Você está na página 1de 2

A LENDA DOS TATÚS BRANCOS

Alguns bandeirantes audaciosos caminharam dias seguidos em direção às Minas Gerais em


busca de ouro e pedras preciosas. Um dia chegaram a um local desconhecido, onde os campos
ficavam perto de cavernas imensas, escuras e tenebrosas. Apesar do local agreste, as tendas
foram armadas para repouso merecido. Sentados em torno de uma fogueira, os viajantes
escutavam as mais curiosas e absurdas histórias contadas pelos caboclos nativos que, ao
mesmo tempo, insistiam para que levantassem acampamento o quanto antes pelo fato
daquela região ser dominada por uma espécie de índios conhecidos como tatus brancos,
habitantes das cavernas e, enxergando tão bem na escuridão como se tivessem olhos de
coruja. Além desta qualidade excepcional, havia outra, e esta, verdadeiramente de apavorar,
pois davam um imenso valor à carne humana, preferindo-a mesmo a qualquer caça. Além da
predileção absurda, tinham um faro especial e sentiam o cheiro do alimento favorito à
distância.

O chefe paulista, mostrou-se o mais interessado nos relatos sobre a sanha antropófaga da tal
tribo e prometeu a si mesmo desvendar o mistério. Por isso não quis escutar os conselhos do
mais experimentado caboclo, cujas palavras eram endossadas pelos outros guias também
confirmando casos de pessoas sumidas, provavelmente levadas para as vastidões sombrias.
Mesmo assim, o moço insistia em ficar no local, dizendo somente partir depois de certificar-se
quanto à veracidade das histórias contadas por aqueles homens que, embora
reconhecidamente valentes, manifestavam grande pavor ao ouvir o menor ruído. Certa noite
de escuridão cerrada, a tropa descansava numa clareira. O silêncio era quebrado apenas pelo
bater de asas de algum pássaro buscando o aconchego do ninho. Pouco a pouco os homens
foram percebendo um clamor estranho. Eram muitas vozes juntas, inicialmente confusas pela
distância, que se aproximavam rapidamente em direção ao acampamento. Os componentes
do grupo paulista puseram-se de sobreaviso com as armas engatilhadas. Súbito, uma horda de
pigmeus, saindo da escuridão, iniciou o ataque. O imprevisto do acontecimento impediu uma
defensiva eficiente.

A luta foi renhida, mas rápida. Era a força dos homens contra a astúcia e agilidade assombrosa
dos assaltantes. Os pequenos seres arrastavam para as trevas os corpos dilacerados e sem vida
dos vencidos inclusive os agonizantes. O chefe da escolta, ferido levemente, em companhia
dos subalternos foi levado para uma das cavernas dos agressores. Mas aconteceu o
improvável: A princesa da tribo já vira o moço paulista e por ele se apaixonara, o que lhe dava
o direito de dispor da vida do prisioneiro.

No âmago da caverna o valente bandeirante passa algum tempo desacordado e quando


recupera os sentidos vê, junto de si, um pequeno vulto de mulher. Quando seus olhos vão se
acostumando às trevas nota, com horror, o restante dos companheiros devorados pela horda
sinistra. Naquele antro escuro, o detido permaneceu por muito tempo sempre vigiado pela
jovem apaixonada.

Certa noite a malta assassina parte para os cerrados buscando alimento humano.
Aproveitando a oportunidade, o moço deixa-se envolver pela turba apressada dos pigmeus e,
sem ser notado, consegue sair também da caverna, mas sempre vigiado pela amorosa
companheira. Enfraquecido, não consegue chegar a saída da gruta e, exausto pela falta de
alimentação, faz um sinal para descansar. Deitam-se no chão. Ele apesar de tudo, alimentando
a esperança de alcançar a liberdade, finge adormecer, enquanto a jovem a seu lado é
dominada pelo sono. Disfarçadamente o prisioneiro aguarda o nascer do sol para ver onde se
encontrava e quando os clarões da madrugada surgiram, levanta-se com muito cuidado e
tenta fugir. No mesmo instante a moça acorda e, atordoada com a claridade, num esforço
tenta arrastar o homem para o negrume da caverna. Naquele momento de aflição ele
conseguiu observá-la. Era uma pequenina mulher, mal atingindo a metade da altura de um
homem de baixa estatura, pele clara de quem nunca sentiu os raios solares, os cabelos longos
de um louro sem vida. Os olhos eram de um azul esbranquiçado e ela gemendo procurava
conservá-los fechados ou protegê-los da claridade com uma das mãos, enquanto com a outra
buscava o companheiro, desta maneira caminhando às tontas como se fosse inteiramente
cega. O moço desvencilhando-se da criatura foge em desabalada carreira, daquele local
maldito dominado pela tribo dos tatus brancos, considerados os mais ferozes canibais que
infestavam aquela região do ouro.

Você também pode gostar