comprehenda esse o con
trario da Revolução em todas as ordens da
actividade espiritual, em todos os dominios da
vida em sociedade.
Ora, é isto o que não se pode fazer sem
uma « élite» , um escol de caracteres, que ama
nhã terá continuação não em outra «élite » , mas
na massa geral do paiz . Porque a realidade é
que as idéas , ou melhor, os ideaes, vivem de
dois modos : conscientes num pequeno numero
de homens, como sentimento, como expressão
1
dogmatica na maioria absoluta dos individuos.
1
Não é preciso ser muito clarividente, para sa
ber -se que os ideaes revolucionarios que levaram
a França de 93 a devastar -se e ao mundo , eram
privilegio de meia duzia de homens e pura força
sentimental dos que em maior numero se sa
crificaram naquella tragedia .
É o proprio Klein , a quem me venho repor
tando , que faz a apologia da « formula » como
força propulsora nos movimentos sociaes.
Pois bem : a nossa fórmula , no Brasil dos
nossos dias, deve ser esta : morte á Revolução.
Desde o imperio liberal e maçonico, que
temos soffrido os mais duros revezes na cegueira
com que temos seguido fanaes revolucionarios,
obedecido a fórmulas do espirito de negação
A COLUMNA DE FOGO 51

mais perigoso, que é o que se disfarça em gon


gorismos patrioticos e humanitarios.
De revolta em revolta , de motim em motim ,
de attentado em attentado contra os poderes pu
blicos, teriamos que cahir fatalmente no crime
contra a propria nacionalidade , contra a propria
vida da nação.
A monstruosa infamia que é o levante mi
litar em S. Paulo , sobre ser o mais tenebroso di
luvio de odio que já ameaçou toda a civilisação
brasileira , é tambem a aposta , o jogo de bandi
dos, em que se arrisca a propria integridade do
paiz por uma pequena satisfação pessoal . Mas ,
tenhamos fé em Deus ! Esta hora é , de facto , a
hora decisiva da nossa historia de povo soberano.
É uma dessas horas longas como a dos pesa
delos ou das agonias reaes, mas não é despida
de esperanças. O Brasil vencer - se -á nos seus
habitos, na sua mentalidade , na sua politica, na
sua actividade anti-christã . O ideal novo , a co
lumna de fogo é a contra -revolução, mais do
que isto : é o opposto da revolução , é a fé na
idealidade constructora, na força do espirito , da
actividade disciplinada e ordeira , na paciencia ,
no trabalho methodico, o horror aos processos
violentos, que são de si mesmos uma negação
arbitraria das leis que regem o mundo social .
Guerra , violencia, só a da paixão racional
contra os violentos, os depredadores , os inimigos
da paz, pois é claro que não têm o direito de
52 A COLUMNA DE FOGO

invocar clemencia e paz os que só crêem na


guerra , nas affirmações da brutalidade das ar
mas e não vêem justiça mais prudente que a
da espada .
Esta hora é de esperança , repito, porque,
por mais negra que apparentemente se nos mos
tre , a verdade é que o Brasil já formou uma
«elite » de caracteres capazes de galvanisarem a
Nāção no ideal anti- revolucionario .
Uma convicção que julgo jamais será em
mim abalada, é que coube ao governo de Epi
tacio Pessoa a revelação ao paiz desse escol de
capacidades politicas não só , por temperamento ,
oppostas ao pernosticismlo liberal e anti-na
cional, como summamente anti -revolucionarias.
Porque a primeira prova da existencia de uma tal
capacidade é mostrarem - se os homens isentos
do medo da revolução . É uma verdade histori
ca , que só ha revoluções vencedoras onde os
governos estão mais ou menos em relação de
cumplicidade com ellas , ou porque lhes falte
fé nos principios que representam ou porque
o temor lhes tire toda possibilidade de vencer ,
Ora , é impossivel negar que o escól mesma
dos nossos politicos já tem dado nestes tres
ultimos annos as provas mais decididas de ab
soluto destemor em face não só das ameaças re
volucionarias, como dos actos positivos da rebel
dia mais criminosa, mais sinistra , mais scellerada.
Em face da personalidade de Epitacio Pes
A COLUMNA DE FOGO 53

soa, logo nos primeiros rebates da miseravel


campanha revolucionaria que se estende até ho
je, poude -se ver que o actual presidente da Re .
publica , por exemplo , surgia , nesse revolto sce
nario , como a expressão politica mais completa ,
mais definida, que o Brasil já tem tido , do sen
timento anti -demagogico , do animo contra -revo
lucionario .
As fatalidades de um meio minado por
odios inclassificaveis , influenciado ainda pelos
derradeiros abencerragens do caudilhismo po
sitivoidico que tem sido o ridiculo, e a desgra
ça do Brasil põem -no agora , por sua vez ,
frente a frente com as forças inimigas da Na
ção. E a mesma serenidade , a mesma acção dis
ciplinada , a mesma coragem fria e educada, a
mesma perseverança , a mesma incisiva vonta
de de vencer, eis o que os revolucionarios de
agora encontraram da parte do Presidente , a
quem caberá, de certo , matar as ultimas espe
ranças do espirito de desordem e negação em
nossa patria .
A columna de fogo é esta : o ideal anti-re
volucionario .
Uma «elite» já ahi está , em todos os domi
nos da vida brasileira , a professal -o com todas
as forças do coração.
O que é necessario é ligal - o agora , oonscien
temente, aos principios geradores da sua subs
tancialidade.
1
DISCURSO PRONUNCIADO NA ASSEMBLEA
CIVICA DO DIA 24 DE JULHO , NA PRAÇA
FLORIANO PEIXOTO , E PUBLICADO NA
GAZETA DE NOTICIAS DO DIA 24 .

Senhores !
Ainda está viva a mashorca, a rebeldia
se bem que ferida nas suas possantes azas de
criminosissima audacia e é necessario que
se façam ouvir as indignações sinceras, as re
provações do patriotismo, as apostrophes dos
inimigos do erro nefando, a colera mesmo dos
que sentem a Patria deshonrada , vilipendiada
por filhos crueis ou inconscientes ! Eis porque
ainda uma vez nos reunimos , nós , cidadãos livres
do Brasil civilisado, do Brasil policiado, do
Brasil que tem tradições de cultura e se rege
por leis - e não podemos ver sem horror, sem
indignação e sem colera a monstruosa negação
de tudo isto , de tudo isto que, para uma nação,
vale mais que a propria vida .
56 A COLUMNA DE FOGO

Senhores !
Eu bem sei que não são os colmicios, que
não são os ardores da palavra , as reuniões e os
enthusiasmos mais proprios desta hora de tão
profunda dramaticidade na historia da nossa pa
tria ! É em derredor dos estandartes , das ban
deiras da Republica , no seio das suas forças
armadas , nas fileiras do Exercito vingador da
ordem , da disciplina , da civilisação do paiz, in
logar, a posição mais alta a que pode almlejar
um verdadeiro patriota e o acto , a acção de
encaminhar -se para um tal posto , vale, não resta
duvida , mais, bem mais que todos os nossos pro
testos e affirmações de praça publica !
Mas nem por isso esmoreçamos nos nos
sos protestos, nas nossas affirmações !
Velam , todos elles, como clamor da justiça
social insultada e são a prova de que são ines
gotaveis as reservas da disciplina e da ordem
na lucta emprehendida contra a insensatez, a
loucura e o crime.
Graças a Deus , o Estado se sente forte, o
governo confia nos seus recursos ‘normaes, a
Republica ainda não precisa de armar o braço
da dignidade civil , que aqui representamos.
o nosso papel ainda é , pois, o da pura
actividade espiritual , o da intelligencia confi
guradora do heroismo dos nossos soldados. Nos
so enthusiasmo é a moldura de carinho e de fé
que o sacrificio deve ter, e tem, de facto, em to
A COLUMNA DE Fooo 57

da nação transfigurada pelo soffrimento e a


esperança . E é isto crêde o que não têm,
nem poden ter, os salteadores da honra nacional.
Falta -lhes este apoio dos homens de paz, que é
na guerra uma condição moral para a victoria .
Nós somos, neste momento, o nosso en
thusiasmo é , pelo menos, a columna de fogo
que , nos horizontes da patria, marca essa di
recção da victoria ! A differença entre os com
batentes somos nós , sobretudo , que traduzimos,
somos nós que assignalamos !
Não existe exercito sem nação, não ha
verdadeiramente um exercito onde cada soldado
não se sinta adroquelado pela confiança do ele
mento civil , da massa geral da nacionalidade.
Já é sabido que os criminosos de S. Paulo se va
lem , a esta hora, da fria e asquerosa temibilida
de de aventureiros estrangeiros ! Alta lição á
generosidade brasileira ! Alta lição e que nos seja
proveitosa. Mas , de que serve uma tal força de
si mesma tão repugnante e tão mesquinha ? De
que vale , diante das forças que apoiam, que se
alliam ás bandeiras legaes ?
Que vale a cumplicidade soldada com di
nheiros extorquidos ao trabalho honesto, ante
a fidelidade do soldado gaúcho ou a fé dos sol
dados fluminenses ?
Senhores !
Nunca foi mais triste realmente o scena
rio da nossa vida politica .
58 A COLUMNA DE FOGO

Mas levantae os olhos ao céo da espiri


tualidade brasileira. Tentae contar os astros de
esperança , os luzeiros da fé .
As grossas nuvens da tempestade escon
dem muitos delles , mas, ainda assim , é immenso
a numero dos que se deixam ver e adorar .
Nunca o Brasil soffreu tanto, nunca foi

a tal ponto humilhado, diminuido , negado . É


uma verdade . Mas nunca no Brasil se operou com
tanta violencia a necessaria separação entre o
amor da verdade e a paixão do erro, entre a
Bem e o Mal , o são patriotismo e a cegueira
partidaria , as forças elaboradoras do seu pro
gresso , do seu bem estar, e as furias do espi
rito depredador.
Ha uma verificação que só por si vale um
hymno de triumpho para um paiz christão co
mo 0 nosso : o espirito 'revolucionario decae

entre nós . Pelo menos jámais elle encontrou


em nosso ambiente politico oppositores tão de
cididos e tão firmes. Já conheceramos victorias
contra rebelliões caudilhescas e motins de varia
especie. Da acção de Epitacio Pessôa á do actual
presidente , porém , outra tem sido a significação
das nossas victorias . Ellas não têm destruido só
a trama das rebeldias , mas o proprio espirito
que as gera. Inaugurou -se no Brasil a lucta con
tra o espirito mesmo da Revolução, contra a sys
tematica apologia do odio e da violencia como
A COLUMNA DE Fogo 59

processo de educação politica, como idealidade


civilisadora .
O que aqui estamos a fazer é uma affirma
ção de fé nesta nova orientação do espirito bra
sileiro !
Sim , meus senhores, repitamos o credo , este ,
sim , salvador, engrandecedor da nacionalidade :
cremos nos beneficios da Autoridade , cremios
no espirito de ordem e de disciplina, cremos nas
conquistas, lentas mas seguras da opinião e
do direito !
Morra a Revolução !
O QUE É NECESSARIO

A victoria moral da legalidade já é, a esta


hora, uma victoria completa, do ponto de vista ,
da lucta armada.
Tambem deste ponto de vista , pode- se di
zer que a victoria material já é uma cousa de
finitiva , evidente a qualquer individuo de me
diano bom senso , pois que o Exercito da Re
publica , desde a sua triumphal entrada em S.
Paulo , nada mais tem a fazer que dar caça a
um bando de cangaceiros , que nein ao menos ti
veram a dignidade que o proprio crime compor
tava : a da morte em meio das ruinas que provie
caram e fizeram .
O que agora é necessario é trabalhar o
governo da Republica, é trabalharem todos os
homens de bem do regimen , pertençam á fa
cção que pertencerem , para que a victoria mo
ral desta mesma ordem legal se complete , se
62 A COLUMNA DE FOGO

faça definitiva na ordem das consciencias, na vi


da espiritual da Nação.
É claro que o primeiro passo a dar neste
sentido é o da repressão severa dos revoltosos
e seus instigadores. É preciso que violenta e
profundamente se grave na consciencia de ir
riquietos e turbulentos, e do povo em geral ,
que a revolução é um crime, um gravissimo
crime, principalmente num paiz como o nosso ,
de tão amplas e perigosas liberdades .
Um dos absurdos reinantes mais abjectos
é o que empresta ao crime politico um caracter
especial, uma excelsa dignidade, que quasi o faz
identico aos mais nobres sacrificios. Como se
a ordem politica não fosse justamente aquella
em que o crimle, seja qual fôr, implicará sempre
maiores desgraças e, por conseguinte, maiores
responsabilidades ! A dignidade
em taes domi
nios - isto é que é preciso accentuar – , é real
mente uma conquista difficil , bem mais diffi
cil que as conquistas feitas a mão armada , a
golpes de espada ou tiros de canhão . Ella re
quer amarissimios sacrificios e tanto maiores e
mais altos quanto menos visiveis , comprehen
siveis ou theatraes . A paciencia com que sof
fremos uma injustiça ; a honestidade com que
resistimos á tentação de praticar uma outra ; a
capacidade de sermos sinceros e verdadeiros,
mesmo a custo de grandes interesses, tudo isto
vale bem mais que a audacia de certas attitudes,
A COLUMNA DE FOGO 63

maximé quando estas se baseiam na força bruta


que , por fortuita circumstancia , nos cabe diri
gir e commandar.
Os homens de bem , que a Republica os
tem em grande quantidade , - pois só os nega
a mesma caincalha revolucionaria de sempre
devem , entretanto , seja por que processo fôr
até mesmo pelo aconselhado na celebre « apos
ta » de Pascal - devem adquirir, digo, a con
vicção de que a vida, por mais que pareça o
contrario , requer logica e coherencia , pois ella
propria só é realmente vida dentro de uma po
derosa logica , revelada a cada um de nós pela
consciencia do mal , da qual ninguem consegue
totalmente alheiar -se .
Ora , o que é necessaric é que a Republica
tenha logica , seja interiormente ordenada, isto
é, haja coherencia entre as suas leis e as suas
necessidades, entre a sua intelligencia e o seu
sentimento, entre .a regra de vida que a si mes .
ma se impoz e o que a propria vida pede bu
impõe .
Isto quer dizer que devemos analysar com
viva amor da verdade o que somos e o que
desejamos ser ; se é possivel, por exemplo, go
vernar -se um povo , de forinação tão complexa
como o nosso , com leis tão frageis, tão pouco
tem iveis, quasi diremos tão excitadoras de mo
tins e revoltas ; se é possivel formar-se uma
verdadeira consciencia legal , uma consciencia dos
64 A COLUMNA DE Fogo

beneficios da ordem e da paz num paiz em que


a lei suprema e a educação se vinculam , pelos
laços mais estreitos, a uma ideologia essencial
mente revolucionaria .
Falando com maxima franqueza, devo di
zer que considero , até certo ponto , beneficas ao
Brasil as duas ultimas indignissimas revoltas ,
com que o brindaram a indigencia mental e a
ambição de alguns dos seus militares.
Em primeiro logar, deve -se ter em conta
a capacidade que o paiz demonstrou possuir na
defesa rapida e decisiva da sua integridade, mes
mo porque una revolta , com as caracteristicas
da que rebentou em S. Paulo, deve ser consi
derada ainda mais humilhante e perigosa que
uma invasão estrangeira .
O que, logo em seguida, se deve tambem
assignalar é a linguagem usada pelos homens
de mais responsabilidade, neste momento , emnire
lação ao crime commettido . O presidente da
Republica, o ministro da Justiça , assim como
todos os que chefiaram a reacção contra a de
sordem , nem mesmo nos momentos mais duvi
dosos da lucta, tiveram uma só palavra que pu
desse significar esperança para os rebeldes. To
dos elles fizeram questão, sim , de caracterisar
de modo definitivo o repugnante e estupido cri
me. O ministro da Guerra foi então de uma rara
felicidade em todas as palavras das suas ener
gicas proclamações ás forças armadas . Elle sou
A COLUMNA DE Fooo 65

be accentuar, de modo incisivo e terminante ,


que já passou a hora em que , no Brasil , era qua
si natural confundir -se o Exercito com os tur
bulentos, os criminosos que esse mesmo Exercito
tinha em suas fileiras.
Não, Exercito é o que cumpre a missão
de Exercito, e que já o temos está demontrado,
e agora do modo mais rigoroso, dadas as pro
porções da lucta travada na defesa da Republica.
Demais , a lição tremenda ahi está . Tirar
proveito della é nossa obrigação.
Dizia grande philosopho saboiano que
a politica é, em parte , como a religião. É pre
ferivel que os seus crentes sejam puramente cren
tes, mas, se apparecem heresias , é necessario que
o crente mostre ter, ao menos, tanto espiritio
quanto quem lhe ataca os dogmas e a santidade
das tradições. A politica republicana está entre
nós na éra das grandes heresias . É necessaria
que ella se defenda tambem a ordem do es
pirito. Ou ella se mostra capaz de demonstrar
o mal da Revolução em si mesma, ou ella se
mostra capaz de derrotar a Revolução no do
minio propriamente educativo, ou , certamente,
será destruida , e da maneira mais triste, porque
pelas suas proprias mãos.
Não resta duvida que os homens que neste
momento a governam , já demonstraram que são
capazes de dominar e conter os impetos da revo
lução armada. É mister demonstrar que são ca
66 A COLUMNA DE FOGO

pazes de derrotar a revolução nas suas envene


nadas fontes de energia espiritual , de treslou
cada negação e systematica deschristianisação da
sociedade brasileira .
É preciso que a palavra autoridade reappa
reça nas escolas dentro da mesma moldura de
adoração , que se tem dado até hoje á palavra
liberdade . Ver -se - á que esta , dentro em breve ,
será mais bella e mais segura sob o amparo da
quella . Ver-se -á que o soldado e os demais ci
dadãos da Republica , serão, espontaneamente,
os defensores de ambas , quando as harmonisa
rem na consciencia, mas dando á autoridade a
primasia , porque a liberdade, em ultima analyse,
não é possivel jámais ser de todo abolida, e ,
no entanto, se , dentro della , não ha logar para
a autoridade, o que passa a existir é simples
mente a confusão, a desordern , a malefica acti
vidade de paixões e instinctos inferiores.

30-7-24 .
RAUL SOARES

Sem a mais leve sombra de sentimentalismo,


sem a menor paixão partidaria , sem o minimo
exagero , ditado por interesse de qualquer est
pecie , póde -se dizer que , com a morte de Raul
Soares, mais ainda do que a Republica, perde
a Patria brasileira, uma das suas mais ful
gidas esperanças num futuro mais nobre e mais
bello que tudo quanto constitue a sua vida
presente .
Porque Raul Soares era um desses raios
de luz singular, vivificadora , um dos poucos que
affirmavam e affirmam ser matutino o crepusculo
em que ainda estamos mergulhados. Era um
fóco irradiante de patriotismo organico e disci
plinador, um homem de « fé» patriotica, uma
energia que se contrapunha á anarchia e á ti
midez geral , de que tem sido victima o nosso
meio politico. A palavra esperança , pois , em re
68 A COLUMNA DE Foto

lação á sua personalidade, não era e não é um


logar commum de elogio partidario.
Circumstancias especiaes da vida america
na , emprestaram as primeiras revoluções do Im
perio brasileiro uma certa physionomia de jus
tiça, porque todas ellas se prendiam mais ou
menos directamente ao unico movimento revolu
cionario realmente nobre e necessario em nossa
historia , que foi aquelle de que resultou a nossa
independencia , o creador da soberania nacional.
Mas é tão certo que a revolução é de si
mesma um mal, que jámais os seus resultados
são , por mais beneficos, isentos de profundos
males e desastrosos desnorteamentos.
Uma verdade , que já ninguem póde negar,
é que o periodo menos agitado da nossa his
toria, isto é , o do segundo reinado, após a Re
gencia, foi, no entanto, o periodo revolucio
nario por excellencia, quer dizer, aquelle em
que predominaram os chamados principios li
beraes, alliados ao mais hypocrita cesarismol
creadores de uma mentalidade politica, a um
tempo sceptica e essencialmente revolucionaria ,
que, na sua constante opposição ou no seu des
prezo á nação, não se objectivou talvez antes
mesmo do 15 de Novembro , porque as guerras
do sul foram durante muito tempo seu natural
derivativo .
A revolução das consciencias estava , pois,
como que estabilisada no dominio politico, e a
A COLUMNA DE Foco 69

Republica so lhe deu a forma victoriosa, que


foi a caudilhesca , a peior, a mais baixa, a mais
triste das expressões revolucionarias.
A Igreja , diminuida, esfrangalhada pelo ma
çonismo de alguns dos mais notaveis gabinetes
do Imperio , e o proprio positivismo, tão influ
ente entre os chefes do motim victorioso , se
conseguiram , até certo ponto , enfreiar as pai
xões do momento, nada puderam fazer, nos
primeiros annos da Republica, de verdadeira
mente notavel , contra a desordem , a indiscipli
na dos espiritos, contra o «vivo exercito da mor
te », contra a «paixão do nada » , que nos do
minava justamente de cima para baixo, isto é ,
era do escol politico que se derramava sobre
o povo ignorante e cada vez mais «bestificado ,
na confissão mesma de um dos proceres da re
publicanisação do paiz a pata de cavallo e pon
ta de bayoneta .
Milagre ou não , porém , a verdade é que
a massa geral da nação é tão infensa á ideo
logia revolucionaria , que , pouco a pouco , se
viu a Igreja refazer-se , dentro mesmo da sus
peita liberdade que lhe haviam concedido ps
tyrannetes positivoidicos, e , de dez annos a es
ta parte , mais purificado o ambiente social , sur
gir um escol de nova especie nas fileiras da
propria politica militante, escól instinctivamente
anti -revolucionario , forte, e superior aos temo
res da lucta em campo aberto contra a menta
70 A COLUMNA DE Fogo

lidade negativista e anarchica dos mashorqueiros,


a quem faceis victorias ou criminosos esqueci
mentos de derrota tinham já transformado em
profissionaes de indisciplina e revolução .
É a esse escól que pertencia Raul Soares ,
foi a esse escol que elle deu mesmo um fulgor
extraordinario, pela firmeza das convicções e
o destemor revelado nos momentos mais gra
ves da aguda crise, que ainda estamos a atra
vessar, crise que é a do estertor do caudilhis
mo, e , por isso, a viva dramaticidade, que nos
espanta , e é , no emtanto , o do final de todas
as longas e violentas batalhas.
O facto exacto , pessoal , diz Charles Maur
ras , é o nervo , de algum modo, toda a poesia
de uma verdadeira politica , e , para provar - se
que a actual situação dominante na Republi
ca ,atravéz de todas as difficuldades, se man
tem presa ao fio de uma orientação politica, se
não doutrinaria, pelo menos, inspirada pelos
mais sãos e mais honestos anseios da naciona
lidade , não será preciso mais do que relembrar
os factos culminantes da carreira politica de
Raul Soares, todos reveladores de uma heroi
ca , de uma determinada hostilidade a todos os
empreiteiros de salvação do regimen pelo cri
terio das revoluções a praso curto .
Elle foi , em dado momento , o homein que
disse fria e positivamente - não a todas

as harpias e furias do sabbat caudilhesco , e a


A COLUMNA DE Fogo 71

primeira palavra de exaltação e de coragem ,


que refez a enenrgia dos homens de bem , já
desesperados quasi de salvarem a ordem ju
ridica , que era, no caso, a propria ordem na
cional .
O delirio systematico dos cangaceiros po
liticos,dos «ratés da caudilhagem , dos apo
sentados do brio e do patriotismo, teria que vir
mais tarde a pôr ainda em maior relevo aquella
nobre imagem da resistencia , resumo de toda
a nossa sanidade moral e de todo o nosso bom
senso collectivo.
Já era , até certo ponto , um eleito da morte,
quando a «mais sinistra aventura » do caudilhismo,
que tem deshonrado o paiz, veio emmoldurar
aquella existencia poderosa con o que o grande
reaccionario francez chama de «morte poderosa »,
isto é , a morte que só os dignos, que só os
valentes podem ter, einmeio do combate, já
conquistados, porém , os louros da victoria mo
ral , morte que vale bem mais que a vida, e
por isso passa a ser para os que vivem alimention
sobrenatural, uma força de exemplo capaz de
transfigurar humilde pó em luminosa poeira de
estrellas .
Se em vida Raul Soares poude, pelo im
pulso de seu grande coração de patriota , levar
Minas Geraes á vanguarda da força que acaba
de salvar a civilisação brasileira , sua morte ,
assim , como foi, resultado desse enthusiasmo
1
72 A COLUMNA DE Fogo

que se não poupava , desse patriotismo que não


fugia a nenhuma especie de sacrificio , sua morte,
digo, deve constituir o symbolo original da
nova crença politica, que, unica, poderá restaurar
no Brasil o senso de patriotismo e a dignida
de social, tão fundamente abalados .

6-8-24 . 1
DOUTRINA CONTRA DOUTRINA

O admiravel, o formidavel Maurras , que


pode ser considerado o maior, o mais vigoro
so , o mais lucido dos luctadores contemporaneos
contra a ideologia revolucionaria, não receiou
reaffirmar tambem esta verdade , tão desconhe
cida pela maioria dos que , mais instinctiva que
conscientemente, buscam ha mais de um seculo
refazer o conceito de autoridade , na consciencia
dos povos occidentaes : « As Idéas são cousas,
são forças. Os governos podem alguma cousa
contra ellas, se as atacam emquanto pequeninas
e o fazem com todas as energias de que dis
põem , tal como o Duque d'Alba catholicisando
os Flandres pela força e creando , assin ', ha dois
seculos de distancia, a Belgica moderna. >>
É necessario que esta verdade seja pre
sente , constantemente presente, não só a consci
encia do actual presidente da Republica , mas
á de todos quantos , no Brasil, aspirem real
74 A COLUMNA DE FOoo

mente a uma verdadeira ordem , não só juridica


como propriamente moral.
É claro que a extrema complexidade do
phenomeno revolução em nossos dias, pede for
ça ainda mais positiva, ainda mais poderosa que
a pura força material , em qualquer das suas
objectivações, se , de facto, o que desejamos
é annullar o que elle tem de essencial e não
esta ou aquella das suas expressões de mo
mento .
Consciente de que a força «póde alguma
cousa», e é capaz de actuar beneficamente em
qualquer ponto do circulo da actividade humana ,
o que o actual Presidente deve, antes do mais ,
emprehender, é elevar á actividade racional, no
escol de politicos que o prestigiam , o instincto
com que tão brilhantemente têm defendido nes
tes ultimos annos o que ainda resta , entre nós,
de amor da disciplina e respeito á ordem e á
autoridade.
É preciso , afinal , e resumindo tudo quan
to se pode dizer neste sentido , formar - se, cons
tituir -se no Brasil , o partido da ordem , o que ,
não será possivel se á ideologia revolucionaria ,
anarchica ou caudilhesca, não se oppuzer um
sadio idealismo anti -revolucionario , disciplinador,
eminentemente autoritario . Que é possivel « creal
p » , só o negará quem totalmente descreia do
valor da educação, quem não saiba avaliar, por
A COLUMNA DE Fogo 75

exemplo, a capacidade configuradora da propa


ganda jornalistica .
Além de sermos um povo fundamentalmen
te catholico - e a igreja , como diz o já citado
Maurras , é a mais alta , a mais nobre, a mais
poderosa escola de disciplina que o mundo tem
conhecido até mesmo no idealismo positi
vista , que tanto influiu na formação da nossa
consciencia republicana, não é difficil appre
hender elementos moraes para a perfeita de
finição de uma doutrina politica capaz de con
trapor -se aos males do extensissimo , mas pou
co profundo individualismo, que ainda assim
tem dominado toda a nossa actividade colle
ctiva, desde a campanha abolicionista e os der
radeiros fulgores do Imperio.
O ponto de partida para essa evangelisação
contra -revolucionaria , ao que me parece , dão -nos
os proprios factos de maior gravidade em nossa
presente crise politica . A primeira verdade a
defender actualmente é a de que o crime politico
é o mais sério, o mais grave de todos os crimes ,
e , por conseguinte, o que acarreta maiores res
ponsabilidades . Quando mesmo , dentro do mais
rigoroso materialismo sociologico, se admitta, que
a pena deve estar sempre em relação , tão so
mente , ao grao de temibilidade do criminosoi,
é evidente que o criminoso politico é o mais te
mivel que se tem de combater, pois que o é
muito mais quem se arma de un canhão ou
76 A COLUMNA DE Fogo

de uma metralhadora para impor uma vaidade ,


uma paixão partidaria, ao meio social a que
pertence, do que o individuo que, armado de
revólver ou de punhal , assalta quem lhe parece
mais bem quinhoado pela fortuna.
É necessario , por exemplo , e desde já, em
prehender-se uma verdadeira campanha com o
fim exclusivo de proteger a « idéa» de repressão
do crime politico da onda de morbido sentimen
talismo, que tem feito a nossa maior desgraça ,
que é, por assim dizer, o sustentaculo movel,
fugidio mas sempre imperioso, sobre o qual
se equilibra a arca das esperanças revoluciona
rias .
De uma vez por todas, é preciso que as
instigadores de revolução e os revolucionarios
de facto, fiquem convictos de que a sociedade
brasileira considera crime os seus intentos e os
seus actos, e sable e póde vingar a sua paz per
turbada, a sua offendida ordem . Risque -se de
uma vez por todas a palavra amnistia do nosso
vocabulario politico . E é ainda uma homenagem
que renderemos aos revolucionarios que o se
jam por amor a um ideal , por convicção, con
scientemente, desinteressadamente.
Na nossa primeira Assembléa Constituinte
lembra com razão o Sr. Plinio Barreto, no seu
substancioso ensaio sobre « A Cultura idica
no Brasil » poude -se ver como duvido que
se tenha podido ver nas outras) , «a alliança
A COLUMNA DE FOGO 77

do senso juridico com o sentimento das reali


dades , e por isso foi a um dos gigantes que
a dominaram , foi a Antonio Carlos, foi a ho
mens como Martim Francisco, que coube a pri
meira sortida contra o nosso grande mal, que
já se desenhava no horizonte da nossa actividade
politica .
Em uma hora como esta que estamos vi
vendo, julgo util e proveitoso transcrever as pa
lavras daquelles nobres patriotas, taes como as
encontro no ensaio do notavel escriptor pau
lista , que , por sua vez, as elogia e confirma , a
que , neste momento , tem valor especial , por
ser elle , o Sr. Plinio Barreto , um dos mais bri
lhantes redactores do Estado de S. Paulo ,
orgão, ao que se diz, de serias ligações com o ul
timo e já agonisante movimento revolucionario ,
o que , entre parenthesis, julgo, pelo menos , ab
solutamente surprehendente e espantoso . :
São estas as palavras do grande Antonio
Carlos sobre a amnistia :
« Disseram os nobres deputados que ha dis
oordias por opiniões politicas. Quero conceder .
Mas a amnistia remedeia as discordia , abaja
a divergencia das opiniões politicas ? Creio que
não ; a questão fica sempre a mesma e se reduz
á seguinte : Ė a amnistia remedio apropositado
para produzir união de opiniões ? Creio que
não , torno a dizer.
«O processo com que se formam opiniões na
78 A COLUMNA DE FOGO

cabeça do homem é lento, e o meio de as extir


par não pode ser senão lento egualmente. Eu
não duvido categoricanente que a amnistia não
possa concorrer para adoçar a fermentação em
certo tempo , mas nem sempre o conseguirá,
e nunca de todo, e de um golpe, trará ao apris
co da moderação opiniões exaggeradas.»
E , logo a seguir, esta observação, que o
Sr. Plinio Barreto, com razão classifica de ful
minante .
« Mas não é por opiniões que se acha al
guen preso ; eu cuido que nenhum magistrado
pronunciaria a um seu concidadão por pensa
imento e opiniões, mas sim , por factos, filhos
da expressão de opiniões dannosas ao bem so
cial. »
Agora , as palavras de Martin Francisco :
« Meu coração, Sr. Presidente , tambem sym
pathisa com a desgraça, vendo porém , que taes
cidadãos foram presos em consequencia de uma
devassa e pronuncia , e se acham já em processo,
julgo semelhante lei uma completa usurpação do
poder judiciario , e as invectivas e vociferações
contra poderes constituidos, uma triste lição pa
ra os povos, e de terriveis consequencias para
o futuro .
« Como é possivel que soem taes vozes no
augusto santuario da lei ! Não vê acaso esta as
sembléa que ella propria abre o abysmo em que
um dia deve ser precipitada ? >>
A COLUMNA DE Fogo 79

Onde ellas são, porém , verdadeiramente


dignas da maior attenção é quando analysam
os dispositivos da lei , o que levou o Sr. Plinia
Barreto a cital -as por extenso. Eil - as :
«Qual é a regra geral que ella prescreve ?
Nenhuma ; logo, não é uma lei, porém somente
uma determinação especial , quer dizer , um per
dão dado a presos que se acham em processo ,
ou por opiniões politicas, como suppõem alguns,
ou por conspiradores contra o governo estabele
cido, como suppõem outros . Ou elles são inno
centes, e demais , cidadãos honestos , como creio ,
e então esta lei não é una medida de benefi
cencia , mas um verdadeiro mal, porque lhes
rouba o direito de se justificaren aos olhos dos
seus concidadãos, e de se reintegrarem no con
ceito e opinião geral pela sentença que os de
clarar innocentes ; ou elles são culpados , e em
differentes gráos, e neste caso é tambem um
grande mal, porque, perturbadores da ordem
publica, ulcerados pela dolorosa lembrança de
uma longa prisão , não agradecem ordinariamen
te a beneficencia con elles praticada, e só dão
ouvidos á paixão brutal da vingança .»
Esta , sim , é a doutrina que se deve con
servar intacta, e contrapor -se á doutrina a que
os exploradores do nosso sentimentalismo mais
uma vez, certamente, darão as cores, as tintas
novas da monstruosa palheta de infame politi
80 A COLUMNA DE Fogo

calha com que , desde 1922, vêm deshonrando o


pa iz.
É este o primeiro ponto da reacção dou
trinaria, que um homem como o Sr. Arthur Ber
nardes , calmo, sereno , firme, como tem demons
trado ser, deve tornar bem claro , perfeitamente
definido como pensamento politico e recurso pa
triotico .
A unica maneira mesmo de poder o goi
verno evitar cahir num dedalo de injustiças
quasi, aliás , inevitaveis, em épocas como a
que atravessamos é justamente esquivar -se
ao «cabra - céga » das soluções pessoaes, indivi
duaes , empiricas, como quasi todas as que têm
sido adoptadas até hoje pela politica republi
cana .
Um dado positivo do ambiente social con
temporaneo, é que existe em plena actividade
nessa mesma ordem politica um grupo de ho
mens capazes de comprehender, pelo menos, to
do o mal do criterio individualista em relação
aos probleinas sociaes. Que esse grupo inicie
desde já a lucta para a adopção de uma doutrina
que refaça pedagogicamente a idea e o senti
mento da autoridade na massa geral do paiz .
O lado bom dos ultimos acontecimentos é
justamente este : que elles fornecem admiraveis
e seguros pontos de partida.

13.8 . 24 .
A OUTRA FACE .

A meu ver, nós, os que nos batemos pela


ordem , nós os que nos esforçamos para que a
nação comprehenda as vantagens da disciplina
e o valor social do respeito á autoridade, não
temos razão para um sério e justo pessimismo
neste momento . Creio mesmo que nem preci
samos lançar mão de certos processos de im
prensa e de propaganda , que suppõem um es
tado de cousas absolutamente máo; e fazem crer
que desesperamos de tudo, ou , pelo menos , que
julgamos necessario uma excitação de todo ar
tificial e mentirosa para nos conservarmos nos
postos conquistados á anarchia , ao caudilhismo
e até ao banditismo, como agora, no caso da
revolta em São Paulo.
Não . A verdade verdadeira é que, desde
1922, correspondendo á energia, ao criterio , ao
patriotismo de um escol politico, corresponden
do á coragem e á firmeza dos representantes da
82 A COLUMNA DE FOGO

autoridade civil, as classes armadas do paiz, na


sa maioria absoluta e nos seus representantes
de maior renome é mais reconhecido prestigio ,
têm sabido cumprir os seus deveres. Tudo o mais
que se diz é canalhice, é insinuação revolucio
naria pelo processo da desmoralisação dos que
cumpriram esses deveres .
Ninguem terá a ingenuidade de suppôr que ,
mesmo nas forças legaes, não houvesse esse ou
aquelle elemento sympathico á revolução. O que
se deve accentuar é que vae longe a distancia
entre a sympathia por un acto máo , por uma
paixão ruim , e o deixar-se arrastar até á suja
pratica, e o deixar -se dominar totalimente por
ella . Poucos , pouquissimos são os homens ,--
esta é que é a pura verdade de quem se
pode dizer que têm uma verdadeira consciencia
politica, uma visão segura e nitida do ambiente
politico de um dado paiz, maximé se esse , co
mo o nosso, por exemplo, se fez presa de um
individualismo social tão radical , a ponto de
não consentir nem mesmo na formação de gran
des correntes partidarias.
A disciplina, tanto civil como militar, tem
que ser, pois, na maioria dos casos, um como
presentimento do mal que a revolta representará
sempre, uma como estratificação da ordem na
cional , estratificação nem sempre consciente , e
que se revela justamente nas grandes convulsões
da sociedade . É essa estratificação o que pode
A COLUMNA DE Fogo 83

dar a medida da saude de um povo , da sanidade


moral de uma dada nação. Mesmo porque, quem
encarar com sentimento de rigorosa justiça acon
tecimentos como os que acabam de enlutar a
Brasil , tem que reconhecer tambem que a gran
de maioria dos revolucionarios é quasi sempre
arrastada a uma tal attitude na maior ignorancia
do crime que ella significa. Os chefes, sim,
estes são responsaveis em toda a extensão da
palavra e é possivel mesmo abservar que , tambem
na maioria absoluta dos casos, são todos conhe
cidos e famosos exploradores politicos, typos
já moralmente estragados , conscientes de que
não são capazes de se firmarem em real prestigio
social senão pelos processos da violencia , da
indisciplina, da desordem e do crime.
Ora , contrastando com a negatividade de
taes chefes , basta attentar na physionomia mo
ral de todos os chefes militares, que se têm fei
to notar na defesa da ordem legal , desde 1922.
São elles, reconhecidamente , os chefes, não só
hierarchicos como naturaes das classes armadas,
porque, não só representam as mais altas tra
dicções militares do paiz , como, ou por si , ou
pelos que os prestigiam , formam a vanguarda
cultural dessas forças, em que a cultura tem
que ser sempre expressão de um pro
fundo dominio de todas as paixões anarchi
cas e anarch isadoras. Do ponto de vista da
coragem , por exemplo, apesar de todas as in
84 A COLUMNA DE FOGO

sinuações do boato , de todos os sorrisos ama


rellos, de todas as infamiasinhas terroristas, etc. ,
o caso é que não houve meio de escurecer a bra
vura dos que se contrapuzeram aos furiosos es
forços daqueles loucos que , com a honra e o
brio militares, já haviam perdido até mesmo a
noção de patria, a noção desse brasileirismo,
fundamental , que , até então, não faltara nem
mesmo aos peores movimentos revolucionarios,
que têm degradado o Brasil . O nome de Po
tyguara, este só , é o bastante para fazer frente,
e de um alto ponto de vista patriotico e militar,
a todos os renomes de heroismo, audacia e dedi
cação que o sentimentalismo venenoso dos boa
teiros de má morte possa engendrar em favor
da bravura infeliz é desorientada , da bravura
que se arroja contra a dignidade da patria e a
magestade de suas leis.
Além disto, basta ler e meditar qualquer
dos documentos emanados da autoridade militar ,
nestes ultimos tempos, para se poder affirmar
que, em todo o rigor do termio , ha uma profunda
modificação da mentalidade das nossas classes
armadas em relação ao phenomeno revolucia
nario .
Ainda ha dias , a breve , mas incisiva oração
do Sr. Alexandrino de Alencar falando aos
seus « filhos espirituaes » da Marinha de Guerra ,
ecoou no meu coração, não só como a voz
da victoria legal contra os revoltosos de agora ,
A COLUMNA DE Fogo 85

mas, como o grito de um grande e experimen


tado homem de bem , annunciando ao paiz que ,
de uma vez para sempre, o espirito revolucio
nario não poderá mais apresentar - se em nossa
vida senão como negação de nós mesmos , crime
e crime monstruoso contra a nossa civilisação
e a nossa liberdade.
Agora, a palavra do general Rondon appa
rece tambem , como a confirmação mais clara
e mais decisiva desta grande verdade.
Nenhum nome talvez tenha sido mais ex
plorado por toda especie de revolucionarios e
negativistas deste paiz. Realmente, com verdadei
ro espanto para os que conhecem um pouco a
séria e grave doutrina de Augusto Comte, entre
as aberrações do positivismo no Brasil , avulta
a de ser elle, de tempos a esta parte, abrigo de
rebeldias de todos os matizes , como que uma
theoria de opposicionistas systematicos, cousa
essa que seria de todo absurda aos olhos do
profundo philosopho, que apesar dos seus er
ros , soube tão altamente assegurar -se do es
pirito de ordem , que a Igreja Catholica repre
senta em todo o Occidente . Não era, pois, de
estranhar que o general Rondon , dado o seu
grande prestigio no paiz, fosse um'a espe
rança permanente no horizonte espiritual dos
mashorqueiros nacionaes . Esta tambem , como
acaba de se ver, falhou e falhou definitivamen
86 A COLUMNA DE FOGO

te. O general Rondon reprova formal e rigo


rosamente os crimes deste momento .
É o caso de desafiar agora , mesmo, ao mais
genial dos boateiros, que aponte um nome, ao
menos , entre os revolucionarios, que se agitaram
do norte ao sual do paiz, e que represente , mes
mo do modo mais modesto, alguma cousa de
realmente nacional, alguma cousa que signifi
que, acima de todo o debate, uma parcella de
prestigio social ou politico na actualidade bra
sileira,
Esta face da medalha é que é preciso vol
tar para o lado da luz. Esta é que nós , os que
pugnamos pela ordein' e disciplina social, deve
mos mostrar, e com orgulho, com justo e ver
dadeiro orgulho .
A Nação, no que ella tem de mais repre
sentativo , tanto na ordem civil como na ordem
militar, poderá ter vacillado esse ou aquelle
momento , no ardor das paixões politicas, mas
na hora do crime, não , toda ella se mostrou
firme e decidida, ao lado do governo , ao lado
da autoridade, que dignamente a representa aos
olhos do mundo.

20.8 . 24.
ÁS BARBAS DE UM BOATO

Em todo movimento revolucionario ha duas


especies de doentes:
doentes: a primeira, bem mais
restrita, é a dos delirantes, loucos furiosos ; são
estes os agentes pelo facto , os que pegam em
armas, matam e morrem , completamente domina
dos por um erro de visão, ás vezes grosseiris
simo; a segunda especie é a dos dementes ; fa
zem o grosso do exercito subversivo , são os ca
pitães móres do boato, os hypocritas que se
ignoram , covardes que se vingam da propria 00
vardia e , sobretudo , incapazes de apresentarem
uma só razão realmente digna de acatamento
em favor do ideal revolucionario .
Pois bem , entre as notas mais agudas da
demencia revolucionaria, em nossos dias, ha a
seguinte: que se quer fazer crer que as cha
madas classes conservadoras de S. Paulo são
sympathicas á aventura caudilhesca, desde que o
88 A COLUMNA DE FOGO

governo ousou prender o Sr. José Carlos Mace


do Soares.
Em primeiro logar, devo dizer que, entre os
amigos do governo, não sou dos que attribuem
ao Sr. José Carlos Macedo Soares uma attitude
revolucionaria, solidariedade com os revoltosos,
ambições politicas, eto. E se penso , pelo con
trario, que a sua acção foi bem mais innocente
do que parecel, o que mais me arrasta a esta con
clusão é justamente o assemelhar -se ella , de
modo tão vivo'r á alcção propriamente revolucio
naria. Explico -me: um homem com as responsa
bilidades sociaes do Sr. Macedo Soares, a uma
revolta tão violenta e tão indigna como a de
S. Paulo, só de duas maneiras poderia ajudar
efficientemente : ou franca e positivamente, de
claradamente, desassombradamente, ou, de lon
ge, em silencio , com dedos de oiro e subtil en
genho... O Sr. José Carlos Macedo Soares não
fez nem uma cousa nem outra . As circumstancias
o dominaram . Quiz ser util , quiz actuar benefi
mente e se suppoz acima de duvidas e descon
fianças, « au dessus de la melée » ... Um pouco
de vaidade, eis tudo . No crepusculo da ordem
paulista, a sua sombra , por mais alta e nobre,
não poude esquivar -se á confusão geral ... Isto
é o que penso e com sinceridade o digo, notan
do-se que, em materia de revolução, ainda te
nho mais nojo do sentimentalismo do que do
safadismo mais declarado e mais franco .
A COLUMNA DE Fogo 89

Mas , pergunto eu , o proprio Sr. Macedo


Soares acharia justo que o governo, em hora
tão grave , em momento de tantas e justifica dis
simas surpresas, se désse ao «sport» da analyse
psychologica ou abrisse excepções, fosse para
quem fosse ? É claro que não .
Se ao menos, no paiz, fosse cousa já per
feitamente conhecida o que para um catholicot
de verdade significa a Revolução em si, e , prin
cipalmente, um movimento revolucionario com
as caracteristicas deste ultimo, comprehende- se
que jamais passasse pela cabeça de um chefe
de Estado que o Sr. José Carlos Macedo Soa
res pudesse alliar - se aos sinistros bandoleiros,
que ensanguentaram S. Paulo ... Mas não é
facto que individuos que se davam e talvez ain
da se dêm como catholicos, foram vistos com
armas na mão e, a esta hora , ainda as conser
varão, talvez , na agonia da infamissima aventura ?
São catholicos esses infelizes ? O coração tal
vez, talvez o sentimentalismo os curve em face do
altar . Doutrinariamente, são simplesmente im
becis, uns pobres diabos que fazem mais pieda
de do que indignação . Esta é que é a verdade .
Mas, que culpa tem o governo actual de que
ainda seja este o estado de cousas no Brasil ?
E, como sobrepôr -se o governo a confusões
num paiz em que, até mesmo em materia de
interesses, os mais positivos, as confusões são
muitas vezes verdadeiros milagres, nesse sen
90 A COLUMNA DE Fogo

tido de que ninguem pode comprehender como


ellas foram possiveis ?
Não é verdade, por exemplo , que é nos
jornaes da nossa burguezia, mais ainda, dos
nossos plutocratas, que se faz propaganda bol
chevista , anarchista, etc. ? Não continuam as Ir
mandades das nossas igrejas cheias de maçons ?
Não é certo que estão repletas de theosophistas,
espiritas , etc. ? E , sem perdermos de vista o
proprio caso que nos interessa, poderá haver
attitude mais singular, mais extravagante, mais
idiota que a attribuida ás classes conservadoras
desse grande Estado insultado, vilipendiado por
meia duzia de bandidos e um grupo de inconsci
entes ?
Figuremos que o governo tenha errado ab
solutamente quanto ao Sr. Macedo Soares . Acei
temos que é absolutamente injusta e injusti
ficavel a sua prisão. Que relação pode ter is
so icom o juizo, a opinião que se deve ter em
relação á infame tentativa caudilhesca ?
Um erro ainda maior do governo , o mais
grave mesmo que elle pudesse commetter, ma
ximé para com um individuo, jámais justifica
ria o crime contra a sociedade , o attentado con
tra a soberania da lei, a incrivel, a inominavel
trahição a toda noção de disciplina e ordem so
cial.
Não posso crer, aliás, que traduza uma
verdade o boato que me 'venho referindo. Meu
A COLUMNA DE Fooo 91

pessimismo relativamente á sociedade brasilei


ra contemporanea, não chega até ao ponto de
soppor que as suas classes conservadoras falta
o proprio instincto de conservação , vivo e ener
gico até nos agrupamentos animaes mais infe
riores.
Até a imbecilidade humana tem limites . E
verdade que , accionada pelo sentimentalismo , el
la já forçou ao principe da ironia burgueza a
exclamar propheticamente : « oh ! abysmo, tu és
o deus unico ! Mas , será possivel que ao pro
prio abysmo não já repugne tanta estupidez , tan
ta incapacidade, tanta miseria moral ?
Ninguem mais do eu deseja que o governo
commetta o menor numero possivel de injustiças
na repressão de um crime de tão vastas propor
ções como esse do assalto a S. Paulo . Princi
palmente em relação ao Sr. Macedo Soares, que
ha muito me acostumei respeitar e admirar co
mo catholico , o meu desejo é que o governo ve
nha a reconhecer quanto antes a sem razão das
suas desconfianças . Mas , só a mais perfeita idio
tice poderia imaginar que é possivel uma acção
energica, decidida e decisiva em momentos como
este que atrevessamos, se as autoridades tives
sem que recuar a cada passo diante de consi
derações pessoaes. Tambem , em homenagem ao
Sr. Macedo Soares, julgo que este, dada a si
tuação de facto em que se acha, não pode de
sejar um perdão, uma generosidade do goer
92 A COLUMNA DE FOGO

no. É um homem de bem : nada mais deve dese


jar que o pleno reconhecimento da honestidade
e lisura de seu proceder . Se foi suspeitado, pela
força das circumstancias, e suspeitado de com
munhão com salteadores da honra nacional, o que
requer, o de que necessita, ainda mais do que
da liberdade, é de justiça, é um formal desmen
tido a essas suspeitas. E é o que só de um
inquerito pode resultar.
Quanto á supposta ou bloquejada irritação
das classes conservadoras, é preciso crer que el
la não existe . Porque se existe, espere o Sr. Jo
sé Carlos Macedo Soares dias ainda mais tristes ,
confusões ainda peores , erros ainda mais graves ,
injustiças ainda mais evidentes . É que o diluvia
não vem longe, e 'haverá chuva de pedras, e mais :
raios, coriscos e relampagos capazes de cegar os
mais cautos e enlouquecer os mais equilibrados,

27 -8 -24 .
A HORA DA COHERENCIA

Morrerá Potyguara ! Pois morrerá !


Isto quer dizer sómente que nem mesmo
a bravura militar, na sua expressão mais per
feita , está, no Brazil contemporaneo, a salvo
da infamia mais infame...
Soou a hora da coherencia para o nosso
paiz. Eis tudo . A infamia tambem tende a sua
propria perfeição. No Brasil , ella se veio aperfei
çoando , e do caso das cartas falsas á incrivel
impiedade, á incrivel covardia com que acabam
de ferir o nobre cabo de guerra , resalta a lo
gica de um envenenamento collectivo realmente
profundo . Mas o que se deve fazer notar é
que não se generalisou o mal terrivel , e que
é na propria collectividade que reagem tambem ,
de modo impressionante , factores moraes de to
da a ordem , o que demonstra que esse mesmo
ser collectivo tem uma parte profundamente sã ,
tendente como nunca á victoria completa contra
94 " A COLUMNA DE FOGO

a parte má de si mesmo. E esta victoria não


pode estar longe . O proprio Potyguara os
seus pares , na lucta até agora sempre victóriosa ,
contra o caudilhismo, são uma prova de que
a reacção é nacional, é seria e profunda , pois
nada ha de mais difficil que sobrepor- se um
homem ao espirito da sua classe . Ora, a que
ha de verdade é que, no Brasil das mancebias
politicas e dos hermaphroditismos doutrinarios,
a Exercito venceu -se a si mesmo, isto é, con
seguiu , após immensas contradicções e grandes
luctas, que predominasse a parte sã de sua cons
ciencia, o que quer dizer : que á sua realidade
correspondesse o ideal adequado, a finalidade,
que á propria nação , como Estado, lhe havia
determinado, na organização , unidade e hierar
chia das suas forças.
O que ha a accentuar é que o Exercito tem
acompanhado a nação na sua recomposição, ou
melhor, no alerta com que acordou todas as
suas forças vivas para um combate definitivo
a tudo quanto interiormente a deteriorava e en
fraquecia.
Sejam quaes forem, pois , as apparencias,
sejam quaes forem , pois, os aspectos aterrori
santes desta situação, a realidade é que devemos
ser optimistas, devemos encarar o futuro com
intima segurança e inquebrantavel fé .
O paiz está pagando uma velha divida a
si mesmo . Dos ultimos decennios da monarchia
A COLUMNA DE FOGO . 95

até o governo Epitacio , o que nos enganava


era o progresso material , que quasi não depen
dia de nós, como povo, progresso a que se
poderia chamar de fatal em nossa vida, pois
que eramos um sólo uberrimo offerecido ás so
bras de uma população, como a europea, des
vairada pela ambição ou aguilhoada pelas mais
terriveis necessidades.

Tudo , porém quanto se relacionava com as


necessidades moraes de uma nação, assim , in
vadida , pacifica mas efficazmente, assim per
turbada na sua propria contextura interior, tudo
quanto se relacionava com a vida propriamente
politica do paiz, deixaramos ao abandono, na
capoeira, peior , no monturo dos interesses pes
soaes , quando muito dos interesses de grupos ,
tudo ao sabor do mais desenfreado individua
lismo, ausente , absulutamente ausente, todo e
qualquer ideal de uma educação realmente col
lectiva, toda e qualquer preoccupação de bra
silidade .
For no governo Epitacio que se esboçou
essa politica de reacção nacional : tinha que ex
plodir sob os pés daquelle grande brasileiro.
a furia da desordem accumulada, das paixões
inferiores e destruidoras, que , na impunidade)
absoluta , já haviam , com a força , adquirido a
feição de legitimos ideaes .
Isto é o que só não viu a mediocridade,
que reduz a politida a um jogo de comediantes
96 . A COLUMNA DE Foco

ou a decrepitude moral dos que já não creem


em nada .
O Sr. Arthur Bernardes , quizesse ou não,
maximé pelo seu feitio de homem avesso ás
espectaculosidades demagogicas , e dadas as ex
plorações caudilhescas provocadas pela sua can
didatura, tinha que ser, fatalmente tambem, o
alvo desses terriveis odios , que não são contra
este ou aquelle homem, senão na sua expressão
sentimental e popular, mas os odios todos de
uma sociedade judaisada, metéquisada, acana
lhada, repito, contra a força noiva que a paiz
vai revelando, na depuração de tendencias e
ideaes, de que acima de tudo necessita .
Contra a gente ruim , já de todo perdida ,
chegada ao maximo gráo de desmoralisação, ab
solutamente infensa à toda doutrina de ordem
e disciplina , a verdade é que o actual Presidente
póde appor tudo quanto o paiz, na sua ma
ravilhosa alchimia , já conseguiu caracterisar mo
ralmente dentro de um ideal de são brasilei
rismo, o que quer dizer, de patriotismo ordeiro
e disciplinado , eminentemente christão, tão cio
so das liberdades, que a lei garante , como do
amor á Autoridade, sem o qual a propria lei
é uma vã palavra e a liberdade um sophisma de
exploradores e politiqueiros.
O que o Presidente tem a fazer é não en
tregar -se unicamente á lucta contra os misera
veis e os inconscientes, que realisam a infeliz
A COLUMNA DE Fogo 97

finalidade que lhes marcou a anarchia latente


nestes ultimos cincoenta annos de nossa vida
politica. É claro que não deve , nem por um
momento , esquecer o dever, que tem , de redu
zil -os á impotencia e ao nada . Mas , alguma coiu
sa de mais bello e de mais nobre ainda lhe é
possivel fazer em prol da Nação : organisar, sys
tematicamente a sua propria defesa contra as
remanescencias de um tal estado de cousas, tor
nar organica, viva , de um ponto de vista dou
trinario , essa reacção instinctiva da nacionali
dade contra os seus inimigos internos.
Incite o Presidente, anime a alliança de
todos os homens de bem , de todos os patriotas,
não já para a hora do perigo, mas para a ver
dadeira realisação de um partido da autoridade
e da ordem , neste paiz que, até agora, só tem
tido o partido da desordem e da anarchia , pois
que é da natureza do mal e do erro crescer na
dispersão e fortalecer- se na descaracterisação,
e na paz espuria da indefinição e do nada.
Até certo ponto , pode -se dizer que os ini
migos do Sr. Arthur Bernardes estão a apon
tar-lhe um alto e nobilitante papel na nossa his
toria. A hora da coherencia so'ou para nós . Que
o Presidente lhe apprehenda as vibrações mo
raes , e não se tema da violencia e da infamia ,,
porque tão avultadas appareçam agora no sce
nario da nossa vida . Quem attentar calmamen
te, descobrirá, de certo , que os ideaes de or
7
98 A COLUMNA DE Fogo

dem, de disciplina, de autoridade, que o bom


senso e a fé nelle cresceram tambem , e de modo
prodigioso . O que se está a travar é uma bata
lha definitiva. Mas quem combate pelo bem
e pela verdade , não se pode temier de batalhas ,
sejam ellas definitivas ou não .

3.9 . 24 .
INQUEBRANTAVEL FÉ .

Bonald, um dos grandes inspiradores e pro


phetas da Contra Revolução que , na Europa ,
se vai operando em acção e pensamento , por
mais que os factos apparentemente a desmintam ,
escreveu um dia esta palavra que desejara ver
gravada na consciencia dos escriptores 'brasi
leiros : «Um escriptor deve ter em moral e em
politica opiniões precisas, deve se ter na conta
de instructor de homens , pois os homens não ne
cessitam de mestres para duvidar... »
Balzac, que o cita , no prefacio da « Come
dia Humana , não era menos positivoi: « A lei do
escriptor, o que como tal o constitue, o torna
igual e talvez superior ao homem de Estado ,
è una decisão qualquer em relação ás cousas
humanas , um absoluto devotamento a principios ».
É ambiciosa a expressão de taes sentimen
tos ? Não pode ser ambição ou descommedimento,
- nella , o que se revela como obrigação definida .
100 A COLUMNA DE Fogo

Nem mesmo o artista escapa ao quadro dos


deveres para com a sociedade , desde o momento
que della necessita . O puro sentimento esthe
tico póde em si proprio achar finalidade. A
obra de arte , a arte « realisada , já não pode
fugir á socialisação dos seus aspectos , mesmo os
nais interiores , e , ou corresponde a uma neces
sidade qualquer do ambiente social , ou por ser
moralmente condemnavel, é estheticamente in
ferior.
Esta tem sido, graças a Deus, a attitude já
mais vacillante de mieu espirito e , quando tan
tos elementos de desordem , de indefinição , de
divisão , de confusão , ameaçam a sociedade bra
sileira , é mister que todos nós, escriptores bra
sileiros, sejam quaes forem os nossos ideaes ,
formemos, em derredor da representação obje
ctiva da nossa ordem social, uma barreira que
valha muito mais que os canhões, as metralha
doras bayonetas . Não é esta a hora da ana
lyse , dos exames parciaes , dos balanços de bens
e males de caracter particular. Não cito catho
licos tão somente . É Kant quem ' nos diz : «quem
não reconhece os beneficios da disciplina é um
selvagem ».
Não cito unicamente monarchistas e reac
cionarios . É um homem como Horacio Mann
quem nos previne : « As instituições republicanas
offerecem facilidades tão grandes aos máos,
A COLUMNA DE Fogo 101

em todos os generos de malicia , quanto o phos


phoro aos incendiarios » .
Pois bem : o republicanismo agnostico , a
Republica na sua feição mais inorganica, ahi
está florindo e fructificando conforme a sua
natureza ...
Mas , acima das formas de governo, das
instituições propriamente politicas , está a socie
dade, de que um governo , seja elle qual fôr,
é praticamente, condição necessaria. É isto o
que é preciso defender a todo o custo. Se ha
reforma de costumes a tentar, se ha reforma
de leis a fazer -se , se ha programma politico
a executar, uma cousa é necessario não esque
cer , e é que nada disso tem ' viabilidade se não
ha um governo que bem ou mal seja como que
um centro de gravitação a todas as aspirações
e anseios do nosso povo .
Não é com as armas, não é com o odio
que se combatem os máos governos . Pelo con
trario : é com a organisação das consciencias
em derredor de ideaes claros , positivos, defi
nidos ; é com a formação dos partidos , de pa
ciencia , de trabalho ordeiro e disciplinado .
Jámais a desordem será portadora de jus
tiça , jámais a indisciplina foi alvorada de bem
e de felicidade social. Ora , a primeira obriga
ção de quem quer combater um governo não
é nem mesmo a de apresentar um typo melhor a
se ' lhe contrapor : é a de demonstrar que elle
102 A COLUMNA DE Fogo

é positivamente máo , tyrannico , negador de to


dos os direitos do grupo social a que rege . Pois
bem : é o que ainda não se viu na grande crise
politica que atravessamos .
A primeira explosão revolucionaria destes
ultimos tres annos, foi o resultado, como se sa
be , da mais deshonesta e miseravel campanha
que já se fez contra um homem publico, neste
paiz, campanha alimentada na vasa mesma da
nossa sociedade . Campanha contra um homem ,
note -sebem . Nem uma só vez se apresentou
com a physionomia de um programma politico
contraposto a outro programina. Foi uma espe
cie de «sabbat» de todos os « ratés da politi
cagem , a ronda diabolica de mil indefinidos
instinctos de anarchia e negação, dando em re
sultado uma aventura de obsecados... E depois ?
Em todo o periodo que vem de julho de 1922
ao dia de hoje, marcando em nossa historia, a
mais agitada , a mais dolorosa phase da nossa
formação politica , nem uma vez tambem se es
boçou ao menos o desejo de uma realisação
partidaria , nen a favor nem contra as instituições
vigentes e o governo alvejado por tantos odios
e calumnias .
A realidade é que os agitadores profissio
naes ,os anarchistas por essencia da propria na
tureza , jámais deram tempo á nação para um
julgamento sereno, quer do governo, quer dos
que assim o perturbavam systematicamente na
A COLUMNA DE Fogo 103

sua actuação politica e administrativa . Não têm ,


pois , taes individuos autoridade de qualquer es
pecie para pedirem a esse governo seja uma
attitude mais pacifica , seja mesmo um mais equi
librado sentimento de justiça . Deve -se até , em
defesa do chefe da nação e dos homens que
com mais responsabilidade o apoiam , dizer que
não ha testemunho mais claro do seu patriotis
mo e das suas nobres intenções politicas, do

que a verificação de não terem usado , até hoje,


das represalias que as attitudes dos seus inimi
gos de antemão teriam justificado, aos olhos
de qualquer nação composta de homens como
os outros e não de santos e de anjos .
Um homem de bôa fé não tem mesma
o direito , neste momento , de dizer do governo
que agiu bem ou agiu mal em relação a esse
ou aquelle problema de ordem politica. Só uma
cousa ha a notar : é que o governo agiu como
poude , dado que é a propria sociedade que
lhe compete salvar, preservar de males tão gros
seiros – é a propria sociedade quem se deixa
intoxicar, envenenar e, ás vezes , do modo mais
ridiculo e irrisorio .
Não ha , pois, vacillar em hora tão grave.
Se alguma consciencia existe menos adoradora
de si mesma , ainda capaz de reflectir nos bene
ficios da ordem , da disciplina , da hierarchia ,
da lei, essa não poderá ficar indifferente á lucta
travada entre um governo que parece encarnar
104 A COLUMNA DE Fogo
9

as nossas ultimas reservas de equilibrio e sen


satez, e a turbamulta das ambições vulgares,
das inquietações vulgares, das vulgarissimas as
pirações de uma anarchia indefinida , e , por is
so mesmo, ainda mais triste e perigosa ...

Uma vez escrevi certa palavra de amar


gura e de horror ante os prodomos da mons
truosa anarchia em que querem afundar
o paiz. .. Se alguma revolução é necessario ao
Brasil , disse eu, é a do governo contra os ha
bitos de hypocrisia , de covardia, de criminosas
mancebias que têm degradado o nosso meio
politico , sem nem ao menos poupar -nos á ver
gonha das revoltinhas periodicas , dos motins ,
das mashorcas sem ideal e mesmo sein sentido .
Falemos franca e positivamente: em cin
coenta annos já colhemos todos os fructos da
deschristianisação, da deseducação do paiz . O que
ahi está a ameaçar, no Estado , o ultimo redu
cto do senso da autoridade, é simplesmente o
remate tragico talvez de uma revolução já per
feitamente senhora de todas as consciencias, es
pecie de loucura raciocinante em que a idéa fixa
do abysmo, do nada , é a unica face definida de
uma idealidade de larvas ...
A COLUMNA DE Fogo 105

Se os homens, se os poucos homens que


ainda enrarnum entre nós a idéa de ordem, sal
va das aguas deste diluvio pela propria comple
xão moral da humanidade , que ainda não per
demos de todo , se esses poucos homens não
tiverem a guiar-lhes a mão de ferro, a ampa
rar - lhes o coração de bronze , uma consciencia
de ouro, isto é, uma consciencia voltada para
Deus, segura na sua fé , abroquelada em prin
cipos activos mas eternos , então a realidade é
que será impossivel evitar esse salto no escuro ,
que parece ser a esta hora a unica aspiração
da sociedade brasileira.
Deus a proteja nesses homens, Deus os
inspire , Deus os fortifique no sacrificio immen
so, na luta em que se empenham por salvar
o Brasil !
Os homens que têm fé em Deus e convi
cção da justiça da sua causa , de um modo ou
de outro , são invenciveis.
O que para outros constitue derrota é , pa
ra elles , a sementeira que lançaram á terra, e
ha de vingar ...
De qualquer modo a victoria é delles .

29.10 - 24.
FIRME !

Se ha uma verdade que só poderá ser ne


gada por imbecis e exploradores de imbecis
é que , do ponto de vista politico, isto é , do
ponto de vista de segurança e bom andia n'ento
das relações sociaes , uma nação vale o que
valem poucos, pouquissimos dos seus filhos . Nem
massa inculta , que existe em toda a parte,
nem a multidão inquieta dos homens de finan
ça e da politica , mediocre em tudo que não se
ja ambição, gana e desconfiança, faz a cidada
nia activa de uma nação ou mesmo o que se cos
tuma chamar a sua opinião publica . A realidade
é que a propria opinião publica é sempre o
reflexo da acção de tres ou quatro vontades
fortes , determinadas, para o bem ou para o mal
e de todo assenhoreadas da complexissima tra
ma do Estado, na sua vida propriamente politica.
É preciso, pois, não esmorecer diante da
anarchia , da desordenada selvageria que assal
108 A COLUMNA DE Fogo

ta o Brasil neste momento . Se ha ainda um só

homem de governo realmente dedicado ao bem


estar do paiz , realmente amigo da nação, a
ordem vencerá a desordem , a lei acabará por ser
respeitada , a disciplina estabelecer -se - á em to
das as classes. Se é certo que a esta hora o
suicidio parece ser a unica aspiração da socie
dade brasileira em peso, se é certo que o nosso
mal não é , como geralmente se pensa , um mal
passageiro , e , sim , o resultado de uma syste
matica deseducação ou deschristianisação do
paiz, o facto mesmo da resistencia que ha tres
annos o poder publico vai oppondo a tantos
criminosos assaltos, a tantas e tão crueis e tão
miseras trahições, é uma prova de que existe
um elemento qualquer irreductivel , de bom sen
so , de caracter, de fé , que , unico , representa fiel
mente o espirito nacional e está a cooperar
mysteriosamente com os homens que o adivi
nharam e seguem os rumos que elle vai traçando
na escura paysagem que penetramos. Neste abys
mo de sombra como que subimos uma inonta
nha .
É difficil , é rude , é aterradora a subida.
Mas subamos ! É sempre mysteriosa a historia
dos povos que têm fé !
Não se deve esperar milagre na ordem po
litica ; mas a fé já é de si mesma, maximé na vi
da dos povos, uma altissima graça . Subiamos a
mantanha de treva , e ha de se ver que, do outro
A COLUMNA DE FOGO 109

lado , como na lenda de Rider Haggard, a luz


nos banhará a fronte , uma paysagem nova , cheia
de vida, ordenada e clara na sua exuberancia ,
se nos deparará ao espirito vencedor.
Convençamo -nos de que o Brasil está pa
gando uma serie de erros monstruosos e , prin
cipalmente, as dividas contrahidas por uma im
mensa covardia politica . Compramos a indepen
dencia , e nem por isso somos hoje menos es
cravos do que fomos do capital estrangeiro..
A monarchia foi , entre nós, no seu chamado
periodo glorioso , uma systeinatisação de dubie
dades , de negações de si mesma, de sinuosas
provocações ao crime , á trahição. Veio a trahi
ção e justamente de onde fôra um crime ima
ginal- a, trahição dupla na sua essencia, e não
teve á enfrental - a senão o ridiculo , o puro ri
diculo de um bota - fóra de « ratés » conformados ...
A Republica foi, pois, nascida da trahição
e do ridiculo , mas a sua ansia de dramatisação
e de sangue poude desde logo objectivar -se ...
Uma dezena de marinheiros não quiz faltar á
fé jurada ? Tel -os - iam fuzilado ? Quem sabe ?
Mas á face do mundo, «a Republica era uma as
piração nacional tão generalisada que foi in
cruenta a sua instituição, a sua victoria » ... Es
tá nos compendios , como estará , talvez, a po
logia da amnistia a outra meia duzia de mari
nheiros, quando um governo militar fez com
110 A COLUMNA DE Fogo

que soffressemos a maior humilhação que já


soffreu uma nação vagamente policiada...
Que dirão os compendios do fim que os
amnistiadores derain aquelles pobres diabos ? E
não se quiz depois enfeitar de heroismo, de
messianismo politico o mesmo militar em cujo
governo a nação teve tão grande lustre ? Que
é que no Brasil não se fez por arranjo do cri
me coin a covardia , em detrimento da lei , da
firmeza , do simples cumprimento do dever ?
Quem ignora que nos arraiaes da nossa politica
ha verdadeiro horror ás convicções ?
Verdade verdadeira , muitas vezes repetida ,
rude, toscamente dita, mas dita da unica ma
neira que totalmente a exprim'e, é que ha no
Brasil a superstição da covardia , não ha pro
blema , não ha difficuldade a que não se tenha
apontado a solução accommodaticia, a tangente
do adiamento , ou peor, de uma patifaria nos
bastidores.
O resultado tinha que ser fatalmente o
que ahi está : o povo completamente affeito a
palhaçadas, ao saltibanquismo sangrento, e in
capaz quasi de firmar na autoridade o seu pro
prio prestigio , o seu direito mesmo de viver em
paz, de trabalhar, de progredir .
O que se está passando de tres annos a
esta parte é, porém, ao contrario do que se diz
a creação de um novo estado de cousas em que
luciluz uma esperança real de reacção e de fir
A COLUMNA DE Fogo 111

meza . Digam o que disserem os inimigos deste


governo , uma cousa é impossivel que lhe ne
gue quem quer que não seja absolutamente cy
nico : convicção de que tem uma missão a cum
prir , convicção que o tem dominado na sua acti
vidade, como um verdadeiro mandamento de
Deus . Essa convicção é a de que é preciso man
ter o principio da autoridade á altura pelo me
nos da paixão revolucionaria .
Ha , pois, que contar, a esta hora , mais
que as victorias repetidas do governo. Ha uma
convicção no ambiente politico . O exemplo fru
tificará. Quasi que se pode jurar que o Brasil es
tá á vespera de melhores dias .

5-11 - 24 .
1
AS CLASSES ARMADAS E SEUS CALUM
NIADORES

Seria querer tapar u sol com uma peneira ,


negar que, de tres annos a esta parte , ha uma
agitação doentia na sociedade brasileira. Um
grupo de obcecados , velhos « ratés » do positi
voidismo cavacional republicano, acabou é

antigo o aphorismo de que «os apaixonados apai


xonam » acabou por formar um grupo maior
de possessos , maniacos da salvação da patria,
do restabelecimento da democracia , etc.
Como a formação · deste ultimo grupo se
tivesse operado no seio das classes armadas, a
idiotice tomou immediatamente o aspecto de
loucura, que vem mantendo , e as ameaças, com
facilidade , se transformaram em actos. É uma
fatalidade da propria disciplina militar que sem
pre ha de haver soldados para acompanharem um
official rebelado e , não raro , em relação ao sim
8
114 A COLUMNA DE Fogo

ples soldado, essa attitude está isenta de inten


ção criminosa. Uma questão, porém , está mere
cendo a attenção e a analyse dos que ainda de
todo não perderam a fé no espirito brasileiro ,
e é a seguinte : será verdade que só devido á fal
ta de caracter, do que geralmente se chama ver
gonha , têm abortado os multiplos e tão com
plicados planos revolucionarios destes ultimos
annos ? Porque o que se diz , o que se boqueja, o
que se murmura meia hora depois da fallencia
de cada um desses famosos assaltos ao poder ,
é que os revoltosos foram traidos ... foram mi
seravelmente traidos ... Mas traidos por quem ?
Não teme ousadias a explicação : os revoltosos
foram traidos pelo exercito em peso em 1922,
aqui no Rio, como em julho deste anno, em
S. Paulo ; foram traidos por toda a Marinha no
levante Protogenes, como no de 4 do corrente ...
Os homens tinham tudo preparado , coragem ,
patriotismo, intelligencia ; contavam com todos
Os corpos e guarnições, só havendo excepções
pessoaes de tres ou quatro canalhas bernadistas,
vendidos ao governo , etc.,, e que até era uma
vantagem não contar com elles ... Emfim, dado o
signal , na hora da onça beber agua ... é sem
pre o que se tein visto : uma infamia , encolhem
se todos, fogemtodos para o lado do governo,
e lá se ficamos pobres heróes em perspectiva ,
sem meios de objectivarem o heroismo...
Ora , não será mais justo dizer- se que in
A COLUMNA DE Fogo 115

famia é pensar deste modo sobre as classes ar


madas do paiz ?
Em primeiro logar, o que é preciso é ajui
zar com serenidade relativamente ás tristes oc
correncias em que as temos visto envolvidas e ,
por assim dizer, degradadas da sua alta funcção
em nosso meio social. Mas a verdade é que a
democracia, maximé na forma com que a ado
ptamos, é uma anarchia pratica , pela inseguran
ça e incoherencia dos principios directores da
actividade, é desconfiança em relação ao poder
e discussão em relação a tudo e a todos. O des
respeito é quasi uma virtude num tal ambiente
politico e , como no caso do Brasil, se não ha
partidos organisados, se não ha grupos guiados
nem mesmo pelas meias idéas do liberalismo,
ou, melhor, do romantismo politico, nascido do
infame idealismo da Revolução franceza, o re
sultado é que, dentro em pouco , não existe idéa ,
sentimento , instituição , força , poder, cousa al
guma , emfim , que não esteja abaixo da conscien
cia individual, o que quer dizer, que não esteja
sujeita ao juizo de creaturas ás vezes incapazes
ce ajuizarem da sua propria pequenez e me
diocridade . Como , pois, evitar -se o pandemonio
das insinuações grosseiras, das suggestões pa
ra o mal , das criminosas covardias e dos ainda
mais criminosos messianismos politicos ?
No Brasil, principalmente, os militares não
podiam ficar estranhos a essa incrivel sujeira de
116 A COLUMNA DE FOGO

interesses , isentos de paixão , não podiam ficar


inhumanos , dentro de um tal circulo de huma
nidade desorientada , apaixonada , baixamente des
orientada e baixamente apaixonada. Pelo con
trario : dentro de uma sociedade como a nossa ,
quasi inorganica , onde ha mnais nomes que clas
ses , em que os grupos só têm a consistencia
que lhes dá o interesse de cada momento , for
mando , como formam , a unica classe en que
existe pelo menos um instincto correspondendo
a uma personalidade, os militares tinham que
ser fatalmente, mais que tudo o mais no Brasil,
abalados pelas ondas do nosso assombroso in
dividualismo politico. Só o que offerece algu
ma resistencią soffre realmente de uma acção
exterior, e se essa acção é de penetração , de
suggestão ,no dominio moral, então é natural
que a violencia reine mais francamente no meio.
mais coheso , onde a perfidia penetrou .
A tendencia mais geral , porém do caracter
brasileiro é para a paz e somos um povo que
se contenta de criticar, de falar mal, como se diz,
principalmente do governo e dos homens pu
blicos do paiz. Peior já dissera de nós o tyran
nete de Buenos Aires ...
Mas o que se verifica é o que acabo de
dizer : o brasileiro , completainente deseducado,
do ponto de vista politico, da escola primaria á
vida pratica , sempre em contacto com ideaes re
volucionarios, sempre levado a ver na autori
A COLUMNA DE Fogo 117

dade uma diminuição do seu proprio eu , o bra


sileiro , digo, coino que se alimenta moralmen
te da injuria , da anedocta , da maledicencia con
tra o governo e os homens que o representam .
Já é um estado de espirito natural , como que
adequado á nossa destinação no nundo civili
sado : somos um povo que se ufana de calumniar
se , e é claro que não ha 'meio inais expedito e
mais positivo do que calumniarmo-nos naquelles
justamente que nos representam em face do
mundo .
Em um meio militar, uin tal estado de
espirito ha de tomar sempre o caracter de ame
aça , de injuria armada pela força, que esse meio
encarna mais que outro qualquer.
Eis ahi talvez o segredo dos nossos ultimos
desastres : são dez, vinte maniacos, possessos,
obcecados de ideaes os mais incertos — vacil
lando entre a dictadura militar e a democracia
mais romantica - são dez, vinte doentes anima
dos, porém, por um ambiente absolutamente
favoravel á conversação lunatica, ao nosso psy
chastenismo social, ás intimidades perigosas com
toda e qualquer especie de loucura. Qualquer
desses doidos é claro que está sempre conven
cido de que todo o mundo pensa comb elle, quer
o que elle quer. Se a sua loucura é puramente,
nitidamente revolucionaria, não ha quem o conven
ça de que todos os que o ouviram com pacien
cia ou interesse não são tambem revolucionarios
118 A COLUMNA DE Fogo

decididos. Dahi as surpresas e o desequilibrio


cada vez maior dos loucos ainda em possibili
dade de acção , e, consequentemente , as revo
luções , ou melhor, os motins semanaes .
Não , não estará tão fundamentalmente per
dido o caracter brasileiro. É a superficie delle,
a parte que cabia á educação orientar e moldar,
é essa superficie o que apresenta essa feição
de maré de fél , de aguas sem norte ou a de
bater-se entre bordos de lama , sem nem ao
menos dirigirem -se direitas ao abysmo ..
Se os homens que, neste momento , iniciam
um'a verdadeira campanha de pedagogia social
e politica, souberem despresar esses aspectos
miseraveis de nossa vida , e contrapor - se firme
mente as poucas forças realmente más que nos
perturbam , estou certo que será mesmo nas clas
ses armadas que elles encontrarão os elementos
mais decisivos e mais capazes para a victoria,
que precisamos obter de nós mesmos, contra
nós mesmios, em favor de nós mesmos .
Tudo o mais é pessimismo
doentio, são',
afinal de contas, manifestações do nosso maior
mal : o mal romantico do exagero a respeito de
tudo e de todos ...

12.11 - 24 .
A AFFIRMAÇÃO INTERIOR

O nosso coelhonetismo politico, especie de


formigueiro de phrases bonitas, ou tidas como
taes, mas onde as idéas, quando apparecem, ain
da são menores e mais informes do que larvas
de formiga deve estar radiante com a mani
festo do Presidente . Não que a essa gente ma
niaca do discurso e da parolagem preoccupe nem
de leve a profunda significação daquelle de
cumento politico, significação que transparece,
nitida e rudemente, nas suas entrelinhas , pois
o mais é justamente para pasto do phraseopha
gismo nacional ...
O de que toda essa gente precisava , o que
toda ella desejava é que o Presidente falasse ,
mostrasse que tambem sabia falar, dirigir-se ao
povo , fosse de que modo fosse, para dizer ver
dade ou mentira, pouco importavą. . .
Os proprios amigos sinceros do Presidente
120 A COLUMNA DE FOoo

já reconheciam a necessidade dessa chuva de


palavras sobre a ardente sede do basbaquismo
ambiente .
Como se a acção, a acção continua, per
sistente , firme , desassombrada do Chefe supre
ma da nação nos contivesse mais belleza e
mais força que a palavra mais bella, não equi
valesse , pelo menos, á eloquencia mais alta,
mais espiritual, mais reveladora de vida inte
rior, de contensão, de dominio de si mesmo e
amor indomavel a este paiz !
Mas , falou afinal o Sr. Arthur Bernardes,
falou á Nação , após longos mezes de lucta por
salval -a da anarchia e da completa destruição
dos seus creditos moraes . É ben possivel , co
mo já disse, que o mais sério e grave do seu
pensamento escape aos daltonicos liberaes desta
Republica de efeminados trapaceiros e semi
deuses da concordata fraudulenta, da inancebia
de principios oppostos, dos arranjos con o cri
ine e os criminosos ... Eu avalio , ali mesmo , á hu
mida sombra do casarão do Senado , quanto
comichão de amnistia, quanta esperança de uma
negociaçãozinha indirecta con os ultimos « ratés >>
do heroismo revolucionario ... São capazes de
tudo neste sentido : capazes de ver promessas e
juras amorosas na phrase mais secca , mais me
dida, mais 'meditada, mais condiccionada á alta
situação de quein fala, e fala, a um povo ha trin
ta annos envenenado por uma sucia de scor
A COLUMNA DE Fogo 121

piões do sentimentalismo e da bambochata hu


manitaria ...
A verdade, porém , é que o Presidente não
quiz ser nem sentimental nem humanitarista
e eis ahi uma das palavras mais infamemente
enganadoras que já ha inventado o despudor re
volucionario quando o que discutia era pura
e simplesmente o interesse do paiz, a sua civi
lisação, o seu direito de viver em paz, conforme
ás suas leis . Não quiz, nem lhe era possivel,
discutir detalhes . Disse clara e positivamente :
seria iminoral, indigno de um chefe de Estado,
de um hornem de bem , negociar con criminosos
em plena actividade criminosa...
Se esta finalisa , se cessa a sua malefica
irradiação, então , sim , não é impossivel que de
«modo espontaneo », a Nação perdoe, esqueça ,
generosa como é , fundamentalmente christã co
mo é . O Presidente não se co nprometteu , de
modo algum , a fazer côro com os choramingas
• e os figurinos da tolerancia , que tão facilmente
esquecem o sangue derramado, os incendios, as
desgraças de que foi victima o paiz. Não lhe
cabia dizer que não cederá nunca em tal ponto',
e estou mesmo convicto que não se opporia sys
tematicamente a um desejo da Nação inteira ,
claramente expresso , insophisinavelmente expres
so pelos orgãos naturaes e acatados da sua, opi
nião e do seu sentir . Mas, não é delle ainda que
parte o conselho reles, a insinuação descrite
122 A COLUMNA DE Fogo

riosa , a suggestão de covardia e fraqueza . Não


ha uma só palavra no seu manifesto que autorise
a enfileiral - o entre os mercadores, a baixo pre
ço , do sangue e da dignidade brasileira, uma , só
phrase que desminta a heroica resignação com
que aceitcu a suprema magistratura do paiz
no momento em que este parecia ter ensandeci
do, como joguete de meia duzia de falsarios e
saltibancos de feira politica.
Mas , se é assim a face objectiva do ma
nifesto a que ahi está aos olhos mais vul
gares, e que só não saberá ver a misera dalto
nice dos nossos profissionaes da mistificação
democratica muito mais nobre, muito mais
nobremente educativo se me apresenta o que
elle tem de propriamente interior. de substan
cial , de intima e subtil intenção mais do que
politica , porque social, sobrepostal á propria tra
ma do Estado.
Quem conhece um pouco a historia dos
ultimos cincoenta annos de vida nacional, se
não é de todo um innbecil ou um canalha, não
ignora ou não finge ignorar que houve como
que uma aposta entre as nossas chamadas «eli
tes » a ver quem melhor imitava os destruidores
da civilisação christã da Europa, destruidores
que na ultima metade do « seculo estupido », pa
reciam de todo victoriosos, senhores do mundo .
Taes apostadores acharam no mulatismo espi
ritual do paiz, o meio mais propicio a todas as
A COLUMNA DE Fogo 123

investidas da audacia negativista ou da medio


cridade paganisante . Os diluvios revolucionarios
tinham por força que ser frequentes e cada
vez mais desastrosos... Primeiro foi a ques
tão religiosa, o remate da desmoralisação da
Igreja num paiz officialmente catholico . Ainda
não houve talvez entre nós revolução social de
tão graves e prolongadas consequencias e reper
cussões . Seguiu - se a libertação dos captivos, vi
ctoria immensa de um idealismo generoso a
que uma perigosa ideologia eninentemente
despreoccupada dos interesses nacionaes deu
órma e execução , que não sabemos quanto nos
vêm custando, pois ainda não foi feita a ana
lyse rigorosa do nosso desequilibrio propria
mente social , desde então, não só pelo estado
legal subitamente creado a uma multidão que
The era moralmente inferior , como pela politica
immigratoria que fomos força los a inaugurar
sem maior exame de qualidade e de origem dos
que vinham substituir o braço escravo .
Já ein 1889 o idealismo é uma sombra , e
viva , activa , victoriosa, emfiin , a ideologia mais
perniciosa, mais alheia ás tradições do paiz,
mais opposta aos seus habitos e ás condições
politicas de uma população inesquinha em re
lação á enormidade do territorio e ás difficul
dades da acção directa do governo sobre regiões
tão dispares e afastadas umas das outras. Sacri
ficou - se a Monarchia que, ainda negando - se,
124 A COLUMNA DE FOGó

nos conservava a unidade e um sentido proprio


no mundo americano, e a Republica appareceu ,
entre clownesca, charlată , positivoidica e baixa ,
triste , ridiculamente militarista. Esqueceu - se até
um podre fio de aspirações republicanas, que
um escol de fradecos maçonisados e maconisa
dos bademecos tinha fiado ao fulgor das re
pressões da metropole e do pri:neiro • reinado,
Estava , assim , instituida a dictadura disfarçada
e sophistica , peior, muito peior que a de un
hoimein , a dictadura de uma classe, a perpetua, e
sempre renovada dictadura... Corno não ser
mos, pois, o paiz das revoltas , dos inotins , das
chinfrinadas caudilhescas ? Fincaram -se aqui e
ali marcos de reacção - e a memoria de Pru
dente de Moraes e Rodrigues Alves é credora
de gratidão de todos quantos sabem no Brasil
o que representa a empafia regeneradora ou
salvadora a coice de carabina e bala de canhão .
Mas contra uma tão hypocrita e insidiosa ty
rannia a realidade é que a reacção só princi
piou a ter visos de systematisação doutrinaria do
governo Epitacio para cá .
A lucta sustentada por Floriano deixara
mesmo como que para sempre perturbada a vi
são do nosso meio politico . Elle ta nbem fôra
um defensor da legalidade, una barreira á anar
chia . Mas até onde fortalecera a velleidade mi
litarista ? Eis o que era difficil responder.
Do governo Epitacio. Pessoa aos nossos
A COLUMNA DE FOGO 125

dias, porém , desde a questão dos ministros ci


vis nas pastas militares, o que se poude appre
hender foi a sondagem do trenendo mal de
que se alimenta ha meiɔ seculoa nossa in
quietação social, a nossa perenne e evidente
sympathia pelos methodos revolucionarios na so
lução de todas as nossas difficuldades politicas.
Não tendo o Sr. Epitacio , como politico e co
mo chefe de Estado , cedido ás injuncções do
demagogismo alliado á incubada caudilhagem
dos quarteis , relativamente á escolha puramente
politica do seu successor ; não tendo o Sr. Ar
thur Bernardes , como candidato vetado por taes
elementos, cedido ao terror das aineaças, a rea
lidade é que , pela vez primeira , sobrepondo -se
ás illusões do nosso liberalismo de fantoches
republicanos , o escol politico não só apoiou os
dois grandes brasileiros, como de boa mente
aceitou as razões praticas de uma orientação
que se resumiu até hoje na salvação da socieda
de em detrimento da poesia republicana . Pela
primeira vez, se poude ver, entre nós , o prin
cipio da autoridade em funcção de consciencia
propria da Nação , subtrahida esta á destruidora
influencia dos ideaes revolucionarios , que, até
então , viviam não só entre opposicionistas de
imprensa e de rua como na consciencia dos pro
prios governantes , acovardados ou simplesmente
convencidos de que a «éra de luz » era assim
mesmo. O Sr. Epitacio Pessoa , convicto como
126 A COLUMNA DE FOGO

ninguem de que o Brasil é um paiz que pre


cisa armar - se , de que o paiz necessita de um
grande Exercito, de um Exercito á altura pelo
menos dos perigos que nos ameaçam - con
vicção esta de que deu provas irrecusaveis
foi o primeiro chefe da Nação que, serena e
desapaixonada, mas energicamente, proclamou e
provou que esta não se reduzia a alguns coro
neis e alguns tenentes ambiciosos, e que nas
proprias forças armadas já existia a consciencia
do que elle proclamava . O Sr. Arthur Bernar
des é, por assim dizer, o confirinador desta
politica , . que unica tambem pode merecer pela
primeira vez o nome de brasileira . Arrostando
todos os horrores de uma verdadeira tenpes.
tade de oldios e infamias, como jámais se ti
nham visto no Brasil , o Sr. Arthur Bernardes
já pode ufanar -se de ter conseguido comprovar,
demonstrar de modo inilludivel, que o paiz tem
uma elite directora, um escol responsavel pelos
seus destinos e capaz de contrapor- se victoriosa
mente á multidão de semi-loucos e exploradores,
que em toda a parte se apresentan como se
nhores dos segredios da felicidade social e de
tentores unicos da moralidade publica .
É isto o que o Presidente não podia dizer
no seu manifesto ao povo brasileiro, baixamen
te explorado por esses prophetas de desgraça ,
galvanisadores de odio e insufladores de ainbi
ções. É deste ponto de vista, porém, que tanto
A COLUMNA DE Fogo 127

a Epitacio Pessoa como ao actual Presidente


admiro com todas as forças do meu coração e
da minha consciencia, e tenho plena convicção
de que a nação lhes ha de fazer justiça e amal
os e admiral os coino eu .
É uma questão de tempo .

19-11-24
Á MARGEM DE UM GRANDE LIVRO

O Discurso Preliminar apposto por Char


les Maurras á edição definitiva da sua « Enquête
sur la Monarchie » , vern , a meu ver, explicar,
ou melhor, definir a angustia de certas consci
encias na hora em que, por toda a parte, ago
nisa a mythologia democratica , sob as convul
sões do instincto revolucionario , que ella pro

pria avivou e apresentou como principio e fun


damento da ordem politica.
Maurras demonstra primeiramente, e com
a documentação que lhe fornece o periodo de
tempo que vem de 1900 ao anno corrente, quan
ta razão tivera sempre na affirmativa de que
as tendencias sociaes
da legislação em vigor
são anti -sociaes nos seus effeitos, por isso mes
moi que · « na Republica democratica cada eu,
armado de seu direito, puxa para seu lado, e o
menor esforço faz lei para a immensa maioria » .
9
130 A COLUMNA DE Fogo

Além disto , ha uma terrivel prova positiva da


incapacidade destes governos, não só para man
terem este equilibrio social interno, como para
conservarem o seu proprio caracter, a sua lei
propria ante o perigo externo, toda a vez que
um inimigo bem armado lhes bate á porta.
Maurras cita a insuspeita palavra de Aulard no
Pays , de 25 de Agosto de 1919 : « Em todas as
nações victoriosas, a guerra foi ganha por pro
cessos de dictadura conservadora ... Por toda
a parte , estabeleceu -se por assim dizer, proviso
riamente e no sentido do esforço bellico, o an
tigo regimen ». A confissão do eminente cons
titucionalista Duguit não é menos precisa , as
sim ochno as de Henry Beranger e Abel Ferry .
Deixam ver claro que , en relação á França , pe
lo menos , « o factor principal e decisivo da vi
ctoria » foi a volta pratica ao antigo regimen .
Foi nesse periodo que se viu até « o natural anar
chismo de Clernenceau transformar - se, no poder,
em salutar jacobinis.no ».
Isto quer dizer pura e simplesmente que o
idealismo democratico não corresponde á reali
dade humana , e revela inmediatamente a sua
monstruosa inadequação todas as vezes que a
força das circumstancias sobrepõe o sentimen
to do «bem publico » ao « immenso antagonismd,
furioso ou latente » , dos partidos, das facções
que são a vida » e « provocam fatalmente a
morte », das nações democraticas. Ora, o que
A COLUMNA DE Fogo 131

esse « bem publico >> aconselha nas horas de in


tenso perigo, é preciso que aconselhe tambem
nas chamadas horas de paz , se é que alguma
pode ser assim chamada na vida das democracias.
Não padece duvida que uma « realidade nacio
nal » vale bem mais que todos os ideaes repu
blicanos ou democraticos do mundo inteiro e
é isto o que , clara ou obscuramente, está na
consciencia de todo o homen que tem patria, o
que, contemporaneamente, não é tão commum
pensa.. Diz Maurras : « Em meio de
como se pensa
taes apprehensões, um instincto physico adver
te que não haverá mais segurança se não se
der um violento regresso á autoridade e á or
dem , por um poder pessoal , nominativo , unico,
duravel. Mesmo agora, após terem cinco quar
tos de seculos obscurecido e embrutecido o jul
gamento publico, quando a educação do Estado
atrazou e complicou com vagos terrores e obs
curos interesses as evoluções do bom senso , o
grito do paiz não variou . Elle pede : Alguem !
Alguem !
« De nada valem objecções. Ninguem mais
teme a accumulação de poderes em uma só mão .
Pelo contrario : desejam -na ».
Tratar -se - á de um caso de observação ou
de uma observação particular, verdadeira SO
mente em relação ao meio francez ? Creio que
não . No Brasil , por exemplo, tanto quanto me
tem sido possivel penetrar do que realmente
132 A COLUMNA DE Fogo

se move sob os elementos visiveis em lucta, jul


go que o instincto popular não tem outra aspi
ração que a de um governo forte, honesto e
rude, constitua -se elle por que modo fôr. Es
tá , pois, entre nós, completa a deseducação po
pular ; a democracia já lhe annullou todia e qual
quer traço de racionalidade politica. Só nos resta
o instincto de viver, isto que Maurras chamou
um instincto physico ; só nos resta o instincta
da ordem rudimentar, assim como o sentimento
da necessidade de policiamento e garantia das
fronteiras. Diria Maurras que tarnbem entre nós
«para além da agonia do direito democraticol,
vemos accender-se o facho do direita nacional» .
O que é preciso, antes do mais, é salvar -se a
sociedade brasileira, é salvar-se o Brasil da des
aggregação, do esfacelamento, da desordem com
pleta .
Já ha povos adiante de nós, como a Italia
e a Hespanha, por exemplo, e é evidente que
nunca um meio propriamente europeu (porque
a Russia nunca io foi) poderia ser tão fertil co
mo o nosso á instinctividade revolucionaria, a
toda essa ideologia anarchica e desmoralisante
de todo o bom senso .
A confissão que , através de Ferrero, fazem
certos espiritos, confissão aproveitada por Maur
ras, merece tambem a nossa attenção : « Tomia e
sentido dizem elles . O mundo entrou numa
nova crise muito grave. Uma cousa ainda o sal
A COLUMNA DE Fogo 133

va do desmoronamento . É a especie de ordem


moral que o feiticismo da democracia, es
tabeleceu : seu culto das maiorias soberanas ain
da está de pé . Elle é , de facto , a forma ou ,
se quizerdes, a imagem do Direito. Obedecem
na . Quando a tivermos negado , a quem obede
ceremos ? Passar- se -á qualquer cousa de seme
lhante ao que viu , dizem , a civilisação romana
quando os imperadores que tinham despojado
praticamente o Senado, mas que governavam
com elle e coin a aristocracia, deixaram um dia
de parecer as criaturas ou os associados do Se
nado divino ; o poder sahiu dos acampamentos,
Os quaes acclamaram seus chefes. Mas estes ,
em vião se intitularam Cezares ou Augustos,
não foram mais obedecidos ' ou o foram cada vez
menos, com crescentes contestações, porque não
não mais imperavam em nome do que unificava
os respeitos» .
E depois: « Attenção ! A violencia vai apro
veitar-se do que está a perder a unica supersti
ção que resiste» .
Ora, a verdade é que não se salva uma
crença quando se principia por declaral- a falsa,
e , como nota, Maurras , « nen Ferrero , nem os
que ainda amam a democracia duvidam da sua
decrepitude.» O Sr. Marcel H. Jaspar, ainda
em fevereiro deste anno , fornecia ao autor da
Enquête sur la Monarchie mais este testemunho
de não pequeno valor moral: «Les " élites bou
134 A COLUMNA DE Fogo

geoises et ouvrières se désinteressent peu á .


peu de notre vote politique , tout entier dans
la main d'associations conduits par des parla
mentaires de cabaret» . Este é incontestavel
mente o estado actual de todas as organisações
democraticas. A experiencia não foi sómente
dolorosa. Fez conhecer toda a especie de ri
diculo e todos os generos de indignidade.
No Brasil, a primeira de todas as verifi
cações de ordem politica, creio não ha negar
que é a de que, se por um lado o governo já
mais considerou de igual para igual as assem
bléas deliberantes, se o governo jamais deixou
de as considerar elemento desassociativo e anar
chico mesinio ás mais aviltadas aos seus ca
prichos os revolucionarios, por sua vez, sem
pre visaram a destruição dellas, como de ins
trumentos vis do executivo e executores da de
lapidação nacional . O simplismo dos nossos ul
timos « salvadores de poncho e espada jamais
exprimiu outro gaguejado intuito politico .
Estamos , assim , ante uma questão de fa
cho , e não ha sophisma tão poderoso que con
siga obrubral -a á consciencia dos que têm con
sciencia da gravidade da nossa situação. É ne
cessario encarar de frente o nosso problema
politico e saber aproveitar a lição que esta
hora representa na vida de todos os povos chris
tãos .
Nós mesmos, os que não cremos na or
A COLUMNA DE Fogo 135

dem democratica, temos que tomar partido pelo


«menor mal » , que cada um dos governos repre
sentará, até o dia em que a reacção do proprio
bom senso social prevaleça, somente ainda sa
be Deus ' porque processos. Neste monstruoso
pericdo ' de transição, a consciencia do homem
de bem só tein um logar : ao lado do poder
constituido, ao lado da força que assegure um
minimo, pelo menos , de paz, de estabilidade so
cial .
Nunca foi mais imperativo esse senso do
kempirismo organisador», que, aliás, neste mo
mento , quasi que se resune numa inclinação
unica , a do apoio, por assim dizer , incondicio
nal , a quanto represente um signal de autori
dade , a quanto fortaleca a idéa e o sentimen
to de orden politica .
Nos paizes como o Brasil, porén, em que
se pode dizer que o processo "nornal das trans
formações sociaes foi sempre uma intuição ou
uma illusão do poder, foi senpre, emfim , uma
obra do poder, e não do chamado escol social
assim , a Independencia , assim a passagem
do 10 reinado para a Regencia e desta para o
20 reinado ; assim a Republica , que se deve
mais a Pedro II que a todos os gafanhotos e
aguias do 15 de Novembro nuin paiz de
tal temperamento social e politico tudo ainda
se deve esperar do bom senso e do patriatis
mo dos homens a que :n , nesta mesma phase de
136 A COLUMNA DE Fogo

transição, fôr cabendo o difficil papel de gover


nar -nos.
Elles poderão poupar -nos grandes desgra
ças. Basta que tenham sempre em mente o
valor da força que, de facto , representam . A
revolução, aqui como em toda a parte, deve
fazer -se de cima para baixo , mas no sentido
claro, positivo, insophismavel, da cantra -revo
lução, no sentido da unificação do poder e da
sua incontrastavel efficiencia, o que, unicamen
te , poderá evitar -nos o desmembramento , o frac
cionamento, que já por tantas vezes se tem es
boçado .
Se um grande pensador politico europeu ,
como Maurras, conhecesse toda a fragilidade
do poder que nos tem , pelo menos, garantidol
a unidade, durante mais de um seculo , certo
não explicaria a nossa cohesão politica senap
por um elemento mystico nacional, de brasilidade
de , que excede de muito o quadro das nossas leis.
Mas não deixaria, ainda assim , de aconse
lhar-nos um reforço a esse edificio propriamen
te politico , que nos protege o orgulho de pa
tria em face de outros orgulhos ' eguaes. O pro
prio senso mystico de uma nacionalidade tem
que limitar -se a sua vida historica , ao seu papel
sobre a terra .
Não ha « outra vida » para alma dos povos.

10-12-24 .
EPITACIO PESSOA

O descaso con que a Companhia de Navi


gazione Generale Italiana » encara os interesses
brasileiros, proporcionou -nos, entretanto , ultima
mente , mais uma excellente occasião de verificar
a profunda modificação que se vai operando,
para melhor, em nosso meio social. Não me lem
bra mais quem foi o homem ' publico que, desa
peado do poder , de volta de uma viagem á
Europa, tendo aqui recebido uma manifestação
de seus amigos, ainda no meio delles duvidava
se o vapor não errara o 'porto , se estaria mesmo
no Brasil. Pois bem : apesar de ' só ter podido o
Sr. Epitacio Pessoa desembarcar ás quatro da
madrugada de sexta -feira ultima, nada mais ex
pressivo da transformação, ou melhor, da transfi
guração do espirito nacional que as intensas ma
nifestações de enthusiasmo e de amor com que
uma enorme massa popular' o recebeu, quasi que
138 A COLUMNA DE Fogo

annullando por completo o esforço dos seus


amigos no sentido de um acolhimento mais con
forme ás agonias e ás duvidas desta grave hora
da nossa vida politica.
Mas , aquelle enthusiasmo é optima pro
va de que , angustias, por mais violentas, va
lem como incentivos á vida, se as soffremos em
attenção a deveres e obrigações, se as soffre
mos porque somos fieis a nós mesmos , porque
nos queremos manter dentro da lei da nossa pro
pria consciencia ...
O elemento são da nacionalidade brasilei
ra sabe que paga neste monento uma dividla
de não pequena monta á verdade social e his ,
torica, que o Brasil, por circumstancias espe
ciaes , vinha negando, e da maneira mais os
tensiva, desde o dia da sua independencia , mas
principalmente do decennio que iinmediatamen
te antecedeu á Republica aos prodromos do ul
timo periodo presidencial . E é esse mesmo ins
tincto popular, ainda não completamente per
turbado, que aponta Epitacio Pessoa como o
homem providencial que deu inicio a uma ver
dadeira época em nossa historia, provocando
essa volta a nós mesmos, essa reacção de bom
senso e de fé , de confiança, de enthusiasmo,
de esperança, sobre a base, unica real e po
sitiva, de um fortalecimento do principio de au
toridade, em claro e manifesto detrimento do
romantismo politico que , com dilacerar -nos in
A COLUMNA DE Fogo 139

teriormente, no entrechoque dos mais desorde


nados impulsos, nos ia cada vez mais escravisan
do ao elemento sem patria , á força universal do
dinheiro, ás duras ambições de uma plutocra
cia de caracter eminentemente anti -nacional .
Porque só os faciosos por temperamento
ou os incapazes de penetrar a significação de
certos movimentos sociaes, serão completamen
te pessimistas em relação ao que se vem pas
sando no Brasil , do governo Epitacio aos nossos
dias.
Perturbações economicas, crises financeiras .
agitações militaristas , caudilhescas ou simples
mente anarchicas , tudo isso , bem sei , demons
tra a suprema gravidade desta hora, e que po
deremos estar bem mais perto da desagregação
e da morte do que geralmente se pensa ... Mas
tudo isto demonstra tarnbem que acordamos pa
ra a lucta, que iniciainos vida nova , que empre
hendemos uma verdadeira reforma não de
Constituições e de Codigos mas do nosso
proprio ser collectivo , e não ha espirito amante
do bem e da verdade que não prefira inorrer ,
1 assim , luctando , reagindo, mostrando -se digno da
vida , do que viver como vinhamos vivendo, vi
da de morte , no caldo podre de vergonhosas
illusões, no atascal das negações mais infames
do quanto valemnos como povo de origem e
fundamento christão.
140 A COLUMNA DE FOGO

Era necessaria esta lucta !


Não ha homem que faça mais nojo, que seja
menos homem , que aquelle de quem se possa di
zer que jamáis luctou comsigo mesmo, que jámais
soffreu uma contradicção na sua propria con
sciencia , um choque de sentimentos no seu pro
prio coração, que jamais se reconheceu em erro
ou duvidou de si proprio. Será isto um fantas
ma, e nada mais .
Assim tambem na vida dos povos. É força
que lucten, que se amem e se odeiem a si més
mos , que se fortaleçam ' nas contradicções, que
baptisem com sangue a terra que os sustêm,
que se elevem pela dignidade do soffrimento
a uma mais nobre comprehensão da sua finali
dade no seio da civilisação. Sen esta lucta não
é possivel a hierarchisação natural de senti
men tois , de razões, de fins a que todos os
seres devem sujeitar -se, se realmente aspiram
á ordem , á harmonia, á verdadeira vida , e não
a esses simulacros de vida , que a paixão, a
amor do nada , o espirito de negação sabem fazer.
Ora , o Brasil, até o governo Epitacio, era
assim , como um desses dominios de negação e
de morte . Era tão mentirosa e falsa a paz de
que gosava, que não precisou mais que se fa
lar em vida para que se movessem espantadas,
irritadas, possuidas de odios, as larvas da podri
dão em que assentavamos, e se despissem dos
festões da hypocrisia as ruinas do nosso pro
A COLUMNA DE Fooo 141

prio caracter, as falhas da nossa artificial or


ganisação.
Governo de programina e verdadeiramente
patriotico, não poderia provocar menos odios ,
menos rancores do que provocou na massa de
parasitas que fazem , por lei natural das demo
cracias , as classes militantes da exploração so
cial e politica.
Não recuou , porém , o Sr. Epitacio, na dou
trinação pelo acto, na affirmação persistente e
audaciosa de que , sob o montão das nossas leis
de importação ou de systema, existe um direito
nacional, muito mais respeitavel , muito mais digno
de attenção e de amor, e que esse direito é o di
reito de vivermos, de organisarmo -nos adequada
mente ao nosso meio , ás circumstancias da nossa
formação historica, direito que só se definirá de
modo completo, após a imposição desta idéa tão
simples quão difficil de ser comprehendida no
Brasil , isto é, a idéa real de governo , de que
governo é governo , chamado a governar e mão
a ser governado. No chaos do nosso sentimen
talismo democratico , na areia movediça da nos
sa tambem indefinida anarchia politica só
meio adormecida pelos passes da exploração
plutocratica – é claro que uma obra como esta ,
uina tal affirmação da soberania interna do
poder constituido , não se poderia fazer sen
tir sem abalar fundamente a massa brutal dos
egoismos consciente ou inconscientemente col
142 A COLUMNA DE Fogo

ligados contra o paiz . Não podia ser obra logo


em principio certa e definitiva . Havia muita ,
espessa treva em derredor; era preciso tactear,
experimentar, por assiin dizer, o material exis
tente em esconderijos ainda não presentidos da
nossa consciencia de povo escravisado aos so
phismas do liberalismo «météque» . Era preciso
mesmo esperar algo de providencial que sur
gisse da propria irritação do meio ambiente,
da agitação levada a todas as camadas sociáes
pelo sopro de vida de um patriotismo, assim ,
caracterisado pelo gosto da acção e o orgulho
da propria intransigencia .
A candidatura Bernardes, surgida de um
accordo de todas as forças politicas da nação ,,
não tardou se transformasse nesse impulso exte
rior que definiu completainente a orientação, dou
trinaria do presidente nacionalista. Não fosse
ella combatida e seria a origem talvez de mais
um governo de phariseismo financeiro , com que
a Republica tem enriquecido banqueiros e inter
mediarios , sem vantagem nenhuma para o paiz.
Teve a dita , porém , de chocar -se, logo no seu
inicio, com as forças mais nefastas do que cha
mei de nosso romantismo politico especie
de liga de palavras entre daclamadores de rua
e facciosos de quartel – e transformar - se , as
sim , de vulgar enscenação politica em cadinho
para a depuração do nosso caracter. Pela pri
meira vez, em nossa vida, a divisão se faz, não
A COLUMNA DE Fogo 143

entre bons e maus, o que fôra impossivel , mas


entre a bôa e a má politica , entre o direito do
bom senso e os delirios demagogicos , entre

uma idéa de serena gestação e os fogos fatuos


da exploração popular . Eis o que o Sr. Epitacio
scube adivinhar, eis porque a sua projecção
politica ultrapassou os limites do seu governo :
elle quiz e soube ficar ao lado do bom senso ,
da idéa serena , da bôa politica , emfiin , por mais
que as ameaças crescessem de vulto em derredor
das suas responsabilidades de chefe de Estado.
Venceu , e venceu com elle tudo quanto previu
de bom na reacção que chefiou . Encarnado num
homem de fria mas inquebrantavel energia , co
mo é o Sr. Arthur Bernardes , o governo da Re
publica --- continuando a obra do Sr. Epitacio
está dando ao Brasil a primeira bôa lição que
um governo republicano já lhe poude dar : a li
ção da persistencia na lucta contra o mal . Era
mos uma nação sem amanhã . O Brasil dava a
impressão de um povo de homens sem filhos,
de homens para os quaes só valiam as vinte
e quatro horas do dia presente . Tudo se resolvia
em arranjos mais ou menos infames, e ás gera
ções futuras e nunca levadas em conta , ficavam ,
cada vez mais aggravados , os problemas mais
serios que tinhamos a resolver. Revolução ? Que
importava nella senão a victoria immediata de
uma das partes contendoras ? A amnistia remedia
va tudo, todos os estragos , todos os crimes, e a
144 A COLUMNA DE Fogo

força da rebeldia aguardava occasião para no


va experiencia.
Do governo Epitacio para cá é enorme a
transformação. Todos sentem que a paiz tem
amanhã , que , victoriosamente ou não , o governo
sabe sacrificar gloriolas de popularidade e so
cego presente, á segurança, á estabildade futu
ra da nação.
Mesmo de um ponto de vista puramente
utilitario, que planos financeiros de judeus ou fi
lhotes de judeus , poderiam dar resultados tão
beneficos como o dessa admiravel intuição do
nosso mal estar politico ?.
Os governos pensam no futuro do paiz :
não ha mais duvidar que haverá uma revisão
do passado e consequente emenda de erros pre
sentes, e só de uma obra assim poderão surgir,
sem artificios custosos e só adiadores da ruina,
as administrações felizes e bemfazejas . Onde
não ha ordem não ha vida moral, é em balde
accumular riquezas . Mais tarde ou mais ceda
ellas se tornarão em pragas ainda peores que
as do Egypto ...
O que o Brasil está soffrendo é o neces
sario aprendizado para o exercicio do direito a
que aspira de ser riso e poderoso . E é porque
elle adivinha ou sente isto mesmo, que; des
presando objecções de despeitados, calumnias e
injurias de malfeitores publicos, não esquece
nunca o vulto bellicoso do filho amante, que
A COLUMNA DE Fogo 145

abriu no seu seio o sulco desta nova orientação


moral.
Elle sente tambem que sobre ser o grande ,
o insuperavel intuitivo do seu nacionalismo, Epi
tacio Pessoa é um desses raros typos de homem
em que explende toda a poesia da personalidade
na sua maxima vibração .
Surjam ou não surjam deante deste ho
mem aquelles que só são activos no exercicio
da calumnia e do apodo, a verdade é que elle
ainda por muito tempo representará o que ha
de mais alto, mais nobre e mais esclarecido na
consciencia nacional.
Tem , por conseguinte, um natural funda
mento o seu prestigio no coração do povo , e
não ha , por assim dizer, facto da sua vida que
não reflicta a progressão do civismo na socie
dade brasileira .
O que houve na madrugada de 19 foi
ainda uma prova desta constante relação.

24-12-24.

10
RESPOSTA A ANTONIO SARDINHA

Acabo de passar horas a fio , lendo e me


ditando o novo livro de Antonio Sardinha , A
Alliança Peninsular, obra admiravel, a que o
Sr. D. Gabriel Maura , num prefacio, dá o va
liosissimo apoio de uma consciencia , realmente
integrada na vida politica da Hespanha contem
poranea .
Quantos me dão a honra de ler, saben
já a admiração que dedico a Antonio Sardinha,
que é , a meu ver, actualmente , em Portugal,
a mais completa personalidade de pensador po
litico, isto é, o unico que, ao brilho da prosa
ou á doçura do verso , e aos testemunhos de
de um largo saber , junta uma doutrina poli
tica perfeitamente definida e positivada. Este
seu novo livro formidavel attestado de co
herencia doutrinaria e de erudição tornada seiva
de doutrina ainda mais me confirma nesta
148 A COLUMNA DE FOGO

confessa e amada admiração ; mas , apesar de

que todo elle interessar ao Brasil , não me julgo,


ccmo brasileiro , autorisado a discutir o aspecto
politico do grande problema historico que elle
examina e theoricamante resolve do modo mais
sympathioo e mais convincente.
A propria estima, porém , que me merece
Antonio Sardinha , força-me a replicar á parte
desta cbra que diz respeito ás relações entre
o Brasil e Portugal , e , particularmente , a quan
to tenho escripto sobre o assumpto.
Após louvar o esforço dos que buscam
provar que o nacionalismo brasileiro tem que
assentar sobre a base de um entranhado amor
da tradição portugueza – á qual, de modo al
gum , esses esforçados jámais definiram diz
Antonio Sardinha :

« Falta - lhes uma doutrina uma filoso


fio. Como nacionalistas, a sua « doutrina », a sua
filosofia teria de ser inilludivelinente anti
democratica ou , melhor dizendo contra - revo
lucionaria. É de resto a filosofia que o Brasil
já possui nas belas campanhas de Jackson de
Figueiredo , meu irmão na dupla fé religiosa e
tradicionalista . Mas , ai de nós ! Jackson de
Figueiredo participa um tanto da lusofobia dos
nativistas , ocmo, con magua, conclúo da lei
tura do seu opusculo Do nacionalismo na hora
presente. Aponta justamente Jackson de Figuei
A COLUMNA DE Fogo 149

reda a differença que ha para um americano


na revolução, ou seja na violenta separação que
estabelecendos entre nós e as metrópoles
diz o autor eminente de Pascal e a Inquieta
ção Moderna -- e a Revolução quando, facto,
moral e ideologico , importa a negação dos dog
mas nacionalistas paralela quasi sempre a nega
ção religiosa. O desaccordo começa , porém , quan
do, assinalando ao português a sua qualidade
de estrangeiro no Brasil , o considera no mes
mo pé de igualdade que o francês, o allemão
ομ ο japonez ».

Por isso , entende o autor d'A Alliança Pe


ninsular que é « alarmado o meu patriotismo
e que, até certo ponto, fujo aos principios tra
dicionalistas. Lembra-me depois, em defesa des
ta asserção , a observação de J. Francisco V. Sil
va, no seu estudo Reparto de America-Españo
la y Pan -Hispanismo, de que « uma cousa são
os « argentinos etnicos » e outra cousa os « argen
tinos legais », sendo o «hispanismo dos pri
meiros « estrutural», enquanto que o dos segun
dos é meramente « formal» . E accrescenta : A
Grande -Guerra demonstrou bein que não pas
savam, com effeito, duma ficção perigosa as
faculdades da naturalisação consignadas nos có
digos contemporaneos. Ora , conceder no Bra
sil ao português a situação que se concede ao
allemão ou ao francês é cair num lamentavel
150 A COLUMNA DE FOGO

vicio de percepção bastante para surpreender


em espiritos tão tocados das realidades interio
res ocmo Jackson de Figueiredo . Ninguem pe
de no Brasil para o porduguês privilegios que
ponham em risco de ofensa a dignidade e o
melindre dos naturais . Mas não se fundindo
com a massa dos cidadãos brasileiros, o portu
guês é menos ameaçador de que o alemão ou o >
japonês , ou o norte -americano, que , disfarçan
do-se pela naturalisação na qualidade de «bra
sileiros legais » , não se acomodarão jámais aquilo
que constitui o essencial da patria brasileira
a sua lingua , a sua tradição, a sua cultura ».
Preferi citar estes trechos na sua integri
dade, para que nem de leve se alterasse o pen
samento do notavel polemista politico. Não omit
ti nem mesmo as generosas palavras para com
migo, para que se veja que é a um verdadeiro
amigo do Brasil, e a um amigo meu que respon
do. Tenho a convicção de que aqui posso , CO
mo de costume, usar de toda a sinceridade,
certo . Porém , de que não melindrarei no « es
trangeiro » a quem falo, o orgulho de ser um
«nacionalista » em sua propria patria .
Em primeiro logar, tenho a dizer que, vi
vendo longe do Brasil e não conhecendo os
factos que revelaram , entre nós, a existencia da
corrente nacionalista e, dentro desta, o accen
tuado caracter anti -lusitano, Antonio Sardinha
não poude comprehender a mais alta significa
A COLUMNA DE Foco 151

ção moral de meu opuscula Do Nacionalismo


r
na hora presente.
Em verdade, elle não teve outra mais alta
idéa que a defesa do « typo » da nossa civilisação,
que, a meu ver, couno ao ver de todos os ca
thalicos integraes, tem que se aproximar o mais
possivel do typo de civilisação propriamente his
panico. Note Antonio Sardinha que o naciona
lismo brasileiro já chegara a taes extremos de
reacção contra o elemento portuguez , a ponto
de fazer o endeosamento de Calabar, a trahi
dor do Brasil catholico, e, sem maior exame,
condemnar totalmente o systema colonisajdor lu
sitano, a que devernos, pela fé, que nos trouxe,
e pela fusão que soube fazer até onde e
como era possivel devemos , digo, ser o que
somos, e a unidade espiritual que, bem ou mal,
é ainda dominante sobre o verdadeiro mundo,
de contrastes, que é o do nosso immenso terri
torio . 1 1

Posso dizer com orgulho - com o orgulho


de quem não desconhece o que vale a historia
da Peninsula na historia geral da Igreja — que,
pelo menos para as consciencias realmente ca
tholicas, o meu opusculo teve uma forte actuação
moderadora e isto num momento em que as
paixões tinhac chegado a um alto grao de exal
tação. 1 !
Não supponha, porém , o meu distincto
amigo, que o que ha no Brasil de hostilidade
152 A COLUMNA DE FOGO

aos portuguezes se origina principalmente das


ridiculas campanhas gonfederativas, etc., pelo
que ellas valham ein si mesmo não só pelo

Valor da idéa politica como pelo valor dos que


lá e cá de vez em quando as armam e orien
tam .
Não. O que é preciso dizer calma mas.
positiva e claramente é que, se circunstancias
historicas nos separaram politicamente de Portu
gal , outras, bem mais difficeis de precisar e
definir , crearam aqui un ambiente social de so
phismas e illusões, absolutamente prejudiciaes
ao Brasil e aos brasileiros. Não discutamos num
simples artigo essas longinquas causas . Aponte
mos simplesmente o facto actual, a feição mais
irritante do nosso problema, ainda neste momen
to : O que aqui mantéin a surda irritação con
tra os portuguezes nada tem propriamente nem
com Portugal no seu passado, em relação a nós ,
nem mesmo com os portuguezes dos nossos dias,
que se mantêin em Portugal. A questão com os
portuguezes aqui é , até certo ponto , como a
questão judaica em Portugal ou na França. É
uma questão de defesa interna dos interesses
nacionaes , ou melhor , do interesse dos nacionaes.
Tristeza é ter que confessar que os portuguezes,
não sabemos se só pelo facto de sahirem de
Portugal, mas , pelo menos , logo ao entrarem
em contacto com a atmosphera moral da colonia
lusitana aqui como que perdem , quasi que
A COLUMNA DE FOGO 153

iminediatamente , não já direi , o « sentimento ly


rico » mas principalinente o senso daquelle seu
« ruralismo cogenito », que Antonio Sardinha
aponta como caracteristica mesma da sua grey.
O portuguez é, no Brasil , desde a época
da nossa Independencia , o factor mais importante
na formação do nosso artificial urbanismo, urba
nismo a que devemos talvez , unicamente , as
mais graves ameaças que entenebrecem os nossos
horizontes politicos. Esta é a questão, a ma
gnissima questão que deu ao nacionalismo brasi
leiro , no seu periodo de formação doutrinaria,
o constante caracter anti - lusitano , que pareceu
annullar outras preoccupações de grande vulto.
Mas não supponha ainda o meu contradictor
que este problema , por ser assim tão vasto, não
sub -entende problemas outros particulares, de
grosseira imposição, de rude materialidade, que
unicos justificariam as publicas manifestações
anti-portuguezas de que o Brasil foi scenario
ha alguns annos.
Pergunto eu a Antonio Sardinha : se o au
tor da mais formosa e convincente obra em pról
da Alliança Peninsular, surprehendesse, em cer
to niomento, que a imprensa politica de Portu
gal estava na mão de hespanhoes é um
simples exemplo , entre outros que prefiro não
relembrar no momento em que taes coisas estão
profundamente alteradas , modificadas para me
lhor pergunto : se tal verificasse qual a atti
154 A COLUMNA DE Fogo

tude que tomaria ? Seria de cornbate a essa in


tromissão, ou de applauso a tudo quanto a fa
vorecesse, directa ou indirectamente ? Eis o que
nunca me respondeu com sinceridade um portu
guez digno deste nome, que não viesse a sua
resposta animar o meu anti-lusitanismo, se assim
se pode designar uma attitude exclusivamente
pró-brasilidade.
Creio, no entanto, que se Antonio Sardinha
e o grupo de intellectuaes portuguezes, que ac
tualmente defendem o espirito de Portugal con
tra a propria degenerescencia portugueza se
esses homens viessem a estudar, no Brasil, o
problema da adaptação lusa ao nosso meio ac
tual, creio, repito , saberiam vêr que somos nós ,
os verdadeiros nacionalistas brasileiros, os unicos
defensores que ha , no Brasil , do que é essen
cial ao « typo » da civilisação hispanica, possivel
de conservar em meio physico tão diverso e
de sobrepor a tão grande numero de factores
sociaes sinão hostis, pelo menos absolutamen
te differentes dos que foram base á nacionali
dade brasileira . O Sr. Malheiro Dias note
bem Antonio Sardinha o Sr. Malheiro Dias
teve ao menos a intuição profunda do que estou
a dizer, quando, na primeira phase da sua actua
ção no Rio de Janeiro, teve a coragem de
proclamar, diante dos « gros bonets » da colonia
lusa – verdadeiros despotas da opinião dos seus
patricios menos quinhoados de fortuna que
A COLUMNA DE Fogo 155

a salvação dos portuguezes no Brasil está no


« rumo á terra », unica forma de manter uma in
fluencia real e não puramente artificial sobre a
economia social do paiz , pois a verdade é que,
ao passo que o iminigrante italiano, por exem
plo, vae se tornando um elemento de civilisação
no interior do Brasil , o pobre trabalhador rural
portuguez, preso ás malhas do capitalismo luso
que o explora de chegada, que lhe explora a ru
deza e a ingenuidade, vae perdendo até mesmo
as suas superiores qualidades raciaes, no caldo
podre do nosso urbanismo de praia, de que, elle
constitue infelizmente o contingente mais nume
nosio e o mais facilmente desmoralisavel, dada a
sua inferioridade de educação para as agruras
de uma vida tão conplexa e tão , de si mesma,
desmoralisante.
O meu eminente amigo, ha de fazer justiça
aos nacionalistas brasileiros cujo espiritjo, e cora
ção não serão tão estreitos que pugnem por
esse « rumlo á terra » para « todos os individuos
que de Portugal nos procurem . É claro que ao
Brasil só poderá advir lucro , se o artista , se
o industrial , se reaes elementos de civilisação
portugueza lhe vierem dar o seu concurso de
trabalho , mesmo de amor, á grande obra , em
grande parte portugueza, que somos, e na qual
até certo ponto se reconhecem .
Uma coisa, porém , é esta actuação do escól
portuguez, outra é a da sua massa de immigran
156 A COLUMNA DE FOGO

tes que , se poderiam ser amanhã os mais uteis


á nacionalidade brasileira , têm sido, até hoje,
os que menos hão concorrido para o nosso bem
estar social e o nosso progresso .
Eis o que por emquanto tenho a dizer a
Antonio Sardinha . Confesso , porém , que o seu
ultimo livro, ' erecer a mais seria medita
con m
ção por parte de todo e qualquer filho da
America , que deseje vêr claramente definida a
< oonsciencia americana », merece uma resposta
bem mais longa e bem mais documentada, co
mo tarnbem , em livro , espero em Deus que ainda
lhe darei .

7-1-25.
A OBRA DE TASSO DA SILVEIRA NA

EVOLUÇÃO DE POESIA BRASILEIRA

Porque o Brasil , que tem tido tantos poe


tas de maior ou menor atitude espiritual , ainda
não se pode orgulhar de algum que tivesse sa
bido exprimir completamente a complexa acti
vidade de seu espirito, da sua alma , da sua
consciencia religiosa ?
De Fr. Francisco de S. Carlos a Junquei
ra Freire , deste ao Padre Antonio Thomaz, a
José Albano e Durval de Moraes , a realidade
é que os grandes fremitos da nossa « sensibilida
de » religiosa , só se deixaram ver na linhagem
dos nossos mais
notaveis poetas individualis
tas , de Cruz e Souza a Alphonsus de Guima
rães e Murillo Araujo .
Cruz e Souza assim define a seu extasis
e a sua angustia quando dá de face com a eter
na dualidade :
158 A COLUMNA DE Fogo

o ser que é ser, e que jamais vacilla


Nas guerras immortaes entra sem susto,
Leva comsigo este brazão augusto
Do grande amor, da grande fé tranquilla.

Os abysmos carnaes da triste argilla


Elle os vence sem ancias e sem custo ...
Fica sereno, num sorriso justo,
Emquanto tudo em derredor oscilla.

Ondas interiores de grandeza


Dão -lhe outra gloria em frente á Natureza,
Esse Explendor, todo esse largo effluvio .

O ser que é ser transforma tudo em flores ...


E para ironisar as proprias dôres
Canta por entre as aguas do Diluvio !

Nestor Victor, o grande , ou melhor, o uni


co critico do movimento symbolista entre nós,
o unico que o soube filiar na historia das nossas
letras, mostrar o que elle tinha de natural á
nossa sensibilidade, e analysar-lhe a physiono
mia interior, diz de Cruz e Sousa que elle «era
quasi que apenas, em arte, um orgão, á pro
cura, mas embalde, da sua funcção integral,
era uma emoção épica em busca de assumptome
cruzado cuja formosa Jerusalém representava
apenas uma miragem ». Ha nestas palavras tal
vez uma impropriedade de expressão mas reve
A COLUMNA DE Fooo 159

lam uma profunda intuição do caso psycho


logico do Poeta Negro. Cruz e Souza foi uma
grande alma religiosa a quem faltou a verdade
religiosa. Porque ? Eis o que seria difficil de
responder. Não ha consciencia talvez das que
mais se tem feito notar na historia da formação
brasileira seja um Cruz e Sousa, seja um
Machado de Assis que não represente por
si só todo um complexo drama de raças, de
culturas, de tendencias, uma colmio solução transi
taria entre sentimentos e ideaes que se com
batem .
Alphonsus de Guimarães teve este encanto
de expressão na sua poesia mais intencional
mente religiosa :

Em teu louvor, Senhora, estes meus versos,


E a minha Alma aos teus pés para cantar- te.
E os meus olhos mortaes, em dor immersos,
Para seguir- te o vulto em toda a parte.

Tu que habitas os brancos universos,


Envolve-me de luz para adorar-te,
Pois evitando os corações perversos
Todo o meu ser para o teu seio parte .

Que é necessario para que eu resuma


As Sete Dores dos teus olhos calmos ?
Fé, Esperança, Caridade, em summa .
160 A COLUMNA DE FOGO

Que chegue em breve o passo derradeiro :


Oh ! dá-me para o corpo Os Sete Palmos,
Para a Alma, que não morre, o Céu inteirio .

Mais artista , porém menos Poeta que Cruz


e Sousa, isto ainda dá mais apparencia de para
doxo á affirmação de que, muito mais christão,
não teve, no entanto, alma tão profundamente
religiosa como a do grande Negro .
Attente -se agora nestes versos de Murillo
Araujo :

Naquella hora vazia,


naquella noite brava
naquella hora possessa
de ventania fria
no teu salão a pedula avançava
depressa, depressa,
marchava, marchava,
corria, corria,
na pressa de marcar as horas de alegria !

Que serenidade rara


'no amplo salão que te guarda
Como um estojo a um thesouro.

«A lampada clara
espalhava ao redor naquella hora tão tarda
um olhar maternal de chamma e de ouro ...
A COLUMNA DE Fogo 161

« E era outra lampada sem jaça


teu perfil louro,
que illuminava
com um resplendor de adolescencia e graça !

«Mas naquella hora baca


eu era « alguem que passa»
na ventania fria ...
olhando, olhando a luz sorrir lá na vidraça
de teu palacio que sorria !

« Chovia. :

«Lá dentro o teu salão dourado


era o sonho era o Sonho illuminado !

«Cá fóra aos ventos, de déo em déo,


lera a vida
escurecida ...
perdida
lentre as lagrimas do céo !
« Lá dentro o Sonho : cá fóra a Vida em turbilhão !!

« E as portas de ouro do Sonho não se abrirão ! »

Attentae nestes tambem , mais antigos, do


poema A Galera. É um parenthesis:

(Ah ! neste turbilhão marinho : o meio humano,


quase sempre enevoado e quase nunca plano,
onde ha borrascas e tufões, marés, penedos,
11
162 A COLUMNA DE FOGO

e naufragios sem par, mysteriosos e tredos ,


soffro e sonho o que sonha uma vela perdida
entre este azul : o sonho, e este mar alto : a vida ! )

Mas o que é isto, que representa esta


poesia dentro do sentimento religioso ? Que re
presenta ? A propria anarchia do sentimento re
ligioso de que sobrenada unicamente uma pro
funda intuição musical, e a expontaneidade ly
rica . Murillo Araujo , que é um dos inaiores
poetas que o Brasil tem produzido, é um mys
tico de caracter singularissimo. Não ha pantheis
mo na sua poesia. Elle não ten a visão de um
todo divino. O que o caracteriza é uma visão por
assim dizer fraccionada do sobrenatural, ou me
lhor : cada cousa, cada instante , cada relação en
tre cousas , tem para elle o seu sobrenatural á
parte, é um mundo sobrenatural expresso por
uma feição do mundo material .
Note -se que esse sobrenatural se chama, as
mais das vezes , Sonho .
Não se pode , negar, pois , que os poetas
desta linhagem muito têm realmente revelado
da nossa alma religiosa, dessa alma religiosa
que tanto poderia ser brasileira como hindú
como francesa . É a expressão lyrica o que os de
fine propriamente como brasileiros .
Å alma catholica do Brasil, poréin, a sua
alma religiosa a um tempo universal e propria ,
esta, é força confessar, ainda não teve expressão
A COLUMNA DE Fogo 163

definitiva , a expressão de caracter eterno,


que,
logo á primeira vista , evidencia una realidade
collectiva aos olhos do mundo .
0 individualismo brasileiro ou sul-ainerica
no com todas as suas superstições de justiça
nova e miragens de novos horizontes espirituaes
na velha téla do Occidente , este , já teve em
Castro Alves e no já citado Cruz e Sousa
revelações que se podem considerar insuperaveis ,
sendo uma prova disto o facto de ambos, em
momentos diversos e cada qual a seu modo ,
apparecerem como reaccionarios de sensibilidade
brasileira na gamina dos valores de emprestimo,
que do romantismo ao parnasianismo illudiram
a nossa aspiração literaria .
Os nossos criticos em geral , nababos de
pedantismo e meia sciencia , para quem a alma
religiosa do paiz é como se não existisse (!),
jámais visionaram a nossa historia literaria, por
este prisma , através do qual até inesmo Bilac,
Raymundo Corrêa , Vicente de Carvalho, Alberto
de Oliveira, são poetas inferiores .
Entretanto, a expressão da nossa alma col
lectiva, não desta ou daquella particularidade
sua , não do seu puro lyrismo amoroso ou de
quaesquer singularismos sentimentaes , mas na
sua totalidade de forças, na sua actividade tan
to exterior como interior, parece -me que, sem
o menor espirito de partido , se pode dizer que
164 A COLUMNA DE Fogo

só um temperamento eminentemente catholico


nol- a poderia exprimir definitivamente .
Note -se que o romantismo foi, no Brasil ,
por mais paradoxal que pareça , una victoria do
sentimento christão contra a seccura de um clas
sicismo puramente de forma e inteiramente alheio
ao espirito classico , por isso que a este havia
substituido uma trama interior de mirradas ne
gações e funestissimas suggestões revoluciona
rias . 1
Maior poeta que todos os nossos verseja
dores romanticos foi José de Alencar, e nin
guem aprofundará a exhuberante riqueza da sua
prosa sem descobrir que , mesmo sem o saber
talvez, elle foi uma das almas mais lyricamente
christãs da epopea, da verdadeira epopea de
forças affirmativas, que é possivel surprehender.
sob os véos de inquietação e de duvida, na lucta
pela autonomia espiritual brasileira .
Mas, afinal, porque até hoje não tivemos
essa completa revelação de nós mesmos , e de
que só um poeta fôra capaz um grande
poeta não só de imaginação e de sensibilidade,
mas de pensamento e analyse , pensamento
e analyse taes como só un poeta - u'm Dante
um Shakespeare , um Goethe é capaz de ex
pressar , revestidos dessa ornamentação poetica
que lhes esconde arestas e junturas ao tempo
que empresta luz singular ás faces, mais so'm
brias de ambos ? ...
A COLUMNA DE Fogo 165

É a solução deste problema o que me ten


ta desde que li o ultimo livro de Tassa da
Silveira : A ALMA HEROICA DOS HOMENS .
Direi em primeiro logar qual a philosophia
ou a intenção doutrinal que elle contém , e
o direi , assim , en primeiro logar , porque este
mesmo titulo que parece trair algo de arbitra
rio , de abusivamente generalisador, é , pelo con
trario, uma restricção que o poeta propõe á si
gnificação mesia de heroismo.
Só ha heroismo onde a dor que é a
realidade humana se faz alegria, amor a
vida, o que só se alcança por uma vigilante
tenacidade, em apprehender o sentido religioso
de tudo, do ephemero, de que se compõe a vida,
como do eterno, que ella mesma faz presentir e
adivinhar .

É o livro, pois, de um alto e profundio


espiritualismo, e obra de um grande poeta.
Elle pode dizer o seu AMARGO TRIUMPHO :

" Com a Fé, que é lampada que salva e guia,


e o Sonho, a deslumbrante escadaria
que fui galgando em tremula escalada,
como resplandecente
e alto fiquei !

Oh fiquei como a torre illuminada


do palacio de um Rei !
166 A COLUMNA DE FOGO

Se um dia o Mal , sinistramente,


soprar como uma ventania
e apagar a minha lampada vasia
e por terra lançar a minha escada,

que poeira tremula e erradia,


em chão humilde, não serei ? ...

Elle póde duvidar assim , nas a quem lhe


conhece a grave e silenciosa e por assim dizer
solitaria evolução anterior, não é permittido essa
duvida .
A mais séria, a mais heroica, a mais re
sistente das almas da geração a que pertençol,
creio que o orgulho da sua humildade é beino
que exprime as novas certezas en que se re
faz a grande alma brasileira , corroida que vi
nha sendo por tantos orgulhos estereis . Que elle
o diga tambem , pois , como está dito nesta ad
miravel MEDITAÇÃO , de subtis desdobramen
to's interiores :

« Lembro a humildade dos destinos dolorosos


que ao meu destino humilde a vida entreteceu ...
Porque passaram como sombras, silenciosos ,

1
emquanto eu sou a estrella altissima ? ... emquanto eu
posso dizer a minha dôr de cada instante,
e o olhar do mundo, em suspensão, prender ao meu ?
A COLUMNA DE Fogo 167

Oh ! por elles, talvez, é que ergo a voz resoante ...


Sou, talvez, a expressão dessa angustia sem fim
que nelles germinou, e cresceu, tempo adiante,

para afinal romper, como um clarão, em mim ...

Dentro dessa evolução , a que me referi ,


isto nada mais é que a exaltação consciente
daquelle mesmo « Fio d'agua », a que o poeta
se assimilára na soffredora adolescencia :

« Fio d'agua , humilde e brando,


da transparencia dos crystaes
tão claro e limpido vaes
cantarolando,
que deixas ver, lá, no fundo,
a areia fina alvejando ...

mas ao qual, por fim , na ultima pagina de


seus poemas, fala a orgulhosa e santa lingua
gem de quem conhece o conselho d'Aquelle que
nunca errou e nos disse : « Sêde perfeitos ! »

Fio d'agua, humilde e brando !


passarás despercebido
nesta humilde brandura
em que vieste cantando ou soluçando
ora , em alegre toada, ora, como um gemido,
correndo ao léo ,
168 A COLUMNA DE Foco

as minhas esperanças,
minha immensa amargura,
meu prazer, meu pezar, meu inferno e meu céu ...

Entanto, houvesse quem , piedoso e amigo,


te auscultasse um momento ,
caminhando comtigo
(por teu caminho de alegrias e revezes,
dia azul , noito má ... )
esse veria o ardor violento,
impetuoso, por vezes,
com que te lanças
para um destino que nem sabes qual será ...

Esse veria que ha revoltas em teu seio,


revoltas, sonhos, ambições ...
Ambições de crescer e avolumar- se ,,,. O anceio
(Oh ! teu supremo goso !)
de um dia, entumescido,
ir rolando profundo e tumultuoso,
e accordar a floresta ao epico rugido
da caudal transbordante a escachoar em cachões ...

Quem sabe do futuro ?


teu curso humilde e lento,
teu curso , hoje obscuro,
poderá, na ancia intermina que sentes
no decorrer da viagem ,
ir encontrarido
outros filões, novas correntes
(outros filões de ... pensamento ,
novas correntes de ... emoção ... )
e ir augmentando, e ir engrossando, e ir tumultuando,
A COLUMNA DE Fooo 169

e dominar, enfim, com teu canto selvagem,


terra e céus , que ao fragor enorme fremirão ! ...

Então ,
pobre fio d'agua crystalino :
que grandioso destino !
atravessar o mundo , atravessar ,
indomito e tremendo ,
a terra toda, haurindo o encanto da paisagem ,
ruindo montanhas , fecundando o valle, e tendo
a certeza de um dia
tua alma transfundir na alma heroica e bravia
do Mar a exaltação , a tragica harmonia ,
o profundo clamor, o amplo tumulto ! o Mar ...

Eis o que, em verdade, vem se realisan


da na obra do poeta. Do « FIO D'AGUA » ao
« ROMAIN ROLAND », á « A EGREJA SILEN
CIOSA » e á «ALMA HEROICA DOS HO
MENS » a limpha já se fez torrente magestosa.
O seu tumulto de ondas, o seu clamor são me
nos intensos do que esperava Tasso da Silveira ,
mas se assim é , é porque, se muitos foram os
filões , que encontrou, se muitos foram as cor
rentes, que fundiu no seu seio, se afastou ru
deza de montanhas e rolou terras cahidas, a
soberana graça lhe foi concedida de amplo e
profundo leito, em que a inclinação não se
violenta em quedas e saltos perigosos ...
Mas, repito, o que o novo livro de Tasso
da Silveira me permitte, antes do mais, é apro
170 A COLUMNA DE Fogo

fundar o porque da deficencia do nosso senso


configurador da realidade brasileira, que só ca
tholicamente poderia ser feita , pois é ponto
fóra de duvida que, em toda a nossa historia
literaria , ainda não contamos un só poeta catho
lico , natural e intencionalmente catholico, que
possa comparar-se neste sentido a um Castro
Alves ou a um Cruz e Souza .

Em nossos dias mesmo, uma unica perso


nalidade catholica me parece digna de figurar
como termo de comparação em tão alto plano
das nossas letras . Quero referir-me a Durval
de Moraes, o finissimo pintor em cujas telas se
desenrolam as legendas de Maria Santissima e
do Pobresinho de Assis . Mas para explicar -se
que o poeta da «Lyra Franciscana » não tenha
empolgado, até hoje, a grande massa do publico
catholico , afóra o que se possa dizer relativa
mente á desorientação geral desse publico - em
que não é pequena a influencia da literatura ,
pelo menos, por indiferentismo , infensa á Igre
ja ha que verificar -se una razão mais pro
funda e ligada á propria psychologia do poeta .
Se um Fr. Francisco de S. Carlos, por
exemplo, não revelou do nosso sentimento reli
gioso , senão a imagern numa ou noutra expressão
de eloquencia toda exterior ( 1 ) Durval de

( 1) O proprio Fernandes Pinheiro não vacilla


em confessar a «frieza e monotonia» do « Assumpção » ,
A COLUMNA DE Fogo 171

Moraes poeta na mais alta significação da


palavra é somente um lyrico , uma alma
lucida e tranquilla a quem as proprias lagri
mas não perturbam a visão entre risonha e
? melancolica do inundo, nen desviam um só mo
' ento das suas certezas de instincto e de so
m
nho .
Toda a « poesia » de Durval de Moraes está
nestas pequeninas télas de um objectivis.no, re
lativamente difficilimo de attingir numa arte
que se dirige mais á alma do que aos sentidos :

o Carinhoso Irmão dos vermes e das aves


Caminha calmo e só. Na estrada poeirenta,
Ninguem mais affrontar a soalheira intenta .
Cae pesado, no mundo, o silencio das naves !

Alteando seu sonhar as regiões suaves :


« Bem haja quem o céu espera e a quem contenta
Pão de esmola, um burel e a terra pardacenta ,
Porque vence do mal os infernaes entraves.

Bem haja quem adora a Senhora Pobreza ,


Quem na Santa Humidade abençõa a Belleza
E a Bondade bendiz pela Bondade mesma. »

mas observa com felicidade que « a maior belleza do


poema » está nos episodios em que, justamente, o
poeta deixa de ser intencionalmente religioso para
ser intencionalmente nacional.
172 A COLUMNA DE Fogo

Nisto curva a cabeça , estende a mão sagrada


E murmura , afastando uma lesma da estrada :
« Poder- te - iam pisar, minha pobre Irmã Lesma !»

ou na suggestão del'icada, na suave melancolia


de umas tantas analogias entre a serenidade
da eterna belleza e a angustia da belleza que
passa . Este soneto é un exemplo dessa feição
mais subjectiva do seu verso :

Mãe de Deus, mãe dos homens ! A mais bella


Entre as bellas ; de todas a mais pura !
Que destino na terra te constella !
Que destino no céu te transfigura !

E ainda tão pequena e pobre ! ... É vêl-a,


Com os pés nús sobre a terra negra e dura ;
A cabeça trazendo, em vez da estrella,,
A bilha de agua que ella mal segura !

E, quando passa, as flores dos caminhos,


Galhos, que em vez de flores trazem ninhos,
Inclinam -se saudando a que se humilha ...

Como passa a sorrir ... lembra uma abelha !


Perdão, meu bom Jesus, se não semelha ,
A mesma idade tem da minha filha !

Mas a meu vêr, e é isto o que me reve


lou a leitura d ' « ALMA HEROICA DOS HO
A COLUMNA DE Fooo 173

MENS» um poeta como Durval de Moraes só


terá a estima que merece após uma verdadeira
revolução , em nossa vida literaria , a revolução,
creio eu , que está a fazer a corrente espiri
tualista, agora como que no seu maximo de
concentração introspectiva na obra que vae reali
sando Tasso da Silveira .
Não só á ordem politica se applicarão
aquellas fulgidas palavras de Rivarol, de que
um governo só vence verdadeiramente uma re
volução, quando, por sua conta , é capaz de
fazer uma outra e bem mais profunda e radi
cal. Ha um governo das letras coino de tudo o
mais , e é o que cabe ao escól dos espiritos que,
ás vezes sem ter consciencia disto, são os ver
dadeiros guias daquelles mesmos que mais os
combatem . Ora, no Brasil, o escol da sua intelli
gencia tem mais de meio seculo de quase com
pleta servidão á meia cultura, ás meias idéas
da Revolução ou da Reforma, á desorden do
individualismo europeu , e isto da peior forma,
porque a verdade é que a maioria dos nossos
intellectuaes ignora até mesmo a origem , a fi
liação do seu obscuro idealismo.
Em Tasso da Silveira , a base da reacção
contra esse estado de cousas é justamente o
que nos revela a sua obra de prosador . Nós, os
que prescutamos o tumulto brasileiro , sabemol- a
uma das mais profundas do ponto de vista da
cultura , como das mais claras, do ponto de
174 A COLUMNA DE FOGO

vista da expressão literaria . Elle é como pen


sador o homem que já entrou o circulo mesmo
da philosophia tradicional, e a quem a propria
Igreja já se apresenta em toda a sua belleza
de pensamento e de orden .
«Considero a Igreja Catholica – diz elle
-- como a fiel depositaria da doutrina de Chris
to na sua mais pura expressão ... O pensamen
to catholico é o unico que na desorientação
geral do tempo presente sabe seguramente do
norte para que caminha. Por isso inesino a sua
grandeza é insuperavel . Não vejo o que a possa
derribar . A muita ignorancia de certas épocas
lhe tem offuscado o brilho passageiramente , e
da parte dos que o combatem hoje ha completo
desconhecimento das doutrinas que elle prega ...

E eu não sei o que será de cada um que fôr


verdadeiramente conhecendo a doutrina catholica
em sua pureza original » .
É claro, pois, que só lhe falta completar -se
a si proprio para cornpletar a sua integração á
alma catholica , e é Deus mesmo, creio eu , quem
assimo traz entre as chammas, não mais da
duvida, mas da saudade do erro, para que
a verdade se lhe revele , não já somente para
seu bem individual, mas para exemplo de con
quista difficil, mais valiosa aos olhos dos seus
irmãos.
Tasso da Silveira, mais de una vez, nes
te livro , deixa ver claramente a consciencia
A COLUMNA DE Fogo 175

que tem da descontinuidade espiritual que ain


da o martyrisa .

« Que orvalho de doçura, ó suave porto,


banhando -te, desceu dos céus além ?
Dansam lampejos de ouro no mar morto ...

Ah ! mas que não me alcance (eil -a que vem ... )


a ansia de me ir de novo, exhausto, morto
aos portos, longe, á bruma , além , além ! »

Mas dir -se - á como posso esperar de

um tal espirito , tão bruinal , tão indeciso ás ve


zes , essa affirmação catholica de que tanto es
pero nos dominios da arte ?
Em primeiro logar , é o proprio Tasso da
Silveira quem dá testemunho da mesma fé que
aqui confesso, quando diz : «O sentimento tam
bem se educa e pode chegar a apurado requinte
sem nada perder em sua força de sinceridade » .
Em segundo logar, a Igreja, o Catholicismo,
não têm culpa da physionomia de rigidez e
seccura que lhe emprestain os que não os co
nhecer ou lhes são , de má 'fé, adversos.
« le crois bien que Rome et Mitylene
diz Maurras oonnaissent aussi l'illusion et
l'incertitude . La lumière a des mystéres qui
transfigurent. Mais il n'est pas moins vrai que
les coeurs passionés y deumerent sages ; lu
176 A COLUMNA DE FOGO

cides, les yeux enflamés . Les emotions senties


y sont connues, classées , et , sans doute grace
a la maturité du langage et de la pensée, le
trouble intérieur n'est pas incompatible avec la
clairvoyance ».
É esta maturidade de pensamento e de lin
guagem o que, na obra de Tasso da Silveira,
assegura á ordem e á clareza os direitos que
tem em toda obra evangelisadora, que queira
ser, ao mesino tempo , uma pura obra de arte .
Leia - se, por exemplo, este poemeto do « Fio
d'Agua » :

Com que tristeza eu que conheço o mundo


com que pezar profundo
contemplo o lyrio que és ...
Eu que conheço o lodaçal immundo
que se estende a teus pés ...

! * !1
Para salvar- te, entre tua alma e o mundo
luz este amor fro furido,
puz a barreira do meu ser...
E pude ver-te, em meio ao lodaçal immundo,
branca e pura crescer e florescer ...

Mas agora , avivando mais a chamma


do zelo que me inflamma,
reptis agitam-se a teus pés ..
Ah ! não vão elles salpicar de lama
O lyrio puro que és ...
A COLUMNA DE Foao 177

Antes ver apagada a debil chamma


de tua vida ... (Embora ! O amor me inflamma !
ficarás no meu sonho a florescer ...)
Antes te occulte Deus, por livrar-te a esta lama,
na intangibilidade do não ser ...

Não ha temer ahi estė « não - ser» , que é


puramente poetico . Deus é quem chamará a si
o lyrio, que a prece do amor quer puro de toda
a macula do mundo. São versos de um adoles
cente , e , no entanto , quando, agora, acceita'
una suggestão de Tagore, a alma não se lhe
refrange na imitação . É identica a si mesma,
é a mesma alma . É o mesmo lytismo, que não
2 . sé limita , mas se governa , que jámais deixa de
ser expontaneo , mas sabe que a expontanei
dade já não é a força que transforma a in
tuição em ineditação , que jámais se materialise
mas se defina . Vale a pena citar o poema a que
me refiro, que é este .

Fizeste-me infinito ...


Do ser humilde, que de ti me vem ,
0 minusculo cálice esvasias
e enches de vida, sem cessar ... Bemdito
O perpetuo milagre do teu Bem !

Esta frauta, que sou , de humilde cana,


conduziste - a por valles e collinas
e por ella sopraste melodias
12
178 A COLUMNA DE Fogo

eternamente novas e divinas,


sob o tremor da minha voz humana !

As tuas dadivas perfeitas,


só tenho as minhas duas mãos estreitas
para as guardar ...
Mas quanto nellas mais thesouros deitas
mais sobra espaço ... E as minhas mãos eleitas
mais alto se erguem para te implorar!»

O pensamento resalta , por assim dizer, fi


no , subtil,
mas forte e inteiriço até nas suas
mais intimas intenções, e é isto o que consti.
tue a mais alta poesia, essa difficil poesia que
veste de doçura e lyrismo até as mais angus
tiosas meditações do ser humano sobre a per
petuidade, já provada, da lucta entre a sua an
sia de infinito e a sua limitada realidade actual.
Em A alma heroica dos homens, a pro
prio tumultuar da paixão , as rajadas de am
bição, as notas mais cruciantes, mais agudas,
mais rudes de um soffrimento que vai do sen
timento mais simples á mais complexa dor me
taphysica como em

A VERTIGEM

«Entre as sombras errantes do Infinito


vai girando o Planeta Doloroso ..
A COLUMNA DE Foco 179

Entre os abysmos do Infinito


vae a rolar ...

Para que fundo tenebroso


do Espaço silencioso ,
para que Islandia morta desse Mar ? ... »

tanto essas, como outras manifestações de


angustia ideal , como aquellas que exprime em
« Sobre a steppe gelada ... », em « As estradas »
ou em «Os prisioneiros » e « As multidões», não
me fazem receiar da admiravel ascenção deste
poeta ao cimo da eterna luz, que a Igreja
representa entre as mortas Islandias desse infi
nito mar ...
«O talento tem necessidade de paixões ?»
perguntava Joubert. E respondia : « Sim , de
muitas paixões reprimidas ». Este é o segredo
da immortalidade na arte , como o será talvez
em todos os dominios da vida humana .
Balzac teve tambem , e na phase intellec
tual mais segura da sua vida, a intuição do
que nos diz Joubert: « La passion est toute
l'humanité diz elle no prefacio de « Come
dia Humana » «Sans elle, la ' religion , l'his
toire, le roman , l'art seraient inutiles .
«En me voyant amasser tant de faits et
les peindre comme ils sont, avec la passion
180 . A COLUMNA DE Fogo

pour élément, quelques personnes ont imagi


né, bien à tort, que j'appartenais à l'école sen
sualiste et matérialiste , deux faces du même
fait, le panthéisme. Mais peut-être pouvait-on ,
devait -on s'y tromper. Je ne partage point la
croyance à un progrès indéfini, quant aux So
ciétés : je crois aux progrès de l'homme sur lui
même» .
Mas acima de Joubert é de Balzac está
o proprio S. Thomaz quando tão claramente
nos mostra que reduzir todas as virtudes a um
estado médio não é o ideal christão. Tambem
Chrysostomo já dissera que «pecca aquelle que
se não encolerisa quando tem razão para isto » .
E Joseph de Maistre, como philosopho , fecha
o cyclo dessa , para muitos inesperada, apologia
da paixão pelo moderado racionalismo catholico.
«Jámais nous ne sommes surs de nos qualités
morales dizia eile que lorsque nous avons
su leur donner un peu d'exaltation ...» ( 1 )
Tambem a verificação de influencias lite
rarias as mais diversas, possivel de fazer -se

(1 ) Ver as admiraveis paginas dedicadas por


H. Petitot (e de que me sirvo no que diz respeito
aos pensadores catholicos ), a essa utilidade das pai
xões na ordem moral , ou na connexão das virtudes.
Introductoin à la Philosophie traditionnelle ou clas
sique, cap . II .
A COLUMNA DE Fogo 181

na obra de Tasso da Silveira, em nada alte


ra o meu juizo sobre a sua originalidade es
sencial e o vulto verdadeiramente grandioso da
belleza propria que nos revela . Não resta du
vida que assim Verhaeren como Samain , co
mo Cruz e Sousa e até um poeta novo, da
sua geração, Murillo Araujo, penetraram e mo
veram subtilmente certas cordas da sensibilida
de musical de Tasso da Silveira . A lumino
sidade propria do seu espirito, esta , não, nada
a desviou do que se pode chamar a sua propria
lei . « Tout poéte sincère , fut- il né Shakespeare
ou ' Virgile , confesse l'influence des lectures,
qu'il a faites dans sa jeunesse : elles ont eu la
même importance pour la direction de sa vie
que la terre natale ou le sang paternel » .
( Maurras) . ( 1)
Não será Tasso da Silveira quem negará
as que soffreu , elle que teve a suprema graça
da espiritual maturidade , ainda aquem do meio
da curta vida do homem moderno ....
Nenhum desses poetas, porém , seria ca
paz de escrever este poema da Raça Nova, por
exemplo , em que a sua dramaticidade affirma
tiva parece traduzir, de facto, todo o dolorosa

( 1) Maurras Romantisme feminin 3.0 vol .


da ed . definitiva das suas obras, pag. 158.
182 A COLUMNA DE FOoo

explendor, toda a alegria de viver e temor da


morte que se interpenetram e se confundem
na alma brasileira .

Fugindo á dôr de que me inundo,


noite fria que o sangue me gelou,
eu contemplo em minha alma o t ? sterio profundo
da Raça nova de que sou ...

De praias estrangeiras,
de longinquas distancias,
do mar pela ampla estrada extraordinaria
vieram as multidões aventureiras ...

Pelo mar tormentoso,


vieram , alvicareiras,
sonhando a Atlantida lendária,
onde achassem repouso
ás doidas ansias,
a todas as angustias e canseiras !

Vieram ... E a terra generosa


deu - lhes pão e agasalho,
prodigou - lhes o immenso coração ...
E erguendo a teñida do repouso e do trabalho ,
as raças forasteiras se entreuniram
e em idyllios fecundos refloriram
em milagrosa
floração !
A COLUMNA DE Fogo 183

Desta fusão de povos visionarios


que o cadinho da terra amalgamou,
no lendário paiz dos thezouros lendários
nasceu a raça de que sou ...
Por isto é que em meu ser complexo e profundo
turbilhonam milhões de almas a ansiar !
Por isto o meu anseio enorme enyolve o Mundo ;
o infindavel da terra e o infinito do mar !

Oh as longinquas regiões de onde outr'ora partiram


para o conforto
de outras alegrias
as multidões innumeras , sem fim ...
Regiões que no meu ser se indefiniram ,
e são agora como sombras fugidias
no crepusculo morto
da saudade ancestral que se ergue em mim ...

Oh as cidades perdidas
no turbilhão oceanico !
Os portos longe, além ...
Que suggestões indefinidas
se lhes escuto o nome talismanico :
Hamburgo ... Amsterdam ... Cadiz ... Jerusalém ...

Povos que viestes da sonhadora Germania,


de olhar claro e sereno,
trazendo ao fundo das pupillas
184 A COLUMNA DE Fogo

diaphanas e tranquillas
a suggestão azul das legendas do Rheno ...

Povos da Luzitania,
de sangue ardente e nobre coração,
que ora choraes à gloria
a febre e a ' gloria
do tempo em que levaveis vossa insania
por sobre toda a immensidão equórea,
como indomavel furacão !

Povos da Italia limpida e risonha,


povos da Italia lyrica e sonóra,
onde a terra, a florir, como que sonha,
е о mar azul, sonhando, rememóra ...

...

Povos sem a alegria da esperança :


povos do continente
incandescente ,
que amargaste a dôr major de que ha lembrança !.

Povos provindos
dos quatro pontos cardeaes !
Fundiste-vos, em mim, povos infindos !
em meu ser, em meu sangue .. e me deixastes

a alma vogando
balançando. !
a alma, doida, entre todos os contrastes,
presa eterna das ansias immortaes ! ...
A COLUMNA DE FOGO 185

É ahi patente o que se poderá chamar


a inspiração verhaereneana , não ha negar , mas
uma cousa tambem logo se evidencia a qual
quer creatura de bôa fé, e é que só um poeta
eminentemente nacional, brasileiro , poderia es
crever este poema.
Tasso da Silveira, aliás, já sobrepaira a
influencias assim directamente resentidas , como
o prova toda a sua poesia mais caracteristi
camente religiosa , isto é, aquella que é con
figuração do ser , da vida das almas.
Quero citar, por ultimo, duas destas ex
pressões da sua perfeita autonomia poetica.

LIED

Cada um de nós, amor, é uma estr , la infinita :


não vimos de tão longe ? O meu Ser, o teu Ser ...

Encontraram - se um dia ... Ah bem podia


acontecer
que nunca se encontrassem
e, uma á outra alheia, continuassem
pela Terra infinita !
pela infinita sombra , através da infinita
desolação de tudo ! O meu Ser, o teu Ser ...

E agora, que de nós três estradas se alongam ,


a que estranhos confins de mysterio irão ter ?

Três estradas de luar, de sonho, de agonia ?


186 A COLUMNA DE Fooo

Oh os destinos, as vidas novas que prolongam


para um perdido além o meu Ser e o teu Ser ...

A UM GRANDE AMIGO

Ah ! cada ser é um astro solitario !


cada ser é um humilimo lampejo
no infinito da sua solidão ...

Ha abysmos fundos entre o vão desejo


de um ser e de outro ... solidões vasias ...

Só o olhar de Deus abrange o extraordinario


fulgor da universal constellação !

Como poude meu pensamento humilde e vário


atravessar as solidões vasias
que entre um ser e outro ser se extendem meu irmão ?

Como poude meu pensamento solitario


chegar ao teu, fundir -se ao teu, num só clarão ?!

Estes dois poemas, que traduzem estados


de alma oppostos, são, no entanto , a meu ver,
a prova de que o Poeta se avisinha da per
feita unidade da sua vida espiritual. Elle já
tem a intuição profunda da communhão das
almas na luz eterna, de que la luz das almas
A COLUMNA DE Fogo 187

é oomo un tremulo reflexo nas solidões do


mundo ...

Perdaem -me os suspicazes, mediacres ainda


mais de coração que intelligencia, se nisto vae
a suggestão do propagandista, do alliciador, do
catechizante impenitente ... Eu tenho fé na obra
deste jovem Poeta que já considero uma das
mais puras glorias do Brasil contemporaneo ,
deste Brasil que ahi está apagar em sangue
e lagrimas de fogo os erros do seu rebaixa
mento espiritual, ou da escravidão da sua « élite>>
ás contrafacções de ideal, á grosseria de todos
os materialismos , á aridez, enfim , de todas as
revoltas contra o imperio da Cruz.
Pertence a Tasso da Silveira o direito de
fazer em nossa poesia a unica revolução sal
vadora, a unica de que espero todo o bem para
o Brasil: a revolução que, de cima para baixo ,
ha de agitar as espheras da nossa actividade
espiritual e attrahil-as, dos sorvedouros de som
bra em que se movem , aos sorvedouros da
eterna luz, em que harmoniosamente se hão
de mover ...
A ULTIMA PASTORAL DE D. DUARTE
LEOPOLDO

Circumstancias diversas, que não vem ao


caso relatar, fizeram com que me passasse des
percebida a Pastoral de S. Ex . o Sr. D. Duar
te Leopoldo, sobre a crise revolucionaria que
atravessa o paiz. Pude lel -a agora , porém , e
julgo dever de patriota e de christão, concorrer
com quanto possa para que ella não seja logo es
quecida , dado que não se conhece valle de es
quecimento mais profundo e maior que este
da vida moral do Brasil contemporaneo ..
Deste ponto de vista, que é que não fica
esquecido neste paiz ?
Esta mesma Pastoral de D. Dựarte Leopol
do que é senão uma prova da necessidade de
não confiar em nossa «memoria collectiva ?»
Realmente , a palavra do illustre arcebispo
de S. Paulo já é como uma confirmação autori
190 A COLUMNA DE FOGO

sada da nobilissima Pastoral de Dom João Bec


ker, que , ao definir o dever dos catholicos em
face do poder constituido, nos deu a mais bella
pagina de toda a nossa literatura religiosa des
tes ultimos annos, em relação ao maximo pro
blema da nacionalidade, isto é, em relação ao
respeito devido á autoridade.
Proclamou D. João Becker a santidade e a
utilidade dos principios rigorosamente catholicos
nesses dominios da pratica politica, santidade
de que todos devem estar convictos , - homens
do poder e o povo em geral , utilidade para
o povo sobretudo, que não terá paz se os es
quece e jámais , no entanto, mesmo em plena
anarchia , deixará de carregar o peso da auto
ridade , filha da violencia, ou , melhor, dos ho
mens que encarnen o poder, por mais illegitimo.
O paiz ouviu e applaudiu o corajoso Princi
pe de sua Igreja . Sabe -se, porém , que é no
proprio Rio Grande do Sul que ainda se alimenta
de chammas e ruinas o espirito de rebeldia ...
Acode, desta vez, ás afflicções da consciencia
catholica incerta do rumo a tomar a aus
tera , triste mas não menos corajosa palavra.
da eminente arcebispo, que mais de perto poude
ver o resultado da inconsciencia e da selvageria
revolucionaria, na sua maligna actividade, justo
no meio em que mais se affirmava a nossa ca
pacidade de trabalho e de civilisação.
Será mais ouvido, mais acatado este novo
A COLUMNA DE FOGO 191

apello da autoridade espiritual, appello á fé e


ao bom senso nacional ?
Seja como fôr, uma coisa no Brasil fica
a salvo de toda e qualquer suspeita de sympa
thia aos processos revolucionarios: a Igreja Ca
tholica, representada pelos que de direito e de
facto a representam aos olhos do mundo .
« Valtemos, carissimos diocesanos diz D
Duarte Leopoldo voltemos aos ensinamentos
da nossa fé, ás velhas tradições do nosso pa
triotismo : « Todo poder vem de Deus . Resistir
á autoridade é resistir a Deus » .
Esta é que é, sem nuanças de govardia
nem subtilezas de liberalismo de liberalismo
que é a revolução embuçada dentro da propria
Igreja esta é que é a pura verdade cathio
lica , que deve estar sempre presente á conscien
cia de todos os crentes, sejam quaes forem as
apparencias de justiça com que se apresentem
os perturbadores da ordem e da paz interna
da nação .

O nosso protesto diz ainda o illustre


arcebispo — antes brado de fé e de patriotis-i
mo, não attinge pessoas, mas principios . Estes
é que merecem a condemnação da Igreja , a
repulsa de toidios os catholicos, quando visam
a perturbação da ordem, o desprestigio da au
toridade , o desrespeito á lei, a quebra da uni
dade nacional» .
192 A COLUMNA DE FOGO

E , pondo o dedo na ferida, analysando a


miseravel realidade em que nos debatemos :

«É muito nosso, é inuitissimo brasileiro,


esse veso de sorrir com descaso ou de apoiar
levianamente qualquer opposição ao principio
de autoridade , simplesmente porque ... é oppo
sição, venha de onde vier, tenha ou não tenha
fundamento nos interesses vitaes da sociedade» .
O Prélado que assim fala, após os longos
dias de soffrimento e a conquista, ein meio da
lucta, de tantos titulos de benemerencia , sabe
perfeitamente que não exagera quando, ceden
do ao impulso do seu coração de bispo, não es
conde o seu temor de ver implantada nos pro
prios meios catholicos brasileiros a indifferença,
o descaso pela sorte da autoridade constituida:
ou mesmo a sympathia mais immerecida pelos
negadores profissionaes dos methodos politi
oos, que a propria Igreja tem procurado impôr
ás sociedades que se formara.n no seu amplissi
mo seio de mãe carinhosa da civilisação.
É a esta palavra , pois, vinda de tão alto
e tão desinteressada, é a esta palavra de um
holmern que tão nobremente tem representado
sempre a santa causa da Igreja em terra . bra
sileira , que a clero, principalmente o clero se
cular, ainda, graças a Deus , quasi todo «brasi
leiro » e, por conseguinte, com responsabilida
des ainda maiores em relação a felicidade e ao
A COLUMNA DE Fogo 193

progresso do nosso povo , deve acolher com


extremos de enthusiasmo e de fé , para impol -a
depois persuasivamente á massa geral dos que
a ouvem e com elle se aconselham nos mo
mentos mais graves da vida.
Não ha Igreja Catholica onde o clero não
é senhor de si proprio em horas como esta que
atravessamos, porque, á menor vacillação delle,
perfeitamente caracterisada, e apprehendida pela
consciencia dos fieis , a verdade é que o am
biente social se caracterisará tambem por uma
especie de protestantismo inconsciente , isto é,
far-se -á campo de individualismos mais ou me
nos accentuados , em tudo quanto se prenda aos
problemas da organisação politica.
Ora , é incontestavel que o clero brasileiro
ainda influe de modo decisivo no melhor da
nossa gente e , por isso, não lhe caberá pequena
responsabilidade, se palavras como as de D. João
Becker ou de D. Duarte Leopoldo não fructifi
carem , não sanearem , de facto, a pesadissima
atmosphera que estamos respirando, ha mais
de dois annos, atmosphera tão pesada e tão
má que já é visivel a tonteira da maioriaji
evidente a ccnfusão entre coisas e entre homens,

que se não podem deixar, de modo algum , con


fundir .
Ferindo fundo os proprios acontecimentos
mais recentes, é assim que a elles se refere noi
nobre Prelado, envolvendo na mesma acerba
13
194 A COLUMNA DE FOGO

recriminação os que ainda lhes dispensain sym


pathias :
« No fundo, na realidade dos factos e acon
tecimento's, nem ha sinceridade em taes criticas
e maledicencias, nen ha convicção dos malefi
cios que se attribuem aos representantes da
nação . Puro diletantismo ou defeito de educa
ção politica e religiosa , mas defeito que bem
pode levar -nos á garra , golpeando profunda
mente a alma da Nação.
Portanto, carissimos diocesanos, voltemos
ao's ensinamentos da nossa fé » . E , repetindo -os,
é ainda assim que os resume :

« TODO PODER VEM DE DEUS, RESISTIR Á


* AUTORIDADE É RESISTIR A DEUS» .

Fique aos inimigos da Igreja o apodo a


esta franca e valente lição doutrinaria , e que
Deus nos preserve dos mais odiosos, que são,
justamente , os que a coinbatem das suas pro
prias fileiras.

11.3 - 25 .
OS BOATOS DE AMNISTIA

Pelo que leio nos jornaes, o governo foi


forçado a desmentir no estrangeiro o boato de
que entrara em negociações com os rebeldes.
A base de taes negociações era , ao que se
dizia , a amnistia geral e a consequente diminui
ção, aos olhos do paiz, do valor moral de quanto
esforço fez e está fazendo a tropa que se tem
conservado fiel á disciplina e á ordem ... Mas,
boatos de tal natureza, merecerão mesmo um
desmentido da parte de um governo provado
em luctas mais sérias que essa , contra boatos e
boateiros ? Só vejo para isto uma justificação
e é que é difficil imaginar o que, a nosso res
peito , não merecerá credito entre os nossos vi
zinhos, após a série de incriveis attentados de
que tem sido victima a nossa civilisação, o
nosso bom senso politico , o nosso caracter de
nação christã, de nação policiada e culta .
196 A COLUMNA DE Fogo

Porque supponho que aos proprios revolu


cionarios de verdade , isto é , aquelles que o são
lou que o foram por patriotis.no, por fé na
violencia como processo legitimo, por idéal em
fim , até mesmo a esses deve humilhar a entris
tecer esse final de comedia con que queremi
afeiar a drama da desorientação nacional, neste
momento . Aos rebeldes do Exercito , então, deve
ser profundamente insultuosa a suspeita em que
o boato os envolve.
Não é possivel admittir que só se arrisca
ram á lucta pela conviccão de que, no Brasil,
tudo acaba em amnistia e palhaçada. Muito me
nos admissivel é que homens de honra, de co
ragem , capazes de sacrificio a méros idéaes,
não se tornem ainda mais inflexiveis no cum
primento do que julgar o seu dever, justo no
momento em que experimentam as agruras da
desillusão e da derrota .

Ora , quem se julga digno de cumprir deve


res que levam a desgraça e á morte, não pede
ao adversario senão que se porte tambem digna
mente, fiel ao que lhe inpõe a propria conscien
cia .
Queiram ou não queira n malandrins do sen
timentalismo pacifista, queiram ou não queiram
os temerosos do nosso caso particular, a ver
dade é que o Exercito, as forças armadas de
uma nação representam a sua honra , o seu ca
A COLUMNA DE FOGO 197

racter , no que estes têm de mais definido e ,


por isto mesmo, de mais delicado.
Não é possivel, pois, consentir -se em explo
rações, jornalisticas ou não , em derredor de as
sumpto tão grave co no este que envolve a pro
pria honra da nacionalidade, o que o nosso or
gulho tem de mais legitimo em face dos demais
orgulhos nacionaes .
Se houve ou ha revolução no Brasil , só ha
um juizo a formar -se, em primeiro logar: e é
que ella é obra de homens desorientados, mas
pelo menos vulgarinentes sérios.
Assim , elles proprios serão os primeiros a
reconhecer que, para o governo, só ha uma atti
tude digna em face da actividade revolucionaria :
a de uma inflexivel actuação disciplinar, a de
uma inquebrantavel vontade de provar pelo fac
to que a nação está com elle, que a nação o
prestigia e repelle do modo mais rude os des
respeitadores das suas leis .
Qualquer outra attitude, outra' qualquer
orientação, aos olhos dos proprios revoluciona
rios, não poderia revelar senão um fundo de
ignorancia ou de timidez, indignas, ambas, da
consciencia de quem , em qualquer tempo , en
carne o poder, a vontade suprema da nação :
ou ignorancia do que representa a autoridade
entre os beneficios de que gosa uma nação,
ou temor , baixo tenor da victoria do erro , que
198 A COLUMNA DE Fogo

só poderá ser passageira e fragil como a pro


prio erro .
« Por que o erro pode PERSEGUIR amanhã,
é justo que a verdade abjure de ante-mão o seu
direito de PUNIR ? >>
Esta é a interrogação que, formulada por
quem viu a propria patria afundar - se en sangue
e miseria justamente pela fraqueza de seu go
verno , deve ser sempre presente á consciencia
dos homens de Estado, que jamais devem es
quecer tambem que não lhes estão só confia
dos os interesses do presente mas ainda os do
futuro , os das gerações mais distantes , sobre
as quaes ha de influir por força o exemplo bom
ou máo que lhes deixaren , no que diz respei
to , ao acatamento devido as leis do paiz.
O governo de uma nação culta ha de repre
sentar sempre una garantia ás conquistas da
liberdade, mas estas conquistas nunca serão le
gitimas quando não representein, por sua vez,
« acnquistas da autoridade>, isto é, as limitações
que a vida em coinmum impõe ás tendencias
egicistas ou egolatras de cada individuo. Não
póde, por exemplo, haver governo digno des
te nome onde houver « liberdade de envilecer»,
« liberdade de degradar a consciencia, o caracter,
os sentimentos da massa geral da nação , e um
governo brasileiro que, neste momento consen
tisse na insidiosa propaganda da amnistia, es
taria consentindo na liberdade de envilecer -nos,
A COLUMNA DE FOGO 199

na liberdade de degradar -nos aos olhos dos de


mais povos do mundo .
É preciso saber- se que no Brasil não se
derrama sangue impunemente, é necessario tor
nar-se evidente, insophismavel, que é conside
rado crime entre nós o perturbar -se a orden
publica , per simples vaidade ou nesmo por
funda convicção patriotica individual.
Quando a desgraça nos assaltasse de tal
modo, que a propria nação pelas suas cemi mil
bocas de soffrimento e de angustia clamasse
por uma medida pacificadora , implicando, esta ,
o perdão, o esquecimento de faltas tão graves ,
é claro que quein priimeiro deveria ouvil- a e
acatal -a seria o proprio rebelde do fundo da sua
rebeldia .
A autoridade não poderia tratar com quem ,
de armas na mão, a insulta, sem « ipso facto »
diminuir -se e rebaixar a propria vontade nacio
nal, ou , pelo menos, reconhecel - a dividida , en
fraquecida, voltada contra si mesina .
Ao governo, e a un governo honesto e
que se tem mostrado capaz de reprimir o erro
e a violencia, é que a nação jámais pediria
sacrificio de tal ordem , sacrificio da sua pro
pria dignidade.
É embalde , pois, que meia duzia de revo
lucionarios-mirins vive por ahi a insinuar os
seus proprios interesses, que aliás não confundo.
com os interesses dos que se baten de verda
200 A COLUMNA DE Fogo

de, com dignidade e amor, pela causa da revo


lução. Se ao estrangeiro, que nos espreita , o
governo consentiu em esclarecer a nossa situa
ção , não o fez nem certamente o fará á nação ,
que tudo demonstra está perfeitamente calma e
segura da sua victoria contra os negadores da
sua capacidade politica .
Que o governo,
ás vesperas de uma vic
toria final, como evidentemente está , vá afrou
xando prisões feitas, na sua grande maioria, em
momentos de confusão e tumulto, quando fôra
difficil maior cuidado no apuro de responsa
bilidades, isto não só se comprehende como
'se impõe por mero sentimento de justiça . Mas ,
amnistiar, ainda uma vez, no Brasil , é mais que
amnistiar em qualquer outra parte do mundo.
A amnistia tornou - se em nossa vida mais que
uma leviandade, mais que um acto de covardia :
a insistente animação do governo ao esqueci
mento de todos os deveres, á anarchia , ao crime ,
á desmoralisação do paiz .

18 - 3.25 .
DISCURSOS AOS SURDOS

Os verdadeiros catholicos eram e continuam


suspeitos . .. Victoriosa a Revolução, na sua du
pla violencia contra a Igreja e a Monarchia,
pode-se dizer que o seculo XVIII passou a his
toria como periodo de construcção de um mys
ticismo singular, o mysticismo do seculo XIX,
o mysticismo da estupidez, como tão bem o ca
racterisou Léon Daudet.
Mas , se a reacção contra os novos credos
Sciencia, Progresso , Liberdade , etc. - tem
raizes no proprio movimento intellectual das
vesperas da Revolução, a realidade é que só
se caracterisou, por sua vez, como corrente in
tellectual de vulto , quando Chateaubriand der
ramou a dolorosa mas bella e depuradora poesia
de sua alma sobre o desencanto do seu tempo,
202 A COLUMNA DE FOGO

o balsamo das suas fundas suggestões religio


sas sobre as feridas de uma sociedade a que a
Revolução não dera cousa alguma do que pro
mettera e da qual, pelo contrario, roubara toda
a paz e socego. Emfin , foram os poetas que,
na sua grande maioria , nunca pertencem de
todo senão ao credo de dogmas naturaes do
sentimento ; enfim , foram elles os primeiros a
sentirem e reflectiren as angustias do enorme
desvio em que o honem se lançara da sua róta
natural, da sua marcha normal , da conformida
de que deve haver sempre entre sua essencia,
a sua lei interior e a sua actividade pratica.
Já em meiadas do seculo a convicção era
a do poeta das Ilhas de Ouro :
« Dez em onze vezes, parece -me que OS
mortos têm menos velhice que os vivos de hoje,
porque , em todo o seu orgulho, o seculo morre
de tedio» ....
A esta hora vacillava o Papado, e tudo
quanto se concertava chamar de systena euro
peu , parecia fadado a desapparecer de uma vez
pelo triumpho industrial do militarismo alle
mão ... A felicidade estava proxima e a cren
ça nas soluções progressistas era tal que, na
propria França quasi destruida, na propria Fran
ça ensanguentada e mutilada ainda havia ho
mens de espirito e nbriagados pela terrivel e cus
tosa illusão.
Teria que vencer por fim o sentimento da
A COLUMNA DE FOGO 203

monstruosa , da aberrante , da funestissima reali


dade . Os verdadeiros catholicos continuaram sus

peitos, como, aliás, ainda continuam ... mas era


no seio mesino de agnosticos e descontenties
que a reacção intellectual ia tomando increinen
to, ganhando terreno, avigorando -se de modo
extraordinario . Dessa segunda metade do se
culo XIX aos nossos dias , não é mais possivel
ocintar as conversões operadas pela Igreja ou
pelo simples bom senso , em favor, quando não
da verdade integral , pelo menos de algumas
das durissimas verdades , sen o humilde reco
nhecimento das quaes é inpossivel vida social
e politica com caracter nornal e fins superio
res .
Acabo de defrontar com mais um desses
reaccionarios do bom senso . Guglielmo Ferre
ro , ainda mesino sob o amargor da convicção
de que os homens estão surdos, se dispoz a
falar aos surdos ... É isto já de si um acto
de fé .
Ferrero faz a analyse da civilisação quanti
tativa que substituiu as antigas civilisações qua
litativas, e esta analyse, aprofundando o illogis
mo do mundo moderno , desde o triumpho da
Revolução, será mesinha recomendavel á gran
de maioria dos que , de boa fé, ainda esperam o
« paraiso terrestre» dentro dos limites da ideo
logia revolucionaria.
Ella demonstra cono, em prejuizo da Igreja
204 A COLUMNA DE FOGO

e de todas as pequenas soberanias concorrentes


no antigo regimen , o seculo XIX resultou nuin
augmento do poder monarchico , de tendencias
francamente pagãs, ou cesaristas . Morre, no en
tanto , no leito mesino dessa victoria anti-chris
tă , o proprio systema monarchico , de onde ser
passageira a victoria das dynastias e, por sua
vez, «as instituições democraticas vacillam na
maior parte da Europa, porque não têm mais um
solido systema monarchico em que se apoiem» .
«A fé mystica no direito divino dos reis
está morta , mas o culto da liberdade tambem
agonisa» . Não ha miseria , não ha vaidade a
que não se dê este nome, e, no fundo , só
em duas coisas cremos firmemente : no ouro
e no ferro.
Continúa Ferrero, que escreve em francez
tal qual o cito : « Les rois disparus ou réduits
á l'impuissance, on ne sait plus ou sont les ga
rants de la paix actuelle et oú seront les respon
sables des guerres futures. Entre les monar
chies détruites ou affaiblies et tout de démocra
ties non préparées á en recueillir la succession ,
un perscnnage ancien et nouveau apparait. On
a pris l'habitude d'appeller « dictateurs » Lénine ,
Horty, Mussolini, Stemboulisky. Erreur . Le « dic
tateur » était un magistrat républicain auquel ,
dans des ciroonstances critiques et insolites, le
Sénat , conférait pour un temps déterminé des
pouvoirs excepcionnels. S'il pouvait employer la
A COLUMNA DE FOGO 205

sentido contrario á sua propria natureza . Os pro


force , il n'était pas créé par un coup de force
Les prétendus dictateurs de notre époque se
sont emparés du pouvoir par des procédés révo
lutionaires , profitant de la confusion et du dé
sordre qui a suivi la guerre , et ils tendent á
le garder, faisant fonctionner, par des moyens
coercitifs, des constitutions que supposent le
consentement obtenu par la libre discussion » .
Eis ahi a descripção que faz um forte pen
sador contemporaneo do que constitue a maior
conquista politica do espirito moderno : a ty
rannia .

Aqui no Brasil , sobretudo, vale a pena cha


mar a attenção para essas livres palavras de
alguem que certamente, em qualquer terreno
intellectual , não se assemelha aos nossos Xi
menos, aos nossos Izidoros, aos nossos Silvados ,
e ha de ter visto o Progressol, a Civilisação, a
Liberdade , de bem mais perto. que esses morce
gos do nosso fetichismo politico .
A verdade é esta : a democracia falliu e não
pcdem deixar de ser passageiras, por mentiro
sas, criminosas e anti - christãs todas as suas

acnsequencias no terreno da pratica politica con


temporanea.
Ferrero vai mais longe . Para elle , a fallen
cia é mais que politica, é propriamente social,
é fallencia de toda a actividade humana, e só
se póde explicar por estar ella' a exercer -se em
206 A COLUMNA DE FOGO

phetas da Liberdade, da Revolução, esqueceram


esta simples verdade : « que o fogo queima e
que destruir é mais facil que crear» .
A Revolução franceza foi o triumpho que
o erro póde ter. A Revolução russa é a conse
quencia logica desse erro : é o accordar da crise
somnambulica em meio das ruinas , de desgraças
talvez irremediaveis .
O nosso imperio sobre a natureza e o mun
do, que ainda está de pé, é ao ver de Ferrero
a nossa propria escravidão, « agradavel mentira
de que ha um seculo vive a nossa civilisação
e dentro da qual arrisca -se a morrer ...» Soffre
dores da iso chronia moral de uma vontade di
vidida e contraria a si propria, a que elle cha
ma « dupla vontade», nós somos, hoje em dia,
aquelles para quem a perfeição e a força cons
tituem um pesadello de ambição sempre feno
vada e nunca satisfeita . A anarchia esthetica ,
é a coroa da anarchia politica : até o Bello
nós já não sabemos o que é . Póde haver mun
do mais triste, mais desgraçado, rico mais in
digno e abaixo da fortuna que Deus lhe deu ?
Mas Ferrero, não fica ahi . Elle fala a uma
por uma das illusões que nos têm arrastado a
esta miseria , a todo este desconforto em meio da
riqueza . Nós o seguiremos com tempo nessa
peregrinação de desilludido ...

8.4 . 25 .
DISCURSOS AOS SURDOS

II

Guglielmo Ferrero, na analyse particular a


que submette cada uma das funestas illusões do
presente , chega a tristes resultados, mas nenhum
é mais triste que o que diz respeito á Liber
dade .
Si Luiz XIV ressuscitasse que diria de

Lenine, por exemplo, e mesmo que figura fa


ria ao lado daquelle homem que, dez annos
antes de substituir - se ao Tzar, era um simples
desconhecido ?
« O ungido do senhor diz Ferrero, muni
do de uma delegação divina para governar a
França, estava sempre apertado em questões de
dinheiro . Arrostava toda especie de aborrecimen
to para obter as sommas necessarias a um go
verno que gastava pouco em comparação com os
208 A COLUMNA DE FOGO

governos modernos, e era com difficuldade que


acnseguia credito » .
« Naquelle tempo, mesmo a garantia de Deus
não bastava para inspirar confiança ao capital .
E os soldados eram para elle tão difficeis de ob
ter como o dinheiro. Ao dictador da Russia , un
gido das suas proprias mãos e delegado ao
mando de um imperio por um Destino cheio
de obscuros caprichos, bastaram alguns mezes
para reunir um milhão de bayonetas, e para apos
sar-se na imperio de tudo quanto lhe pudesse
ser util : o ouro da monarchia decahida e dos
bancos assaltados , as joias, o dinheiro , as ca
sas, as terras e as obras de arte dos ricos pros
criptos.
« Coisa alguma , ninguem resistiu a esse po
der, improvisado em poucos dias por desconhe
cidos ,
O exemplo é bom, mas ainda melhor é esta
observação , que não fazem ou não desejam fa
zer aquelles que, com serem os endeusadores sys
tematicos do regimen de vangloriosa estupidez
inaugurado pela Revolução Franceza , se fazem
ao mesmo tempo, systematicos detractores do
passado de que ella nos separa .
« Quem quer que lembra Ferrero nos
seculos dezesete e dezoito faltasse com respeito
ao rei ou criticasse o governo , ou duvidasse da
existencia de Deus ou pretendesse fazer da alma
uma escrava do corpo , corria serios riscos . Quan
A COLUMNA DE Fooo 209

to á nós , podemos pensar, dizer, imprimir tudo


o que nos veni á cabeça : somos livres e nossos
avós não o eran . Mas antes da Revolução, Fran
ceza ninguell era constrangido a ser soldado
nein a bater -se se preferia as doçuras da paz.
Todos eram livres de escolher entre a espada
e a charrúa , entre o capacete e o chapéo. Os
honens dos seculos dezesete e dezoito , se ressus
citassem , poderiam dizer-nos que elles, sim , fo
ran livres e nós não o somos » .
Eis ahi um argumento apologetico do an
tigo regimen que , ao que me parece, vale bem
mais que as tiradas do balofo philosophismos
que nega ao bom senso as honras da letra
grande , concedida á Liberdade, ao Progresso ,
etc. , inas que ha de sempre temer-se das resur
reições do boin senso ...
Ferrero , usando de linguagen quasi que
legitiinamente catholica, ousa dizer ao seculo
vinte o que a este falta de modo aterrorisador,
isto é , « sentido profundo da libertação do
hotnem », e que lhe ha de faltar «emquanto não
reaprenderinos a distinguir os dois elementos
do poder: a força e a autoridade» .
«Continuamente os confundimos e , por isto ,
nada mais comprehendemos».
E o seu coinmentario assim se pode resumir :
diminuimos de tal modo a autoridade, que
só a força ficou de pé, a esnagar -nos ... O
Estado moderno é uma representação ordenada
14
210 A COLUMNA DE FOGO

da força ou pouco mais . «A força do Estado


se accrescenta pouco a pouco de tudo o que elle
perde ein autoridade ». 1
Eis ahi o resultado da «inhu nanidade dos
principios adoptados pelo orgulho de negado
res tão superficiaes quanto anbiciosos : a ty
rannia que é a vespera da anarchia , como esta a
vespera daquella .... Por conseguinte : un cir
culo vicioso de desgraças, de miserias, de catas
trophes sociaes.
Quando Donoso Cortes dizia que não ha
questão social que não subentenda una questão
theologica e já repetia Proudhon -- sor
rian os imbecis a quem sorria o falso ex
plendor do liberalismo triumphante, do agnos
ticismo politico victorioso, na Europa dos
seus dias . Mas a verdade, é que elle nada
mais fazia que prever as horas de horror porque
teria de atravessar essa sociedade que , negando
os direitos de Deus , fundamento de toda a au
toridade como da verdadeira liberdade, viria a
perder, por força, o senso de una e da outra,
e a afundar -se no desespero , na desesperança
de paz, na perpetua inquietude do orgulho que
é forçado a duvidar de si mesmo .
Ferrero annuncia, o que vale a pena de
ser ouvido : « la force s'est suicidée ; nous ne
méditerons jamais assez cette verité simple, lu
mineuse et profonde, clef de tant de mystères
et de contresens. Il y a une limite au delà
A COLUMNA DE Fogo 211

de laquelle la force s'anéanti elle nême. Cette


linite, la civilisation occidentale l'a franchie ;
et elle s'est écroulée haletante, froudroyée par
une impuissance inguerissable> ...
Nós , catholicos, sómente, temos clara cons
ciencia dos males que nos atormentam , mas sa
bemos tambem , unicos, sabemos de sciencia ,cer
ta , que não é incuravel a inpotencia em que
presentemente nos debatemos. A Igreja fundada
por Jesus Christo , vivificada pelo seu sangue,
tem , em meio destes signaes de morte, o segredo
da vida, da eterna verdade, da ordem ' eterna,
que não pode ser destruida de todo , que não
póde desapparecer coinpletamente, porque, se a
idéa de Deus póde enublar -se, apagar - se na
memoria dos homens, Deus, Elle proprio , Este,
« não morre nunca » .
O proprio Ferrero , tão dubitativo nas suas
conclusões sobre o fin desta monstruosa crise
da civilisação, não poude fugir a reconhecer, se
bem que indirectamente, que só o Christianismo
poderá reerguer-nos da nossa iniseria actual. A
« vaga dictatorial » , elle sabe ver o que ella vale
com o caracter revolucionario que a tem carac
terisado até agora . Da «hydropsia do dinheiro »,
elle reconhece que não será a economnia , «esta
sciencia sern coração que nos livrará della . O
« culto dos grandes homens », na sua pessoali
dadė, elle tambem reconhece que é, em nossa
tempo, um simples véo de agradaveis menti
212 A COLUMNA DE FOGO

ras ... Magna questão é a da justiça, mas esta


eis o que parece incrivel que elle seja for
çado a reconhecer esta só poderá ser resol
vida pela caridade.
A sua confissão é a seguinte :
«A revolução russa já se reconciliou como
capitalis.no. Só um necio se surprehenderia. Re
volucionarios como os do Kremlin , podem ser
perigosos para capitalistas, não para o capita
lismo.
«O capitalismo só poderia ser seriamente
ameaçado por um grande movimento ascetico que
penetrasse nas nassas, e que as desligasse dois
vicios e do luxo , a que se habituaram. Os ca
pitalistas , então , empalideceriam verdadeiramen
te em seus salões dourados, porque as suas for
tunas ameaçariam inurchar como balões furados .
Mas poden ficar tranquillos. Este movimento
ascetico das massas que, unico, poderá despojar
o capitalismo, ainda está muito affastado . Virá
um dia, porém ».
Não é só o mais singular appello a S. Fran
cisco de Assis. É mais um implicito reconheci
mento de que é elle o Santo do tragico seculo
a cuja surdez quiz falar . Realmente, para o San
to de Assis, vencer esta surdez será somente
um milagre a mais ...

15. 4. 25 .
DISCURSO
PRONUNCIADO NO DIA 22 DE ABRIL
DE 1925

Como paranympho da turma de bachareis de


1924 , da Faculdade de Philosophia de
S. Paulo .

Exmos. Srs . representantes das autoridades


religiosa e civil . Exinos . Srs . Presidente e Rei
tor da Faculdade .
SENHORES
Busoc alheiar-me completamente a emoção,
que seria natural, se quizesse avaliar quanto de
honroso tem para mim o acnvite que me fizestes .
Desejo, a esta hora , não le :nbrar -me de mim ,
da minha propria pequenez , senão para caracte
risar melhor a significação moral da vossa ex
trema generosidade.
Realmente , não pode deixar de ter especial
significação o facto de, ao fin dos vossos estu
dos nesta Faculdade de Philosophia, vos haver
214 A COLUMNA DE Fogo

des lenbrado de honrar o nome e a vida de


um hcmem ainda mais de acção que de pensa
mento , mais soldado que sabio , mais luctador que
philosopho.
Mas não foi sem orgulho que apprehendi a
belleza do gesto, que me confortava o espirito
mais acostumado a rudezas que a esses apuros
de fidalguia .
Orgulho de vós , meus amigos ! Sim , orgu
lho de imaginar que, com tal gesto, nada mais
desejaveis que accentuar até que ponto sois
conscientes de que esta hora é hora de com
bate , é hora de affirnação na vida social e po
litica do nosso paiz , hora de batalha decisiva
para os nossos destinos.
Eu nada mais sou bem o sei eu nada
mais sou que um sim ple s soldado talvez

mesmo o menos armado para a lucta, mas quem


coube a missão de não cessar um momento de
repetir, de gritar a todos os pontos cardeaes de
nossa vida : é esta a hora de vencer ou de inor
rer, é esta a hora en que o Brasil tem que
r
se defini culino nação : – ise ama nhã será, uni
camente , um vasto , um immenso mercado in
ternacional, victima das ambições mais oppos
tas , se uma Patria na mais alta significação do
termo , povo hierarchisado, governado, zeloso de
legitimas tradições , consciente da sua fé e crente
na unidade de sua consciencia povo christão
patria christã , emfim !
A COLUMNA DE Fogo 215

Esta é de facto , a minha convicção , e a


esperança mais clara a que sigo nos horizontes
espirituaes do Brasil contemporaneo ... Nem
tudo está morto , ou peier do que morto, e é
preciso -
combatendo directa ou indirectamen
te o empirismo dos nossos dirigentes conven
cer o que ainda resta de forças moderadas e
sensatas , em nosso paiz, de que este, bem mais
do que de apontados males presentes, é victi
ma , sobretudo, de uma profunda, de uma antiga
affecção , bem mais social que politica .
Não ha mais duvidar, senhores: é mortal a
nossa molestia, é gravissimo o nosso mal .
De que se criginou , porém , como, assim ,
tão fundo penetroto aisa organis.no social?
Eis o que, já á esta hora, dada a sua cres
cente complexidade, é quasi impossivel saber,
Herança das fatalidades politicas que perse
guira.n sempre a ultima dymnastia dos reis por
tuguezes o compromisso judaico é a má fé
de um regalismo, ainda mais venenoso , porque
instinctivo , por assim dizer, ou , pelo menos, mui
to pouco doutrinario ?
Consequencia longinqua da acção malefica
de Pombal, o brutal profanador do nosso de
sencanto na paisagem religiosa, que os Padres
da Companhia haviam formado para a nossa
ainda timida consciencia ?
Producto do liberalismo maçonico, desse
liberalismo gerado á sombra e que , ferindo jus
216 A COLUMNA DE FOGO

tamente as melhores consciencias, é como uma


sinistra columna de fogo , a guiar todos os ma
les, todos os desrespeitos do cosmopolitismo,
do metequismo, que já agora , 'nos assaltam por
todos os lados ?
Resultado necessario de uma politica immi

gratoria , iinposta tambem , por sua vez, por im


perativas necessidades do mundo moderno ?
Queino dirá ?
Uma cousa, porém, é certo, e é que se pode
definir, dizer qual é o nosso mal .
Elle não é a incuria dos nossos homens
de governo. Não é a indifferença politica das
massas, como não é a veleidade do nosso mili
tarisino de cordel. Não será a inexistencia de
partidos , nem as falhas ainda vultuosas do nosso
apparelhainento economico .
O nosso mal é o que se poderá chamar a
indistincção moral , isto é , uma especie de dalto
nismo de 'linhas, de imagens, que vae além das
côres nesse mundo proprio da consciencia .
Somos um povo que não sabe distinguir
moralmente , ou que só o sabe tanto quanto im
põe irresistivelmente para que possa viver, mas
viver uma especie de vida vegetativa , nesse do
minio em que a vida deve e tem que ser cons ,
ciente .
É conhecida a explicação : « Tudo isto deve
mos á nossa educação ou á nossa falta de edu
cação ».
A COLUMNA DE Fogo 217

Mas , senhores, o que ha a responder pri


meiramente já o disse uma vez é porque ,
povo christão, a educação resultou assiin entre
nós, e ainda inais difficil de conceber é a falta
de educação ein um povo creado no seio da
Igreja Catholica , quando desta , sen em nada
a diminuir, mas sem esgotar-lhe o conceito, se
pode dizer que é o mais perfeito systerna de
educação que se conhece.
Não , meus senhores, não serei eu quem
vá agora exaininar de perto este problema, este
terrivel problema das origens do nosso mal..
Elle existe , eis tudo , eis o que nos interessa ,
neste nomento . Existe, e é preciso combatel-o
sein desfallecimento. Este , o ponto de vista
em que me colloco, o ponto de vista que deve
ser, supponho, o de todos los verdadeiros catho
licos, que não se sintain, pelo menos, mais for
tes do que eu .
É , pois, com o coração a transbordar de
ternura digo -vos, meus amigos, sem nada exag
gerar que aqui ine vedes, e não só para di
zer -VOS «sêde fortes » , mas tambem para sau
dar nesta Casa, una augusta, uma nobre renas
cença da nacionalidade, que outra cousa não
pode ser chamada a audacia dos mestres que
vos induzirain a principiar pelo principio a ini
ciar obra systematica na grande cruzada da ree
ducação do nosso caracter pela reeducação da
nossa intelligencia.
218 A COLUMNA DE Fogo

Sim ! É necessario crer que já estamos no


inicio desta campanha redemptora, e nenhum
dado é mais proprio a dar positividade a esta
crença do que o facto de , ein meio das manifes
tações mais formidaveis da vida moderna no
Brasil , ' levantar-se este templo á Philosophia,
e saber -se que , ao seu culto, não tem faltado fieis ,
se ainda em pequeno numero , dignos de nota
pelo esforço, pela dedicação aos deveres pres
criptos.
De facto, é principiar pelo principio, o que
quer dizer , principiar acertando, dar tão subida
mostra de fé nos recursos naturaes do espirito
humano. « Só uma boa e solida metaphysica
dizia Sanseverino póde preservar as classes
letradas e dirigentes do virus revolucionario
e liberal », e não ha paiz mais preciso desta li
ção do que o nosso .
Ademais , se o que desejamos é perseverar
em nossa fé , é sermos integral , conscientemente
catholicos, o que não deveremos esquecer nun
ca é o valor de una boa theoria da intelligencia
para seguir -se o que Maritain chaina «o seu
movimento concreto para o acto de fé sobrena
tural, movimento em que já intervem a attrac
ção da graça e em que as disposições de von
tade têm papel essencial». «Não ha theologia na
tural fóra da metaphysica geral » – é a affir
mação de outra grande consciencia catholica dos
11OSSOS
A COLUMNA DE FOGO 219

Tambem sei , meus senhores, que ainda ,


para a maioria dos pensadores, não está fe
chado o treinendo debate sobre o valor da phi
losophia na vida dos povos.
Já Aristoteles notara que ella só floresce
onde o ben estar já se firmou ; ninguem ignora
a desencantada passagen de Cicero sobre Pla
tão , e não faltaria ao frivolo philosophismo dos
nossos dias, o gosto da attitude displicente coin
que um Renan insinuaria que ella «é um facto
quasi despercebido na historia da hunanidade ».
Outros foram além , e não poucos os catho
liocs que formaram entre os que a condemnavam
totalinente como força dissolvente e immoral,
Ocino inutil passateinpo de espiritos orgulhosos
cu CO2 systematica revolta contra Deus e a
Religião.
A verdade, senhores, é que nós, catholicos,
já não temos mais o direito de tomar parte
neste debate . So nos aquelles para quem um mes
tre supremo já assignalou a differença entre « phi
losophia e philosophismo» ... É a propria pala
vra do Suinmo Pontifice que , desde 1879, nos
véda esta facil attitude de negadores de um
patrizionio de saber, que representa milenios
do esforço humano e é o testemunho mesmo
do valor da nossa razão em face do mundo.
Aquella Encyclica , que foi chamada « liber
tadora , não podemos nós , filhos da Igreja , op
pôr a teimosia da nossa curteza ou a leviandade
220 A COLUMNA DE FOGO

das nossas apressadas conclusões, só porque se


nos depara , complexissima, a trama de mysterio
que ainda e sempre envolverá o sentido intimo
da existencia .
Affirmou o Summo Pontifice aquelle
que abriu , por assim dizer, a éra ' contempo
ranea, como Pio IX , com affirmações semelhan
tes , fechara a moderna affirmou , não só a
legitimidade do methodo, dos principios, das
provas da philosophia, como o accordo que ha
entre ella e a fé -- de onde, a existencia de
uma philosophia catholica, verdadeira philoso
phia , porque, guardando a sua autonomia no
dominio das verdades que lhe são proprias, har
monisa -se com os dados essenciaes do Christia
nismo.
Voltou , pois, a honrar-se aquella palavra
de Origenes de que «a philosophia é o pre
facio do Christianis.no >, e mais do que nunca
somos livres, nós, catholicos, unicos no inundo
oontemporaneo , não de imitar theosopho's e tra
palhões de todos os matizes, mas de venerar
mos no pensamento pagão a belleza dos seus
emprehendimentos, a magnificencia dos seus es
forços em prol da verdade .
Dizia Etienne Lainy que a maior miseria
do homem não é a pobreza , a molestia ou a
morte e, sim , a desgraça de ignorar porque
nasce, soffre e desapparece ... Não é talvez
assim . Será esta a miseria de uns tantos homens.
A COLUMNA DE Fogo 221

A questão é saber o que estes tantos homens


representam na vida do commum dos homens .
Não fôra improprio aqui , e relembraria a these
literaria de Thomas Man em « Tonio Krogger »,
que, nem por ser simplesmente literaria revela
menos profundamente um dos mais dolorosos
aspectos da vida humana . O que impõe o pro
prio bon senso é que « não se pode viver razoa
velmente , isto é, humanamente, senão em vir
tude de uma philosophia explicita ou implicita »
e que , de facto, se a grande maioria dos ho
mens vive mal, numa dada sociedade, é porque
reflecte, a seu modo, 'a má philosophia que os
seus dirigentes , explicita ou implicitamente tra
duzen em acção . Se as massas exageram sempre ,
observa Lhar, é porque as idéas são mais que
um simples reflexo : « ellas são verdadeiras for
ças que tenden a se realisarem , a traduzirem - se
ein actos» .
Estas poucas reflexões nos dispensam , jul
go eu , de reproduzir o elogio de S. Thomaz aos
serviços que ten prestado a philosophia , á scien
cia sagrada, á Religião, portanto , o que suben
tende ac honem na sua dupla vida individual e
collectiva
O que é preciso é terinos nós, catholicos
brasileiros, nós que já deixamos que se enthro
nizasse en nossa vida publica a falsificação, a
deturpação mais grotesca e aggressiva de um
systerna philosophico - em si mesmo falho e
222 A COLUMNA DE Fogo

não raro ridiculo o que é preciso é que nós,


cathclicos brasileiros, tenha nos plena e segura
oonsciencia de que, só por serinos taes , somos
os unicos detentores da verdadeira philosophia ,
dessa « perennis philosophia » que, justamente par
não ser una successão ou uma evolução de sys
tenas, justamente pela sua « immutabilidade es
sencial » é a unica que não só quantitativa 'mas
qualitativamente pode progredir. « A intensidade
é o equivalente da quantidade no doninio da
qualidade», e é do aprofundar dos mesmos prin
cipios que resultará a visão mais clara, cada
vez mais clara, daquella Suprema Verdade de
que elles nada mais são que leis impostas á
nossa intelligencia .
E para que o ho.nem se convença de que
são leis esses principios, basta reflectir que elle
não conheceu prinitivamente porque quizesse
conhecer, e que jamais lhe será possivel, por
inaior que seja a sua degradação, alheiar -se
á idéa de un sentido geral á sua propria vida ,
isto é , ao conjunto das suas experiencias em re
lação com o facto fundamental de sentir-se viver .
Não ha , pois, fugir a philosophar, quando mais
não seja a praticar uina philosophia , por mais
rudimentar que ella se apresente - ou segundo
a definição de S. Thomaz, como um sentido de
perfeição a todos os nossos conhecimentos, ou
como um mais ou menos claro conhecimento
da identidade do que conhece inantida através
A COLUMNA DE Fogo 223

a successão internina das coisas e das posições


que occupamos em relação a ellas .
Não ha negar , por conseguinte, que princi
piar, como principiastes, na obra de reeducação
nacional que o é , qualquer inanifestação de
fé nas qualidades superiores da nossa intelli
gencia principiar pela educação, em vós mes
mos , deste sentido de perfectibilidade ou dessa
faculdade, que assegura a existencia do caracter,
do que se poderia chanar a nossa forma espi
ritual , é principiar be:n e impellir outros a que
com acerto mettam hombros á mesma obra.
Senhores : não se conhece na historia do
mundo obra de vulto, verdadeiramente duradoi
ra , que não tivesse inicio humilde e , á primei
ra vista, mais para inspirar desalento. que es
perança . Jesus Christo mesmo , ou não quiz fugir
a esta lei ou , com o seu exemplo , na funda
ção da Igreja eterna , quiz deixar-nos o typo das
realisações que viser mais o futuro que o mo
mento que passa, a hora fugitiva.
Não vos esinoreça , pois, a vós , mestres desta
Casa , nen a vós que ides deixal- a, se ao tem
po aqui empregado se vos afigura fragil , apou
cada cu mesquinha a correspondente influencia
na agitação de idéas , que parece eleger em nossa
Patria a patria da anarchia espiritual, transforma
da como está em Amazonia do mundo moral, em
Chanaan de todas as perversões do Universo . Do
ponto de vista philosophico , o Brasil era ha trinta
224 A COLUMNA DE Fogo

annos uma sepultura do bom senso , e um ridiculo


na face da terra . Que de mais humilde , de mais
desamparado que o esforço de Farias Brito no
inicio da sua lucta contra a positivismo, que tudo
dominava em nossa patria , que nella se identifica
ra com o Poder Publico e trazia a propria Igreja
sob as mais rudes ameaças ? Entretanto, já, hoje
em dia, é claro como o sol, que , não só jaz
por terra o pretencioso monstrengo , mas que,
da obra de Farias Brito em nosso paiz , se póde
dizer o mesmo que disse o abbade George Mi
chelet da de Cousin , quanto ao renascimento da
verdadeira philosophia en sua patria .
É as suas incertezas, é ao seu doloroso, tac
tear , que nós devemos a subida vantagem de
não parecermos mais ridiculos, a esta hora , quan
do pugnamos pela integral verdade christã, e o
certo é que, até hontem , pareceria infantil aos nos
sos aymorés scientificistas que um homem tentas
se alliar a un saber positivo e systematico o que
elles chainavam as superstições do Catholicis
mo . Não esqueçamos jamais pois lembranças
desta ordem dão coragem não esqueçamos
que Tobias Barreto concedeu menos de meia
seculo para que estivesse completamente varri
da do Brasil a influencia da Igreja ... E , no
entanto , se elle vivesse hoje, + e fosse um homem
de boa fé , como supponho que foi, teria que
confessar que no meio da desordem geral , ainda
é a Igreja a unica força que representa em
A COLUMNA DE Fooo 225

nossa patria algo de realinente grande e bello,


a unica força que não é simplesmente a forga
bruta .
Meus amigos: ao receber o vosso convite ,
e no enthusiasino da primeira hora , se deu
ocynmigo o que sempre se dá quando attento nas
cbras do Bein : m
' ais uma vez me deixei empol,
gar pela indignação contra os inales de que é
victima o nosso paiz, males que não são obra
exclusiva de malfeitores publicos , de doutrinarios
infaines, mas tambem nossa, de nós , catholicos
brasileiros, que nos temos feito notaveis na his
toria da covardia hunana sobre o planeta . Ima
ginei , então, o quadro a traçar -vos, de todas
aquellas miserias, e de todos esses erros nos
sos, miserias e erros que vão , irmanadamente,
tornando tão incertos os nossos destinos .

Imaginei a peroração que, por sel - o, não


seria menos sincera .
Ella teria que traduzir c clarnor que se
levanta do fundo da minha consciencia contra
as vergonhosas capitulações da razão catholica,
contra os falseamentos do sentir catholico, em
face dos mesquinhos sectarismos , dos doutrina
rismos anemicos, grotescos, inhumanos, que só,
absolutamente só porque nos acovardamos, dão
a impressão de dominar o paiz, como um ruido
de maré podre , agoirento e sinistro .
Esta foi a minha primeira idéa . Julgo que
reflecti melhor, julgo que vos faço o unico bem
15
226 A COLUMNA DE FOGO.

que vos posso fazer, não trazendo para aqui esta


analyse, verdadeira, sim , mas de todo impropria
de um momento como este , em que justamente
celebramos uma victoria contra esses males, pois
deve ser considerada assim esta vossa victoria
contra a tyrannia da meia sciencia. Porque, não
nos illudamos, é essa meia sciencia, é ella, incon
testavelmente , a geradora dessa luz crepuscular
em que, em nosso mundo moral , vai perdendo -se
o nosso caracter com perder a noção do limite
das cousas, a noção da differença que ha entre
ellas , como se estivessemos , de degradação em
degradação, voltando á indistincção primitiva ,
de antes da primeira caracterisação da vida cons
ciente .
Devo pelo contrario , saudar en vós , meus
amigos, a esperança de dias melhores , porque ,
por maior que seja o meu pessimismo, basta -me
pensar no que representa esta casa , para con
vencer m
- e de que já o dia presente é um desses
dias melhores em relação a dias proximos pas
sados, a um passado de hontem.
Seja m
- e licito, pois, sem nem de leve roçar
no convencional optimismo das festas deste ge
nero , saudar os vossos inestres que são, por um
acto de fé, os vencedores de um passado dif
ficil de vencer, e a vós, herdeiros que sois des
te sentido da victoria , os herdeiros desta silencio
sa audacia da verdadeira cultura contra o salti
banquismo literario, a sciencia de feira, , a hege
A COLUMNA DE Fogo 227

monia da frivolidade que deshonra, que ainda


deshonra o meio intellectual brasileiro.
Já demonstrastes, meus amigos, que sois
capazes de esforço continuado e humilde. Nada
mais me resta a aconselhar- vos senão a per
sistir na mesma constancia , com a mesma hu
mildade , visando os mesmos fins . Sêde fortes !
Não ha duvidar : nesta hora en que o Brasil se
define como nação, o vosso esforço será se
mente de grandes beneficios moraes !
Levae a todos os doininios de vossa acti
vidade a força das convicções com que sahi
reis daqui. Ficai certos que a vossa influencia
na formação intellectual das futuras gerações
brasileiras será ben maior do que á primeira
vista poderá parecer , dado o vosso pequeno
numero , e a multidão que diante die vós re
presenta o partido da indistincção , da indisci
plina, do mistiforio e da leviandade . Reforça
vos a acção intellectual o acto de fé . Sêde for
tes ! Persisti , tal qual se me apresentais a esta
hora, e sereis dignos do orgulhosanto , dia
unico que não envenena, que não deshonra a
coração do hoinem : o orgulho de ter feito algum
bem aos seus semelhantes, isto é , de ter amado
e adorada a verdade e, em nome de Deus, cha
mado outros homens ao mesmo amor e á mesma
fé.
A NEGRADA DOS QUARTEIS E A

PALAVRA DE JOSÉ DE MAISTRE

Num dos ultimos conciliabulos dos mashor


queiros desta Capital , sabemos que um delles,
entre outras expressões de falsa coragem , em
pregava esta que ben reflecte as reservas cultu
raes da sua intelligencia : que «era preciso saber
arrastar a negrada dos quarteis » ...
Eis ahi um admiravel schema da mentali
dade dos individuos que, ha tres annos, tentain
subverter a ordem constitucional, derribar o go
verno , assenhorear-se do poder e ter a seu man
do as forças armadas da nação !!
Guiada a revolta , nas suas escuras origens ,
pelos mesmos chefetes – mixtos de sargentões e
demamogos de aldeia que nem mesmo a
acanalhada politica republicana ousara tirar dá
obscuridade guiada a revolta entre militares
por esses elementos que, desde a proclamação da
Republica, nunca perderam vasa de se recommen
230 A COLUMNA DE Fogo

dar pela violencia á attenção dos politicos mais


deshonestos do paiz, é claro que só mesmo á
oonsciencia ou a semi -consciencia de retardados
mentaes poderia ella impor -se como necessidade
patriotica. Para esses pobres diabos – eis a ex
plicação da tragica e ridicula attitude de todos
elles para esses pobres diabos, a Exercito
Nacional, as forças arinadas do Brasil dos nos
sos dias , continuan a ' ser « a negrada » que trinta
annos atrás os seus chefes « arrastavam » sem mais
nem menos ás espectaculosidades das «procis
sões » regeneradoras ou aos fiascos genero Lauro
Sodré ... Mas , como se enganaram , santo Deus!
Os « bonecos de cheiro » , por mais que usem e
abusem , hoje em dia , do « patuá» positivoidico ,
nada mais conseguem que'o sacrificio de tres ou
quatro anemicos mentaes e, sobre o paiz, a
projecção dessa enorme sombra de ridiculo, ain
da mais accentuada pelos listrões, dramaticos
das sangueiras inglorias e inuteis .
Não , não se pode negar que, apesar de
tudo ; apesar de uma Constituição feita como,
que unicamente para amparar o estrangeiro e
favorecer mashorqueiros e anarchistas de todos
os matizes ; apesar da deseducação systematica,
por assim dizer, de que temos sido victimas ;
bastaram aiguns annos de paz para que reagis
sem o nosso natural bom senso , o fundo chris
tão do nosso caracter, e, sobre os frageis suppor
tes do nosso romantico constitucionalismo, con
A COLUMNA DE FOGO 231

seguissemos firmar uma noção mais positiva de


ordem , de disciplina, de patriotismo, emfim , no
ção esta que é já agora , por sua vez, um com
revestimento , uma couraça ..
A prova real desta melhor caracterisação
não só da consciencia como do que se pudera
chamar a sensibilidade nacional, está mesmo
na crise que atravessamos. Nunca , em nossa
vida politica , foi mais activa a funesta influen
cia de um capitalismo estrangeiro, seja elle qual
fôr, mas, clara, visivel nos seus effeitos sobre a
nossa desordem sentimental ... Nunca, a mas
horca allidiou maior numero de adeptos nos
nossos grandes centros urbanos, no dominio

mesmo do «metequismo» enriquecido pela guerra


e , sobretudo, pelas facilidades do nosso pernos
ticismo liberal .
Nunca foram mais odientos , furiosos , histe
ricos, mentirosos e audaciosos os elementos po
liticos e militares que empenharam alma e cor
po contra a estabilidade, a honra, a cultura
do paiz ... E, no entanto , nunca o paiz foi mais
calmo na reacção contra a anarchia, e nunca o
elevaram mais , mais o honraram , mais o digni
ficaram , mais lhe confirmaram os titulos de po
liciado e culto , a energia, a serenidade dos seus
politicos, a energia, a disciplina, a cohesão das
suas forças militares .
Verdade clarissima é que a «negrada dos
quarteis » já não existe mais . Surgiram generale
232 A COLUMNA DE Fogo

tes de todos os desvãos do esqueciinento na


cional, ao lado de galhardos e vistosos malan
drins da nossa «pègre » politica ... Surgiram de
pois tenentes e capitães de mistura com os gam
bás e gabirús do nosso urbanismo de feira ...
Clamaram , supplicaram , intrigaram , espernea
ram ... Foi tudo em vão. A cohesão politica ain
da foi maior em derredor dos dois homens que,
um logo após o outro , encarnaram a reacção
contra a desorden . E nos quarteis ? Máo grado
as fatalidades da propria vida militar, a verdade
é que a maioria absoluta das forças de terra e
mar se conservou fiel á disciplina, fiel á fé
jurada, e manteve, em toda a extensão do terri
torio nacional, o prestigio da lei e da autori
dade.
Se, de um lado, vemos um hornem como
Rondon , alvo das insinuações mais venenosas,
cumprir fria e determinadamente as mais rudes
obrigações de um chefe militar, por OU
tro lado, é já no fim do que a lucta parecia ter
de mais sério, de mais triste, de mais doloroso,
que ainda mais robusta e imperiosa se levanta a
vloz do chefe do Estado para dizer clara e po
sitivamente que , se o periodo de maior tristeza,
se a hora mais dolorosa, já passou , não assimo
momento mais sério da lucta, não assim o mo
mento mais grave .
A mensagem do Sr. Arthur Bernardes tem ,
antes do mais, esta altissima significação : pela
A COLUMNA DE Fogo 233

primeira vez em nossa vida , ao homem que não


teme o combate, ao homem que, pelo contrario,
vai buscar o seu inimigo onde elle está , junta
se, no chefe do Estado brasileiro, un espirito
doutrinario, um espirito de reacção naturalmen
de systematico , ordenado , methodico , apesar de
se manter, por educação e mesmo por dever , nos
limites do nosso empirismo democratico e re
publicano, empirismo este que tende fatalmen
te a desapparecer da face da terra , pois é de
aguda transição a phase en que estamos.
O Sr. Arthur Bernardes é o primeiro chefe
de Estado que ousa expor ao paiz, que confiou
na sua experiencia , a verdade núa e crúa, rela
tiva aos perigos que lhe vein creando a vermina
liberal .
O que o presidente da Republica suppõe
crear a necessidade de una reforma da Consti
tuição e , a meu ver, 'nada mais pede que um sim
ples acto addicional , e mais patriotismo, e mais
seriedade na hermeneutica do Poder a quem foi
confiado especialmente o interpretal-a pois a
verdade é que a verdadeira Constituição de
un povo está na adaptação que saiba fazer de
principios geraes de direito ás suas necessi
dades mais positivas o que o Presidente mais
seguramente apprehendeu da nossa actual inde
cisão, do nosso presente mal estar, foi justamen
te a somma de « inhumanidade , de idealismo
perigoso, anti -nacional , anti- patriotico , que se
234 A COLUMNA DE Fogo

introduziu na trama da nossa organisação po


litica , por força mesmo do enthusiasmo, que
elle chamou generoso, mas, que eu direi simples
mente imbecil , dos que fizeram com que o paiz
pagasse caro a incrivel , a ainda maior imbecili
dade daquelles a quem estava entregue a guar
da da Monarchia . O Sr. Arthur Bernardes não
vacilla na confissão da verdade, tein a coragem ,
rarissina no mundo , de não procurar agradar
áquelles mesmos a quem quer salvar da desmo
ralisação e da morte.
Elle sabe , por exemplo, o que é a impren
sa chamada livre deste grande centro commer
cial , em que o capital sem patria tem os seus
mais graduados caixeiros e , estes, os seus ser
ventes de penna e lapis . Elle sabe que fala , prin
cipalmente, para este meio corrupto e corruptor,
em que, graças a uma propaganda de trinta
annos, de tal modo já se confundem autoridade
e suborno , governo e favoritismo, que é quasi
abjecção servil -o para a consciencia de um vulgo
cornpletamente envenenado , systematicamente en
venenado , instigado nas suas mais baixas pai
xões , impellido todos os dias ao desregramen
to , ao desafogo dos mais perigosos instinctos.
E nem por isto o luctador verdadeiramente admi
ravel tangencia o seu dever ou o evita no que
elle tem de apparentemente malis odioso . Vai
até o fim deste caminho mais curto , porém mais
difficil , entre o que pede a verdade dos factos e
A COLUMNA DE Fogo 235

o que delle espera a consciencia do Brasil . Não


se lhe enubla a adamantina vontade de bem
şervir o paiz, ao verificar que dada a situação
de anarchia para onde narchamos , é preciso
lançar mão até mesmo da pena de morte , dos
methodos mais rudes de repressão á violencia
e ao crine, contanto que nos salvemos , que sal
vemos o Brasil da ruina moral e material que o
ameaça .
Porque duvido que um homem de boa fé
possa negar a evidencia da verificação indicada
pelo Presidente quanto á inferioridade de meios
de odinbate e de acção entre os que, nas nossas
luctas civis, «se mantem dentro da orbita, estricta
mente legal e os que a ataca'm e tudo empre
gam para anniquilal -a .
Orai o que é infarne não é valer -se da lei ,
seja ella a mais cruel , para reprimir e muitas
vezes evitar o crime . O que é infame é blaso
nar de hunanitario , de liberal , de ultra-demo
cratico e fazer no entanto , o que têm sido, for
çados a fazer quasi todos os governos do Bra
sil, ncitabilisando -se, entre os mais , aquelle que ,
após a amnistia mais infame que uma nação or
ganisada já concedeu , destruiu do modo mais
vil e mais covarde os pobres infelizes que ha
viam ocnfiado na sua magna'nimidade .
E vem depois, diante de taes e tão eviden
tes verdades, um grupo de «metecos », , como esse
do «O Jornal » , a tremelicar sobre as varetas
236 A COLUMNA DE FOGO

do mais sabujo sentimentalismo anti-nacional,


a lacrimejar umas maguas de crocodilos roman
ticos, a gargantear umas areas funebres de ven
triloquismo judaico , para , ao fim de todos estes
ridiculos e absurdos, comparar a linguagem do
Sr. Arthur Bernardes á linguagern de Joseph
de Maistre !!
Grandissiinos sandeus !
Mas o que me admira é que nesse jornal
ha, pelo menos, dois homens de quem tenho o
direito de esperar que saibam alguma cousa do
que representam , em face do desequilibrio occi
dental, as doutrinas sociaes e politicas do gran
de iniciador da Contra Revolução. De um desses
homens assim falo , porque lhe conheço de per
to a forte envergadura cultural, mais de uma
vez ainda ultimamente demonstrada nas suas
liberalissimas analyses da politica internacional.
Do outro , com maiores responsabilidades na
quella casa , ao que me parece , o que me intriga
é saber como nella se mantem quem já subscre
veu o que se poderia chamar um verdadeiro ma
nifesto de « camelot du roi» , com todas as crue
zas do mais vivo despreso pelo canalhismo re
publicano e democratico em que estamos chafur
dadios.
E então ? Onde a logica, a sinceridade de
tudo isso ? A um não posso perdoar o deixar
que se transforme em termo de comparação pe
jorativo o doutrinario genial, que só mesmo
A COLUMNA DE Fogo 237

pedantes semi-letrados serão capazes de con


fundir ainda, como politico , com o apologista
do carrasco e da guerra, ideado pela degene
rescencia revolucionaria. Ao outrosi é só per
guntar onde a sua consciencia de reaccionaria
ante investidas taes da imbecilidade , do per
nosticismo do primario industrioso que ali canta
de gallo .
Mas , afinal , que querem esses sanfonistas
da nossa feira urbana ?
Já declararam mil vezes que não queremo
militarismo , o caudilhismo, a desordem , a per
turbação dos seus negocios. Mas então coma
evitar tudo isto ? Será con a pedagogia, a lin
guagem dos anarchistas , dos desordeiros ? Ou
bastará a salgalhada de opiniões, a sarrabu
lhada de idéas e semi-idéas que transformou o
«O Jornal » ein parede de annuncios ?
E porque mentir, sophismar tão affronto
samente tudo que lhes cáe sob os olhos ?
O presidente da Republica , que dez vezes
affirma a sua fé , o seu optimismo com relação
ao natural bom senso do nosso povo, e muitas
cutras exprime a sua admiração á resistencia op
posta pelas classes dirigentes e pelas classes ini
litares a tantos elementos de perturbação e
de desordern , tem a coragem de , defendendo a
nação , mostrar que ella é victima do seu proprio
idealismo , idealismo tão inhumano e irrealisa
vel que só creou , até hoje, uina lei feita expressa
238 A COLUMNA DE FOGO

mente para ser desrespeitada não só pela má


fé dos homens, mas pelos proprios imperativos
moraes de qualquer agrupamento politico е о
mais que deficiente apparelhamento educativo,
que ahi está a forjar -nos multidões de alpha
betisados, bem mais desorientados e incapazes
moralmente que o nosso mais rude homem do po
vo , herdeiro de habitos christãos, por mais pri
mitivos e grosseiros.
Pois bem : «O Jornal» tem a coragem de
se fazer defensor da nossa anarchia pedagogica,
de tal modo lhe escapam os symptomas que ahi
estão, aos olhos de todo o inundo, de que se
vae generalisando , entre as nossas classes letra
das e semi-leiradas, por conseguinte, naquellas
que realinente guiam e orientam , a mais repu
gnante indisciplina moral.
Emfim , o Sr. Arthur Bernardes não esque
ceu , esta vez, de mostrar a origem suspeita de
tanta generosidade , de tanto pudor liberal nos
nossos grandes centros urbanos .
Saibam os brasileiros ainda não garrotados
pelo mal revolucionario, que o dinheiro não tem
patria, que ao dinheiro repugnam as organi
sações politicas sãs e bem caracterisadas, que o
dinheiro detesta, portanto, todos os governos for
tes e patrioticos . É elle, é sobretudo elle , que
directa e indirectamente escravisa pennas, or
ganisa empresas jornalisticas, e ataca hypocrita
mas impiedosamente toda a força que se levanta
A COLUMNA DE Fogo 239

contra o imperialismo industrial de uma pluto


cracia judaica de origem ou por espirito de ab
soluta conforinidade com aquella .
Deus ha de permittir, porém , que o Brasil
ouça mais vivamente a voz dos que se sacrificam ,
como o actual Presidente , na lucta contra taes ele
mentos de dissolução e de morte.
O Sr. Arthur Bernardes ainda poderia res
porrder aos sophistas que o atacam , que foi , jus
tamente na phase mais liberal da sua vida , que
um grande homem de bem , um grande patriota ,
chegou á conclusão de que « o fim ultimo dos
governos é a resistencia » ...
E é continuar a resistir, assim , impavida
mente, não só aos que ainda esperam a resurrei
ção da «negrada dos quarteis , como aos que
sorrateira e hypocritamente tentam implantar
neste paiz, sobre as ruinas da ordein propria
mente nacional, as bandeiras do météquismo>>
triumphante.
O governo do Sr. Epitacio Pessoa foi, real
mente, a confirmação , entre nós , da these de
Maurras em « Kiel et Tanger» : nos paizes repu
democratisados, se surge um go
blicanisados,
verno que, á honestidade, reune a energia e a
coragem , é fatal, por assim dizer, a violentissi
ma agitação de todas as forças maleficas e per
niciosas, ameaçadas pela actividade governamen
tal .
240 A COLUMNA DE Fogo

O governo do Sr. Arthur Bernardes tem


que ser, sobretudo, o governo de transição, que
as circunstancias actuaes lhe estão inpondo que
seja . Governo de transição para a nossa completa
ruina, ou para a nossa perfeita definição como
patria organisada em Estado, o que quer di
zer, oom governo proprio , forte , capaz verdadei
ramente de orientar e guiar o povo, que aqui ,
como em toda a parte, precisa de ser orientado
e guiado . Tein que ser, pois , o que de mais perto
fere a mentalidade dos inimigos internos da
nação : um governo doutrinario , de doutrinarismo
reaccionario contra os erros que, provadamente,
nos têm infelicitado ou impedido de marchar
livre e seguramente a essa .perfeita definição
de nós mesmos .

6.5 . 25 .
RESPOSTA A PLINIO BARRETO

Entre as muitas profissões de fé liberal pro


vocadas pela rude, mas sā; sanissima franqueza
do Sr. presidente da Republica, com relação
a todo o mal que nos tem feito o idealismo de
baixa extracção da nossa Magna Carta , uma,
pelo menos, merece respeitoso commentario . É
a do Sr. Plinio Barreto, un dos raros espiritos
dignos de attenção, entre a turba inulta dos
nossos juristas. Porque seu artigo é, sómente,
mais uma prova da terrivel devastação que, nos
limites da nossa consciencia collectiva, tem feito
e vai fazendo o incendio de chammas baixas, de
chammas rasteiras, mas bern alimentadas, do
funesto sentimentalismo que, tudo leva a crer ,
ameaça de morte a nacionalidade brasileira . Elle
tudo traduzirá, menos o « bom ' senso » , que lhe
notou « O Jornal» , na sua ansia de descobrir in
sensatez em tudo quanto lhe contraria o plano
16
242 A COLUMNA DE Fogo

météquisante e anti -nacional. Bom senso não


é o senso vulgar, quasi seinpre condicionado ás
mais baixas instinctividades da multidão', aos
mais ridiculos ou perigosos preconceitos do meio
em que se vive . O bom senso , não raro , está
con quem contra tudo isto se levanta, e he
róes, verdadeiramente dignos deste nome , só
a foram aquelles homens de bom senso que
não julgarain o sacrificio privilegio de insensa
tos e paranoicos .
A defesa do artigo do Sr. Plinio Barreto
está no facto , verificavel en todo o mundo
civilisado, de que não ha consciencia que , des
protegida da invencivel systematisação catholi
ca , resista á pressão da onda anarchica, desasso
ciadora, dissolvente, do individualismo philoso
phico . Ainda são as melhores destas conscien
cias, as mais bellas destas almas, aquellas a que
resta a graça de un instavel, artificialissimo equi
librio na areia movediça das suas desoladas co
gitações ... Esse equilibrio é o de orden senti
mental , que os integra, de certa forma , no con
junto de forças christãs, forças que ainda as
mais distanciadas do seu centro de gravitação,
que é a Igreja , conservam delle algo da essen,
cia unificadora, e são una grande riqueza espiri
tual . O Sr. Plinio Barreto é ,una dessas bôas
consciencias , servida por dons naturaes rarissi
mios. Mas , só o sentimentalismo o liga de facto
ao systema de forças christãs . Dahi, a grande
A COLUMNA DE Fogo 243

fragilidade da sua construcção ideologica no


dominio social e politico. Não é possivel, de
facto, construir -se seja o que for, nesse terreno ,
sem a base de uma metaphysica bem clara e
beindefinida; mais do que isto : sem se ter
resolvido, por assim dizer, a questão theologica
que não só Donoso Cortês, mas um homem
como Proudhon era forçado a reconhecer que
se encontrava sob qualquer das mais positivas
questões de ordem politica .
No mundo occidental, especialmente, nin
guem póde alheiar-se ao dado christão, ao facto
da Igreja viva , visivel e militante. Mas , por
isto mesmo, um espirito recto , uma consciencia
esclarecida, um homem de bom senso , jámais
confundira Christianismo com a aranhol de
sandices, de logares communs , e principalmente,
de astuciosas explorações sentimentaes de po
litiqueiros do genero Calogeras ... A estes não
envergonha treslerem eternamente o Sermão da
Montanha, e sabe - lhes bem o esquecerem aquel
las suas memoraveis palavras : «Guardai-vos dos
falsos prophetas , que vêm a vós com vestidos
de ovelhas , mas por dentro são lobos roubado
res» .
O Sr. Plinio Barreto é outra especie de
gente. É um homem realmente intelligente e
culto. O que lhe falta é realmente saber o que
quer no intrincado labyrintho que lhe é forçoso
palmilhar ... Não que lhe não venha á mente a
244 A COLUMNA DE Fogo

expressão grammatical de uns tantos anseios de


ordein , sempre presentes em todo coração bem
formado, tão certa é a velha e eterna palavra
de Tertuliano, de que a alina humana é natu
ralmente christã . O que lhe falta é a coragem
de aprofundar o fundamento logico daquella ex
pressão , para , logicainente , conhecer das suas
consequencias moraes . E é claro que , neste iso
chronisino entre a necessidade de ordem e os ha
bitos de un temperado fatalismo revolucionario,
a sua palavra ha de perder -se sempre em deva
neios sentimentaes que, pelo menos , lhe aca
riciam as boas tendencias do coração . É isto mes
mo , porém , o que lhe perturba de modo abso
luto a visão do mundo politico, que requer posi
tividade, clareza , mais do que amor, paixão do
facto , o que não é possivel realisar -se sem um
criterio philosophico de anternão estabelecido.
O politico propriamente pode ser um puro in
tuitivo, acertar por instincto . O homem , porém ,
que se arvora en critico da actividade politica,
tem a obrigação de saber claramente o que quer,
e nunca sónente em relação a cada facto isolado,
mas , em relação a toda actividade humana.
Abroquelado a um systema , seja elle qual fôr,
a sua acção intellectual, quando não seja be
nefica , será , pelo menos, de pouca temibilidade .
Mas, a mais bem intencionado dos homens, se,
longe da pratica politica, nada unais ousa lan
çar sobre esse dominio que os incertos reflexo's
A COLUMNA DE Fogo 245

da sua einotividade, este , se constitue em ver


dadeiro elemento de dissolução e de anarchia .
O caso actual do Sr. Plinio Barreto , dadas
as suas responsabilidades en nosso meio intellec
tual, é um testemunho a mais do que tantas
vezes tenho affirinado. O illustre publicista não
escreve uma palavra em que não se retrate a
sua espontanea einotividade em face da reali
dade brutal e aggressiva, que é força verifi
car -se creada no Brasil pela forma mesmo do
liberalismo das nossas leis . Não apresenta um
só argumento valido contra as verdades expos
tas pelo chefe do Estado . Coinmove -se, pura e
simplesmente , ante a rude, a grosseira physiono
mia dos factos, e escreve á margem o psalmo
lastimoso do que deveria ser.
Para o Sr. Plinio Barreto, a pena de mor
te, por exemplo , em nada modificaria a nossa
situação, porque, a sey ver , são « idealistas » todos
os que fazein revolução em nosso paiz affir
mação esta que está muito longe de ser verdadei
ra , o que é evidente e para taes idealistas ,
« perder a vida no patibulo ou no campo de
batalha » diz o Sr. Plinio «é a mesma cou
sa » . Não é tal . Em primeiro logar, fôra sempre
mais uma ameaça a pairar sobre a cabeça dos
que soubessem escapar aos riscos dos campos
de batalha ... Depois disto, nen todas as revol
tas , que nos têin 'feito mal, que nos lêm desmo
ralisado , se têm concretisado em campos de ba
246 À COLUMNA DE Fooo

tabha , e a que se affirma é que , nos paizes em


que as leis são fracas e sophismaveis no gráo
em que são, as nossas , se dá sempre o faction
curioso de abundarein os idealistas amigos dos
meios violentos e ser diminuto o numero dos
idealistas de actividade pacifica e ardeira ...
A um jurista como o sr . Plinio Barreto de
deria repugnar muito mais o assassinio illegal,
o assassinio puro e simples, do que o assassinio
legal , que tanto o atemorisa. Ora, ignorará o
illustre publicista que a nossa historia, a nossa
liberalissima historia, é um tecido vergonhoso

de assassinios illegaes, feitos á sombra da ter


rivel lei da necessidade ? Precisará que eu lhe
relembre factos ?
Mais conforme com a sua cultura juridica
fôra , penso eu , qualquer duvida emittida pelo
Sr. Plinio sobre a viabilidade, a possibilidade da
applicação de una tal lei a fum meio já chegado,
na suas classes dirigentes, a uma tão grave
depressão moral, a um tal scepticismo, a uma
tal confusão entre a verdade e o erro , mas ainda
assim jámais lhe seria licito esquecer a funcção
pedagogica que deve ter a lei, maximé na vida
dos povos como o nosso , ainda imperfeitamente
caracterisados.
Outra que me surprehende entre as affir
mações do Sr. Plinio é a da nossa « facil ingan ,
descencia » nas questões de ordem social e po
A COLUMNA DE Fogo 247

litica. Pois, a meu ver , toda a historia do Brasil


é um constante desmentido a esta asserção.
Fize :nos a independencia, acabamos a escra
vidão , derrubános o Imperio , soffremos até hoje
todas as infainias do reginen republicano, sem
que o povo brasileiro tivesse dado una prova
real do seu enthusias no pró ou contra qual
quer destes movimentos. A não ser o Carnaval
ou o « foot-ball», não conheça cousa alguna
que torne incandescente a nossa massa : popu
lar .
No Brasil , só uma exaltação é permanen
te : a das lagrinas, a do sentimentalismo mais
atroz e mais infecundo no dominio da vida po
litica ...
Esse sentimentalismo, que, disciplinado, bem
encaminhado, bem orientado , por um escól po
iitico, seria talvez uma força singular , propria
da nossa nacionalidade, tem sido, infelizmente a
causa principal da nossa desnoralisação, da des
nacionalisação de todos os nossos ideaes, da im
plantação, cada vez mais vigorosa , dessa menta
lidade anti -nacional, meteca e corruptora , que
nos vai reduzindo a un grande mercado , a uma
grande feira com honras de pavilhão.
Argumento que julgo tambem absolutamen
te falho de positividade é o de que não devemos
adoptar meios de extremna severidade em nossas
lutas civis, quando , nas pendencias internacio
naes , adoptamos meios pacificos .
248 A COLUMNA DE FOGO

Primeiramente, la facto de « adoptarmos»


meios pacificos nas nossas pendencias interna
cionaes , não implica que elles sejam sempre res
peitados, nem mesmo por nós , e a prova é
que ainda não chegamos ao semvergonhismo de
não termos Exercito e Marinha ... E , se que
renos valer moralmente a tal ponto que mere
çamos sempre gestos pacificos e respeitosos da
parte dos povos con que venhamos a ter quaes
quer malentendidos, o nosso primeiro cuidado
deve ser o de nos manterinos cohesos, unidos,
dentro de uma ordem eminentemente nacional e
não facilmente perturbavel .
Ora , se assegurarmos ao idealismo revolu
cionario as comodidades que até agora tem
encontrado entre nós , é claro que manter-se- á
vultuoso o numero dos nossos « idealistas », e o
Brasil não poderá nunca merecer respeito e con
fiança , por que a guerra civil é o alimento
mesmo de tal idealismo.
Não sei onde o Sr. Plinio Barreto desco
briu que o presidente da Republica pede «meios
de violencia inaudita » para a debellação do mal
revolucionario .
É, a meu ver, simplesmente assombroso ,
que um jurista possa casar a idéa de violencia
á idéa de lei , por mais rigorosa e dura que esta
se apresente .
Regimen de meios violentos, é, sim , este
em que temos vivido, por isto mesmo que a de
A COLUMNA DE Fogo 249

fesa da nacionalidade não pode ser feita den


tro do circulo restricto da lei . Tudo o inais é
negar á luz do sol ou abstrahir coinpletamen
te as lições da nossa dolorosissi na experiencia.
0 Sr. Plinio Barreto tainbem não recuia
ante os logares conmuns do nosso « economismo »
anti-nacional, e é isto no ponto em que lem
bra que « restringir, neste momento , os direitos
que a Constituição outorga ao ' estrangeiro é
difficultar amanhã o movimento immigratorio »,
E porque não difficultal - o , se acaso elle nos traz
mais desvantagens que beneficios ? Porque ? Será
muito preferivel um Brasil de trinta milhões de
habitantes , mesmo pobres , mas honestos e ca
pazes de resistencia, do ponto de vista nacional ,
que esse Brasil de un delirante prophetismo,
com cem ou duzentos milhões de homens de
tendencias contrarias, de oppostas tradições, e
que fatalmente provocarão o nosso fracciona
mento .
Nada deve ser feito com mais sabedoria ,
calma e, por conseguinte, lentidão , que essa obra
de povoamento do nosso solo, se é que deseja
mos persistir em nós mesmos e não somos sim
plesmente uns infelizes, uns tristes seres de
transição.
Curiosa é a defesa que faz o Sr. Plinio
Barreto da gente estrangeira, que ajudou os mas
horqueiros em S. Paulo . Diz o Sr. Plinio que
nem um só estrangeiro radicado tomou parte no
250 A COLUMNA DE Fogo

movimento , mas logo adiante é elle proprio


quem explica o phenomeno, fazendo -nos notar
que .cs taes recem -chegados « foram reduzidos
por patricios espertalhões» ... Ora , ahi está ...
Não nosso explicar una tal confusão de
sentinentos, uma tal insegurança de idéas com
relação ao systema de forças nacionaes, 'num
hornem culto e sincero como o Sr. Plinio Barre
to , senão pelo facto « de sen a idea de ordern uma
idéa catholica », de onde ser impossivel enfrentar
serenamente as suas dolorosas, mas necessarias
consequencias sem adoptar plenamente os prin
cipios hierarchisadores da philosophia classica ,
tradicional ou catholica .
« De tal maneira , dizia Donoso Cortez, tudo
combinou a escola liberal , que, onde prevalece,
todos serão forçosamente corruptores ou cor
ruptos » ... O grande philosopho hespanhol, nem
por ser tambem uma consciencia politica, que ,
durante tantos annos soffreu do mesmo mal, fez
a necessaria justiça a muitos espiritos, que , nestes
dozninios da politica liberal , athéa e atheisante,
não são nen corruptos nem corruptores, e , sim ,
simplesmente , soffredores e martyres da inde
cisão e da duvida .
Uma cousa, porém , poderia allegar o ad
miravel reaccionario : é que a duvidą, já é de si
mesma uma corrupção. Sabe -se como elle, indo
de encontro a Descartes, tinha coino intangivel
verdade, que , da duvida , só a duvida, póde re
A COLUMNA DE Fogo 251

sultar e, por conseguinte, a eterna inquieta


cão , o desespero eterno .
O Brasil , mais que outro qualquer povo ,
precisa de affirinações claras e positivas . Foram
desta orden as do Sr. Arthur Bernardes, e será
esta accentuada feição pedagogica o titulo mais
glorioso com que o seu governo se apresen
tará aos juizos futuros da Nação.

13.5. 25 .
RESPOSTA Á VOZ DA INNOCENCIA

Meu caro Plinio Barreto :


Apezar de «agreste», o meu temperamento
ten em horror, ainda mais que á falsa delica
deza , á contradicção. Co no poderia ser seu ami
go, cousa de que V. não pode duvidar, se o jul
gasse un insensato ? Como poderia apontal-o:
como um dos «raros espiritos dignos de atten
ção entre a turba multa dos nossos juristas » , e
brindal -5 , ao mesmo tempo, com a « diploma de
insensatez» ?
Não . Você não tem razão . Falta de « bom »
senso não é falta de senso. Bom senso , como o
empreguei, é no que Bergson chamaria « a me
taphysica natural da intelligencia hunana , a
presença sempre viva de certezas espontaneas,
nas suas relações com o real , para paraphrasear
a linguagem de Garrigou - Lagrange.
Eis o que a sua intelligencia não revela,
254 A COLUMNA DE Fogo

a meu ver, no artigo que critiquei . Pelo contra


rio : tudo nelle fala da sua indecisão, do artifi
cialissimo equilibrio da sua intelligencia ante a
nossa realidade politica, contemporanea.
Você quer ordem , hierarchia , paz, harmonia
e appella para tudo quanto já deu en resultado
desordein , confusão, guerra e desentendimento .

Acha V. que vedei aos collaboradores d ' «O


Jornal » o direito de se aproximarem «daquelle
monumento de sabedoria » , que é o Sermão da
Montanha. Seria outra contradicção na doutri
nação de un catholico. Se me inão falha, a me
moria tive, pelo menos a intenção mais opposta.
Puz bem diante dos olhos de collaboradores
e ledores d ' «O Jornal » algunas das palavras
mais memoraveis gravadas naquelle monumen
to : «Guardai -vos de falsos prophetas, que ,vêm
a vós oom vestidos de ovelhas, mas por dentro
são lobos roubadores» ...

Tambem não houve contradicção da minha


parte quando disse que o seu sentinentalismo
o ligava ao systema de forças christãs, dado
A COLUMNA DE Fogo 255

que, no mesmo trecho de meu artigo , accrescento :


« forças que ainda « as mais distanciadas » do seu
centro de gravitação, que é a Igreja , conservam
delle algo da essencia unificadora, etc. » E não
esqueci de dizer que é muito fragil essa ligação ,
para uma construcção ideologica no dominio
social e politico . En verdade, meu caro Plinio ,
nada mais anarchico e anti - social , ás vezes , que
uns tantos christianismos que rolam por este
mundo ... « Inorganicos e cahoticos » elles nada
mais são que a anarchia dos bem intenciona
dos, e é por isso que não ha paradoxo, en dizer
se que de boas intenções está povoado o in
ferno ...
O proprio amor, fóra do puro christianis
mo da Igreja Catholica, pode ser antes origem
de inales que de bens. Só o Catholicismo sou
be « forjar para o ainor os mais nobres freios sem
o alterar nen o oppriinir». E o positivista Maur
ras lhe rende esta justiça : « Par une opération
comparable aux chefs -d'oeuvre de la plus haute
poésie, les sentiments furent pliés aux divisions
et aux noinbres de la Pensée ;, ce qui était aveugle
en reçut des yeux vigilants ; le coeur humain ,
qui est aussi prompte aux artifices du sophisme
qu'á la brutalité du simple état sauvage, se
trouva redressé eu même temps qu'éclaire » ..
Quando um homem é dotado de tantas vir
tudes naturaescono a meu amigo :Plinio , é
claro que o seu christianis no sentimental, theo
256 A COLUMNA DE Fogo

sophico, individualista não o levará ás loucuras


dos « incendiarios » russos , nas é quasi certo que
confundirá o respeito á creatura, o amor do
proximo e a tolerancia para com os criminosos.
É um facto que só para Igreja « o mal nasce
sen direitos » . Fóra da Igreja só ha erro e é
natural que o erro se arreceie do erro , quando
não o sympathise.

Diz V. que eu , «iniinigo irreconciliavel das


idéas liberaes», ne convenci de que « sem um lar
go recuo para o absolutis.no, não ha como que
brar a onda de anarchia que se precipita, neste
momento , sobre o mundo inteiro » .
A uma accusação semelhante, respondeu um
dia Donoso Cortes da seguinte maneira : «YO
seria absolutista, si el absolutismo fuera la con
tradiccion radical de todas estas cosas (libera
lisino, racionalismo, parlamentarismo ) ; pero la
historia me ensena que hay absolutismos raciona
listas , y aun hasta cierto punto liberales y dis
cutidores, y que hay Parlamentos absolutos . El
absolutismo es, pues, cuando más , contradictorio
en la « forina) ; no es , empero, contradictorio
en la «essencia de las doctrinas que han llegado
á ser famosas por la grandeza de sus estragos .
A COLUMNA DE Fogo 257

El absolutisino no las contradice, porque no cabe


contradiccion entre cosas de diferentte natu
raleza : el es «una forina y nada más que una
forina » ;
¿ Donde hay absurdo mayor que buscar
en una « forma » la contradiccion radical de una
« doctrina », ó en una « doctrina» , la contradiccion
radical de una « forma ? » El catolicismo sólo es la
doctrina contradictoria de la doctrina que com
bato . Dad la « forina » que queráis á la « doctrina)
católica ; y a pesar de la forina que le deis , todo
será cambiado en un punto, y vereis renovada
la faz de la tierra » ,
Eis ahi . O que é preciso é « saber» o que
quer o catholicismo en inateria de governo tem
poral das sociedades para saber o que eu que
no , o que sou . Todavia , o meu caro amigo me
faz grave ' injustiça se julga que confundo libe
ralismo com justiça social, e a esta combato
quando coinbato aquelle . Muito a contrario dis
to : combato o liberalismo porque estou convicto
de que é a maior fonte de injustiça social , a
origem principal de todas as tyrannias politicas,
que deshonram o mundo moderno e contempo
raneo . Neste ponto , siin , é que o nosso desac
cordo é completo , absoluto. Não creio no livre
exame, na vontade do povo , no suffragio po
pular, a escancaras ou secreto, no laicismo , em
tudo, emfim , que ha quatro seculos ' desorganisou
o Occidente e o traz de revolução em revolu
17
258 A COLUMNA DE Fogo

ção, desde a chamada Reforma, num circulo vi


cioso da tyrannia da populaça á tyrannia dos
tyrannos, ou á ainda peior, que é a do deus
Estado , na sua normalidade democratica, com
officialisação da virtude, serviço militar obri
gatorio, ignorancia da fainilia, olhos somente
para o individuo, etc. , etc. É a isto tudo que
em philosophia politica se chama liberalismo,
isto é, doutrina ou phantasina de doutrina, pela
indecisão das suas linhas inais geraes, que « im
potente para o ben porque carece de toda
affirinação dogmatica e para o mal porque
lhe causa horror toda negação intrepida e ab
soluta - está condemnada, sein o saber a ir
dar com o batel que leva a sua fortuna ao porto
'catholico ou aos escolhos socialistas » ( D. C. I.
199 ed. 1903 ) .
É preciso, pois , que V. , ao coinbater -me,
coinbata -me nos meus erros, e não em erros de
que V. me supponha possuido. O liberalismo
que combato é o mesmo, é «unicamente » o que
o « Syllabus » combate . Mau, o « Syllabus ? Isto é
outro caso . É preciso conhecel-o con paixão , com
indignação, mas emfim conhecel - o de verdade
para poder conbatel -o . Nunca me esqueço que,
para a philosophia thonista, « deu -nos a Provi
dencia a paixão irascivel precisa nente para re
sistir ao mal » .
De mim, no que lhe diz respeito, é ainda,
o positivista Maurras a quein acompanho quan
A COLUMNA DE FOGO 259

do o co :nparo com a doutrina a que combate.


« Les principes du « Syllabus» ne sont pas plus
cruels ni plus rigoureux que leurs contraires.
Ils expliquent l'Inquisition ? Mais est - ce que la
« Declaration des Droits de l'Homme » n'explique
pas , tout aussi bien , la Terreur ? Est-ce que le
« Libre Examen » n'explique pas les interminables
batailles, les bûchers , les prisons qui ont sousllé
trois siècles d'histoire européenne ? TOUTE
IDÉE VIVE ENFERME, EN PUISSANCE , DU
SANG.
Mais , entre l'idée du « Liberalisine» et celle
du « Syllabus», il y a exactement la même diffe
rence qu'entre une vaine boucherie et la chi
rurgie bienfaisante » ( II , 26 ).
E é deste ponto , meu bom amigo, que me
colloco para não me temer de que se afunde o
Brasil em barbaria só poorque venha a adoptar
amanhã a pena de morte, seja para réos de crime
commum ou de crime politico.
Nem mesmo quanto a mim , tão fragil e tão
sujeito á violencia das paixões , me aternorisa
o contacto coin essa nova ordem de cousas, como
em nada me altera o coração a consciencia dessa
necessidade . Com todos os meus defeitos, ain
da me resta muita piedade para os que soffrem ,
muito amor aos que luctam , admiração e respei
to a toda sinceridade , a todo esforço digno.
Os malfeitores, porém , não me merecem syinpa
thia . Não a tenho nem pelos meus proprios
260 A COLUMNA DE Fogo

erros . Se pudesse, todos elles já tinhamn soffri


do , em mim , pena de morte .
Se no organismo nacional, os individuos
encarnain erros dignos de morte, não sei porque,
se é possivel, não applical - a . Aliás , o meu caro
Plinio não a julga de todo injusta para os cri
minosos vulgares. Fala a consciencia do velho
Garofalo e mais do que ella : a consciencia
de povos bem mais cultos, bem melhor orga
nisados que o nosso . Todo o caso , pois , se reduz
á mal disfarçada apotheose do crime politico e
á sua inapplicabilidade, della , pena de mortę, a
este paraizo de sentimentaes, que é o Brasil .
Confesso que a meu ver, só mesmo o « seaulo
estupido » crearia para o criininoso politico essa
odiosissima excepção, logica somente quando a
sociedade passa a valer inenos que o individuo
a vida da lei , que garante inilhares de vidas,
cem menos valor que a vida de uma marafona.
Ainda a meu ver, porém , mesmo levado
em conta essa supposta revelação de « instinctos
altruistas , e ausencia de «baixos instinctios»,
a escoia materialista deveria ainda neste caso
ter sempre em vista a « temibilidade do crimino
SO » , não já ein relação á sociedade, que nada
vale, mas ao menos em relação aos males indi
viduaes provocados por taes criininosos, quan
do da sua altruistica exaltação, bonbardeiam
cidades , inatam pobres homens do povo, etc. ,
etc.
A COLUMNA DE Fogo 261

Se o legislador, e não o arbitrio da tyran


nia , levanta-se contra taes «altruistas», confesso ,
meu caro Plinio , que não terei horror á sua jus
tiça , mesmo quando os fira com a pena de
morte . «Ne soyez pas un homme de grande mé
rite qui dit inutile nent de bonnes choses
dizia L. Veuillot a Alb . de Mun . Dégainez,
et soyez, conme saint Louis , de ces martyrs qui
ne craignent pas de donner la nort. IL Y A
AUSSI DES ANGES EXTERMINATEURS » .
Se a pena de morte concorrer para dimi
nuir um pouco os assassinatos decorrentes de re
voluções, motins, etc. , creia que não me repugna
absolutamente dar o meu voto ao seu estabele
cimento entre nós . Sei que o crime politico não
é no Brasil infamante . Julgo que deveria ser.
Quanto a ser aterrorisador, creio que já o é
ha muito tempo, ou então eu é que sou um
covarde de anarca e a pobre gente que, em São
Paulo, fugiu ás consequencias de un' delles não
o era menos .
Quanto a ser ella de possivel applicação
entre nós, isto sim , é questão que no meu pro
prio artigo apontei como digna de attenção ..
Entretanto , em qualquer discussão a respeito ,
deve sempre attender-se ao facto de só ha pouco
mais de trinta annos estar ella ausente das nossas
leis , apesar de jáinais se ter afastado dos nossos
oostumes, e com a sua feição mais repugnante
que é a do arbitrio de facções inomentaneamen
262 A COLUMNA DE FOGO

te victoriosas. Quando se a pede, pois, talvez não


se esteja a pedir una cousa muito anti -nacional,
senão en letra de fôrma e « bonitos » de tribu
na ...
Tanbem não me temo da corrupção das
nossas classes dirigentes, neste caso, pois não
confundo classes dirigentes con governantes de
uma dada hora . Estes fazem parte daquellas uni
camente . Talvez se entre ellas apparecesse a
suprema ameaça da morte, brigassem menos ou
só brigassem por motivos realmente sérios, de
onde adviriam , de certo, grandes bens para o
paiz, para o homem do povo , para o pobre traba
lhador que é o lagostim do proverbio nas inglo
rias luctas que vamos travando.

Cousa que me admira é a opinião simplista


emittida por V. , de que foram as autoridades
que estabeleceran no Brasil o desrespeito da
lei , quando V. mesmo, ' no mesmo artigo, emitte
esta muito mais complexa e mais séria, de que
é á falta de educação, que devemos as nossas
más autoridades . Estas são povo tambem e, des
te, o que ainda ha de melhor. Neste ponto , de
veriamos voltar ao principio da nossa discussão :
á questão dos principios que informam a trama
A COLUMNA DE Fogo 263

das nossas instituições. Eu , porém , não lhe direi


mais, que esta palavra de Bonald : « Il faut faire
la societé bonne, se l'on veut que l'homme soit
bon » . Aprofunde bem este aphorismo do gran
de doutrinario, e verá que nada ha ahi de para
doxal.
Realmente , os meus mestres em politica
não dão coino V. dá uma importancia tão gran
de ao facto dos governos brasileiros, de C. Sal
les para cá, subvencionaren alguns jornaes. Creio
que antes daquelle presidente, já a cousa era
feita , e foi até , una vez, confessada. Supponho
mesmo que, desde que ha governos e jornaes,
tein havido esta especie de liga . Não será este
mal particular á vida politica brasileira . E deixe
lá, meu caro Plinio : «Je ne ferai pas l'hypocrite.
Je crois qu'un politique a le droit, parfois le
devoir, d'acheter ce qui est à vendre » ...
Mais grave será a sua accusação á Igreja,
a principal culpada , diz V. , da nossa desinora
lisação ... Mas, a historia é longa para uma
discussão de jornal , a que não fugirei, poréin ,
se V. julgar conveniente. Teremos que estudar
priineiro a historia do gallicanismo e da sua
transplantação para a America ... Terrivel his
toria, que explica , talvez, todas as nossas maiores
desgraças.
O meu caro Plinio esquece de modo 08
tensivo o longo captiveiro da Igreja en todo o
periodo da nossa historia até aquella hora in
264 A COLUMNA DE FOGO

certa de 91. É o que não esqueceran , poréın ,


nern escriptores estrangeiros como Deschamps
e Gonzague, quando buscaram apprehender as
razões por que a Igreja tein tido menor ini
fluencia na formação das nossas «élites » politi
cas, desde a Independencia . Além disto, se a
existencia da Igreja pode ser considerada um
milagre , não é por meio do milagre que a
Igreja tem que exercer a sua actividade no seio
dos povos, e se ha pro nessa formal de Jesus
Christo de que ella será presente até o final dos
seculos, não existe promessa particular para na
ção alguma. Ella até poderia ter desapparecido do
Brasil , sem ser por isto menor verdadeira e re
demptora . Foi isto mesmo o que uma vez disse
D. Antonio de Macedo Costa , ao impagavel chefe
de Estado Catholico , o Sr. D. Pedro II . Mas ,
aos que, como V. , pedem milagres sociaes á
Igreja politicamente escravisada ou posta á mar
gei , já uma vez lembrou o grande Veuillot que
estão na mesma postura do Tentador, no CO
meço do Evangelho de 'S. Matheus... Ante o
esforço ultimo e supremo do espirito de nega
ção e de duvida, Jesus nada mais disse que estas
simples palavras : « Adorarás o Senhor teu Deus
e só a Elle servirás » ... Antes disto , o milagre
tiraria o merito á virtude, e é tambem do Evan
gelho , que não se deve lançar perolas aos por
cos ... A Igreja não precisa do Brasil ; o Brasil
é que precisa da Igreja . Se os que representan
A COLUMNA DE Fogo 265

a força da collectividade a repellemi ella nada


mais pode fazer que actuar no dominio indivi
dual, e até mesmo neste dominio o milagre é
sempre uma excepção .

Quanto ao enthusiasmo brasileiro , nacional ,


nas questões de orden social e politica, não
devo teinar. Continúo um pouco pessimista a
respeito , mas, talvez, eu fosse exagerado . Ainda
ultimamente, as manifestações de respeito, de
admiração e mesmo de amor de que , mais uma
vez, foi alvo o Sr. Epitacio Pessoa , por parte
da população desta Capital, me deixaram em
bôa especie de duvida . Se ha una justiça na
cional que , tarde ou cedo , reconforta os verda
deinos patriotas , ben pode ser que a indifferen
ça geral , que por ahi se observa , nada mais seja
que pura repugnancia pelo regimen , que até
aos grandes homens de verdade embaraça , per
turba , contraria na sua acção benefica.

Sem retirar uma só palavra em relação ao


« economismo anti -nacional » , que vai caracteri
266 A COLUMNA DE Fogo

sando a politica liberal , desejo que o meu amigo


Plinia mostre onde «metto a riso » as suas pre
cccupações neste sentido. É o que eu quero ver .

Mantenho a affirinação de que a lei não


pode ser «meio de violencia » , que a idea de
lei repelle a de violencia . Chama -se lei à ex
pressão de uma força injusta e immoral, por
méro paralogismo nascido da semelhança de
fórma na execução do que é ordenado . A ver
dadeira lei , «applicação autorisada da lei eterna,
da crdem essencial , applicação fundada sobre as
relações normaes dos seres » , não pode ser um
meio de violencia.

**

Quero fazer ponto aqui , meu caro Plinio


Barreto , mas , não leve a mal que ainda lhe diga
o seguinte : julgo-ne con tanto direito como V. ,
de repetir as palavras do triste Jules Favre . Tam
bem «as minhas crenças não têm por symbolo o
assassinio e o punhal » . Tambem « detesto a vio
lencia , condemno à força, quando não é em
A COLUMNA DE FOGO 267

pregada ao serviço do direito » . Desafio - o a que


me mostre uma palavra escripta por mim , em
apoio da violencia , do assassinio ou do punhial ,
Creio que , en toda a minha vida de doutrinario ,
jámais fiz outra cousa senão condemnar a vio
lencia e a força bruta . Por isto mesmo é que
condemno a Revolução , doutrina de desespe
rança , de pouca fé na força do direito , e sem
pre prompta a lançar mão da violencia , onde
quasi seinpre a paciencia, a coragem civica, os
meios normaes de lucta acabariam por prevale
cer. 1
Emfim , V. ha de convencer -se que não ha
muita maldade politica entre o «agreste» do meu
temperamento e as bôas terras por V. mesmo
descobertas no meu coração ... «On peut être
modéré avec des opinions extrèmes », dizia o ve
lho de Bonald . E accrescentava : «C'est ce qu'
affectent de ne pas croire ceux qui sont violents
avec des opinions faibles et mitoyennes ».
É a gente desta ordem que está V. a de
fender com as forças da sua intelligencia, com a
sua boa fé , a sua natural bondade . Peço a Deus
que me engane .
A GRANDE PROCISSÃO

Quantas mil creaturas passavam sob os meus


olhos ? Quem o dira ? Mas é certo que, quando
a inassa enorme , que se movia em honra de Jesus
Ercharistioo , entrava a grande arteria central da
cidade , e descobri, no alto , de uina janella, da
União Catholica, a nobre e veneranda figura do
prineiro cardeal da America Latina , resplande
cente de santo orgulho , na sua humilde pos
tura de adoração , eloquente, na sua inudez ante
a eterna mocidade da fé , que ampara e abençoa
a sua velhice, eu senti que era o Brasil , todo o
Brasil que ali passava , en marcha grave e com
passada , numa representação synthetica e em
polgante da difficil ascensão , que vein fazendo,
aos fins sociaes que Deus lhe confiou nesta parte
do mundo .
Não faz muito tempo, aliás, fui accusado
de pessiinismo por ter escripto que só conheço
270 A COLUMNA DE Fogo

duas especies de enthusias.no na gente brasi


leira : a do Carnaval e a do « foot-ball». Tinha
razão o meu accusador ... É verdade que eu só
me referia a essa onda de sujeira, de pó veneno
so , que se espalhou sobre a superficie de nossa
vida, mas de modo a parecer dominal-a, a esta ,
completamente. Não me esquecera , porém , não
me esqueço nunca , deste outro Brasil, que sub
siste sob a inascara la internal: Brasil de traba
lhadores e soffredores , com o seu escól e a sua
legião de infelizes , esta legião , principalmente ,
que nada ten a ver com o « sport » e não encon
tra logar entre as esplendencias e putrecencias do
Carnaval.
E que outra coisa tenho procurado, fazer
senão mostrar a necessidade de que se una, sę
arine, se proteja, se defenda contra a atmosphera
judaica, que tudo vae desinoralisando entre nós ?
Na economia das suas energias politicas,
pode -se dizer que o Brasil , desde o esplendor
inoral do governo Epitacio , entrou en plena re
volução , por isto mesmo que , pela primeira vez
en nossa vida, um governo , deixando de ser o
simples executor de ordens de una amorpha
plutocracia, corno todos, até então , tinham sido,
encarnava não só ua programma de justas rei
vindicações economicas, cono de justissimas rei
vindicações da orden propriamente nacional ,,
contra a feira, o netequismo, o ' imperialismo
financeiro da « Internacional» de banqueiros, de
A COLUMNA DE FOGO 271

ladrões e de assassinos de povos, contra os quaes


a lei penal nada pode. A revolução tinha que vir ,
fatalmente, porque, trinta annos de frouxidão ,
de sonambulismo financeiro, e administrativo ,
trinta annos de inconsciente ou de systematica
ani nação a todas as perversões sociaes, a todas
as forças inimigas da nação, tinham dado a
estas , o desenvolvimento , a desenvoltura, a ca
pacidade aggressiva , a consciencia de posse ,
emfim , sobre todo o dominio da nossa existencia
politica , e não poderia ser pequeno o choque
entre a vontade nacional, rediviva, e tantas ex
pressões bellicosas de un tão bem nutrido para
rasitismo cosmopolita .
E a prova de que a nação sentiu que aquel
le governo a representava, de facto, nas suas as
pirações mais nobres, mais integralmente, mais
essencialmente suas, do seu caracter, do seu tem
perainento , da sua consciencia, foi que só então
se viu affir.nar- se ella , de modo claro e objecti
vo , no amor das suas tradições.
Assim , entre os explendores, as magnificen
cias das festas do Centenario organisadas
por un governo convicto das vantagens peda
gogicas de un tal ensinamento , organisadas por
um governo que queria , por sua vez , dar ao Bra
sil a convicção de que é una grande, uma
poderosa nacionalidade, rica de recursos proprios
e de energias proprias ninguen deve esque
cer que foi entre aquelles esplendores que o
272 A COLUMNA DE Fogo

Brasil tainbem demonstrou , pela primeira vez, 1

de modo a não deixar duvida, que não vinha


sendo vã a obra do seu Episcopado, e até se
póde affirmar, sem cair ein exaggero , que o
Congresso Eucharistico foi a prineira manifes
tação collectiva da fé catholica, que , no Brasil,
ficou á altura do Brasil , do que elle é , como paiz
de tradições christãs, verdadeiro mundo onde
podem florir todas as esperanças da humanidade.
E fci de tal ordea, teve tal força aquella
manifestação de vida interior nacional, de verda
deira fé , que a verdade é que nunca inais de
cahiu esse espirito de configuração social catho
lica , ein nosso meio . Vieram as rebelliões inde
corosas , vieram a grita, os clamores, todas as
torpes explorações dos inimigos internos da
nossa grandeza , veiu a guerra civil, enfim , com
todo o seu cortejo de miserias, e desgraça , mas
o espirito nacional, ninguem o pode negar ,
se tem sobreposto a todos esses elementos

vicicsos e corruptores, não perde occasião de


se mostrar cada vez mais seguro de sua
fé ,e entra , definitivame nte , o caminho que
lhe apontava a estrella da manhã da sua vida ,
É agora o proprio governo quen acorre a este
appello das forças superiores, a cujo influxo
o Brasil se constituiu e se ten mantido , milagre
humano, quasi um continente, desdobrado sob
cliinas diversos , aberto a gentes as mais estra
nhas, e , apesar de tudo , uno , coheso a reflectir
A COLUMNA DE FOGO 273

do modo mais claro a unidade da fé , sob a mul


tiplicidade das aspirações .
Na homenagem do dia 14 , a Jesus Eucha
ristico , esta unidade se impunha á consciencia
do scepticisino mais rebelde. Aos pés do mes
mo Deus , unidos na mesma crença, a belleza e a
mocidade , assim como a fealdade e a velhice,
todas as côres da saude, assim como todos os
signaes da miseria physica, todas as vaidades
da fortuna, como todas as mostras da pobreza,
a fé robusta ; a superstição ; e a graça natu
ral ; e mesmo a sensualidade, que se não domina,
e affirma , sem o saber, a maior victoria sobre si

mesma , tudo ali se movia na mesma ordem de


de sentimento, no mesmo dominio de affirma
mações em prol da brasilidade, isto é, em pról
de um Brasil , que não é só de hoje , mas, que
vem do passado, e hoje se multiplica, e ama
nhã ainda mais se multiplicará nas mesmas for
mosuras moraes, nas mesmas ' aspirações supe
riores que lhe incutiram os guerreiros e os poe
tas da Cruz.
Sustendo o pallio e, em derredor do Deus
vivo e escondido, do Deus que eleva a intelli
gencia á abstracção e o coração ao amor per
feito, tudo quanto o Brasil tem de mais elevado
como caracter e intelligencia , como cultura e
dedicação á causa social, se achava nobremen
te representado .. Ministros , generaes , congres
sistas, professores, homens de industria e do
18
274 A COLUMNA DE FOGO

commercio , todo o escól, emfim , da nossa SO


ciedade ali estava a fazer publica confissão de
fé , a demonstrar, de modo inilludivel , aos aben
cerragens da nossa putrefacção revolucionaria,
aos infeccionados de anti - catholicismo e anti
brasileirismo, que o verdadeiro Brasil, não os
teme , e sabe combatel-os, não só com as armas,
mas tambem , com a oração, não só com a força
dos seus soldados , como com a ingenua fé do
seu povo .
Não é de hoje por exemplo, que vejo no
actual ministro da Justiça , entre as figuras das
gerações que vão emergindo da actividade so
cial para o poder politico, a representação mais
bem definida desse gráo de cultura , de fina
sensibilidade, de vontade educada, de força de
sympathia disciplinadora e educativa , que deve
ser o ideal do nosso honem publico , do poli
tico brasileiro, nesta hora , em que o Brasil , op
pondo todas as suas forças vivas a revoltos ele
mentos de morte , sente que atravessa a phase
definitiva de sua historia , e que a transição está
a finalisar, sem saber bem se vai a extralimitar-se
bomo nada , se com a perfeita posse de si mes
mo.
Mas , quem tem fé no Deus sob cuja ben
ção surgiu o Brasil , não tem o direito de du
vidar da sua victoria, e é preciso fixar esse typo
de homem publico, que será a gloria do Brasil
de amanhã .
A COLUMNA DE FOGO 275

Pode -se, por ahi, avaliar da minha alegria,


quando o vi , na grande Procissão Brasileira
e é assim que a devemos chamar demonstran
do, de fórna tão viva , a integral adequação
da sua consciencia á consciencia da Nação.
Estes actos publicos dos nossos honens
publicos, devem ser notados e registrados como
signaes de esperança nos horizontes de um paiz
em que , até hontem , parecia incuravel a covar
dia dos seus dirigentes , para os quaes uma
brochura de Haeckel ou um folheto positivistta
valia mais que toda a riqueza espiritual da nossa
patria .
Podem falar com segurança os catholicos :
o Brasil está a refazer -se no culto Eucharistico ,
no culto do que venceu a morte e contra o
qual a morte jámais prevalecerá .
Quando os dirigentes de uma nação têm
temor de parecer homens de fé, quando os gran
des se envergonham de adorar a Deus, jamais
falhou a dura lei que os arrasta , e aos peque
ninos , que os elevaram , á dissolução, á anarchia ,
á fallencia total. Nunca falhou , tambem , a ajuda
de Deus , se procedem de modo contrario.
É do alto que devem descer as altas lições
de moralidade , de humildade e de fé . E, no caso
actual do Brasil , até a de resignação é a mais
necessaria . É preciso que nos resignemnos ás fa
talidades de uma situação creada pelas nossa in
curia , pela nossa incrivel ingratidão para com
276 A COLUMNA DE Fogo

os santos principios que nos tiraram do nada .


Resignarmo -nos, eis o que temos a fazer, mas,
resignarmo -nos como só um povo catholico sabe
resignar -se, isto é, sem jámais deixar de combater
os males moraes que nos assaltem e nos firam .
INACTUALIDADES ACTUAES

A maior parte dos individuos que suppõem


injuriar-me com alistar-me entre os chamados
« jornalistas do governo » , a verdade é que con
sidero gente ainda mais imbecil do que propria
mente maldosa .
Em primeiro logar, eu preferia ser « jornalis
ta do governo » a ser « jornalista da revolução »,
maximé das «revoluções » de que o Brasil tem si
do victima nestes ultimos annos . Mas, não é pos
sivel que uma consciencia, mesmo perturbada
pela paixão politica, possa confundir nunca, o que
escrevo com louvaminhas a quem quer que seja,
e, principalmente, a qualquer especie de governo
republicano .
O facto de me merecer admiração o caracter
dos homens que , ultimamente, têm estado á
frente do governo do Brasil, não significa, de
modo algum , que eu esteja contente com o re
278 A COLUMNA DE FOGO

gimen politico que esses homens, por força mes


mo da situação em que se acham , sustentam e
defendem . Pelo contrario . A admiração que lhes
dedico é sempre na medida do quanto apprehen
do de força reaccionaria , consciente ou não, na
acção que elles vêm exercendo.
Tanto o Sr. Epitacio Pessoa como o Sr. Ar
thur Bernardes nada representam para mim como
Presidentes , propriamente, da famosa Republica,
fundada em 89 e consolidada ( ?) em 91 , ves
pera , como se sabe , de novas consolidações a
ferro e fogo.
O que elles encarnam , a meu ver, e o que,
consequentemente, a elles me liga , é, como dis
se, a reacção do bom senso ' «nacional », a reacção
da propria «sociedade brasileira » contra esse
mesmo mixtiforio «politico » , contra essa mesma
artificialissima ordem ' romantica , irrealisavel, por
que anti -nacional, e até inhumana, e 'á qual
os primeiros rebentões do nosso «météquismo
quizeram 'moldar o paiz, nada mais conseguindo,
como se tem visto, que o ' mover isochronicamen
te entre a anarchia e a violencia ,
A verdade verdadeira é que , no Brasil , mais
do que em outra qualquer parte do mundo , o
governo está reduzido a ser, diante de qual
quer consciencia livre , isto é , sã, e seja qual
fôr o homem que o represente, está reduzido a
ser unicamente um «mal menor» ; o que quer
dizer, expressão passageira de uma ordem , de
A COLUMNA DE FOGO 279

si mesma precaria e inconsequente , mas , ainda


assim, infinitamente mais supportavel que as
manifestações da agressividade revolucionaria e
anarchica.
O Sr. Bernardes , forçado por circumstancias
muito mais imperiosas, tem tido occasião de, ain
da mais que o Sr. Epitacio, revelar faces mais
singulares e mais estranhas á mediocridade de
mocratica , do homem de transição , que elle , aliás,
o é , de facto, pelos dons naturaes do seu espirito,
eminentemente hostil a toda especie de idéalis
mo , maximé a esse idealismo de choldra, idea
lismo que é mais verbalismo, que é mais ali
mentação de palavras , que , propriamente de más
idéas , e , por isto , ainda mais prejudicial , pois
como que desloca o espirito totalmente da sua
ordem propria para o inserir numa especie de
negação viva da realidade .
O Sr. Arthur Bernardes já é aquelle ho
mem, a quem a verdade politica se impoz com
força tal , que não lhe repugnará repetir esta ce
lebre palavra : « Não creio nos beneficios da illu
são » .
Entretanto , eis o que prova a deficiencia
do nosso ambiente social : apesar da sua já com
provada coragem no enfrentar desordens e de
sordeiros de toda categoria ; apesar da sua já
reconhecida capacidade de persistencia , o actual
Presidente , se tem demonstrado audacia fria , des
temor calculado , um « systematico emprego , em
280 A COLUMNA DE FOGO

fim , de lucidas energias contra todos os factores


dynamicos digamos assim – da velha men
talidade revolucionaria, não tem tido a mesma
unidade de acção , o mesmo firme proposito , a
mesmo coragen , a mesma «fé», na lucta , mais do
que nunca necessaria , contra o que então podere
mos chamar de factores estaticos dessa mesma
mentalidade revolucionaria , que infelicita , dimi
nue e anniquila o paiz.
Resistir a revoluções, dominar revoluciona
rios, será , em todos os tempos, obra de um ho
mem forte, de um patriota , de um alliado, emfim ,
das forças espirituaes da nação. A obra de um
verdadeiro estadista , porém , e á altura da gran
de crise que atravessa o mundo , só poderá ser
a que busque ferir o mal na sua raiz, a que,
directamente, se dirija contra a Revolução em
si , nos seus methodos, nos seus dogmas, nas
suas fórmas liturgicas, tão ridiculas quanto per
niciosas.
Não é que não se note que ha no Sr. · Ar
thur Bernardes a « intenção de enfrentar este
problema de vida e morte para o paiz. Mas, o
certo é que não ten ousado declarar -se neste
sentido com a mesma clareza e energia com que
se tein desobrigado em relação á actualidade
revoluciona ria em acção.
O actual Presidente ainda diz crer , por
exemplo, na viabilidade de uma carta constitu
cional, em que a maior parte da acção delibie

I
A COLUMNA DE FOGO 281

rativa fica entregue a um congresso , escolhido


pela «sorte» dos cambalachos eleitoraes .
É illusão, penso eu , que este momento não
comporta mais , e sou capaz de “ jurar que o pro
prio Presidente só apparentemente crê no pro
cesso que não teve coragem, ou não encon
trou meios de repellir de modo absoluto .
Constituição escripta por constituição, escrip
ta, e não originada naturalmente das forças vi
vas e tradicionaes do paiz, a que temos, a que
ahi está nos é sufficiente, e'de nada mais precisa
do que das adaptações a que a vida politica mes
ma a tem forçado, por meio de uma interpreta
ção autoritaria.
Dizja um mestre da Contra - Revolução, na
Europa, que os governos têm que adoptar, até
certo ponto , os « processos » revolucionarios, se
desejam realmente vencer o «espirito» da Revo
lução.
Ora , o que , na verdade, está a precisar o
Brasil , é de um golpe revolucionario, do alto
para baixo , isto é , em que o governo que é ,
em ultima analyse , o Executivo – não só de
sagregue a massa geral de politicoides immoraes
e covardes, que pesa ha trinta annos sobre o
paiz , como desfaça a propria trama de theoricis
mos constitucionaes, que protege essa mesma
massa de immoralidade e covardia .
Um homem frio e sereno como o Sr. Arthur
Bernardes mais depressa do que se pensa faria
282 A COLUMNA DE Fogo

uma obra assim , completando deste modo o nos


so periodo de transição para aquelle em que, es
pontaneamente, a nação se consultará, se depu
rará de illusões , e viverá, emfim , vida propria,
com leis proprias , não só adaptaveis, mas nasci
das do seu caracter, da sua historia, dos seus sof
frimentos e decepções .
Quando um doido de genio, como Spen
gler, imagina as culturas como individuos bio
logicos perfeitamente caracterisados, aproveite
se , pelo menos , a indicação que pode ahi verifi
car um homem de Estado, isto é , que uma cul
tura politica , tal como a nossa , tão repugnante ,
tão falsa , tão mentirosa , deve ser atacada como
se ataca a um criminoso , usando-se mesmo, ise
preciso , de toda a violencia, e sen temor de pec
cado mortal.
O Brasil , por mais que digam interesseiros
apologistas, ainda atravessa a phase em que a
autoridade não precisa de maiores requisitos que
os do simples bom senso . Precisamos de um go
verno forte , e , por isto mesmo, o menos com
plicado possivel . Elle pouco terá que luctar com
organisações de caracter cultural , verdadeiramen
te dignas deste nome. O povo , a média geral da
nossa cidadania, nada mais requer que socego e
paz. O resto, o que periodicamente ' agita a nossa
vida politica, é a onda do dinheiro, dos inte
resses estrangeiros alliada, na sua funesta actua
ção, aos bastardos da grei , aos métécos, judeus
A COLUMNA DE Foao 283

de coração e de espirito, que conquistaram dois


ou tres dos nossos maiores centros urbanos e
attender a taes interesses, respeitar a opinião
dessa gente, é consentir na lenta destruição do
caracter nacional.

8-7- 25.
1

i
VICTIMAS E ALGOZES

Anda agora uma surriada de evidentes cre


tinismos pacifistas, perturbando a atmosphera
politica do paiz. Diante de alguns logares com
muns ditos pelo actual presidente de Minas, a
jornalistas pouco escrupulosos, logares communs,
aliás, communissimos na linguagem de todos os
homens de acção sobre um meio democratico ,
como o nosso , era fatal a deturpação odienta e
odiosa por parte dos opposicionistas ao actual
governo da Republica.
E é de ver como essa gente se embebeda
de goso ! É «A Noite » , o « Correio da Manhã »,
embandeirados em arco ; é, n' «O Jornal», o illus
tre Chateau , aos pinchos, aos berros, gritando
com a boca, com as pernas, com os braços, com
a barriga : Paz ! Paz ! Concordia ! E lá vêm os
trechinhos escolhidos de entre as maximas do
nervoso bom homem Ricardo da Carthago mo
286 A COLUMNA DE FOGO

derna, o grande homem inimigo da ascendencia


simiesca, agora tão deslembrada pelo Chateau ,
macaco novo desta velha arena de patifarias re
publicanas ...
Mas, estão enganados, tenho fé em Deus ,
esses cavallinhos de corrida. Não lhes ha de ser
facil varar de ponta á ponta a pista de sophis
ticaria anti-nacional, que procuram aplainar de
novo a patadas e coices.
Não está na presidencia da Republica quem
lhes tema a tempestade de rinchos nem arrancos
de peitos largos de imbecilidade .
O Sr. Arthur Bernardes já tem provado até
á evidencia, que não teme nem as campanhas do
odio valente nem as campanhas da insidia, da
tortuosidade moral , dos « envolvimentos » sorra
teiros. Elle sabe perfeitameente o papel que
está a representar na historia da nossa naciona
lidade, e que tudo estaria perdido, todo o seu
esforço patriotico, no dia em que consentisse na
alliança entre o que aquelle esforço tem de ver
dadeiramente util ao paiz, e a falsa utilidade de
uma paz nascida nas dobras da covardia patrio
teira das diversas firmas que exploram a estupi
dez ou o sentimentalismo nacional.
O problema que o Brasil tem a resolver,
não é o de uma paz actual, argamassada em
interesses de grupilhos, e, por conseguinte, pas
sageira . O nosso problema é o da paz nascida
das entranhas mesmas de uma convicção, que não
A COLUMNA DE FOGO 287

deve ser mais abalada no Brasil, isto é, a con


vicção de que a revolução é um mal , e um mal
muitas vezes maior que o maior mal que possa
fazer a autoridade legitimamente constituida.
Ora , uma paz, assim definida , não poderá
nunca ser a que desejamos que tão insidiosa e
covardemente combatem a orientação politica,
Teaccionaria , do actual presidente da Republica .
E o curioso é que, a dar credito ao que
esses trastes insinuain , o paiz está dividido en
tre os algozes, que o governam , e as victimas,
que combatem esses algozes !
Refinados, refinadissimos sacripantas!
Baralham tudo , subvertem todo o valor mo
ral das palavras, e é assim que pretendem de
fender a verdade politica ou o ben commum .
Mas, não ha temer a analyse de taes ful
gurações da mentira. A mentira é sempre men
tira , mesmo no labio mais puro , e não ha como
esconder a sua essencial fragilidade, nem mes
mo naquelle em que ella appareça sem receio,
senhora de si , par habito e costume, como é o
caso no de todos os que ha trinta annos vivem
de mentir a este paiz.
Só ha uma victima na lucta que ha quatro
annos se vem travando no Brasil , e esta victima
é a propria nação. Algozes são somente os que,
desrespeitando todas as suas leis, e a expressão
mais clara da sua vontade, usaram e usam de
armas, e nem recuam ante a crime, para com
288 A COLUMNA DE Fogo

bater os que a mesma nação reconheceu coma


seus legitimos governantes. Esta é que é a
pura verdade, verdade que desafia a analyse
mais serena.
Os homens que, em taes circumstancias,
vieram a representar, no Brasil , o papel da au
toridade – de autoridade que reage para não
morrer, e não deixar que a nação tambem mor
ra , na desinoralisação e na deshonra estes
homens , é claro que têm bastante orgulho para
não se apresentarein como victimlas. Elles não
querem parecer senão o que, em verdade, são,
isto é , simples homens de bem , patriotas escla
recidos, que não confundein o Brasil com a cor
rupção do Brasil, que não confundem a forma
viva da patria coin os corruptos idealismos, que
enfermam a sua cidadania .
Chamam - nos odiosos , somente os que se
alimentam de vãs chimeras, e as ostentam como
se fossem raios de sol . Suppõem estes que as
palavras têm outro valor que o da ordem mes
ma em que assentem . A palavra odio pode ser
tão santa como a palavra amor, e esta tão des
prezivel quanto a palavra mais vil .
É uma verdade catholica que se deve odiar
a mal, o peccado e a mentira, com odio verda
deiramente immortal. S. João Chrysostomo di
zia que pecca aquelle que não se enqolerisa
quando se bate pela verdade, e Petitoit indica,
não só a legitimidade, mas até a canonicidade
A COLUMNA DE FOoo 289

da cólera , quando em prol da bôa causa . « Sem


a cólera, nem a verdade progride, nem os con
ceitos perduram , nem os crimes são reprimidos » .
Ainda é de Chysostorno esta palavra, e não é
menos firme a do proprio S. Thomaz : « Si autem
aliquis irascitur secundum rationem rectam , tum
irasci est laudabile » .
É a odio nascido da permanencia de uma
cólera assim, o unico de que poderão accusar
os homens que actualmente governam ' o Brasil.
É, pois, um odio que honra, não só a elles, como
ao paiz. É o odio de homens de verdade e de
fé contra homens de mentira e de sophisma.
Agora, examine -se de que se origina o
odio dos que os odeiam , e não cansam de odiar,
e ha de se ver que, todo elle, é a expressão de
vagas idealidades negativas, de vaidades irrita
das , de insatisfações egoisticas.
Os patriotas que o são, de posse de verda
deira saude moral , e não ha poucos desconten
tes, entre elles, do actual estado de cousas no.
Brasil, não são os que bombardeiam cidades in
defesas, não são os dynamiteiros, não são os
envenenadores da imprensa desrespeitosa e anar
chica . Pelo contrario : são os que têm , colm tra
balho persistente e nobre resignação ás fatali
dades de cada hora , resistido, não só aos exces
sos do poder como ás investidas da demagogla
revolucionaria.
Mas, aos excessos do poder, a resistencia
19
290 A COLUMNA DE FOGO

só é licita, só é legitima , emquanto no terreno


da dignidade pessoal.
Resiste -se ao poder, quando não se consen
te em ser instrumento delle nos seus excessos ,
e quando não se bajula, não se endevisa os que o
representam . Se a resistencia sáe desse terreno,
para o da lucta armada, para o das violencias
militares ou não, ella , como indica o proprio
movimento, deixa de ser resistencia para ser cri
me ou , pelo menos, audacia e vaidade que bei
ram a loucura.
A resistencia dos patriotas a esses excessos
contra o poder, tem que ser mais viva e mais
energica, pois o que, no poder, é simples ex
cesso , é, como disse, crime ou loucura nos indi
viduos.
E não ha attenuantes para o caso brasi
leiro , porque seja evidente que , nas nossas luctas
actuaes, se degladiam diois idealismos.
Já têm sido tantas e taes as desgraças
provocadas em nossa vida , pela vaga e pernos
tica ideologia liberal , que ella deve ser tratada
coin a mesma rudeza com que é preciso tratar os
bandidos integraes ou os loucos furiosos .
A minha convicção é que o Sr. Arthur Ber
nardes é, graças a Deus, o homem que, neste
momento , mais nitidamente reflecte a idéa sal
vadora da reacção, que vae creando o idealismo
da ordem , o idealismo que ha de anniquilar, de
uma vez por todas, a reserva de morbido senti
A COLUMNA DE Fogo 291

mentalismo, causa principal de todas as revolu


ções e motins de que tem sido victima este paiz.
Elle ainda está á frente dios destinos da
Nação.
Ha de ser, pois, em vão o clamor do jor
nalismo metéco, como têm sido vãs as lagrimas
dos fracos e a ameaça dos que só esperavam da
força a solução dos problemas nacionaes. Elle
continuará a contrapôr força á força e, aos
malabarismos de sophistas e exploradores, a
assombrosa indifferença com que, não ha negar,
os tem tratado até agora.

29.7 . 25 .
INDICE

Prefacio . 11
Tolerancia 17
Hoje como hontem . 25
Hoje como hontem 31
Discurso pronunciado na Assembléa Civica
no dia 20 de Julho de 1924 na Praça
•Floriano Peixoto . 37
A columna de fogo . 47
Discurso pronunciado na Assembléa Civi
ca do dia 24 de Julho, na praça Flo
riano Peixoto . 55
O que é necessario . 61
Raul Soares 67
Doutrina contra doutrina 73
A outra face . . 81
Ås barbas de um boato 87
A hora de coherencia . 93
Inquebrantavel fé . . 99
Firme ! . 107
As classes armadas e seus calumniadores 113
A affirmação interior . 119
A margem de um grande livro . 129
Epitacio Pessoa 137
294 A COLUMNA DE Fogo

Resposta a Antonio Sardinha . 147


A obra de Tasso da Silveira na evolução
da poesia brasileira . 157
A ultima pastoral de D. Duarte Leopoldo 189
Os boatos da amnistia . . 195
Discursos aos surdos I 201
Discursos aos surdos II 207
Discurso pronunciado no dia 22 de Abril
de 1925 na Faculdade de Philosophia
de S. Paulo . . . 213
A negrada dos quarteis e a palavra de
José de Maistre . . 229
Resposta a Plinio Barreto. 241
Resposta á voz da innocencia 253
A grande procissão . . 269
Inactuallidades actuaes . 277
Victimas e algozes . 285
ACABOU DE SE IMPRIMIR
NA TYPOGRAPHIA DO ANNUARIO DO BRASIL ,
(ALMANAK LAEMMERT)
R. D. MANOEL, 62 — RIO DE JANEIRO
AOS 3 DE NOVEMBRO DE 1925
1
COLLECÇÃO EDUARDO PRADO

( CENTRO D. VITAL )

Serie A.

Pascal e a Inquietação moderna Jackson


de Figueiredo 48000
O Clero Nacional e a Independencia do Bra
sil – D. Duarte Leopoldo da Silva 49000
Ensaios de Critica Doutrinaria -- Perillo Gomes 49000
Pelo Altar e pela Patria Placido de Mello 43000
As duas Bandeiras (Catholicismo e Brasilida
de) Alcibiades Delamare 48000
A Theosophia – Perillo Gomes 59000
Affirmações — Jackson de Figueiredo . 5 $ 000
Literatura Reaccionaria – Jackson de Figuei
4 $ GOS
A Historicidade da Existencia humana de
Jesus -Christo Lucio José dos Santos 590603
A Doutrina da Ordem – Hamilton Nogueira. 5 $ 006
A Columna de Fogo - Jackson de Figuei
redo 5 $ 000

Serie B

Cheia de Graça Durval de Moraes. 48000


Symphonia Evangelica Carlos Magalhães
Azeredo 38000
Leviticas Francisco Karam 39000

Serie C

Julio Maria - Jonathas Serrano 58000


Auta de Souza - Jackson de Figueiredo 28000
Durval de Moraes e os Poetas de Nossa Se
nhora - Jackson de Figueiredo 5 $ 000
RETURN TO : CIRCULATION DEPARTMENT
198 Main Stacks

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NOV 2 3 2002

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