Você está na página 1de 10

Processamento da informação e aprendizagem

significativa na solução de problemas


The processing of information and significant learning
in the solution of problems
Márcia Regina Ferreira de Brito
Professora Titular do Departamento de Psicologia da Fa-
culdade de Educação da Universidade Estadual de Cam-
pinas, onde atua nos cursos de graduação e Pós-Gradua-
ção. Coordena o grupo de pesquisas sobre Psicologia da
Educação Matemática.
e-mail: mbrito@unicamp.br

Resumo
O presente texto busca estabelecer alguns pontos de proximidade entre a teoria da aprendizagem significativa
de David P. Ausubel e a teoria do processamento de informação. Apresenta resumidamente o desenvolvimento
da Psicologia Cognitiva e as diferenciações entre esta e a Ciência Cognitiva, incluindo algumas explicita-
ções de conceitos como maturação, desenvolvimento, aprendizagem e solução de problemas, sendo este
último o principal foco de análise. O texto refere-se à solução de problemas como uma atividade mental
superior ou de alto nível que envolve o uso de conceitos e princípios necessários para atingir a solução.
Este processo apresenta fases bem definidas e sobre as quais a maioria dos autores apresentam concordância.
Finalizando, o texto apresenta resumidamante as fases de pensamento durante a solução de problemas,
destacando a aprendizagem significativa como elemento essencial para obtenção de resultados.
Palavras-chave
Aprendizagem significativa; solução de problemas; processamento de informações.

Abstract
The present text seeks to establish some points of proximity between the theory of meaningful learning
developed by David P. Ausubel and the Human Information Processing Theory. It presents some ideas on
the development of Cognitive Psychology and points out some differences between Cognitive Psychology
and Cognitive Science, including some explanations of concepts such as maturity, development, learning
and problem solving. Problem solving is conceptualized as a superior mental activity or high level thinking
that includes the use of meaningful concepts and principles necessary for arriving at the solution. This
process presents well defined phases and the majority of the authors agree on this. Finally, the text
presents a summary of the different phases of thought during the solution of problems, bringing out
meaningful learning as an essential element in the obtaining of results.
Key words
Meaningful learning; problem solving; information processing.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.


Campo Grande-MS, n. 21, p.81-90, jan./jun. 2006.
Introdução dedicava ao estudo desta ciência emergen-
te poderia ser chamada de cognitivista. O
Nesta mesa, cujo título é “Um possí- principal foco de interesse era a compreen-
vel diálogo entre a Teoria da Aprendizagem são dos fenômenos mentais; dentre estes
significativa (TAS) e outras teorias cognitivas: estudos destacam-se aqueles elaborados
A relação com a psicogenética, o sócio-in- por Wundt relativos aos elementos da cons-
teracionismo e o processamento da infor- ciência e os escritos de Freud sobre o incons-
mação” me foi solicitado que tentasse es- ciente. O surgimento de estudos voltados à
tabelecer alguns pontos comuns entre a descrição dos comportamentos produziu um
teoria da aprendizagem significativa de longo período em que eram poucos os tra-
David P. Ausubel e a teoria do processa- balhos relativos aos aspectos da mente. En-
mento de informação. Trata-se de uma ta- tre o manifesto de Watson e o ressurgimen-
refa bastante complexa dada a natureza e to da psicologia cognitiva transcorreram qua-
amplitude da teoria proposta por Ausubel se cinco décadas.
e, principalmente, pelo pouco espaço e tem- Autores como Anderson (1995, p.11)
po disponível. estabeleceram a diferença entre Ciência
Dentro destas limitações vou tentar Cognitiva e Psicologia Cognitiva. De acor-
estabelecer algumas conexões entre a solu- do com este autor, a Ciência Cognitiva usa,
ção de problemas na teoria da aprendiza- em grande parte, métodos como a simula-
gem significativa de Ausubel e os mecanis- ção dos processos cognitivos e a análise
mos de funcionamento cognitivo propostos lógica, enquanto a Psicologia Cognitiva se
pela teoria do processamento de informa- apóia amplamente nas técnicas experimen-
ção, ambas teorias cognitivas que enfocam tais provenientes da era behaviorista, usa-
o desenvolvimento, a aprendizagem e o das para o estudo do comportamento.
ensino. Para tanto, o tema comum para tal Apontou dois fatos que podem ser consi-
explanação centra-se na solução de pro- derados os marcos destas ciências: o mar-
blemas que está presente nas diferentes co da Psicologia Cognitiva seria a publi-
abordagens da psicologia, desde seus cação do livro de Ulrich Neisser “Cognitive
primórdios, com a Gestalt, o Behaviorismo Psychology-”, em 1967, no qual a Psicolo-
e na Psicologia Cognitiva (BRITO, 1977). Em gia Cognitiva era apresentada como uma
primeiro lugar é importante ressaltar o ca- alternativa ao behaviorismo. A consolida-
ráter de continuidade que está presente na ção da Psicologia Cognitiva se dá três anos
abordagem cognitiva atual, na qual não mais tarde com a publicação, em 1970, do
existe uma oposição entre as teorias com- periódico Cognitive Psychology. Já a Ciên-
portamentais e as teorias cognitivas. cia Cognitiva estabeleceu-se como área a
De acordo com Gagné, Yekovich, E partir de 1976, com o aparecimento da pu-
Yekovich (1993), a Psicologia Cognitiva co- blicação Cognitive Science. Os principais
meçou como ciência empírica em 1879 e a fatores de influência foram o impulso nas
maioria das pessoas daquela época que se pesquisas sobre o desempenho humano;

82 Márcia Regina F. de BRITO. Processamento da informação e aprendizagem...


o desenvolvimento dos computadores e a série de elementos comuns sobre os quais
possibilidade de simulação dos processos parece não haver nenhuma discordância.
mentais e, também, o desenvolvimento das Ausubel, Novack e Hanesian (1978,
teorias da informação e da lingüística. in BRITO 2001), referem-se à maturação
A consolidação da Psicologia Cogni- como um incremento na capacidade dos
tiva ocorreu a partir da década de 1970, indivíduos, sendo estas ocorrências verifi-
com o acréscimo das publicações sobre o cadas na ausência de uma experiência es-
processamento de informações e a retoma- pecífica de aprendizagem e podem ser atri-
da dos trabalhos dos autores soviéticos. A buídas às experiências acidentais e/ou às
partir destes acontecimentos, a Psicologia influências genéticas que afetam o substra-
Cognitiva estabeleceu-se definitivamente to neuroanatômico e neurofisiológico do
(CALFEE, 1981; ANDERSON, 1995). Além comportamento, da percepção, da memó-
destes fatos, o avanço também se deveu ria e assim sucessivamente.
ao esforço de pesquisadores como Herbert Sternberg e Grigorenko (2002, p.163
A. Simon, que dirigiu seus esforços para a in BRITO, 2005) apontaram que termos
consolidação da área e a formação de no- como aprendizagem, desenvolvimento e
vos pesquisadores (KLAHR & KOTOVSKY, aquisição de competências que são essen-
1989; ANDERSON, 1995). ciais para a compreensão de mudanças
É importante observar que embora apresentam algumas divergências entre di-
sejam notados todos estes avanços a ferentes autores, porém possuem três indis-
integração do conhecimento na psicologia cutíveis pontos em comum (PASCUAL-
cognitiva e, de forma mais geral, nas ciên- LEONE, 1995; VAN GEERT, 1995; VIGOTSKII,
cias cognitivas, ainda não está resolvida. 1962/1934). São eles: a) o aparecimento
Porém, a declaração de postulados comuns de algo novo (destreza, função ou nível); b)
produziu um contexto muito mais favorá- adotam procedimentos contínuos e descon-
vel ao progresso de um conhecimento mais tínuos; c) supõem uma direcionalidade.
integrado que aquele existente na primeira De acordo com Brito (2001) a apren-
parte do século (BRITO e NEUMANN, 2001). dizagem é um processo que envolve as
esferas cognitiva, afetiva e motora e pode
Alguns conceitos essenciais ser inferida a partir de mudanças relativa-
mente permanentes no comportamento,
Desde seus primórdios, a Psicologia, resultantes da prática, sendo que estas
independente da abordagem, discorre so- mudanças não podem ser confundidas
bre temas como maturação, desenvolvimen- com as mudanças causadas pela matura-
to, aprendizagem, ensino e solução de pro- ção biológica ou pela atuação de fatores
blemas e existem numerosos estudos que externos como drogas e fadiga.
tratam desta diferenciação. Embora não Em texto anterior (BRITO, 2001)
haja acordo total sobre as definições e pro- apontei, com base na literatura e nos
cessos envolvidos pode-se verificar uma estudos desenvolvidos pelo PSIEM (grupo

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 21, p.81-90, jan./jun. 2006. 83


de pesquisas em Psicologia da Educação os elementos novos, seja relativo ao conhe-
Matemática), que a maneira como a apren- cimento declarativo ou ao conhecimento de
dizagem acontece (o “momento” em que o procedimentos.
indivíduo aprende alguma coisa, se é que
podemos falar isso) é diferente da maneira
como ele vai incorporar esta nova aprendi- FORMAÇÃO
DE CONCEITOS TRANSFERÊNCIA
zagem, possibilitando uma maior ou me-
nor retenção do material aprendido e uma Pensamento
maior ou menor transferência dessa apren-
dizagem para novas situações e posterior SOLUÇÃO DE RETENÇÃO
uso. Assim ‘tipo de aprendizagem’ refere-se PROBLEMAS

aos mecanismos disponibilizados e exigi-


dos por diferentes situações (nos moldes Figura 1. O pensamento e a solução de problemas
propostos por Robert Gagné em seus dife-
rentes escritos) e “formas de aprendizagem” Etapas da solução de problema
(mecânica e significativa) refere-se à ma-
neira como os novos elementos aprendi- Em um texto anterior (BRITO, 2001)
dos são retidos na estrutura cognitiva. foi apontado que a solução de problemas
Isso significa que, dependendo do refere-se a uma atividade mental superior
que vai ser aprendido, diferentes mecanis- ou de alto nível e envolve o uso de conceitos
mos de aprendizagem serão acionados e, e princípios necessários para atingir a solu-
dependendo da situação na qual a apren- ção. Pela estreita relação entre a solução
dizagem ocorre, será processado diferente- de problemas do ponto de vista da Psicolo-
mente, além de incorporado e retido na gia e as exigências das disciplinas escolares
estrutura cognitiva de formas distintas. Aqui, o entendimento sobre a solução de proble-
“situação de aprendizagem” deve ser en- mas teve um grande avanço; para isso con-
tendida como todos os componentes exte- tribuíram os estudos sobre inteligência e o
rnos e internos ao aprendiz, particularmen- desenvolvimento de testes psicológicos e
te as experiências passadas. toda a pesquisa desenvolvida ao longo do
século passado.
Aprendizagem e solução de A solução de um problema configu-
problemas ra-se quando um indivíduo, frente a uma
determinada situação, busca mecanismos
A solução de problemas é altamen- significativos para atingir um resultado sa-
te dependente dos conceitos e princípios tisfatório, problematizando um ou mais as-
anteriormente aprendidos e que são dispo- pectos, convertendo os elementos significa-
nibilizados na memória e combinados de tivos disponíveis em dados do problema a
forma a levar ao resultado final, permitindo ser solucionado, dirigindo o pensamento e
que a estrutura cognitiva amplie-se e inclua o esforço mental na busca de mecanismos

84 Márcia Regina F. de BRITO. Processamento da informação e aprendizagem...


que permitam re-estabelecer o equilíbrio na do soluções previamente encontradas, as
estrutura cognitiva. É por meio da busca quais são re-organizadas (transformadas)
de possibilidades para se atingir um esta- na forma de proposições ou hipóteses;
do final desejado que se torna possível per- 4. Testagem sucessiva das hipóteses e, se
ceber os mecanismos de solução. necessário, reformulação do problema;
Para Ausubel (1968) a solução de 5. Incorporação da solução bem sucedida
problemas refere-se a “qualquer atividade na estrutura cognitiva (entendimento sig-
na qual a representação cognitiva da ex- nificativo) e aplicar esta solução bem
periência prévia e os componentes de uma sucedida a outras similares.
situação problemas são re-organizados de Estas etapas propostas por Ausubel
forma a atingir um objetivo desejado” são bastante semelhantes às etapas pro-
(AUSUBEL, 1968, p.572). Esse autor enfati- postas por outros autores (detalhamento
zou o papel fundamental da estrutura cog- dos tipos de abordagem e dos estágios de
nitiva na solução de problemas apontan- solução de problemas pode ser encontra-
do que a solução de qualquer tipo de pro- do em BRITO, 1977 e 2001)
blema envolve a re-organização, na estru- De acordo com Polya (1981) quando
tura cognitiva, dos resíduos de experiências um indivíduo soluciona um problema, o
anteriores, buscando atender as exigências pensamento passa pelas seguintes etapas:
da nova situação. Pode-se afirmar aqui que 1. Compreensão do enunciado do proble-
quanto mais significativos forem os resí- ma: a partir da leitura do mesmo; a partir
duos, maior será a facilidade no processa- desta leitura o sujeito identifica as palavras,
mento da solução (BRITO, 1977). a linguagem e os símbolos assumindo
Ao tratar dos estágios e estratégias uma disposição para a busca da solução.
da solução de problemas, Ausubel (1968, 2. Concepção de um plano: neste momen-
p.573) baseou-se nos estágios propostos to são disponibilizados os procedimentos
por Dewey em 1910 e estabeleceu os se- úteis para a obtenção da solução.
guintes estágios temporais sucessivos: 3. Execução do plano: quando são selecio-
1. Um estado de dúvida ou perplexidade nados e aplicados os procedimentos
cognitiva, frustração ou consciência de mais úteis.
uma dificuldade; 4. Verificação da solução: o sujeito confere
2. Uma tentativa de identificar o problema, e interpreta a solução nos termos da si-
buscando atingir os objetivos propostos, tuação dada no problema.
as lacunas que devem ser preenchidas, De maneira similar, Krutetskii (1976)
considerando os elementos definidos tratou das etapas pelas quais passa o pen-
pela situação que caracteriza o problema; samento durante a solução de problemas
3. Relacionar o conjunto de proposições do e apontou três fases no pensamento:
problema com a estrutura cognitiva ati- 1. Obtenção da informação matemática.
vando o conjunto de idéias relevantes, 2. Processamento da informação matemática.
presentes na estrutura cognitiva, buscan- 3. Retenção da informação matemática.

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 21, p.81-90, jan./jun. 2006. 85


Assim, pode ser verificado que de ração, enquanto as teorias do processa-
maneira mais extensa ou mais resumida, mento da informação buscam explicar mais
os diferentes autores apontam etapas si- detalhadamente como estes processos en-
milares pelas quais passa o pensamento cobertos ocorrem. Para Ausubel, os proce-
durante a solução de problemas e os teóri- dimentos, conceitos e princípios envolvidos
cos do processamento de informações bus- serão incorporados ou não de maneira sig-
caram descrever mais detalhadamente es- nificativa dependendo das variáveis da si-
tes procedimentos mentais. tuação. Além deste aspecto, destacou a
É consenso que a atividade de solu- importância da compreensão do insight
ção de problemas, tal como tratada nas como processo e como produto, destacan-
diferentes disciplinas escolares, vale-se dos do a relevância do primeiro.
conceitos, princípios (conhecimento decla- Antes de passarmos a esta descrição
rativo) e estratégias (conhecimento de pro- mais detalhada dos níveis de processamen-
cedimentos) disponíveis na estrutura cog- to de informação é importante ressaltar que
nitiva; isto é, frente a uma situação nova e Ausubel (1978, p.64 e seguintes) tratou do
desafiadora, o indivíduo busca os elemen- conceito de “chunking” atribuindo a ele um
tos relevantes e significativos (para aquela papel de fundamental importância na re-
situação) e disponibiliza estes elementos. estruturação cognitiva, possibilitando arran-
Esquematicamente, o processo se jos organizados em seqüências significati-
daria da seguinte forma: vas. O conceito de “chunk” foi proposto ini-
cialmente por Miller em 1956 e refere-se a
INFORMAÇÃO EXTERNA
(outros tipos de pequenas parcelas de conhecimento. O ter-
codificação não
verbal) mo “chunking”, derivado da teoria da infor-
CODIFICAÇÃO VERBAL
(diferentes tipos
mação, refere-se ao processo de re-organiza-
COMPREENSÃO DA
de representação ção sucessiva dos inputs de estímulos em
interna)
NATUREZA DO PROBLEMA seqüências menores, composta de vários
PROCESSO DE SOLUÇÃO DO
chunks, ligados significativamente e eficien-
PROBLEMA temente organizados, mostrando que pode-
mos falar de uma seqüência de chunks.
SOLUÇÃO
Após discutir o papel deste conceito na re-
tenção significativa ou mecânica, com base
Figura 2. Modelo de relações entre o raciocínio
verbal e o raciocínio matemático durante a solução nos experimentos de Miller, Ausubel apon-
de problemas (adaptado de BRITO, FINI e NEUMANN, tou que não se pode afirmar que é o fator
1994). de familiaridade das conexões que facilita
a aprendizagem, mas sim o significado do
A teoria da aprendizagem significa- material. Destacou também (AUSUBEL,
tiva (TAS) proposta por Ausubel refere-se aos 1978, p.66) os trabalhos de Simon que ela-
diferentes estágios da solução de proble- borou uma revisão do conceito proposto
mas e centra-se mais na forma de incorpo- por Miller, acentuando a importância do sig-

86 Márcia Regina F. de BRITO. Processamento da informação e aprendizagem...


nificado como uma variável de extrema im- Nível I ou componentes de baixo
portância que influencia a qualidade e a nível
quantidade da aprendizagem. Ausubel
mostrou como Simon, um dos principais Neste nível estão incluídos os compo-
teóricos do processamento, em seus estudos nentes de baixo nível agrupados em estra-
sobre a memória tendo como sujeitos os tégias e que são conjuntos de componen-
jogadores de xadrez, redefiniu o conceito tes sempre executados pela combinação de
de “chunk”, mostrando que a quantidade certas classes de tarefas de pensamento. Os
de material retido é uma função do procedi- componentes de baixo nível referem-se a um
mento experimental, da experiência prévia processo de informação primária que opera
dos sujeitos e do significado do material. sobre as representações internas de objetos
e símbolos. Os componentes de baixo nível
Níveis de processamento de podem ser combinados em estratégias que
informação geram quatro tipos diferentes de componen-
tes de nível I que diferem entre si de acordo
Um ponto central da teoria do com a função que desempenham. São eles:
processamento humano da informação, de a) Componentes de desempenho; b) Com-
acordo com Ericsson e Hastie (1994, p.46, ponentes de aquisição; c) Componentes de
in BRITO, 2001) “os processos cognitivos e retenção; d) Componentes de transferência.
o pensamento podem ser descritos como Os componentes de desempenho são
uma seqüência de estágios, cada um deles aqueles processos que ocorrem durante a
definido por uma quantidade limitada de solução de problemas, por exemplo, codi-
informação ativa na atenção (memória de ficação e resposta. A codificação (encoding)
curto prazo). Cada estágio fornece as con- é o processo de colocar uma mensagem em
dições para o surgimento e processamento forma de símbolos ou códigos. Um exem-
da informação no estágio seguinte”. plo seria a escolha de uma determinada
Ao elaborar uma informação, a estru- estratégia para resolver uma equação.
tura cognitiva opera a partir de dois níveis Os componentes de desempenho
de processamento de informação que po- possibilitam a discriminação entre as idéias
dem ser ativados a partir das exigências de principais e os detalhes, que serão agrupa-
uma dada tarefa. São eles: Nível I ou com- dos com os componentes de aquisição e de
ponentes de baixo nível e o nível II ou com- retenção, sendo que estes governarão o
ponentes de alto nível. O nível I ou compo- armazenamento e a lembrança (ou extração)
nentes de baixo nível: Refere-se ao aspecto das idéias principais (mais significativas) re-
funcional (relativo à função). Os componen- tidas na memória de longo prazo.
tes de baixo nível podem ser combinados Os componentes de aquisição são os
em estratégias. O nível II ou componentes componentes que asseguram a retenção
de alto nível que se refere ao pensamento da informação na memória de longo prazo.
de ordem superior, aos metacomponentes. Exemplo: disponibilizar o conceito de qüin-

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 21, p.81-90, jan./jun. 2006. 87


qüênio, isto é, saber que significa um perío- ríodo curto, na memória de curto prazo e,
do de cinco anos. Funcionaria como uma depois, incorporados na memória de longo
“ancoragem” da nova idéia a uma já pré- prazo por um processo de subsunção.
existente na estrutura cognitiva. De acordo com Ausubel a subsunção
Os componentes de retenção refe- refere-se ao processo mediante o qual a
rem-se aos componentes usados para nova informação se liga ou se ancoram aos
acessar o conhecimento retido na memó- elementos relevantes já existentes na estru-
ria declarativa (que contém o conhecimen- tura cognitiva. Em seguida se processa a
to declarativo) e/ou na memória de proce- retenção. Como se processa a retenção?
dimento (onde estão armazenadas as in- Os procedimentos empregados para
formações sobre como proceder para che- atingir a solução e a resposta encontrada
gar à solução). É por meio desses compo- são retidos por um breve período de tem-
nentes que um esquema é ativado. O es- po na memória de curto prazo e posterior-
quema refere-se a um conjunto ativo e or- mente são incorporados, por um processo
ganizado de experiências passadas que, de subsunção, na memória de longo prazo.
quando ativado, opera de maneira unitá-
ria, conjunta e integrada (BARTLETT, 1995, Nível II ou componentes de alto nível
original de 1922, p.206). Para Ausubel
(1968) a teoria da assimilação possui ele- O nível II refere-se ao processo de
mentos comuns com as idéias de Bartlett execução dos procedimentos. É constituí-
sobre a lembrança e o funcionamento cog- do por componentes de alto nível, que são
nitivo, possuindo outros dois aspectos que os processos de ordem superior, que rece-
a diferenciam da teoria da assimilação. bem também o nome de metacompo-
Os componentes de transferência são nentes. Os metacomponentes são os pro-
os mecanismos que permitem a aplicação cessos executivos que, durante o pensa-
do conhecimento a várias tarefas relaciona- mento, na solução de um problema, con-
das. A transferência é extremamente impor- duzem ou monitoram as funções de pla-
tante na solução de problemas, pois se trata nejamento e tomada de decisão.
de uma atividade de síntese do pensamento. São funções dos metacomponentes:
A transferência ocorre quando frente a uma a) Reconhecer o problema ou o objetivo
situação que se configura como um obstá- da tarefa ou do pensamento; b) Selecionar
culo, é iniciada a atividade de síntese do as estratégias ou os componentes de bai-
pensamento, por meio da qual os proble- xo nível que serão utilizados (empregados);
mas ou elementos de um problema são com- c) Decidir como seqüenciar os componentes
parados e incorporados como uma única (e/ou estratégias); d) Selecionar a forma de
atividade, traduzindo a solução para um representação ou organização que a infor-
esquema geral. Os procedimentos emprega- mação terá na memória; e) Decidir a quanti-
dos, os conceitos e princípios utilizados e a dade de esforço que será disponibilizada
solução encontrada são retidos, por um pe- para os componentes do processo, de ma-

88 Márcia Regina F. de BRITO. Processamento da informação e aprendizagem...


neira a balancear (ou contrabalançar) a re- Todas estas etapas são bastante simi-
lação entre velocidade e precisão na execu- lares aos processos descritos por Ausubel e
ção desses processos (em termos de per- que são muito extensos para serem aqui
da); f) Monitorar o progresso do pensamen- tratados. A teoria de Ausubel é de funda-
to. Esse sexto metacomponente é responsá- mental importância por tratar do significa-
vel em se manter a par (tomar conta, não do e enfatizar a importância deste no pla-
perder de vista) da seqüência do que foi nejamento das aulas. Através dos escritos
feito, o que está sendo feito e o que falta deste autor é possível verificar que sua con-
fazer para alcançar a realização completa tribuição para a Psicologia cognitiva foi fun-
da tarefa. O monitoramento pode levar damental. Muitos aspectos das teorias do
(conduzir) a uma mudança nos objetivos processamento são detalhamentos do tra-
ou nas estratégias. Esse sexto meta- balho deste autor.
componente é aquele que regula todos os
outros metacomponentes, bem como os Conclusão
componentes de baixo nível.
Os metacomponentes são de funda- Independente da abordagem, a na-
mental importância, sendo que os compo- tureza sócio-histórica das atividades cogni-
nentes de aquisição, recuperação e trans- tivas necessita de uma discussão mais
ferência podem ser tratados como proces- aprofundada. As atividades e as ferramen-
sos que podem ter uma forte influência no tas intelectuais encontram-se cristalizadas
alcance (extensão) e profundidade da base no conjunto de objetos e fenômenos que
do conhecimento. Os metacomponentes compõem a cultura e o meio social onde
podem ser treinados e, com isto, produzir as pessoas vivem. Nas interações com este
um incremento nas habilidades de pensa- meio e com o auxílio de agentes socializa-
mento, aumentando a competência na so- dores, as pessoas desenvolvem as ativida-
lução de problemas. des cognitivas.

Referências

AUSUBEL, D. P.; NOVAK, J. D.; HANESIAN, H. Educational Psychology: A cognitive view. Second
edition, New York: Holt, Rinehart and Winston, 1978.
BARTLETT, F. C. Remembering.: A Study in Experimental and Social Psychology. Cambridge:
University Press, 1995. First printed in 1932.
BRITO, M. R. F. Um estudo comparativo entre a aprendizagem significativa e por tentativa e
erro. 1977. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Cam-
pinas.

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 21, p.81-90, jan./jun. 2006. 89


BRITO, M. R. F.; NEUMANN GARCIA, V. J. A Psicologia Cognitiva e suas aplicações à Educação. In:
BRITO, Márcia Regina F. (Org.). Psicologia da Educação Matemática. Teoria e Pesquisa.
Florianópolis-SC: Insular, 2001. p.29-48.
BRITO, M. R. F. (Org.). Psicologia da Educação Matemática. Teoria e Pesquisa. Florianópolis-SC:
Insular, 2001. p.49-67.
BRITO, M. R. F. Solução de problemas na matemática escolar, 2005. No prelo.
ERICSSON, K. A.; HASTIE, R. Contemporary approaches to the study of thinking and problem
solving. In: Thinking and problem solving. edited by Robert J. Sternberg. Handbook of Perception
and Instruction. Second Edition. San Diego: Academic Press, 1994. p.37-79.
KRUTETSKII, V. A. The psychology of mathematical abilities in schoolchildren. Translated by
Joan Teller, Chicago: The Chicago University Press, 1976.
MILLER, G. A.; GALANTER, E.; PRIBRAM, K. H. Plans and the structure of behavior; 1960. In:
Thinking and reasoning. Edited by P. C. Wason and P. N. Johnson-Laird. Penguin Modern
Psychology Readings. Great Britain: Penguin Books, 1970.
STERNBERG, R. J. e GRIGORENKO, E. L. Dynamic Testing. The nature and measurement of
learning potential. New York: Cambridge University Press, 2002.

Recebido em 8 de fevereiro de 2006.


Aprovado para publicação em 10 de abril de 2006.

90 Márcia Regina F. de BRITO. Processamento da informação e aprendizagem...

Você também pode gostar