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Por apresentar condições estatutárias para demissão, eliminação ou exclusão

do quadro social na forma dos arts. 32, 33 e 35 da Lei 5.764/71 (a chamada Lei
Cooperativista), um associado pode ser responsável pela retirada de cotas de capital
contabilizadas no Patrimônio Líquido da cooperativa, em montante que possa até
comprometer as suas situações patrimonial, econômica e financeira.
Estatutos de grande parte das cooperativas financeiras, em harmonia com
princípios legais, estabelece, por outro lado, que o resgate de quotas-partes
integralizadas depende da observância de limites operacionais e, ainda de
autorização expressa do Conselho de Administração, que observará critérios e
demais condições normativas.
Além desse condicionante, vale também destacar outros dispositivos
estatutários comumente utilizados, que estabelecem prazos longos para a
devolução, em qualquer situação de desfiliação, justamente em benefício da
continuidade das cooperativas à luz dos limites prudenciais e regulamentares a que
estão sujeitas.
Numa primeira sondagem sobre o marco legal, normativo e estatutário,
constatamos ser recorrente a preocupação com a devolução do capital, diante da
importância que, historicamente, sempre se atribuiu a esses recursos para o
equilíbrio patrimonial. Não são poucos os dispositivos que buscam minimizar essa
dependência, desde a limitação de 1/3 (um terço) do capital total que um associado
possa deter (art. 24 – parágrafo 1º, da Lei Cooperativista), passa pela necessidade
de destinar, no mínimo, 10% das sobras para fundo de reserva (art. 28 – Inciso I da
mesma lei) e deságua, em vários pontos, na exigência de que qualquer ação que
objetive diminuir o patrimônio das cooperativas, só possa ser praticada se
observados os limites operacionais.
Tais proteções são típicas do cooperativismo brasileiro, em que ainda se
privilegia o capital como base primordial para formação dos recursos próprios, na
linguagem contábil. Daí a razão para que a lei estimule a formação de reservas que,
aqui no Brasil, com raríssimas exceções, ainda não foi bem compreendida pelo
sistema cooperativista, a ponto de que, hoje, em média, apenas cerca de 22% do
patrimônio líquido consolidado esteja representado por reservas e o restante por

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capital, contra situação inversa em países em que o cooperativismo se encontra em
estágio mais avançado.
Diante dessa situação, a Lei Cooperativista transfere integralmente à
cooperativa a responsabilidade pela definição das condições de retirada de
associados ao estabelecer, em seu art. 21 que:
O estatuto da cooperativa, além de atender ao disposto no artigo 4º,
deverá indicar:
(...)
II - os direitos e deveres dos associados, natureza de suas
responsabilidades e as condições de admissão, demissão, eliminação e
exclusão e as normas para sua representação nas assembleias gerais;
III - o capital mínimo, o valor da quota-parte, o mínimo de quotas-partes
a ser subscrito pelo associado, o modo de integralização das quotas-
partes, bem como as condições de sua retirada nos casos de demissão,
eliminação ou de exclusão do associado; (destaque nosso)

A retirada do capital sem obediência ao mencionado escalonamento de longo


prazo, previsto em grande parte dos estatutos, poderia, em princípio e sem maiores
aprofundamentos de interpretação, até estar em consonância com o disposto no art.
140 da Lei 13.097/2015, que inseriu o §4º no art. 24 da mencionada Lei
Cooperativista, vasado nos seguintes termos:
Art. 24. O capital social será subdividido em quotas-partes, cujo valor
unitário não poderá ser superior ao maior salário mínimo vigente no País.
(...)
§ 4o As quotas de que trata o caput deixam de integrar o patrimônio
líquido da cooperativa quando se tornar exigível, na forma prevista no
estatuto social e na legislação vigente, a restituição do capital
integralizado pelo associado, em razão do seu desligamento, por
demissão, exclusão ou eliminação (destacamos).

Entretanto, a Lei Complementar 130/2009, aplicável exclusivamente ao


cooperativismo de crédito, veio por definitivo esclarecer a questão em seu art. 10,
ao estabelecer que:
A restituição de quotas de capital depende, inclusive, da
observância dos limites de patrimônio exigíveis na forma
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da regulamentação vigente, sendo a devolução parcial
condicionada, ainda, à autorização específica do conselho de
administração ou, na sua ausência, da diretoria. (destacamos)
Poder-se-ia até, numa análise perfunctória, entender que há aqui conflito de
regência, sustentado também no próprio estatuto, gerador de dilema. Se, de um
lado, a cooperativa vê-se obrigada a promover ou acatar o desligamento do
associado e a consequente retirada de suas cotas do valor do patrimônio líquido;
por outro, necessita manter seu patrimônio líquido em um nível que permita o
cumprimento de exigências regulamentares de enquadramento de limites
operacionais, sob pena de irregularidade perante ao Órgão Regulador.
A solução para esse impasse está assentada, especialmente, em dois grandes
pilares motivadores para que, independentemente da leitura restrita das leis, haja
melhor entendimento e ordenamento dos objetivos legais: (i) a hierarquia das leis
e; (ii) o interesse público.
No que tange à hierarquia das leis, o esquema a seguir, baseado em estudo
do Conselho Nacional de Justiça1 demonstra que a mencionada Lei Complementar
130/2009 deve prevalecer sobre os demais diplomas legais aqui mencionados.
Senão, vejamos:
Hierarquia das leis brasileiras

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http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/87763-cnj-servico-conheca-a-hierarquia-das-leis-brasileiras

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Não fora esse entendimento do CNJ, temos ainda que, no direito
democrático, é corrente que a lei específica prevalece sobre a lei geral nos pontos
em que, eventualmente, haja algum conflito. Portanto, em todos os sentidos, a Lei
Complementar 130/2009 prevalece sobre a Lei Cooperativista.
Já que no tange ao princípio da supremacia do interesse público, convém
comentar que ele decorre da ideia de que, havendo qualquer conflito entre o
interesse público e o particular, prevalece o público, sendo respeitados os direitos
e garantias individuais expressos na Constituição Federal. Embora não esteja
textualmente declarado na nossa Carta Magna, o princípio de interesse público é
base recorrente em decisões judiciais, no âmbito administrativo e em normas
infralegais que regulamentam o funcionamento das instituições financeiras, em
especial no manancial de Resoluções do CMN e regulamentações do BCB.
Nesses termos, a transferência do valor das cotas de um associado retirante
do patrimônio líquido da cooperativa, quando conduz a cooperativa a situação de
irregularidade perante as normas do CMN e, em consequência, fere de morte o
restante do corpo social, deve seguir indiscutivelmente os ditames da Lei
Complementar 130/2009 e, também, o princípio da supremacia do interesse
público.
Nessa ordem de ideias, concluímos que: (i) a retirada de cotas de capital só
é aceitável se não for em montante e condições tais que tragam risco de
desenquadramento da cooperativa nos limites operacionais exigidos; (ii) caso já
tenham sido retiradas, elas devem retornar ao patrimônio líquido da cooperativa; e
(iii) o bom senso deve prevalecer, de modo que, em harmonia com a sua capacidade
operacional e, também, em respeito ao direito individual do cooperado, a
cooperativa pode estabelecer cronograma de pagamento que não impacte sua
situação patrimonial e financeira.
Este o nosso parecer.
Brasília (DF), 25 de maio de 2019.

Marden Marques Soares Abelardo Duarte de Melo Sobrinho

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