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A PRODUÇÃO MUSICAL E O ENSINO DA MÚSICA EM AULAS REMOTAS

Afonso Felipe Romagna1


INTRODUÇÃO
O presente trabalho é fruto da experiência realizada nas aulas com o ensino médio da disciplina
de Artes – Música no IFRO Campus Cacoal. Durante o período de aulas remotas, devido a pandemia
do COVID-19, nos encontramos em um novo desafio para a produção de aulas práticas na área, e foi
neste sentido que decidimos recorrer para habilidades técnicas da área de produção musical, utilizando
a plataforma BandLab como recurso didático. Andrew Hugill (2018) afirma que as novas tecnologias
aplicadas à música fazem surgir uma nova categoria de músicos, sendo possível o desenvolvimento
de diversas habilidades em diferentes áreas do ramo.
O uso de instrumentos virtuais assim como softwares de edição possibilita um despertar criativo
musical em quem não possui acesso a aquisição de instrumentos tradicionais e traz uma perspectiva
na qual é possível atender de uma maneira significativa uma abordagem do fazer musical tanto pela
ótica tradicional quanto por uma mais contemporânea. Com o surgimento de plataformas gratuitas e
interativas como o BandLab – que funciona no próprio browser do notebook ou como aplicativo de
celular - foi possível trabalhar diversos aspectos práticos e teóricos com os estudantes, estimulando o
fazer artístico e um olhar crítico sobre a composição e movimentos da história da música. A seguir
apresentamos a metodologia, resultados, discussões e considerações deste trabalho.

METODOLOGIA
Inicialmente definimos a plataforma BandLab como principal recurso didático, já que o programa
é gratuito, possui aplicativo para smartphone e funciona diretamente no browser do navegador da
internet. O BandLab também funciona como uma rede social colaborativa onde outras pessoas podem
tanto avaliar como contribuir com o seu trabalho.
Em um segundo momento efetuamos uma capacitação básica sobre atributos do som, sistemas
de escrita da produção musical – sons analógicos, linguagem MIDI, conceitos básicos de síntese
sonora subtrativa - e um tutorial de uso da plataforma.
As abordagens teóricas que norteiam esse trabalho se fundamentam na aprendizagem
significativa e na exploração do processo criativo. Neste sentido os trabalhos em grupo foram
relevantes para garantir uma diversidade cultural entre os participantes, assim como de níveis de
experiência com a música. A metodologia em todo momento foi experimental juntamente com os
discentes, no sentido de criarem músicas originais a partir de dois critérios previamente definidos:
composição tradicional, na qual os participantes tocam instrumentos virtuais e acústicos, cantam e
gravam suas músicas através do BandLab; ou de colagens, onde a criação se dá a partir de trechos de
música, amostras sonoras de instrumentos e loops disponíveis na plataforma para junção no ambiente
de edição.
Os trabalhos de composições sempre foram uma ferramenta metodológica para as aulas de
música no IFRO Campus Cacoal, porém após a pandemia com o início das aulas remotas transferimos

1
Professor de música do Instituto Federal de Rondônia Campus Cacoal. Graduado em Produção Musical,
Especialista em Educação Musical e Mestre em Comunicação Audiovisual.
a experiência de criação para meio virtual, descobrindo novas possibilidades de criação e interação do
fazer musical para os discentes.

RESULTADOS E DISCUSSÕES
O ensino tradicional de música se pauta na audição do repertório musical, prática técnica do
instrumento e estudos teóricos relacionados a escrita musical e composições tradicionais ocidentais. O
exercício da criação é realizado muitas vezes somente em cursos de ensino superior ou técnicos
musicais. No caso deste trabalho, as aulas de música acontecem como conteúdo da disciplina de Artes
presente no primeiro ano do ensino médio técnico do Instituto Federal de Rondônia. A sua ementa atual
possui um caráter exclusivamente histórico. O que propomos para as aulas com estas turmas é o
exercício da criatividade através do fazer musical, de fato. A criatividade, pela perspectiva de Paulo
Freire,
resulta da reflexão crítica (coletiva) a respeito do mundo, da consciência de si mesmo
e do mundo e de um conhecimento da realidade que permita transcendê-la. Porém essa
criatividade será libertadora somente se a dimensão da reflexão se converter (ou se
subverter) em ação transformadora ou, ainda, em transformação criadora. (BARBOSA,
2014, p. 163).

Ainda relacionando a importância do desenvolvimento da criatividade no processo metodológico


deste trabalho, para Alencar e Fleith (2003)

um professor que visa desenvolver o potencial criativo de seus alunos pode: − fortalecer
traços de personalidade, como, autoconfiança, curiosidade, persistência,
independência de pensamento, coragem para explorar situações novas e lidar com o
desconhecido; − diversificar as estratégias de ensino em sala de aula; ajudar o aluno
a se desfazer de bloqueios emocionais, como, o medo de errar, o medo de ser criticado,
motivados por sentimentos de inferioridade e insegurança; − utilizar atividades que
possibilitem ao aluno exercitar seu pensamento criativo; − propiciar tempo adequado
para o aluno pensar e desenvolver suas ideias; − cultivar o senso de humor em sala de
aula.

Como o contato da turma com disciplina é extremamente curto (geralmente um semestre), é


necessário entender o contexto e o background cultural e musical que estes trazem para o ambiente
da sala de aula. Neste ponto, a abordagem se dá em aulas com diversas audições musicais de
repertório musical variados para entendimento do universo musical mais familiar aos discentes, para
então definirmos uma estratégia de ensino da prática de composição. Aqui o conceito da aprendizagem
significativa se torna extremamente relevante, “pois é um processo no qual uma nova informação é
relacionada a um aspecto relevante, já existente, da estrutura de conhecimento de um indivíduo”
(NOVAK, 1984, p.56).
Para o musicólogo britânico Andrew Hugill, as novas tecnologias aplicadas à música fazem
surgir uma nova categoria de músicos, a qual ele define como Músico Digital (Digital Musician), e foi a
partir desta linha de pensamento que se propomos inicialmente a concepção conceitual da abordagem
do método com as turmas do ensino médio. Hill salienta que o músico digital desenvolve um conjunto
de habilidades de diferentes áreas da música como performer, compositor, engenheiro de som, artista
de som e de ouvinte crítico ou informado (HILL, 2018, p. 296). Essa diversidade possibilita que o mesmo
não se prenda aos conceitos mais tradicionais de “música popular” e “música erudita”:

It is almost a cliché of cultural studies that, for example, a division exists between
‘popular’ music and ‘art’ music. It is a central argument of this book that (at last!) this
distinction is being eroded in digital culture. Whereas, in the past, a ‘highbrow’ musician
was usually ‘classically trained’ and a ‘lowbrow’ musician was not, the new technologies
are enabling the emergence of a new kind of musician, whose work resists easy
classification in either sector and who may move comfortably into a range of situations.
(HILL, 2018, p. 49).

Através dessas concepções foi interessante observar o resultado eclético e diversificado das
composições musicais cridas em sala de aula. Aproximadamente, desde o início das aulas remotas,
foram compostas em torno de trinta e seis obras originais pelos discentes, sejam através do método de
composição tradicional ou de colagens. Os trabalhos foram de canções populares, sinfônicas,
colagens, eletrônica e até experimentais com ruídos captados em diversos ambientes ou de sons de
notificações de celulares e computadores.
Na primeira abordagem propomos um tema livre e um gênero musical definido, o que gerou um
impasse de criação por conta de habilidades técnicas específicas de alguns estilos. Decidimos então
alterar para propor uma temática definida anteriormente e uma lista para escolha de gêneros musicais
de períodos históricos estudados em sala de aula. Nesta segunda tentativa os discentes se sentiram
mais confiantes na produção e ousaram se arriscar mais no processo criativo.
Observamos também, como resultado do método, que o fazer musical deixou de ser para a
maioria algo que é propagado no imaginário popular como inalcançável para pessoas que não tenham
habilidades natas para a música. Os conteúdos históricos e teóricos passaram a ter uma discussão
mais crítica e aprofundada já que os participantes desenvolveram mais habilidades de audição
consciente e analítica de repertórios musicais.

CONSIDERAÇÕES
Considerando que a aplicação da metodologia de aprendizado da música através da
composição musical no BandLab, que também pode ser estendido para qualquer software de produção
musical, e também por ser aplicada em cursos que não são voltados para área artística – já que os
cursos oferecidos no campus são de informática, agroecologia e agropecuária – foi extremamente
satisfatório ouvir os resultados das composições musicais, assim como o desenvolvimento crítico dos
discentes a respeito do conteúdo da disciplina. Em um cenário onde estes adolescentes não possuem
tempo na carga horária para ensino de música formal, através de instrumentos acústicos – até mesmo
pois na data em que este resumo é escrito, o campus também não possui instrumentos disponíveis
para aulas – as ferramentas digitais de produção possibilitam uma educação musical mais significativa
no sentido de possibilitar um resultado prático e de expressão destes alunos em um curto espaço de
tempo. É válido também salientar que o próprio meio musical vem se transformando no sentido de
aderir a recursos antes não disponíveis, ampliando e diversificando a composição, os meios
performáticos e de distribuição da música.
REFERÊNCIAS

ALENCAR, E. S. de; FLEITH, D. de S. Criatividade: múltiplas perspectivas. Brasília: UnB, 2003.


BARBOSA, Roberto Gonçalves Educação científica e tecnológica para a participação: Paulo Freire e a
criatividade / Roberto Gonçalves Barbosa. – Londrina, 2014. 163 f. : il.
HILL, Andrew. The digital musician. Third edition. New York; Londo: Routledge, 2018. Kindle Edition.
NOVAK, J.D. and GOWIN, D.B. (1984). Learning how to learn. Cambridge, Cambridge
University Press

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