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artigo
Desconst rução
e t ipografia digit al
Flávio Vinicius Cauduro
Até bem recen tem en te, tin h a-se com o con sen so q u e a tip ografia era u m a form a
d e escrit a p ad ron izad a in ven tad a ap en as p ara registrar e ‘tran sm itir’ m elh or
id éias, p en sam en tos e d iscu rsos origin alm en te verbais, através d e u m p rocesso
d e p rod u ção em m assa d e im p resso s, geralm en te d e p ap el, sen d o o p rod u to
fin al p u blicad o em u m gran d e n ú m ero d e exem p lares, sob a form a d e livro,
jorn al, cartaz, folh eto, etc. A fu n ção p rim ord ial d a tip ografia seria en tão ap en as
in st ru m en t al, d ed icad a à d ifu são gen érica d e in fo rm açõ es, gravad as d e u m a
form a p eren e sobre su p o rtes p lan o s em gran d e escala.
Essa con cep ção secu lar com eçou a ser con testad a freq ü en tem en te p or p oetas
e artistas, a p artir d o fim d o sécu lo p assad o, q u an d o foi ap erfeiçoad a a litografia
d e gran d e form at o e su rgiu o poster d e ru a, o q u e p ossibilitou ao m ovim en to
art nouveau p rod u zir at ravés d esse m eio fo rm as gráficas im p ressas q u e fo ssem
m ais at raen t es d o q u e aq u elas p ro d u zid as p ela tip ografia trad icion al.
Mas a vit alid ad e e a in ven t ivid ad e d esses p ion eiros, assim com o d os fu tu -
rist as, d ad aíst as e su rrealist as q u e lh es segu iram , fo ram sen d o grad u alm en te
d om esticad as, racion alizadas e recalcadas p elos fu n cion alistas (p erten cen tes aos
m o vim en t o s De St ijl, Su p rem at ism o , Co n st ru t ivism o e Bau h au s), q u e p referi-
ram cu lt ivar a elegân cia calcu lad a e a eco n o m ia extrem a d e fo rm as (q u e d e-
veriam ser claras, o rd en ad as, sim p les, geo m étricas e rep etitivas), evitan d o ao
m áxim o a o rn am en t ação in t u it iva e o arran jo em otivo (ou ao acaso) d os ele-
m en t o s gráfico s u t ilizad o s (q u e t am bém eram red u zid o s a u m n ú m ero d e
alt ern at ivas m u it o p eq u en o ).
Em vão h avia Filip p o Tom m aso Marin etti con clam ad o a seu s colegas artistas
em 1909:
Um livro d eve ser a exp ressão fu tu rística d e n ossos p en sam en tos fu tu ristas. Melh or:
m in h a revolu ção é, en tre ou tras coisas, con tra a assim ch am ad a h arm on ia tip ográ-
fica d a p ágin a d o livro q u e está em op osição ao flu xo d o estilo m an ifesto n a p ágin a.
Se n ecessário, u sarem os três ou q u atro cores d iferen tes e 20 d iferen tes estilos d e
tip os n a m esm a p ágin a (in GOTTSCHALL 1989: 17).
Cartaz de
Wolfgan g Wein gart, 1978.
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Pred om in ava n a Bau h au s, u m a escola su bsid iad a p elo Estad o, cad a vez m ais
o cu ltivo à ord em e ao racion alism o, à clareza e à h arm on ia, com o se ela bu scas-
se u m con t rap on t o t ip o gráfico ao co n flito , à co m o ção, à an arq u ia, ao caos e à
d esest abilização d o status quo, sen t im en t o s est im u lad o s p elo s m o vim en t o s
sociais revolu cion ário s p ó s-Prim eira Gu erra Mu n d ial.
A esco la su íça, q u e su ced eu a Bau h au s ap ós a Segu n d a Gu erra, refin o u e
rep rim iu m ais ain d a q u aisq u er su bjet ivism o s, regio n alism o s o u ‘est ilism o s
kitsch ’ q u e am eaçassem co n tam in ar as fo rm as tip o gráficas ascét icas (sem seri-
fa e m on ot on am en t e u n ifo rm es) p ro p agad as p elos m in im alistas alem ães, o
q u e rest rin gia o t rabalh o d o s d esign ers a m an ip u lações tip ográficas m ín im as
d e tam an h o, cor e algu n s ou tros p ou cos atribu tos visu ais d os im p ressos. Sen d o
m o d ern ist as e su íço s exem p lares (p reciso s e d o gm áticos), seu s d esign ers m aio-
res (Em il Ru d er, Arm in Hoffm an , Josef Mü ller-Brockm an ) p regavam a su p eriori-
d ad e u n iversal d e su as solu ções gráficas m in im alistas, rigid am en te con trolad as
p elo grid system e vestid as u n ifo rm em en te p elas fam ílias Fu t u ra, Helvet ica e
Un ivers. Este estilo veio a ser con h ecid o n os an os 1960 e 1970 sob a d en om in a-
ção d e International Style, sen d o ad o t ad o p o r q u ase tod as as gran d es em p resas
m u ltin acion ais em seu s p rogram as de iden tidade visu al corp orativa, assim com o
p or gran d es ed it oras d e livro s cien t ífico s, t écn ico s e artístico s.
Essas so lu çõ es m in im alistas d os fu n cion alistas su íços eram rep etid as in ces-
san tem en t e, t orn an d o -se rap id am en te u m a fó rm u la facilm en te cop iad a p or
q u alq u er d esign er, in d ep en d en tem en te d e seu talen to ou p referên cias, e sem
levar em con sid eração o con texto com u n icacion al. Logo, as ‘p rogram ações vi-
su ais’ q u e essas fórm u las m ecan icistas geravam to rn aram -se m u ito facilm en te
p revisíveis, aborrecid as e d esin t eressan t es, p assan d o a ser p raticam en te in vi-
síveis ap ós algu m tem p o. Isso era, n a verdade, a con seq ü ên cia lógica e in evitável
d o seu p rin cíp io m aio r: form follows function. Se a fu n ção d e u m d eterm in ad o
gên ero d e im p resso era basicam en te sem p re a m esm a, segu ia-se q u e n ão h avia,
p ortan to, p or q u e fazer m aiores alterações n as form as já con sagradas p ara aq u ele
gên ero – co m o n o caso d e p ro gram as d e sin alização visu al am bien tal ou d e
p rogram ações visu ais d e em balagen s farm acêu t icas, p o r exem p lo .
Em bora u m d ia p u d essem ter sid o in éd itas e n ão-red u n d an tes, essas solu ções
p ad ron izad as e rep et it ivas eram cam isas-d e-fo rça p ara d esign ers talen to so s e
in ovad o res. A h egem o n ia d o estilo in tern acio n al, d evid a à su a am p la d ivu lga-
ção em t o d as e q u aisq u er p eças d e co m u n icação program adas d as gran d es cor-
p orações, in cessan tem en te d ifu n d id as em escala global, d esestim u lava a em er-
Atualm en te, aquele m ovim en to de rejeição ao fun cion alism o tran sform ou-se
em várias co rren tes estilísticas d en o m in ad as p ó s-m o d ern ist as (o s est ilo s punk,
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grunge, techno, en t re o u t ro s). Caract erizam -se p elo ecletism o d e su as fon tes
h istóricas d e in sp iração (q u e in clu em so lu çõ es vern acu lares, regio n ais, co m o
os d esign ers d o Push Pin Studio já ad o t avam h á m u it o tem p o), p ela valorização
d e ru íd os, su jeiras e im p ertin ên cias visu ais, p ela h ibrid ação d as n ovas tecn o-
logias d a co m p u t ação co m m íd ias e técn icas m ais an t igas, e p ela p ro cu ra d e
solu ções ap aren tem en te caóticas e an árq u icas, trabalh ad as em p arte p elo acaso
(fragm en tos, d eteriorações, d efeitos), em p arte p or p rocessos con scien tem en te
co n tro lad o s p elo d esign er, t an t o u m q u an t o o o u tro realizad os com a aju d a
do, m as n ão só no com p u tad or.
En t re o s m ais co n h ecid o s cavaleiro s d o ap o calip se t ip o gráfico , d est acam -
se at u alm en t e, p o r su as criaçõ es p o lêm icas e revo lu cio n árias, David Carso n ,
Neville Bro d y, Ru d y Van d erLan s, Jo el Kat z, Pau la Sch er, Ch u ck Byrn e, Ed ward
Fella, Jeffery Keed y, Scott Makela, Barry Deck, Erik Van Bloklan d , Max Kism an ,
Tib o r Kalm an .
As in flu ên cias p ro d u zid as p elo d esign p ós-m od ern o at é ago ra t êm sid o d e
m od o geral in ovad oras, libertad oras e p rovocan tes, ten d en d o a estim u lar cad a
vez m ais a p ro d u ção d e so lu çõ es extrem am en te ricas e abertas em sen tid o,
com o m u itos críticos já com eçam a atestar (BIELENBERG, 1994: 185; LIVINGSTON & LIVINGSTON,
1992: 159; M ILLS, 1994: 130-1; POYNOR, 1994: 87).
Porq u e, d e acord o co m Sau ssu re, p areceria h aver u m a p reced ên cia “n atu ral”
d o sign o lin gü ístico em relação ao sign o gráfico, u m a vez q u e a fala seria “a
ú n ica ligação verdadeira” (SAUSSURE, 1916/ 1974: 25) en tre os p en sam en tos e os sen tidos,
isto é, en tre os sign ificad os e os sign ifican tes (observe-se q u e esta é a ord em
em q u e ele u sava esses term o s).
Derrid a ch am a n o ssa at en ção p ara o fat o d e q u e tais p reco n ceito s co n tra a
escrit a ad vêm d o s an t igo s p en sad o res grego s: “Lem b rem o s d a d efin ição
arist ot élica: ‘Palavras falad as são o s sím bo lo s d as sen sações m en tais e p alavras
escritas são os sím bolos d e p alavras falad as’” (DERRIDA, 1967/ 1976: 30). Para Aristóteles
a voz t in h a u m a relação d e p ro xim id ad e essen cial e im ed iata com a m en te,
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p or ser a p rod u t ora d o s p rim eiro s sím bo lo s. Assim sen d o , o sign ifican te falad o
era co n sid erad o co m o sen d o m ais verd ad eiro (m ais fiel ao p en sam en t o ) q u e
os d em ais: “ele sign ifica ‘exp eriên cias m en tais’ q u e p or su a vez refletem ou
esp elh am as co isas p o r sem elh an ça n at u ral” (DERRIDA, 1967/ 1976: 11) . Po rt an t o o
sign ifican t e escrit o só p o d ia ser técn ico e rep resen tativo, sem q u alq u er p ar-
t icip ação n a co n st it u ição d o sen t id o – era u m est ran h o , u m exclu íd o , u m
p erigo so su p lem en t o , est ran geiro à verd ad eira ‘lin gu agem ’ (o u à sign ificação ).
Essas n o çõ es est reitas cegaram os filósofos p ara a p articip ação d os sign os
escrit o s n a sign ificação . Esses sign o s en tão se to rn aram su bo rd in ad o s a u m
fu n cio n am en t o q u e n a realid ad e n u n ca é co m p letam en te fon ético ou secu n -
d ário, com o p ret en d iam o s an tigo s (DERRIDA, 1967/ 1976: 30). A escrita fon ética, com o
argu m en t a Derrid a, é u sad a m aciçam en te em n o ssos con textos cien tíficos e
cu ltu rais, m as ela n ão corresp on d e ou abarca com p letam en te tod os os p ossíveis
tip os d e escrit as.
A im p osição do m odelo lin gü ístico sobre todos os dem ais sistem as sem ióticos
foi u m a d ecisão n ão m u ito sábia p o r p arte d e Sau ssu re, d iz Derrid a. Pois n a
su a p o st u lação sem ió t ica d a lin gu agem , a n o rm a é o sign ifican t e acú st ico
su bjet ivam en t e in sign ifican te – p ad ro n izad o , arbitrário, n ão-m otivad o, d es-
p erso n alizad o , m at erialm en t e in exp ressivo e t ran sp aren t e, ab so lu t am en t e
n eu tro , d o q u al o sign ifican t e escrit o é sim p lesm en te u m a trad u ção gráfica
secu n d ária e igu alm en te in exp ressiva. Co m tal p o st u lação, “n ão existe escrita
en q u an t o o grafism o m an tiver u m a relação d e figu ração n at u ral e d e algu m a
p arecen ça com o q u e é en t ão n ão sign ificad o m as rep resen tad o , d esen h ad o ,
etc.” (DERRIDA, 1967/ 1976: 32). Além d isso, observa Derrid a, Sau ssu re restrin ge su as
d iscu ssões sobre a escrita ao sistem a alfabético q u e h erd am os d os gregos, com o
ele m esm o reco n h ece (SAUSSURE, 1916/ 1974: 26) , ign o ran d o p ortan to p or com p leto
tod as as d em ais alt ern ativas d e escrita n ão -fo n éticas ou n ão-silábicas.
A in t en ção d e Sau ssu re é clara: ele está an sioso p ara red u zir t o d a a escrit a à
m era fu n ção d e an o t ad o ra d a lin gu agem falad a, p ara torn á-la u m a sim p les
n otação . Assim fazen d o , a escrit a é t ran sfo rm ad a em u m u ten sílio e exclu íd a
d a lin gu agem ‘n atu ral’, u m a vez q u e, segu n d o Sau ssu re, ela é “u m a ferram en ta
im p erfeit a e u m a t écn ica p erigo sa, q u ase m aléfica” (DERRIDA, 1967/ 1976: 34).
Mas, iro n icam en t e, m esm o “aq u ele m o d elo p articu lar q u e é a escrita fo-
n ética, n ão exist e”, já q u e se p o d e facilm en t e co n st atar a “m aciça in fid elid ad e
d e escrit os m at em át ico s, d e sin ais d e p o n tu ação , e d o esp açam en to em geral,
q u e d ificilm en t e p od eriam ser co n sid erad o s sim p les acessórios d a escrita, ao
Sau ssu re, ao con trastar e p rivilegiar os sign os falad os às cu stas d e u m sistem a
p art icu lar e su bo rd in ad o q u e n ão era rep resen tativo d e to d a a escrita, assim
rep rod u zia aq u ela visão estreita, estereotip ad a e etn ocên trica característica d os
p en sadores eu rop eu s. Esta teleologia (p redestin ação ideológica) da escrita, ap on -
ta Derrid a, “leva a in terp retar to d as as eru p ções d o n ão-fon ético n a escrita
co m o sen d o crises t ran sit ó rias e acid en t es d e p assagem ”, e “m esm o q u e essa
teleo lo gia resp o n d a a algu m a abso lu ta n ecessid ad e, ela d everia ser p roblem a-
tizad a co m o t al” (DERRIDA, 1967/ 1976: 40) , esp ecialm en te q u an d o Sau ssu re d iz q u e a
lin gu agem d eve ser p ro tegid a d a fo rm a gráfica d as p alavras.
Porq u e, segu n d o Sau ssu re, a ú n ica co n exão verd ad eira ou fiel en tre sign i-
fican t es e sign ificad o s, o u p en sam en to s, é “a con exão d o som ”. Mas a form a
gráfica, d iz ele, co n segu e “se im p o r” às p esso as às cu stas d o som ; p ortan to, a
lin gu agem d eve ser p ro tegid a d a “im erecid a im p o rt ân cia d a escrit a”, d e seu s
“absu rd o s” t ip ográfico s, d e su as grafias “irracio n ais”, d e su a “n atu reza eq u ívo -
ca”, d e su a “t iran ia”, d e seu s erro s “p at o ló gico s”, d e su as “d eform ações” fôn i-
cas q u e “a lin gü íst ica d everia p o r [...] em u m com p artim en to esp ecial p ara
observação [p o rq u e] elas são caso s terato ló gicos [m on stru osos]” (SAUSSURE, 1916/
Derrid a ju lga tod as essas afirm ações m u ito sin tom áticas: “Parece en tão com o
se Sau ssu re d esejasse ao m esm o tem p o d em o n strar a corru p ção d a fala p ela
escrit a, p ara d en u n ciar o d an o cau sad o p ela segu n d a à p rim eira, e su blin h ar a
in alt erável e n at u ral in d ep en d ên cia d a lin gu agem . ‘Lin gu agen s são in d ep en -
d en t es d a escrit a’ [(SAUSSURE, 1916/ 1974: 24)] . Tal é a verd ad e d a n at u reza [p ara
Sau ssu re]” (DERRIDA, 1967/ 1976: 41).
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sexto cap ít u lo d o seu Cours, são sem d ú vid a m u it o cu riosos, já q u e su as em o-
cio n ad as afirm açõ es aí são co n t rariad as p o r o u t ras q u e ele faz em ou tras p as-
sagen s d o m esm o Cours. Lem o s, p o r exem p lo , n as p ágin as in iciais d aq u ele
livro: “A co isa q u e con stitu i a lin gu agem é, co m o m o st rarei m ais ad ian t e, n ão
relacio n ad a ao carát er fô n ico d o sign o lin gü íst ico ” (SAUSSURE, 1916/ 1974: 7).
Tais con t rad ições, d e aco rd o co m Derrid a, ad vêm d o fato d e q u e Sau ssu re, a
d esp eit o d e su as con cep çõ es ‘revo lu cio n árias’ so bre a lin gu agem , con tin u ava
ain d a ap egad o ao q u e ele ch am a d e m etafísica lo gocên trica d a p resen ça, ou
logocentrism o, aq u ela p o sição filo só fica p ela q u al a fala tem sid o sem p re vista
co m o sen d o a ú n ica co n exão verd ad eira q u e t em o s com o n osso p en sam en to,
a escrit a sen d o ap en as u m a m era técn ica p ara rep resen tá-la:
O sist em a d a lin gu agem asso ciad o co m a escrit a alfabét ica fo n ét ica é aq u ele d en t ro
d o q u al a m et afísica lo go cên t rica, d et erm in an d o o sen t id o d e ser co m o p resen ça,
tem sid o p rod u zid a. Este logocen trism o, esta ép oca d a fala p len a, tem p osto sem p re
en t re p arên t eses, su sp en so , e su p rim id o p o r razõ es essen ciais, t o d a reflexão livre
so bre a o rigem e p o sição d a escrit a, t o d a ciên cia d a escrit a q u e n ão fo sse t ecn o lo gia
e h ist ó ria d e u m a t écn ica, ele m esm o se ap o ian d o so bre u m a m it o lo gia e u m a
m et áfo ra d e u m a escrit a n at u ral [m o t ivad a] (DERRIDA, 1967/ 1976: 43).
A ló gica d e Sau ssu re é con trad itória, con tin u a Derrid a, p o rq u e se o s sign o s
são sem p re arbitrários, n ão-m otivad os, com o afirm a o p rim eiro, e se lin gu agem
falad a e escrit a são “d o is sistem as d istin to s d e sign os”, com o é en tão p ossível
q u e ele d iga, em certas p assagen s, q u e a escrita é u m a “im agem ” ou “figu ração”
d a lin gu agem (SAUSSURE, 1916/ 1974: 23, 68-69)? Co m o o bserva Derrid a, se o p rin cíp io
de Sau ssu re da arbitrariedade do sign o deve m an ter-se p ara a con ven cion alidade
d a relação en t re o fo n em a e o grafem a, p ela m esm a m oed a ele p roíbe q u e u m
grafem a seja u m a im agem d e u m fo n em a o u , gen eralizan d o, q u e q u alq u er
sign o seja u m a re-p resen tação d e u m o u tro sign o . “Deve-se p ortan to d esafiar,
em n om e d a m esm a arbitraried ad e d o sign o , a d efin ição sau ssu rean a d a escri-
ta co m o ‘im agem ’ – p o rtan to co m o sím bo lo n atu ral [sign o m otivad o] – d a
lin gu agem ” (DERRIDA, 1967/ 1976: 45).
De acord o ain d a com Derrid a, as n oções d e Sau ssu re sobre a escrita, visan d o
caract erizá-la com o exterior e acid en tal à lin gu agem , são totalm en te in ad eq u a-
d as e m ostram q u e a in ten ção d o Cap ítu lo IV d o Cours n ão era n ad a cien tífica:
“Q u an d o d igo isso , m in h a d isp u t a n ão é p ro p riam en t e co m a in t en ção o u
m o t ivação d e Ferd in an d d e Sau ssu re, m as sim co m t o d a aq u ela t rad ição n ão -
q u est io n an t e q u e ele h erd a. [...] Ist o e o u t ro s in d icad o res (d e m an eira geral o
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sid eram o s a q u est ão d a fo rm a d o sign ifican t e gráfico . Po r exem p lo , n o cam -
p o d o s est u d o s lit erário s, C u ller (1 9 8 2 ) acrescen t a, segu in d o as p egad as d e
Derrid a, q u e o lo go cen t rism o sem p re p rivilegio u o sen t id o p ret en d id o p elo
au t o r d a m en sagem o u t ext o , co n sid eran d o o leit o r co m o u m recep t o r p assi-
vo d e id éias co m u n icad as, assim ren egan d o a p ro d u ção at iva d e o u t ras sign i-
ficaçõ es, a p lu ralização d e sign ificad o s, p ro vo cad a p ela fo rm a m at erial d o s
sign ifican t es gráfico s:
Privilegiar a fala t rat an d o a escrit a co m o u m a rep resen t ação p arasít ica e im p erfeit a
d a m esm a é u m a m an eira d e p ô r d e lad o cert as caract eríst icas d a lin gu agem o u
asp ect o s d e seu fu n cio n am en t o . Se d ist an ciam en t o , au sên cia, d esen t en d im en t o s,
in sin cerid ad e e am bigü id ad e são caract eríst icas d a escrit a, en t ão ao d ist in gu ir a
escrita d a fala se p od e con stru ir u m m od elo d e com u n icação q u e tom a com o n orm a
u m id eal asso ciad o à fala – em q u e as p alavras su st en t am u m sen t id o e o o u vin t e
p o d e em p rin cíp io p egar p recisam en t e aq u ilo q u e o lo cu t o r t em em m en t e (CULLER,
A escrita, con tin u a Cu ller, tem sid o olh ad a com d escon fian ça p elos filósofos,
d esd e os t em p os d e Platão p o rq u e, em su a co n cep ção, ela m ed ia as p alavras
falad as d e u m locu tor au sen te; ela in trod u z am bigü id ad es assim com o p ad rões
visu ais artísticos, retóricos, q u e ‘d istorcem ’ o p en sam en to. Para eles:
O id eal seria co n t em p lar o p en sam en t o d iret am en t e. Um a vez q u e isso n ão é p o s-
sível, a lin gu agem d everia ser id ealm en t e t ão transparente q u an t o fo sse p o ssível. A
am eaça d a n ão -t ran sp arên cia est á n o p erigo d e q u e, ao in vés d e p erm it ir a co n -
t em p lação d iret a d o p en sam en t o , o s sign o s lin gü íst ico s [escrit o s] p o ssam p aralisar
o olh ar e, p ela in terp osição d e su a form a m aterial, p ossam afetar ou in fectar o p en sa-
m en to. Pior ain d a, o p en sar filosófico, q u e d everia estar além d as con tin gên cias d a
lin gu agem e d a exp ressão , p o d erá ser afet ad o p ela form a d o s sign ifican t es d e u m a
lin gu agem (CULLER, 1982: 91, ênfases minhas) .
Por isso, a escrit a e a leit u ra alfabét ica – lin ear, sim bólica (d e form as gráficas
n ão -m o t ivad as, p ad ro n izad as, im p esso ais), sem ilu straçõ es, sem d iagram as, e
com u m m ín im o de varian tes tip ográficas – são as altern ativas m ais p rivilegiadas
p elo logocen t rism o . Co m o acen t u a Derrid a, p ara a m aio ria d o s filó so fo s,
A escrit a alfabét ica est á relacio n ad a t ão so m en t e ao s rep resen t an t es p u ro s. Ela é
[p ara eles] u m sist em a d e sign ifican t es o n d e o s sign ificad o s são sign ifican t es: fo n e-
m as. A circu lação d e sign o s é [assim ] in fin it am en t e facilit ad a. A escrit a alfabét ica é
a m ais m uda possível, pois n ão fala qualquer lin guagem de im ediato. Mesm o estran h a
à voz, é [su posta ser] m ais fiel a ela e a su a m elh or represen tan te (DERRIDA, 1967/ 1976: 300).
Con tu d o, con tin u a Derrid a, o valor d e u m tal m od o “racion al” e “u n iversal”
d e escrita é am bígu o p orq u e “a u n iversalid ad e id eal d a escrita fon ética é d evid a
à su a in fin it a d istân cia em relação ao so m […] e ao sen tid o sign ificad o p ela
p alavra falad a” (DERRIDA, 1967/ 1976: 301). Pois a escrita fon ética tan to q u an to a p in tu ra
n ão est ão am arrad as a n en h u m a lin gu agem d eterm in ad a, ten d o su as p ró p rias
esp ecificid ad es.
Por ou t ro lad o , acrescen t a Derrid a, a p in t u ra, a escrita p ictórica realista, a
d esp eit o d e su a ap aren te cap acid ad e to talm en te em p írica, m ú ltip la e versátil
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O DOS OBJETOS 87
p ara rep resen t ar u n id ad es sen só rias in d ep en d en t em en te d e q u alq u er có d igo –
o q u e a faz p arecer u m m eio u n iversal e d ireto d e rep resen tação d a realid ad e –
é tod avia t ão am bígu a q u an to a escrita fo n ética, p o rq u e “p ict o grafia p u ra e
fon ografia p u ra são d u as id éias [d o is p ó lo s] d a razão. Id éias d e p resen ça p u ra:
n o p rim eiro caso , p resen ça d a co isa rep resen t ad a n a su a p erfeita im itação , e
n o segu n d o, a au to-p resen ça d a p róp ria fala. Em am bos os casos, o sign ifican te
ten d e a ser ap agad o n a p resen ça d o sign ificad o ”, com o se o sen tid o estivesse
p ron t am en t e p resen t e (DERRIDA, 1967/ 1976: 301).
En tre o m aterial e o esp iritu al, en tre o corp o e a alm a, o con creto e o abstrato,
esses d ois p ólos, d u as ép ocas d a escrita u n iversal, d u as sim p licid ad es, d u as for-
m as d e tran sp arên cia e u n ivocid ad e, as h istórias d a escrita e d a ciên cia têm
circu lad o, d iz Derrid a. Mas a h istória d o con h ecim en to – d a filosofia – tem
sem p re favorecid o à form alização, álgebra, abreviação, n u m m ovim en to q u e
ten d e à id ealização, e q u e Derrid a vê com o sen d o “u m a algebrização, u m a for-
m alização despoetizante, cu ja op eração rep rim e – d e m an eira a d om in ar m elh or
Nesse m o vim en t o , a filo so fia t em p ro m o vid o a p rosa, ou m elh or, o torn ar-se
p rosa d o m u n d o, às cu stas d a p oesia e d a icon icid ad e (DERRIDA, 1967/ 1976: 287), assim
exalt an d o a fala co m o a ú n ica ‘verd ad eira’ lin gu agem ap ro p riad a p ara u m ser
co n scien t e, racion al.
Em su m a, com o argu m en ta Derrid a, “a escrita fon ética, o m eio d a gran d e
aven tu ra m etafísica, cien tífica, técn ica e econ ôm ica d o Ocid en te, é lim itad a n o
esp aço e n o tem p o e lim ita a si p róp ria m esm o q u an d o se en con tra n o p rocesso
de im por suas leis às áreas culturais que lh e tin h am escapado” (DERRIDA, 1967/ 1976: 10).
Parafrasean do Saussure, Derrida afirm a, com iron ia, que a lin güística e a fon ologia
con stitu irão n o fu tu ro ap en as u m a ram ificação circu n scrita d e u m a ciên cia m ais
geral, a ciên cia da escrita, a ciên cia do sign ifican te m aterial, do traço: gram atologia,
ou a escrita com o différance (diferença / deferência – ver CAUDURO 1996), ou sim p lesm en te
‘d escon stru ção’, com o tem sid o ch am ad a p elos críticos.
A t ipograf ia m oderna
O q u e Derrid a p ro p õ e, a d esco n st ru ção d o significado t ran scen d en t al e a co n -
co m it an t e valo ração d o significante ‘su p lem en t ar’, sem p re fez p arte, em m aior
ou m en o r grau , d o s vário s m o vim en to s artísticos q u e caracterizaram a m od er-
n id ad e, a com eçar p elos artistas gráficos d a art nouveau q u e se en volveram
com a criação d e cart azes e ilu st raçõ es lit o gráficas: Ch éret, Tou lou se-Lau trec,
Au brey Beard sley, Will Brad ley, os irm ão s Beggarst aff e m u itos ou tros. Po d e-
m os d izer q u e foram eles os p ion eiros d o d esign m od ern o em escala in d u strial,
ao d esen h arem seu s p ró p rio s t ip o s, n o s m ais d iverso s est ilo s e layouts, p ara
p ro d u zirem a grafia d o s t ext o s q u e aco m p an h avam su as ilu st raçõ es n o s
cart azes d e ru a. Ao m esm o t em p o , eles d em o n st ravam a am p la gam a d e
p o ssib ilid ad es n a criação d e t ip o s q u e a lit o grafia p o ssib ilit ava, p o is o s cara-
ct eres n ão est avam m ais su jeit o s à t iran ia d a grad e t ip o gráfica o u q u aisq u er
o u t ras rest riçõ es m ecân icas.
Até Jan Tsch ich old (1902-1974), u m d os exp oen tes d o d esign gráfico m od er-
n o e o m aio r t eó rico d a t ip o grafia fu n cio n alista, segu id o r q u e fo i d a esco la
Bau h au s, ad vert ia q u an d o jo vem q u e: “Tip o grafia sign ifica m u it o m ais q u e
sim p lesm en te ‘escrita com tip os’” (TSCHICHOLD, 1935/ 1967: 54), com o q u e p ressagian d o
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o p erigo q u e su a n o va t ip o grafia (Die Neue Typographie) co rria q u an d o ad o t a-
d a p or m en t es m in im alistas.
Para Tsch ich old , tip ografia era, em ú ltim a an álise, “a d isp osição d e p alavras
p ara serem lid as”; “[a] art e [q u e] d everia ser p rat icad a n ão p o r u n s p o u co s,
m as p o r t o d o s o s im p resso res”; “u m a art e gráfica bi-d im en sion al”; e, m ais q u e
t u d o , ela sign ificava assim et ria, co n t rast e, e exp erim en t ação q u e n ão se
restrin gisse a tip os ou form as con ven cion ais (TSCHICHOLD, 1935/ 1967: 26, 54-55). Porq u e
Tsch ich old via n a t ip o grafia u m a p rática d e escrit a q u e era em in en tem en te
social, con t ext u alizad a, su p o rtad a p ela tecn o lo gia, e aberta a in terp retações
criativas e in o vad o ras d o im p resso r o u t ip ó grafo , q u e ele con sid erava com o
d esign ers o u m ed iad o res in t érp ret es, in t erp o st o s en t re o s o rigin ad o res (o s
au tores) d os sign ifican tes o rigin ais e o s u su ário s ou leitores fin ais d os resu l-
t ad o s p ro d u zid o s p o r aq u ele p ro cesso d e m ed iação / t ran scrição . Para Tsch i-
ch old, a escrita m ediadora dos tipógrafos deveria ser din âm ica, m odern a, viva,
n ão con ven cion al. Para obter tais características, eles d everiam u tilizar, segu n d o
su a visão p ragm ática, fortes con trastes e oposições visuais en tre os atributos ta-
m an h o, cor, posição, textura, etc., d as form as tip ográficas u tilizad as, e exploran -
do tan to quan to possível layouts assim étricos e estruturas rítm icas com plexas.
Tsch ich old , h á m ais d e sessen ta an o s, e q u an d o jovem ain d a (p ois m ais
tard e ren egaria su a ‘n o va tip o grafia’ e ad o taria o s p ad rões tip ográficos trad i-
cio n ais, p ara su rp resa d e t o d o s o s seu s co legas), n ão via p or q u e restrin gir a
n oção d e tip ografia a u m m ero com p or rotin eiro d e caracteres, esp aços e arran -
jos segu n d o esq u em as con ven cion ais. Mais ain d a, ele tam bém exortava os tip ó-
grafo s a in ven t arem n o vo s sign ifican t es em su as p eças gráficas, n ão im p ortan -
d o p o r q u e m eios e p ara q u e fin alid ad e (texto o u ilu stração): “Possibilid ad es
ad icion ais [d e con t raste, q u e era o p rin cíp io m ais im p ortan te d e su a n ova
tip ografia] resid em […] n o u so o casio n al d e letras d esen h ad as à m ão-livre”
(TSCHICHOLD, 1935/ 1967: 54). E m ais:
O s sign o s e let ras d a sala d e co m p o sição n ão são o s ú n ico s m eio s à d isp o sição d a
n ova tip ografia. […] Assim com o n a fotografia n orm al, existem variações q u e p odem
t er seu lu gar n a n o va t ip o grafia; p o r exem p lo , fo t o gram as, […] fo t o grafia em n ega-
t ivo , d u p la exp o sição e o u t ras co m bin açõ es. […] Um a o u t o d as essas p o d em ser
u sad as a serviço d a exp ressão gráfica. […] Em bo ra a fo t o grafia seja o m eio m ais
im p o rt an t e d e exp ressão p ict ó rica n a n o va t ip o grafia, isso n ão exclu i o u so d e
d esen h o s lin eares livres o u d iagram át ico s (TSCHICHOLD, 1935/ 1967: 84-86) .
Po rt an t o Tsch ich o ld já est ava bem co n scien t e n aq u ela ép oca q u e tip ografia
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trism o , q u e so brevive e se m an tém através d a p rática tip ográfica orien tad a
p ara a p rod u ção d e livro s ‘sério s’.
Não é d e se ad m irar, p o is, q u e a id eo lo gia d o lo gocen trism o p ossa ap arecer
até m esm o em d iscu rsos d e p rofessores d e tip ografia. Por exem p lo, o con h ecid o
tip ógrafo brit ân ico Ru ari McLean escreve, em u m livro-texto d e tip ografia d a
Th am es & Hu d so n , ad o t ad o n as p o lit écn icas in glesas p ara a in stru ção d e fu tu -
ros d esign ers, q u e:
‘Tip o grafia’ é a art e, o u h abilid ad e, d e p ro jet ar a co m u n icação q u e se realiza p o r
m eio d a p alavra im p ressa. Ela co m p reen d e o d esign d e livro s, revist as, jo rn ais,
fo lh et o s, p an flet o s, cart azes, an ú n cio s, bilh et es, n a verd ad e d e q u alq u er co isa q u e
seja im p ressa e co m u n iq u e algu m a co isa às p esso as p o r m eio d e palavras. O co m u -
n icar p o r m eio d e im agens – i.e. p o r m eio s p ict ó rico s o u p o r sím bo lo s, em co n t ra-
p osição às p alavras – é u m a esp écie d iferen te d e h abilid ad e […] em bora u m tip ógrafo
t en h a m u it as vezes q u e lid ar co m ilu st raçõ es […] (M cLEAN, 1980: 8, ênfases minhas).
Um a vez m ais, com o se observa, o cam po dos sign ifican tes tipográficos deveria
ficar restrito, p or recom en d ação d e u m a ‘au torid ad e’, ao d om ín io d as p alavras
im p ressas, m esm o em p len a ép o ca d o offset e, at u alm en t e, d o desktop publish-
ing (q u e p erm it em m esclar t ext o e im agem n o s im p ressos e origin ais d as p ági-
n as sem m aiores p roblem as, u tilizan d o a m esm a u n id ad e sign ifican te, o pixel).
Para McLean , os su p o rt es n ão in t eressam ao t ip ógrafo. Cores p or si só n ão
con tam . Form atos de em balagen s n ão con tam . Displays eletrôn icos n ão con tam .
Im agen s n ão con t am . Mais ain d a, p ara ele p arece q u e o s sign o s alfan u m érico s
(os sím bolos legítim os d a ‘su a’ escrita tip ográfica) n ão com u n icam n ad a icon i-
cam en te, com o se fossem d esp id os d e q u alq u er valor figu rativo. Pois n a p ágin a
segu in t e d e seu livro -texto , a id eo lo gia tip o gráfica d e Ru ari torn a-se m ais ex-
p lícita ain d a:
Em bo ra as t écn icas sejam ago ra d iferen t es, o p ro p ó sit o d o d esign t ip o gráfico não
tem m udado. É o d e com u n icar palavras: sem p alavras, em p rim eiro lu gar, a tip ografia
n ão existe [!]. A tipografia é o m eio pelo qu al palavras, con cebidas n a m en te de al-
gu ém e en t ão p o st as n o p ap el co m u m a p en a o u láp is, são p o st as à d isp o sição d e
todo m un do (M cLEAN, 1980: 9, ênfases minhas).
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cu ltu rais. Em relação à m od ern a p rod u ção d e jorn ais, ele observa:
É d it o co m firm eza, basead o n o s p ressu p o st o s d e classe exist en t es, q u e t ais t ra-
balh ad ores n ão têm q u alq u er relação legítim a com o con teú d o d a p rod u ção cu ltu ral.
Im p resso res q u e se recu sam a im p rim ir algu m it em p art icu lar d e u m jo rn al são
d en u n ciad os com o arru aceiros e com o u m a am eaça à liberd ad e d e im p ren sa. O q u e
aco n t ece n essa p ro d u ção cu lt u ral é u m a d ivisão d e classe, d e n at u reza est ável e
o rgan izad a. De u m lad o d a d ivisa estão aq u eles q u e ‘escrevem ’, d o ou tro lad o aq u e-
les q u e ‘im p rim em ’ [n ão esq u ecen d o d e co lo car aq u i t am bém o s d esign ers d e
im p resso s, co n fo rm e a visão ‘servil’ d e Ru ari McLean ]. O p rim eiro p ro cesso é vist o
co m o sen d o u m a p ro d u ção cu lt u ral, o segu n d o co m o sen d o m eram en t e in st ru -
m en t al (WILLIAM S, 1981: 115, ênfase minha).
Com o se observa, o logocen trism o tem com o u m forte aliad o, n a su a d esclas-
sificação cu lt u ral d a p rática d o d esign tip o gráfico, u m a razão econ ôm ica: é
óbvio q u e q u an t o m ais restrita e elitista fo r a classe d e au tores e p rod u tores
cu ltu rais, t an t o m en o res serão o s cu st o s p ara o s p u blicad ores d e u m a obra, em
term os d e royalties, h o n o rário s e salário s. Po rt an t o , a lu t a d o s d esign ers p o r
reco n h ecim en t o n ão p o d e ficar rest rit a sim p lesm en t e a q u est õ es e d isp u t as
m eram en t e acad êm icas: ela é an t es d e t u d o u m a lu t a m at erial, co n cret a, p o r
m elh o r rem u n eração , e q u e n ecessit a a u n ião d o s in t eressad o s em asso cia-
çõ es d e classe. Um a lu t a q u e n ão se rest rin ge a d esign ers, m as q u e d iz resp eit o
t am b ém a fo t ó grafo s, d esen h ist as, ilu st rad o res, d iagram ad o res e d em ais
p ro d u t o res visu ais.
A d esp eit o d a fo rça e d issem in ação d a id eologia lo go cen t rist a e d as d ivisõ es
classist as n a p rát ica m at erial d a escrit a, é p reciso salien tar, p or ou tro lad o, q u e
exist em co n t rad içõ es n o t áveis d aq u eles p o sicio n am en t o s t rad icio n ais. Isso
aco n t ece em se t rat an d o d o d esign d e cap as d e livros ilu strad as, d o d esign d e
livros in fan t is, d e livro s d e arte, d e catálo go s, p ara n ão m en cio n ar o d esign d e
posters, an ú n cio s, cap as d e d isco s, p ro gram as d e id en tid ad e corp orativa, siste-
m as de sin alização, p ictogram as, etc. Isso acon tece q u an do se con sidera o design
d o p on to d e vista d e u m a p rática criativa associad a ao m arketing, p ossibilitad ora
d e m aiores lu cros – q u an d o se vê o d esign co m o u m in vestim en to q u e agrega
valor ao q u e se con stró i o u p ro d u z, e n ão co m o sen d o sim p lesm en te m ais
u m a d as técn icas d e p rod u ção. Em ou tras p alavras, q u an d o se trata d e d esp ertar
ain d a m ais o d esejo d o co n su m id o r, e n ão sim p lesm en te d e segu ir m ecan i-
cam en t e u m a t rad ição ed it o rial.
Q u an d o as q u est õ es gravit am em t erm o s p ragm áticos, con textu ais, h istó-
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p od erá ser con su m id o lin earm en t e, d e u m a só vez, in in terru p tam en te e co m
u m m ín im o d e esforço ; e sem p re co m o m esm o resu ltad o .
Por ou tro lad o, a p u blicid ad e sem p re foi, d en tre as p ráticas d a com u n icação
escrit a, aq u ela q u e m ais p ro m o veu a tip o grafia esp et acu lar, ch am at iva, em o -
cion al, estim u lan d o in ovações já d esd e as p rim eiras d écad as d o sécu lo p assad o,
q u an d o com eçaram a ap arecer cartazes im p ressos d e gran d es d im en sões e com
letras ‘garrafais’ (TWYM AN, 1970: 10-17).
Mas agora u m d esen volvim en to tecn ológico ocorrid o h á 14 an os veio alterar
n ovam en t e o status d a tip o grafia n a co m u n icação gráfica, assim com o im p u l-
sion ar e d ifu n d ir cad a vez m ais u m a n o va revo lu ção d e avant-garde n o d esign :
a in ven ção d o sist em a d e desktop publishing, cria d a revolu ção d igital.
A t ipograf ia digit al
O ch am ad o desktop publishing (DTP), n o m e p elo q u al é in tern acion alm en te
co n h ecid a h o je em d ia a p rát ica d a ed it o ração elet rôn ica, se torn ou u m a alter-
n ativa viável e q u ase eq u ivalen t e à co m bin ação t rad icio n al fo to co m p o sição -
fotogravu ra a p art ir d e 1984, q u an d o su rgiu o m icrocom p u tad or Macintosh d a
Apple, q u e p o d ia gerar, p ro cessar e exibir d esen h o s, fotos e tip os gráficos em
m o n it o res p ret o -e-bran co co m u m a bo a reso lu ção gráfica (72 pixels/inch), p ara
p osterior im p ressão d as artefin ais em dot m atrix printers (im p ressoras m atriciais
d e agu lh a), d e igu al reso lu ção (72 dots/inch o u d p i), ou , com o logo se torn ou
p ad rão, em laserprinters d e 300 d p i ou em im agesetters d e 1200 d p i ou m ais.
O s n o vo s m icro co m p u t ad o res p esso ais e seu s ap licativos gráficos, p rin ci-
p alm en t e com bin açõ es d o t ip o Apple Macintosh – Aldus PageMaker, d eram a
seu s u su ários a p ossibilid ad e in éd ita d e con trolar u m a am p la gam a d e atribu tos
visu ais d os textos q u e agora p od iam ser com p ostos, d eform ad os (se n ecessário)
e diagram ados, ou seja, sim ulados n a tela – e n ão m ais sim p lesm en te p rocessados
(isto é, se p od ia ir além d a sim p les co n versão au t om ática d e keystrokes e co -
m an d o s fixo s d e d iagram ação em blo co s d e t ext os im p ressos em p ap el fo-
tográfico p ara p o st erio r co rte e m o n tagem em m esas d e paste up).
O s n o vo s PCs gráfico s d a Apple tam bém p o ssibilitavam in tegrar blocos e
colu n as d e textos com im agen s e elem en tos geom étricos (fios, círcu los, elip ses,
retân gu lo s, m o ld u ras). A p ágin a virt u al, m o st rad a p elo m on itor, p assou a ser
form ad a através d a d igitação d e tip os n o teclad o e p or m an ip u lações an alógicas
escolh id as d e u m m en u d e p ossíveis tran sform ações oferecid as p elos ap licativos
gráfico s (d en t re o s q u ais se so bressaía o u t ilíssim o SuperPaint d a Silicon Beach
Tiran d o p artid o d as lim itações im p ostas p elo bitm aps, q u e ap rision avam
tip os e figu ras em con torn os serrilh ad os (jagged), d estacaram -se algu n s d esign ers
situ ad os em Los An geles, com o a free-lancer Ap ril Greim an , q u e lan çou o d esign
h íbrid o (d igit o -an aló gico ) e o s p arceiro s vin d o s d a Eu ro p a, Ru d y Van d erLan s
e Zu zan a Licko , q u e d ivu lgaram e batalh aram a est ét ica d o bitm ap d igital d a
n o va t ip o grafia n a su a revist a Em igré, co m eçan d o a m u d ar o gosto gráfico d a
n o va geração em fin s d o s an o s 1980. Há d e se m en cio n ar tam bém a co n tribu i-
ção d o irreveren t e Neville Bro d y, d esign er aclam ad o d as revistas lon d rin as The
Face e City lim its, d e cap as d e d isco s e d e livro s (Pen gu in Books), e p rod u tor d e
m u it o s lo go s e an ú n cio s m em o ráveis (ver WOZENCROFT, 1988) .
Esses n o vo s recu rsos p erm itirão a elaboração ráp id a d e layouts q u asi-p ro-
fissio n ais p elos u su ário s, p o is ele/ ela p assa a ter à su a d isp osição q u ase tod os
os recu rso s d e u m a m áq u in a fo to co m p o sito ra trad icion al, som ad os a recu rsos
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d e m an ip u lação d e im agen s eq u ivalen t es ao d e u m so fist icad o labo rat ó rio
fotográfico .
Esses d esen volvim en tos, ten d o ap erfeiçoad o a in d ú stria d as p u blicações em
DTP, com eçaram a ser sau d ad o s en t u siast icam en t e tam bém p o r gran d e p arte
d os d esign ers p rofission ais, p rin cip alm en te os d a n ova geração. Pois o DTP esti-
m u lava a exp erim en t ação visu al e co n feria ao d esign er u m a gran d e liberd ad e
d e criação e m ist u ra d e m íd ias.
Com isso, os d esign ers eletrôn icos p assam a refin ar cad a vez m ais a q u alid ad e
d e seu s layouts, m an ip u lan d o rep et id am en t e d et alh es gráficos em escala cad a
vez m en or, ch egan d o in clu sive a p o d er trabalh ar, q u an d o q u isessem , con tor-
n os, textu ras e d etalh es m ín im os d e q u alq u er caractere. E p od em , se q u iserem ,
gerar e ven d er có p ias d e su as p ró p rias fo n t es t ip o gráficas, co m a aju d a d e
softwares d e baixo cu sto , bastan te sim p les d e o p erar. Para com p letar o q u ad ro,
várias m od alid ad es visu ais (texto s, d esen h o s geo m étricos, gráficos, fotos, p in -
tu ras, rep resen t açõ es em três d im en sõ es) p o d iam ser en tão facilm en te gerad as
e/ ou p ro cessad as p o r u m a só p esso a e in tegrad as p elo co m p u t ad o r gráfico a
u m a p ágin a ou a u m slid e d e ap resen t ação , já q u e o s ap licativo s h aviam se
torn ad o m ais d iversificad o s e fáceis d e u sar, en q u an to a m atéria-p rim a p erm a-
n ecia sen d o sem p re a m esm a: p o n t o s lu m in o so s (pixels), p reto-e-bran co ou
co lo rid o s, n u m a t ela d e víd eo .
Em su m a, o s d esign ers p assaram a ter u m a m aio r liberd ad e e estím u lo p ara
exp erim en t ação e u m m aio r co n t ro le so b re su as criaçõ es. O resu lt ad o d e
q u alq u er d ecisão o u m an ip u lação execu t ad a p o r eles era im ed iat am en t e
m o st rad o n a t ela, p ara ser aceit o o u rejeit ad o p elos m esm os. A gam a d e alter-
n ativas d e ação, p assíveis d e execu ção a q u alq u er m om en to, tam bém foi se
torn an d o cad a vez m ais am p la à m ed id a q u e os p rogram as visu ais foram evo-
lu in d o. De t al form a q u e h o je se in d aga: ‘o q u e é q u e o co m p u tad o r ain d a n ão
m e p erm it e fazer?’ em vez d e se en u m erar u m a lista m u ito gran d e d e op ções.
A com p lexid ad e d os recu rsos, a h eterogen eid ad e d os elem en tos visu ais p ro-
cessad o s, o realism o d as sim u laçõ es W Y SIW Y G (what you see is what you get),
a fragm en t ação d a criação em p asso s cad a vez m en ores e a p ossibilid ad e d e
m o d ificar cad a vez m ais d et alh es p o n t u ais d as p eças levam os d esign ers a p ro-
cu rarem fu gir d e d o gm as e fó rm u las co n cebid as em ép o cas em q u e a m a-
n ip u lação t ip o gráfica ain d a era m u it o lim it ad a, cara, d em o rad a e su jeita a
restriçõ es d e o rd em física.
Aos leigo s, o co m p u tad or tam bém p erm ite agora q u e eles p o ssam fazer su as
DESIGN , CULTURA
DESCON STRUÇÃO
M ATERIALEETIPOGRAFIA
O FETICHISM
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O DOS OBJETOS 99
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