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PANORAMA GERAL DA UTILIZAÇÃO DE FUNGOS NA ENGENHARIA DE

BIOTECNOLOGIA COM ÊNFASE NA REUTILIZAÇÃO DE RESÍDUOS


Luiz Jardim; João Tesini

RESUMO
O presente estudo visa sintetizar de forma geral a utilização de fungos em
diferentes contextos (saúde, alimentação, meio ambiente) com enfoque na área
industrial e na criação de materiais e produtos biotecnológicos a partir de
resíduos que seriam descartados gerando um maior acúmulo em aterros
sanitários e maior emissão de gases através de sua incineração. A pesquisa tem
por objetivo aprofundar o conhecimento e aplicação de fungos na disciplina de
Bioengenharia 1 da Universidade Tecnológica Federal do Paraná.

Palavras-chave: fungos, bioengenharia, biotecnologia, indústria, plástico,


meio ambiente.

1. INTRODUÇÃO
Os fungos são seres eucariontes, que podem ser unicelulares ou
pluricelulares, heterotróficos e aeróbios ou anaeróbios facultativos (leveduras),
o que dá a eles uma imensa capacidade de se adaptar a quase todas as
condições do nosso planeta, sendo onipresentes em quase todas as regiões do
mundo.
Com aproximadamente 1,5 milhão de espécies, esses seres possuem
características únicas que vêm sendo estudadas e aplicadas em diversos
setores de atividades humanas, seja no desenvolvimento de bens e serviços
como produtos químicos e farmacêuticos, comestíveis, laticínios, bebidas
alcoólicas de todos os tipos, ou na área biomédica.
Todos esses processos que utilizam dos fungos e de suas características
para a transformação de matérias-primas compreendem a Biotecnologia. Um
fato interessante é o de que muito antes que o homem entendesse a biologia em
si, ele já lidava com a biotecnologia. Um exemplo disto são as evidências
arqueológicas que mostram que os humanos usam os fungos há pelo menos
6.000 anos para a produção de vinhos e pães devido, em grande parte, às
propriedades fermentativas das leveduras, o que nos leva a considerar os fungos
como os percursores da aplicação biotecnológica.
No entanto, mesmo sendo usados a milhares de anos, somente nas
últimas décadas é que os fungos estão tendo o seu grande potencial realmente
aproveitado. Com o desenvolvimento de pesquisas voltadas para entender e
utilizar esse organismos da melhor maneira, foi descoberto que os fungos, que
muitas vezes não podem ser vistos a olho nu e passam grande parte de seu ciclo
de vida no subsolo ou dentro de plantas e animais, são responsáveis por
processos incrivelmente importantes como a ciclagem global de nutrientes,
sequestro de carbono e até mesmo a prevenção da desertificação em algumas
regiões do mundo propensas à seca.
Desde então, cada vez mais pesquisas são realizadas e novas funções são
atribuídas aos fungos, reforçando a sua importância e relevância tanto no
desenvolvimento de novos medicamentos quanto na remodelagem de processos
que antes eram danosos ao meio ambiente, mostrando que eles podem ser a
chave para a construção de um futuro mais sustentável.

2. UTILIZAÇÃO DE FUNGOS NA INDÚSTRIA


Desde o desenvolvimento de técnicas que permitiram isolarmos e
estudarmos algumas espécies de fungos, esses organismos vêm sendo
utilizados em diversos processos essenciais para o desenvolvimento humano
nos mais variados aspectos.
Na indústria farmacêutica podemos citar o gênero fúngico Penicillium,
amplamente utilizado na área médica devido à produção da penicilina. Outro
exemplo de fármaco é a ciclosporina, isolada do fungo Tolypocladium inflatum,
que é uma droga imunossupressora utilizada para reduzir a probabilidade de
rejeição de um órgão transplantado.

Os fungos também têm importância no desenvolvimento de produtos


sustentáveis, que buscam substituir aqueles baseados em recursos não
renováveis, como os biocombustíveis. Um grande exemplo desse caso é o fungo
Trichoderma reesei, descoberto durante a Segunda Guerra Mundial, utilizado por
empresas de biotecnologia para produção do etanol a partir da biomassa
celulósica.

A indústria alimentícia, área em que os fungos já são utilizados há milhares


de anos, também continua utilizando esses organismos na fabricação de
alimentos, como o queijo e o pão, e de bebidas alcoólicas, como o vinho e a
cerveja. No caso da produção do pão, são utilizadas as leveduras chamadas
Saccharomyces cerevisiae, que realizam um processo de fermentação, fazendo
o pão crescer. Essa levedura também é importante no processo de fabricação
da cerveja, transformando os cereais em álcool. No caso da fabricação de
queijos como o roquefort e o camembert, são adicionados os fungos Penicillium
rocheforti e Penicillium camemberti, respectivamente, que são responsáveis
características específicas, como o sabor e a coloração.

Além de todo o potencial industrial citado acima, os fungos também estão


diretamente ligados à recuperação ambiental, tanto na reciclagem de resíduos
agrícolas e agroindustriais, como na biodegradação de materiais com função
econômica, social e ambiental, fazendo com materiais que demorariam séculos
para se decompor e voltar para o ciclo natural possam ser degradados e
reaproveitados de diversas formas.

2.1 O uso de fungos para degradação de plástico

Um grande exemplo da biodegradação de materiais com função


econômica e ambiental está na pesquisa realizada pela Designer Katharina
Unger e Julia Kaisinger da empresa LIVIN design studio em colaboração com
pesquisadores da Utrecht University. A pesquisa consiste no desenvolvimento
de um novo produto alimentar em uma base de crescimento para fungos que
degradam plástico e o tornam comestível, buscando resolver assim dois dos
principais problemas ambientais da atualidade: os milhões de toneladas de
resíduos de plástico que entram no ecossistema a cada ano e a escassez
tecnologia para lidar com condições agrícolas extremas.
Os pesquisadores trabalharam com duas fontes comuns de fungos em
seus experimentos: a comuna Schizophyllum (o cogumelo ‘Split Gill’) e Pleurotus
ostreatus (o cogumelo ‘Oyster’). Esses cogumelos comedores de plástico são
cultivados dentro de uma "esfera de crescimento" também desenvolvida por eles,
chamada Fungi Mutarium.
Para iniciar o processo, o lixo plástico é esteralizado com luz ultravioleta
para iniciar sua degradação. O plástico é então colocado em copos feitos de ágar
- um substituto de gelatina à base de algas marinhas que atua como uma base
nutritiva para fungos quando misturado com amido e açúcar. Os copos cheios
de plástico são então colocados dentro da esfera de crescimento e gotas de uma
solução contendo os fungos são adicionadas. Os fungos então começam a
crescer enquanto digerem o plástico - junto com o copo de ágar inteiro - deixando
um cogumelo comestível onde antes havia resíduos de plástico.
Figura 1: Processo de crescimento dos fungos sobre o ágar e o plástico tratado (Livin
Studio, 2014)

Embora sejam necessários mais testes de segurança alimentar antes que


esses cogumelos sejam lançados em maior escala, a pesquisa indica que os
cogumelos não apenas quebram o plástico, mas também parecem não
armazenar o plástico em sua biomassa, tornando-os seguros para o consumo
humano.

Figura 2: Fotos do processo de crescimento dos fungos sobre o ágar e o plástico tratado
(Livin Studio, 2014)
Os pesquisadores divulgaram um vídeo mostrando como funciona o
processo e os equipamentos utilizados na pesquisa, disponível em:
http://vimeo.com/113942952
2.2. Uso de fungos para produção de material de construção

Outro exemplo de resutilização de resíduos está no trabalho realizado


pelos pesquisadores australianos Tien Huynh e Mitchell P. Jones da RMIT
University, que desenvolveram um novo material para construção composto de
fungos, resíduos de cascas de arroz e cacos de vidro. Este material, feito com
resíduos agrícolas e industriais, foi projetado para ser utilizado na construção e
ainda ser mais leve e mais resistente em alguns aspectos do que os materiais
comumente usados.
O composto usa o fungo Trametes versicolor para combinar cascas de
arroz e pequenos pedaços de vidro para criar tijolos leves, porém fortes. O
material desenvolvido é mais barato do que o plástico ou a madeira tratada e
reduz a quantidade de lixo que vai para o aterro sanitário, uma vez que o arroz
é uma cultura básica para mais da metade da população mundial e o vidro é um
material que tem pouca aplicabilidade quando é quebrado ou contaminado.

Figura 3: Materiais base para fabricação do tijolo fúngico: A – casca de arroz; B – resíduos
de vidro; C – fungo Trametes versicolor (Tien Huynh, 2018)

Para se ter uma ideia do potencial de fabricação, anualmente 480 milhões


de toneladas de arroz são produzidas, sendo que 20 por cento desta massa é
relativa às cascas do arroz. O mesmo ocorre com o vidro, o qual é
constantemente descartados em pedaços pequenos ou como vidrarias
contaminadas, somente na Autrália (lar desta pesquisa) são gerados cerca de
600.000 toneladas de resíduos de vidro por ano. Embora possa ser usado como
substituto para parte da areia no concreto, na maioria das vezes, é incinerado,
como as cascas de arroz.
Além de reduzir o desperdício, os tijolos fúngicos são resistentes ao fogo e
podem ser usados para isolamento de painéis, pois são mais estáveis
termicamente do que materiais de construção sintéticos, como poliestireno e
aglomerado, de acordo com os pesquisadores. Os tijolos queimam mais
lentamente e com menos calor, ao mesmo tempo que liberam menos fumaça e
dióxido de carbono, abrindo assim uma gama de possibilidades de uso e
trazendo uma maior segurança para aqueles que escolherem este material.
Uma outra vantagem deste material está na sua proteção natural contra
insetos invasores, pois graças ao teor de sílica do arroz e do vidro, o material
fúngico não é muito apetitoso para os cupins, o que faz com que a chance de
sofrer uma infestação destes insetos diminua drasticamente.

Figura 4: Fotos do tijolo fúngico pronto(Tien Huynh, 2018)

3. CONCLUSÃO
Quando pensamos em fungos pode ser que uma imagem desagradável
nos venha à mente, pois temos o péssimo costume de associar estes
organismos a alimentos que passaram do ponto e foram consumidos por eles,
ou até mesmo a algumas doenças causadas por algumas espécies de fungos.
Porém, temos que nos atentar de que existem mais de um milhão de
espécies de fungos em nosso planeta, e ainda é possível que existam outras
milhares esperando para serem descobertas e terem o seu potencial
aproveitado.
Os fungos não são somente seres que estão presentes em alimentos e
locais úmidos, eles podem ser a chave para o desenvolvimento sustentável da
nossa sociedade, como uma chance de repararmos o mal que estamos fazendo
ao nosso planeta. Portanto, ao pensar em fungos não devemos pensar somente
das aplicações onde comumente os vemos, devemos começar a pensar em
onde poderíamos vê-los daqui a alguns anos e em como eles podem nos ajudar
a construir um futuro melhor e em equilíbrio com o meio ambiente.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
WILLIS, Katherine J. et al. “Royal Botanic Gadens Kew”. State of the World’s
Fungi, 2018. Disponível em: <
https://stateoftheworldsfungi.org/2018/reports/SOTWFungi_2018_Full_Report.p
df>. Acesso em: 15 de julho de 2021.
Alves da Silva, C. J., & do Nascimento Malta, D. J. (2017). A IMPORTÂNCIA
DOS FUNGOS NA BIOTECNOLOGIA. Caderno De Graduação - Ciências
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https://periodicos.set.edu.br/facipesaude/article/view/3210
RAMOS, Julia. “O papel dos fungos na indústria”. Instituto de Microbiologia
Paulo de Góes UFRJ. Disponível em: <
http://www.microbiologia.ufrj.br/portal/index.php/pt/destaques/novidades-sobre-
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2021.
DALEY, Beth. “Scientists create nem Building material out of fungus, rice and
glass”. The Conversation, 2018. Disponível em:
<https://theconversation.com/scientists-create-new-building-material-out-of-
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FUNGI MUTARIUM. Livin Studio, 2014. Disponível em: <
http://www.livinstudio.com/fungi-mutarium/>. Acesso em: 15 de julho de 2021.
EAT ME: Edible Mushroom Eats Plastic Trash. Material District, 2014.
Disponível em: < https://materialdistrict.com/article/eat-edible-mushroom-eats-
plastic-trash/>. Acesso em: 15 de julho de 2021.

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