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1 TESLA UFMG

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Nome: Marcus Vinícius Pêgo Bonifácio


Área: Dinâmica
Data: 12/02/2018

RELATÓRIO CONCEITUAL – DINÂMICA VEICULAR

“O desempenho de um carro de corrida é um vetor de três dimensões: capacidade


dos pneus, exploração da capacidade dos pneus e exploração da capacidade dos pneus
pelo piloto.” (SANTOS, 2017)

A parte mais importante de um carro, sem dúvida, são os pneus. São eles a única
parte que toca o solo, logo, são eles os responsáveis por imprimir no veículo as forças que
o fazem acelerar, frear e virar. Basicamente todos os principais sistemas de um veículo
trabalham em função dos pneus.

Imagem: ganhador.com
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SUMÁRIO

1. OBJETIVOS DE UM CARRO DE CORRIDA ––––––––––––––––––––––––––––––––––– 3

2. CURVAS ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 3

3. ESTABILIDADE E CONTROLE ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 5

4. COMPONENTES DE GERAÇÃO DE FORÇA EM PNEUS ––––––––––––––––––––– 7

5. TRANSFERÊNCIA DE CARGA –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 9

6. SENSIBILIDADE DOS PNEUS À CARGA VERTICAL ––––––––––––––––––––––––– 12

7. SLIP ANGLE –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 15

8. SLIP RATIO ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 24

9. FRICTION CIRCLE –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 26

10. TEMPERATURA DOS PNEUS –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 27

11. PRESSÃO INTERNA DOS PNEUS ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 28

12. CAMBAGEM ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 31

13. CAMBER THRUST –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 34

14. PNEUMATIC TRAIL E TORQUE AUTO-ALINHANTE –––––––––––––––––––––––– 38

15. CÁSTER E MECHANICAL TRAIL ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 41

16. KPI E SCRUB RADIUS ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 43

17. CONVERGÊNCIA ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 46

18. BUMP STEER –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 47

19. GEOMETRIA DE ACKERMANN –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 48

20. MOLAS E AMORTECEDORES –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 51

21. DISTRIBUIÇÃO DE RIGIDEZ À ROLAGEM –––––––––––––––––––––––––––––––– 52

22. DISTRIBUIÇÃO ESTÁTICA DE PESO ––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 54

23. DISTRIBUIÇÃO DE FRENAGEM ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 55

24. CONSIDERAÇÕES FINAIS ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 56


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1. OBJETIVOS DE UM CARRO DE CORRIDA

“A meta técnica no automobilismo é obter uma configuração do carro dentro de


um conjunto particular de regras que, quando operada manualmente pelo piloto, consiga
percorrer um circuito em específico mais rápido do que qualquer outra combinação de
piloto e carro presente no dia do evento. Em outras palavras, o objetivo é obter a maior
velocidade média possível no circuito.” (SANTOS, 2017)

A velocidade média em um circuito pode ser aumentada de três formas:


aumentando as maiores velocidades no circuito, aumentando as menores velocidades no
circuito e diminuindo o tempo gasto nas menores velocidades.

Para aumentar as maiores velocidades, deve-se reduzir o arrasto aerodinâmico,


aumentar a potência e reduzir as perdas por atrito e outras ineficiências.

Para aumentar as menores velocidades, deve-se aumentar a aderência dos pneus


para que as curvas sejam feitas a maiores velocidades, já que é nas curvas onde se
encontram as velocidades mais baixas do circuito.

Para gastar menos tempo nas menores velocidades, deve-se aumentar a


capacidade de aceleração longitudinal, aumentando-se o torque disponível nas rodas e a
aderências dos pneus, para que as retomadas de velocidade nas saídas de curva se deem
em menos tempo. Deve-se também aumentar a capacidade de frenagem, aumentando-se
o torque de frenagem e a aderência dos pneus, para que as desacelerações possam ser
feitas mais tardiamente e, assim, o veículo ganhe mais tempo em altas velocidades. E,
novamente, deve-se aumentar a aderência dos pneus para que as curvas sejam feitas a
maiores velocidades, diminuindo o tempo que o veículo despende para percorrê-las, por
consequência diminuindo o tempo gasto nas menores velocidades.

2. CURVAS

Devido à inércia, para que qualquer corpo descreva uma trajetória curvilínea, ele
deve ser submetido a algum tipo de força centrípeta. Nos carros, quem cumpre essa
função são os pneus, que resistem à tendência inercial do veículo de sair pela tangente da
curva, através da geração de força lateral (imagem 2).
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Imagem 2: Seta azul – tendência inercial. Setas laranja – forças laterais.

A chave para fazer um veículo percorrer curvas a maiores velocidades, portanto,


é aumentar a capacidade de geração de força lateral. Aumentar a carga vertical (força
normal) sobre os pneus e seu coeficiente de atrito são as principais maneiras de fazer isso.

Quando falamos em downforce, por exemplo, estamos nos referindo justamente a


mecanismos aerodinâmicos que buscam maximizar a performance dos pneu, através do
aumento da carga vertical que atua sobre eles, para que tenham condições de gerar mais
força de atrito. Esse artifício é o que torna possível carros de Fórmula 1 alcançarem picos
próximos de 8G de aceleração lateral.

Um equívoco comum é pensar que aumentar a massa do veículo aumenta sua


aderência, em razão da maior carga vertical atuando nos pneus. Porém, não podemos nos
esquecer que, se por um lado as cargas verticais são aumentadas, o incremento de massa
também resulta no aumento da inércia do veículo. Logo, já se conclui que, no mínimo,
não há ganho nenhum e sim uma compensação de fatores. Mais à frente ainda veremos
que não só não há ganho algum, como também há perda de aderência, em razão da
natureza viscoelástica dos pneus.

Já o coeficiente de atrito dos pneus depende de vários fatores: carga vertical


aplicada, largura da banda de rodagem, composto do pneu, construção do pneu, pressão
interna, temperatura, inclinação da banda em relação ao solo, entre outros.
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3. ESTABILIDADE E CONTROLE

Todo pneu possui um limite de aderência lateral, ou seja, produz uma força lateral
máxima. Se for exigido mais do que esse limite, a força produzida cai e o pneu passa a
deslizar completamente. É a transição do atrito estático para o atrito cinético.

Se, por algum motivo, essa situação ocorrer apenas com os pneus traseiros, o
veículo se comportará lançando a traseira para fora da curva (imagem abaixo), já que a
inércia deixará de ser resistida pelas forças laterais dos pneus traseiros.

Imagem 3: Sobre-esterçamento (autoracing.com.br)

Essa situação é chamada de sobre-esterçamento (oversteer), pois o carro vira


mais do que o solicitado pelo esterçamento do volante. E a esse movimento de rotação do
veículo em torno do seu próprio eixo vertical damos o nome de guinada (yaw).

Imagem 4: Graus de liberdade de um carro. (formula1-dictionary.net)


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Já se apenas os pneus dianteiros ultrapassarem o limite da aderência, a frente do


veículo será carregada pela inércia para fora da curva – o carro tenderá a sair pela tangente
– situação chamada de sub-esterçamento (understeer), já que o veículo vira menos do
que o solicitado pelo esterçamento do volante.

Imagem 5: Sub-esterçamento (blog.tdotperformance.ca)

Por definição, um veículo que possui boa estabilidade direcional tem boa
capacidade de retornar para sua condição de equilíbrio quando é desestabilizado, ou seja,
quando há incidência de sobre-esterçamento. Nesse aspecto, as dimensões principais do
veículo são determinantes: quanto maiores a distância entre-eixos e a bitola (imagem
6), maior a estabilidade, devido ao maior momento polar de inércia. Além disso, a posição
do centro de massa do veículo também influencia diretamente: quanto mais deslocado
para trás o centro de massa estiver, maior será a tendência sobre-esterçante. Diversos
outros fatores também influenciam na estabilidade direcional e serão, em parte, cobertos
neste relatório.

Além de boa estabilidade direcional, o veículo também deve apresentar um bom


controle direcional, ou seja, as respostas aos comandos do volante devem ser rápidas,
precisas e com pouca incidência de sub-esterçamento – elevado momento polar de inércia,
nesse caso, passa a ser desvantajoso, uma vez que isso aumenta a resistência do veículo
a mudar de trajetória, ao passo que um centro de massa mais traseiro já passa a favorecer
o apontamento do carro para dentro da curva.

Também, o veículo deve ser capaz de repassar, através do volante, feedbacks para
as mãos do piloto sobre o que está ocorrendo a cada instante com o seu equilíbrio
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dinâmico (por equilíbrio dinâmico entende-se se o veículo está sobre-esterçante, sub-


esterçante ou neutro). Isso permite ao piloto “sentir” o veículo e, assim, ter condições de
extrair o seu máximo desempenho.

Imagem 6: Dimensões principais (racecar-engineering.com, adaptado)

4. COMPONENTES DE GERAÇÃO DE FORÇA EM PNEUS

O pneu produz força de atrito em sua área de contato com o solo, chamada de
contact patch, através de dois mecanismos. O primeiro deles é a adesão – força das
ligações intermoleculares entre as duas superfícies em contato – que resiste ao movimento
relativo entre a borracha e a pista.

Não é incomum que a força dessas ligações seja mais forte que a própria interação
dos grãos de borracha entre si. Desse modo, com a adesão superando a própria resistência
do material, o resultado é que grãos de borracha são arrancados do pneu, depositando-se
na pista. Assim são gerados os marbles (grãos de borracha que se depositam na pista) e
os trilhos de borracha (ambos representados na imagem 7). Ao contrário do que se
costuma imaginar, não é necessário que o pneu esteja deslizando para que este último
aconteça. Na verdade, ocorre justamente o contrário: a borracha gruda tão forte na pista,
em função da adesão intermolecular, que ela é arrancada do pneu.
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Imagem 7: motor.es

O outro mecanismo de geração de força no contact patch é a histerese da borracha.


Quando um elemento de borracha é deformado elasticamente, ele exerce mais força
enquanto resiste ao esforço que o deforma, do que enquanto ele descarrega a energia de
deformação depois de cessado o carregamento (isso justifica aquela famosa demora para
os compostos viscoelásticos reconstituírem sua forma depois de serem deformados). Pois
bem, é justamente essa diferença de força existente entre a carga e a descarga da borracha
que é responsável por também gerar força no contact patch.

Imagem 8: BLUNDELL, 2016


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Na imagem acima está representado um bloco de borracha deslizando sobre uma


superfície irregular. De um lado das irregularidades, o pneu é carregado (produzindo
forças com módulos maiores) e, do outro, o pneu é descarregado (produzindo forças com
módulos menores) – para facilitar sua compreensão, lembre-se que o bloco está
deslizando, logo, cada região que, em um determinado instante, está carregada,
escorregará logo em seguida para o outro lado da irregularidade, sendo, portanto,
descarregada. O efeito disso é que haverá uma força líquida oposta ao escorregamento do
bloco. E o mesmo acontece no contact patch do pneu.

A importância desse efeito se nota claramente nos pneus de chuva, os quais não
podem depender da adesão para gerar força no contact patch e, em vista disso, são
fabricados com muito mais histerese que os pneus para pista seca.

Imagem 9: nytimes.com

5. TRANSFERÊNCIA DE CARGA

Quando o veículo sofre uma aceleração, seja longitudinal (aceleração/frenagem)


ou lateral (curva), sua massa oferece uma resistência natural a acompanhá-la, em razão
da inércia. O resultado disso é que, no caso de uma arrancada, por exemplo, as rodas
traseiras ganham carga (“peso”), enquanto as dianteiras perdem. Analogamente, no caso
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de uma frenagem, o inverso ocorre. A esse efeito dá-se o nome de transferência de


carga.

A transferência de carga corresponde à alteração virtual da distribuição de peso


do veículo em função da inércia durante acelerações horizontais.

Imagem 10: Representação visual da transferência de carga. Em verde, força de aceleração.


Em vermelho, de frenagem. Em azul, cargas verticais.

Já durante a realização de uma curva, onde há aceleração lateral (centrípeta), as


rodas externas à curva é que ganham carga, ao passo que as internas perdem:

Imagem 11: Cargas verticais em azul e forças laterais em laranja.


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Nota-se, nesse processo, que ocorre inclinação da carroceria. A inclinação


longitudinal (imagem 10) recebe o nome de arfagem, enquanto a inclinação lateral
(imagem 11), rolagem (pitch e roll, respectivamente, como já antecipado na imagem 4).

Numa análise holística da interação do veículo com o solo, durante a realização


de uma curva, o que ocorre é a produção de força centrípeta pelos pneus, a qual mantém
o veículo na trajetória curvilínea, gerando aceleração centrípeta, ao passo que o efeito da
inércia decorrente dessa aceleração cria a sensação de força que empurra tudo para fora.

Porém, uma outra maneira de analisar a atuação dessas forças no veículo é


considerando o chassi como referencial. Desse modo, em uma curva para a direita,
assume-se uma força inercial para a esquerda atuando no centro de gravidade do veículo,
a qual tende a jogá-lo para fora da curva. Essa é justamente a força que os passageiros
sentem atuando em seus corpos durante a curva.

A partir dessa análise, é possível construir o seguinte diagrama de corpo livre:

Imagem 12: Diagrama de corpo livre de um veículo em vista traseira fazendo curva para a
direita.

Fazendo-se o balanço de momentos em torno do ponto Q, obtém-se que a roda


externa à curva ganha carga (𝑅𝑒 cresce) e a interna perde carga (𝑅𝑑 decresce), em função
do momento anti-horário provocado pela força inercial. Esse é o fenômeno da
transferência de carga e, como se vê no diagrama, ela é função do tamanho da bitola (b),
da altura do centro de gravidade (h), da massa do veículo (m), além da própria aceleração
lateral (𝑎𝑐𝑒𝑙.𝑙𝑎𝑡 ) a que o veículo está submetido, e é descrita pela seguinte equação:
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∆ 𝑐𝑎𝑟𝑔𝑎 𝑙𝑎𝑡𝑒𝑟𝑎𝑙 = 𝑚 × 𝑎𝑐𝑒𝑙.𝑙𝑎𝑡 ×
𝑏

Essa fórmula indica o tanto de carga que está “migrando”, no total, de um lado do
veículo para o outro. Para a transferência longitudinal de carga o procedimento é idêntico,
sendo apenas necessário trocar o valor da bitola pela distância entre-eixos e considerar a
aceleração respectiva.

Em geral, os efeitos da transferência de carga total são prejudiciais ao


comportamento dinâmico do carro, portanto, saber como amenizá-la é o primeiro passo
para um bom projeto de dinâmica veicular.

6. SENSIBILIDADE DOS PNEUS À CARGA VERTICAL

A preocupação em amenizar a transferência de carga total se deve ao fato de que


os pneus apresentam uma característica muito peculiar, chamada de tire load sensitivity
(sensibilidade dos pneus à carga vertical).

Os pneus, por serem compostos viscoelásticos, apresentam um comportamento


atípico quanto à produção de força de atrito em função da força normal aplicada, tem-se
que o gráfico dessa função é uma curva não-linear:

Imagem 13: racingcardynamics.com


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No eixo y, a força lateral, como visto, representa a força de atrito que o pneu
produz para manter o carro na curva. Ela atua na área de contado do pneu com o solo,
chamada de contact patch, e age como força centrípeta, ou seja, aponta para o centro da
trajetória da curva, sendo perpendicular à direção para a qual o pneu aponta (na verdade,
ao pé da letra, não é 100% da força lateral que equivale à força centrípeta, pois existe uma
componente de força de arrasto, mas podemos desconsiderar isso por enquanto).

Imagem 14: insideracingtechnology.com

Já a carga vertical (eixo x) é equivalente à força normal que atua no pneu, e varia,
como já mencionado, em função da transferência de carga. Em consequência disso, a
força lateral produzida pelo pneu externo à curva tem sempre maior módulo que a
produzida pelo pneu interno (imagem 15). Costuma-se dizer, então, que os pneus externos
são sempre os pneus mais importantes.

Imagem 15: Vista traseira de um veículo tipo fórmula fazendo curva para a direita
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Tendo sido esses conceitos esclarecidos, pelo gráfico anterior percebe-se que o
aumento da carga vertical resulta em incrementos cada vez menores nos valores de força
lateral. Isso indica uma diminuição no coeficiente de atrito em função do aumento da
carga vertical, uma vez que a derivada da curva (coeficiente de atrito) assume valores
cada vez menores ao longo da abscissa, o que, de fato, pode ser observado no gráfico
abaixo:

Imagem 16: technicalf1explained.blogspot.com.br

Esse fenômeno acontece porque a pressão no contact patch aumenta com o


aumento da carga vertical (𝑃 = 𝐹 ⁄𝐴), uma vez que a variação da geometria do pneu pode
ser desprezada (a área do contact patch não cresce significativamente). Esse aumento de
pressão no contact patch, por sua vez, diminui molecularmente a resistência dessa região
ao cisalhamento, reduzindo, assim, o valor do coeficiente de atrito. Essa é a razão pela
qual veículos esportivos e de corrida possuem pneus bem mais largos que veículos
convencionais.

Por isso, a transferência de carga, grosso modo, é maléfica para a dinâmica do


veículo. No caso da transferência lateral, por exemplo, a força lateral produzida em cada
eixo (par de rodas ou traseiras ou dianteiras) diminui, pois, durante a transferência,
enquanto o pneu que está sendo sobrecarregado ganha força lateral numa taxa cada vez
menor, o pneu oposto perde força lateral numa taxa cada vez maior. Desse modo, em
situações de curva, o somatório das forças de atrito que os quatro pneus simultaneamente
são capazes de produzir diminui com o aumento da transferência. E essa mesma questão
também ocorre longitudinalmente, mais especificamente no caso em que um veículo de
tração nas 4 rodas acelera em linha reta e no caso da frenagem. Dispensável dizer que a
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arrancada de um veículo de tração dianteira e a frenagem de um veículo com freios apenas


traseiros (como karts) são as piores situações possíveis em termos longitudinais.

Porém, um caso relevante em que a transferência de carga é benéfica é quando um


veículo de tração apenas traseira acelera em linha reta. Nesse caso, a transferência de
carga para trás prontamente eleva a carga vertical dos pneus traseiros, aumentando sua
capacidade de tração e, como apenas esses pneus têm necessidade de ter seu atrito com o
solo maximizado, não há prejuízos significativos para os pneus dianteiros, uma vez que
eles não são tão exigidos nessa situação específica.

7. SLIP ANGLE

Além da sensibilidade à carga vertical, os pneus apresentam outra peculiaridade


muito relevante proveniente de sua natureza viscoelástica. É possível notar que, durante
a realização de uma curva, em virtude da aderência com o solo, o pneu sofre uma
deformação de torção no contact patch, distorcendo visivelmente todo o seu formato em
sua região mais próxima do solo.

Imagem 17: https://www.youtube.com/watch?v=W8UiE7yvO_M


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Como consequência disso, no regime de atrito estático, o pneu não se desloca na


direção para a qual ele aponta, mas sim na direção para a qual o seu contact patch, que se
encontra torcido, aponta:

Imagem 18: caterpillarauto.blogspot.com.br

Desse modo, a trajetória que a roda descreve durante a curva nunca coincide com
a direção para a qual ela aponta, pois, enquanto houver atrito estático, sempre haverá
deformação de torção na área de contato do pneu com o solo e, quando houver atrito
cinético, a roda literalmente estará escorregando de lado.

O ângulo formado entre a direção que a roda segue num dado instante (reta
tangente à trajetória circular por ela descrita) e a direção para a qual a roda aponta é
chamado de slip angle, ou ângulo de deriva (imagem 19).
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Imagem 19: Definição de slip angle

O termo “slip” pode soar um pouco confuso, pois não necessariamente os pneus
precisam estar deslizando para gerarem slip angle, sendo, por isso, o termo “ângulo de
deriva” a tradução mais adequada.

No regime de atrito estático, essa deflexão lateral elástica da banda de contato do


pneu (medida em slip angle) permite que o pneu se molde ao solo e, assim, tenha seu
coeficiente de atrito aumentado linearmente à medida que a força centrífuga (que quer
jogar o carro para fora da curva) aumenta. Ou seja, quanto maior a deformação lateral da
banda de contato, maior a capacidade de resistir ao deslocamento do carro para fora da
pista. Em outras palavras, maior é a força lateral gerada. Uma maneira de provar que a
deflexão do pneu determina o coeficiente de atrito é aumentando sua pressão interna,
visando reduzir a flexibilidade da banda de contato – será notável a perda de aderência.
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Ao mesmo tempo, a deflexão lateral elástica só surge porque há atuação da força


lateral. Por isso, costuma-se dizer que “força lateral gera slip angle e slip angle gera força
lateral”.

Desse modo, o slip angle, até certo valor, é diretamente proporcional à força
lateral que o pneu produz. No gráfico a seguir é possível visualizar tal proporcionalidade
(região até 2° de slip angle):

Imagem 20: MILLIKEN, 1995, adaptado

No entanto, percebe-se que a derivada (inclinação da curva) começa a diminuir a


partir de 2° de slip angle. Isso se deve ao fato de que a partir desse ângulo o pneu começa
progressivamente a entrar na condição de atrito cinético, caracterizando a zona
transicional do gráfico. Na prática, uma fração da área do contact patch entra em atrito
cinético, e aumentos no slip angle implicam o aumento da fração dessa área, como mostra
a imagem 21. É também nessa região do gráfico onde o pneu desenvolve o seu pico de
força lateral, através de uma combinação de forças de atrito estático e cinético.
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Imagem 21: Representação dos footprints de um pneu genérico na zona transicional


(insideracingtechnology.com)

A partir desse valor de slip angle encontra-se a zona friccional, na qual a força
lateral diminui progressivamente. Isso ocorre porque nessa fase o pneu deixa de
apresentar qualquer interação de agarramento com o solo, restando apenas interação de
deslizamento. Mas perceba que a aderência não desaparece na zona friccional, ela apenas
cai progressivamente com o aumento do slip angle. É por isso que manobras de drift são
possíveis, mesmo tendo os pneus já ultrapassado o pico de aderência.

O desenho desse tipo de gráfico, ainda que sempre siga esse mesmo padrão, varia
em função de alguns fatores: composto, construção e geometria do pneu, pressão interna,
carga vertical aplicada, entre outros.

Em razão desses fatores, pneus de rua, por exemplo, possuem seu pico de força
lateral em um maior valor de slip angle quando comparados a pneus de competição, de
modo que a perda de aderência não seja tão abrupta, e sim mais previsível para motoristas
comuns (é como se os pneus tivessem mais tempo para “avisar” ao motorista que o limite
da aderência está chegando/já chegou).

Em contrapartida, o fato de o pico de força lateral dos pneus slick ser atingido em
um menor valor de slip angle permite que um pequeno esterçamento das rodas produza
um elevado valor de força lateral. Repare na inclinação da curva vermelha na imagem 22
em comparação com a verde – é o que chamamos, na fase elástica, de cornering stiffness
– quanto maior é o coeficiente angular da curva, maior é o ganho de força lateral por
aumento de slip angle, o que deixa as respostas do veículo aos comandos do volante mais
rápidas e precisas, melhorando o controle direcional.

Além disso, menores valores de slip angle também geram menos arrasto no
contact patch (que é uma componente da força lateral, como mencionado no tópico
anterior) e, por consequência, menos calor nos pneus é gerado. Desse modo, mais macios
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podem ser os compostos utilizados sem risco de se deteriorarem rapidamente – sabe-se


que, quanto mais macio é o composto, mais aderente é o pneu, logo, mais força ele é
capaz de gerar. Também, menos arrasto significa menos perda de velocidade.

Ademais, pneus de competição possuem maiores valores de pico de força lateral,


o que se deve principalmente aos seus compostos, que promovem naturalmente mais
aderência. Porém, em função disso, chegam ao fim de sua vida útil em um tempo muito
menor que pneus de rua, que possuem compostos mais duros.

Imagem 22: racingcardynamics.com

O comportamento dos pneus de rua atuais se assemelha ao dos pneus de


competição de antigamente: “Os pneus de antigamente, especialmente os diagonais, mas
mesmo os radiais de época, tinham composto muito duro, uma carcaça que torcia mais
especialmente na banda de rodagem e seu pico de aderência era bem largo, necessitava
de muito ângulo de deriva para performar e o pico de aderência se projetava sobre a
zona de fricção sem decaimento abrupto no caso de se passar do limite (no gráfico
abaixo, seria algo ainda mais suave que o “C”), ao contrário dos pneus de performance
atuais (“B”), que são muito mais “no fio da navalha”. Os slicks de competição atuais
(“A”)? Verdadeiras lâminas de sushiman: passou do ponto, rodou. É quase isso.
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O quê? Calma. Para o piloto, o parágrafo acima queria dizer algumas coisas. O
fato de a carcaça torcer tanto, especialmente na banda de rodagem, se traduzia em várias
consequências: muito feedback às mãos sobre o limite de aderência, mas por outro lado,
eram pneus de respostas lentas – o piloto de tinha de ser mais agressivo nas entradas de
curva para que os pneus dobrassem até chegar no ponto de máxima aderência. O quão
agressivo? Como o pico de aderência era bem largo e o decaimento (perda de aderência)
era baixo no caso de se passar do ponto, você podia ser muito ou pouco agressivo. Os
pneus antigos permitiam mais estilos de pilotagem diferenciados. Por fim, com aderência
limitada e composto duro, não se gerava tanto calor, e portanto os pneus duravam uma
enormidade.” (flatout.com.br, “QUAL A DIFERENÇA ENTRE POWERSLIDE, DRIFT
E DERRAPAGEM CONTROLADA?”)

Neste ponto, você já é capaz de entender porque os veículos (pelo menos os com
distribuição de peso 50:50) adquirem os slip angles mostrados na imagem abaixo quando
estão sub-esterçando, sobre-esterçando ou em condição de equilíbrio: se o veículo está
saindo de traseira, seu slip angle traseiro é maior que o dianteiro, pois a traseira já
ultrapassou o limite da aderência, produzindo menos força lateral que a dianteira. E o
inverso ocorre no sub-esterçamento.
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Imagem 23: autozine.or

Dando prosseguimento à análise de comportamento de pneus, introduziremos


agora a variável ‘carga vertical’ no gráfico (imagem 24). Nele é possível analisar
simultaneamente os principais parâmetros de estudo já discutidos: a influência da
transferência de carga na tire load sensitivity através das alterações na capacidade de
produção de força lateral, representada em função do slip angle, para três diferentes
valores de carga vertical (podemos imaginar que estão sendo simulados os pneus de um
carro recebendo diferentes cargas verticais em razão da transferência de carga).

Imagem 24: racingcardynamics.com


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A atuação da tire load sensitivity pode ser constatada ao se compararem os valores


de força lateral obtidos para diferentes cargas verticais – a carga de 4000 N é capaz de
gerar aproximadamente 4800 N de força lateral, porém, o dobro da carga vertical é capaz
de gerar apenas 8400 N.

Nota-se também que o aumento da carga vertical resulta em maiores valores de


slip angle para se atingir o pico de força lateral. Esse é o princípio básico por trás da
geometria Anti-Ackermann, usada na direção de veículos de Fórmula 1 e de diversos
outros veículos que realizam curvas em altíssimas velocidades (grandes transferências
laterais de carga e baixos ângulos de esterçamento).

Agora, mantendo-se a mesma análise, porém trocando a força lateral pelo


coeficiente de atrito, obtém-se outro gráfico, que reforça como a redução da carga vertical
aumenta significativamente a eficiência do pneu:

Imagem 25: racingcardynamics.com


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8. SLIP RATIO

Enquanto o slip angle está relacionado a forças e deslizamentos laterais, o slip


ratio traz a mesma relação, porém, no sentido longitudinal.

Imagem 26: Rebrn.com

O slip ratio nada mais é que a diferença entre a velocidade de rotação da roda e
sua velocidade de translação (https://www.youtube.com/watch?v=1-zUmZH7WDA
). Desse modo, se um veículo que viaja a 100 km/h alcança um slip ratio de 20% durante
a frenagem, significa que, na verdade, a roda está girando a 80 km/h nesse dado instante.

“A mecânica do atrito entre o pneu e a pista é a mesma nos dois casos [slip angle
e slip ratio] – uma combinação de aderência mecânica e adesão molecular transiente
que cresce até que toda a área de contato comece a deslizar. Assim como ocorre com o
slip angle, qualquer pneu desenvolve seu máximo coeficiente de atrito e,
consequentemente, sua máxima capacidade trativa em um determinado valor de slip
ratio. Depois que esse valor é alcançado, tanto o coeficiente de atrito quanto a
capacidade trativa decrescem." (SMITH, 1978)
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Imagem 27: SMITH, 1978

O foco fundamental dos projetos de veículos de drag race é maximizar a aderência


longitudinal dos pneus e, para isso ser alcançado, é fundamental que se utilizem baixas
pressões internas nos pneus, condição que provoca deformação torcional intensa do
flanco do pneu quando este é submetido a grandes acelerações angulares, visto que surge
uma diferença de velocidade de rotação entre a roda e a extremidade do pneu que toca o
chão (imagem 26). Essa deformação, similarmente à deformação gerada pelo slip angle,
permite que o pneu se molde melhor ao asfalto, resultando num maior valor de pico para
a curva do gráfico acima. No entanto, é importante atentar-se ao fato de que a deformação
torcional do flanco do pneu não tem nenhuma relação com a definição de slip ratio em
si, tal deformação é apenas uma consequência da flacidez dos pneus de arrancada quando
submetidos a baixas pressões internas.

Ainda é oportuno mencionar que slip angle e slip ratio também acontecem
conjuntamente. É o que se sucede quando um veículo freia/acelera e vira ao mesmo
tempo, como em entradas e saídas de curvas.
26 TESLA UFMG

9. FRICTION CIRCLE

Quando o slip angle e o slip ratio acontecem simultaneamente, forças de atrito


são geradas nos dois sentidos e podem ser representadas através do seguinte diagrama:

Imagem 28: SMITH, 1978

Esse círculo representa o limite de aderência do veículo. O máximo módulo


possível para o vetor de força de atrito resultante é limitado pelo círculo que determina o
diagrama.

Por esse vetor ser radialmente constante nesse diagrama em específico, implica
que ou o pneu é capaz de gerar 1,4 G de aceleração quando trabalha produzindo apenas
força longitudinal, ou é capaz de gerar 1,4 G quando trabalha produzindo apenas força
lateral. Em outras palavras, nunca será possível, com esse pneu, desenvolver 1,4 G
longitudinal ou lateral se ele estiver gerando força de atrito nas duas direções
simultaneamente. O vetor FT ilustra isso.

No entanto, isso não quer dizer que, para extrair o melhor desempenho dos pneus,
o piloto deva fazer curva com os pés longe dos pedais. Muito pelo contrário, é
fundamental que o piloto use os pedais dentro da curva. A única condição é a de que ele
deve ser capaz de manter os pneus o tempo todo o mais próximo possível da fronteira do
diagrama. Desse modo, eles são mantidos operando em um nível eficiente de forças
combinadas, pois, como se observa no diagrama, a força resultante é uma soma vetorial,
27 TESLA UFMG

logo, a soma dos módulos das componentes lateral e longitudinal é maior que o próprio
módulo do vetor resultante.

Porém, esse diagrama é apenas uma aproximação da realidade. Na verdade,


círculos de atrito, também chamados de friction circles, friction ellipses ou traction
circles, costumam ser ovalizados, havendo mais força disponível em uma direção do que
em outra, além de descentralizados, havendo mais força disponível em um sentido do que
em outro. Além disso, há pneus que possuem diagramas até mesmo retangulares,
implicando que o veículo só alcança seu pico de força G se estiver freando e acelerando
forte dentro da curva, exigindo um estilo de pilotagem completamente diferente.

10. TEMPERATURA DOS PNEUS

"Qualquer processo que envolva atrito produz calor. Além disso, uma porção da
energia envolvida na compressão e distorção da banda de contato não é devolvida para
o pneu quando a banda de contato volta a se alinhar, mas sim é convertida em calor.
Parte do calor é dissipada pelo fluxo de ar, mas parte é armazenada no pneu." (SMITH,
1978)

Todos os pneus possuem uma temperatura ótima de trabalho. Se estiverem frios,


apresentarão pouca aderência. Se estiverem operando a uma temperatura muito acima da
faixa recomendada, além da perda de aderência, ainda haverá o risco de formação de
bolhas e fragmentação, devido ao derretimento da borracha (destruição da coesão
molecular do composto do pneu por excesso de calor).

A temperatura do ar dentro do pneu é medida com sensor TPMS (tire pressure


monitoring system), que mede tanto a pressão interna quanto a temperatura. Também são
medidas as temperaturas no interior da carcaça/“borracha” (com sonda agulha) e na
superfície do pneu (com sensor infra-vermelho).

A temperatura da carcaça influencia no cornering stiffness, pois altera o módulo


de elasticidade da borracha, apesar de o efeito ser pouco significativo. Já a temperatura
medida na superfície é um ótimo indicativo do nível de contato do pneu com solo, sendo
de grande auxílio na hora de se fazerem ajustes na cambagem, já que é possível saber
qual é a temperatura de cada região do contact patch, indicando onde está havendo maior
e menor contato.
28 TESLA UFMG

Imagem 29 – Sensor infravermelho. 1: veículo parado, 2: acelerando na reta, 3: freando, 4:


fazendo curva (https://www.youtube.com/watch?v=bmy4FcMHF7w)

11. PRESSÃO INTERNA DOS PNEUS

A pressão e a temperatura do pneu estão intimamente relacionadas: a pressão do


ar dentro do pneu aumenta com o aumento da temperatura e vice-versa. Além disso, assim
como há uma temperatura ótima de trabalho, também há uma pressão ótima de trabalho.

Quanto maior é a pressão de enchimento do pneu, mais rígido ele fica – maior é a
sua resistência à deformação – e, assim, maior é o seu cornering stiffness. Porém, em
razão disso, quanto maior é a pressão, menos o pneu se molda à pista e mais cedo ele
escorrega, apresentando uma menor extensão de zona linear no gráfico de força lateral x
slip angle e, principalmente, um menor valor de pico de força lateral.

No entanto, se a pressão for reduzida em excesso também haverá prejuízo: o pneu


apresentará aderência reduzida, desgaste excessivo, maior resistência à rolagem e maior
risco de aquaplanagem, tudo isso em razão da redução da rigidez do pneu e da alteração
da área de contato com o solo (imagem 30). Sem contar o superaquecimento da carcaça
e o risco de detalonamento (pneu se soltar da roda) ao ser submetido a grandes forças
laterais, uma vez que as deformações são maiores.

Outras questões, mais relevantes para carros de passeio, são o maior consumo de
combustível quando a pressão está abaixo da recomenda, devido ao aumento da
resistência à rolagem, e o menor conforto de rodagem quando acima, devido ao aumento
29 TESLA UFMG

da rigidez vertical. Também, quando super-inflado, há maior risco de estouro quando o


pneu é submetido a impactos, além de o veículo “pular” mais ao passar por imperfeições
da pista, prejudicando a aderência.

Imagem 30: protyre.co.uk, adaptado

Quando o pneu se coloca em movimento, calor é gerado e sua temperatura sobe.


Isso afeta diretamente a pressão interna. Dá-se o nome de pressão fria e pressão quente,
respectivamente, à pressão enquanto os pneus estão à temperatura ambiente, e à pressão
quando a temperatura dos pneus já se estabilizou correndo na pista. Desse modo, faz-se
necessário considerar tal variação de temperatura para que a pressão fria de cada pneu
seja configurada corretamente. Por essa razão, é muito comum que veículos de corrida
utilizem pressões frias abaixo dos 20 psi (pois o ganho de temperatura é bem mais
acentuado que em veículos de passeio).

De início, não se sabe qual é a pressão fria ideal de cada pneu para a pista em
questão, sabe-se apenas a pressão ideal de trabalho (pressão quente), através dos dados
do pneu. Assim sendo, para se configurar, adota-se inicialmente uma pressão fria genérica
e são dadas algumas voltas rápidas com o veículo. Quando a temperatura dos pneus
estabiliza, o veículo retorna aos boxes e é checada a pressão quente. Então, adiciona-se
(ou se retira) a pressão necessária para que a pressão quente ideal seja atingida. Aguarda-
se o resfriamento total e novamente a pressão é checada. Os valores encontrados são
registrados e repete-se todo o procedimento algumas vezes, até que a pressão fria
encontrada esteja variando suficientemente pouco entre as checagens. É importante que
essa iteração seja feita, pois, quanto mais próximo da pressão quente ideal o pneu está,
mais aderente ele fica e mais calor é gerado, o que aumenta sua própria pressão quente,
30 TESLA UFMG

exigindo uma nova checagem e reajuste de pressão quente, que resulta em uma nova
pressão fria.

Para se determinar quais são as pressões quentes de cada pneu, é necessário ter
acesso aos dados do pneu. Em geral, quanto mais pesado é o veículo, maior deve ser a
calibragem. O gráfico abaixo (coeficiente de atrito x pressão quente) dá uma ideia de por
que isso ocorre: para maiores cargas verticais, o pico de coeficiente de atrito ocorre a
maiores pressões.

Imagem 31: suspensionsetup.info

Se mudarmos um pouco a análise, considerando agora que o gráfico acima é


referente à média dos picos de carga vertical sobre os pneus externos de um mesmo carro
em duas pistas diferentes, concluiremos que a pressão quente ideal varia com a pista. Na
pista em que o veículo sofre mais transferência de carga, a pressão quente deve ser maior.
Uma observação pertinente é que a pressão quente ideal para cada pista também é
encontrada no mesmo processo de checagens iterativas explicado anteriormente, pois,
quanto mais próximo da pressão quente ideal o pneu está, mais aderente ele fica e maior
é a transferência de carga, mudando a curva da imagem acima, alterando o valor da
pressão quente ideal.

Como os pneus externos são sempre mais importantes, costumam-se adotar para
todos os quatro pneus valores de pressão quente baseando-se apenas nas curvas de atrito
x pressão de quando estão trabalhando como pneus externos. No entanto, se houver uma
predominância muito grande de curvas para um determinado lado, pode-se pensar em
enviesar a calibração.
31 TESLA UFMG

Uma curiosidade é que, em pistas cuja maioria das curvas é para a esquerda, pode
ocorrer de os pneus direitos acabarem tendo pressões frias menores, mesmo tendo
pressões quentes maiores. Isso ocorre pelo maior ganho de temperatura nos pneus que
recebem maiores cargas, já que produzem mais atrito. Um exemplo disso são os carros
de NASCAR, que, em circuitos ovais, têm uma variação de temperatura, em média, de
apenas 10°C nos pneus internos, enquanto os pneus externos chegam a variar 30°C.

Ainda, é importante notar que a diferença de pressão interna entre os eixos é uma
rápida e prática ferramenta de setup dinâmico do veículo: quanto maior a pressão interna
de um eixo, menor é pico de força lateral que ele irá alcançar (considerando-se alterações
de pressão dentro da faixa recomenda de trabalho). Muitas vezes esse é o primeiro ajuste
a ser considerado quando se busca alterar o equilíbrio dinâmico do veículo.

12. CAMBAGEM

Cambagem, ou camber, é a inclinação do pneu com relação ao eixo vertical na


vista frontal. Se, nessa vista, o topo do pneu está mais próximo do centro do carro,
enquanto a base se encontra mais afastada, a cambagem é dita negativa. Caso contrário,
positiva.

Imagem 32: Convenção de sinais para cambagem

Quando o veículo faz curva, a cambagem de todas as suas quatro rodas varia, por
motivo da rolagem da carroceria, a qual altera a geometria da suspensão. No caso, as
32 TESLA UFMG

rodas externas à curva tendem a ficar com inclinação positiva, enquanto as internas,
negativa, como mostra a imagem abaixo:

Imagem 33: garaget.org, adaptado

Partindo-se do pressuposto que a máxima eficiência do pneu só é obtida quando


sua banda de rodagem tem máximo contato com solo, é fácil concluir que as cambagens
mostradas na imagem acima não são nada favoráveis para a aderência do veículo.

Justamente para evitar que a situação retratada acima ocorra, veículos de corrida
possuem valores negativos de cambagem estática. Ou seja, enquanto o veículo se
encontra parado, suas rodas já apresentam um valor negativo de cambagem (imagem 34).
Emprega-se isso porque, como se percebe na imagem acima, as rodas tendem a inclinar
sua parte superior/rolar para fora da curva. Desse modo, adotar um valor negativo de
cambagem estática compensa o efeito da rolagem natural das rodas externas, resultando
em sua menor inclinação para fora da curva.
33 TESLA UFMG

Imagem 34: castrol.com

Obviamente, as rodas internas sairão prejudicadas, uma vez que elas ficarão ainda
mais inclinadas nas curvas (imagem 35). Porém, devemos nos lembrar mais uma vez que,
em função da transferência lateral de carga, a maior parcela da força lateral é produzida
pelas rodas externas, sendo, por isso, mais vantajoso melhorar o desempenho dessas
rodas, mesmo que isso signifique prejudicar as internas.

Imagem 35: micksgarage.com


34 TESLA UFMG

13. CAMBER THRUST

Basicamente, acabamos de ver que o coeficiente de atrito varia em função do


ângulo de cambagem e, quanto mais perpendicular ao solo o pneu estiver, maior será o
seu valor. Porém, essa não é toda a história. Ao contrário do senso comum, a máxima
geração de força lateral de um pneu não ocorre quando ele está perfeitamente
perpendicular ao solo, mas sim quando ele está levemente inclinado para dentro da curva,
em razão do fenômeno do camber thrust.

Quando o pneu está inclinado com relação à vertical no plano frontal, ou seja,
quando apresenta cambagem, o padrão de distorção elástica gerado na sua região de
contato com o solo cria uma força lateral no mesmo sentido da inclinação.

“Abaixo temos uma imagem didática que dá uma ideia de como isso acontece: o
lápis representa um dos pneus do carro, visto de frente. O ângulo do lápis em relação à
vertical é a cambagem negativa. Agora, tente arrastar a borracha para a direita: será
muito mais difícil que para a esquerda. Mais ainda: se na foto abaixo o lápis fosse um
pneu girando sozinho, estas forças laterais fariam o pneu se deslocar para a esquerda.
Esta resistência ao deslizamento é análogo ao camber thrust, e aumenta a capacidade de
aceleração lateral do veículo quando aplicado na proporção adequada, sem falta ou
excesso.”

(flatout.com.br, “CAMBAGEM NEGATIVA: EM BUSCA DA MÁXIMA ACELERAÇÃO


LATERAL”)
35 TESLA UFMG

Mais precisamente, o camber thrust é causado pelo “estiramento do arco do


contact patch enquanto a banda de rodagem do pneu, o qual se encontra inclinado, rola
sobre o chão” (SMITH, 1978)

Imagem 36: Vistas superiores e frontal do pneu (SANTOS, 2017)

Ou seja, num pneu inclinado, enquanto ele se encontra parado, o padrão


geométrico da sua área de contato com o solo é curvado, arqueado, devido à inclinação
da base em relação ao solo. Quando o pneu entra em rolamento, esse padrão é estirado,
uma vez que, no regime elástico, não pode haver movimento relativo entre o contact patch
e a pista e, portanto, qualquer partícula do pneu que passe pelo contact patch é obrigada
a seguir uma trajetória reta. Esse estiramento, que nada mais é que uma deflexão lateral,
armazena energia elástica, gerando força lateral.

Mesmo se o veículo estiver seguindo em linha reta, a componente de força lateral


do camber thrust estará presente, pois ela depende exclusivamente da inclinação vertical
da roda. Logo, o camber thrust funciona como uma pré-carga de força lateral (imagem
37).
36 TESLA UFMG

Imagem 37: MILLIKEN, 1995


Desse modo, fica evidente que a máxima força lateral dos pneus externos à curva
será atingida sempre em algum valor de cambagem negativa (nunca zero, muito menos
positiva), uma vez que, desse modo, a componente de camber thrust atuará
complementando a componente de força lateral produzida pelo slip angle. Se quisermos
estender esses efeitos para a roda interna, a sua cambagem na curva deverá ser positiva,
para que camber thrust também atue para dentro da curva. Inclusive, é por isso que
veículos de circuito oval sempre utilizam cambagem estática assimétrica, adotando um
valor negativo na roda direita e positivo na esquerda (imagem 38), uma vez que o sentido
da pista é sempre anti-horário.

Imagem 38: jalopnik.com


37 TESLA UFMG

Não se pode, no entanto, buscar aumentar o camber thrust indefinidamente, pois


isso significa adotar uma cambagem excessiva, o que resulta no efeito contrário: o pneu
perde eficiência na produção de força lateral em curvas (imagem 39), já que o seu lado
mais externo é afastado do chão, passando o apoio a ser todo no ombro/“beirada” do pneu.

Imagem 39: SMITH, 1978

E quando há cambagem excessiva não só será percebida perda de capacidade de


produção de força lateral, como também longitudinal. Aliás, qualquer valor de cambagem
é prejudicial ao atrito no sentido longitudinal, uma vez que, diferentemente da força
lateral, as máximas forças de tração e de frenagem só são alcançadas com o pneu
posicionado completamente perpendicular ao solo, condição em que há máxima área de
contato. Nesse ponto, você já começa perceber que a escolha dos parâmetros de
cambagem é, antes de tudo, uma questão de avaliar prioridades.
38 TESLA UFMG

Imagem 40: Baixo contato dos pneus dianteiros em retas (hardemanmotorsport.nl)

Há, no entanto, mais outra característica relevante a ser mencionada: quando há


cambagem negativa, ocorre uma diminuição mais acentuada no ganho de força lateral
para elevados valores de slip angle em comparação à cambagem neutra. É o que
chamamos de roll off (também representado na imagem 37), que tende a neutralizar, em
elevados valores de slip angle, a vantagem que o camber thrust gera em curvas.

Por questões geométricas, pneus mais largos e chatos sofrerão com mais
intensidade esses efeitos da cambagem (tanto os favoráveis quanto os desfavoráveis para
a aderência lateral) e, por isso, são mais sensíveis a sua variação (enquanto pneus mais
estreitos e abaulados são mais tolerantes), sendo necessário, nesse caso, um cuidado
adicional no projeto dos parâmetros de cambagem do veículo.

14. PNEUMATIC TRAIL E TORQUE AUTO-ALINHANTE

Voltaremos a falar agora da outra deformação lateral que ocorre na banda de


contato, a que é medida em slip angle.

Tal deformação elástica, que ocorre exclusivamente em razão da atuação da força


lateral, altera a forma do contact patch e a sua distribuição de pressão. Com isso, tem-se
que o centro de pressão do contact patch é cada vez mais deslocado para trás à medida
que o slip angle cresce. Surge, então, uma distância, chamada de “pneumatic trail”, entre
esse centro de pressão e o centro geométrico do pneu.
39 TESLA UFMG

Imagem 41: what-when-how.com, adaptado

Uma vez que as forças laterais geradas pelo pneu atuam no centro de pressão, essa
distância se torna um braço de momento, que age em torno do centro de pivotamento do
pneu (coincidente com o centro geométrico na imagem 41). Como esse momento tende a
restabelecer o alinhamento da roda quando há esterçamento, ele é chamado de torque
auto-alinhante. É por efeito desse fenômeno que a direção “conserta sozinha” quando
liberamos as mãos do volante em uma conversão. No entanto, o pneumatic trail produz
apenas parte do torque auto-alinhante total do veículo. O restante é produzido pela
geometria do pino mestre da direção.

Como o pneumatic trail e a força lateral variam enquanto o veículo faz curva,
temos que o torque auto-alinhante também varia e, por consequência, o “peso” da direção
também varia. Sendo assim, quando o volante é esterçado com o veículo em movimento,
a resistência inicial ao esterçamento cresce muito rapidamente, em função do afastamento
progressivo do centro dinâmico do pneu em relação ao centro de pivotamento. Porém, se
o esterçamento continuar crescendo, logo a taxa de crescimento do torque auto-alinhante
começará a cair e, antes mesmo de o pico de força lateral ser atingido, o torque auto-
alinhante já estará a decrescer acentuadamente (imagem 42).
40 TESLA UFMG

Imagem 42: SMITH, 1978

Esse comportamento faz todo sentido, pois, como já visto, após a zona elástica,
com o aumento do slip angle, a fração do contact patch em atrito cinético cresce da parte
posterior em direção à anterior. Desse modo, a força resultante é cada vez mais deslocada
para frente, uma vez que o atrito estático tem maior módulo que o cinético. Isso diminui
progressivamente o pneumatic trail e, como a força lateral ainda está a crescer, porém
com taxa cada vez menor, notaremos como resultado uma queda progressiva na taxa de
crescimento do torque auto-alinhante, que, então, atingirá um valor de pico (antes do pico
de força lateral) e, logo em seguida, começará a decrescer.

É justamente através dessa variação de resistência ao esterçamento que o piloto


obtém o feedback do nível de sub-esterçamento e sobre-esterçamento do veículo. Quando
o slip angle começa a se aproximar do slip angle da força lateral máxima, a resistência ao
esterçamento cai repentinamente: a direção fica “leve”. É o que chamamos de skid
warning. Com isso, o piloto sabe que o limite de aderência dos pneus dianteiros está
chegando e pode usar isso para evitar o sub-esterçamento e/ou para se manter
propositalmente próximo do limite de aderência. Já quando há sobre-esterçamento, como
o chassi desalinha com relação à direção de deslocamento (“anda de lado”) e os pneus
dianteiros continuam com aderência, o torque auto-alinhante tende a contra-esterçar o
volante (esterçar para a direção contrária à da curva que o veículo descreve), uma vez que
as rodas dianteiras são forçadas a apontar para a direção de deslocamento. Desse modo,
o piloto sente o peso do volante aumentando para o sentido oposto ao da curva que o
veículo descreve. Essa sensibilidade dá a ele condições de contra-esterçar no mesmo
41 TESLA UFMG

instante em que o veículo sobre-esterça, possibilitando a correção imediata da saída de


traseira, a fim de evitar a desestabilização completa.

A capacidade da direção de passar essas sensações energicamente para as mãos


do piloto é fundamental para que ele sinta o que está acontecendo com o equilíbrio
dinâmico do veículo, antes mesmo de seus outros sentidos (visão e sensibilidade à força
G, vulgo butt feel) terem percebido o desequilíbrio. Desse modo, no caso do sobre-
esterçamento, o piloto não só tem condições de evitar uma perda total de controle, agindo
a tempo, como também de despender pouco tempo nas correções e, assim, fazer melhores
tempos de volta, uma vez que o desequilíbrio pode ser reprimido logo em seu início. Já
no sub-esterçamento, o feedback antecipado do volante permite até mesmo que o
comportamento não se manifeste e o controle seja sempre mantido. No próximo tópico
serão mostrados quais são os fatores geométricos que, dentre outras coisas, determinam
essas propriedades da direção.

15. CÁSTER E MECHANICAL TRAIL

O torque auto-alinhante, como dito, também depende da geometria do pino mestre


da direção. Pino mestre é o eixo em torno do qual a roda esterça. Analisando-se sua
geometria na vista lateral, os seguintes parâmetros se evidenciam:

Imagem 43: super7thheaven.co.uk, adaptado


42 TESLA UFMG

O cáster é a inclinação do pino mestre na vista lateral. É dito positivo se a parte


inferior do pino mestre apontar para frente, como na figura. Devido a essa inclinação, há
variação de cambagem quando a roda é esterçada, de modo que quando ela é esterçada
para dentro há ganho de cambagem negativa e, para fora, ganho de cambagem positiva.
E esse efeito é extremamente vantajoso tanto para curvas quanto para retas: como o cáster
(positivo) provoca inclinação negativa na roda externa à curva e positiva na interna, a
rolagem de ambas as rodas é compensada e, ainda, pode ser gerado em ambas camber
thrust favorável. E, justamente pelo fato de o cáster intensificar o ganho favorável de
cambagem em curvas, é possível adotar uma cambagem estática mais neutra e, assim,
quando os pneus estiverem alinhados, haverá maior área de contato com o solo,
otimizando a tração e a frenagem. No entanto, o ângulo de cáster faz com que a roda varie
de altura com o esterçamento (externa sobe e interna desce, com relação ao chassi),
intensificando a rolagem da carroceria para fora da curva.

Ainda nessa vista, se interceptarmos o prolongamento do eixo do pino mestre com


o solo e pegarmos a distância desse ponto até a reta vertical que passa pelo centro do
pneu, encontraremos o mechanical trail. Juntamente com o pneumatic trail, o mechanical
trail compõe o braço de alavanca que gera o torque auto-alinhante quando há força lateral
atuando.

Imagem 44: what-when-how.com, adaptado


43 TESLA UFMG

Dado que o mechanical trail e o pneumatic trail compõem um mesmo braço de


alavanca, surge uma relação interessante: como o mechanical trail é um parâmetro
constante no veículo, enquanto o pneumatic trail sempre varia em função do slip angle
(sendo a sua variação justamente o que gera o skid warning), valores relativamente
grandes de mechanical trail farão com que as variações do pneumatic trail gerem menores
variações percentuais no torque auto-alinhante total. Isso anestesia o skid warning,
prejudicando a sensibilidade do piloto.

Desse modo, se for do interesse do projetista reduzir o mechanical trail, porém


sem alterar o cáster, pode-se alterar o valor de king pin offset (distância do eixo do pino
mestre ao centro da roda na vista lateral), transladando longitudinalmente para trás o eixo
do pino mestre com relação ao centro da roda.

Convém mencionar, no entanto, que um alto torque alinhante gerado


majoritariamente pelo mechanical trail pode ser interessante para aumentar a estabilidade
em retas e para que o volante repasse ao piloto maior feedback de sobre-esterçamento,
que é geralmente uma situação mais crítica que o sub-esterçamento. Em contrapartida, o
aumento do torque auto-alinhante também aumenta o peso do volante.

Já para veículos de rua, em que o ângulo de giro do volante é grande e a direção é


assistida, podem-se empregar elevados valores de mechanical trail para facilitar o retorno
do volante para a posição central, melhorando o conforto. Ao mesmo tempo, o
enfraquecimento do skid warning não gera consequências tão negativas nesse caso, pois
motoristas comuns não são treinados para interpretar os feedbacks do volante.

16. KPI E SCRUB RADIUS

Fazendo a mesma análise na vista frontal, encontraremos o KPI (King Pin


Inclination), ou SAI (Steering Axis Inclination), que é o ângulo de inclinação do pino
mestre no plano frontal.
44 TESLA UFMG

Imagem 45: super7thheaven.co.uk

Valores positivos de KPI fazem com que o veículo seja erguido conforme as rodas
são esterçadas para longe do centro, gerando simultaneamente ganho de cambagem
positiva em ambas as rodas (prejuízo para a roda externa). Quanto maiores são a
inclinação do pino mestre na vista frontal e o spindle length (distância do eixo do pino
mestre ao centro da roda na vista frontal), maiores são esses efeitos. Nesse caso, como o
veículo adquire energia potencial gravitacional quando esterçado, acaba sendo gerada
mais uma componente auto-alinhante, que surge pela tendência do veículo de retornar
para a posição de menor energia. Mas esse efeito é sentido apenas em baixas velocidades.

De maneira semelhante à vista no tópico anterior, a interseção do prolongamento


do eixo do pino mestre na vista frontal com o solo determina o ponto em torno do qual o
pneu esterça. E a distância entre essa interseção e o meio do pneu na vista frontal é
chamada de scrub radius.

O scrub radius é o raio que o pneu descreve ao ser esterçado. Quanto maior o seu
valor, maiores serão o desgaste do pneu e o peso do volante em baixas velocidades.
Também influencia diretamente na transmissão dos choques/pancadas da roda com as
irregularidades da pista para o volante, efeito chamado de kickback. Quanto maior é o
scrub radius, maior é esse efeito e, assim, mais instável o veículo tende a ser e maiores
45 TESLA UFMG

são o desconforto e o esforço físico do piloto para controlar o veículo (demonstração do


efeito: https://youtu.be/IZLiP_37Oso?t=37s).

Porém, talvez o efeito mais importante gerado pelo scrub radius seja a mudança
de convergência das rodas quando o veículo está em movimento. Dependendo do seu
valor, as rodas podem convergir em frenagens (ambas esterçarem para dentro) e divergir
em acelerações (ambas esterçarem para fora), ou o contrário. Isso acontece porque o scrub
radius é um braço de momento, formado pela distância entre o centro de aplicação de
forças longitudinais do pneu (meio do pneu) e o centro de pivotamento do pneu, o que
tende a gerar esterçamento da roda, devido à deformação elástica dos componentes
(compliance), quando há atuação de forças longitudinais. Esse efeito acontece tanto na
dianteira quanto na traseira e pode afetar em grande medida a estabilidade do veículo.

Uma decorrência dessa variação de convergência é que, se houver esforços


assimétricos de frenagem ou de aceleração entre os dois lados do carro, o scrub radius
provocará esterçamento induzido para um determinado lado, trazendo imprevisibilidade
para o comportamento dinâmico, exigindo maior atenção e competência do piloto para
manter o controle do veículo.

Porém, não significa que um scrub radius nulo seja o ideal, pois, desse modo é
intensificado o fenômeno do squirm, que também pode causar instabilidade e maior
desgaste dos pneus (https://youtu.be/SUDMEd1bMZI?t=4m20s). Além disso,
dependendo do propósito do projetista, pode ser interessante que ocorram essas variações
de convergência em determinadas situações.

Em veículos de passeio, por exemplo, como possuem linha de freio em


configuração cruzada, é vantajoso o emprego de valores negativos de scrub radius.
Quando os freios são acionados bruscamente e alguma das linhas falha, o scrub radius
negativo ajuda na estabilidade compensando o momento de guinada gerado pela
assimetria das forças de frenagem (que tende a desestabilizar o veículo) com o
esterçamento induzido da roda frenadora para a direção oposta. Mesmo em situações de
frenagem em que não há falhas, também há vantagens: se houver travamento
(deslizamento) de apenas uma das rodas dianteiras (devido a alguma variação local do
coeficiente de atrito em apenas um lado da pista, por exemplo), ou simplesmente uma das
rodas adquirir mais carga vertical que a outra e, por isso, mais força de frenagem
(frenagem em curva, por exemplo), o mesmo efeito de auto-estabilização pode ser obtido.
46 TESLA UFMG

Além disso, em veículos de tração dianteira em geral, valores negativos de scrub radius
nas rodas da frente também possibilitam essa auto-estabilização quando há
destracionamento de apenas uma das rodas, situação em que o veículo tenderia a fazer
curva por conta própria devido à assimetria das forças longitudinais de tração (torque
steer).

17. CONVERGÊNCIA

Se as rodas apontam para direções diferentes e simétricas entre si quando o volante


está alinhado é porque elas possuem algum valor de convergência (toe). Se ambas
apontam para dentro, a convergência é dita positiva (toe in). Se apontam para fora, é dita
negativa, ou é chamada de divergência (toe out).

Imagem 46
47 TESLA UFMG

A convergência, assim como a cambagem, varia da condição estática para a


dinâmica. Desse modo, mesmo se o veículo utilizar valores nulos de convergência
estática, podem surgir valores não nulos quando forças longitudinais forem
aplicadas/geradas nos pneus e/ou quando o curso da suspensão variar. Para compensar
isso, uma opção é empregar valores estáticos não nulos de convergência.

O efeito colateral mais evidente de valores não nulos de convergência é o maior


desgaste dos pneus, devido à maior geração de calor e arrasto (porém, até isso pode ser
uma estratégia para se aquecerem mais rapidamente os pneus em dias mais frios). Além
disso, o maior arrasto também prejudica o ganho de velocidade em retas.

Como mencionado no tópico de scrub radius, a convergência das rodas impacta


na estabilidade do veículo. Divergência na traseira, por exemplo, provoca tendência
sobre-esterçante, já que a roda mais carregada tende a jogar a traseira para fora da curva,
costumando ser extremamente prejudicial à controlabilidade do carro. Por outro lado, se
o valor na traseira for positivo, haverá maior estabilidade, especialmente se o veículo
possuir tração traseira e estiver em uma forte aceleração. Já na dianteira, se houver
divergência, a tendência sub-esterçante será reduzida e o veículo responderá com mais
agilidade aos comandos do volante, pois a roda interna à curva adquirirá sempre maior
ângulo de esterçamento, auxiliando a roda externa a fazer curva, apesar de ser gerada
instabilidade em retas, principalmente em situações de frenagem. O oposto ocorre se a
configuração dianteira for convergente, em que a roda interna passará a atrapalhar a roda
externa a fazer curva, porém, será aumentada a estabilidade em retas.

18. BUMP STEER

A variação do curso da suspensão também pode variar a convergência das rodas.


É o que chamamos de bump steer (tradução: “esterçamento induzido por
compressão/distensão da suspensão”). A causa desse fenômeno é uma inadequada relação
entre a geometria da suspensão e a geometria dos links da direção (tie-rods).

Desse modo, se a relação geométrica for tal que provoque bump steer mesmo com
as rodas alinhadas, ao passar por irregularidades que fazem o curso da suspensão variar,
será provocada variação de convergência, trazendo imprevisibilidade para a condução.
Em curvas, devido à rolagem da carroceria, que comprime um lado da suspensão e
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distende o outro, também ocorrerá variação de convergência (no caso, chamado de roll
steer). Em frenagens e acelerações em linha reta, devido à arfagem, o efeito também
estará presente.

Apesar de na maioria dos casos a sua ocorrência ser indesejável, é possível


encontrar alguns veículos que adotam bump steer propositalmente, para que ocorra
esterçamento favorável das rodas traseiras durante a curva (roll steer), ou para aumentar
o esterçamento da roda dianteira mais carregada, entre outras razões.

Ainda é válido mencionar que é impossível eliminar completamente o bump steer,


ele é um fenômeno característico de qualquer sistema de direção convencional. Mesmo
que o bump steer não ocorra quando a direção está alinhada, ele sempre surgirá quando
as rodas estiverem esterçadas e o curso da suspensão variar, devido a fatores geométricos
inerentes ao sistema.

19. GEOMETRIA DE ACKERMANN

Quando analisamos geometricamente a trajetória de cada uma das rodas de um


veículo percorrendo uma curva, vemos que todas elas descrevem arcos de raios diferentes
entre si, já que a bitola do veículo condiciona um maior raio de curva da roda externa em
comparação com a interna (imagem 47).

Imagem 47: SMITH, 1978, adaptado


49 TESLA UFMG

Desconsiderando slip angles, é necessário que cada uma das rodas dianteiras
aponte exatamente na direção de sua trajetória para que nenhuma delas deslize.
Concluímos, então, que a roda dianteira interna deverá ter maior ângulo de esterçamento
que a externa, já que seu raio de trajetória é menor. Esse é o princípio da geometria de
Ackermann.

Se as rodas permanecem paralelas enquanto são esterçadas, dizemos que a


geometria é 0% Ackermann ou paralela. Se corresponderem à imagem acima, 100%
Ackermann ou Ackermann verdadeiro.

A geometria de Ackermann é empregada para que, em baixas velocidades, não


haja deslizamento de nenhuma das rodas e, assim, o desgaste dos pneus seja minimizado.
Majoritariamente veículos urbanos utilizam essa geometria de direção.

No entanto, veículos de corrida, que alcançam elevadas acelerações laterais,


desenvolvem grandes valores de slip angle, e a geometria acima perde um pouco da sua
função.

Imagem 48: SMITH, 1978

Como é possível ver na imagem acima, o slip angle adquirido pelas rodas traseiras
translada o centro instantâneo de curvatura da posição I para a posição X, o que exige que
os ângulos de esterçamento das rodas dianteiras sejam mais próximos entre si para que
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não haja escorregamento (geometria < 100% Ackermann). Somado a isso, como vimos
no tópico de slip angle, aumentos na carga vertical sobre um pneu deslocam o pico do
gráfico ‘força lateral x slip angle’ para a direita, ou seja, é necessário um maior slip angle
para se atingir a força lateral máxima. E, uma vez que há transferência lateral de carga
em curvas, temos que a roda externa adquire maior carga normal que interna. Conclusão?
Precisamos gerar maior slip angle na roda externa que na interna para que o eixo alcance
a máxima força lateral possível. Inclusive, dependendo do caso, pode ser necessário
empregar uma geometria oposta à Ackermann, com a roda externa esterçando mais que a
interna (imagem 49). É o que chamamos de geometria anti-Ackermann (geometria < 0%
Ackermann).

Imagem 49

Existe ainda uma outra configuração, a pro-Ackermann. Ela consiste na


geometria Ackermann “intensificada”, em que a roda interna esterça mais ainda que a
externa em comparação com o Ackermann verdadeiro (ou seja, mais que 100%
Ackermann). A vantagem é o maior arrasto da roda interna à curva, gerando momento de
guinada favorável, facilitando a entrada do veículo em curvas muito fechadas. É comum
o emprego dessa geometria em veículos de rali, que, devido ao baixo coeficiente de atrito
do solo, precisam de momento de guinada extra para apontarem a frente para dentro da
curva.
51 TESLA UFMG

Vale ressaltar ainda que o sistema de direção é intrinsicamente não-linear: por


fatores geométricos, a porcentagem de Ackermann não é constante com o esterçamento,
ou seja, à medida que o volante é esterçado, a proporção entre os ângulos das rodas interna
e externa muda, mesmo com o veículo parado. Além disso, essa proporção também varia
em função da rolagem da carroceria (roll steer), para cada ângulo de esterçamento do
volante.

20. MOLAS E AMORTECEDORES

Molas e amortecedores equipam os carros por três motivos principais: tornar o


contato dos pneus com o solo o mais contínuo possível, reduzir forças de impulso no
chassi e ditar o comportamento permanente e transiente do veículo em curvas.

A mola força o pneu em direção à pista, para que, ao passar por buracos e
depressões, o contato seja mantido. Além disso, ela também absorve a energia dos
impactos que a roda recebe ao passar por ressaltos da pista, convertendo a energia cinética
do impacto em energia potencial elástica. Observa-se que acaba de ser definido um
sistema massa-mola, que oscila. A oscilação do chassi é prejudicial tanto ao conforto,
quanto ao comportamento dinâmico do veículo. Ela gera flutuação das cargas verticais
aplicadas sobre pneus, podendo resultar em um comportamento dinâmico inconstante
devido às perdas intermitentes de aderência. Além disso, a liberação da energia contida
na mola impulsiona o chassi para cima, o que pode ocasionar descolamento total do pneu
em relação ao solo se a energia armazenada for muito grande. Eis que entram em cena os
amortecedores, que atuam dissipando essa energia, convertendo-a em calor, estabilizando
o chassi.

Se o amortecimento for insuficiente, ocorrerá o mencionado no parágrafo anterior


(https://youtu.be/5DK_Cy2vCKE?t=10s). Se o amortecimento for excessivo, a resposta
da suspensão será muito lenta e o veículo perderá capacidade de leitura do solo (de se
manter em contato com o solo mediante as imperfeições da pista), assim como repassará
mais impactos para o chassi, também ocasionando perda de aderência. Além disso,
ocorrerá maior aquecimento dos pneus, já que sofrerão mais deformação e trabalharão
mais em amortecimento.
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No que diz respeito às molas, quanto menor é a sua rigidez, ou seja, quanto mais
macias são as molas, maior é a capacidade do veículo de ler o solo, pois o chassi estará
sujeito a menores impulsos verticais (desde que os amortecedores sejam adequados), além
de que maior será o curso efetivo da suspensão, melhorando a capacidade do pneu de
alcançar depressões.

No entanto, sabemos que carros de corrida possuem suspensões duras, com


elevada rigidez de mola, sendo que, contraditoriamente, são justamente eles os veículos
que mais precisam manter os pneus em contato com o solo. Isso se justifica porque molas
rígidas reduzem a rolagem e a arfagem do chassi, mantendo a suspensão em geometria
mais adequada; possibilitam menor altura de rodagem, logo, menor altura do CG, já que
o curso da suspensão é reduzido; promovem maior eficiência aerodinâmica em veículos
com difusor, uma vez que a altura de rodagem é mantida praticamente constante,
possibilitando geração adequada de downforce pela base do carro; impedem que veículos
de elevada downforce toquem o chão quando sob alta carga aerodinâmica; além disso,
pistas de corrida geralmente são terrenos regulares, logo, as rodas recebem menos
impactos e variam menos de altura e, por consequência, dependem menos de suspensões
macias.

Ainda referentes à dinâmica vertical são os conceitos de massa suspensa e massa


não-suspensa. A primeira corresponde essencialmente ao chassi e a tudo que está
rigidamente montado nele (transmissão, motor, bancos, painel etc.), além do próprio
piloto. Já a segunda é correspondente a todos os outros componentes que estão separados
da massa suspensa pelas molas e amortecedores (rodas, pneus, pinças de freio, cubos de
roda etc.). E, quando falamos de desempenho do veículo, é importante que se busque
minimizar a massa não-suspensa. Quanto maior ela for, mais trabalho os amortecedores
e molas têm que fazer para manter os pneus em contato com a pista sobre superfícies
irregulares, pois mais difícil fica de acelerar e desacelerar essa massa, o que prejudica a
manutenção de uma carga estável no pneu, que é de suma importância para a aderência.
Além disso, quanto maiores as massas não-suspensas rotativas (rodas, pneus, discos de
freio e cubos de roda), mais energia é gasta apenas para vencer a inércia rotativa desses
componentes, logo, maior dificuldade o veículo terá para transmitir potência para o solo.
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21. DISTRIBUIÇÃO DE RIGIDEZ À ROLAGEM

Quanto mais rígidas as molas, menor é a rolagem, mais constante fica a geometria
da suspensão e melhor é o desempenho desta. Porém, molas muito duras comprometam
o desempenho vertical do veículo de absorção de impactos e leitura do solo. Empregam-
se, então, barras estabilizadoras, que auxiliam na contenção da rolagem, possibilitando
que as molas sejam mais macias.

As barras estabilizadoras, assim como as molas, podem ter rigidezes diferentes


entre os dois eixos. Quando isso ocorre, temos que o eixo mais rígido resiste mais à
rolagem que o outro eixo. Ocorre, em razão disso, um fenômeno bastante relevante para
o comportamento dinâmico do carro: o eixo que resiste mais à rolagem transfere mais
carga.

Isso é relativamente fácil de entender. Para resistir à rolagem o eixo deve reagir,
fazer força contrária ao movimento de rolagem. Quando isso ocorre, a normal do pneu
envolvido nessa reação é aumentada. Está aí a transferência de carga. Desse modo, se
considerarmos um carro com rigidez à rolagem nula (abstração) no eixo dianteiro e eixo
traseiro com rigidez à rolagem padrão, toda a reação para conter a rolagem total do carro
será feita somente pela traseira e, por isso, toda a transferência lateral de carga ocorrerá
somente na traseira.

Imagem 50: Representação da rigidez à rolagem (white-smoke.wikifoundry.com)


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Obviamente, nenhum carro possui rigidez à rolagem nula em nenhum eixo. Logo,
ambos os eixos transferem carga, com a diferença de que, dado o raciocínio do parágrafo
anterior, o eixo mais rígido transfere relativamente mais carga que o outro eixo. E isso é
uma importante ferramenta de setup dinâmico do veículo, pois sabemos que quanto mais
carga é transferida de um pneu para o outro, menor é a aderência do conjunto. Assim,
pode-se modificar o equilíbrio dinâmico do veículo simplesmente alterando as rigidezes
entre as barras estabilizadoras dianteira e traseira e as molas dianteiras e traseiras, o que
varia a distribuição da transferência lateral de carga entre os eixos, alterando a aderência
de cada eixo. Alguns veículos, inclusive, possuem regulagem das barras estabilizadoras
dentro do cockpit para que o piloto encontre o melhor setup dinâmico em cada situação
da corrida.

Outro ponto a evidenciar é a rigidez torcional do chassi. Quando o chassi não tem
boa rigidez torcional, ele acaba funcionando como uma mola de torção em série com os
sistemas de suspensão dianteiro e traseiro, anestesiando o efeito das configurações de
setup que visam alterar a distribuição de rigidez à rolagem entre os eixos.

22. DISTRIBUIÇÃO ESTÁTICA DE PESO

A distribuição de peso do veículo impacta diretamente no seu equilíbrio dinâmico.

Imagem 51: autozine.or, adaptado

Se há mais massa sobre o eixo dianteiro, como mostrado na imagem acima, há


nele maiores cargas verticais atuando, reduzindo seu coeficiente de atrito em relação ao
eixo traseiro. Além disso, também como há mais massa na dianteira, a transferência
lateral de carga passa a acontecer majoritariamente na frente, resultando em mais queda
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no coeficiente de atrito do eixo. Desse modo, analisando-se somente o fator distribuição


de peso, o veículo representado na imagem acima apresentará tendência sub-esterçante.

Outra consequência da distribuição de peso mais para a dianteira é a intensificação


da assimetria das cargas verticais entre os eixos dianteiro e traseiro durante a frenagem,
reduzindo a capacidade de frenagem do veículo. Como ponto positivo dessa
configuração, há maior capacidade de tração em veículos de tração dianteira, devido ao
maior peso sobre os pneus trativos.

Já se o veículo possuir mais peso na traseira, apresentará tendência sobre-


esterçante, distribuição de peso mais equilibrada durante a frenagem e maior capacidade
de tração caso as rodas motrizes sejam as traseiras.

23. DISTRIBUIÇÃO DE FRENAGEM

Durante a frenagem, em razão da transferência longitudinal de carga, as rodas


dianteiras ficam mais carregadas que as traseiras. Por isso, naturalmente os sistemas de
freios já são dimensionados para que as rodas dianteiras produzam maior força de
frenagem que as traseiras, uma vez que há mais atrito na frente. Caso isso não fosse feito,
as rodas traseiras travariam antes das dianteiras, causando grande instabilidade no
veículo, além de que se estaria desperdiçando potencial de frenagem dos pneus dianteiros,
resultando em menor força total de frenagem.

O ideal é que os eixos travem praticamente ao mesmo tempo quando o torque de


frenagem exceder o limite estático dos pneus. Como é difícil obter essa condição,
costuma-se fazer a dianteira travar um pouco antes da traseira, pois é uma condição mais
estável sair de frente devido ao travamento das rodas dianteiras, do que perder a traseira
do carro devido ao travamento das rodas traseiras.

Alguns veículos possuem ajuste da distribuição de frenagem (brake bias), que,


assim como no caso das barras estabilizadoras, também pode ser feito pelo piloto durante
a corrida. Em razão da variação da distribuição de peso do veículo à medida que o
combustível é consumido, do desgaste dos pneus, do emborrachamento gradual da pista
ao longo da corrida e, principalmente, da condição climática (pista seca/molhada), a
distribuição de frenagem ideal varia, sendo esse ajuste crucial para que o piloto extraia o
máximo desempenho do veículo.
56 TESLA UFMG

Ainda no que tange à frenagem, a transferência lateral de carga induz assimetria


de frenagem. Por isso, ao se fazer curva freando, pode ser gerada tendência sub-
esterçante, já que as forças longitudinais nos pneus externos adquirem maior módulo que
as dos internos, criando um momento de guinada para fora da curva. Porém, se a
transferência diagonal (lateral + longitudinal) for abrupta, será gerado o comportamento
oposto.

24. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final desse relatório sobre dinâmica veicular, você percebeu que a


consideração de todos esses parâmetros abordados tem um único objetivo: extrair o
melhor desempenho possível dos pneus. E a dinâmica veicular consiste basicamente
nisso.

Se o pneu tiver baixa capacidade de geração de força, ele será um limitante para
o desempenho do veículo. Se os sistemas mecânicos do veículo não conseguirem extrair
o máximo desempenho possível que o pneu pode dar, o veículo estará limitando a si
mesmo. Se o piloto não for capaz de explorar o limite de aderência dos pneus, ele estará
subaproveitando o veículo como um todo.

“O desempenho de um carro de corrida é um vetor de três dimensões: capacidade


dos pneus, exploração da capacidade dos pneus e exploração da capacidade dos pneus
pelo piloto.” (SANTOS, 2017)

25. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SMITH, Caroll. Tune to Win. Aero Publishers, Fallbrook, CA. 1978.

MILLIKEN, Willian F.; MILLIKEN, Douglas L. Race Car Vehicle Dynamics.


Pennsylvania: Society of Automotive Engineers, Inc. USA. 1995.

SANTOS, Rodrigo. Curso Dinâmica Veicular Aplicada à Competição. Vitória-


ES. 2017.

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