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Exmo.

Senhor
General Chefe do
Estado-Maior do Exército

Ref.: DSP.RA.SAAJ-2021- 029153 – Proc.º 10.960.0044

Uriel Rodrigo Repas de Oliveira, Tenente de Infantaria NIM 16910609, colocado


no Instituto dos Pupilos do Exército, vem apresentar recurso hierárquico, nos
termos do art. 194º do CPA e do art. 110º do EMFA, da decisão de indeferimento
do seu pedido de averiguação da totalidade do trabalho suplementar realizado
desde 01 de agosto de 2020 e respetivo pagamento, o que faz nos seguintes
termos e fundamentos:

I – Dos Factos:
1. O ingresso do Recorrente nas forças armadas ocorreu no âmbito da arma
de Infantaria do Ramo das Forças Armadas do Exército,

2. Estando inserido, actualmente, na carreira militar correspondente ao Posto


de Tenente de Infantaria.

3. O Recorrente exerce funções no Instituto dos Pupilos do Exército,

4. Onde, desde 1 de Agosto de 2020, tem prestado trabalho semanal para


além das 35 horas semanais fixadas.

5. O Recorrente não aufere qualquer subsídio remuneratório para efeito de


disponibilidade.

6. O Recorrente solicitou no dia 14 de Maio de 2021 de averiguação da


totalidade do trabalho suplementar realizado desde 01 de Agosto de 2020 e
respetivo pagamento.

7. O Exmo. Sr. Chefe de Direção de Serviços de Pessoal Repartição de


Abonos indeferiu a referida pretensão,

8. Com os fundamentos da Informação n.º DSP.RA.SAAJ-2021 - 029041, de


28 de Outubro de 2021,

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9. Da qual consta em súmula: a) que o Recorrente se encontra vinculado à
condição militar, fazendo escalas de serviço na Unidade onde se encontra
inserido; b) que vigora em relação a este o dever de disponibilidade e a não
aplicação do regime geral de horário de trabalho dos demais trabalhadores
em funções públicas; c) que é garantido o descanso semanal mínimo;

10. O Recorrente não concorda com a decisão em causa em matéria de facto e


de direito,

11. Porquanto, a fundamentação da decisão apenas teve em consideração os


períodos de descanso semanais e

12. Não considerou, nem se refere, aos períodos de descanso mínimos diários
previstos.

13. A decisão recorrida não se pronuncia sobre os demais factos invocados no


pedido indeferido.

II – Do Direito:

14. O Recorrente, não obstante o seu estatuto militar, nos termos do art. 2º do
EMFA, está sujeito a uma situação de emprego público, nos moldes
definidos pelo TCA Sul,

15. Atento que se encontrar numa situação de subordinação jurídica a um ente


inserido na Administrativo Pública Estadual e

16. A sua actividade profissional se caracterizar na vinculação à prossecução


de um fim de interesse público, cfr. art. 11º do EMFA (Ac. do TCA Sul de 14
de Abril de 2004, emitido no Proc n.º 12627/03),

17. Sendo que tal relação de emprego tem que ser desenvolvida com carácter
de duração contínua e mediante o pagamento da respectiva retribuição
periódica (Ana Fernanda Neves, “O Direito da Função Pública”, Tratado de
Direito Administrativo Especial, Vol. IV, pág. 438-439).

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18. Tal consideração jurídica determina que, não obstante a existência do
EMFA como normativo legal,

19. A relação de emprego dos militares não pode ser afastada do regime geral
laboral em vigor para os demais trabalhadores em funções públicas.

20. Efectivamente, tal como tem vindo a ser reiterado pelo Conselho Consultivo
da PGR, o dever de disponibilidade permanente no âmbito da relação de
emprego público traduz-se na possibilidade de prestação de trabalho a
qualquer hora e em qualquer dia, sempre que solicitada pela entidade
empregadora pública,

21. Pelo que o mesmo implica a obrigação de pagamento de uma de duas


modalidades remuneratórias, a saber: o pagamento de trabalho
suplementar ou o pagamento de subsídio de disponibilidade permanente,

22. Pois entende tal Conselho que apenas deve “ser de recusar a concessão
simultânea de dois suplementos remuneratórios, a título de compensação
pela disponibilidade permanente e de pagamento pela efetiva prestação de
trabalho suplementar, se e quando visem a mesma finalidade” (Parecer do
Conselho Consultivo da PGR N.º 18/2020 CPE).

23. Desse modo, não é a situação militar do Recorrente, enquanto sujeição


legal deste a um dever de disponibilidade, que implica o não pagamento de
trabalho suplementar (ou em alternativa um subsídio específico de
disponibilidade com carácter remuneratório),

24. Bem pelo contrário, tal situação de disponibilidade implica sempre o direito
a receber trabalho suplementar quando não existir legalmente uma rúbrica
remuneratória específica denominada como «suplemento de
disponibilidade».

25. Na verdade, até atendendo ao Douto Parecer do Conselho Consultivo da


PGR N.º 18/2020 CPE verifica-se totalmente aniquilado esse único
fundamento de indeferimento da pretensão do Recorrente,

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26. Falecendo também a demais considerações complementares respeitantes
a período de descanso semanal e não aplicação do regime geral dos
trabalhadores em funções públicas.

27. Tanto mais que, e tal como determinou o Tribunal de Justiça da União
Europeia (Grande Secção), no seu Acórdão de 15 de Julho de 2021,
emitido no Proc C-742/19, os militares das forças armadas tem o direito a
ser ressarcidos pelos períodos de disponibilidade que prestam,

28. Decorrendo tal obrigação do Estado Membro da União Europeia em virtude


do disposto no art. 2º n.º 1 da Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu
e do Conselho de 4 de Novembro de 2003.

29. Sendo apenas admissível a existência de uma distinção quanto ao critério


remuneratório do dever de disponibilidade quando este é prestado no local
de trabalho ou, em alternativa, na residência do militar,

30. Reitere-se que a República Eslovaca, referido em tal Acórdão, tem previsão
legal de subsídio de disponibilidade com carácter remuneratório,

31. Contrariamente ao que se verifica no caso do Estado Português,

32. Verificando-se mesmo uma omissão legislativa em matéria de cumprimento


da Directiva 2003/88/CE ao não existir no ordenamento jurídico português
especificamente um subsídio de disponibilidade,

33. Que determina a aplicação directa da mesma Directiva e do modelo


indicado pelo Conselho Consultivo da PGR supra, com o pagamento de
todo o trabalho suplementar prestado.

34. Na verdade, para além de tal norma europeia vinculativa do Estado


Português, o mesmo encontra-se vinculado a cumprir outras normas
internacionais respeitantes ao dever de proceder ao pagamento da justa
remuneração por todo o trabalho prestado,

35. Em concreto, o art. 23º e 24º da DUDH; o art. 7º do Pacto Internacional

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sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, adotado pela
Organização das Nações Unidas, ratificado pela Lei n.º 45/78, de 11 de
Julho; e o art. 31º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia;

36. Com consagração dos mesmos direitos e deveres por parte das entidades
públicas e

37. A imposição destas procederem ao pagamento de todo o trabalho prestado


pelos seus funcionários.

38. Nessa medida, o dever de disponibilidade integrante da condição militar,


em vez de afastar o direito ao pagamento do trabalho suplementar, impõe
esse sim o dever de pagamento deste, por força do art. 59º da CRP.

39. Do mesmo modo, não é eventual existência de períodos de descanso


semanal que impede o dever de pagamento de trabalho suplementar,

40. Pois tal como resultando do Parecer do Conselho Consultivo da PGR


P000832007 de 29/05/2008, as forças armadas estão obrigadas a cumprir
as condições de trabalho previstas nesse art. 59º da CRP,

41. Sendo que decorre do art. 1º da Lei n.º 18/2016, de 20 de Junho, que foi
estabelecido para qualquer entidade pública um horário máximo de 35
horas de trabalho,

42. Com o subsequente direito fundamental dos militares receberem por todo o
trabalho suplementar realizado para além dessas 35 horas,

43. Tendo sempre que ser respeitado e cumprido o período de 11 horas de


descanso diário entre cada período de trabalho e,

44. Bem assim, os períodos de dois dias de descanso semanais (obrigatório e


complementar), conforme resulta dos arts. 123 n.º 1 e 124º do CT
(Francisco Pimentel, Estatuto do Trabalhador em Funções Públicas, pág.
148-149),

45. Períodos de descanso esses nunca cumpridos no caso concreto do

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Recorrente,

46. Pelo que o constante na Informação fundamentante quanto ao período de


descanso também não corresponde à verdade e,

47. Por tal motivo, muito menos pode impedir o dever de pagamento de
trabalho suplementar.

48. Assim, e atendendo que a situação jurídica concreta do Recorrente,


verifica-se que é legalmente imposta a emissão de um acto administrativo
definitivo que determine o pagamento de todo o trabalho semanal realizado
para além das 35 horas semanais,

49. Pagamento que deve ter em consideração o valor da retribuição horária


acrescido em 25% na primeira hora de trabalho prestada, o valor de
37,50% por hora ou fração subsequente prestado em dia útil, na segunda e
restantes horas, ou em 50% por cada hora ou fração prestado em dia de
descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em feriado, nos termos
do art. 268º do CT.

50. Acto administrativo esse final que é imposto nos termos dos arts. 2º e 266º
nº 2 da CRP e do art. 3º CPA,

51. Por as entidades administrativas gerais ou especiais, no exercício e limites


das suas atribuições legais, estão sujeitos à obediência à lei, em
conformidade com os fins de interesse público que lhe foram conferidos
(Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, Código de
Procedimento Administrativo Comentado, págs. 86 e ss.).

52. Sujeição essa ao princípio da legalidade comporta duas dimensões


diferentes,

53. Em primeiro lugar, está vedado às entidades administrativas gerais ou


especiais contrariar o direito vigente, por força do subprincípio da
preferência de lei, sendo os actos da administração que contrariem as
normas jurídicas vigentes inválidos.
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54. Em segundo lugar, "a preferência de lei impõe mesmo à administração um
verdadeiro dever de eliminar as ilegalidades" existentes (Marcelo Rebelo de
Sousa e André Salgado Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo I, pág.
159-160).

55. Pelo que se verifica uma imposição legal de deferir a pretensão do


Recorrente, por imposição dos princípios da legalidade e da igualdade,
decorrentes do art. 13º, 47º e 266º da CRP e do art. 3º, 4º e 5º do CPA, e
proibição da discricionariedade administrativa que viole normas legais
imperativas (Jorge Miranda, “Anotação ao art. 47º”, in Jorge Miranda e Rui
Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, pág. 478),

56. Pois a prossecução do interesse público apenas se consegue com o


respeito pelas normas legais imperativas em matéria de emprego público
geral ou especial (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da
República Portuguesa Anotada, Vol. I, pág. 661-662).

III – Conclusão e Pedido:

57. Assim, nos moldes supra referidos, o Recorrente preenche os requisitos ou


condições objectivos e subjectivos de deferimento da sua pretensão de
receber o pagamento de trabalho suplementar desde 01 de Agosto de
2020,

58. Considerando para o efeito todo o trabalho prestado para além das 35
horas semanais,

59. Inexistindo quaisquer causas legais de preterição da mesma,

60. Devendo ser emitido o respectivo acto administrativo necessário nesse


sentido, de onde resulta que o Recorrente a partir de desde 01 de Agosto
de 2020 prestou trabalho suplementar e

61. Determinar o pagamento do mesmo,

62. Com a revogação da decisão recorrida.

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Pelo exposto, requer a V. Exa., Exmo. Senhor General Chefe do Estado-Maior
do Exército que sejam atendidos as considerações de direito e de facto
apresentadas pelo Recorrente e, em consequência, que se determine o
reconhecimento do seu direito a receber o trabalho suplementar prestado
desde 01 de Agosto de 2020, procedendo-se ao seu pagamento, com a
revogação do acto recorrido

Para tanto,
O Advogado

Francisco Brardo

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