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76 ARCOS VOLUM E 1 1998 N ÚM ERO ÚN ICO

artigo

Desconst rução
e t ipografia digit al
Flávio Vinicius Cauduro

Até bem recen tem en te, tin h a-se com o con sen so q u e a tip ografia era u m a form a
d e escrit a p ad ron izad a in ven tad a ap en as p ara registrar e ‘tran sm itir’ m elh or
id éias, p en sam en tos e d iscu rsos origin alm en te verbais, através d e u m p rocesso
d e p rod u ção em m assa d e im p resso s, geralm en te d e p ap el, sen d o o p rod u to
fin al p u blicad o em u m gran d e n ú m ero d e exem p lares, sob a form a d e livro,
jorn al, cartaz, folh eto, etc. A fu n ção p rim ord ial d a tip ografia seria en tão ap en as
in st ru m en t al, d ed icad a à d ifu são gen érica d e in fo rm açõ es, gravad as d e u m a
form a p eren e sobre su p o rtes p lan o s em gran d e escala.
Essa con cep ção secu lar com eçou a ser con testad a freq ü en tem en te p or p oetas
e artistas, a p artir d o fim d o sécu lo p assad o, q u an d o foi ap erfeiçoad a a litografia
d e gran d e form at o e su rgiu o poster d e ru a, o q u e p ossibilitou ao m ovim en to
art nouveau p rod u zir at ravés d esse m eio fo rm as gráficas im p ressas q u e fo ssem
m ais at raen t es d o q u e aq u elas p ro d u zid as p ela tip ografia trad icion al.
Mas a vit alid ad e e a in ven t ivid ad e d esses p ion eiros, assim com o d os fu tu -
rist as, d ad aíst as e su rrealist as q u e lh es segu iram , fo ram sen d o grad u alm en te
d om esticad as, racion alizadas e recalcadas p elos fu n cion alistas (p erten cen tes aos
m o vim en t o s De St ijl, Su p rem at ism o , Co n st ru t ivism o e Bau h au s), q u e p referi-
ram cu lt ivar a elegân cia calcu lad a e a eco n o m ia extrem a d e fo rm as (q u e d e-
veriam ser claras, o rd en ad as, sim p les, geo m étricas e rep etitivas), evitan d o ao
m áxim o a o rn am en t ação in t u it iva e o arran jo em otivo (ou ao acaso) d os ele-
m en t o s gráfico s u t ilizad o s (q u e t am bém eram red u zid o s a u m n ú m ero d e
alt ern at ivas m u it o p eq u en o ).
Em vão h avia Filip p o Tom m aso Marin etti con clam ad o a seu s colegas artistas
em 1909:
Um livro d eve ser a exp ressão fu tu rística d e n ossos p en sam en tos fu tu ristas. Melh or:
m in h a revolu ção é, en tre ou tras coisas, con tra a assim ch am ad a h arm on ia tip ográ-
fica d a p ágin a d o livro q u e está em op osição ao flu xo d o estilo m an ifesto n a p ágin a.
Se n ecessário, u sarem os três ou q u atro cores d iferen tes e 20 d iferen tes estilos d e
tip os n a m esm a p ágin a (in GOTTSCHALL 1989: 17).

Cartaz de
Wolfgan g Wein gart, 1978.

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Pred om in ava n a Bau h au s, u m a escola su bsid iad a p elo Estad o, cad a vez m ais
o cu ltivo à ord em e ao racion alism o, à clareza e à h arm on ia, com o se ela bu scas-
se u m con t rap on t o t ip o gráfico ao co n flito , à co m o ção, à an arq u ia, ao caos e à
d esest abilização d o status quo, sen t im en t o s est im u lad o s p elo s m o vim en t o s
sociais revolu cion ário s p ó s-Prim eira Gu erra Mu n d ial.
A esco la su íça, q u e su ced eu a Bau h au s ap ós a Segu n d a Gu erra, refin o u e
rep rim iu m ais ain d a q u aisq u er su bjet ivism o s, regio n alism o s o u ‘est ilism o s
kitsch ’ q u e am eaçassem co n tam in ar as fo rm as tip o gráficas ascét icas (sem seri-
fa e m on ot on am en t e u n ifo rm es) p ro p agad as p elos m in im alistas alem ães, o
q u e rest rin gia o t rabalh o d o s d esign ers a m an ip u lações tip ográficas m ín im as
d e tam an h o, cor e algu n s ou tros p ou cos atribu tos visu ais d os im p ressos. Sen d o
m o d ern ist as e su íço s exem p lares (p reciso s e d o gm áticos), seu s d esign ers m aio-
res (Em il Ru d er, Arm in Hoffm an , Josef Mü ller-Brockm an ) p regavam a su p eriori-
d ad e u n iversal d e su as solu ções gráficas m in im alistas, rigid am en te con trolad as
p elo grid system e vestid as u n ifo rm em en te p elas fam ílias Fu t u ra, Helvet ica e
Un ivers. Este estilo veio a ser con h ecid o n os an os 1960 e 1970 sob a d en om in a-
ção d e International Style, sen d o ad o t ad o p o r q u ase tod as as gran d es em p resas
m u ltin acion ais em seu s p rogram as de iden tidade visu al corp orativa, assim com o
p or gran d es ed it oras d e livro s cien t ífico s, t écn ico s e artístico s.
Essas so lu çõ es m in im alistas d os fu n cion alistas su íços eram rep etid as in ces-
san tem en t e, t orn an d o -se rap id am en te u m a fó rm u la facilm en te cop iad a p or
q u alq u er d esign er, in d ep en d en tem en te d e seu talen to ou p referên cias, e sem
levar em con sid eração o con texto com u n icacion al. Logo, as ‘p rogram ações vi-
su ais’ q u e essas fórm u las m ecan icistas geravam to rn aram -se m u ito facilm en te
p revisíveis, aborrecid as e d esin t eressan t es, p assan d o a ser p raticam en te in vi-
síveis ap ós algu m tem p o. Isso era, n a verdade, a con seq ü ên cia lógica e in evitável
d o seu p rin cíp io m aio r: form follows function. Se a fu n ção d e u m d eterm in ad o
gên ero d e im p resso era basicam en te sem p re a m esm a, segu ia-se q u e n ão h avia,
p ortan to, p or q u e fazer m aiores alterações n as form as já con sagradas p ara aq u ele
gên ero – co m o n o caso d e p ro gram as d e sin alização visu al am bien tal ou d e
p rogram ações visu ais d e em balagen s farm acêu t icas, p o r exem p lo .
Em bora u m d ia p u d essem ter sid o in éd itas e n ão-red u n d an tes, essas solu ções
p ad ron izad as e rep et it ivas eram cam isas-d e-fo rça p ara d esign ers talen to so s e
in ovad o res. A h egem o n ia d o estilo in tern acio n al, d evid a à su a am p la d ivu lga-
ção em t o d as e q u aisq u er p eças d e co m u n icação program adas d as gran d es cor-
p orações, in cessan tem en te d ifu n d id as em escala global, d esestim u lava a em er-

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gên cia d e estilos altern ativos. Era m u ito fácil, côm od a e ren tável a ad oção d esse
est ilo su íço p ela m aio r p arte d o s d esign ers já q u e o s clien t es sen t iam -se m uito
seguros em adotá-lo. Q u alq u er em p resa, p o r m en or q u e fosse, p od ia igu alar-se
à IBM ou à Bayer, em term o s d a ap arên cia visu al d e seu s im p ressos ou em ba-
lagen s, co m u m m ín im o d e esfo rço .
Para os m od ern o s fu n cio n alist as, p o rt an t o , a tip ografia con tin u ava a ser
u m a m od alid ad e p ad ro n izad a e n eu t ra d e escrita, u m p ro cesso d e co d ificação
d a fala, ot im izad o p ara a fácil p ro d u ção e d ifu são d e im p ressos em larga escala
d e in form ações alfan u m éricas. Para isso ela u tilizava o alfabeto greco-rom an o
sim p lificad o, seu s sím bolos sen d o realizad os n o característico estilo ‘sem serifa’
e ‘m on olin ear’. A tip ografia id ealizad a p o r eles m at erializava os critérios m aio-
res d e legibilid ad e, u n ifo rm id ad e d e t raço , d iscrição e red u n d ân cia d e fo rm a.
Essa m o n o t o n ia e p asteu rização d o d esign o cid en tal só vai com eçar a ser
con testad a sistem aticam en te a p artir d a m etad e d os an os 1960, q u an d o algu n s
joven s d esign ers su iços (O d erm att & Tissi em Zu riq u e, Wolfgan g Wein gart em
Basle, en t re o u t ro s) co m eçam a p ro p o r alt ern at ivas n ão -d o gm át icas, m ais
d escon t raíd as (reto rn o à o rn am en tação , ao sim bolism o, ao h u m or e à im p ro-
visação ) p ara fu gir d a est erilid ad e d as fo rm as m o d ern ist as. Essa rejeição se
esp alh a ao s p o u co s p elas esco las n o rt e-am erican as a p art ir d o s an o s 1970,
t razid a p o r ex-alu n o s n o rt e-am erican o s d e Wein gart (co m o Ap ril Greim an ),
q u e d ão o rigem ao est ilo exp ressio n ist a/ in t u it ivo d a N ew W ave, o q u al su rge
n o s EUA e t am b ém gan h a ad ep t o s em p aíses eu ro p eu s, graças ao s t rab alh o s,
p o r exem p lo , d e Neville Bro d y n a In glat erra, St u d io Du m b ar n a Ho lan d a, e
d e Javier Mariscal n a Esp an h a.
O en co n t ro d esse esp írit o d e rebeld ia co m as teorias d escon stru cion istas
p rod u z os p rim eiro s t eó rico s d o d esign p ó s-m o d ern o n o s EUA, n a Cran bro o k
Academ y of Art, em Mich igan , q u e a p artir de 1978, sob a lideran ça de Kath erin e
McCo y, co m eça a p ro p agá-las at ravés d e posters e p u blicaçõ es (en t re as q u ais
se d estacam os d e Scott Makela), e q u e con fu n d em p rop ositad am en te a clássica
d istin ção en tre texto e ilu stração, p rocu ran d o p rod u zir, p or estratégias visu ais
su t is, u m a leit u ra am bígu a d o s traço s im p resso s. Ao m esm o tem p o, a grid é
ign o rad a e o u so d e elem en to s gráfico s ‘in ú teis’ é in cen t ivad o , visan d o o en ri-
q u ecim en to d as p ossibilid ad es exp ressivas e in terp retativas tan to d os d esign ers
com o d o s leit o res (LUPTON & M ILLER, 1996: 7-9) .

Atualm en te, aquele m ovim en to de rejeição ao fun cion alism o tran sform ou-se
em várias co rren tes estilísticas d en o m in ad as p ó s-m o d ern ist as (o s est ilo s punk,

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grunge, techno, en t re o u t ro s). Caract erizam -se p elo ecletism o d e su as fon tes
h istóricas d e in sp iração (q u e in clu em so lu çõ es vern acu lares, regio n ais, co m o
os d esign ers d o Push Pin Studio já ad o t avam h á m u it o tem p o), p ela valorização
d e ru íd os, su jeiras e im p ertin ên cias visu ais, p ela h ibrid ação d as n ovas tecn o-
logias d a co m p u t ação co m m íd ias e técn icas m ais an t igas, e p ela p ro cu ra d e
solu ções ap aren tem en te caóticas e an árq u icas, trabalh ad as em p arte p elo acaso
(fragm en tos, d eteriorações, d efeitos), em p arte p or p rocessos con scien tem en te
co n tro lad o s p elo d esign er, t an t o u m q u an t o o o u tro realizad os com a aju d a
do, m as n ão só no com p u tad or.
En t re o s m ais co n h ecid o s cavaleiro s d o ap o calip se t ip o gráfico , d est acam -
se at u alm en t e, p o r su as criaçõ es p o lêm icas e revo lu cio n árias, David Carso n ,
Neville Bro d y, Ru d y Van d erLan s, Jo el Kat z, Pau la Sch er, Ch u ck Byrn e, Ed ward
Fella, Jeffery Keed y, Scott Makela, Barry Deck, Erik Van Bloklan d , Max Kism an ,
Tib o r Kalm an .
As in flu ên cias p ro d u zid as p elo d esign p ós-m od ern o at é ago ra t êm sid o d e
m od o geral in ovad oras, libertad oras e p rovocan tes, ten d en d o a estim u lar cad a
vez m ais a p ro d u ção d e so lu çõ es extrem am en te ricas e abertas em sen tid o,
com o m u itos críticos já com eçam a atestar (BIELENBERG, 1994: 185; LIVINGSTON & LIVINGSTON,
1992: 159; M ILLS, 1994: 130-1; POYNOR, 1994: 87).

En t ret an t o , só n o fu tu ro saberem os q u ais as con seq ü ên cias cu ltu rais m ais


sign ificat ivas p rod u zid as p o r essa n o va revo lu ção t ip ográfica.

O paradigm a logocent rist a


O velh o en fo q u e in st ru m en t alist a/ fu n cio n alist a d a tip ografia, cad a vez m ais
con testad o p elos joven s d esign ers p ós-m od ern os, está exem p larm en te exp lícito
n a visão q u e Ferd in an d d e Sau ssu re, o p ai d a sem iolo gia, tin h a d a escrita em
geral, ao d esen volver su as m od ern as teorias lin gü ísticas, n o in ício d esse sécu lo.
Sau ssu re, em seu Cours de linguistique générale (1916), en fatiza sem p re a p ri-
m azia d a fala so bre t o d o s o s d em ais m o d o s d e com u n icação, esp ecialm en te
em relação à escrita: p ara ele a escrita era sim p lesm en te u m m eio p ara a gravação
ou an o t ação d a fala, e n ão u m o u tro sistem a p aralelo d e com u n icação com
esp ecificid ad es p ró p rias. No Cap ít u lo VI d o seu Cours, em q u e ele t rat a d a
rep resen t ação d a lin gu agem , Sau ssu re, m esm o reco n h ecen d o a u tilid ad e d e
textos escrit o s n o estu d o d a lin gu agem falad a, afirm a q u e:
A lin gu agem e a escrit a são d o is sist em as d e sign o s d ist in t o s; o segu n d o exist e co m
o ú n ico p ro p ó sit o d e rep resen t ar o p rim eiro . O o bjet o lin gü íst ico n ão é tanto as

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fo rm as escrit as quanto as falad as d as p alavras; as form as faladas tão som ente é que
constituem esse objeto. Mas a palavra falada está tão in tim am en te associada à su a im a-
gem escrit a q u e a ú lt im a t erm in a p o r u su rp ar o p ap el p rin cip al (SAUSSURE, 1916/ 1974:

23-24, ênfases minhas) .

Mas, com o o filósofo Jacq u es Derrid a observou em seu livro sem in al De la


gram m atologie (1967), Sau ssu re estava claram en te rep rod u zin d o em seu Cours
um an tigo argum en to filosófico europeu, que sistem aticam en te taxava qualquer
esp écie d e escrita com o sen d o sim p lesm en te u m su p lem en to acid en tal, p articu-
lar e exterior d a fala, e cu ja ú n ica fu n ção seria a d e re-ap resen tar sign os fon éticos
tid os com o h ierarq u icam en te su p eriores (p ois a voz vin h a d o in terior d a cabeça
e estava, p ortan to, m ais p erto d a con sciên cia, d o verd ad eiro ‘eu ’ d o su jeito).
O lin gü ista Josef Vach ek (1973), p or su a vez, d iz q u e esse p recon ceito con tra
a escrit a já era con sen su al n a p rática lin gü ística d o sécu lo XIX, m u ito an tes d o
ap arecim en t o d o Cours d e Sau ssu re, e q u e co n tin u ou a ser am p lam en te p rop a-
gad o p elo s lin gü ist as, sem exceçõ es, at é as t rês p rim eiras d écad as d e n osso
sécu lo:
O p ró p rio t erm o lin gu agem escrit a é raram en t e en co n t rad o n o s livro s e art igo s d e
lin gü íst ica d esses p erío d o s – o s t erm o s geralm en t e en co n t rad o s são escrit a (Schrift,
écriture), e at é m esm o o rt o grafia (spelling)... A id éia d o m in an t e d a lin gü íst ica n a-
q u ele p erío d o é a d a abso lu t a su p rem acia (o u ‘legit im id ad e lin gü íst ica’) d a lin gu a-
gem falad a e d a co n st it u ição acú st ica d as frases falad as (VACHEK, 1973: 9-10).

Derrid a, ao lon go d a su a Gram m atologie, q u e d escon strói p osições sim ilares


avan çad as ao lon go d a h istó ria p o r d iverso s filó sofos ocid en tais d e p eso (en tre
eles, Arist ó t eles, Platão , Ro u sseau , Hegel), o bserva q u e ao sign o escrit o t em
sid o t rad icion alm en te atribu íd a a co n d ição d e ser sim p lesm en te o “sign o d e
u m sign o”, e q u e Sau ssu re n ão se exclu ía d essa p o sição (DERRIDA, 1967/ 1976: 29) .

Porq u e, d e acord o co m Sau ssu re, p areceria h aver u m a p reced ên cia “n atu ral”
d o sign o lin gü ístico em relação ao sign o gráfico, u m a vez q u e a fala seria “a
ú n ica ligação verdadeira” (SAUSSURE, 1916/ 1974: 25) en tre os p en sam en tos e os sen tidos,
isto é, en tre os sign ificad os e os sign ifican tes (observe-se q u e esta é a ord em
em q u e ele u sava esses term o s).
Derrid a ch am a n o ssa at en ção p ara o fat o d e q u e tais p reco n ceito s co n tra a
escrit a ad vêm d o s an t igo s p en sad o res grego s: “Lem b rem o s d a d efin ição
arist ot élica: ‘Palavras falad as são o s sím bo lo s d as sen sações m en tais e p alavras
escritas são os sím bolos d e p alavras falad as’” (DERRIDA, 1967/ 1976: 30). Para Aristóteles
a voz t in h a u m a relação d e p ro xim id ad e essen cial e im ed iata com a m en te,

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p or ser a p rod u t ora d o s p rim eiro s sím bo lo s. Assim sen d o , o sign ifican te falad o
era co n sid erad o co m o sen d o m ais verd ad eiro (m ais fiel ao p en sam en t o ) q u e
os d em ais: “ele sign ifica ‘exp eriên cias m en tais’ q u e p or su a vez refletem ou
esp elh am as co isas p o r sem elh an ça n at u ral” (DERRIDA, 1967/ 1976: 11) . Po rt an t o o
sign ifican t e escrit o só p o d ia ser técn ico e rep resen tativo, sem q u alq u er p ar-
t icip ação n a co n st it u ição d o sen t id o – era u m est ran h o , u m exclu íd o , u m
p erigo so su p lem en t o , est ran geiro à verd ad eira ‘lin gu agem ’ (o u à sign ificação ).
Essas n o çõ es est reitas cegaram os filósofos p ara a p articip ação d os sign os
escrit o s n a sign ificação . Esses sign o s en tão se to rn aram su bo rd in ad o s a u m
fu n cio n am en t o q u e n a realid ad e n u n ca é co m p letam en te fon ético ou secu n -
d ário, com o p ret en d iam o s an tigo s (DERRIDA, 1967/ 1976: 30). A escrita fon ética, com o
argu m en t a Derrid a, é u sad a m aciçam en te em n o ssos con textos cien tíficos e
cu ltu rais, m as ela n ão corresp on d e ou abarca com p letam en te tod os os p ossíveis
tip os d e escrit as.
A im p osição do m odelo lin gü ístico sobre todos os dem ais sistem as sem ióticos
foi u m a d ecisão n ão m u ito sábia p o r p arte d e Sau ssu re, d iz Derrid a. Pois n a
su a p o st u lação sem ió t ica d a lin gu agem , a n o rm a é o sign ifican t e acú st ico
su bjet ivam en t e in sign ifican te – p ad ro n izad o , arbitrário, n ão-m otivad o, d es-
p erso n alizad o , m at erialm en t e in exp ressivo e t ran sp aren t e, ab so lu t am en t e
n eu tro , d o q u al o sign ifican t e escrit o é sim p lesm en te u m a trad u ção gráfica
secu n d ária e igu alm en te in exp ressiva. Co m tal p o st u lação, “n ão existe escrita
en q u an t o o grafism o m an tiver u m a relação d e figu ração n at u ral e d e algu m a
p arecen ça com o q u e é en t ão n ão sign ificad o m as rep resen tad o , d esen h ad o ,
etc.” (DERRIDA, 1967/ 1976: 32). Além d isso, observa Derrid a, Sau ssu re restrin ge su as
d iscu ssões sobre a escrita ao sistem a alfabético q u e h erd am os d os gregos, com o
ele m esm o reco n h ece (SAUSSURE, 1916/ 1974: 26) , ign o ran d o p ortan to p or com p leto
tod as as d em ais alt ern ativas d e escrita n ão -fo n éticas ou n ão-silábicas.
A in t en ção d e Sau ssu re é clara: ele está an sioso p ara red u zir t o d a a escrit a à
m era fu n ção d e an o t ad o ra d a lin gu agem falad a, p ara torn á-la u m a sim p les
n otação . Assim fazen d o , a escrit a é t ran sfo rm ad a em u m u ten sílio e exclu íd a
d a lin gu agem ‘n atu ral’, u m a vez q u e, segu n d o Sau ssu re, ela é “u m a ferram en ta
im p erfeit a e u m a t écn ica p erigo sa, q u ase m aléfica” (DERRIDA, 1967/ 1976: 34).

Mas, iro n icam en t e, m esm o “aq u ele m o d elo p articu lar q u e é a escrita fo-
n ética, n ão exist e”, já q u e se p o d e facilm en t e co n st atar a “m aciça in fid elid ad e
d e escrit os m at em át ico s, d e sin ais d e p o n tu ação , e d o esp açam en to em geral,
q u e d ificilm en t e p od eriam ser co n sid erad o s sim p les acessórios d a escrita, ao

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m o d elo fo n ét ico d e escrit a id ealizad o p o r Sau ssu re” (DERRIDA, 1967/ 1976: 39) .

Sau ssu re, ao con trastar e p rivilegiar os sign os falad os às cu stas d e u m sistem a
p art icu lar e su bo rd in ad o q u e n ão era rep resen tativo d e to d a a escrita, assim
rep rod u zia aq u ela visão estreita, estereotip ad a e etn ocên trica característica d os
p en sadores eu rop eu s. Esta teleologia (p redestin ação ideológica) da escrita, ap on -
ta Derrid a, “leva a in terp retar to d as as eru p ções d o n ão-fon ético n a escrita
co m o sen d o crises t ran sit ó rias e acid en t es d e p assagem ”, e “m esm o q u e essa
teleo lo gia resp o n d a a algu m a abso lu ta n ecessid ad e, ela d everia ser p roblem a-
tizad a co m o t al” (DERRIDA, 1967/ 1976: 40) , esp ecialm en te q u an d o Sau ssu re d iz q u e a
lin gu agem d eve ser p ro tegid a d a fo rm a gráfica d as p alavras.
Porq u e, segu n d o Sau ssu re, a ú n ica co n exão verd ad eira ou fiel en tre sign i-
fican t es e sign ificad o s, o u p en sam en to s, é “a con exão d o som ”. Mas a form a
gráfica, d iz ele, co n segu e “se im p o r” às p esso as às cu stas d o som ; p ortan to, a
lin gu agem d eve ser p ro tegid a d a “im erecid a im p o rt ân cia d a escrit a”, d e seu s
“absu rd o s” t ip ográfico s, d e su as grafias “irracio n ais”, d e su a “n atu reza eq u ívo -
ca”, d e su a “t iran ia”, d e seu s erro s “p at o ló gico s”, d e su as “d eform ações” fôn i-
cas q u e “a lin gü íst ica d everia p o r [...] em u m com p artim en to esp ecial p ara
observação [p o rq u e] elas são caso s terato ló gicos [m on stru osos]” (SAUSSURE, 1916/

1974: 25, 29-32) .

Derrid a ju lga tod as essas afirm ações m u ito sin tom áticas: “Parece en tão com o
se Sau ssu re d esejasse ao m esm o tem p o d em o n strar a corru p ção d a fala p ela
escrit a, p ara d en u n ciar o d an o cau sad o p ela segu n d a à p rim eira, e su blin h ar a
in alt erável e n at u ral in d ep en d ên cia d a lin gu agem . ‘Lin gu agen s são in d ep en -
d en t es d a escrit a’ [(SAUSSURE, 1916/ 1974: 24)] . Tal é a verd ad e d a n at u reza [p ara
Sau ssu re]” (DERRIDA, 1967/ 1976: 41).

“Mas on d e est á a m ald ad e?” p ergu n t a Derrid a,


“O q u e t em sid o in vest id o n a ‘p alavra viva’, q u e faz in t o leráveis t ais ‘agressõ es’ d a
escrit a? [...] Q u e p ro ibiçõ es fo ram assim t ran sgred id as? O n d e est á o sacrilégio ? Po r
q u e d everia ser a lín gu a-m ãe p ro t egid a d a o p eração d a escrit a? [...] Po r q u e n ão
d everia a lín gu a-m ãe t er um a história [...]? Po r q u e d esejar p u n ir a escrit a p o r u m
crim e m o n st ru o so , ao p o n t o d e q u erer reservar-lh e, m esm o d en t ro d o co n t ext o
cien t ífico , ‘u m co m p art im en t o esp ecial’ q u e a m an t ivesse à d ist ân cia? Po rq u e é
sem d ú vid a d en t ro d e u m a co lô n ia d e lep ro so s in t ralin gü íst ica q u e Sau ssu re d eseja
co n t er e co n cen t rar o p ro blem a d as d efo rm açõ es realizad as p ela escrit a” (DERRIDA,

1967/ 1976: 41-42, ÊNFASE M INHA) .

O s p reco n ceit o s d e Sau ssu re co n t ra a escrita, com o vêm à ton a n aq u ele

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O DOS OBJETOS 83
sexto cap ít u lo d o seu Cours, são sem d ú vid a m u it o cu riosos, já q u e su as em o-
cio n ad as afirm açõ es aí são co n t rariad as p o r o u t ras q u e ele faz em ou tras p as-
sagen s d o m esm o Cours. Lem o s, p o r exem p lo , n as p ágin as in iciais d aq u ele
livro: “A co isa q u e con stitu i a lin gu agem é, co m o m o st rarei m ais ad ian t e, n ão
relacio n ad a ao carát er fô n ico d o sign o lin gü íst ico ” (SAUSSURE, 1916/ 1974: 7).

Tais con t rad ições, d e aco rd o co m Derrid a, ad vêm d o fato d e q u e Sau ssu re, a
d esp eit o d e su as con cep çõ es ‘revo lu cio n árias’ so bre a lin gu agem , con tin u ava
ain d a ap egad o ao q u e ele ch am a d e m etafísica lo gocên trica d a p resen ça, ou
logocentrism o, aq u ela p o sição filo só fica p ela q u al a fala tem sid o sem p re vista
co m o sen d o a ú n ica co n exão verd ad eira q u e t em o s com o n osso p en sam en to,
a escrit a sen d o ap en as u m a m era técn ica p ara rep resen tá-la:
O sist em a d a lin gu agem asso ciad o co m a escrit a alfabét ica fo n ét ica é aq u ele d en t ro
d o q u al a m et afísica lo go cên t rica, d et erm in an d o o sen t id o d e ser co m o p resen ça,
tem sid o p rod u zid a. Este logocen trism o, esta ép oca d a fala p len a, tem p osto sem p re
en t re p arên t eses, su sp en so , e su p rim id o p o r razõ es essen ciais, t o d a reflexão livre
so bre a o rigem e p o sição d a escrit a, t o d a ciên cia d a escrit a q u e n ão fo sse t ecn o lo gia
e h ist ó ria d e u m a t écn ica, ele m esm o se ap o ian d o so bre u m a m it o lo gia e u m a
m et áfo ra d e u m a escrit a n at u ral [m o t ivad a] (DERRIDA, 1967/ 1976: 43).
A ló gica d e Sau ssu re é con trad itória, con tin u a Derrid a, p o rq u e se o s sign o s
são sem p re arbitrários, n ão-m otivad os, com o afirm a o p rim eiro, e se lin gu agem
falad a e escrit a são “d o is sistem as d istin to s d e sign os”, com o é en tão p ossível
q u e ele d iga, em certas p assagen s, q u e a escrita é u m a “im agem ” ou “figu ração”
d a lin gu agem (SAUSSURE, 1916/ 1974: 23, 68-69)? Co m o o bserva Derrid a, se o p rin cíp io
de Sau ssu re da arbitrariedade do sign o deve m an ter-se p ara a con ven cion alidade
d a relação en t re o fo n em a e o grafem a, p ela m esm a m oed a ele p roíbe q u e u m
grafem a seja u m a im agem d e u m fo n em a o u , gen eralizan d o, q u e q u alq u er
sign o seja u m a re-p resen tação d e u m o u tro sign o . “Deve-se p ortan to d esafiar,
em n om e d a m esm a arbitraried ad e d o sign o , a d efin ição sau ssu rean a d a escri-
ta co m o ‘im agem ’ – p o rtan to co m o sím bo lo n atu ral [sign o m otivad o] – d a
lin gu agem ” (DERRIDA, 1967/ 1976: 45).

De acord o ain d a com Derrid a, as n oções d e Sau ssu re sobre a escrita, visan d o
caract erizá-la com o exterior e acid en tal à lin gu agem , são totalm en te in ad eq u a-
d as e m ostram q u e a in ten ção d o Cap ítu lo IV d o Cours n ão era n ad a cien tífica:
“Q u an d o d igo isso , m in h a d isp u t a n ão é p ro p riam en t e co m a in t en ção o u
m o t ivação d e Ferd in an d d e Sau ssu re, m as sim co m t o d a aq u ela t rad ição n ão -
q u est io n an t e q u e ele h erd a. [...] Ist o e o u t ro s in d icad o res (d e m an eira geral o

84 ARCOS VOLUM E 1 1998 N ÚM ERO ÚN ICO


t rat am en t o d ad o ao co n ceit o d e escrit a) já n o s fo rn ecem m eio s segu ro s d e co m eçar
a d escon stru ção d a m aior totalid ad e d e tod as – o con ceito d o ep istem a e a m etafísica
lo go cên t rica – d o s q u ais se p ro d u zem , sem jam ais co lo car-se a rad ical q u est ão d a
escrita, tod os os m étod os ocid en tais d e an álise, exp licação, leitu ra, ou in terp retação”
(DERRIDA, 1967/ 1976: 45-46).

Por u m lad o, co m o d iz Derrid a, o Cours se afasta rad icalm en te d a trad ição


lo go cên t rica, q u an d o Sau ssu re argu m en t a q u e o s sign o s são t o t alm en t e
arbit rários e con ven cio n ais, n o sen tid o d e q u e o q u e d istin gu e u m sign o d o
ou t ro n ão são at ribu to s essen ciais, p o sitivo s, m as sim d iferen ças relativas. Essa
é u m a p ro p o sição q u e to rn a a lin gu agem u m sist em a d e d iferen ças p u ram en t e
relacio n al e seu s sign o s em p ro d u t o s d essas d iferen ças, ao in vés d e en tid ad es
p osit ivas, ou ‘p alavras’, co m o p o st u lava a t rad ição lo go cên trica.
Por ou t ro lad o , co n t u d o , co n t in u a Derrid a, o texto d e Sau ssu re con firm a o
in vest im en t o lo go cên trico n a n atu reza tran scen d en t al d o sign ificad o (a p rio -
rid ad e aco rd ad a ao co n ceit o , à id éia, à alm a, à d eterm in ação d o h o m em , a
d eu s, et c.) u m a vez q u e está im p lícito , em certas p assagen s d o Cours, q u e o
sign ificad o p reced e o sign ifican te, co m o p o r exem p lo: “A su bstân cia fôn ica
n ão é n em m ais fixa n em m ais rígid a q u e o p en sam en to ; ela n ão é u m m o ld e
ao q u al o p en sam en to d eve n ecessariam en te se aju star, m as sim u m a su bstân cia
p lást ica q u e é d ivid id a p o r seu t u rn o em p art es d istin tas p ara fo rn ecer o s sig-
n ifican t es q u e o p en sam en t o n ecessit a” (SAUSSURE, 1916/ 1974: 112) . Com o se d ed u z
d essa a firm a çã o , Sa u ssu re co n sid era o sign ifica n t e fô n ico co m o sen d o
secu n d ário ao p ro cesso d e sign ificação , co m o se fosse u m sim p les veícu lo p ara
o et éreo , m et afísico , d esm aterializad o ‘p en sam en to’.
Esse lo go cen t rism o ain d a so b revive em m u it o s m o d elo s d e co m u n icação
social, em q u e q u alq u er p rática sign ifican te é colocad a em term os d e u m sim -
p les p ro cesso d e t ro ca d e m en sagen s, q u e são vist as co m o n ão -p ro b lem át icas,
co m o sim p les m eio s m at eriais n eu t ro s e t ran sp aren t es p ara ‘t ran sp o rt e’ d e
in fo rm açõ es m en t ais, p ara in t ercâm bio d e sign ificad o s ‘p ad rõ es’ en t re m en t es
d e em isso res e recep t o res t am b ém ‘p ad rõ es’. Em d eco rrên cia d isso , m u it o s
est u d o s so b re a co m u n icação escrit a t en d em a ser sim p les exercício s verb ais
so b re ‘an álise d e co n t eú d o ’, co m m u it o p o u ca at en ção sen d o p rest ad a ao s
p ap éis d esem p en h ad o s t an t o p elas q u alid ad es m at eriais d o s t ext o s q u an t o
p elas su b jet ivid ad es d o s leit o res (e d o s in vest igad o res, in clu sive) en vo lvid o s
n a p ro d u ção (e rep ro d u ção ) d e sen t id o s e sign ificad o s.
Crít icas ad icio n ais p o d em ain d a ser feit as ao lo go cen t rism o , q u an d o co n -

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sid eram o s a q u est ão d a fo rm a d o sign ifican t e gráfico . Po r exem p lo , n o cam -
p o d o s est u d o s lit erário s, C u ller (1 9 8 2 ) acrescen t a, segu in d o as p egad as d e
Derrid a, q u e o lo go cen t rism o sem p re p rivilegio u o sen t id o p ret en d id o p elo
au t o r d a m en sagem o u t ext o , co n sid eran d o o leit o r co m o u m recep t o r p assi-
vo d e id éias co m u n icad as, assim ren egan d o a p ro d u ção at iva d e o u t ras sign i-
ficaçõ es, a p lu ralização d e sign ificad o s, p ro vo cad a p ela fo rm a m at erial d o s
sign ifican t es gráfico s:
Privilegiar a fala t rat an d o a escrit a co m o u m a rep resen t ação p arasít ica e im p erfeit a
d a m esm a é u m a m an eira d e p ô r d e lad o cert as caract eríst icas d a lin gu agem o u
asp ect o s d e seu fu n cio n am en t o . Se d ist an ciam en t o , au sên cia, d esen t en d im en t o s,
in sin cerid ad e e am bigü id ad e são caract eríst icas d a escrit a, en t ão ao d ist in gu ir a
escrita d a fala se p od e con stru ir u m m od elo d e com u n icação q u e tom a com o n orm a
u m id eal asso ciad o à fala – em q u e as p alavras su st en t am u m sen t id o e o o u vin t e
p o d e em p rin cíp io p egar p recisam en t e aq u ilo q u e o lo cu t o r t em em m en t e (CULLER,

1982: 100-101, ênfases minhas) .

A escrita, con tin u a Cu ller, tem sid o olh ad a com d escon fian ça p elos filósofos,
d esd e os t em p os d e Platão p o rq u e, em su a co n cep ção, ela m ed ia as p alavras
falad as d e u m locu tor au sen te; ela in trod u z am bigü id ad es assim com o p ad rões
visu ais artísticos, retóricos, q u e ‘d istorcem ’ o p en sam en to. Para eles:
O id eal seria co n t em p lar o p en sam en t o d iret am en t e. Um a vez q u e isso n ão é p o s-
sível, a lin gu agem d everia ser id ealm en t e t ão transparente q u an t o fo sse p o ssível. A
am eaça d a n ão -t ran sp arên cia est á n o p erigo d e q u e, ao in vés d e p erm it ir a co n -
t em p lação d iret a d o p en sam en t o , o s sign o s lin gü íst ico s [escrit o s] p o ssam p aralisar
o olh ar e, p ela in terp osição d e su a form a m aterial, p ossam afetar ou in fectar o p en sa-
m en to. Pior ain d a, o p en sar filosófico, q u e d everia estar além d as con tin gên cias d a
lin gu agem e d a exp ressão , p o d erá ser afet ad o p ela form a d o s sign ifican t es d e u m a
lin gu agem (CULLER, 1982: 91, ênfases minhas) .

O ra, d e aco rd o co m Derrid a e a sem ió t ica p ó s-estru tu ralista, am bigü id ad es


e p arad o xo s são in evitáveis n a p ro d u ção d e sign ificação , e m u it o m ais ain d a
q u an d o ela en volve o m eio d a escrita, q u an d o en tão o au tor ou em issor d a
m en sagem est á geralm en t e au sen t e e d ist an t e, n o tem p o ou n o esp aço, p ara
p od er p rover u m feedback ‘co rret ivo ’.
Sen t in d o est e ‘p erigo ’, a filo so fia, q u e tan to d ep en d e d o livro p ara a p ro-
p agação d e su as t eorias t ran scen d en t ais, sem p re t en to u rep rim ir as q u alid ad es
m ateriais icôn icas (figu rativo-su bjetivas) e in d iciais (exp erien ciais-factu ais) d os
seu s text os, en fat izan d o ap en as seu s asp ecto s sim bó licos (lin gü ístico-con ven -

86 ARCOS VOLUM E 1 1998 N ÚM ERO ÚN ICO


cio n ais). Em co n seq ü ên cia d esse p o sicio n am en to, a tip ografia acad êm ica tem
estad o geralm en te a serviço d e u m a con cep ção n otacion al, algébrica, u n iversal
d a lin gu agem u tilizad a, q u e p rom ove u m a visu alid ad e n eu tra, e o m ais p ossível
ord in ária, d as form as gráficas d e seu s im p ressos, e q u e ten ta valorizar ap en as o
‘con teú d o’ d as su as ‘fo rm as t ran sp aren t es’.
Não é d e se ad m irar, p o rt an t o , q u e a escrit a lin ear in terrom p id a, n ão-ilu s-
trad a, m o n o t o n am en te ‘cin za’, ten h a se to rn ad o a n orm a e o id eal tip ográfico
d o s ch am ad os livro s ‘sério s’, n u m a ten tativa fú t il d e im p ressores e ed itores d e
to rn á-la u m a rep resen tação n eu tra e tão fiel q u an to p ossível à ‘fala origin al’ e
aos sign ificad os p reten d id o s p o r seu s au to res.
Por exem p lo, Beat rice Ward e (1900-1969), t ip ógrafa, escritora e in telectu al
am erican a q u e t orn o u -se m u ito in flu en te en tre os d esign ers in gleses d e livros
d e su a ép oca, rejeitava m ovim en tos d e avant-garde n a tip ografia, p ois acred itava
q u e a tip ografia clássica d as gran d es ed itoras forn eciam “u m a jan ela altam en te
p olid a” p ara a com u n icação d e id éias (in LIVINGSTON & LIVINGSTON, 1992: 201-2). Em ou tra
ocasião ela tam bém u sou a m etáfora d a “relu zen te taça d e cristal” p ara en fatizar
o p ap el d e recip ien tes transparentes q u e o s sign ifican tes tip ográficos d everiam
sem p re p rocu rar assu m ir p ara m elh or revelarem seu s “con teú d os” (citado por M ILLER
& LUPTON, in BIERUT et al., 1994: 20-1; por M cLEAN, 1980: 10).

Por isso, a escrit a e a leit u ra alfabét ica – lin ear, sim bólica (d e form as gráficas
n ão -m o t ivad as, p ad ro n izad as, im p esso ais), sem ilu straçõ es, sem d iagram as, e
com u m m ín im o de varian tes tip ográficas – são as altern ativas m ais p rivilegiadas
p elo logocen t rism o . Co m o acen t u a Derrid a, p ara a m aio ria d o s filó so fo s,
A escrit a alfabét ica est á relacio n ad a t ão so m en t e ao s rep resen t an t es p u ro s. Ela é
[p ara eles] u m sist em a d e sign ifican t es o n d e o s sign ificad o s são sign ifican t es: fo n e-
m as. A circu lação d e sign o s é [assim ] in fin it am en t e facilit ad a. A escrit a alfabét ica é
a m ais m uda possível, pois n ão fala qualquer lin guagem de im ediato. Mesm o estran h a
à voz, é [su posta ser] m ais fiel a ela e a su a m elh or represen tan te (DERRIDA, 1967/ 1976: 300).
Con tu d o, con tin u a Derrid a, o valor d e u m tal m od o “racion al” e “u n iversal”
d e escrita é am bígu o p orq u e “a u n iversalid ad e id eal d a escrita fon ética é d evid a
à su a in fin it a d istân cia em relação ao so m […] e ao sen tid o sign ificad o p ela
p alavra falad a” (DERRIDA, 1967/ 1976: 301). Pois a escrita fon ética tan to q u an to a p in tu ra
n ão est ão am arrad as a n en h u m a lin gu agem d eterm in ad a, ten d o su as p ró p rias
esp ecificid ad es.
Por ou t ro lad o , acrescen t a Derrid a, a p in t u ra, a escrita p ictórica realista, a
d esp eit o d e su a ap aren te cap acid ad e to talm en te em p írica, m ú ltip la e versátil

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p ara rep resen t ar u n id ad es sen só rias in d ep en d en t em en te d e q u alq u er có d igo –
o q u e a faz p arecer u m m eio u n iversal e d ireto d e rep resen tação d a realid ad e –
é tod avia t ão am bígu a q u an to a escrita fo n ética, p o rq u e “p ict o grafia p u ra e
fon ografia p u ra são d u as id éias [d o is p ó lo s] d a razão. Id éias d e p resen ça p u ra:
n o p rim eiro caso , p resen ça d a co isa rep resen t ad a n a su a p erfeita im itação , e
n o segu n d o, a au to-p resen ça d a p róp ria fala. Em am bos os casos, o sign ifican te
ten d e a ser ap agad o n a p resen ça d o sign ificad o ”, com o se o sen tid o estivesse
p ron t am en t e p resen t e (DERRIDA, 1967/ 1976: 301).

Mas p ara Derrid a, o sign ificad o sau ssu rean o é ap en as u m m om en to n a vid a


d o sign o, ao in vés d e u m co n ceito tran scen d en tal q u e p ossa ter existên cia à
p arte d e u m sign ifican t e: “A id en t id ad e p ró p ria d o sign ificad o se esco n d e in -
cessan t em en t e e está sem p re em m o vim en t o ” (DERRIDA, 1967/ 1976: 49) , ou seja, o
sign ificad o “est á sem p re e já n a p o sição d o sign ifican t e” (DERRIDA, 1967/ 1976: 73) .

O sign ificad o , em o u t ras p alavras, é d a m esm a n at u reza e se en con tra n o m es-


m o p lan o do, e n a p osição de sign ifican te, fu tu ro ou p assad o, o q u e d escon strói
a n o ção est ru t u ralist a d e u m sign o fo rm ad o em d o is n íveis m at eriais d ist in -
tos (o s fam o so s p lan o s d a expressão e d o conceito d os estru tu ralistas).
Co ward & Ellis (1977), p o r su a vez, en fat izam q u e com essa afirm ação, Der-
rid a in d ica a im p o ssibilid ad e d e u m sim p les escap e d a m etafísica:
Não é p ossível sim p lesm en te rejeitar tais n oções com o ‘con ceito’, ‘sign ificad o’, [con -
t eú d o ,] et c.: “eles são n ecessário s e p resen t em en t e p elo m en o s n ad a p o d e ser p en -
sad o sem eles” (DE LA GRAM M ATOLOGIE, P.25) . A q u est ão n ão é [sim p lesm en t e] refu t ar
estas id éias m as sim com o “sacu d ir p or com p leto” a trad ição d a q u al fazem p arte. O
sign o é o “elem en to cen tral d e n ossa cu ltu ra” e é d evid o à p rim azia q u e lh e é con fe-
rida n as teorias do sen tido e da lin gu agem qu e tem possibilitado a repressão do m a-
terialism o. Con tu d o, p or su a am bigü id ad e, o sign o tam bém abriu a p ossibilid ad e d e
afirm ação d o m aterialism o. Porq u e tão logo se q u estion e a n oção d e ‘sign ificad o’, o
p róp rio sign o é p roblem atizad o, o q u e su gere q u e a lin gu agem é um m ovim ento de
significantes. (COWARD & ELLIS, 1977: 125, ênfase minha)

En tre o m aterial e o esp iritu al, en tre o corp o e a alm a, o con creto e o abstrato,
esses d ois p ólos, d u as ép ocas d a escrita u n iversal, d u as sim p licid ad es, d u as for-
m as d e tran sp arên cia e u n ivocid ad e, as h istórias d a escrita e d a ciên cia têm
circu lad o, d iz Derrid a. Mas a h istória d o con h ecim en to – d a filosofia – tem
sem p re favorecid o à form alização, álgebra, abreviação, n u m m ovim en to q u e
ten d e à id ealização, e q u e Derrid a vê com o sen d o “u m a algebrização, u m a for-
m alização despoetizante, cu ja op eração rep rim e – d e m an eira a d om in ar m elh or

88 ARCOS VOLUM E 1 1998 N ÚM ERO ÚN ICO


– o sign ifican te associado ou o h ieróglifo correlato” (DERRIDA, 1967/ 1976: 285, ênfase minha).
A filo so fia q u e ten d e a m u ltip licar livros é, d en t ro d a escrit a, “t ão so m en t e
est e m o vim en t o d e escrever ap agan d o o sign ifican t e e o d esejo d a p resen ça
restau rad a, d o ser, sign ificad o n o seu m aior brilh o e glória” (DERRIDA, 1967/ 1976: 286).

Nesse m o vim en t o , a filo so fia t em p ro m o vid o a p rosa, ou m elh or, o torn ar-se
p rosa d o m u n d o, às cu stas d a p oesia e d a icon icid ad e (DERRIDA, 1967/ 1976: 287), assim
exalt an d o a fala co m o a ú n ica ‘verd ad eira’ lin gu agem ap ro p riad a p ara u m ser
co n scien t e, racion al.
Em su m a, com o argu m en ta Derrid a, “a escrita fon ética, o m eio d a gran d e
aven tu ra m etafísica, cien tífica, técn ica e econ ôm ica d o Ocid en te, é lim itad a n o
esp aço e n o tem p o e lim ita a si p róp ria m esm o q u an d o se en con tra n o p rocesso
de im por suas leis às áreas culturais que lh e tin h am escapado” (DERRIDA, 1967/ 1976: 10).
Parafrasean do Saussure, Derrida afirm a, com iron ia, que a lin güística e a fon ologia
con stitu irão n o fu tu ro ap en as u m a ram ificação circu n scrita d e u m a ciên cia m ais
geral, a ciên cia da escrita, a ciên cia do sign ifican te m aterial, do traço: gram atologia,
ou a escrita com o différance (diferença / deferência – ver CAUDURO 1996), ou sim p lesm en te
‘d escon stru ção’, com o tem sid o ch am ad a p elos críticos.

A t ipograf ia m oderna
O q u e Derrid a p ro p õ e, a d esco n st ru ção d o significado t ran scen d en t al e a co n -
co m it an t e valo ração d o significante ‘su p lem en t ar’, sem p re fez p arte, em m aior
ou m en o r grau , d o s vário s m o vim en to s artísticos q u e caracterizaram a m od er-
n id ad e, a com eçar p elos artistas gráficos d a art nouveau q u e se en volveram
com a criação d e cart azes e ilu st raçõ es lit o gráficas: Ch éret, Tou lou se-Lau trec,
Au brey Beard sley, Will Brad ley, os irm ão s Beggarst aff e m u itos ou tros. Po d e-
m os d izer q u e foram eles os p ion eiros d o d esign m od ern o em escala in d u strial,
ao d esen h arem seu s p ró p rio s t ip o s, n o s m ais d iverso s est ilo s e layouts, p ara
p ro d u zirem a grafia d o s t ext o s q u e aco m p an h avam su as ilu st raçõ es n o s
cart azes d e ru a. Ao m esm o t em p o , eles d em o n st ravam a am p la gam a d e
p o ssib ilid ad es n a criação d e t ip o s q u e a lit o grafia p o ssib ilit ava, p o is o s cara-
ct eres n ão est avam m ais su jeit o s à t iran ia d a grad e t ip o gráfica o u q u aisq u er
o u t ras rest riçõ es m ecân icas.
Até Jan Tsch ich old (1902-1974), u m d os exp oen tes d o d esign gráfico m od er-
n o e o m aio r t eó rico d a t ip o grafia fu n cio n alista, segu id o r q u e fo i d a esco la
Bau h au s, ad vert ia q u an d o jo vem q u e: “Tip o grafia sign ifica m u it o m ais q u e
sim p lesm en te ‘escrita com tip os’” (TSCHICHOLD, 1935/ 1967: 54), com o q u e p ressagian d o

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DESCON STRUÇÃO
M ATERIALEETIPOGRAFIA
O FETICHISM
DIGITAL
O DOS OBJETOS 89
o p erigo q u e su a n o va t ip o grafia (Die Neue Typographie) co rria q u an d o ad o t a-
d a p or m en t es m in im alistas.
Para Tsch ich old , tip ografia era, em ú ltim a an álise, “a d isp osição d e p alavras
p ara serem lid as”; “[a] art e [q u e] d everia ser p rat icad a n ão p o r u n s p o u co s,
m as p o r t o d o s o s im p resso res”; “u m a art e gráfica bi-d im en sion al”; e, m ais q u e
t u d o , ela sign ificava assim et ria, co n t rast e, e exp erim en t ação q u e n ão se
restrin gisse a tip os ou form as con ven cion ais (TSCHICHOLD, 1935/ 1967: 26, 54-55). Porq u e
Tsch ich old via n a t ip o grafia u m a p rática d e escrit a q u e era em in en tem en te
social, con t ext u alizad a, su p o rtad a p ela tecn o lo gia, e aberta a in terp retações
criativas e in o vad o ras d o im p resso r o u t ip ó grafo , q u e ele con sid erava com o
d esign ers o u m ed iad o res in t érp ret es, in t erp o st o s en t re o s o rigin ad o res (o s
au tores) d os sign ifican tes o rigin ais e o s u su ário s ou leitores fin ais d os resu l-
t ad o s p ro d u zid o s p o r aq u ele p ro cesso d e m ed iação / t ran scrição . Para Tsch i-
ch old, a escrita m ediadora dos tipógrafos deveria ser din âm ica, m odern a, viva,
n ão con ven cion al. Para obter tais características, eles d everiam u tilizar, segu n d o
su a visão p ragm ática, fortes con trastes e oposições visuais en tre os atributos ta-
m an h o, cor, posição, textura, etc., d as form as tip ográficas u tilizad as, e exploran -
do tan to quan to possível layouts assim étricos e estruturas rítm icas com plexas.
Tsch ich old , h á m ais d e sessen ta an o s, e q u an d o jovem ain d a (p ois m ais
tard e ren egaria su a ‘n o va tip o grafia’ e ad o taria o s p ad rões tip ográficos trad i-
cio n ais, p ara su rp resa d e t o d o s o s seu s co legas), n ão via p or q u e restrin gir a
n oção d e tip ografia a u m m ero com p or rotin eiro d e caracteres, esp aços e arran -
jos segu n d o esq u em as con ven cion ais. Mais ain d a, ele tam bém exortava os tip ó-
grafo s a in ven t arem n o vo s sign ifican t es em su as p eças gráficas, n ão im p ortan -
d o p o r q u e m eios e p ara q u e fin alid ad e (texto o u ilu stração): “Possibilid ad es
ad icion ais [d e con t raste, q u e era o p rin cíp io m ais im p ortan te d e su a n ova
tip ografia] resid em […] n o u so o casio n al d e letras d esen h ad as à m ão-livre”
(TSCHICHOLD, 1935/ 1967: 54). E m ais:
O s sign o s e let ras d a sala d e co m p o sição n ão são o s ú n ico s m eio s à d isp o sição d a
n ova tip ografia. […] Assim com o n a fotografia n orm al, existem variações q u e p odem
t er seu lu gar n a n o va t ip o grafia; p o r exem p lo , fo t o gram as, […] fo t o grafia em n ega-
t ivo , d u p la exp o sição e o u t ras co m bin açõ es. […] Um a o u t o d as essas p o d em ser
u sad as a serviço d a exp ressão gráfica. […] Em bo ra a fo t o grafia seja o m eio m ais
im p o rt an t e d e exp ressão p ict ó rica n a n o va t ip o grafia, isso n ão exclu i o u so d e
d esen h o s lin eares livres o u d iagram át ico s (TSCHICHOLD, 1935/ 1967: 84-86) .

Po rt an t o Tsch ich o ld já est ava bem co n scien t e n aq u ela ép oca q u e tip ografia

90 ARCOS VOLUM E 1 1998 N ÚM ERO ÚN ICO


era, m ais q u e t u d o , u m a p rát ica d e escrita híbrida, in t erp ret at iva, rica em
cam ad as d e sen tid o – ou seja, era u m a p rática retórica, p robabilística, com p lexa,
su jeit a a m ú lt ip las escrit u ras e leit u ras, alt am en t e d ep en d en t e d o s su jeit o s
in t erp ret an t es e d o s seu s co n texto s, bem an tes q u e o s d esco n st ru cio n ist as e
p ós-est ru t u ralist as o p o st u lassem .
O m esm o p o d eria ser d it o d o t rab alh o p io n eiro d e O t t o Neu rat h co m
p ictogram as, u m a vez q u e seu p rocesso d e d esign , coletivo e in terd iscip lin ar,
visava fu n d am en t alm en t e t ran sfo rm ar a in fo rm ação (e n ão sim p lesm en t e
tran sp o rt á-la, co m o ain d a h o je assu m em o s fu n cion alistas ‘n eu tralistas’ d a
co m u n icação ) at ravés d o t rabalh o d e ‘ed it o res visu ais’ sin ton izad os com as
n ecessid ad es e p ad rõ es cu lt u rais d o s u su ário s (ver TWYM AN, 1975: 11-12) .

Co n t u d o , a d esp eit o d e t o d o s o s m o vim en t o s d e avant-garde q u e t êm


p erp assad o a h ist ó ria d a t ip o grafia ao lo n go d o sécu lo XX, e p o r o bra e graça
d os fu n cion alistas d a velh a gu ard a, q u e ain d a h oje ten tam d issociar inform ation
design d e graphic design, p ara n ão serem ‘con tam in ad os’ p or m od ism os e su bje-
tivism o s, en co n t rarem o s m u ito s d efen so res d o logocen trism o em atu ação –
d esign ers p rat ican tes d a tip o grafia trad icio n al, q u e in variavelm en te p rivile-
giam o ‘co n t eú d o ’ verbal em d et rim en t o d a in ovação e d a exp erim en tação.
O logocen trism o, com o vim os, só p od e con ceber a escrita com o su bord in ad a
à fala, aq u ela form a d e co m u n icação h u m an a q u e ju lga a m ais p erto d o p en -
sam en t o. Let ras e p alavras escritas são sim p lesm en te tran scrições d o d iscu rso
d e u m au t or falan d o in absentia e silen cio sam en t e, at ravés d e sin ais visu ais,
p ara n ossas m en t es.
Assim , os au tores p rivilegiam , p ara a tran scrição d e su as escritas, a tip ografia
lin ear, u n ifo rm e, tran sp aren te (d iscreta) e in terro m p id a o m en o s p o ssível p o r
esp aços ou traços. Esp aços em bran co são com o q u e au sên cias e silên cios p ertu r-
bad o res d a vo z d o au tor, e d evem ser rep rim id o s ao m áxim o . Q u ebras sú bit as
d e co n t in u id ad e em esp açam en t o s, est ilo s e t am an h os d e tip os, ritm o e cores,
são recu rsos q u e só a p u blicid ad e p od e se d ar a liberd ad e d e u sar, p orq u e ela
n ão é con sid erad a u m gên ero sério d e escrita. Assim tam bém d iagram as, fotos,
d esen h os, t abelas, ilu straçõ es e até m esm o esq u em as d evem ser exclu íd os d e
livro s d e filo so fia e literatu ra p o rq u e p o d eriam su gerir q u e a p alavra escrit a
tem sérias lim it açõ es p ara rep resen tar o m u n d o e p or receio q u e o d iscu rso d o
au t or p u d esse ser su p lan tad o p o r rep resen tações icôn icas criad as p or algu m
‘au xiliar técn ico’. Esses sign o s n ão -lin gü íst ico s, p or isso, são su p rim id os, m ar-
gin alizad o s o u m in im izad o s sist em at icam en t e n os im p ressos p elo logocen -

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O DOS OBJETOS 91
trism o , q u e so brevive e se m an tém através d a p rática tip ográfica orien tad a
p ara a p rod u ção d e livro s ‘sério s’.
Não é d e se ad m irar, p o is, q u e a id eo lo gia d o lo gocen trism o p ossa ap arecer
até m esm o em d iscu rsos d e p rofessores d e tip ografia. Por exem p lo, o con h ecid o
tip ógrafo brit ân ico Ru ari McLean escreve, em u m livro-texto d e tip ografia d a
Th am es & Hu d so n , ad o t ad o n as p o lit écn icas in glesas p ara a in stru ção d e fu tu -
ros d esign ers, q u e:
‘Tip o grafia’ é a art e, o u h abilid ad e, d e p ro jet ar a co m u n icação q u e se realiza p o r
m eio d a p alavra im p ressa. Ela co m p reen d e o d esign d e livro s, revist as, jo rn ais,
fo lh et o s, p an flet o s, cart azes, an ú n cio s, bilh et es, n a verd ad e d e q u alq u er co isa q u e
seja im p ressa e co m u n iq u e algu m a co isa às p esso as p o r m eio d e palavras. O co m u -
n icar p o r m eio d e im agens – i.e. p o r m eio s p ict ó rico s o u p o r sím bo lo s, em co n t ra-
p osição às p alavras – é u m a esp écie d iferen te d e h abilid ad e […] em bora u m tip ógrafo
t en h a m u it as vezes q u e lid ar co m ilu st raçõ es […] (M cLEAN, 1980: 8, ênfases minhas).
Um a vez m ais, com o se observa, o cam po dos sign ifican tes tipográficos deveria
ficar restrito, p or recom en d ação d e u m a ‘au torid ad e’, ao d om ín io d as p alavras
im p ressas, m esm o em p len a ép o ca d o offset e, at u alm en t e, d o desktop publish-
ing (q u e p erm it em m esclar t ext o e im agem n o s im p ressos e origin ais d as p ági-
n as sem m aiores p roblem as, u tilizan d o a m esm a u n id ad e sign ifican te, o pixel).
Para McLean , os su p o rt es n ão in t eressam ao t ip ógrafo. Cores p or si só n ão
con tam . Form atos de em balagen s n ão con tam . Displays eletrôn icos n ão con tam .
Im agen s n ão con t am . Mais ain d a, p ara ele p arece q u e o s sign o s alfan u m érico s
(os sím bolos legítim os d a ‘su a’ escrita tip ográfica) n ão com u n icam n ad a icon i-
cam en te, com o se fossem d esp id os d e q u alq u er valor figu rativo. Pois n a p ágin a
segu in t e d e seu livro -texto , a id eo lo gia tip o gráfica d e Ru ari torn a-se m ais ex-
p lícita ain d a:
Em bo ra as t écn icas sejam ago ra d iferen t es, o p ro p ó sit o d o d esign t ip o gráfico não
tem m udado. É o d e com u n icar palavras: sem p alavras, em p rim eiro lu gar, a tip ografia
n ão existe [!]. A tipografia é o m eio pelo qu al palavras, con cebidas n a m en te de al-
gu ém e en t ão p o st as n o p ap el co m u m a p en a o u láp is, são p o st as à d isp o sição d e
todo m un do (M cLEAN, 1980: 9, ênfases minhas).

Belo exem p lo d e logocen trism o em ação . O q u e é m ais cu rio so é o fat o d e


u m p ro fissio n al d a t ip o grafia est ar aq u i co n st ran gen d o e lim it an d o , sem
n ecessid ad e, o cam p o d a p rát ica d o d esign t ip o gráfico , a d esp eito d e tu d o q u e
já h avia sid o p o st u lad o e p rat icad o p ela avant-garde d o d esign em d écad as
p assad as. Alien ação sen d o p regad a p or u m alien ad o. Um escravo rep rod u zin d o

92 ARCOS VOLUM E 1 1998 N ÚM ERO ÚN ICO


a id eologia trad icion al d e seu s sen h ores, os Au tores Ilu m in ad os. E, m ais cu rioso
ain d a, d ep ois d e m ais d e cem an o s d a in ven ção d a m áq u in a d e escrever, e em
p len a era d os gravad o res e co m p u t ad o res, McLean ain d a restrin ge o s m eio s d e
p rod u ção d os origin ais d o s au t o res a láp is, can eta e p ap el.
O tip ógrafo, con tin u a McLean , d everá se p reocu p ar, n a m aior p arte d o tem -
p o, com o “com o t o rn ar as p alavras claras, legíveis e atrativas através d a im -
p ressão”, u m a vez q u e at ravés d a t ip o grafia “vo cês [tip ó grafo s o u d esign ers
gráfico s] não estão produzindo suas próprias obras de arte; vo cês estão , n a verd a-
d e, transm itindo, co m t an t a h abilid ad e, graça e eficiên cia q u an to p ossam ser
req u erid as, as palavras de um outro” – d e q u em “vo cês são o servo, ou colega, se
q u iserem ” (M cLEAN, 1980: 9, ênfases minhas) .

Servo d o au t o r? Q u e esp écie d e d iscu rso é est e? Q u e t ip o d e p o st u ra p ro fis-


sio n al est á Mr. McLean su gerin d o q u e fu tu ro s d esign ers ten h am em relação a
seu s clien t es e/ ou em p regad o res? Será essa a id eologia p red om in an te en tre os
p rofessores d as esco las d e d esign brit ân icas? Se fo r, será essa a razão p o r q u e a
m aio r p art e d o s livro s in gleses n ão m en cio n am os n om es, n ão d ão créd ito,
ao s t ip ó grafo s, d esign ers, p ro gram ad o res, d iagram ad o res e cap ist as q u e o s
p rod u ziram ? Porq u e eles são sim p lesm en te servos, an ôn im os op erários a serviço
d e u m a m en t e p rivilegiad a, a d o Master Author?
Com o bem observou Derrid a,
logocen trism o, esta ép oca d a fala p len a, tem p osto sem p re en tre p arên teses, su sp en -
sa, e su p rim id a p o r razõ es essen ciais, t o d a reflexão livre so bre a o rigem e p o sição
d a escrit a, t o d a ciên cia d a escrit a q u e n ão seja t ecn o lo gia e h ist ó ria d e u m a técnica
[...] (DERRIDA, 1967/ 1976: 43) .

Mas p o r q u e isso aco n t ece?

A ret órica t ipográf ica


Se a escrita com , m as n ão so m en t e através de tip os, a tipografia, é con sid erad a
p elo logocen t rism o ap en as u m a t ecn o lo gia e h istó ria d e u m a técn ica, n ão é d e
se ad m irar q u e t ip ó grafo s e d esign ers en vo lvid os n essa p rática ten h am sid o
trad icio n alm en t e co n sid erad o s p ela gran d e m aioria d os gru p os sociais n ão
m ais q u e sim p les t écn ico s, ú t eis m as n ão m u ito im p ortan tes, ao serviço d e
au t ores e d a in d ú stria d e p u blicaçõ es.
Sem p re h o u ve t en t at ivas d e exclu ir im p resso res e o u t ro s t rab alh ad o res
‘m an u ais’ d o d o m ín io d a p ro d u ção ‘cu lt u ral’, co m o já h avia n o tad o Raym o n d
William s ao d iscu tir a im p ren sa e a escrita em co n exão co m o u t ras q u est õ es

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O DOS OBJETOS 93
cu ltu rais. Em relação à m od ern a p rod u ção d e jorn ais, ele observa:
É d it o co m firm eza, basead o n o s p ressu p o st o s d e classe exist en t es, q u e t ais t ra-
balh ad ores n ão têm q u alq u er relação legítim a com o con teú d o d a p rod u ção cu ltu ral.
Im p resso res q u e se recu sam a im p rim ir algu m it em p art icu lar d e u m jo rn al são
d en u n ciad os com o arru aceiros e com o u m a am eaça à liberd ad e d e im p ren sa. O q u e
aco n t ece n essa p ro d u ção cu lt u ral é u m a d ivisão d e classe, d e n at u reza est ável e
o rgan izad a. De u m lad o d a d ivisa estão aq u eles q u e ‘escrevem ’, d o ou tro lad o aq u e-
les q u e ‘im p rim em ’ [n ão esq u ecen d o d e co lo car aq u i t am bém o s d esign ers d e
im p resso s, co n fo rm e a visão ‘servil’ d e Ru ari McLean ]. O p rim eiro p ro cesso é vist o
co m o sen d o u m a p ro d u ção cu lt u ral, o segu n d o co m o sen d o m eram en t e in st ru -
m en t al (WILLIAM S, 1981: 115, ênfase minha).
Com o se observa, o logocen trism o tem com o u m forte aliad o, n a su a d esclas-
sificação cu lt u ral d a p rática d o d esign tip o gráfico, u m a razão econ ôm ica: é
óbvio q u e q u an t o m ais restrita e elitista fo r a classe d e au tores e p rod u tores
cu ltu rais, t an t o m en o res serão o s cu st o s p ara o s p u blicad ores d e u m a obra, em
term os d e royalties, h o n o rário s e salário s. Po rt an t o , a lu t a d o s d esign ers p o r
reco n h ecim en t o n ão p o d e ficar rest rit a sim p lesm en t e a q u est õ es e d isp u t as
m eram en t e acad êm icas: ela é an t es d e t u d o u m a lu t a m at erial, co n cret a, p o r
m elh o r rem u n eração , e q u e n ecessit a a u n ião d o s in t eressad o s em asso cia-
çõ es d e classe. Um a lu t a q u e n ão se rest rin ge a d esign ers, m as q u e d iz resp eit o
t am b ém a fo t ó grafo s, d esen h ist as, ilu st rad o res, d iagram ad o res e d em ais
p ro d u t o res visu ais.
A d esp eit o d a fo rça e d issem in ação d a id eologia lo go cen t rist a e d as d ivisõ es
classist as n a p rát ica m at erial d a escrit a, é p reciso salien tar, p or ou tro lad o, q u e
exist em co n t rad içõ es n o t áveis d aq u eles p o sicio n am en t o s t rad icio n ais. Isso
aco n t ece em se t rat an d o d o d esign d e cap as d e livros ilu strad as, d o d esign d e
livros in fan t is, d e livro s d e arte, d e catálo go s, p ara n ão m en cio n ar o d esign d e
posters, an ú n cio s, cap as d e d isco s, p ro gram as d e id en tid ad e corp orativa, siste-
m as de sin alização, p ictogram as, etc. Isso acon tece q u an do se con sidera o design
d o p on to d e vista d e u m a p rática criativa associad a ao m arketing, p ossibilitad ora
d e m aiores lu cros – q u an d o se vê o d esign co m o u m in vestim en to q u e agrega
valor ao q u e se con stró i o u p ro d u z, e n ão co m o sen d o sim p lesm en te m ais
u m a d as técn icas d e p rod u ção. Em ou tras p alavras, q u an d o se trata d e d esp ertar
ain d a m ais o d esejo d o co n su m id o r, e n ão sim p lesm en te d e segu ir m ecan i-
cam en t e u m a t rad ição ed it o rial.
Q u an d o as q u est õ es gravit am em t erm o s p ragm áticos, con textu ais, h istó-

94 ARCOS VOLUM E 1 1998 N ÚM ERO ÚN ICO


rico s, o d esign revela t o d a su a im p o rt ân cia p ara so lu cio n ar p ro blem as rela-
cion ados com o m arketing, a m oda, as ten dên cias sociais, econ ôm icas e cu ltu rais,
a com p et ição, as exp ectativas, a m elh o ria d e q u alid ad e, a ergon om ia, a ad e-
q u ação d e recu rso s h u m an o s e técn ico s à p ro d u ção, o lan çam en to d e n ovas
p rop ost as, et c. Nessas o casiõ es, o m esm o sist em a cap italista p arad o xalm en te
sabe, p or ser fu n d ad o n a p ragm ática d o lu cro , d a im portância estratégica do
design n a p ro d u ção d e best sellers cu lt u rais. Aí en tão o d esign tip ográfico, p or
exem p lo , n ão é m ais co n sid erad o sim p lesm en te u m m eio t ran sp aren t e p ara o
‘tran sp orte’ d e in fo rm ação , m as u m in st ru m en to im p ortan te p ara p rovocar
m u d an ças n a d ireção d esejad a. Aí en t ão o d esign tip ográfico n ão é m ais tão
som en te u m a tecn ologia ou u m a técn ica bu rocrática, m as sim u m a im p ortan te
e valio sa p rát ica retó rica, criativa e in o vad o ra, q u e p ro d u z sen síveis e sign ifi-
can t es efeit o s so bre o p en sam en t o e co m p o rt am en to d as p essoas, com gran d e
valo r eco n ôm ico p ara o s seu s p atro cin ad o res.
Isso n os leva a con clu ir q u e a tip ografia clássica, aq u ela associad a à p rod u ção
d e livros ‘sérios’, aq u ela a serviço d e escrito s filosóficos e literários, é ap en as
u m a d as varian tes ret ó ricas q u e a escrit a t ip o gráfica, o u o design tipográfico,
m elh or d izen d o, p od e assu m ir n a p rática. O d esign d os livros ‘sérios’ é sim p les-
m en t e u m a d as o p çõ es d iscu rsivas q u e a t ip o grafia p od e assu m ir; ela n ão é
toda a t ip ografia, e p o rtan to n ão p o d e ser co n sid erad a a m elh or ou tam p ou co
a m ais eficaz. Aq u ele d esign sim p lesm en te tem se revelad o o m ais ad eq u ad o
p ara m an t er o m it o d a ‘au t o rid ad e’, d a lin earid ad e e flu id ez d a escrita co m o
reflexo d e u m p en sam en to lógico e cartesian o. Tal form a retórica, q u e p od e-
ríam os ch am ar d e ‘n eu tralism o tip ográfico’, p rocu ra p reservar a ilu são d a escrita
com o re(a)p resen tação d a voz d e u m au tor racion al, con trolad o, sem p re sen h or
d e su as falas e açõ es (a escrita n ão h esita), q u e fala através d e sign ifican tes
gráficos tran sp aren tes, d e m an eira a reforçar o m ito trad icion al d a tran sm issão
d e sign ificad os e sen tid o s (a in fo rm ação ) co m o se os sign ifican tes gráficos
p u d essem con ter, tran sp ortar e d ifu n d ir u n iform em en te tais efeitos, in d ep en -
d en t em en t e d os su jeito s in terp retan tes e seu s con textos.
Essa retórica tip ográfica d a in visibilid ad e (p ois segu n d o Beatrice Ward e, “o
im p resso d everia ser in visível” – M cLEAN, 1980: 9) é a face gráfica, visível, d o lo-
go cen t rism o . Ela cria e refo rça a ilu são d e q u e a escrita é u m p rocesso con tí-
n u o , lin ear, d e m ín im o esfo rço e d e o rigem vo cal. Assim co m o sim u la u m a
escrita q u e p arece ter sid o p rod u zid a d e m an eira con tín u a, lin ear, tran q ü ila e
sem n en h u m a h esitação , essa fo rm a retó rica tam bém cria a ilu são q u e o texto

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O FETICHISM
DIGITAL
O DOS OBJETOS 95
p od erá ser con su m id o lin earm en t e, d e u m a só vez, in in terru p tam en te e co m
u m m ín im o d e esforço ; e sem p re co m o m esm o resu ltad o .
Por ou tro lad o, a p u blicid ad e sem p re foi, d en tre as p ráticas d a com u n icação
escrit a, aq u ela q u e m ais p ro m o veu a tip o grafia esp et acu lar, ch am at iva, em o -
cion al, estim u lan d o in ovações já d esd e as p rim eiras d écad as d o sécu lo p assad o,
q u an d o com eçaram a ap arecer cartazes im p ressos d e gran d es d im en sões e com
letras ‘garrafais’ (TWYM AN, 1970: 10-17).
Mas agora u m d esen volvim en to tecn ológico ocorrid o h á 14 an os veio alterar
n ovam en t e o status d a tip o grafia n a co m u n icação gráfica, assim com o im p u l-
sion ar e d ifu n d ir cad a vez m ais u m a n o va revo lu ção d e avant-garde n o d esign :
a in ven ção d o sist em a d e desktop publishing, cria d a revolu ção d igital.

A t ipograf ia digit al
O ch am ad o desktop publishing (DTP), n o m e p elo q u al é in tern acion alm en te
co n h ecid a h o je em d ia a p rát ica d a ed it o ração elet rôn ica, se torn ou u m a alter-
n ativa viável e q u ase eq u ivalen t e à co m bin ação t rad icio n al fo to co m p o sição -
fotogravu ra a p art ir d e 1984, q u an d o su rgiu o m icrocom p u tad or Macintosh d a
Apple, q u e p o d ia gerar, p ro cessar e exibir d esen h o s, fotos e tip os gráficos em
m o n it o res p ret o -e-bran co co m u m a bo a reso lu ção gráfica (72 pixels/inch), p ara
p osterior im p ressão d as artefin ais em dot m atrix printers (im p ressoras m atriciais
d e agu lh a), d e igu al reso lu ção (72 dots/inch o u d p i), ou , com o logo se torn ou
p ad rão, em laserprinters d e 300 d p i ou em im agesetters d e 1200 d p i ou m ais.
O s n o vo s m icro co m p u t ad o res p esso ais e seu s ap licativos gráficos, p rin ci-
p alm en t e com bin açõ es d o t ip o Apple Macintosh – Aldus PageMaker, d eram a
seu s u su ários a p ossibilid ad e in éd ita d e con trolar u m a am p la gam a d e atribu tos
visu ais d os textos q u e agora p od iam ser com p ostos, d eform ad os (se n ecessário)
e diagram ados, ou seja, sim ulados n a tela – e n ão m ais sim p lesm en te p rocessados
(isto é, se p od ia ir além d a sim p les co n versão au t om ática d e keystrokes e co -
m an d o s fixo s d e d iagram ação em blo co s d e t ext os im p ressos em p ap el fo-
tográfico p ara p o st erio r co rte e m o n tagem em m esas d e paste up).
O s n o vo s PCs gráfico s d a Apple tam bém p o ssibilitavam in tegrar blocos e
colu n as d e textos com im agen s e elem en tos geom étricos (fios, círcu los, elip ses,
retân gu lo s, m o ld u ras). A p ágin a virt u al, m o st rad a p elo m on itor, p assou a ser
form ad a através d a d igitação d e tip os n o teclad o e p or m an ip u lações an alógicas
escolh id as d e u m m en u d e p ossíveis tran sform ações oferecid as p elos ap licativos
gráfico s (d en t re o s q u ais se so bressaía o u t ilíssim o SuperPaint d a Silicon Beach

96 ARCOS VOLUM E 1 1998 N ÚM ERO ÚN ICO


Software), com a aju d a d e u m in d icad o r-arrast ad or-clicad or esp acial, tam bém
an alógico, con h ecid o co m o m ouse.
Na ép o ca h eró ica d o DTP (d o s 72 d p i d e reso lu ção gráfica d as im p ressoras),
q u e cobre o p erío d o 1984-1986, co m eçam a ap arecer trabalh os d e estu d an tes
d e d esign q u e, m ais en tu siástico s e au d azes q u e a m aioria d e seu s colegas já
estabelecid os p rofission alm en te, exp loram in teligen tem en te a baixa d efin ição
d o s t ip os d igit ais. Eles u tilizam essa lim itação com o p retexto p ara u m a n ova
estética gráfica, high-tech, m as q u e é rejeitad a p elos trad icion alistas com o sen d o
“bru t alist a” e at é m esm o “o bscen a” (sic, ver M EGGS, 1989).

Tiran d o p artid o d as lim itações im p ostas p elo bitm aps, q u e ap rision avam
tip os e figu ras em con torn os serrilh ad os (jagged), d estacaram -se algu n s d esign ers
situ ad os em Los An geles, com o a free-lancer Ap ril Greim an , q u e lan çou o d esign
h íbrid o (d igit o -an aló gico ) e o s p arceiro s vin d o s d a Eu ro p a, Ru d y Van d erLan s
e Zu zan a Licko , q u e d ivu lgaram e batalh aram a est ét ica d o bitm ap d igital d a
n o va t ip o grafia n a su a revist a Em igré, co m eçan d o a m u d ar o gosto gráfico d a
n o va geração em fin s d o s an o s 1980. Há d e se m en cio n ar tam bém a co n tribu i-
ção d o irreveren t e Neville Bro d y, d esign er aclam ad o d as revistas lon d rin as The
Face e City lim its, d e cap as d e d isco s e d e livro s (Pen gu in Books), e p rod u tor d e
m u it o s lo go s e an ú n cio s m em o ráveis (ver WOZENCROFT, 1988) .

A in t ro d u ção d a lin gu agem PostScript, d o is an o s ap ó s o lan çam en t o d o


Macin t o sh , (co m ercializad a p ela Adobe através d e im p ressoras laser e q u e d es-
creve t ip o s, gráfico s e a d iagram ação d as p ágin as segu n d o lin h as e cu rvas geo-
m ét ricas go vern ad as p o r eq u açõ es m at em át icas) acab a co m as lim it açõ es
im p o st as p elo s bitm aps às fo rm as d igitais. O PostScript p erm itirá n ão só a p ro -
d u ção d e p ágin as co m reso lu ção d e im p ressão variável, d ep en d en te ap en as
d aq u ela d o d isp o sitivo fin al d e saíd a (q u e tan to p od e ser os 300 d p i d e u m a
laser q u an t o os 1270 ou 2540 d p i d as im agesetters), com o tam bém oferecerá ao
op erad or efeit o s in éd it o s d e so m b ra, t ext u rização , t ran sp arên cia, fu são d e
fo rm as, d ist orçõ es, co m p o sição d e p alavras em lin h as cu rvas e em esp irais,
etc. O PostScript liberta assim a criação tip o gráfica d a t iran ia m ilen ar d a fo rm a
d o t ip o d e m et al e d o ap risio n am en to im p o sto aos elem en tos tip ográficos
p ela grad e bi-d im en sion al d a escrita p rod u zid a fotom ecan icam en te (sobre a história
da grid, ver M EGGS, 1992) .

Esses n o vo s recu rsos p erm itirão a elaboração ráp id a d e layouts q u asi-p ro-
fissio n ais p elos u su ário s, p o is ele/ ela p assa a ter à su a d isp osição q u ase tod os
os recu rso s d e u m a m áq u in a fo to co m p o sito ra trad icion al, som ad os a recu rsos

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O DOS OBJETOS 97
d e m an ip u lação d e im agen s eq u ivalen t es ao d e u m so fist icad o labo rat ó rio
fotográfico .
Esses d esen volvim en tos, ten d o ap erfeiçoad o a in d ú stria d as p u blicações em
DTP, com eçaram a ser sau d ad o s en t u siast icam en t e tam bém p o r gran d e p arte
d os d esign ers p rofission ais, p rin cip alm en te os d a n ova geração. Pois o DTP esti-
m u lava a exp erim en t ação visu al e co n feria ao d esign er u m a gran d e liberd ad e
d e criação e m ist u ra d e m íd ias.
Com isso, os d esign ers eletrôn icos p assam a refin ar cad a vez m ais a q u alid ad e
d e seu s layouts, m an ip u lan d o rep et id am en t e d et alh es gráficos em escala cad a
vez m en or, ch egan d o in clu sive a p o d er trabalh ar, q u an d o q u isessem , con tor-
n os, textu ras e d etalh es m ín im os d e q u alq u er caractere. E p od em , se q u iserem ,
gerar e ven d er có p ias d e su as p ró p rias fo n t es t ip o gráficas, co m a aju d a d e
softwares d e baixo cu sto , bastan te sim p les d e o p erar. Para com p letar o q u ad ro,
várias m od alid ad es visu ais (texto s, d esen h o s geo m étricos, gráficos, fotos, p in -
tu ras, rep resen t açõ es em três d im en sõ es) p o d iam ser en tão facilm en te gerad as
e/ ou p ro cessad as p o r u m a só p esso a e in tegrad as p elo co m p u t ad o r gráfico a
u m a p ágin a ou a u m slid e d e ap resen t ação , já q u e o s ap licativo s h aviam se
torn ad o m ais d iversificad o s e fáceis d e u sar, en q u an to a m atéria-p rim a p erm a-
n ecia sen d o sem p re a m esm a: p o n t o s lu m in o so s (pixels), p reto-e-bran co ou
co lo rid o s, n u m a t ela d e víd eo .
Em su m a, o s d esign ers p assaram a ter u m a m aio r liberd ad e e estím u lo p ara
exp erim en t ação e u m m aio r co n t ro le so b re su as criaçõ es. O resu lt ad o d e
q u alq u er d ecisão o u m an ip u lação execu t ad a p o r eles era im ed iat am en t e
m o st rad o n a t ela, p ara ser aceit o o u rejeit ad o p elos m esm os. A gam a d e alter-
n ativas d e ação, p assíveis d e execu ção a q u alq u er m om en to, tam bém foi se
torn an d o cad a vez m ais am p la à m ed id a q u e os p rogram as visu ais foram evo-
lu in d o. De t al form a q u e h o je se in d aga: ‘o q u e é q u e o co m p u tad o r ain d a n ão
m e p erm it e fazer?’ em vez d e se en u m erar u m a lista m u ito gran d e d e op ções.
A com p lexid ad e d os recu rsos, a h eterogen eid ad e d os elem en tos visu ais p ro-
cessad o s, o realism o d as sim u laçõ es W Y SIW Y G (what you see is what you get),
a fragm en t ação d a criação em p asso s cad a vez m en ores e a p ossibilid ad e d e
m o d ificar cad a vez m ais d et alh es p o n t u ais d as p eças levam os d esign ers a p ro-
cu rarem fu gir d e d o gm as e fó rm u las co n cebid as em ép o cas em q u e a m a-
n ip u lação t ip o gráfica ain d a era m u it o lim it ad a, cara, d em o rad a e su jeita a
restriçõ es d e o rd em física.
Aos leigo s, o co m p u tad or tam bém p erm ite agora q u e eles p o ssam fazer su as

98 ARCOS VOLUM E 1 1998 N ÚM ERO ÚN ICO


exp erim en t açõ es t ip o gráficas sem m aio res cu st o s e sem so frer n en h u m a
p en alid ad e.
O o p erad o r/ p ro gram ad o r, q u e an t erio rm en te vivia su bord in ad o à sin taxe
d a m áq u in a, p assa en tão à co n d ição d e u su ário/ con trolad or d e u m sistem a
m u it o rico em p o ssibilid ad es d e input, p ro cessam en to e output d e sin ais. Tu d o
o q u e se exige h o je é q u e o su jeito ten h a u m flu xo abu n d an te d e id éias p ara
serem t est ad as p elo co m p u tad o r; e q u e valo rize ao m áxim o os com p lexos e
sofist icad os recu rso s q u e u tiliza, ao ten tar, id ealm en te, criar solu ções cad a vez
m ais in o vad o ras e o rigin ais.
Assim é q u e o com p u tad or p essoal gráfico é h o je u m d o s recu rso s sem ió t i-
co s m ais flexíveis, eclét ico s e p razero so s d e se u tilizar, estim u lan d o e en ri-
q u ecen d o a au t o-exp ressão e o d iálo go , a liberação e a d ifu são d e n ovas id éias.
Fin alm en t e, é o com p u tad or q u e p rop iciará o reju ven escim en to, u m a vez
m ais, d o d esign t ip o gráfico , co m o p reco n izad o p elos fu tu ristas, d ad aístas e
su rrealist as, p erm itin d o o reto rn o d o jogo e d o acaso, fatores an teriorm en te
op rim id o s p elo s fu n cio n alistas d o d esign , m as q u e agora em ergem , e são cad a
vez m ais valo rizad o s, graças ao s in críveis resu lt ad o s gerad o s p elas n o vas
tecn o lo gias d igit ais d e criação e p ro d u ção visu ais.
Para con clu ir, vale citar u m p en sam en to recen te d e Ch u ck Byrn e e Marta
Wit t e, q u e sin t et iza co m p recisão a im p o rtân cia d as q u est õ es q u e t en t am o s
abord ar n esse art igo :
O efeito ú ltim o d a d escon stru ção e d os com p u tad ores n o d esign gráfico n ão se sabe.
O q u e é ap aren t e é q u e m esm o q u e eles [o s d esign ers] t en d am a se iso lar d e su as
o rigen s filo só ficas, m u it o s m esm o assim est ão h o je en gajad o s n o d esign d esco n s-
tru tivo. É p en a q u e eles desejem se isolar das origen s de u m a filosofia tão en trem eada
co m a visu alid ad e, p o is ela p arece ser a in sp irad o ra d e u m a m u d an ça m u it o sign i-
ficat iva n o d esign gráfico . Eles d everiam , ao in vés, segu ir o exem p lo d o s an t igo s
p io n eiro s d o d esign d o sécu lo XX: p ro cu rar en t en d er est as fo n t es e co n fro n t á-las
(BYRNE & WITTE, 1994: 121) .

Esp eram o s q u e os p on tos q u e en focam os acim a sirvam p ara su bsid iar u m


p ou co m ais as d iscu ssõ es q u e se t ravam at u alm en te so bre o p ó s-m o d ern ism o
n o d esign .

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O FETICHISM
DIGITAL
O DOS OBJETOS 99
Ref erências

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100 ARCOS VOLUM E 1 1998 N ÚM ERO ÚN ICO


Resum o Abst ract

Tradicionalmente, tem-se concebido a escrita TITLE: “ Deconstruction and digital typography”


como apenas uma ferramenta para o registro AUTHOR: Flávio Vinícius Cauduro
de pensamentos e discursos verbais. Até mesmo
Saussure, o pai da lingüística moderna e da se- Writing has traditionally been regarded as sim-
miologia, não conseguiu se livrar desse precon- ply a tool to record verbal thoughts and dis-
ceito, conforme demonstrou Derrida. Todavia, courses. Even Saussure, the father of modern
muitos artistas plásticos, poetas e designers grá- linguistics and of semiology, could not rid him-
ficos vêm tentando há tempos demonstrar o self of this prejudice, as pointed out by Derrida.
potencial do design tipográfico para provocar However, many visual artists, poets and graphic
emoções e indicar relações, indo além de sua designers have long been trying to show the
função simbólica e notacional, tendência esta potential of typographic design to arouse emo-
que data principalmente da produção de car- tions and to indicate relations in addition to its
tazes litográficos no final do século XIX. Com symbolic notational function, a trend dating
o surgimento do M odernismo, a visão logocên- mainly to the lithographic posters of the latter
trica da escrita passou a prevalecer entre os de- half of the nineteenth century. With the appear-
signers gráficos europeus e depois expandiu-se ance of M odernism, the logocentric view of
m undo afora devido em grande part e aos writing came to prevail among European gra-
movimentos racionalistas que deram origem, phic designers, due largely to rationalist move-
após a Segunda Guerra M undial, à chamada ments which gave birth, after the Second World
escola suiça de design, cuja abordagem mini- War, to the so-called Swiss school of design,
malista se tornou influente no mundo inteiro whose minimalistic approach became very in-
sob a denominação de Estilo Internacional. Foi fluential all over the world, under the denomi-
somente na década de 1980, com o apareci- nation of International Style. It was only in the
mento do computador gráfico pessoal e com a 1980s, with the appearance of the personal
difusão da teoria desconstrutivista entre estu- graphic computer and the spread of decons-
dantes de design gráfico, que a tipografia pô- truction theory among students of graphic de-
de manifestar todo o seu potencial comunica- sign, that typography was able to show all its
tivo, visto que foram enfatizados pelos novos communicative potentialities, insofar as both its
designers digitais os seus aspectos icônicos e iconic and indexical features were emphasized
indiciais, em adição às suas características sim- by many of the new digital designers, in addi-
bólicas, permitindo a re-introdução do sujeito tion to its symbolic characteristics, a develop-
e sua história na prática retórica do design . ment which allowed the re-introduction of both
the subject and his/ her history in the rhetorical
practice of design.

Flávio Vinícius Cauduro é p ro fesso r t it u lar d a Facu ld ad e d e Co m u n icação So cial d a PUC-


RS. Tit u lad o MS em d esign d e p ro d u t o p ela St an fo rd Un iversit y (EUA) e Ph D em
co m u n icação gráfica p ela Un iversit y o f Read in g (GB). Pesq u isad o r d o CNPq n as áreas d e
co m u n icação visu al e d esign gráfico , in t egra a CEEDesign d o Min ist ério d a Ed u cação .
Ed it o r gráfico d a revist a FAMECOS: m ídia, cultura e tecnologia, at u a ain d a co m o co n su lt o r
e p ro gram ad o r visu al.

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O DOS OBJETOS 101

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