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6 CACHAÇA EM REVISTA

CACHAÇA EM REVISTA 7
ABRIDEIRA

Cachaça É Simples

A
té o ano passado, a cachaça era o produto mais tributado do país.
O consumidor pagava 81,8% ao Estado em cada garrafa. Os outros
18,2% tinham que cobrir os custos e remunerar varejista, distribuidor e
produtor. Difícil, não?
Pois no início do ano, o que era ruim piorou. O IPI (Imposto sobre Produtos
Industrializados) sobre a cachaça subiu de um máximo de R$ 2,90 por garrafa
para 25% do valor da garrafa. Para uma cachaça que sai do alambique por R$ 50,
o IPI subiu a R$ 12,50 – um aumento da ordem de 330%.
Imposto é bom. Financia serviços públicos como educação e saúde e
possibilita políticas redistributivas. Mas imposto demais é injusto e pouco
inteligente, porque sufoca a produção, ceifa empregos, encarece demais os
produtos e, no limite, simplesmente destrói a fonte dos recursos.
Diante da situação de penúria dos cofres públicos, parece difícil reverter
no curto prazo o aumento da carga sobre a cachaça. Mas isso não deve ser
esquecido no médio prazo. A alternativa mais viável, hoje, para dar algum
fôlego aos produtores de cachaça é a possibilidade da inclusão dos pequenos
produtores no regime de tributação conhecido como Simples, o que permitiria às
empresas com menor escala de produção algum alívio. O regime de tributação
abrange empresas com faturamento de até R$ 3,6 milhões/ano, ou seja, a maior
parte das empresas do ramo.
Ao vetar a participação da cachaça no Simples, o Estado equipara o destilado
nacional brasileiro a setores como armas de fogo e explosivos. Dessa forma,
desmerece todo o valor simbólico do destilado nacional, desvaloriza o seu
papel como criador de empregos na agroindústria e prejudica as suas amplas
possibilidades de penetração no mercado externo.
A cachaça é um produto que conta uma história do Brasil, é uma
representação do país, aqui e lá fora. Nesse sentido, trata-se de um produto
estratégico. Que sentido pode fazer vedar sua entrada num regime de tributação
que admite a produção de biscoitos ou a corretagem de seguros?
A Cúpula da está ao lado das associações do setor, inclusive na Câmara
Setorial, nessa luta. E é comprometida com todas as iniciativas de fortalecimento
e profissionalização da Cachaça, para o qual esperamos que os artigos que
compõem a quarta edição da Cachaça em Revista possam colaborar. Boa leitura!

Dirley Fernandes
Editor e “cúpulo”
Produção: Cúpula da Cachaça e Carbonários!
Expediente

Editor: Dirley Fernandes


CAPA:
Editor de Arte: Sidney Ferreira Maurício Motta
Fotos: Maurício Motta
Produção gráfica: Maurício Maia
Coordenação Comercial: Milton Lima e
Maurício Maia

https://www.facebook.com/CupuladaCachaca

www.cupuladacachaca.com.br
EDIÇÃO NO 4 // JUNHO 2016 // ANO III
EM REVISTA

10II Ranking Cùpula da Cachaça


Como foi o mais abrangente
concurso do setor
20 tendência
Cachaça também passa por
processo de premiunização
24 CONSUMO
As mudanças no perfil
de quem bebe cachaça
26 ESPECIAL
As boas práticas de produção,
destiladas por Leandro Marelli
32 rotulagem
A desafiadora tarefa de cumprir
a complexa legislação
36 SUSTENTABILIDADE
A cachaça precisa fazer a sua
parte, começando pelos barris
38 coquetelaria
Os drinques com cachaça do
Mestre Derivan
40 EDUCAÇÃO
Cesar Adames faz um raio-X dos
cursos em que a ‘marvada’ é o tema
44 oportunidades
Como a cachaça pode
alavancar carreiras
46 Gastronomia
A harmonia de um destilado
que vai bem com (quase) tudo

48 exportação
A importância da pesquisa
de mercados

52 gestão
O marketing aplicado
à cachaça de alambique
56 versos caipiras
A poesia de Sidnei Maschio

10 CACHAÇA EM REVISTA
Quem são
os cúpulos
1 Cesar Adames Especialista no mercado de 8 Dirley Fernandes Jornalista, editor
tabaco e destilados. É colaborador das revistas e documentarista. É editor da revista e selo
Adega, Menu e Robb Report. Como professor da de livros História Viva e do blog Devotos da
UCS-ICIF, Senac e da IBA-International Bartenders Cachaça. Com passagens por Manchete, Extra,
Association, é responsável pela disciplina JB, Jornal do Commércio, colunista da Gula e
Charutos & Bebidas. O DIA, é autor do documentário Devotos da
Cachaça (2010), sobre a inserção da cachaça na
2 Maurício Maia À frente do site O Cachacier, cultura brasileira
ele é um dos maiores degustadores de cachaça do
país. Multimídia, é publicitário, chef de cozinha e 9 Nelson Duarte Tecnólogo em Bebidas,
especialista no líquido precioso há mais de 20 anos. Mestre Alambiqueiro, Master Blender e
Bartender certificado pela International
3 Leandro Batista Um dos mais conhecidos Bartenders Association, é autor do livro
sommeliers de cachaças do país, com passagens “Cachaça de Alambique: uma dose de
pelo restaurante Barnabé (SP) e, por um longo marketing” (2013) e especialista em Análise
período, Mocotó, em São Paulo. Sensorial pelo Centro Studi Assaggiatori de
Brescia, Itália.
4 Glauco Mello Jr Engenheiro químico
especializado na cadeia canavieira, trabalhou para 10 Milton LimA (Presidente) É
Copersucar e Raízen, entre outras. Desde 1996, é responsável pelo site cachaças.com,
consultor em produtividade e fermentação da Elanco, colecionador de cachaça e proprietário
atuando no Brasil, América Latina e Ásia. do Chalé Macaúva, que junta a Cachaçaria
Macaúva a uma pousada e um alambique
5 Manoel Agostinho Lima NovO para experiências com a bebida nacional
(secretário) Autor do livro Viagem ao mundo brasileira.
da cachaça, criador do site mundodacachaca.com e
do aplicativo Cachaça Brasil. Atua como consultor e 11 Sidnei Maschio Jornalista especializado
palestrantes e é formado em Análise Sensorial pelo em agronomia, foi da equipe do Estadão
Centro Studi Assaggiatori (Brescia, Itália). e do Globo Rural. É hoje apresentador do
jornal diário de agronegócios do canal Terra
6 Leandro Marelli Pós-doutor pela USP e Viva (Band), além de poeta, degustador e
Doutor pela Uenf, com estudos relacionados colecionador de cachaças.
à Tecnologia de Bebidas e ao Controle de
Qualidade em Bebidas Alcoólicas. Autor de 12 Erwin Weimman Químico, mestre-
artigos sobre qualidade química e sensorial da cervejeiro, responsável pela criação de várias
cachaça publicados em periódicos científicos cachaças e autor do livro Cachaça – A bebida
nacionais e internacionais. brasileira.

7 Peter Carl ArmstronG (Honorário) 13 MESTRE DERIVAN Eleito na última


Bacharel em Ciências Políticas pela Universidade de Cúpula da Cachaça, ele é o decano da
Victoria, Canadá, e especialista em comércio exterior, coquetelaria nacional e um dos responsáveis
desenvolveu os primeiros projetos de exportação da pela internacionalização da caipirinha. É
Cervejaria Brahma e das aguardentes 51, Caninha da bartender do Bar Numero, em São Paulo (SP) e
Roça e Caninha 21. É consultor da International Wine já foi vice-presidente para a América do Sul da
& Spirits Record, de Londres. IBA (International Bartender Association)

12 CACHAÇA EM REVISTA
A Cachaça no
topo
O II Ranking Cúpula da Cachaça mobilizou todo o setor e levou a cachaça
à primeira página dos jornais e a públicos nunca antes atingidos
Por DIRLEY FERNANDES

Q
uinta-feira, 28 de fevereiro. São oito da manhã Quando entrou setembro, nossa expectativa era a
e o whattsapp pipoca, sinalizando a chegada de que, até meados de outubro, quando faltassem duas
de uma mensagem do presidente da Cúpu- semanas para o término do prazo da Votação Popular,
la da Cachaça, Milton Lima. Era uma imagem pudéssemos ultrapassar em 20% o número de votos do
daquilo que nos jornais chamamos de “altinho”, aquelas primeiro ranking (5.300 votos). O resto seria lucro, por-
chamadas que ficam no alto da capa. Lá estava: “Paladar que, caso o padrão do I Ranking se repetisse, os votos se
– Cúpula da Cachaça. Confira o ranking das 50 melho- concentrariam nos três últimos dias.
res cachaças do Brasil”. Era isso. Depois de oito meses de E por que considerávamos que ter muitos votos na
trabalho intenso, tínhamos conseguido mais uma vez primeira fase era importante para medir o sucesso de
colocar a Cachaça na primeira página. Logo, o resultado nossa iniciativa?
do Ranking era replicado em mais de 200 sites de jornais Corta para maio de 2014. Naquele mês, surgiu dentro
de todo o país e blogs de todo o tipo, repercutindo nas do nosso grupo, observando o padrão tecnicamente pou-
redes sociais – já com as polêmicas de praxe. co satisfatório e nada abrangente dos rankings existentes
Corta para 20 de agosto do ano passado. Eram 0h39 no setor, a ideia de um concurso de cachaças de realmen-
quando postei na página da Cúpula no Facebook: “Tá va- te nacional, envolvendo todo o setor. Fazia sentido que a
lendo! Começou a primeira fase do II Ranking Cúpula da Cúpula da Cachaça realizasse essa tarefa. Éramos àquela
Cachaça, o Voto Popular”. Os primeiros cem votos che- altura 11 especialistas de diferentes formações e trajetó-
garam antes da primeira hora. A visualização dos posts rias respeitadas no universo da cachaça. Tínhamos capaci-
da nossa página subiu da noite para o dia de algumas dade, organização e disposição para o desafio. A proposta
centenas por semana para muitos milhares (em dezem- foi acolhida com entusiasmo de saída. Mas uma dúvida
bro, atingiríamos 60 mil visualizações semanais) e marcas logo nos dominou: para que fazer um concurso desse
de todo o Brasil começaram a pedir votos, produzindo porte, correndo o risco de ferir suscetibilidades?
peças específicas para postar nas redes, inclusive vídeos É preciso explicitar uma coisa: quase todo produtor de
muito bem elaborados. O mercado todo se movimenta- cachaças acredita que faz a melhor cachaça do mundo. E
va. A cachaça ganhava visibilidade. na maior parte das vezes, ele está certo. Ele faz a melhor

14 CACHAÇA EM REVISTA
dar a impulsionar o setor como um
todo. E, depois de burilar por meses o
modelo da disputa, encontrar no Pa-
ladar Estadão, na Cachaçaria Macaúva
e na distribuidora Solution os parcei-
ros ideais, tocamos em frente e, en-
frentando mares tormentosos, che-
gamos a porto seguro. Fomos muito
bem-sucedidos. Na primeira semana
de fevereiro de 2014, impulsionada
pelo I Ranking, a Cachaça era assunto
em mais de cem publicações entre
rádios, TVs, sites e jornais, inclusive no
exterior. E tivemos o testemunho de
muitos produtores que tiveram seus
negócios facilitados – aqui e lá fora
– pela chancela de qualidade que a
participação no Ranking proporciona.
Corta de volta para setembro de
2015. No dia 28, o secretário da Cúpu-
la, Manoel Agostinho Lima Novo, fez
uma contagem parcial dos votos e
me passou os números: 9.831. No dia
seguinte, chegamos a 10.000 votos e
passei um whatsapp para o presiden-
te Milton Lima e para o cúpulo Mau-
rício Maia: “Criamos um monstro!”. Em
30 de outubro, fechada a contagem,
o total de votos tinha se elevado a
22.418, quatro vezes mais do que na
cachaça do mundo... para ele mesmo. Mas as pos- primeira edição.
sibilidades sensoriais da cachaça, não obstante a Foi uma mobilização impressionante, que movimen-
sua matéria-prima única – o mosto fermentado de tou todas as pessoas envolvidas com a cachaça. Apurados
cana-de-açúcar –, são incontáveis. Então, a melhor
cachaça do mundo são muitas, dependendo de O II Ranking
quem vai provar. Agora, vai explicar isso a um pro- Cúpula da
Cachaça na
dutor legitimamente envaidecido com o resultado primeira página
de cinco, dez anos de esforços traduzidos em 50 do Estadão:
ml de um untuoso, cristalino, perfumado e saboro- fruto de oito
meses de
so líquido dentro de um martelinho... trabalho árduo
Corríamos o risco de nos indispormos com muita que envolveu
todo o setor de
gente. Mas resolvemos comprar a briga diante de um ar- cachaças
gumento: a possível repercussão do ranking, que poderia
dar uma enorme visibilidade para a cachaça e, assim, aju-

CACHAÇA EM REVISTA 15
Taças ISO,
garrafas
padronizadas
e numeradas e
tratamento
os votos, descartamos as cachaças não registradas – caso estatístico:
da Campanari, que muitos me afiançam ser um ótimo todos os
cuidados na
produto, mas que ainda estava em fase de registro em degustação
janeiro, segundo me informou pessoalmente o seu pro- às cegas
dutor, o que nos levou a, com muito pesar, excluí-la do
concurso. Temos como regra que todas as cachaças do
país participam automaticamente do Ranking, sem pre-
cisar pagar inscrição. As únicas condições são a de terem
o registro do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abas-
tecimento (Mapa) – o que para nós, garante a sua salu-
bridade – e a de estarem disponíveis no mercado. Não
degustamos, como acontece em alguns concursos cer-
vejeiros, produtos experimentais. Queremos a experiên-
cia do consumidor, para que nossas avaliações possam
servir com fidelidade como indicativo para esse público.
Para garantir que aquilo que bebemos é o que se bebe
nos bares e se compra nos supermercados, não recebe-
mos cachaças de fabricantes. As amostras que degusta-
mos são fornecidas por uma distribuidora que trabalha
com mais de 1.000 rótulos. Corta para 22 de janeiro deste ano. Sexta-feira, vés-
Apurados os votos, excluídas as inconformidades, pera de início da degustação às cegas, fase decisiva do
publicamos, em 12 de novembro, a lista da 250 Cacha- II Ranking Cúpula da Cachaça. Quase todos os cúpulos
ças Mais Queridas do Brasil (que pode ser encontrada no já estavam no Chalé Macaúva (SP), sede do evento – pa-
nosso site), a qual seguramente compreende 90% dos ralelamente, aconteceu a IV Cúpula da Cachaça, na qual
rótulos de cachaça que tem ao mesmo tempo qualidade debatemos a situação do mercado e nossas próximas
e alguma penetração no mercado nacional. iniciativas. Mas, onde estão as cachaças? Ilan Oliveira, da
Hora da segunda fase, a Seleção dos Especialistas. Solution Comercial, estava trazendo as 50 garrafas de
Como na primeira edição, houve rodadas e mais rodadas São Paulo, na caçamba de sua picape. Só de saber que
de exaustivas discussões para chegarmos à composição ele percorria a estrada com aquele tesouro, tremíamos.
do painel de experts que se juntaria aos 12 cúpulos para Mas logo ele chegou são e salvo e se pôs a trabalhar
destilar a lista de 250 cachaças e chegar às 50 finalistas. na transposição dos preciosos líquidos para as garrafas
Escolhemos 39 nomes, dos quais 27 puderam participar padronizadas e numeradas, depois de expulsar os cú-
e entregaram suas seleções a tempo e de forma correta. pulos que já haviam chegado em Analândia da área de
Foram craques como o futuro cúpulo Mestre Derivan, o degustação. Na tarefa, ele tinha a ajuda do estatístico
bartender Jean Ponce, o chef Rodrigo Oliveira, o mestre André Gomes Carneiro.
José Alberto Kede, da Confraria da Cacahça Copo Fu- André era o responsável por executar uma das novi-
rado, entre outras figuras fantásticas – e normalmente dades da segunda edição do Ranking: o uso das médias
muito ocupadas. Muitos e-mails, convocações, envios de ponderadas para a definição das notas finais de cada ca-
lista, cobranças por telefone etc... até chegarmos à lista chaça (a metodologia está descrita no site da Cúpula). Ele
de 50 cachaças finalistas. Nessa fase, os cúpulos Leandro e a repórter do Estadão Ana Paula Boni foram as únicas,
Marelli, Manoel Agostinho Lima Novo e Nelson Duarte se entre todas as pessoas que estavam em Analândia, a sa-
omitiram de votar nos rótulos em cuja produção estive- ber do resultado do II Ranking antes da noite de quarta-
ram envolvidos diretamente (respectivamente, Middas, -feira, quando o site do Paladar Estadão o publicou.
Werneck Safira Régia e Ypióca). Sábado de manhã. Amostras prontas, água e pão na

16 CACHAÇA EM REVISTA
Illan Oliveira encheu as taças e anunciou o nú-

Germana, um caso À parte


mero da amostra: 17. As taças foram distribuídas
aos cúpulos. Quando se inicou a degustação,
logo começaram as interjeições. “Nossa!”, veio
de um canto. “O que é isso?”, de outro. Muitos
“huuums” por toda a mesa. Logo, ficou claro que
estávamos diante de uma amostra gravemente
defeituosa. Não houve alternativa que não a de
levantar uma questão de ordem. Coube a este
cúpulo colocar a situação: devíamos desclassificar
a cachaça em virtude do estado da amostra ou
avaliá-la normalmente?
É bom lembrar que, na véspera, todos os la-
cres de todas as cachaças haviam sido verificados
e estavam intactos. O problema, sem dúvida,
ocorrera na fábrica.
Depois de uma breve discussão, presenciada
pelos jornalistas que ali estavam, diante do argu-
mesa, jornalistas da EPTV (afiliada da Globo em São Carlos- mento de que a garrafa de onde vinha a amostra
-SP), Estadão e TV Terraviva a postos. Às 10h, abrimos oficial-
era parte de um lote que já chegara a restauran-
mente a IV Cúpula da Cachaça. Antes de passarmos para a
degustação, aprovamos a criação do status de “cúpulo ho- tes, bares e mercados, decidimos que a amostra
norário” e apontamos o cúpulo Peter Armstrong para ser o seria avaliada normalmente,
primeiro a gozar desse status – que dispensa o cúpulo de Só viemos a saber que a cachaça em questão
algumas obrigações, sem perda de direitos. era a Germana, 26ª colocada do I Ranking, na
As degustações ocorreram entre sábado e domingo.
quinta-feira seguinte. Logo a seguir, entramos em
Foram seis baterias com seis amostras de cachaças cada e
contato e informamos à proprietária da tradicio-
duas com sete. Cada bateria durou em torno de meia hora
e foi sucedida por um descanso de 45 minutos. Usamos lin- nal produtora, Viviane Dirlene Maria Pinto, o lote
das taças ISO especialmente produzidas para a ocasião. O da amostra defeituosa, bem como explicamos
único incidente que perturbou o andamento da degusta- que os comentários negativos publicados pelo
ção foi o ocorrido com uma amostra problemática da tradi- Paladar Estadão foram colhidos pela repórter,
cional cachaça Germana (ver box).
legitimamente, mas em meio à discussão
No domingo, por volta de meio-dia, o dever estava cum-
prido. André, o estatístico, iniciou os seus trabalhos. Pouco sobre como deveríamos agir em relação ao
depois, Ana Paula, a repórter, foi ao chalé dele e saiu de lá problema – discussão essa que só poderia ser
colocando um pen drive na bolsa. Quando ela passou por realizada seguindo os critérios usuais da Cúpula
mim para se despedir, não pude me conter: “E aí?”, perguntei. e do Ranking: de forma pública e com absoluta
Ela disse: “Eu gosto assim, ranking com surpresa!”. transparência. Temos a convicção de que os
E mais não foi dito nem perguntado. Despedi-me
problemas foram sanados e a Germana voltará a
dela, com olho arregalado e, para relaxar, bebi uma dose
da cachaça... 35 – que só enquanto escrevo esse texto, brilhar no III Ranking, em 2018.
descubro ser a cearense Cedro do Líbano.

CACHAÇA EM REVISTA 17
E a Cachaça do Ano é...
P aranaense. Essa é a primeira surpresa quando
se observa o resultado do II Ranking Cúpula
da Cachaça. E a segunda ainda é capixaba! Onde
1
Porto Morretes Premium
Morretes (PR)
Três anos em carvalho
está Minas Gerais? Onde sempre esteve: produ- Graduação alcoólica: 39%
zindo cachaças do mais alto nível e emplacando
13 rótulos entre os 50 primeiros do nosso certa-
2
Reserva do Gerente Carvalho
me. Mas a ampliação das áreas de produção de
Guarapari (ES)
cachaças de alto nível no país é uma realidade Cinco anos em carvalho
incontestável que se refletiu no resultado do II Graduação alcoólica: 40%
Ranking.
A Cachaça do Ano foi a Porto Morretes Pre-
mium, uma cachaça aveludada por três anos de
envelhecimento em barris de carvalho produzida
em Morretes (PR), em plena serra do Mar. Ela
3
Companheira Extra Premium
substitui a Vale Verde 12 Anos – que, dessa vez, fi- Jandaia do Sul (PR)
Oito anos em carvalho
cou numa excelente 12ª colocação – no topo do
Graduação alcoólica: 40%
nosso ranking. Conheça todas as cachaças que
formam o Ranking Cúpula da Cachaça, válido até
o próximo concurso, em 2018.

Sanhaçu Umburana
4
Chã Grande (PE)
Dois anos em amburana
Graduação alcoólica: 40%

5Reserva 51
Pirassununga (SP)
Três anos em carvalho
Graduação alcoólica: 40,5%

Leblon Signature Merlet


6
Patos (MG)
Dois anos em
carvalho francês
Graduação alcoólica: 42%

7
Porto Morretes Tradição
Morretes (PR)
Seis anos em carvalho
Graduação alcoólica: 43%

18 CACHAÇA EM REVISTA
8
Weber Haus Extra Premium
Lote 48 Ivoti (RS)
Cinco anos em carvalho fran-
15
Magnífica Reserva Soleira
cês, um ano em bálsamo Miguel Pereira (RJ)
Graduação alcoólica: 40% Três anos em carvalho

9
Graduação alcoólica: 43%

Da Tulha Carvalho
Mococa (SP)
16
Dona Beja Extra Premium
Três anos em carvalho Araxá (MG)
Graduação alcoólica: 40%

10
Doze anos em carvalho

17
Graduação alcoólica: 40%
Anísio Santiago/ Havana
Salinas (MG)
Mazzaropi Carvalho Francês
Oito anos em bálsamo
São Luiz do Paraitinga (SP)
Graduação alcoólica: 47%
Um ano e meio em carvalho francês
Graduação alcoólica: 38%

11
Harmonie Schnaps
Extra Premium 18
Bento Albino Extra Premium
Harmonia (RS)
Dez anos em carvalho Maquiné (RS)
Graduação alcoólica: 38% Seis anos em carvalho
Graduação alcoólica: 40%

12
Vale Verde 12 anos 19
Betim (MG) Havaninha
Doze anos em carvalho Salinas (MG)
Graduação alcoólica: 40% Seis anos em bálsamo
Graduação alcoólica: 48%

13
Cedro do Líbano
20
Canarinha
São Gonçalo do Amarante (CE)
Salinas (MG)
Um ano em carvalho americano
Dois anos em bálsamo
Graduação alcoólica: 41%
Graduação alcoólica: 44%

14
Germana Heritage
21
Casa Bucco Ouro
Nova União (MG) Bento Gonçalves (RS)
Oito anos em carvalho + 2 anos Seis anos em carvalho e em bálsamo
no bálsamo Graduação alcoólica: 40%
Graduação alcoólica: 40%

CACHAÇA EM REVISTA 19
22
Reserva do Nosco Ouro
29
Maria Izabel Carvalho
Resende (RJ) Paraty (RJ)
Quatro anos em carvalho francês Um ano em carvalho
Graduação alcoólica: 44% Graduação alcoólica: 44%

23
Áurea Custódio 3 anos 30
Ribeirão das Neves (MG) Santo Grau PX
Três anos em carvalho Itirapuã (SP)

24
Canabella Ouro
Graduação alcoólica: 40% Carvalho americano (soleira)
Graduação alcoólica: 39%

Paraibuna (SP)
Três anos e meio
31
Da Quinta Amburana
( jequitibá, castanheira e amburana)
Carmo (RJ)
Graduação alcoólica: 44%
Um ano em amburana

25
Weber Haus Amburana
Graduação alcoólica: 40%

32
Ivoti (RS) Indaiazinha
Um ano em amburana Salinas (MG)
Graduação alcoólica: 38% Oito anos em bálsamo

26
Graduação alcoólica: 48%

Weber Haus Premium


33
Engenho Pequeno
Carvalho Cabriúva
Pirassununga (SP)
Ivoti (RS)
Dois anos em jequitibá
Um ano em carvalho e um ano
Graduação alcoólica: 47%
em bálsamo
Graduação alcoólica: 38%

27 34
Espírito de Minas
Werneck Ouro São Tiago (MG)
Rio das Flores (RJ) Dois anos em carvalho
Dois anos em carvalho e jequitibá
Graduação alcoólica: 42% Graduação alcoólica: 43%

28 35
Vale Verde Extra Premium
Magnífica Carvalho
Betim (MG)
Miguel Pereira (RJ)
Três anos em carvalho
Dois anos em carvalho
Graduação alcoólica: 40%
Graduação alcoólica: 43%
43
Mato Dentro Prata

36
Sebastiana Castanheira
São Luiz do Paraitinga (SP)
Um ano em amendoim
Graduação alcoólica: 42%
Américo Brasiliense (SP)
Um ano em castanheira
Graduação alcoólica: 39%
44
37
Coqueiro Prata
Paraty (RJ)
Claudionor Dois anos em amendoim
Januária (MG) Graduação alcoólica: 44%

45
Um ano na amburana
Graduação alcoólica: 48%

38
Reserva do Nosco Prata
Sanhaçu Freijó
Chã Grande (PE)
Dois anos em freijó
Resende (RJ)
Graduação alcoólica: 40%
Armazenada em inox
Graduação alcoólica: 42%

Caraçuípe Ouro
46
39
Werneck Safira Régia
Campo Alegre (AL)
Um ano e meio no carvalho
Graduação alcoólica: 40%
Rio das Flores (RJ)
Três anos em carvalho
Graduação alcoólica: 40% 47
Harmonie Schnaps Prata
Harmonia (RS)

40
Sapucaia Reserva da Família
Armazenada 6 meses em inox
Graduação alcoólica: 38%

Pindamonhangaba (SP)
Dez anos no carvalho 48
Authoral Brasília (DF)
Graduação alcoólica: 40,5%
Carvalhos francês e americano,

41
Santo Grau Paraty
bálsamo e cerejeira (soleira)
Graduação alcoólica: 40%

Paraty (RJ)
Armazenada em inox 49
Serra Limpa (freijó)
Graduação alcoólica: 42,8%
Duas Estradas (PB)

42
Armazenada seis meses em freijó
Graduação alcoólica: 47%
Santo Grau Cel Xavier Chaves
Cel. Xavier Chaves (MG)
50
Germana
Seis meses em tanques de pedra Nova União (MG)
Graduação alcoólica: 40% Dois anos no carvalho francês
Graduação alcoólica: 40%
Dirley Fernandes As degustações ocorreram
entre sábado e domingo.
Foram oito baterias com
seis ou sete amostras de
cachaças cada. As baterias
duraram em torno de meia
hora e foram sucedidas por
descanso de 45 minutos
22 CACHAÇA EM REVISTA
Premiunização
não é gourmetização

T
emos notado, há al- Cachacier e publicitário, a cachaça é um produto típico bra-
gum tempo, diversos sileiro; que não deve “tentar imitar”
avanços no mercado o cúpulo Maurício Maia outras bebidas; que isso fará a ca-
da cachaça. Talvez um chaça perder sua identidade; que
dos mais nítidos e mais
analisa a evolução do isso vai fazer com que os preços
questionados entre mercado de cachaças e da cachaça aumentem muito, etc.
alunos dos cursos que Sinto dizer que, ao meu ver, estão
aplicamos e consumidores em geral destaca a importância equivocados. A simples adoção de
se refere à aura de sofisticação que a práticas conhecidas de outros des-
cachaça vem adquirindo nos últimos do storytelling na tilados, seja na produção, no enve-
anos. Hoje, ao entrarmos em um bar valorização dos lhecimento, no design de sua em-
ou restaurante e procurarmos em suas balagem, no marketing, enfim, em
prateleiras e cardápios – infelizmente, produtos e marcas tudo que pode afetar a imagem de
poucos estabelecimentos possuem sua marca e a qualidade da bebida,
uma carta de cachaças exclusiva –, não descaracteriza a cachaça e nem
logo notamos cachaças com garrafas faz com que os preços aumentem
e rótulos sofisticados que muitas ve- da noite para o dia. Inclusive, estes
zes se assemelham e até se confun- são dois dos principais pontos que
dem com destilados das mais variadas colaboram para a sofisticação (ou
origens. Notem que coloco isso de for- premiunização) de uma cachaça:
ma positiva! Acho muito interessante qualidade e imagem de marca.
que o mercado da cachaça olhe para Quando falamos de melhoria da
as experiências bem-sucedidas de qualidade, são diversos os fatores
destilados de outros países e aplique que podem influenciar no produto
em seu dia a dia aquelas que possam final, mas neste caso vou me ater a
somar e melhorar a percepção do pro- citar dois: a) técnicas de produção e
duto junto ao consumidor. envelhecimento e b) apresentação
Muitos consumidores, e até mui- final do produto.
tos produtores, torcem o nariz para A qualidade da cachaça vem
esse fenômeno, argumentando que aumentando em escala exponen-

24 CACHAÇA EM REVISTA
O Museu da
Cachaça, em
Salinas, exibe a
enorme variedade
de rótulos no
mercado: como
se destacar?

cial. Além da pesquisa constante de agregando qualidade e valor. Sem começasse a buscar mais qualidade
universidades como a ESALQ/USP, falar no conhecimento que pode- para os barris e dornas produzidos
a UNESP e a UFMG/Lavras, o ponto mos adquirir com as experiências de com as amadas madeiras de nossa
chave talvez seja a profissionalização outros destilados, principalmente no riquíssima flora. Entendem o ponto?
do setor. Diversos cursos, hoje, con- que tange ao envelhecimento, que Melhora da qualidade. Da matéria
tribuem para a melhor formação de podem e devem ser aplicados à pro- prima, do processo, dos insumos. E,
toda a mão de obra envolvida no dução de cachaça. claro, do produto final.
processo de levar até nosso copo Outro fator é a maior disponibi- Outra questão importante é a
uma branquinha (ou amarelinha) lidade de equipamentos e insumos apresentação desse produto apri-
da melhor qualidade. Cursos como – imagine que há cerca 10 anos era morado, o que vai por fora. Ninguém
os do Cana Brasil, que vão desde a praticamente impossível adquirir no vai malvestido a um baile de gala. E
produção (mestres alambiqueiros) Brasil tonéis novos de madeiras eu- aqui englobo desde os aspectos tan-
até a venda/consumo (cachaciers ou ropeias e norte-americanas, como gíveis, como a garrafa e o rótulo, até
sommeliers de cachaça), buscam le- o carvalho . Hoje, existem diversas os mais abstratos, como marketing,
var aos produtores ou aos aficionado empresas que importam esses barris imagem de marca e “storytelling”.
todos os avanços das pesquisas aca- no país, a um custo viável para pe- Já é notório que para uma gar-
dêmicas. Isso resulta em profissionais quenos e médios produtores. Isso fez rafa ser escolhida pelo consumidor,
que buscam a evolução da bebida, com que a indústria tanoeira nacional ela precisa se destacar. Quem atrai

CACHAÇA EM REVISTA 25
a atenção e a empatia na prateleira e saboroso. Também obedece a es- “storytelling”, ou – em uma tradução
sai em vantagem na hora da venda. tratégias para diferenciar a marca literal – “contação de histórias”, que
Hoje é comum, até mesmo entre as dentro de um mercado com mais de nada mais é que buscar a empatia
marcas mais populares, o lançamen- 4 mil rótulos disponíveis. Claro que, do consumidor através da história
to de lotes especiais, com líquidos desse total, somente cerca de 10% da marca ou do produto, aliando in-
normalmente mais envelhecidos, chegam aos grandes mercados con- formação técnica, tradição, história
garrafas finas e numeradas, rótulos sumidores – São Paulo, Rio de Janei- familiar, herança regional, ou qual-
mais trabalhados, produção limita- ro, Belo Horizonte e algumas outras quer outro fator que possa apelar ao
da e, consequentemente, maior va- capitais, como Recife e Porto Alegre. emocional e influenciar na percep-
lor agregado. Isso proporciona uma E, mesmo assim, as marcas precisam ção da marca. Muitas marcas têm
margem maior para o produtor, tor- brigar para atrair a preferência do história, mas poucas a contam para
nando o negócio mais atrativo. consumidor que nos últimos anos o consumidor. E não precisa ser algo
passou a ter acesso a bebidas e ali- mirabolante. A família que produz
Diferenciação de marca mentos de todo o mundo, refinando há mais de um século, a fazenda que
Porém, o processo de premiuni- seu paladar e exigindo dos produto- utiliza métodos tradicionais de uma
zação da cachaça não se deve so- res cachaça que proporcionem uma região, a cachaça que é envelhe-
mente a um visual mais bonito e a experiência mais exclusiva e impac- cida em barris reutilizados, através
um líquido de qualidade, aromático tante. Para isso não basta somen- de processos tradicionais de outras
te uma embalagem bonita, bem- bebidas européias... tudo pode so-
-acabada e um produto saboroso. É mar para criar uma imagem e gerar
necessário que se comunique isso identificação. Quando isso tem cor-
ao consumidor, que se crie uma ex- respondência no copo e na boca, a
pectativa de consumo. Isso pode ser lealdade do consumidor é conquis-
feito através do que chamamos de tada. O que ocorre é a percepção de
superioridade da proposta de valor
da marca, e isso pode gerar uma lon-
ga relação.
Enfim, quando fala-
mos em “premiuniza-
ção” da cachaça não
estamos falando em
“gourmetização”, que
considero um fenô-
meno fútil e efêmero,
mas em conquistar os
consumidores por meio
de marcas e produtos di-
ferenciados e de alto valor
percebido, criando valor
para a empresa, empregados,
Werneck Safira fornecedores e clientes. O que
Régia: exemplo gera “lucro” para todo mundo.
de produto Podem estar certos de que, da mi-
premium que
usa o storytelling nha parte, espero desse fenômeno
longos e deliciosos goles. Saúde!

26 CACHAÇA EM REVISTA
Qual é a
melhor
cachaça?
O novo perfil do
consumidor visto de trás
do balcão pelo cúpulo
Milton Lima, que está à
frente da Cachaçaria
Macaúva há cinco anos

Milton Lima:
aposta
na diversidade
dos sabores
da cachaça

A
o longo dos últimos cinco mercado da cachaça. Além, é claro,
anos, atrás do balcão de do mais importante: a qualidade do
uma cachaçaria, ouvi essa produto, que se revela de muitas for-
pergunta algumas centenas mas, mas, especialmente, no seu as-
de vezes e, depois de matutar, passei a pecto sensorial.
dar sempre a mesma resposta. Madeiras que foram subesti-
O mercado da cachaça se reinven- madas ou injustamente avaliadas
tou e se transformou nos últimos 20 no passado recente do mercado
anos, buscando ampliar seus espaços, – como castanheira, jaqueira e ipê,
enfrentando ainda a luta contra um entre muitas outras – agora ga-
persistente preconceito histórico que, nham merecido reconhecimento e
às vezes, parece ter 500 anos, como o já dividem a preferência do consu-
próprio Brasil. Inovações na produção, midor com o tradicional carvalho.
lançamentos bem realizados e criati- Ao mesmo tempo, o perfil do
vidade no marketing têm sido funda- consumidor de cachaça no Brasil
mentais para o desenvolvimento do ficou muito mais amplo e variado,

28 CACHAÇA EM REVISTA
ao passo que a “bendita” vai ocu- ser aquilo que ela sempre foi nem de
pando mais espaço nas gôndolas estar nos lugares onde ela sempre
dos supermercados e nas mesas dos esteve: nos botequins de esquina,
restaurantes, sejam eles mais sofisti- na roda de amigos, no churrasco da
cados ou mais populares. A cacha- turma do bairro ou nas festas da fa-
ça conquistou o paladar feminino culdade.
e até quem só tomava bebidas im- De todos os preços, aromas, re-
portadas já se rende à qualidade e à giões, embalagens, com ouro, com
brasilidade da nossa branquinha (ou frutas, online, por sedex ou direto
amarelinha). do alambique, ela sempre está pre-

Cachaçaria Macaúva,
em Analândia (SP)

As amplas possibilidades de har- sente. Qualquer brasileiro pode de-


monização da cachaça na culinária gustar uma boa cachaça. Pois então,
abriram para a genuína bebida bra- a resposta para aquela pergunta lá
sileira as portas do universo gourmet, do começo deste texto, que eu re-
com cartas de cachaças elaboradas peti incansavelmente nestes últi-
com o devido critério, por profissio- mos cinco anos, é que a melhor é
nais. Essa presença da cachaça em aquela que te agrada, que te conta
restaurantes conceituados ajudou uma história, que te remete a uma
a elevar definitivamente o status do coisa boa. E mesmo buscando os
nosso destilado, apesar de ainda ter- conselhos dos especialistas, só você
mos muito caminho a percorrer. saberá qual é a sua melhor cachaça.
O mais interessante é que, apesar Então, mãos à obra...
do espetacular processo de “ascen-
são social”, a cachaça não deixou de Um brinde!
CACHAÇA EM REVISTA 29
O caminho das

Pedras
Um roteiro pelas BOAS PRÁTICAS DE FABRICAÇÃO
que podem garantir uma cachaça de qualidade, Leandro Marelli:
qualidade da cachaça
começa a se definir
desde o solo que recebe a cana até o produto final já no projeto

da destilação, conduzido pelo consultor técnico e


requisitos das BPF sejam cumpridos,
cúpulo Leandro Marelli

A
o que inclui definições de responsa-
bilidades e a realização dos controles
produção de cachaça se adequado para o consumo, como pre- de qualidade nas diferentes fases do
verifica, principalmente, conizam as Boas Práticas de Fabricação processo produtivo, incluindo a cali-
em micro, pequenas e (BPF). A BPF é um conjunto de normas bração de equipamentos e a valida-
médias empresas, que obrigatórias que estabelecem e padro- ção de processos de modo a garantir
são grandes geradoras de nizam procedimentos e conceitos de a integridade do produto durante
emprego e renda. Estas empresas vêm boa qualidade para produtos, proces- todo o seu prazo de validade.
se deparando com grandes desafios: sos e serviços, abrangendo da matéria- O treinamentos dos funcionários
a evolução da legislação ambiental, -prima ao produto final, contemplan- é essencial e deve atender a objeti-
novos materiais e equipamentos mais do controles de processos, produtos, vos como: redução de erros, envol-
eficientes, embalagens mais atrativas, treinamento, higiene, sanitização, ma- vimento no trabalho, aumento de
entre outros fatores, além de mudan- nutenção de equipamentos, controle motivação, criação de capacidade de
ças relacionadas aos caminhos para de pragas e devolução de produtos. O resolução e prevenção de problemas
conquistas maiores, inclusive de espa- objetivo é a segurança do consumidor. e melhor comunicação. Com isso, é
ços em mercados no exterior. Com isso, Os principais benefícios da aplica- possível aumentar a qualidade dos
a exigência de qualidade cresce. E são ção das BPF são: obtenção de alimen- produtos ao passo que se reduzem
os cuidados no processo produtivo, tos e bebidas mais seguros; redução os custos operacionais.
desde a produção da cana até o enva- dos custos decorrentes do recolhimen-
samento, com o devido atendimento to do produto impróprio no mercado; 1º PASSO: O PROJETO
às normas legais, que vão resultar num maior satisfação do consumidor; maior A boa qualidade da cachaça de
produto sensorial e ambientalmente motivação e produtividade dos funcio- alambique inicia-se no projeto, ao se
correto e, portanto, competitivo. nários; ambiente de trabalho mais lim- definir a variedade de cana a ser plan-
Existe uma série de normas e regras po e seguro e atendimento à legislação tada, as técnicas de cultivo e colheita,
que envolve a infraestrutura e higiene nacional e internacional vigente. os equipamentos e instalações, os
do estabelecimento, dos funcionários Um sistema de garantia da qua- processos de moagem, fermentação,
e do processamento de um produto lidade deve assegurar que todos os destilação e envelhecimento.

30 CACHAÇA EM REVISTA
A produção da cachaça usa como e emissões de brotações aéreas. Quei- área que deve ser colhida. As canas
matéria-prima o caldo de cana. Antes mar os canaviais é um fator prejudicial bem maduras apresentam teor de
de implantar um canavial destinado à qualidade da cachaça, embora facili- sacarose nos internódios da ponta
à produção de cachaça, o produtor te a colheita. A prática acelera a dete- próximos aos do meio e ligeiramen-
deve atentar a diversos fatores inter- rioração da cana, ainda no campo, por te menores que os da base. Não se
relacionados, como o potencial ge- conta da inversão da sacarose, e pode recomenda o uso de substâncias
nético das variedades de cana e sua levar ao acúmulo de cinzas nas dornas químicas para induzir a maturação
adaptabilidade ao ambiente; as con- de fermentação, interferindo negativa- da cana destinada à produção de ca-
dições físicas, químicas e biológicas mente no processo fermentativo. chaça. Deve-se iniciar a safra quando
do solo; as condições climáticas; os No paladar da cachaça, identifica- o IM encontrado variar entre 0,85 a
tratos culturais a serem empregados -se com certa facilidade o gosto de 1,0 – ponto ideal de colheita.
(preparo do solo, aquisição de mudas, queimado (associado ao aumento do Após ser cortada, a cana deve ser
forma de plantio, controle de ervas teor de furfural, hidroximetilfurfural e disposta paralelamente em pequenos
daninhas, pragas e doenças). compostos correlatos), o que depre- montes. O transporte para a seção de
cia a qualidade do produto. Deve ha- moagem deve ser realizado o mais
A COLHEITA ver, também, preocupação constante rápido possível (no máximo, 24 horas
A colheita da cana-de-açúcar re- com a limpeza da cana, visando à ob- após o corte), procurando evitar tanto
flete todo o trabalho desenvolvido e tenção de um caldo rico em açúcar e danos mecânicos quanto a ação direta
conduzido no campo, culminando na livre de impurezas. da luz solar. A luz e o calor favorecem a
entrega de uma matéria-prima que Saber o momento ideal para a proliferação de bactérias, que aumen-
contribua na obtenção de um produ- colheita também é fundamental, e tam a viscosidade do caldo, prejudi-
to final de qualidade. A cana destinada existem técnicas que auxiliam nessa cando a decantação do fermento, o
à produção da cachaça deve ser corta- etapa. Antes de iniciar o processo de rendimento da fermentação e, conse-
da bem rente ao solo e sem a queima produção da cachaça, deve-se fa- quentemente, a qualidade do vinho a
do canavial (cana crua). O corte rente zer o levantamento do canavial, de ser destilado, produzindo compostos
ao solo evita infestações de pragas e modo a obter o Índice de Maturação indesejáveis, que poderão ser destila-
doenças nas soqueiras remanescentes (IM) da cana, e assim, determinar a dos e incorporados à cachaça.

Para cada solo e


cada clima, uma
variedade
de cana será a
mais indicada
O caldo da cana pode apresentar teores diferenciados

MOAGEM O caldo que sai da moenda ainda Após o término da moagem diá-
A moagem propicia a extração do não está adequado para a produção de ria, a moenda e todos os acessórios
caldo existente nos colmos da cana. cachaça. Ele deve ser filtrado e decan- (bicas, coador, tubulações) devem
Na cana madura, o caldo possui, tado para separação de impurezas an- ser enxaguados, abundantemente,
aproximadamente, entre 75% a 82% tes de ir para as dornas de fermentação. com água, de preferência quente. Os
de água e de 18% a 25% de açúcares. Uma filtragem eficiente pode ser con- ternos de moenda, os condutores de
O objetivo desta etapa é recuperar o seguida com o uso de peneiras rotati- cana, as bicas de caldo, os coadores
açúcar dissolvido no caldo. Duran- vas. Após a filtração, o caldo deve ser e os tanques receptores devem ser
te a moagem, o caldo não pode ser direcionado para o decantador, onde lavados co lavadora de alta pressão.
contaminado com óleo ou graxa de as partículas sólidas remanescentes As tubulações devem receber
lubrificação do equipamento. Esse no caldo filtrado e mais densas que ele água potável e vapor, após o uso diá-
óleo iria para a dorna e o álcool pro- (resíduos de terra), se deslocam para o rio. A cada 15 dias, deve-se fazer uma
duzido na fermentação o dissolveria fundo do recipiente e o bagacilho, me- limpeza completa, com produto al-
(solubilização), produzindo compos- nos denso que o caldo, fica retido nas calino à base de hidróxido de sódio
tos que afetariam a qualidade final aletas suspensas do decantador. (NaOH). Esses cuidados se refletirão
da cachaça. Entre estes compostos, O sistema de filtração permite que numa boa fermentação, com sensí-
destaca-se o carbamato de etila, um o caldo chegue o mais puro e limpo vel aumento no rendimento alcoóli-
contaminante indesejável, suspeito possível às dornas de fermentação. Ba- co e na qualidade do produto final.
de ser precursor do câncer. A con- gacilhos, bagaço e folhas nas dornas O caldo da cana pode apresen-
centração máxima permitida desse provocam contaminação bacteriana tar teores diferenciados de açúcar
composto, pela legislação brasileira (mucilagem), produzindo fermenta- em função da maturação e varieda-
em vigor, é de 210 µg por litro de ções secundárias (lática, butílica, má- de. Caldo com percentual de sóli-
cachaça. A moenda deve ser lavada lica), cujos produtos aparecerão no dos solúveis (ºBrix) acima de 16 a 18
diariamente, antes e depois da mo- destilado. O bagacilho, chegando ao °Brix devem ser diluídos até atingir
agem, sempre monitorando algum alambique, pode provocar a formação essa faixa antes de ser fermentado.
excesso de lubrificante. de furfural e metanol. A água utilizada para a diluição do
caldo deve ser limpa, inodora, inco-
Dornas de fermentação: lor, sem microrganismos patogêni-
cuidados redobrados contra cos e estar dentro dos critérios de
contaminantes
potabilidade. A água não deve ser
adicionada ao caldo diretamente
na dorna. Essa prática implica em
riscos de choque osmótico sobre as
leveduras que compõem o fermen-
to, com prejuízos para o rendimen-
to da fermentação.
Há vários inconvenientes no uso
de caldos muitos diluídos ou muito
concentrados. Um caldo com con-
centração de açúcares superior a 18
oBrix pode levar a um elevado teor
alcoólico, durante a fermentação,
prejudicial à atividade fermentati-
va das leveduras, além de acarretar
fermentações lentas e incompletas.

32 CACHAÇA EM REVISTA
de açúcar em função da maturação e variedade.

Por outro lado, um teor muito abai- ção de espuma e liberação de aroma. pé-de-cuba (deposite-o numa dor-
xo de 15º ou 16º Brix, proporciona O aroma deve ser agradável, lem- na volante ou na panela do alambi-
uma fermentação muito rápida, le- brando frutas maduras. Aroma ácido, que); e, ao reiniciar a fermentação,
vando o vinho a ficar muito tempo rançoso, sulfídrico ou genericamen- pré-aquecer ligeiramente o caldo
parado na dorna, o que provocará te estranho é indicativo de conta- (28 a 30 oC) para ativar o fermento.
uma produção muito maior de al- minação. Por exemplo, cheiro de
coóis superiores e facilitará as in- vinagre indica que provavelmente DESTILAÇÃO
fecções por bactérias. Com caldos esteja ocorrendo fermentação acéti- A destilação do vinho deve ser re-
muito diluídos, tem-se ainda maior ca, e o de ovo podre está relacionado alizada tão logo termine a fermenta-
quantidade de vinhoto, menor ren- à ocorrência de fermentação butíri- ção e a levedura sedimente. Longas
dimento da destilação e maior con- ca. Ambas são indesejáveis por pro- esperas trazem perdas por evapora-
sumo de energia e de água. duzirem compostos que prejudicam ção do álcool, pelas fermentações
o rendimento da fermentação e a secundárias (contaminações) que
FERMENTAÇÃO qualidade físico-química da bebida. podem ocorrer e pela formação de
A fermentação tem início quan- A higiene das dornas é funda- alcoóis superiores.
do o fermento contido no fundo mental para evitar a contaminação A destilação é um processo físico
da dorna, o “pé-de-cuba”, começa a do mosto, preservando assim, a usado para separações químicas, ob-
ser alimentado pelo caldo de cana. qualidade do vinho. Caso a espuma jetivando especialmente a purifica-
O ciclo completo compreende vá- da fementação derrame durante a ção ou formação de novos produtos
rias etapas e deve ser ajustado para fermentação, enxagua-se imediata- por decomposições de frações. Na
que se complete no intervalo de 24 mente as paredes externas da dorna produção de cachaça, deve-se con-
horas, facilitando a manutenção de e o piso. Após a fermentação, faz-se siderar ainda a formação de compo-
uma rotina operacional. uma limpeza nas paredes internas nentes em virtude de reações que
A alimentação das dornas con- das dornas, com álcool 70%, para ocorrem dentro do alambique de
siste na transferência do caldo de eliminar incrustações de fermento, cobre. Ao destilar o vinho da cana,
cana para a dorna já contendo o pé- devolvendo essas incrustações ao pé obtém-se um novo líquido, com teor
-de-cuba. É recomendável que essa de cuba, para revigorar o fermento. alcoólico cinco a seis vezes maiores.
transferência seja feita lentamente, Outros cuidados para assegurar Durante a destilação o vinho é se-
num período entre 6 e 8 horas (sis- uma fermentação saudável incluem parado em três frações: “cabeça”, “co-
tema de fermentação em “batelada- só usar caldo fresco e controlar a ração” e “cauda”. A separação dessas
-alimentada” ou semicontínuo), temperatura. A sala de fermentação frações durante o processo de desti-
muito mais eficiente que a “batela- deve ser bem ventilada para a exaus- lação é de fundamental importância
da-simples” (sistema descontínuo), tão do gás carbônico, mas livre de na produção de cachaça. A fração
no qual todo o caldo é transferido correntes de ar que possam incidir “cabeça” é recolhida nos primeiros
rapidamente para a dorna, prejudi- sobre as dornas. O acesso de pesso- minutos da destilação.
cando o fermento. as estranhas deve ser controlado. Por O destilado de “cabeça” corres-
Enche-se no máximo 75% a 80% fim, é preciso se assegurar de que, na ponde aos primeiros vapores con-
do volume total da dorna, a fim de prática, todo o fermento decantou densados e contém altas concentra-
evitar o transbordamento do mosto antes de encaminhar o vinho para o ções de álcool (geralmente, acima
durante o processo de fermentação. alambique para destilação. de 60% v/v). O volume dessa fração
O ideal é que o processo se encerre Se for necessário interromper a deve corresponder a 1% a 2% do vo-
no intervalo de 14 a 18 horas. Duran- produção da cachaça nos finais de lume total de vinho inserido na cal-
te o processo fermentativo ocorrem semana, deve-se toma-se alguns cui- deira/panela do alambique, e deve
diversas mudanças no caldo, como: dados extras, como não deixar vinho ser descartado, por conter altos teo-
liberação de gás carbônico, forma- nas dornas para não comprometer o res de metanol, de acetaldeído e

CACHAÇA EM REVISTA 33
O “coração” é a cachaça propriamente dita e deve ser
recolhido por um tempo, aproximado, de duas horas,
logo após a separação do destilado de cabeça.

acetato de etila, que, em concentra- A medida do teor de álcool é rea- nela do alambique deve permanecer
ções elevadas, se tornam indesejáveis. lizada com o alcoômetro, em % (v/v) cheia com água, que reduz a oxida-
O “coração” é a cachaça propria- a 20 ºC, seguindo a legislação. Alguns ção do cobre, evitando a formação
mente dita e deve ser recolhido por aparelhos de destilação possuem do azinhavre e evitando a contami-
um tempo, aproximado, de duas acoplado à saída do resfriador uma nação da cachaça.
horas, logo após a separação do des- proveta, que tem como função rece- Todas as seções de fabricação de-
tilado de cabeça. A fração “coração” ber o destilado e o alcoômetro que vem ser mantidas livres de moscas,
representa cerca de 16% do volume medirá o seu teor alcoólico. Deve-se mosquitos, baratas, ratos, camundon-
do vinho e de 80% do destilado (de- acoplar um termômetro na proveta, gos ou quaisquer outros insetos ou
pendendo do teor alcoólico deseja- para medir a temperatura do destila- animais, agindo-se cautelosamente
do e da concentração de álcool do do, e efetuar as correções necessárias quanto ao emprego de químicos,
vinho). Minha sugestão é limitar o usando uma tabela com as correções cujo uso só é permitido nas depen-
recolhimento desta fração quando das leituras da concentração alcoólica dências não destinadas à manipula-
o teor alcoólico do destilado atingir a diferentes temperaturas. ção ou depósito de produtos.
39% (v/v). Geralmente, quando a O alambique deve ser lavado in- Mensalmente ou quando a situ-
graduação alcoólica fica abaixo de ternamente após o término das des- ação indicar, os pisos e as paredes
38% (v/v), o destilado começa a ficar tilações e suas peças internas, como das seções devem ser lavadas com
turvo e, portanto, indesejável. o deflegmador e a serpentina, que detergente, água em abundância e
A fração “cauda”, ou “água fraca”, compõem a coluna do destilador, hipoclorito de sódio (água sanitária)
corresponde aproximadamente 3% devem ser mantidas cheias de água. diluído em água a concentrações
do volume total do vinho. O ponto Durante a entressafra, também, a pa- entre 0,02% e 0,5%.
final da destilação ocorre quando o
teor alcoólico do destilado atinge Boas práticas de fabricação:
o limite de 14% (v/v). A partir deste ferramenta para a obtenção de
uma cachaça de alta qualidade
ponto, o que sobra na panela é con-
siderado vinhoto. Alguns produtores
nem chegam a destilar a “cauda”, in-
corporando-a ao vinhoto. Indepen-
dentemente do tamanho da panela,
o destilado (“cabeça”, “coração” e “cau-
da”) deve ser recolhido num período
aproximado de 160 minutos.
As frações “cabeça” e “cauda” não
devem ser usadas na cachaça, por
apresentarem compostos indese-
jáveis, que proporcionam a famosa
“ressaca”. Por isso, condena-se o enri-
quecimento do vinho com esses pro-
dutos, e a sua mistura para uso em
bebidas de segunda linha. Essas fra-
ções pode ser usado para produção
de álcool, por meio de uma coluna de
destilação, ou mesmo álcool gel.

34 CACHAÇA EM REVISTA
À esquerda,
detalhe do rótulo
da Vale Verde 12
anos: sem falhas

Muito mais que


um rostinho bonito
Os rótulos de cachaça precisam seguir uma vasta gama de normas legais a
fim de garantir a segurança e a confiabilidade do produto. Porém, os produtos que
não apresentam não conformidades são uma exceção no mercado, comprova
estudo apresentado aqui pelo cúpulo Manoel Agostinho Lima Novo*

E
xiste um ditado antigo que diz que para você se sete marcas possuíam conformidade absoluta de rótulos. Ti-
dar bem precisa “ter um olho na missa e outro vemos cachaças com até sete pontos de não conformidade
no padre”. Isso, hoje, já seria pouco para os pro- (os produtores que desejarem maiores informações, podem
dutores de cachaça. Eles precisam ter um olho na entrar em contato com o autor do artigo pelo e-mail agosti-
qualidade do produto, outro na beleza da garrafa, mais nho@mundodacachaca.com). Na verificação, o item mais foi
um na embalagem, mais outro nos custos para ter preços observado como não conformidade foi a informação do lote
convidativos sem perder o lucro e ainda tem que sobrar (Decreto 6871/2009).
mais um para os rótulos, que, além de funcionarem como A história de rotulagem não começou agora. No início do
chamariz para o cliente, precisam ser honestos, fiéis e, século XIII, o rei da Inglaterra promulgou a que podemos cha-
principalmente, adequados à legislação. mar de primeiro mecanismo legal sobre rotulação. A lei sobre
Sim, adequados à legislação, legais, porque há uma o assunto foi chamada de Veredicto do Pão. Essa legislação
gama de leis, portarias, instruções normativas, etc regu- proibia que os padeiros misturassem ervilha, feijões e outros
lando a rotulagem, que, se não forem bem observadas cereais que não fossem o trigo na massa de pão, uma forma
poderão levar a sanções pesadíssimas. de obrigar o emprego desse cereal. Desde então, tem sido
E parece que nosso mercado produtor não anda uma briga de gato e rato entre a indústria alimentícia e o pú-
muito atento a isto. Basta dizer que, das 50 cachaças ran- blico. Nos Estados Unidos, a regulamentação dos alimentos
queadas no II Ranking Cúpula da Cachaça (2016), apenas remonta aos tempos coloniais.

36 CACHAÇA EM REVISTA
No Brasil a obrigatoriedade é mais recente, porém ga- endereço do produtor. Já o nome da cidade no rótulo é
nhou destaque com a implantação do Código de Defesa uma prerrogativas somente de região que obteve a IG (atu-
do Consumidor, no governo Collor. Há inúmeras razões para almente no Brasil, apenas Paraty, Salinas e Abaíra).
se rotular, sendo a principal a de ordem legal: são normas Outros produtores esquecem de colocar o nome da
gerais aplicáveis a alimentos e bebidas, expedidas por vários madeira na qual a cachaça foi armazenada/envelhecida,
órgãos reguladores (saúde pública, agricultura, metrologia, item obrigatório pela Instrução Normativa 13 do Ministério
defesa do consumidor, etc). O objetivo final é garantir ao da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), e outros
consumidor a segurança alimentar, rastreabilidade e, prin- mencionam apenas “armazenada em madeiras nobres”, fu-
cipalmente, a confiabilidade entre quem produz e quem gindo totalmente da legislação. Prazo de validade também
consome. é obrigatório, ainda que saibamos que a validade da cacha-
Não se pode, contudo, deixar de lado o caráter comer- ça é indeterminada.
cial. A rotulagem é uma espécie de carteira de identidade Outro erro comum é a nomenclatura do produto. Por
do produto, ela o identifica e aponta quem o faz. Em um exemplo, se a cachaça é envelhecida e extra premium, deve
mercado competitivo, quando se tem a diferenciação do constar no rótulo o termo CACHAÇA ENVELHECIDA EXTRA
produto, esta é uma base fundamental para o aumento das PREMIUM. Ocorre que muitos escrevem a palavra cachaça
vendas e o reconhecimento do produtor. num determinado corpo ou tipo e o restante em outro,
Detalhes simples num rótulo podem tirar o produto contrariando a IN 13 do Mapa.
do páreo, por isso estar antenado na legislação específica Cuidado! O termo orgânico não faz parte da denomi-
sobre rotulagem será sempre um diferencial. O Decreto nação, assim, a inscrição no rótulo “cachaça orgânica” pode
6.871/2009 no artigo 10 define com precisão o que é rótulo. não encontrar amparo legal.
Títulos, marcas, informações ou figuras que podem in-
RÓTULO é toda inscrição, legenda, imagem ou
duzir o consumidor a um engano, como, por exemplo, o
matéria descritiva, gráfica, impressa, estampada,
de acreditar que uma cachaça é produzida numa região,
afixada, encaixada, gravaÀda ou colada, vinculada
cidade ou estado diferente da verdadeira pode sujeitar o
à embalagem, de forma unitária ou desmembrada
produtor a penalidades.
sobre; a embalagem da bebida, a parte plana da cáp-
A importância da rotulagem levou a Embrapa Agricul-
sula, outro material empregado na vedação do reci-
tura de Alimentos a publicar, em 2015, o Manual de Rotu-
piente ou em todas as formas acima.
lagem de Alimentos e Bebidas, muito útil para consulta de
Há padrões específicos para o corpo das letras (Resolu- quem está preocupado com a comercialização de produ-
ção 259/2002); indicação de conteúdo (Portaria do INMETRO tos de boa qualidade, com respeito às regras e legislação.
157/2002); denominação do produto (IN 55/2002 do Mapa). E
detalhes que são verdadeiras cascas de banana. Por exemplo,
o uso de bandeira nacional é proibido (Lei 5.700/71), assim
como o uso de palavras em idioma estrangeiro (salvo se for
produto de exportação).
As frases obrigatórias como “Não Contém Glúten”; “Proibi-
da a venda a menores de 18 anos”, “Evite o consumo excessi-
vo de álcool” e “Indústria Brasileira”, se esquecidas, podem dar
muita dor de cabeça, e não é por conta de metanol , é da
fiscalização mesmo.
Muitos produtores, querendo valorizar seu produto e
agregar informações que enalteçam a sua região, colocam o
Manoel Agostinho
nome do estado ou da cidade no rótulo, mas isso é vedado. Lima Novo
A unidade da federação somente poderá estar agregada ao

CACHAÇA EM REVISTA 37
Podemos verificar abaixo o gráfico que demonstra as não con-
formidades nos rótulos da 50 cachaças que foram para a terceira
fase do Ranking Cúpula da Cachaça. Aliás devemos parabenizar as
cachaças finalistas cujos rótulos estavam em conformidade. Dessa
vez, esse fator não foi levado em consideração no nosso julgamen-
to. Mas não descartamos que, no futuro, com mais informação es-
palhada pelos produtores, isso possa acontecer. São elas:

Coqueiro Prata Amendoim – Paraty/RJ


Maria Izabel Carvalho – Paraty/RJ
Porto Morretes Premium – Morretes/PR
Reserva do Nosco Ouro – Resende/RJ
Sanhaçu Freijó – Chã Grande/PE
Vale Verde 12 anos – Betim/MG
Weber Haus Carvalho/Cabriúva – Ivoti/RS
Vale Verde 3 anos – Betim/MG
Weber Haus Lote 48 – Ivoti/RS

18% apenas estavam com conformidades.

Vejam onde pecaram...


%
35
30
25
20
15
10
5
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38 CACHAÇA EM REVISTA
ENVELHECIMENTO
sustentável
No país do desmatamento, nossa colonização cuidou para que a
árvore que, posteriormente, nos bati-
sas florestas tropicais, inicialmente,
nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste,
está na hora de os zou fosse gradativamente desapare- avançando pela região Centro-Oeste
produtores se cendo da nossa “Mata Atlântica”. e atualmente concentrando-se na
O que aconteceu em seguida no Amazônia.
preocuparem com algo Brasil e em toda a América, não foi Mesmo assim,o Brasil ainda possui
nada diferente do que ocorreu nos
que consumidores de outros continentes, em especial na
um vasto território coberto por flores-
tas ricas em diversidade biológica. Ao
todo o mundo já Europa e na Ásia. A ocupação antró- mesmo tempo, num mundo onde a
pica desorganizada e sem qualquer preocupação com os ambientes na-
se preocupam: planejamento a longo prazo permitiu turais se globalizou, unicamente pelo
sustentabilidade. Para que as fronteiras agrícolas e urbanas instinto de sobrevivência da espécie
fossem tomando o lugar das nos- humana, os olhares e exigências dos
começar, vamos falar
Tonéis de madeira
das madeiras dos tonéis no museu
da Ypióca
Por Humberto Candeias, mestre

O
cachacier da cachaça Zeca de Matos

“país do desma-
tamento”. Esse é
um dos títulos
mundiais que car-
regamos desde
que fomos desco-
bertos, ou “inven-
tados”. Simbolicamente, o primeiro
ato de nossos bravos navegadores
portugueses, católicos fervorosos, ao
celebrarem a primeira missa na Ilha
de Vera Cruz, foi o de tombar uma ár-
vore para transformá-la em uma cruz.
Depois disso, o caráter extrativista de

40 CACHAÇA EM REVISTA
Jequitibá rosa em Santa Rita
do Passa Quatro (SP)
países consumidores se tornaram
mais rigorosos, ainda que esquecen- quem diga que a cachaça de alam-
do a responsabilidade pela devasta- bique está no caminho do chocolate
ção de seus próprios quintais. ou no das cervejas belgas, com uma
É nesse cenário que nós, produto- infinidade de aromas e sabores.
res de cachaça, ansiosos por ocupar- Dentro desse contexto, não está
mos um espaço merecido no mercado longe o dia em que a certificação de
consumidor de destilados do mundo, origem sustentável das madeiras utili-
temos que nos organizar. A adoção de zadas será uma das exigências para a
práticas sustentáveis com responsabi- entrada do produto em certos países,
lidade sócio-ambiental, nos permitirá principalmente da Europa e nos Esta-
atender normas internacionais cada dos Unidos. Engana-se quem acredita
vez mais frequentes em relação à ca- que apenas o reconhecimento pelos
deia produtiva e comercial. americanos da denominação “cacha-
ça” – substituindo o famigerado rum
Madeiras nativas: brasileiro – determine uma maior fa-
responsabilidades cilidade para a abertura de seu mer-
É crescente o uso de espécies nati- cado. Pelo contrário, quanto mais
vas para a fabricação de dornas e bar- alcançarmos destaque internacional,
ris destinados ao envelhecimento e maiores serão as barreiras comerciais
ao armazenamento das cachaças de que teremos que enfrentar.
alambique. Essa pluralidade na utiliza- Entendendo esse momento, os
ção de madeiras faz com que nosso produtores de cachaça e suas as-
produto atenda paladares distintos, sociações devem imediatamente
do básico ao sofisticado. Esse é um implementar um trabalho que per-
grande diferencial quando compara- mita a prática voluntária da repo-
do a outras bebidas normalmente pa- sição florestal das espécies nativas
dronizadas em ouro e prata – como brasileiras destinadas à fabricação
o rum e a tequila –, ou as que são de dornas e tonéis para o armaze-
oferecidas após o envelhecimento namento da nossa branquinha, pro-
em um só tipo de tonel, o de carvalho movendo com isso o seu “envelhe-
– como o conhaque e o wihsky. Há cimento sustentável”.

CACHAÇA EM REVISTA 41
Drinks
Um mestre entre nós
Provocante
H 50 ml de cachaça em bálsamo
H 15 ml de Stock Peach
H 60 ml de suco de laranja
H 1 lance de Kaly Grenadine

S
Fotos: Mauro Holanda Modo de preparo
Em um copo long drink, coloque
eu currículo è daque- Unidos, entre outros que foram fun- gelo e, em seguida, a cachaça, o li-
les que não cabe em damentais para sua formação na área cor e o suco. Misture bem e finali-
uma pagina. Natural da indústria de bebidas. ze com o grenadine. Decore com
da Bahia, Derivan Esteve a frente da direção da ABB uma fatia de laranja e uma cereja.
Ferreira de Souza co- (Associação Brasileira de Barmen) e
meçou a estudar co- dirigiu a IBA (Associação Internacional
quetelaria e bebidas de Barmen), como vice-presidente
alcoólicas muito cedo, aos 17 anos, para América do Sul. Neste período,
e foi muito longe na carreira. Visitou foi um dos principais responsáveis
22 países ao redor do mundo, sem- pela colocação da nossa caipirinha no
pre buscando conhecimento sobre a cenário Internacional.
produção de bebidas alcoólicas, ten- Sempre trabalhando atrás do bal-
do visitado Escócia, França, Portugal, cão de prestigiados bares, que mar-
Espanha, Holanda, Canadá e Estados caram a noite paulistana, atualmente
comanda o exclusivo Bar Numero,
nos Jardins, em São Paulo, e é o nosso
mais novo cúpulo, eleito durante a IV
Cúpula da Cachaça, em janeiro.
Derivan Ferreira, Para começar, ele já nos brinda
o novo cúpulo com seis receitas de seus drinks para
lá de especiais. (Cesar Adames)

Caipirinha Clássica
H 50 ml de cachaça branca
H 1 limão Taiti cortado em cubos
H 1 colher de açúcar

Modo de preparo
Corte as laterais e parta o limão em
dois. Em seguida, tire a parte branca
do miolo. Corte em cubos, coloque
em um copo de caipirinha, acres-
cente o açúcar, amasse apenas leve-
mente e, em seguida, coloque gelo
e cachaça. Misture bem.

42 CACHAÇA EM REVISTA
Cajurica
H 40 ml de cachaça branca
H 1caju fatiado
H 3 cubos de mexerica
H 3 cubos de limão cravo
H 1 colher de açúcar

Modo de preparo
Em um copo on the rocks, colo-
que as frutas e o açúcar. Amasse
levemente e, em seguida, colo-
que o gelo e a cachaça, misture
bem e decore com a fatia de caju.

Mandarina
Dengosa Derivan H 50 ml de cachaça em jequitibá
H 1 tangerina em cubos
H 50 ml de cachaça gold Ferreira de
H ½banana fatiada sem casca H 3 morangos fatiados
Souza foi um
H 2 colheres de mel H 3 gomos de lima da pérsia
dos principais
H ½ colher de café de canela em pó H 1 colher de açúcar
responsáveis
H 10 ml de suco de limão H 1 colher de chá de pimenta rosa
pela
colocação
Modo de preparo
Modo de preparo da nossa
Em um copo on the rocks, coloque a banana, o Em um copo on the rocks, coloque as frutas e o
caipirinha açúcar. Amasse levemente e, em seguida, colo-
mel e o suco de limão. Amasse levemente e, em no cenário
seguida, coloque a cachaça. Misture bem, colo- que o gelo e a cachaça e misture bem. Decore
Internacional com a fatia de tangerina e a pimenta rosa.
que gelo, misture novamente e decore com a
fatia de banana e canela,

Espresso Sapucaia
H 40 ml de cachaça Sapucaia
Cristal (cachaça branca, envelhe-
cida por dois anos em tonéis de
amendoim)
H 30 ml de café frio
H 20 ml de licor Marula
H 10 ml de Kaly baunilha

Modo de preparo
Em um shaker, coloque gelo. Em
seguida, os outros ingredientes,
Bata bem e sirva em um copo,
com o gelo. Decore com hortelã.
Cachaça se aprende na

ESCOLA O destilado brasileiro guarda muitos mistérios e


representa um caminho de profissionalização e
empreendedorismo para muita gente. O cúpulo
e professor Cesar Adames faz um raio x das
instituições que oferecem cursos que ajudam a
desvendar a profunda complexidade da ‘marvada’

A
ções de diversos setores
vêm melhorando a cadeia
produtiva da cachaça nos
últimos anos. Isso vai des-
de os fornecedores de insumo até
as embalagens diferenciadas. Na
área da educação, também é pos-
sível notar estas mudanças, com a
criação e oferta de cursos diferen-
ciados que atendem todas as etapas
da produção e comercialização do
destilado brasileiro.
Selecionamos cinco instituições
de ensino que oferecem 14 cursos
sobre o universo da cachaça, tais
como os de mestre alambiqueiro,
controle da qualidade, elaboração Prodrinks, em São
de blends, análise sensorial e som- Paulo: cursos de
melier de cachaças. Conheça as prin- sommelier
de cachaça
cipais opções para aumentar seus
conhecimentos sobre esse tema.

44 CACHAÇA EM REVISTA
Esalq: excelência em
Piracicaba (SP)

A Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz (FEALQ) fica em Piracicaba (SP) e faz parte da Escola Superior de Agri-
cultura Luiz de Queiroz (Esalq), unidade da Universidade de São Paulo. É uma entidade de direito privado, sem fins
lucrativos, que apoia programas de desenvolvimento científico, econômico e social. Apoio a projetos de pesquisa, cursos,
simpósios, seminários, congressos e outros eventos técnico-científicos fazem parte do trabalho da instituição, que tam-
bém edita livros e outras publicações.
Atualmente, a Esalq oferece quatro cursos sobre cachaça. Eles são ministrados por André Ricardo Alcarde, engenheiro
agrônomo, doutor pela Esalq, pós-doutorado em fermentação e destilação pelo INRA (Institut National de La Recherche
Agronomique – Montpellier, França) e por Aline Bortoletto, mestre pela Esalq e pesquisadora do Laboratório de Tecno-
logia e Qualidade de Bebidas (LTQB – Esalq), com especialização em compostos de aromas, envelhecimento de bebidas
alcoólicas, análise sensorial e psicologia cognitiva, na AGROSUP Dijon e na Université de Bourgogne, França.

Os cursos oferecidos atualmente são:


Treinamento em Produção de Cachaça de Qualidade - Este curso envolve a parte teórica e prática da produção da
cachaça e é ministrado em dois dias. No primeiro dia, são abordados temas como histórico, mercado, legislação, matéria-
-prima e preparo do mosto, aspectos da fermentação, controle da destilação, envelhecimento e qualidade química e
sensorial. No segundo dia de curso, os alunos são divididos em dois grupos para a parte prática, que envolve a moagem
da cana, decantação e diluição do caldo, preparo do fermento, fermentação, destilação, maturação e envelhecimento.
Treinamento em Garantia da Qualidade da Cachaça - Para garantir a qualidade e padronização da cachaça, é necessá-
rio conhecer os principais pontos críticos a serem controlados no processo, detectar falhas e aplicar medidas corretivas,
a fim de atender ao Padrão de Identidade e Qualidade (PIQ). Este curso capacita os produtores a garantir a qualidade
por meio da aplicação da BPF (Boas Práticas de Fabricação) e da APPCC (Análise de Perigos e Pontos Críticos de Contro-
le) desenhadas para a cachaça e aguardente. Durante os dois dias de curso, são apresentados métodos para identificar
falhas no processo de produção e aplicação de medidas corretivas para os principais problemas físico-químicos e
sensoriais dos produtos.
Treinamento em Qualidade Sensorial da Cachaça - O conceito de qualidade sensorial engloba aspectos reconhecidos
via órgãos do sentido que determinam a identificação e a classificação da bebida. A capacitação ao uso de ferramentas
sensoriais, desenvolvidas especificamente para cachaça, amplia o reconhecimento da qualidade do destilado e gera em-
basamento para inovação.
Neste curso, em dois dias os alunos são orientados a reconhecer e aperfeiçoar a percepção sensorial da cachaça, iden-
tificar qualidades e defeitos, e inovar na produção, tendo por base o aprimoramento dos sentidos.
Treinamento em Qualidade da Cachaça Envelhecida - O envelhecimento tem o objetivo de afinar o perfil sensorial,
melhorar a qualidade e, consequentemente, agregar valor comercial à cachaça. Princípios e técnicas relacionadas ao pro-
cesso de envelhecimento interferem na obtenção do produto final. O objetivo deste curso de dois dias é transmitir infor-
mações teóricas e práticas que podem ser aplicadas por produtores, técnicos e interessados em compreender os aspectos
legais, químicos e sensoriais envolvidos no envelhecimento de cachaça.
Para maiores informações sobre os cursos: http://fealq.org.br/

CACHAÇA EM REVISTA 45
O Grupo Cana Brasil, sediado em Itaverava (MG), foi um
dos pioneiros em ministrar cursos sobre Cachaça. A
empresa se especializou em oferecer um pacote completo
maiores problemas enfrentados pelos produtores de
cachaça artesanais ou de alambiques, está relacionado
à padronização e a elaboração dos blends. Neste curso,
de treinamento e consultoria para quem pretende montar são abordados temas como pós-destilação, análise sen-
um alambique de cachaça artesanal, açúcar mascavo (ra- sorial, dimensionamento do envelhecimento, padroni-
padura, melaço) e álcool. As aulas são ministradas por José zação de cor, teor alcoólico e classificação das cachaças,
Carlos Ribeiro e Arnaldo Ribeiro, pai e filho proprietários além da elaboração de blends com cachaças envelhe-
do grupo e donos da fazenda onde os cursos são realiza- cidas em diferentes tipos de madeiras. Duração de três
dos. Atualmente, são oferecidos quatro cursos. dias. Valor: R$ 950.
Mestre Alambiqueiro - Tem como objetivo ensinar na te- Sommelier de cachaças - O curso tem por objetivo a for-
oria e na prática todas as etapas da produção de cachaça mação de especialistas em cachaça. No programa, Intro-
de qualidade produzida artesanalmente. São quatro dife- dução à Análise Sensorial, Degustação e Harmonização,
rentes pacotes. Pacote 1: curso de 3 dias, com hospeda- com abordagem prática da degustação de diferentes
gem na fazenda em quarto duplo, alimentação (café da cachaças, permitindo através da análise sensorial identi-
manhã, almoço e jantar); material didático e certificado. ficar uma boa cachaça ao ser degustada. A combinação
A aula tem início às 8h de quinta-feira, podendo o aluno harmônica da cachaça de alambique com pratos típicos
optar por chegar antes do início da mesma ou no dia an- da culinária brasileira ou internacional também é apre-
terior pela noite (sem acréscimo). Carga horária: 24 horas sentada. A duração é de três dias e as aulas são ministra-
– Valor: R$ 950; Pacote 2: O mesmo oferecido pelo pacote 1, das pelo cúpulo Mauricio Maia, publicitário, chef e espe-
porém a hospedagem fica por conta do aluno e o valor cialista em cachaças com mais de 20 anos de atividade.
cair para R$ 880; e Pacote 3 – curso de 5 dias (terça a sá- Valor: R$ 950,00.
bado) , incluindo estágio e aulas, além da hospedagem na Marketing da Cachaça - A duração é de três dias e o ob-
Fazenda da Cachaça Taverna Real em quarto duplo. Carga jetivo é informar os produtores sobre as ferramentas de
horária: 40 horas – Valor: R$ 1.500; e Pacote 4 – curso de marketing à disposição e iniciar juntamente com o aluno
11 dias, só em período de safra. Além do treinamento de a construção de um plano de marketing e um modelo de
cinco dias, o aluno faz um estágio por mais seis dias na negócios para a sua marca. Não é apenas um curso teóri-
fazenda, acompanhando todo o processo de produção da co, mas também prático, com o professor agindo como
cachaça, sob a supervisão do mestre alambiqueiro. Carga facilitador, com ênfase na inovação. Ministrado por Daniel
horária: 80 horas – Valor: R$ 2.300. Patrick, designer com ampla atuação na área e pós-gradu-
Blend, Padronização e Análise Sensorial - Blends são ado em marketing. Valor: R$ 950,00.
a combinação de cachaças, com a finalidade de melho- Para maiores informações sobre os cursos:
rar as características sensoriais do produto final. Um dos www.canabrasil.com.br/

A Prodrinks é uma escola de coquetelaria que, recentemente, fechou parceria com a Cana
Brasil para promover em São Paulo o curso Sommelier de Cachaças. A equipe de professores
é formada por Mauricio Maia (Cúpula da Cachaça), Aline Bortoletto (Esalq/USP) e Mestre Derivan
de Souza, o mais famoso e premiado bartender brasileiro e também cúpulo. O curso tem duração
de quatro dias e carga horária de 12 horas.
Para maiores informações sobre os cursos: www.prodrinks.com.br

46 CACHAÇA EM REVISTA
O riado em 1995 pela engenheira química Amazile Bia-
gioni Maia, o LABM é um laboratório de referência
para os produtores de bebidas e alimentos que desejam
desde a colheita da cana até a padronização final da safra e
dos lotes. São destacados os procedimentos mais apropria-
dos em cada etapa do processo, métodos de monitoramen-
implantar e monitorar o controle de qualidade; aprimorar to, critérios de avaliação e correções. Ênfase no esclarecimen-
a qualidade sensorial de seus produtos e otimizar o pro- to das dúvidas que surgem no dia-a-dia da produção e na
cesso produtivo. Os cursos são ministrados pela Dra. Ama- orientação para resolver quaisquer problemas operacionais
zile, que é doutora em Bioquímica pela UFMG e por Lorena enfrentados pelos participantes. Duração: 24 horas.
Simão Marinho, mestranda em Ciência de Alimentos. Os Saborear Cachaça: Arte dos Sentidos - Os participantes têm
cursos, ministrados em Belo Horizonte, são: a oportunidade de conhecer as etapas e entender segredos da
A Ciência do Blend- Curso teórico-prático que aborda as arte da fabricação da cachaça, com base em avanços cientí-
melhores técnicas para padronização da cachaça. Com in- fiicos. Aprendem a discernir e avaliar a qualidade da bebida,
formações sobre as novas tecnologias de processos de pós- relacionando adequadamente as características sensoriais às
-destilação, que permitem corrigir eventuais defeitos e apri- peculiaridades da composição química. Duração: 4 horas.
morar a qualidade sensorial da bebida. Duração: 16 horas. Para maiores informações sobre os cursos:
Tecnologia da cachaça- Aborda a produção da cachaça, www.labm.com.br

Por fim, o cúpulo Manoel Agostinho Lima


Novo, especialista em Cachaças e autor do
livro Viagem ao Mundo da Cachaça, ministra
cursos e palestras de forma independente, em
diversos estados, nos quais ele aborda temas

O Senac é uma das instituições de ensino mais antigas do


Brasil e tem diversas unidades espalhadas pelo pais. Atual-
mente oferece dois cursos na área de cachaça, ministrados por
como produção, comercialização, degustação
e análise sensorial.
Para maiores informações sobre os cursos:
equipe de professores do próprio Senac. contato@mundodacachaca.com
Formação de Sommelier Cachaças - O curso tem como ob-
jetivo desenvolver o aluno para que ele possa realizar análise sen-
sorial, servir diferentes tipos de cachaça, elaborar cartas e gerir Cesar Adames
o estoque de cachaças. Tem carga horária de 100 horas e está
sendo ministrado em São Paulo e São José dos Campos (SP).
Cachaças e Madeiras – Inovação e oportunidades - O
curso capacita o aluno a reconhecer as diferentes madeiras uti-
lizadas no envelhecimento da cachaça e sua importância na ca-
racterização dos diferentes tipos e estilos, a fim de identificar no-
vas oportunidades de negócios. Além disso, o aluno analisará os
mercados nacional e internacional do setor de destilados em re-
lação às estratégias, tendências e oportunidades para desenvol-
ver ações específicas de posicionamento que possam diferenciar
a cachaça. A carga horária é de 32 horas e o curso é ministrado
em Campos do Jordão (SP).
Para maiores informações sobre os cursos: www.sp.senac.br/

CACHAÇA EM REVISTA 47
O cúpulo
Leandro Batista

Entrou no bar
e mudou de vida
com alguma especialização. É sobre
Nos treinamentos que realiza, o cúpulo e isso que o sommelier e membro da
Cúpula da Cachaça fala nessa breve
sommelier Leandro Batista usa a própria trajetória
entrevista.
para mostrar como o conhecimento sobre a cachaça
Leandro, você começou como le-
pode transformar a vida dos profissionais de trista (desenhhista de letras em
placas). Como foi sua transforma-
bares e restaurantes ção em especialista em Cachaça?

A
Em 2005, fazendo faixas e ban-
Por João Alves de Almeida, do blog Brasil no copo
ners, fui prestar um serviço para o
os 14 anos, um o caminho entre barris e garrafas no Mocotó. Num bate-papo com o
garoto dava as pri- restaurante Mocotó, na Vila Medei- chef Rodrigo Oliveira surgiu a opor-
meiras pinceladas ros, que tem uma carta com mais de tunidade da minha vida. Em 2006,
em cartazes que 350 rótulos, todos verificados minu- quando estava fazendo um curso de
tinham a função ciosamente pelo sommelier de Ca- garçom no Senac, os alunos tiveram
de trazer o consu- chaça. Sim, ele virou sommelier. Mas que falar sobre as bebidas que eram
midor para dentro esta é somente uma das ocupações servidas no restaurante, eu falei de
de um negócio. Atento, ele observa- do multi-homem da Cachaça que cachaça e foi aí que minha paixão
va a destreza com que os cartazistas se tornou Batista. Em oito anos, en- por nossa caninha começou.
lidavam com o pincel. Curioso foi quanto muita cachaça dormiu em
buscar o segredo de tanta maestria. barril esplêndido, Batista caminhou Você fez curso de garçom. Isso
Era a Cachaça! Os artistas contaram por alambiques, botou a mão na ter- já não é tão comum no meio. Era
ao menino que tomavam a bran- ra e trouxe muita gente nova para a uma aposta em treinamento?
quinha para evitar a tremedeira nas Cachaça. Se é verdade que a bran- Isso, sempre. Depois, para me
mãos e ali estava explicada a perfei- quinha pode firmar a mão do artista, aprofundar na cachaça, eu me formei
ção dos cartazes. O garoto da histó- não sabemos. Mas é certo que pode mestre alambiqueiro pelo CTC – Cen-
ria era Leandro Batista, hoje com 36 mudar para melhor a vida de muitos tro de Tecnologia da Cachaça, fiz cur-
anos, pai de três filhos e um dos es- profissionais dos bares e restauran- so de Análise Sensorial na USP/São
pecialistas em Cachaça mais conhe- tes, onde o serviço de cachaças é Carlos e de Bartender pelo SENAC.
cidos e consultados do país. Iniciou precário e carente de mão de obra Isso que me abriu um leque grande

48 CACHAÇA EM REVISTA
de possibilidades profissionais. Estou
no ramo há oito anos, passei pelo Leandro em
Mocotó e sou responsável pela sele- seu novo
ção das cachaças da carta de mais de projeto: a
bike de
350 rótulos do restaurante Barnabé. delícias
Mas também realizo degustações Umas e outras
orientadas, mostrando as caracterís-
ticas e curiosidades sobre as cacha-
ças apresentadas. Uso a aguardente
na coquetelaria para desenvolver Falta, da parte dos comerciantes e Sim, é o que mais faço. Nos trei-
novos drinks e formato cartas de ser- dos produtores. Na minha opinião, o namentos que eu realizo nos es-
viço para vários bares e restaurantes. mercado vai evoluir bem mais rápido tabelecimentos, falo muito da mi-
Além disso, faço palestra ainda em quando os produtores investirem mais nha historia com a cachaça, tento
instituições, feiras e eventos priva- nas brigadas de bares e restaurantes, mostrar para eles o quanto a vida
dos, apresentando a história, méto- levando informação e conhecimento deles, do ponto de vista cultural e
dos de produção, armazenamento sobre seus produtos para esses profis- financeiro, pode mudar se eles in-
e o serviço das branquinhas e dou- sionais. O serviço da cachaça é muito vestirem na área, principalmente
radas. Ou seja, tem muita coisa que deficiente e são os profissionais na na arte de bem servir uma cachaça.
um profissional que se prepara pode ponta que realmente vendem ou po- Lido com muito cuidado, sempre
fazer nesse meio da Cachaça. dem vender a cachaça. bebendo com muita moderação,
ou seja. beba menos e beba melhor.
Mas no seu processo de evolu- Você procura conscientizar os pro- Procuro beber cachaças com proce-
ção, você teve o apoio do Ro- fissionais que estão começando dência, costumo dizer que, quem
drigo Oliveira, do Mocotó. Falta de que o conhecimento sobre Ca- trabalha com álcool é igual quem
esse apoio para os profissionais chaça pode ser uma oportunidade trabalha com fogos de artifício, se
evoluírem mais? de transformar a vida deles. você vacilar explode tudo.

CACHAÇA EM REVISTA 49
Em busca da harmonia

A
Por Maurício Maia
palavra da moda
quando falamos
hoje em bebidas
é “harmonização”.
O termo surgiu
com a ascensão e
sofisticação do vi-
nho e acabou vazando para criações
ousadas com outras variedades de
bebidas e coquetéis. Destilados, fer-
mentados, cachaça ou cerveja, hoje
se harmoniza tudo e qualquer coisa.
Porém qual será o limite entre
uma real combinação e uma “força-
ção de barra”?
No caso da cachaça, a dita harmo-
nização precisa seguir um mínimo
de coerência, pois estamos falando
em uma bebida com cerca de 40% ção) ou frio (resfriamento) em nossas
de volume de álcool e muitas vezes preparações. O álcool evapora; óleos
armazenada em toneis de madeira, se concentram; líquidos se reduzem;
que conferem à bebida característi- e tudo isso influencia no resultado fi-
cas muitas vezes bastante marcantes. nal da combinação.
Quando falamos da cachaça O nosso desafio é mostrar que
como ingrediente, temos um uni- preparações clássicas da cozinha
verso de possibilidades e devemos que normalmente seriam realizadas
quebrar paradigmas para conseguir com outras bebidas, como brandies,
resultados que realmentesediferen- vinho do porto, vodca, etc... podem
ciem no universo gastronômico cria- ser feitas com cachaças de diversas
tivo e variado da cozinha praticada características e resultar em pratos
hoje no Brasil. sofisticados e com o toque bem
Conseguir um equilíbrio onde as brasileiro da cachaça. Ou ainda par-
características da cachaça e do ali- tir do básico e harmonizar in loco a
mento se complementem é tarefa cachaça com algumas preparações
delicada, pois é necessário conhecer tradicionais da gastronomia interna-
a fundo todasas características da be- cional como carpaccios, tartares, car-
bida e dos ingredientes dos pratos, nes, risotos e massas. É um trabalho
como eles interagem entre si mes- de pesquisa e descoberta que está
mo antes de chegarem à nossa boca apenas começando. Mas para o qual
e como essas características vão se todos os chefs e sommeliers estão
alterar quando aplicamos calor (coc- convidados. Vamos?
UMA TRILHA NA
FLORESTA
Especialista em comércio exterior, o cúpulo honorário
Peter Armstrong fala sobre a importância da
no estado vizinho ou nas regiões pro-
dutoras mais ao norte ou ao sul. Mas o
que o produtor deve fazer quando se
trata do mercado externo? Existem al-
pesquisa especializada na busca da cachaça por guns caminhos, mas o que não pode
ser feito é tentar iniciar uma operação
espaços no mercado internacional

O
fora do país sem estar munido de in-
formações sobre os mercados a se-
s produtores de acesso às estatísticas publicadas pe- rem atingidos.
vinhos, destilados, las organizações setoriais, estaduais
licores e cerveja e até federais, que acompanham as ALICEWEB
(ou até outras be- variações de produção, geração de No Brasil, o produtor de cachaça
bidas fermenta- impostos e de empregos, entre outros pode iniciar suas pesquisas acessando
das, como o sakê) aspectos. Fora isso, o idioma é o mes- o portal Aliceweb (http://aliceweb.de-
normalmente co- mo e ainda que num país de dimen- senvolvimento.gov.br/), que é o Siste-
nhecem razoavelmente o mercado sões continentais, não é tão difícil, por ma de Análise das Informações de Co-
para seus produtos nas respectivas exemplo, visitar os principais estados mércio Exterior (Siscomex), compilado
regiões, estados ou até países em que produtores de cachaça e pesquisar o pela Secretaria de Comércio Exterior,
operam. Eles possuem históricos e que está acontecendo no seu estado, do Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior. Essa
ferramenta foi desenvolvida visando
Peter modernizar as formas de acesso e a
Armstrong sistemática de disseminação das es-
tatísticas brasileiras de exportações e
importações. O Aliceweb é atualizado
mensalmente com dados do Siste-
ma Integrado de Comércio Exterior
(Sicomesx), e as informações são gra-
tuitas. No caso da classificação NCM
2208.40.00, que engloba a cachaça
e o rum, o Siscomex não permite vi-
sualizar as exportações por empresa.
A visualização é por país, em valores
FOB, peso/kg e volume/quantidade.

52
os EUA, a Itália ou o Japão?
Negativo. Dificilmente, vamos
aprender muita coisa numa vi-
sita superficial para conhecer
supermercados, percorrer feiras
de bebidas, etc. É fundamental
uma análise muito mais profun-
da para se chegar a um conhe-
cimento mais fecundo.
Como começar? Em primei-
ro lugar temos que considerar
que a nossa cachaça é, no que
se refere ao mercado externo,
sobretudo um destilado bran-
co de preço presumivelmente
acessível aos bares e consumi-
dores para uso em coquetéis,
como a – finalmente! – consa-
grada Caipirinha. Quais são os
principais países consumidores
de destilados brancos? Para sa-
ber os detalhes e volumes va-
mos ter que recorrer às pesqui-
sas de empresas especializadas
no setor de bebidas no exterior.
Essas pesquisas, geralmente
podem ser adquiridas por seg-
No caso da classificação que nos inte- cambial. De 2015 para 2016, no pri- mentos ou por países. Vou com-
ressa, os valores citados representam meiro quadrimestre, o aumento nas partilhar aqui algumas surpresas com
quase que totalmente as exportações exportações foi da ordem de 13,4% que cruzei nos meus caminhos. Na
de cachaça, pois são raras quaisquer (em valor); e 15,8% ( em volume). Espanha, o destilado mais consumido
exportações de rum do Brasil. não é o brandy/conhaque, é o gim!
Alguns dados que podem ser ob- Informação especializada Nos EUA, o consumo maior ainda é de
servados no sistema permitem avaliar É normal um certo temor no destilados “marrons”. A vodca cresceu
que o ano passado não foi nada bom momento de enfrentar a decisão de muito, mas os whiskys importados
para a cachaça no exterior: de 2014 buscar o mercado externo. São cen- da Escócia, Irlanda, Canadá ou pro-
para 2015, no consolidado do ano, a tenas de países com idiomas, cultu- duzidos nos EUA, como os bourbons
queda nas exportações foi de 27,4% ras e produtos diferentes! É como e os Tennessee whiskys cresceram
(em valor) e de 24,7% (volume). Por adentrar numa floresta sem trilhas, também, enquanto o segmento rum
outro lado, o dado mais recente mos- oferecendo tanto oportunidades continua muito forte.
tra uma recuperação significativa, em quanto perigos a cada curva do ca- Através dessas pesquisas adquiri-
grande parte movida pelas oportuni- minho! Por onde começar? Gastar das e que englobam a última déca-
dades surgidas com a desvalorização uns milhares de dólares para visitar da de estatísticas para acompanhar

CACHAÇA EM REVISTA 53
E o custo? Naturalmente, o custo
pode ser dividido entre os membros
de uma associação ou federação que
se interessem por encomendar uma
pesquisa. Para exemplificar, solicitei a
cotação atualizada para uma pesqui-
sa do mercado da categoria “destila-
dos brancos” com dados de dez anos
sobre volumes, valores negociados e
estimativas para o ano seguinte em
três países (Itália, Alemanha e Espa-
a evolução de destilados brancos e Acima, interface da plataforma Aliceweb, nha). O preço ficou em 1160 libras
fonte de informação sobre o mercado
importados é que detectamos os externo. Abaixo, página da IWSR esterlinas por cada mercado (algo
potenciais para mercados como Chi- Magazine sobre as perspectivas como R$ 5.850).
le, Portugal, Alemanha, Itália e ou- da cachaça nos mercados globais
tros. Existem diversas empresas de
pesquisas sobre vinhos, destilados
e licores, facilmente encontráveis na
internet. A mais renomada, sediada
em Londres, é a International Wine&
Spirits Record (ISWR), que publica re-
latórios anuais sobre os volumes de
vendas e procedências de destilados
em mais de 115 países.
A IWSR é a fonte líder de análises
do mercado de bebidas alcoólicas. Sua
base de dados, alimentada ao longo
de 40 anos, é a mais extensa do setor,
cobrindo consumo total e tendências
no nível de categorias e marcas. Sua
metodologia é diferente da usada por
empresas que fazem auditoria de vo-
lumes e marcas de produtos variados,
desde derivados de carne a leite em
pó, que reflete os canais de atacadistas
e supermercados enquanto ignora o
consumo nos pontos de dose. A IWSR
se concentra em bebidas alcoólicas,
conduz entrevistas diretas com 1.500
empresas em 118 países por ano. O
conhecimento direto dos mercados
permite aos seus analistas produzir
relatórios e previsões mais apurados
que qualquer concorrente para mui-
tos países.

54 CACHAÇA EM REVISTA
Festival de Paraty:
participação do produtor
é importante, mas trabalho
pré e pós-feira não
pode ser desprezado

“Viveremos
à sombra dos
verdadeiros
profissionais?”
E
O cúpulo Nelson Duarte, m minha carreira, trabalhei por faz aplicá-lo de maneira correta.
muito tempo como consultor, Existe uma idéia equivocada de
autor do livro Cachaça - que, segundo a lenda, é aquele que marketing é inacessível para micro
sujeito que entra na sua empre- e pequenas empresas. Não é bem as-
uma dose de marketing, sa, pede seu relógio emprestado e de- sim. Qualquer empresa, independen-
analisa o estágio atual da pois cobra para te dizer que horas são. te do tamanho e situação financeira,
É verdade! O trabalho do consultor é pode aplicar em sua atividade con-
utilização das ferramentas organizar, planejar e executar as ativi- ceitos e ferramentas de marketing. Na
dessa ciência no setor de dades corriqueiras da empresa que já verdade, já o faz, mas, provavelmente,
estavam lá, mas funcionando de ma- da forma errada, afetando o desenvol-
cachaças de alambique neira errada. Com o marketing, acon- vimento futuro do negócio. E segundo
tece a mesma coisa. Geralmente, tudo Peter Drucker, um dos mestres do ma-
e dá dicas valiosas o que você precisa já está lá, esperan- rketing, “A melhor maneira de prever o
do para ser usado. Mas você não usa, futuro é criá-lo”.
porque não percebe a diferença que A única maneira de uma empresa

56 CACHAÇA EM REVISTA
sobreviver é através da venda de seus pretensos clientes que já nem se lem- bar ou do restaurante, servido como
produtos ou serviços. Se não vender, bram mais do produto. cortesia na entrada em copinhos plás-
não gera receita, não paga contas, não Já as degustações são a melhor e a ticos brancos, usados no (péssimo) ser-
remunera os colaboradores e quebra. pior maneira de apresentar o produto. viço de café. Ou uma marca de vodka?
Fecha as portas. E como age o merca- Se a cachaça for boa, é a melhor, por- Ou de tequila? Rum? Não existe; eles
do a cachaça de alambique perante o que propicia ao apreciador conhecer não fazem isso. Não depreciam suas
desafio de vender seus produtos? as virtudes e qualidades do produto. bebidas e suas marcas. Isso só aconte-
De forma absolutamente pre- Mas pode se tornar rapidamente a ce com a cachaça. Falta orgulho. Falta
visível. O que se chama de ação de pior, porque muitas vezes o formato deixar de pensar que a cachaça vale
marketing da cachaça de alambique da degustação desvaloriza o produto. menos que os whiskies e runs da vida.
são degustações esporádicas e a Confunde-se degustação com dar ca- Se o produtor não posiciona seu
participação em feiras de negócios. chaça de graça aos montes. produto como deveria, como po-
Várias estão espalhadas pelo país. Nossa cultura para a cachaça ain- demos esperar o serviço adequa-
ExpoCachaça, São Lourenço, Salinas, da é a do produto marginal. Quantos do? Peça um vinho no restaurante e
Paraty, e por aí vai... produtores não disputam o privilégio há todo um ritual no serviço, com a
de estar numa barriquinha de madei- apresentação da garrafa ao cliente,
Feiras e degustações ra, ou numa mesinha acanhada, para degustação preliminar e serviço em
Vamos pegar o caso das feiras ser servida gratuitamente na entrada taças adequadas. Peça uma cachaça
setoriais. Via de regra, com raras e do restaurante como aperitivo para a e receba um copo tipo “martelinho”,
honrosas exceções, o produtor da ca- feijoada do sábado? de design inadequado para a bebida,
chaça de alambique participa dessas Não me lembro de ter visto nunca que o garçom irá encher até a boca
feiras através de convênios com o Se- um whisky, qualquer whisky, oferecido para fazer valer o dinheiro do cliente.
brae de seu estado. Nada mais justo, para degustação gratuita na porta do Alguém já viu um garçom encher o
pois os gastos são elevados e o retor- copo de scotch até a boca?
no lento. Porém, se acostumaram a Cachaça tem qualidade, não pode
de tal maneira a depender do Sebrae ser tratada como prenda de quer-
que não criam nada, não inovam, Nelson Duarte messe. Sem um trabalho planejado
não investem a não ser nas cachaças de divulgação e apoio, perde o valor.
que oferecerão para degustação. O Dar uma cachacinha de graça não é
trabalho de pré-feira não existe. Não marketing. Isso não pode e não deve
comunicam ao mercado que estarão ser confundido com marketing. En-
presentes, não convidam seus clien- quanto não incutirmos na cabeça do
tes, não trazem novidades nem em produtor que tão importante quanto
produtos, nem na forma de expô-los. a qualidade do produto é a aplicação
Durante a feira, distribuem doses correta das ferramentas de marketing
de cachaça e cartões de visita. Mas continuaremos vivendo à sombra dos
poucos negócios são realizados pois verdadeiros profissionais.
o pós-feira também inexiste. Os car-
tões amealhados durante a feira vão Cachaça: posicionamento
para uma pilha de cartões de conta- A produção da cachaça observa os
tos a realizar. Semanas – ou meses – mais rigorosos padrões de qualidade
depois, entram em contato com os e seu descanso em inox ou envelhe-

CACHAÇA EM REVISTA 57
cimento em madeira confere à bebida
personalidade única e sabor inigualá-
vel. É nesse cenário que a cachaça bus-
ca consolidar seu espaço: a possibili-
dade de oferecer uma gama infinita de
combinações de madeiras, tempos de
envelhecimento, blends e embalagens
diferenciadas que atendam às necessi-
dades e desejos do consumidor.

embalagem faz diferença


Ao comprar cachaça o consumidor
espera mais que uma bebida. Feliz-
mente, o produtor de cachaça desco-
briu que a embalagem faz diferença. O
consumidor tem a disposição numa
loja, por vezes, dezenas de cachaças à
disposição. Por que cargas d’água iria
escolher justo a sua, se ele não a co-
nhece e, eventualmente, não conhe-
ce nenhuma das expostas? A respos-
ta é o que chamamos de diferencial
competitivo. Algumas cachaças têm
produtores que se preocupam com a
roupagem e lhes deram uma embala-
gem diferenciada. Seja por um forma-
to diferente ou por um rótulo atrativo,
o produtor precisa que sua cachaça se
destaque na prateleira. Algumas em-
balagens parecem saltar aos olhos do poucas fabricantes de garrafas, e os rafa pode ser comprada por mais de
consumidor. Despertam curiosidade. modelos são, em geral, muito pareci- um produtor, enquanto a embalagem
Despertam desejo! E é isso que fará dos. A alternativa são as importadas, é única, fruto da criatividade de quem
com que o cliente, entre tantas outras, com design variado, mas custo eleva- teve a coragem de inovar e sair do lu-
escolha aquela garrafa de cachaça. do. São geralmente usadas em séries gar comum. O desafio é traduzir tudo
Existem exceções, é claro. A em- especiais, com algum diferencial – via isso em cachaças de qualidade a pre-
balagem da Havana-Anísio Santiago é de regra, de envelhecimento – que ços acessíveis.
daquelas tipo de cerveja, marrom es- justifique o preço mais alto.
curo, que o fabricante chama de âm- O recurso que resta é apelar para a Preço e distribuição
bar. Seu rótulo simples, sem sofistica- criatividade nos rótulos. Cada vez mais E o que é preço justo e acessível?
ção, parece ter sido desenhado a mão. sofisticados, eles procuram compen- O preço da cachaça deve baseado
Mas é a Havana. Trata-se de um mito. É, sar a escassez de modelos de garrafa em custos de produção, incluindo
em si, um objeto de desejo. no mercado. O mesmo acontece com a carga tributária e, se for o caso, o
No Brasil, estamos nas mãos de embalagens diferenciadas. Uma gar- frete. Porém, é fundamental ter a per-

58 CACHAÇA EM REVISTA
cepção do custo para o cliente. É ele, ele. Não existe fonte melhor de infor- Propaganda não pode ser apenas
no fim das contas, que vai decidir se mações do que o próprio cliente. Basta anúncio. Igualmente importantes são
sua cachaça vale o que você, produ- saber escutar e atendê-lo. a participação em feiras de negócios,
tor, acha que vale. Se o consumidor Podemos passar horas mostran- assessoria de imprensa, degustações
acha cara demais, ou barata demais, do exemplos de estratégias que e outros eventos, e-mail marketing
as conseqüências são desastrosas. É deram certo, com pouco dinheiro, e mala direta, por exemplo. Mídias
importante achar o ponto de equilí- ou que falharam, a bordo de inves- alternativas ainda são pouco utiliza-
brio que permita ao produtor obter timentos vultosos. E de comunica- das, apesar de mais baratas e muitas
o lucro desejado e ao consumidor ção todo mundo acha que entende. vezes tão eficientes quanto as mí-
se sentir recompensado pela relação Sempre existe o tio do amigo da es- dias tradicionais. Porta-guardana-
custo x benefício da cachaça. posa que já trabalhou numa agência pos, mexedores de caipirinha, jogos
Definido o preço, é hora de fazer de propaganda e vai te ajudar. Cui- americanos emborrachados, copos
a cachaça chegar ao consumidor. A dado! A intenção pode ser boa, mas personalizados e displays de mesa,
distribuição é um ponto crítico. Mon- isso raramente funciona. por exemplo. Abuse da criatividade.
tar uma estrutura própria exige inves- Não existe receita pronta, embora Alguns produtores têm obtido bons
timento alto, e o retorno dificilmente alguns caminhos já conhecidos pos- resultados nesse caminho.
será recompensado. A solução, então, sam ser seguidos. Uma das funções Existem diversas possibilidades
é terceirizar, o que deixa lacunas que da comunicação é tornar o produto para conversar com o mercado e,
fogem ao controle do produtor. objeto de desejo. Despertar a von- exatamente por isso, convém bus-
É preciso ter em mente que não tade irrefreável de experimentar, ter car a orientação de uma agência ou
existe fidelidade de marca no mer- em mãos e sentir as sensações que o profissional especializado em plane-
cado da cachaça de alambique. O produto pode oferecer.Para isso, não jamento de mídia. Estude a concor-
consumidor compra, em doses ou basta sair por aí despejando um ca- rência, analise pontos que você con-
garrafa, por conveniência. Ele pede minhão de dinheiro em anúncios de sidera fortes e fracos que você pode
pela marca, se tem leva, se não tem, revistas, jornais etc... Sem uma estraté- contrapor na sua comunicação.
pede indicação de outra. Troca de gia bem definida, o tiro pode até sair Procure dar ao conteúdo a mesma
marca sem peso na consciência. As- pela culatra. É preciso antes de mais importância que se costuma dar à
sim, o jeito é não deixar faltar a ca- nada coerência: ter objetivos defi- apresentação visual. Revistas, rádios,
chaça no mercado, seja na loja, no nidos e saber para quem e como se TVs, promoções, eventos, mídias al-
bar ou no restaurante. quer transmitir uma mensagem. ternativas, folders são partes de um
A verba de marketing costuma ser todo que deve ser considerado em
Comunicar bem é a chave pequena e conquistada a duras penas. conjunto. Porque a estratégia de co-
Porém, tão importante quanto ter É preciso extrair dela o máximo de municação é única, não um apanha-
um bom produto é fazer com que as resultado. Considere que não existe do de várias peças. Corre-se o risco
pessoas saibam disso. Para isso, é de propaganda cara. Existe a que não dá de perder a identidade do produto
fundamental importância a elabora- resultado. Se investirmos R$ 100 em com ações de comunicação isoladas.
ção, produção e veiculação de mate- algo que não traz resultado, foi caro. O marketing, cada vez mais, é o
rial de comunicação adequado. Se investirmos R$ 10.000 e colhermos foco principal para o gerenciamento
O pequeno produtor leva uma van- resultados expressivos, saiu barato. Por de produtos e serviços no mercado
tagem significativa diante das grandes exemplo: se você anunciou na Cacha- mundialmente competitivo dos des-
indústrias: ele está próximo do consu- ça em Revista, parabéns, você falará tilados. Não há segredo, não existe
midor, percebe com mais facilidade diretamente com o mercado, sem in- mágica nem é questão de sorte. O
suas necessidades e desejos, fala com vestir demais. que precisamos é profissionalização.

CACHAÇA EM REVISTA 59
SAIDEIRA

S
idnei Maschio é jornalista e apresentador do programa Terraviva
DBO na TV no canal Terraviva – no qual ele consegue a proeza de
unir discurso poético e linguajar interiorano à cotação da arroba do
boi. Também faz no canal o quadro Prosa de Cachaça, pioneiro na TV em
abordar exclusivamente a nossa marvada. Além disso, é colecionador e
devoto da cachaça, cúpulo e poeta. Autor da série Versinhos de caipira,
ele nos brinda, nessa edição da Cachaça em Revista, com versos inéditos
de sua lavra – ou da sua roça, melhor dizendo.

Senhora dona vendeira, Eu não sou caboclo de ter ambição e querer o mundo
me traga uma dose daquela desengasgadeira, na minha mão, porque aqui neste meu sertão ninguém
que eu tô vindo com meu gado lá do tabuado, tem precisão de muita coisa.
em lida viajadeira que levou a semana inteira. De madrugada, quando a passarada anuncia a alvora-
E depois de entregar a boiada pra fazer a da, eu já tô em pé coando café e apreciando a barra do
embarcação agora é caso de urgente precisão lavar dia se alevantando.
da goela a poeira da estrada. Bem antes que o sol esquente eu tô no batente,
E se tiver eu não vou enjeitar uma tantada de quei- montado no meu alazão tostado, o cachorro perdiguei-
jo, e de sobejo, depois de matar a minha sede, me ro na frente, correndo os trieiros e costeando o gado.
ofereça também uma rede pra esticar na sombra da E quando a lua vem despontando por detrás do chapa-
gameleira, a mór de esperar a montaria descansar dão, pra solidão não me fazer trapaça quem me consola
pra eu poder voltar lá pra minha freguesia. é a viola e um gole de cachaça.

60 CACHAÇA EM REVISTA
Eu mais o compadre Dito
gastamos tempo de prosa e pito
pra fazer a combinação
de arreunir os companheiros
e tirar do mato a roça
de feijão do Zé Mulato.
O Jandiro vem lá do retiro da Ramada
e vai trazer um irmão que é firme na enxada,
o João Carreiro também tá garantido, junto com o Cido, que é
tido e reconhecido como bom violeiro.
E já que os dois vem no carretão ficou acertado
que eles vão passar no Tião Romão,
que além de sanfoneiro é o melhor alambiqueiro da região,
porque sem moda e cachaça o serviço não rende
e o muxirão fracassa.

A minha lida no sertão não é leve, mas a vida


aqui é boa num tanto que me serve.
De madrugada a minha patroa Maria Rita,
eita cabocla bonita, me acorda com café
e uma tantada de broa.
Depois eu passo o dia na roça e ela
fica cuidando da choça.
E quando, com o sol já quase descambado,
eu chego cansado do serviço,
de longe me alcança o cheiro
do tempero variado do arroz, do feijão e da lingüiça
que eu fiz da carne de uma leitoa mestiça.
E pra completar minha felicidade,
um gole de cachaça de alambique,
um pito com fumo de qualidade,
uma lua serena e o amor dessa morena.

Descansado da lida e sem ter precisão de correria


pra resolver a vida, eu convidei meus companheiros
pra passar uns dias em pescaria no ribeiro dos umbuzeiros.
O rancho já tava sendo armado
num descampado lindeiro de uma restinga
quando o Zé Amado perguntou se alguém
tinha se alembrado de levar a pinga.
Do outro lado, o Agenor e o Valentim
fizeram cara de terror e olharam pra mim,
que já tava quase em desespero.
Mas a salvação quem trouxe foi o Tião Henrique,
que tava acabando de descer do jipe, vindo do alambique,
trazendo um garrafão em cada mão.

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