Você está na página 1de 3

G EO U SP - Espaço e Tempo, São Paulo, N ° 11, pp.

145-147, 2002

Ribeiro, Wagner Costa


A ORDEM AMBIENTAL INTERNACIONAL
São Paulo, Ed. Contexto, 2 0 0 1 , 176p.

Sim one Scifoni*

A em e rg ê n cia da te m á tica am b ie n tal tem vida e, de outro, pelo ag ravam en to da p ro b le ­


a c re s ce n ta d o ao m e rca d o e d ito rial, an u alm e n te , m ática am b ie n tal que não se lim ita às fro n teiras
várias ob ras das m ais distin tas áreas do c o n h e ­ entre os países, atingindo os m ais d ive rso s s e to ­
cim en to, da B io lo g ia, G eo g rafia e G e o lo g ia à res da so cie d a d e m undial e c o lo c a em risco a
E co n o m ia , So c io lo g ia , A rq u itetu ra e Filosofia. co n tin u id ad e da vid a no planeta.
Na Geografia, especificam ente, as discus­ Para e x p lica r os m e c a n ism o s in tern o s da
sões têm-se concen trado na área da Geografia ordem a m b ien tal, o au to r opta pela a n á lise po­
Física, o que pode ser considerado, aparente­ lítica do sistem a in te rn a cio n a l que tem na G u e r­
mente, natural. No entanto, a discussão que a ra Fria seu princip al recorte histórico. U tilizando
Geografia Hum ana tem produzido sobre o assunto com o princip al re fe re n cia l a teo ria do rea lism o
não é m enos significativa e a recente publicação político, e, dentro desta, as id éias de Hans Mon-
da tese de doutorado de W agner Costa Ribeiro é ghentau, seu m ais co n sid e rá ve l form u lador, o
um e x e m p lo d isso . O livro vem a c re s c e n ta r autor id en tifica duas p rem issas e s s e n c ia is que
q u alid ad e à d iscu s sã o so b re m eio am b ie n te , exp licam o quadro das re la çõ e s in te rn a cio n a is
enfocando-a, in clu sive, a partir de um ângulo na esfera am b ien tal: em outras p alavras, o que
pouco estudado - o das relações internacionais. norteia a d e fin içã o dos tratados e a c o rd o s n esta
O autor introduz o co n ce ito de ordem área é a salvag u ard a da so b e ra n ia e dos in te ­
a m b ie n ta l in te rn a c io n a l, um p rocesso ainda em resses n acio n ais.
construção e que guarda as características es­ Assim send o , id e n tific a um p rim eiro m o ­
senciais do sistem a ao qual faz parte - o sistem a m ento, an te rio r à G u erra Fria, em que as p o u ­
internacional. A ordem am b ien tal internacio nal cas re la çõ e s in te rn a cio n a is nesta esfera re fle ­
expressa-se por m eio de aco rd o s e tratados que tem a su p re m a cia p o lítica dos países im p e ria ­
buscam um a gestão do m eio am b iente, ultra­ listas euro p eu s. Isso a p a re c e ex p resso em um a
passando as fronteiras dos Estad o s Nacionais. das prim eiras te n tativas de se e s ta b e le c e r tra ta­
Ela é re su lta d o de um a crise m undial dos in te rn a cio n a is nesta área: a c o n v e n ç ã o para
gerada, de um lado, p elo esg o tam e n to dos re­ d iscip lin a r e c o n te r a a tivid ad e de c a ç a in d is c ri­
cursos n atu rais n e c e s s á rio s à re p ro d u çã o da m inada nas co lô n ia s do c o n tin e n te african o .

* Assessora de Geografia da Rede Municipal de Santo André e doutoranda em G eografia Hum ana no
Departam ento de Geografia da EFLCH/USP
146 — G E O U SP - Espaço e Tem po, São Paulo, N ° 11, 2002 Scifo n i, S.

Em um seg un do m o m ento an a lisa d o pelo A ssim , o au to r nos m o stra que, ap esa r


autor, re la tiv o ao p erío d o da G u e rra Fria, trata­ de a a tu a çã o da ONU nesta esfe ra im p lica r no
dos e a c o rd o s refletem as c o n d içõ e s de d o m ínio re co n h e c im e n to de um a e sc a la m un dial de pro­
político-m ilitar das duas su p erp o tên cias, send o o b lem as a m b ie n ta is que afeta toda a so cied a d e,
T ra tad o A n tá rtico o m e lh o r ex em plo. exigindo, portanto, m ed id as co m u n s a diversos
EU A e U R S S foram os prim eiro s p aíses a países, p re v a le c e ra m , co m o resu ltad o das c o n ­
in sta la r b ases na A n tártid a em 1955, num m o ­ fe rê n cia s e e n co n tro s, os p rin cíp io s de so b e ra ­
m ento em que o m undo d iscu tia a posse do co n ­ nia e in te resse s n a cio n ais.
tin en te. P a íse s que teriam prio rid ade na re iv in ­ Nesse p erío d o da G u erra Fria, o p rin ci­
d ic a ç ã o do c o n tro le territo rial da área pelo p rin­ pal e ve n to foi a re a liz açã o da C o n fe rê n c ia de

cíp io de p re c e d ê n c ia de o c u p a ç ã o , no caso o Esto co lm o , em 1972, tida co m o o m arco da


e c lo s ã o m u n d ia l da p re o c u p a ç ã o a m b ie n ta l.
C h ile e a A rgentina, tiveram que ce d e r à pressão
Mas fica a q u estão : se n d o a c o n fe rê n c ia o gran­
política, ab rin d o m ão d esse direito em favor da
de m arco, é p o ssível falarm o s em ordem am ­
assinatura do Tratado Antártico. Esse tratado, fir­
biental in te rn a cio n a l a n te rio r a e la ?
m ado em 1959, possibilitava aos países que ins­
A C o n fe rê n cia , realiz ad a em pleno auge
talassem bases científicas no continente até 1991,
do p eríodo da G u e rra Fria, rep resen to u m ais
futuras reivin d icaçõ es por direitos territoriais.
um a vez a p ro b le m á tica a m b ie n ta l, vista pela
A lém do T ratad o A ntártico , o au to r nos
ó tica dos países d o m in an tes. Não se fez a críti­
m o stra que a a tu a çã o da ONU nesse m o m ento,
ca dos grandes re sp o n s áv e is p ela p ro b lem ática
por m eio de um de seus organism os - a U N ES C O
am b ien tal, co m o as m u ltin a cio n a is e os países
-, ta m b é m re fle tia essas m esm as co n d içõ e s do
altam en te in d u strializ ad o s e p o lu id o res, m as ao
co n tex to político . De um lado verificava-se a am ­
contrário, ressaltou-se a p ressão do c re s c im e n ­
p lia çã o da p re o c u p a ç ã o com o am b ien te, m as
to dem o g ráfico so b re os recu rso s naturais, fato
c e n tra d a e x c lu s iv a m e n te na sua d iscu ssã o c ie n ­
m ais m arcan te nos p aíses pobres. En tretan to ,
tífica. Isso se deu em função do ap arecim en to de
a p e sa r da n e c e s sid a d e de lim ita çã o ao c re s c i­
alg u m as p ro b le m á tic a s, co m o perda de so lo e, m ento p o p u lacio nal ter sido tão am p lam en te dis­
c o n s e q ü e n te m e n te , de áreas agrícolas e a ex­ cutid a na o ca siã o , essa q u estã o não foi e n c a m i­
tra çã o de m a d e ira s. Enfatizava-se, assim , a c ria ­ nhada com o re c o m e n d a ç ã o final, pois viria a
ção de um e s p a ç o de d e b a te s de caráte r c ie n ­ in terferir no p rin cíp io de so b e ra n ia n acio n al.
tífico so b re a p ro b le m á tica am b ien tal e o fo­ Seg u n d o o autor, isto re fo rça a tese do
m en to de p esq u isa s para fu n d am en tar diretrizes realism o político co m o e x p lic a çã o para os m e c a ­
e p o lítica s de a tu a çã o . N esse sentid o, buscava- nism os criad o s na ordem a m b ie n ta l in te rn a cio ­
se, por m eio da c iê n c ia e da técn ica, s o lu çõ e s nal. Nesse sen tid o , com o fim da G u e rra Fria,
p ara os p ro b le m a s a m b ie n ta is , d e ix a n d o de que m u d an ças p od em ser e sp e ra d a s na co n fig u ­
lad o a reflex ã o e c rític a so bre suas cau sas. ração dessas re la ç õ e s in te rn a c io n a is ?
M e c a n is m o s c ria d o s n e ste m o m e n to , De a co rd o com R IB E IR O , a co n fig u ração
co m o a C o n fe rê n c ia da B io s fe r a e o program a O de um m undo m u ltip o la r do ponto de vista e c o ­
H om em e a B io s f e r a , e vid e n cia m cla ra m e n te nôm ico, m esm o com a re a firm a çã o do poderio
essa p o siçã o , levando-a ao extrem o no m o m e n ­ político-m ilitar dos EUA, p o ssib ilito u n o vas arti­
to em qu e in c e n tiv a m p o líticas de fo rm a çã o de cu la çõ e s que to rn aram a ordem a m b ie n ta l in te r­
c o n s c iê n c ia am b ie n ta lista , e x clu siva m e n te v o lta ­ n acio n al em um q u ad ro m ais co m p le x o . S u s te n ­
das para á re a s de p ro te çã o de e co s sis te m a s tando p o siçõ es sem p re em d e fesa da so b e ra n ia
natu rais, d e ix a n d o de lado aq u e la s v o lta d a s às nacio nal, os p aíses se alin ham em d ive rsa s c o m ­
s o c ie d a d e s com e le v a d o nível de co n su m o . posições, ora atuando em grupos, ora in d iv id u a l­
A ordem am biental internacional, pp!45-147 147

m ente, ora co m p o n d o com n o vo s p a rce iro s, de A m b os e n v o lve m a n e c e s s id a d e da p ro m o çã o


certa form a ro m p en d o com a h eg em o n ia c o m ­ de a ju ste s globais, no sen tid o de garan tir a c o n ­
pleta dos EUA. tin u id ad e da vid a h u m an a no planeta. R e sg a ta n ­
E sse é o caso de um a das c o n v e n ç õ e s do a origem do c o n c e ito de d e s e n v o lv im e n to
e la b o ra d a s d u ran te a C o n fe rê n c ia das N açõ es su ste n tá ve l, o au to r nos lem b ra que ele se rve ,
U nidas para o M eio A m b ien te e o D e s e n v o lv i­ hoje, a in te resse s d ive rso s tornando-se a p e n a s
m ento, m ais c o n h e c id a com o Rio/92. Seg u n d o o d iscurso. No entanto , ele a cre d ita que o d e s e n ­
autor, a Rio/92 rep resen to u um grande m arco, v o lvim e n to su ste n ta d o p o d eria ser um a re fe rê n ­
d ivid in d o a o rd em am b ien tal in te rn a cio n a l em cia se este re p re se n ta sse um a n o va form a de o
dois m om entos. Entre as c o n v e n çõ e s assinad as hom em se re la cio n a r com outros hom en s e, po r­
durante a sua realização, a da D iversid ade B io ­ tanto, com o am b ien te.
lógica, a qual d eterm in ava o pagam ento pelo uso Em co n clu sã o , R IB E IR O afirm a que será
dos recu rsos g enéticos, b en efician d o p rin cip al­ difícil p ensarm os em m u d an ças rad icais nos m o ­
m ente os países pobres dos trópicos, m ostra a dos de vid a que são re sp o n s á v e is pela d eg rad a­
nova co m p o siçã o de forças e s ta b e le cid a s na or­ ção do planeta, e n q u an to p red o m in a rem d e c i­
dem am b iental internacio nal, já que os EUA, c o n ­ sões que favo re çam in te resses n a cio n ais e s p e c í­
trários a sua assinatura, ficaram isolad os quando ficos. Mas o au to r p e rm a n e ce otim ista, a p o sta n ­
os dem ais países do Q7 firm aram o d ocum ento. do no papel da ciê n cia , da e d u c a ç ã o , da p o lítica
O au to r d iscu te, aind a, dois c o n ce ito s e no d e s p e rta r da r e s p o n s a b ilid a d e c o le tiv a
que para ele são fu n d a m e n ta is na c o m p re e n sã o (p. 147) para a c o n stru çã o de um novo m un do
da ordem a m b ie n ta l in te rn acio n al: o de seg uran­ no qual os re cu rso s sejam d istrib u íd o s de m a­
ça am b ien tal e de d e se n v o lv im e n to su ste n tá ve l. neira m ais igualitária.

Você também pode gostar