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2020
1) – Como vocês analisam esse movimento de avaliação, essa entrevista
inicial? Que elementos discutidos previamente a partir dos textos estudados
(capítulo 9, em especial) vocês conseguem identificar? Quais poderiam ser
desenvolvidos de outra forma? Fundamente a sua resposta.
Uma semana depois, mesmo sem confirmar presença de forma antecipada com o
terapeuta, Chiara/Joana regressa ao consultório. Entretanto, Caio afirma que será
preciso fazer uma marcação e que não poderá atendê-la naquele momento, mas, depois
de alguma insistência, ele acaba permitindo a entrada da moça. No início da sessão, ela
explica que retornou por causa de apenas uma coisa que fez sentido durante toda a
sessão anterior, que foi, justamente, quando o psicólogo cita a razão do seu cansaço.
A psicoterapia de orientação analítica é um método terapêutico que compartilha
a concepção de mente da psicanálise, além de se ater ao entendimento do conflito
inconsciente que se manifesta no problema designado. De acordo com Dewald (1972), o
objetivo dessa psicoterapia é a resolução do conflito, o desenvolvimento de novas
formas de adaptação e a reintegração e o amadurecimento da personalidade em qualquer
grau possível para o paciente. Logo, o terapeuta deve buscar ser atencioso no momento
de início do planejamento terapêutico, tendo em vista que, o uso dessa técnica serve
para conduzir o tratamento de determinada maneira.
Segundo Mabilde e Araújo (1990), o planejamento é composto de diagnóstico,
objetivos e manejo, elementos que estão em contínua interação. E que o melhor e pior
resultado do tratamento está na dependência da maior ou menor adequação com que o
terapeuta organiza e executa tais elementos no estabelecimento e cumprimento do
planejamento psicoterápico. A POA contém indicações, contraindicações, alcances e
limites, mas com bons resultados, quando corretamente indicada e trabalhada.
Aparentemente, o foco da demanda de Chiara é o fato dela estar cansada de
precisar ser a “engraçadona” em vários âmbitos da sua vida, principalmente na sua
profissão como atriz comediante. A paciente cita “tudo o que eu vivi me trouxe até
aqui” e o terapeuta questiona, pedindo para ela falar sobre essa questão. A partir disso,
surgem informações acerca do seu contexto na infância, principalmente o familiar, o
qual ela comenta alguns aspectos voltados para a sua mãe. A família de Chiara possuia
dificuldades financeiras e, quando criança, ela era incentivada por sua mãe a participar
de testes para comerciais de televisão, no intuito de garantir uma renda extra.
Além disso, se denominava como uma criança carismática, engraçada e exibida,
o que facilitou na possibilidade de realização de diversos comerciais. Foi questionado se
ela realmente gostava do que exercia ou se, de fato, era algo para agradar a sua mãe.
Chiara respondeu que ser engraçada a tornava especial e, dessa forma, fazia com que as
pessoas gostassem dela. É preciso perceber que, como terapeutas, devemos identificar o
problema do paciente, sua etiologia e suas repercussões e traçar uma estratégia de
abordagem que possibilite alívio de seu sofrimento. Como ensina Valério (1985), uma
psicoterapia não aborda apenas os problemas de uma pessoa, mas também a sua
dificuldade de resolvê-los.
Bom, para iniciar um planejamento terapêutico, é necessário que se leve a
consideração o fato de Chiara ter abandonado um processo terapêutico quatro vezes,
com psicoterapeutas diferentes. Segundo Alice Lewkowicz (1984), ao estudar
interrupções em psicoterapia breve, afirmou que “o abandono pode ser enfocado como
uma compulsão à repetição”. O padrão repetitivo de sua conduta e à evidência de um
conflito inconsciente presente na paciente nos traz a reflexão de que o tratamento de
orientação analítica, de fato, poderá ajudá-la. Ademais, o estabelecimento de um foco,
compreendido como o passo inicial do planejamento, é imprescindível. Etchegoyen
(1990) afirma que o foco é também denominado como o conflito atual, “uma conjuntura
da vida que desequilibrou o paciente e lhe provoca um conflito que não é capaz de
resolver com seus instrumentos comuns”.
Portanto, para atender Chiara/Joana, deve-se delimitar um foco e tentar fazer a
paciente reconhecer o padrão repetitivo de seu funcionamento e se interessar por isso.
Como sugere Cruz (1983), o terapeuta teria que buscar a ansiedade emergente na
sessão. Assim, com ela, talvez se pudesse esboçar uma aproximação por meio da
situação que descreve da mãe. No início do episódio, quando ela estava na sala de
espera, recebe uma ligação da mãe e, por meio do que é dito, percebe-se que a mesma
estava cobrando dinheiro de Chiara. E, ao longo da sessão, menciona que a progenitora
inferniza a vida dela e que só pensa em dinheiro, mas que, apesar disso, a ama. O
terapeuta diz que Chiara toma determinadas atitudes e depois se irrita com as pessoas,
como se não tivesse nenhuma responsabilidade pelo o que está acontecendo. Aborda
que ela é adulta e tem plena capacidade de escolher o que quer ou o que não quer.
Porém, mesmo assim, a paciente escolheu se colocar em uma situação desconfortável,
que era a de ajudar a mãe financeiramente.
Seria possível, então, mostrar o que inconscientemente provoca, ao criar
situações desconfortáveis para agradar os outros a sua volta. Com essa abordagem de
um conflito atual (ainda não percebido como tal), em que o seu papel ativo na
determinação das circunstâncias pode aparecer, também se objetiva aumentar a sua
motivação e seu interesse pelos processos internos que o mantém na condição de vida
de que tanto se queixa. O estabelecimento de um foco com o qual Chiara concordasse
que atendesse a essa concepção possibilitaria que a paciente levasse adiante a
psicoterapia e se beneficiasse dela.
Cruz (1983) enfatiza a necessidade de avaliar as forças em ação na determinação
e na manutenção do problema do paciente, para estudar de que forma e utilizando quais
recursos (interpretações transferenciais, extratransferenciais, confrontações,
intervenções mais diretas ou questionamentos, por exemplo) trabalhar com ele.
Contudo, o planejamento deve ser um processo dinâmico e constante ao longo da
psicoterapia, para não corrermos o risco de lidar com nossos pacientes como se fosse
sempre o mesmo ser, ignorando até mesmo as mudanças ocorridas como resultado do
próprio trabalho psicoterápico.
Bom, ao longo das duas sessões, pôde-se perceber certa neutralidade advinda do
terapeuta. Antes do início da primeira sessão, Chiara/Joana chega mais cedo do que o
horário combinado e, por conta disso, acaba escutando uma possível discussão de Caio
ao telefone. Quando ela entra na sala, pergunta sobre a briga e supõe que envolvia a
sogra do psicoterapeuta, que dá uma resposta neutra e encerra o assunto. Por meio dessa
atitude, compreende-se que ele entende a importância da neutralidade no setting
terapêutico.
Diante disso, é preciso considerar os inúmeros fatores capazes de perturbar o
bom desempenho técnico do psicoterapeuta e, por esse viés, ter conhecimento de que
essas atitudes não resultam apenas do conhecimento intelectual, mas sim da
estruturação da sua personalidade prévia com traços caracterológicos
predominantes, ou das alterações profundas ocorridas no decorrer de sua análise
pessoal. Ao propor análise pessoal para todo aquele que pretendesse praticar a
psicanálise, Freud acreditava que o terapeuta ficaria liberado de qualquer influência
negativa que pudesse exercer no curso do processo terapêutico.
Há um momento, durante a sessão, que a paciente tenta, de certa forma, seduzir
em tom de “brincadeira” o psicoterapeuta. O mesmo se mantém sério e não comenta
nada sobre o ocorrido. Entretanto, em outros momentos, Caio solta sorrisos leves
durante a fala de Chiara/Joana. Assim, a neutralidade absoluta durante o processo
psicoterapêutico é, de fato, um ideal impossível de se atingir. De acordo com Gill
(1954), a neutralidade não significa que o analista seja um pedaço de madeira sem
espontaneidade. Não significa que ele não pode rir de uma piada, ou fazer uma, ou
mostrar irritação, ou ter lágrimas nos olhos quando o paciente relata uma situação
comovente. Essa neutralidade não está em contradição com o sentimento de
benevolência amistosa do analista em relação ao seu paciente.
Através da ampla revisão de Eizirik (1992), sobre o tema neutralidade, ele
afirma que a neutralidade analítica é a posição, tanto comportamental quanto emocional,
a partir da qual o analista, em sua relação com o paciente, observa, sem perder a
necessária empatia, mantendo certa distância possível ao material do paciente e à sua
transferência, aos seus próprios valores, às expectativas e pressões do meio interno
e externo, às teorias psicanalíticas e à contratransferência e a sua própria
personalidade.
Em meio à neutralidade, podemos adentrar no conceito de abstinência, o qual é
conceituado por Laplanche e Pontalis (1970) como o princípio segundo o qual o
tratamento psicanalítico deve ser conduzido de tal modo que o paciente encontre o
menos possível de satisfações substitutivas para os seus sintomas. Implica para o
analista a regra de se recusar a satisfazer os pedidos do paciente e a desempenhar
efetivamente os papéis que este tende a impor-lhe. O princípio de abstinência pode, em
certos casos e em certos momentos do tratamento, especificar-se em indicações relativas
a comportamentos repetitivos do indivíduo que dificultam o trabalho de rememoração e
de elaboração.
Na segunda sessão, um exemplo claro de abstinência é quando Chiara/Joana
aparece ao consultório de Caio na segunda-feira, mesmo sem ter confirmado a sua
presença. Logo, o psicoterapeuta diz que não poderá atendê-la naquele momento e que
será preciso a marcação da consulta. A paciente insiste, dizendo que precisa conversar
com alguém, e ele acaba permitindo. Existe a necessidade de que, em um processo
terapêutico, o terapeuta tenha certa mabeabilidade em algumas situações. Não deve criar
obstáculos, mas também não deve satisfazer todas as vontades dos pacientes.
Em relação ao anonimato, é importante que se entenda que o terapeuta nunca
conseguirá evitar que possíveis informações adicionais cheguem aos ouvidos dos
pacientes. É comum o despertar da curiosidade de poder conhecer melhor aquele
indivíduo que tanto sabe das nossas questões e que, de certa forma, acaba nos
inspirando. Porém, a manutenção adequada do anonimato só trará benefícios ao
prosseguimento do processo. Segundo Greenson (1984), quanto menos o paciente sabe
sobre o analista, tanto mais fácil lhe será preencher os espaços vazios com suas próprias
fantasias. Além disso, quanto menos o paciente souber realmente sobre o analista, tanto
mais fácil será para o analista convencer o paciente de que suas reações são
deslocamentos e projeções.
No início da segunda sessão, a paciente começa a perceber determinados
detalhes do consultório de Caio, fazendo comentários e perguntas sobre a sua
personalidade. No entanto, ele se mantém neutro e evita respondê-la. A manutenção
correta do anonimato deve ser algo difícil de manter, mas não é recomendável, por
exemplo, que o terapeuta mantenha uma postura rígida de não informar absolutamente
nada, mas é preciso ficar atento ao outro extremo, ou seja, a falsa liberdade de muito
informar, com o objetivo de tornar a relação terapêutica amigável e descontraída.
Por último, sabe-se que o processo de toda terapia psicanalítica deve acontecer
em um ambiente especial. Não apenas na questão física, mas na emocional. O espaço
precisa estar apropriado para uma experiência nesse sentido. O Setting é visto como a
soma de todos os procedimentos que se organizam e possibilitam o processo
terapêutico. Logo, abrange o conjunto de regras, de atitudes e combinações que estão
contidas no contrato analítico; além de proporcionar ao paciente, através da relação
transferencial, o depósito de suas angústias.
Acredito que, por meio dos dois episódios assistidos, houve certa distância e
frieza por parte de Caio em alguns momentos. Mas, também, ele explanou para paciente
o quanto estava interessado em ouvir as suas questões. O seu desempenho pode ser
melhorado para que, dessa forma, possa encontrar a neutralidade na relação terapêutica.
O terapeuta precisa assumir uma postura neutra, pois, as aparentes contradições da
atividade psicoterápica podem deixar de ser apenas aparentes. A partir disso, o rumo
que o tratamento pode tomar é incerto e duvidoso, comprometendo a ambos, paciente e
terapeuta. Tendo esses pontos em mente, o Setting deve ser preservado, porque tudo o
que acontecer ao longo do processo será por conta dele, ou seja, o Setting instituído
garante eficácia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS