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Genifa Pio Machute - Direito: Pós-Laboral

Organização Do Estado Tradicional e o Direito: Autoridades


Tradicionais

“O conceito de autoridades tradicionais designa então os indivíduos e as instituições


de poder político que regulam a organização do modelo de reprodução social das
sociedades tradicionais.” (Fernando Florêncio, 2003, pp 49).
Autoridade Tradicional pode ser intendida como um poder político exercido por um
individuo ou um grupo de indivíduos (uma instituição) que toma as decisões sobre a
organização da sociedade tradicional. Estas instituições existiam antes da colonização,
existiram durante a colonização e continuaram existindo depois da independência,
sendo sujeitas á varias transformações sociais nestes períodos.
O poder de mando nestas instituições é legitimado pela tradição (Segundo Fernando
Florêncio (2003) tradição “reporta-se a invocação do passado, real ou inventado, por
intermedio da repetição de praticas e normas socias formalizadas e
constitucionalizadas, cujos propósitos são os de dar significado, e por conseguinte
legitimidade, ao presente social, pela continuidade que se estabelece com o passado”),
ou seja a sociedade geral infere esse poder a um individuo ou grupo de indivíduos, que
por via das regras consuetudinárias legitima-se para exercer o poder. Este facto garante
a continuidade da reprodução social da sociedade como estabelece uma relação de
continuidade ente o passado e presente.

Para Max Weber, no ideal-tipo da autoridade tradicional, o poder não reside no cargo
do individuo que o exerce mas sim no próprio individuo, ora esta forma de
institucionalização proporciona uma crescente tomada de importância e racionalização
do cargo de poder. É ao cargo que a tradição vai conferir disposições que caracterizam o
tipo e os limites do poder a ser exercido. O soberano é limitado por via da
institucionalização na sua autoridade. Como defendia Max Weber o soberano não tem
necessariamente o livre arbítrio nem nos modelos mais patrimonialistas pois o soberano
pode perder a legitimidade mas a instituição não á perde.
A consideração da Tradição como uma dialética passado-presente permite entender
que o passado pode ser manipulado por indivíduos sem que eles considerem desvirtuoso
da tradição da instituição, assim compreende-se as manipulações ao sistema político
como ascensões ao poder sem uma legitimação pela tradição mas que com o devir da
história são aceites pela sociedade.
Consideram-se atores políticos, os indivíduos que detém lugar no seio da instituição
política, pois pode dar-se o caso de pessoas que detém uma grande influência no poder
político e na vida pública geral como mágicos-religiosos, porem não são autoridades
tradicionais pois não são parte da estrutura política.
Na africa Subsaariana, desde o período pré-colonial estas instituições de poder
político assumem uma pluralidade de formas e conteúdos que não permitem uma
compreensão generalista das mesmas, mas apesar de tal possuem alguns traços comuns
nas formas de organização politica, tais como: o papel das autoridades tradicionais
como guardiões da ordem social; o papel de representação da sociedade do plano
interno e externo; a ambiguidade da sua posição social (para a consideração das relações
destas instituições com o estado quer no período colonial e pós-independência: para
entender a relação das instituições com os representantes e as populações subordinadas).
Entre outras características das autoridades tradicionais Africanas tem a Sacralização
do poder Politico na figura dos representantes mais proeminentes, os reis e os chefes.
Esta sacralização vem do processo divinização do rei que segundo James Frazer o rei
tem poderes sobrenaturais e assume o lugar de senhor supremo dos homens e do
universo, diferente da versão de Luc de Heusch onde o soberano retira o poder da
função de representação e de intermedio entre o divino e o plano humano. Mas a
sacralização também vem da associação do poder político e poder simbólico que
segundo Georges Balandier o poder político é associado a símbolos, imagens, insígnias
e rituais que o conferem uma significação e maior legitimidade.

Segundo Massuanganhe (2011), as Autoridades Tradicionais como poder político (o


poder tradicional) tem os seus respetivos órgãos de poder, estruturados da seguinte
forma:
 O líder comunitário (rei ou chefe) – tem autoridade própria do exercício
das funções e atribuições, deve ter descendência local, exercer um poder
legitimado e ele representa os interesses das comunidades locais.
 O conselho de local – é um representativo colegial, de consulta e
auscultação, composto por todos os conselheiros e chefiado pelo líder
comunitário.
 Os conselheiros – são individuais de reconhecido mérito no seio da
comunidade, pela experiencia e domínio de crenças e hábitos culturais,
apoiam o líder comunitário nas suas funções.

“No final do século XIX era evidente a incapacidade do Estado português em


implementar o princípio da ocupação efetiva do território moçambicano, estabelecido
na Conferência de Berlim, pois a presença portuguesa era escassa e os recursos do
Estado igualmente fracos. Assim, a solução encontrada foi a de desenvolver um esforço
de colonização diferenciado que conjugava a participação 370 do Estado português
com a intervenção de capitais estrangeiros privados, nomeadamente através do recurso
a companhias concessionárias,…” (Fernando Florêncio, 2008, pp 371). Com o território
tao vasto os Estado colonial não conseguiu dar conta de administrar tudo diretamente
por isso adotou assim o «Indirect rule» que visava no arrendamento de parte do
território Moçambicano as companhias concessionarias, estas partes constituíram os
áreas norte e centro do pais, ficando somente o sul na administração direta do Estado
Português.
Mas estas companhias por sua vez também não efetuaram uma administração direta do
território que arrendavam ou das populações eles delegavam as Autoridades
Tradicionais as funções de administração das populações, tais funções compreendiam o
recrutamento de mão-de-obra local, cobrança de impostos, a regulação dos milandos e a
manutenção da ordem.
Neste âmbito, as autoridades tradicionais locais foram sendo progressivamente
enquadradas, de modo diferenciado de região para região, consoante as capacidades de
controlo da própria administração colonial (Fernando Florêncio, 2008, pp 371).
Florêncio afirma que as Companhias enquadravam as bases territoriais das autoridades
tradicionais na logica da sua divisa administrativa, que consistia nas realocações das
autoridades e das populações. Isso visava a reduzir o espaço de poder político e a
influência das autoridades nas populações, foi uma espécie de «domesticação» das
Autoridades Tradicionais.
O estado colonial mais tarde instaura uma nova fase da política colonial que resulta da
enceração das companhias arrendatárias, uma vez que decide integrar um Estado
Central Totalitário para todas as províncias Ultramarinas.
“...Da Reforma Administrativa Ultramarina (RAU), a colonização portuguesa adota
formalmente o sistema de indirect rule, mesmo sem o nomear. Neste modelo é
claramente assumida a duplicidade política e jurídica da sociedade colonial, sendo
vedada às populações «indígenas» a integração plena, devendo estas continuar a
reproduzir-se segundo os seus modelos tradicionais de organização social. É neste
sentido que se assume especial relevo as instituições políticas locais, nomeadamente as
suas autoridades tradicionais.” (Fernando Florêncio, 2008, pp 372). A RAU vem
integrar as autoridades tradicionais no aparelho administrativo e define o módulo de
subordinação ao Estado Colonial adotando assim formalmente o Indirect Rule que
vigorou durante todo período colonial seguindo um elo entre o Estado Colonial e as
Autoridades Tradicionais.

A independência de Moçambique, em 1975, e a ascensão da Frelimo a partido único,


marcam uma nova etapa no relacionamento entre as autoridades tradicionais e a
administração estatal. A Frelimo pretendeu implantar um projeto de sociedade que
renegava as estruturas sociais existentes, quer as que se relacionavam com a sociedade
colonial quer as sociedades tradicionais. Nesse âmbito, as autoridades tradicionais
acabavam por se constituir como atores que simbolizavam os dois universos, colonial e
tradicional. Assim, o Estado-Frelimo optou desde o início pela abolição desta estrutura
de poder local, acusando-a de colaboracionista com o regime colonial e de representante
de um tipo de sociedade, a sociedade tradicional, que a Frelimo estimava de feudal e
obscurantista, e a qual pretendia eliminar (Florêncio, 2004). Este processo de destruição
teve seu começo em 1974 durante o Governo de Transição, as populações eram
convocadas pelos Grupos Dinamizadores (GDs), que assistiam as assembleias populares
e informavam da decisão da Frelimo de abolir os régulos. A Frelimo pretendia abolir os
régulos por acreditar que eles seriam aliados dos colonos, e que teriam apoiado e
alavancado a colonização. Em certos momentos o processo chegava a ser violento e
humilhante para as Autoridades Tradicionais, umas das práticas humilhantes praticadas
pelos GDs era a queimada de objetos de cultos rituais. Essas práticas criavam revoltas
das populações rurais, as ações no entanto eram passivas pois limitavam-se em não
comparecer á assembleias, etc.
Apesar de parte da população rural repudiar este processo, a outra camada da
população rural aprovava principalmente as das sedes do distritos e nas localidades.
Esta camada era composta por grupos mais jovens ou mulheres enquadradas em
organizações da Frelimo como O.M.M. (Organização da Mulher Moçambicana) ou
O.J.M. (Organização da Juventude Moçambicana) que acreditava que isso contribuía
para a sua emaciação ou outros indivíduos que tiveram problemas com as Autoridades
Tradicionais. Porem tiveram personalidades que criticaram também estas ações Da
Frelimo as Autoridades Tradicionais.
As Autoridades Tradicionais não foram simplesmente colaboradoras disfarçadas do
colonialismo português e desacreditadas aos olhos das populações rurais. Pelo contrário,
as Autoridades Tradicionais e instituições políticas com elas (inter) relacionadas foram
(e são) um importante fator de coesão social e identidade cultural, legitimando a
autoridade e regulando as relações das populações rurais entre si, com as outras
populações, e ainda, com o meio ambiente (Geffray,1990). Geffray defendeu as
atividades das Autoridades Tradicionais e afirmou que eles tiveram um papel de grande
importância na coesão social e cultural, ou seja eles ajudaram a salvaguardar as culturas
das populações rurais e foram intermediários das mesmas com outras populações. Ele
caracterizou o Estado Moçambicano como um sistema político autoritário, alienígena e
incapaz de compreender os costumes socias.
A perspetiva científica de Irae Lundin era reformadora, na medida em que contrariava
alguns fundamentos estruturantes da propaganda e ideologia política da Frelimo. A
autora argumenta que a cultura rural não era o obscurantismo reacionário que figurava
na doutrina política da Frelimo. Irae Lundin defendera que era legítimo o exercício da
autoridade de poder por parte das Autoridades Tradicionais, aos olhos das suas
populações rurais. As Autoridades Tradicionais “estavam prontas regressar para
reassumir um papel que sempre foi seu” (Lundin, 1992).
Várias outras análises académicas mencionaram esses pressupostos sociais e culturais,
e salientaram a força e a elasticidade das Autoridades Tradicionais e as normas
políticas, sociais, culturais e simbólicas rurais, constituídas sobretudo no quadro da
linhagem e da chefatura destas instituições.

No fim do ano 70 a Renamo ofereceu uma nova forma de combate as Autoridades


Tradicionais.
Christian Geffray (1994) explica que a Renamo estabeleceu uma espécie de aliança com
as autoridades tradicionais locais e que estas eram peças muito importantes na gestão e
administração das populações e dos recursos naturais, nos territórios que o movimento
controlava, funcionando como intermediários entre a Renamo e as populações.
Com o fim do conflito entre a Renamo e Frelimo em 1992, e assinatura dos Acordos
Gerais da Paz. Começou o processo de formação do estado Moçambicano, onde o
Estado central tenta implantar uma política nacional de captação e incorporação das
Autoridades Tradicionais, semelhante a que o Estado Colonial desenvolveu. Assim
pouco a pouco as administrações distritais começaram a aproximar as Autoridades
locais, em reconhecimento da sua legitimidade e autoridade e as relações entre as
Autoridades Tradicionais e as administrações variavam de distrito para distrito.

É de concluir que apesar do grande trajeto na Historia, varias mudanças e conflitos, as


Autoridades Tradicionais sobreviveram muito bem e são bem presentes da nossa
Sociedade Moderna, apesar de não terem a mesma presença como a de seculos atras,
ainda são bastantes relevantes e importantes nas zonas rurais, não só pra a resolução de
conflitos ou manutenção da ordem, mas também tem o papel de preservar as culturas e
tradições desde as populações antigas até agora. É possível notar que estas instituições
em si sofreram muitas alterações ao longo dos anos, e que por mais que carreguem
tradições que remetem ao passado são influenciadas também pelo presente, tem um
caracter menos rigoroso e é também submisso da Instituição Estatal, tendo que agir de
acordo com a Constituição Da Republica e as demais Leis.

Bibliografia
Florêncio, Fernando, As Autoridades Tradicionais Vandau, Estado Politico Local Em
Moçambique, ISCTE- IUL, 2003
Sitio: https://www.google.com/amp/Jus.com.br (Poder Tradicional Segundo Weber)
Florêncio, Fernando, Autoridades Tradicionais vaNdau De Moçambique, 2ª Edição,
2008
Massuanganhe, Israel Jacob, O Poder Local, As Autoridades Tradicionais E A
Reforma Da Governação Local, Edição Especial, 2012

Lundin, Irae, Machava, Francisco, Autoridade E Poder Tradicional Vol. I, 1998


Lundin, Irae, 1992
Geffray, Christian, Le Cause Des Armes Au Mozambique, 1990
Lourenço, Vítor Alexandre, Estado, Autoridades Tradicionais e Transição
Democrática Em Moçambique, ISCTE

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