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PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA

Agravo de Instrumento n. 5055200-92.2022.8.24.0000, do Tribunal de Justiça


Relatora: Desembargadora Vera Lúcia Ferreira Copetti
Procurador de Justiça Narcísio G. Rodrigues

EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA

COLENDA QUARTA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO

Cuida-se de agravo de instrumento interposto pelo Instituto de


Previdência Social do Município de Navegantes – NAVEGANTESPREV, irresignado com o
teor da decisão interlocutória proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da comarca de
Navegantes que, nos autos do mandado de segurança n. 5004651-61.2022.8.24.0135,
impetrado por Adriana Rodrigues Luz Macarini contra suposto ato coator atribuído ao
Diretor-Presidente do NAVEGANTESPREV, concedeu a antecipação dos efeitos da tutela
pleiteada para determinar ao órgão previdenciário impetrado que “considere o tempo de
contribuição da impetrante no cargo de supervisora escolar para fins de aposentadoria
especial e expeça certidão de tempo de contribuição para fins de aposentadoria especial à
requerente” (evento 18 – autos de origem).

Em suas razões recursais, o NAVEGANTESPREV sustentou o desacerto da


decisão interlocutória proferida pelo Juízo a quo, requerendo a cassação da liminar em
virtude da ausência de fundamentação acerca da existência do periculum in mora, mas
também porque os efeitos da liminar deferida poderão ser irreversíveis, arrazoando que a
medida “esgota o objeto da ação, o que é vedado pelo artigo 1º, § 3º da Lei nº 8.437/92”.

Narrou, por conseguinte, não haver comprovação suficiente da


verossimilhança do direito alegado, sobretudo diante da inexistência de prévio
requerimento administrativo de aposentadoria pela agravada, sublinhando que a
servidora sequer preencheu todos os requisitos necessários segundo as regras de
inatividade especial do magistério, suscitando a falta de interesse de agir da impetrante,
pugnando pelo indeferimento da inicial.

Disse, ainda, ser inexistente o direito líquido e certo vindicado, visto que
a agravada não possui a idade mínima exigida, tampouco é admitida a contagem do
tempo de serviço prestado no cargo de supervisor escolar para o implemento do
benefício da aposentadoria especial do magistério.

Por fim, aduziu que “merece ser revogada decisão que determinou a
expedição de Certidão de Tempo de Contribuição, contemplando todo período perante o
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Regime Geral de Previdência Social”, pois alegou que segundo o teor do art. 96, VI, da Lei
n. 8.213/1991 é vedada a expedição da referida CTC a servidor ativo, haja vista que a
concessão da aposentadoria com base na certidão acarretará o rompimento do vínculo
que gerou o respectivo tempo de contribuição, nos termos do § 14 do art. 37 da Lei n.
8.213/1991. Salientou, por oportuno, que muito embora o Juízo primevo tenha alegado a
inconstitucionalidade do art. 96, VI, da Lei n. 8.213/1991, “ainda não foi declarada pelo
Órgão Especial dessa Corte e, consequentemente, não pode o Órgão Fracionário afastar a
sua aplicação”, sob pena de violação da cláusula de reserva de plenário.

Por esses motivos, pugnou pela concessão do efeito suspensivo e, no


mérito, pela reforma da decisão interlocutória prolatada, a fim de que “o Agravante não
seja obrigado a contrariar legislação constitucional aplicada por conceder direito à
aposentadoria especial a que não possui direito ou ainda emitir liminarmente a CTC”
(evento 1).

Em decisão monocrática da lavra da eminente Desembargadora Vera


Lúcia Ferreira Copetti, o almejado efeito suspensivo foi concedido (evento 3).

A parte agravada ofertou contrarrazões, postulando a manutenção da


decisão interlocutória impugnada (evento 8).

Ato contínuo, os autos foram remetidos com vista à Procuradoria-Geral


de Justiça para a emissão de parecer (evento 17).

É o que faço.

O recurso de agravo de instrumento interposto preenche todos os


pressupostos intrínsecos (cabimento, legitimidade para recorrer, interesse recursal,
inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer) e extrínsecos
(tempestividade, regularidade formal e preparo dispensado – art. 1.007, § 1º, do CPC) de
admissibilidade, razão pela qual opino que seja conhecido.

Cinge-se o mérito recursal em analisar a possibilidade de reforma da


decisão interlocutória que deferiu a liminar requerida e determinou à autarquia
previdenciária que considere o período laborado pela impetrante, ora agravada, no cargo
de supervisora escolar para fins de aposentadoria especial do magistério, bem como
expeça a certidão de tempo de contribuição (CTC) à servidora.

Inicialmente, curial mencionar que o julgamento do agravo de


instrumento está estritamente vinculado à discussão sobre o acerto ou desacerto da
decisão judicial impugnada, sob pena de supressão de instância.

Sendo assim, o exame da decisão agravada acaba por se restringir à


análise do preenchimento dos requisitos para concessão da tutela de urgência
considerados na decisão proferida pelo Juízo de primeiro grau, porque qualquer incursão
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que vá além desse exame alcançará o mérito da demanda e representará ofensa às


garantias processuais constitucionalmente asseguradas às partes.

O artigo 300 do Código de Processo Civil dispõe que “a tutela de


urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do
direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.

Para Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery:

A primeira hipótese autorizadora dessa antecipação é o periculum in mora,


segundo expressa disposição do artigo 300. Esse perigo era o mesmo
elemento de risco exigido no sistema processual do Código de 1973 para a
concessão de qualquer medida cautelar ou em alguns casos de antecipação
de tutela.
Também é preciso que a parte comprove a existência da plausibilidade do
direito por ela afirmado (fumus boni iuris). Assim, a tutela de urgência visa
assegurar a eficácia do processo de conhecimento ou do processo de
execução (Comentários ao código de processo civil. 2ª tiragem. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015. p. 857-858).

Assim, o magistrado pode antecipar os efeitos da tutela pretendida


desde que, existindo prova inequívoca conferindo verossimilhança às alegações, haja
fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ao direito da parte requerente.

Pretendeu a parte agravante, o Instituto de Previdência Social do


Município de Navegantes – NAVEGANTESPREV, a reforma da decisão interlocutória que
deferiu a antecipação dos efeitos da tutela e determinou à autarquia previdenciária que
expeça a certidão de tempo de contribuição (CTC) à impetrante, devendo, ainda,
considerar o tempo de contribuição da servidora no cargo de supervisora escolar para fins
de concessão da aposentadoria especial.

Compulsando detidamente os autos, verifica-se que o magistrado a quo


deferiu liminarmente a ordem vindicada sob os seguintes argumentos (evento 18 – autos
de origem):

[...]
O artigo 40 da Constituição Federal, bem como a Constituição Estadual, ao
disciplinar a aposentadoria por tempo de serviço, dispôs:
Art. 126. O servidor será aposentado:
III - voluntariamente:
a) aos trinta e cinco anos de serviço, se homem, e aos trinta, se
mulher, com proventos integrais;
b) aos trinta anos de serviço em funções de magistério, docentes e
especialistas de educação, se homem, e aos vinte e cinco anos, se
mulher, com proventos integrais; [...]
Art 40 - O servidor será aposentado [...]
III voluntariamente [...]
b) aos trinta anos de efetivo exercício em funções de magistério, se
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professor, e vinte e cinco, se professora, com proventos integrais"


Por sua vez, a Emenda Constitucional nº 20/98 deu nova redação ao artigo,
e disciplinou da seguinte forma:
Art 40 - Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas
autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de
caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo
ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas,
observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial
e o disposto neste artigo ficando assim disciplinado o artigo 40,
parágrafo 5º da Constituição Federal [...]
§ 5º - Os requisitos de idade e de tempo de contribuição serão
reduzidos em cinco anos, em relação ao disposto no § 1º, III, "a",
para o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo
exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino
fundamental e médio
Ainda, o julgamento da ADI 3.772/DF pelo Ministro Ricardo Lewandowski,
alterou a Súmula nº 726 à vista da Lei Federal nº 11.301/2006, reconhece o
exercício de atividade correlata como integrante da carreira de magistério:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE MANEJADA CONTRA O
ART. 1º DA LEI FEDERAL 11.301/2006, QUE ACRESCENTOU O § 2º AO
ART. 67 DA LEI 9.394/1996. CARREIRA DE MAGISTÉRIO.
APOSENTADORIA ESPECIAL PARA OS EXERCENTES DE FUNÇÕES DE
DIREÇÃO, COORDENAÇÃO E ASSESSORAMENTO PEDAGÓGICO.
ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 40, § 5º, E 201, § 8º, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INOCORRÊNCIA. AÇÃO JULGADA
PARCIALMENTE PROCEDENTE, COM INTERPRETAÇÃO CONFORME. I -
A função de magistério não se circunscreve apenas ao trabalho em
sala de aula, abrangendo também a preparação de aulas, a correção
de provas, o atendimento aos pais e alunos, a coordenação e o
assessoramento pedagógico e, ainda, a direção de unidade escolar. II
- As funções de direção, coordenação e assessoramento pedagógico
integram a carreira do magistério, desde que exercidos, em
estabelecimentos de ensino básico, por professores de carreira,
excluídos os especialistas em educação, fazendo jus aqueles que as
desempenham ao regime especial de aposentadoria estabelecido
nos arts. 40, § 5º, e 201, § 8º, da Constituição Federal. III - Ação
direta julgada parcialmente procedente, com interpretação
conforme, nos termos supra. ADI 3772/DF, Relator Ministro Carlos
Britto, Relator para Acórdão Ministro Ricardo Lewandowski,
Julgamento: 29/10/2008, Órgão Julgador Tribunal Pleno, Publicação
DJe-059 DIVULG 26-03-2009 PUBLIC 27-03-2009, REPUBLICAÇÃO:
DJe-204 DIVULG 28-10-2009 PUBLIC 29-10-2009, EMENT
VOL-02380-01 PP-00080 RTJ VOL-00208-03 PP-00961.
No caso, a impetrante ingressou no serviço púbico no município de
Navegantes em 1987, para exercer a atividade de professora de educação
fundamental. Em 7.2.2008 foi nomeada por meio de concurso público para
o cargo de Supervisora Escolar.
A Navegantesprev entendeu que supervisora escolar não se enquadra em
atividades de Magistério, não concedeu à impetrante o benefício de
aposentadoria especial de professor.
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A Lei Complementar n. 72/2010 dispõe acerca do a organização do


Magistério Público Municipal de Navegantes e disciplina:
Art. 3º Integram a carreira do Magistério os profissionais que
exercem atividades de docência e os que oferecem suporte
pedagógico direto a tais atividades, incluídas as de direção,
administração escolar, planejamento, inspeção, supervisão e
orientação educacional.
Parágrafo Único - Fica criado o Quadro de Pessoal do Magistério
Público Municipal com os seguintes cargos de carreira, que
compõem o Grupo Magistério:
I - Professor
II - Especialista em Assuntos Educacionais, compreendido dentre
esses profissionais:
a) Supervisor Escolar;
b) Orientador Educacional;
c) Administrador Escolar;
d) Consultor Educacional;
e) Supervisor de Ensino;
E a Lei Complementar n. 179/2013, de Navegantes, sobre a atividade da
supervisão escolar, estabelece que:
Art. 176 - Respeitadas as peculiaridades de cada função que
especifica o trabalho dos Especialistas em Assuntos Educacionais,
todos terão como funções básicas: [...]
§ 2º A Supervisão Escolar será instituída nos estabelecimentos para
especificamente encaminhar na Unidade Escolar:
a) O acompanhamento dos docentes quanto ao atendimento amplo
de suas obrigações a nível pedagógico;
b) O assessoramento aos docentes através da ligação do trabalho dos
professores com as determinações do Projeto Político pedagógico da
Unidade Escolar;
c) Suporte pedagógico em nível de estruturação do trabalho docente
com as determinações atuais dos Planos Nacionais, Estaduais e
Municipais de Ensino;
d) Promover a integração entre os alunos no que tange as diversas
práticas e atividades formativas intelectivas, culturais e de
preparação para o trabalho;
Nesse passo, fica evidenciado que a aposentadoria especial prevista no art.
40, § 5º, da CF, pode ser concedida não só aos professores em exercício,
isto é, que lecionam em sala de aula, mas também aos professores que
exercem atividade de direção da unidade escolar, de coordenação e
assessoramento pedagógico, desde que exercidos, em estabelecimentos de
ensino básico, por professores de carreira, excluídos os especialistas em
educação.
Segundo se depreende da legislação correlata à atividade de supervisor
escolar, em princípio, a impetrante não exercia funções de caráter
meramente administrativo, mesmo porque, as atividades listadas nas
alíneas "a" a "a" do § 2º do art. 176 da LC n.
179/2013, permitem vislumbrar que apenas podem ser consideradas como
supervisor de escola aquela função diretamente vinculada à atividade-fim
da educação, e que represente efetivo auxílio ao processo de ensino-
aprendizagem.
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Diante do exposto, DEFIRO A LIMINAR e determino ao Instituto de


Previdência Social do Município de Navegantes - NAVEGANTESPREV que
considere o tempo de contribuição da impetrante no cargo de supervisora
escolar para fins de concessão de aposentadoria especial e
expeça certidão de tempo de contribuição para fins de aposentadoria
especial à requerente.
[...] (sem grifos no original).

Inconformado, o NAVEGANTESPREV sustentou, em síntese, o desacerto


da liminar concedida, uma vez que a medida deferida apresenta alto nível de
irreversibilidade e não foi devidamente fundamentada a presença dos requisitos
indispensáveis à concessão de liminar, quais sejam o perigo da demora e a
verossimilhança do direito, mas também arrazoou que a agravada não cumpriu os
requisitos para a concessão da aposentadoria especial. Pontuou, destarte, que a
impetrante carece de interesse processual por não ter formulado prévio pedido
administrativo de inativação no cargo.

Pois bem.

Conquanto a decisão interlocutória proferida tenha amplamente


discorrido sobre o direito da servidora à aposentadoria especial do magistério, concluindo
também pela possibilidade de expedição da CTC, infere-se que a decisão liminar carece
de fundamentação suficiente, sobretudo porque deixou de analisar os requisitos
indispensáveis à antecipação dos efeitos da tutela, mormente o perigo da demora,
expressamente previsto no inciso III do art. 7º da Lei n. 12.016/2009:

Art. 7º. Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:


[...]
III – que se suspensa o ato que deu motivo ao pedido, quando houver
fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da
medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do
impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o
ressarcimento à pessoa jurídica.
[...] (sem grifos no original).

Ora, a necessidade de fundamentação das decisões está prevista no art.


93, IX, da CRFB, de modo que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão
públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”.

No mesmo sentido, prescreve o art. 489, § 1º do CPC, que “não se


considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou
acórdão, que”:

I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo,


sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo
concreto de sua incidência no caso;
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III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;


IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de,
em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar
seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob
julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente
invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em
julgamento ou a superação do entendimento.

A propósito, o Supremo Tribunal Federal “tem se orientado no sentido


de não exigir exaustiva fundamentação da decisão, mas que o julgador indique de forma
clara e concisa as razões de seu convencimento (Agravo de Instrumento n. 634.686, Rel.
Min. Ricardo Lewandowski, j. 23-10-2007)” (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4019447-
96.2019.8.24.0000, de Tubarão, rela. Desa. Vera Lúcia Ferreira Copetti, Quarta Câmara de
Direito Público, j. 14-5-2020).

A esse respeito, a doutrina de Marinoni, Arenhart e Mitidiero deixa


muito claro que:

A fundamentação das decisões judiciais é ponto central em que se apoia o


Estado Constitucional, constituindo elemento inarredável de nosso
processo justo (art. 5.º, LIV, CF). Na fundamentação o juiz deve analisar o
problema jurídico posto pelas partes para sua apreciação. Refere o Código,
a esse propósito, que tem o juiz de analisar as questões de fato e de direito
(art. 489, II, CPC). Fundamentar significa dar razões – razões que visam a
evidenciar a racionalidade das opções interpretativas constantes da
sentença, a viabilizar o seu controle intersubjetivo e a oferecer o material
necessário para formação de precedentes. Daí que a justificação das
decisões constantes da fundamentação flui no influxo da viabilização de
uma decisão justa e da conformação de um adequado sistema de
precedentes. Em outras palavras: a justificação das decisões serve como
ferramenta para o adequado funcionamento do sistema jurídico. A
fundamentação deve ser concreta, estruturada e completa: deve dizer
respeito ao caso concreto, estruturar-se a partir de conceitos e critérios
claros e pertinentes e conter uma completa análise dos argumentos
relevantes sustentados pelas partes em suas manifestações. Fora daí, não
se considera fundamentada qualquer decisão (arts. 93, IX, CF e 9.º, 10, 11
e 489, §§ 1.º e 2.º, CPC) (MARINONI, Luis Guilherme; ARENHART, Sérgio
Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de processo civil comentado. 2. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 576, sem
grifos no original).

Com efeito, como bem pontuou a eminente Relatora, “conforme se


infere dos fundamentos da decisão agravada, é aparentemente plausível a argumentação
do agravante de que não houve pronunciamento de um dos pressupostos para a
concessão da medida liminar, qual seja, o perigo da demora” (evento 3), devendo ser a
cassada a decisão no ponto que determinou ao NAVEGANTESPREV que reconheça, para
fins de aposentadoria especial, o tempo de contribuição da servidora agravada no cargo
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de supervisora escolar.

No tocante às alegações da parte agravante sobre o não preenchimento,


por parte da servidora agravada, das condições necessárias à concessão do benefício de
aposentadoria especial, ressai evidente que a questão atinge o mérito propriamente dito
do mandado de segurança impetrado na origem; logo, qualquer incursão aprofundada
pelo órgão ad quem representaria supressão de instância, visto que o juízo a quo não
proferiu pronunciamento final sobre a matéria, após a formação do contraditório e da
triangulação processual (neste caso, após as informações prestadas pela autarquia
impetrada), mas também porque o agravo de instrumento é um recurso cuja apreciação
ocorre apenas em cognição sumária, secundum eventum litis, razão pela qual é inviável
adentrar neste tópico neste momento processual.

Convém mencionar, “neste juízo de cognição sumária, vertical e não


exauriente, próprio ao recurso de agravo de instrumento, cumpre ao órgão ad quem
apenas examinar o acertou ou desacerto da decisão interlocutória, circunscrevendo-se a
examinar a presença ou não dos requisitos autorizadores do provimento almejado a par
dos elementos existentes nos autos, sob pena de indesejável supressão de instância, em
ofensa às garantias constitucionais inerentes ao contraditório e ampla defesa” (TJSC,
Agravo de Instrumento n. 5052509-08.2022.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa
Catarina, rel. Des. Carlos Adilson Silva, Segunda Câmara de Direito Público, j. 25-10-2022).

Mas também, giza-se que “‘quando a tutela de urgência pleiteada na


origem se confunde com o próprio mérito da ação de conhecimento, na medida em que é
dotada de caráter eminentemente satisfativo em relação ao pedido principal, deve ser
indeferida, pois o art. 1º, § 3º, da Lei n. 8.437 /92, dispõe que não cabe medida liminar,
contra atos do Poder Público, que esgote, no todo ou em qualquer parte, o objeto da ação.
[...]" (TJGO - Agravo de Instrumento n. 255328-46.2016.8.09.0000. Quarta Câmara Cível.
Data do julgamento: 10.11.2016)’” (TJSC, Agravo de Instrumento n.
4027217-14.2017.8.24.0000, de Laguna, rela. Desa. Bettina Maria Maresch de Moura,
Quarta Câmara de Direito Público, j. 24-9-2020).

Sendo assim, a questão referente ao preenchimento dos requisitos para


a concessão da aposentadoria especial da servidora agravada no cargo de supervisora
escolar não poderá ser analisada neste momento processual, em sede de jurisdição
recursal de decisão interlocutória, sob pena de supressão de instância, devendo ser
desprovido o recurso neste ponto.

Por outro lado, sobre o direito de obtenção da certidão de tempo de


contribuição, razão não assiste ao agravante, máxime porque a mera expedição da CTC
não esgotará o objeto da ação mandamental, tampouco representará prejuízos à
Administração, na medida em que a impetrante, de fato, possui o direito líquido e certo
ao recebimento da CTC.

Veja-se que o direito à expedição de CTC em favor de servidor encontra


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supedâneo no art. 5º, XXXIII e XXXIV, “b”, da CRFB, que dispõe acerca do acesso e
obtenção de informações dos órgãos da Administração Pública:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu
interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas
no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo
sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de
taxas:
[...]
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos
e esclarecimento de situações de interesse pessoal.

Sendo assim, inexistem escusas válidas para a Administração negar o


fornecimento de CTC à servidora; mesmo porque, o direito ao recebimento de
informações de órgãos públicos constitui-se de um direito fundamental e, in casu, não se
tratavam de informações sigilosas e imprescindíveis à segurança da municipalidade e seus
órgãos, mas dados de acesso amplo e irrestrito que deveriam ter sido disponibilizados ao
requerente.

A corroborar:

"excetuadas as informações cujo sigilo é imprescindível à segurança da


sociedade e do Estado, o que não é o caso, a negativa da autoridade
impetrada de fornecer a Certidão de Tempo de Contribuição, para atender
a interesse particular, viola as disposições constitucionais e, portanto, o
direito líquido e certo da impetrante" (TJSC, Apelação n.
5000739-54.2019.8.24.0008, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel.
Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, Segunda Câmara de Direito Público, j.
16-11-2021).

Por oportuno, a remansosa jurisprudência do Tribunal de Justiça de


Santa Catarina já reconheceu a garantia constitucional ao recebimento da CTC:

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. SERVIDORA PÚBLICA


MUNICIPAL. PRETENSÃO DE OBTER, ADMINISTRATIVAMENTE, A
EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO (CTC). PLEITO
INDEFERIDO PELA MUNICIPALIDADE. ILEGALIDADE DO ATO
EVIDENCIADA. OBTENÇÃO DE CERTIDÃO GARANTIDA PELA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ART. 5º, INCISOS XXXIII E XXXIV, 'B', DA CARTA
MAGNA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO CONFIGURADO. SENTENÇA QUE
CONCEDEU A SEGURANÇA MANTIDA. APELAÇÃO E REMESSA CONHECIDAS
E DESPROVIDAS.
(TJSC, Apelação / Remessa Necessária n. 5043032-75.2021.8.24.0038, do
PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA

Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Des. Francisco José Rodrigues de


Oliveira Neto, Segunda Câmara de Direito Público, j. 29-3-2022, sem grifos
no original).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA. ADMINISTRATIVO E


CONSTITUCIONAL. SERVIDORA MUNICIPAL QUE TEVE
NEGADA ADMINISTRATIVAMENTE A EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO DE TEMPO
DE CONTRIBUIÇÃO (CTC). DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO LIMINAR.
PRELIMINARES ARGUIDAS EM CONTRARRAZÕES PELO MUNICÍPIO.
IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA E AO VALOR DA CAUSA FORMULADO
EM CONTESTAÇÃO. MATÉRIAS DECIDIDAS PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU,
DE CUJA DECISÃO A MUNICIPALIDADE OPÔS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO,
ESTES, AINDA PENDENTES DE JULGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE
CONHECIMENTO E ANÁLISE DA MATÉRIA NESTE MOMENTO RECURSAL,
SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PRELIMINARES NÃO APRECIADAS.
TUTELA DE URGÊNCIA DEFERIDA EM SEDE RECURSAL QUE DETERMINOU
QUE O MUNICÍPIO FORNECESSE A CERTIDÃO DE TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO DA PARTE AUTORA. EMISSÃO DE CTC QUE SE
CARACTERIZA EM GARANTIA CONSTITUCIONAL. PREVISÃO CONTIDA NO
ART. 5º, INCISOS XXXIII E XXXIV, 'B', DA CARTA MAGNA. DIREITO
À OBTENÇÃO DE CERTIDÕES DE INTERESSE PARTICULAR, INCLUSIVE
AQUELAS RELACIONADAS A SITUAÇÃO FUNCIONAL E PREVIDENCIÁRIA.
DECISÃO REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
(TJSC, Agravo de Instrumento n. 5007965-03.2020.8.24.0000, do Tribunal
de Justiça de Santa Catarina, rel. Des. Sandro Jose Neis, Terceira Câmara de
Direito Público, j. 21-6-2022, sem grifos no original).

Por fim, verifica-se, pois, que "restaram devidamente preenchidos


os requisitos necessários à concessão da medida liminar, posto que 'A probabilidade do
direito, portanto, resta evidenciada em razão do legítimo interesse da agravante em obter
a Certidão de Tempo de Contribuição e, diante disso, não cabe ao órgão público recusar
ou retardar o fornecimento das informações solicitadas', bem como o 'risco de dano grave
ou de difícil reparação, já que o documento em questão é imprescindível para averbação e
comprovação de seu tempo de contribuição e, por consequência, para que a ora
agravante possa instruir o pedido administrativo de aposentadoria junto ao Instituto
Nacional de Seguridade Social'" (TJSC, Agravo de Instrumento n.
5007965-03.2020.8.24.0000, do Tribunal de Justiça, rel. Des. Sandro Jose Neis, Terceira
Câmara de Direito Público, j, 21-6-2022).

Em arremate, o argumento de que o fornecimento da referida certidão


a servidores ativos é indevido diante da possibilidade de utilização do documento para
fins impróprios não convence, haja vista que a boa-fé da requerente é presumida.
Outrossim, constatado eventual mal uso da CTC, poderá a autarquia previdenciária
municipal se valer dos meios próprios para inquinar os atos praticados em
desconformidade pela servidora.

Por todo o exposto, opino que o recurso seja conhecido e parcialmente


provido, tão somente para que seja cassada a decisão objurgada na parte em que
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determinou à autarquia previdenciária municipal que considere, para fins de


aposentadoria especial, o tempo de contribuição da servidora no cargo de supervisora
escolar, em virtude da falta de fundamentação da interlocutória sobre a presença do
periculum in mora, mantendo-se a liminar no ponto em que determinou a expedição da
certidão de tempo de contribuição (CTC) em favor da agravada.

Florianópolis, 03 de novembro de 2022.

NARCÍSIO G. RODRIGUES
Procurador de Justiça

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