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Abdias do Nascimento 

(Franca, 14 de março de 1914 — Rio de Janeiro, 23 de maio de 2011)


foi ator, poeta, escritor, dramaturgo, artista plástico, professor universitário, político e ativista dos direitos civis e humanos das
populações negras brasileiras.

Considerado um dos maiores expoentes da cultura negra e dos direitos humanos no Brasil e no mundo, foi oficialmente indicado
ao Prêmio Nobel da Paz de 2010.[1] Fundou entidades pioneiras como o Teatro Experimental do Negro (TEN), o Museu da Arte
Negra (MAN) e o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (IPEAFRO). Foi um idealizador do Memorial Zumbi e do
Movimento Negro Unificado (MNU) e atuou em movimentos nacionais e internacionais como a Frente Negra Brasileira,
[2] a Negritude e o Pan-Africanismo. Quando jovem, durante quatro a cinco meses em 1936, foi membro da Ação Integralista
Brasileira,[3] onde atuou como jornalista, tendo se desligado no início de 1937 por se opor a "um segmento sistematicamente
racista contra os negros" dentro do movimento.[4] Atuou no antigo Partido Trabalhista Brasileiro (1945-65) e foi fundador
do Partido Democrático Trabalhista em 1981, chegando a ser vice-presidente da legenda a que foi filiado até sua morte.[5]
Foi professor emérito na Universidade Estadual de Nova Iorque em Buffalo, campus de Buffalo, onde, durante seu exílio do
regime militar, ele foi professor titular por dez anos. Nascimento atuou como professor visitante na Escola de Artes Dramáticas
da Universidade Yale. Convidado pelo Fórum das Humanidades da Universidade Wesleyan, também nos Estados Unidos, ele
participou na condição de professor visitante, com alguns dos mais destacados intelectuais da época, do Seminário "A
Humanidade em Revolta". Foi professor convidado do Departamento de Línguas e Literaturas Africanas da Universidade de Ifé,
em Ifé, Nigéria. Voltando do exílio, foi deputado federal e senador da República, além de secretário do governo do Estado do Rio
de Janeiro.

Biografia
Família
Filho de Georgina Ferreira do Nascimento (conhecida como Dona Josina), doceira e ama de leite, e de José Ferreira do
Nascimento, sapateiro e violonista,[6] Abdias do Nascimento era neto de mulheres escravizadas. A avó materna, Francelina, foi
internada no famigerado asilo de Juquery e sofreu sérias consequências dos maus tratos lá recebidos.[7] A avó paterna, Ismênia,
nascida na África, foi estuprada por um português. Por isso o pai de Abdias "carregou, durante seus 95 anos de vida, a dor de
ser um filho 'natural', isto é, de não ter sido reconhecido pelo pai".[8]

Movimento integralista
Abdias participou da Ação Integralista Brasileira, sobre a qual declarou:

As lutas nacionalistas e anti-imperialistas, a oposição ao capitalismo e à burguesia, foram os temas


que me atraíram para as fileiras integralistas. Etapa importante da minha vida. No integralismo foi onde
pela primeira vez comecei a entender a realidade social, econômica e política do país e as implicações
internacionais que o envolviam. A juventude integralista estudava muito e com seriedade. Encontrei e
conheci pessoas de primeira qualidade como um San Tiago Dantas, Gerardo Mello Mourão ou Roland
Corbisier; assim como um Rômulo de Almeida, Lauro Escorel, Jaime de Azevedo Rodrigues (falecido),
o bravo embaixador brasileiro num país europeu que se demitiu da carreira após o golpe militar de
1964; ou ainda D. Hélder Câmara, Ernâni da Silva Bruno, Antônio Galloti, M. Mazei Guimarães e
muitos outros. Conheci bem de perto o chefe integralista Plínio Salgado de quem em certa época fui
amigo. Dentro do integralismo eu me separava do movimento negro, mantendo assim duas atividades
paralelas. Logo que percebi, concretamente, o racismo dentro do integralismo, me desliguei
definitivamente desse movimento político.

— NASCIMENTO, Abdias do. Entrevista. In CAVALCANTE, Pedro Celso Uchôa e RAMOS, Jovelino
(orgs) Memórias do exílio. 1964/19??. De muitos caminhos, São Paulo, Livraria Livramento, 1978, Vol.
1, p. 30.
Dentro da AIB, trabalhava no gabinete de Plínio Salgado. Participava dos círculos de estudantes integralistas. Segundo Gerardo
Melo Mourão, "Abdias se dedicou exclusivamente ao problema da raça negra, da redenção dos negros brasileiros, dizia que era
a missão dele e era realmente uma coisa tão importante".[9]
Abdias de Nascimento na peça “Otelo”, 1946. Arquivo Nacional.

Anos mais tarde, no pós guerra e em um contexto de disputas políticas na UNE, seu passado integralista foi usado como
pretexto para deslegitimar sua atuação política. Em publicação de 1976, disse: "não tinha nada a declarar naquela espécie de
autocrítica sob coação. Nada havia no meu passado para lamentar ou arrepender. (...) Passei por aquilo e larguei para trás.
Mudei. (...) Sofri o racismo no meio integralista e denunciei o fascismo. Não iria agora me submeter a uma nova manobra de
cunho nazi-fascista. Então eles (os donos da UNE) expulsaram a mim, ao Aguinaldo Camargo e ao Rodrigues Alves sob a
acusação de que éramos racistas!"[10][11]

Regime militar
Com o endurecimento do regime militar, Abdias exila-se por 13 anos no exterior. Na mesma época, o TEN é dissolvido e Abdias
se afasta do teatro, conduzindo sua militância política por outros caminhos, tendo lecionado como professor universitário, e
dedicando-se à pintura e à pesquisa de visualidades relacionadas à cultura religiosa afro-brasileira[12].
Durante essa época, formou junto com Gerardo Melo Mourão, Godofredo Iommi, Efrain Bo, Raul Young e Napoleón López uma
aliança poética chamada La Santa Hermandad de la Orquídea. Em 1940, "os orquídeas" iniciaram sua jornada pela Amazônia
passando por todos os tipos de dificuldades físicas e econômicas, de acordo com o que foi registrado por Juan Raúl Young, em
uma carta de 1978 endereçada a Abdias, na qual resgata suas memórias desta viagem:

Citação: Em nosso tempo livre, Godô (Godofredo Iommi) lia para nós A Divina Comédia, escrita em italiano antigo. Godô leu,
traduziu e fez sua interpretação existencialista, que era a filosofia que nos formava na época, e com ela interpretamos (A Divina
Comédia) como uma jornada ontológica, ou seja, como a construção do ser de Dante.[13]
Segundo a historiadora e intelectual negra Maria Gerlane Santos de Jesus, Abdias era uma das principais influências na luta
antirracista:

A figura do Abdias Nascimento é sem dúvida emblemática no século XX e seu envolvimento na luta
antirracista (e não só) é louvável, pois não temos como falar do século XX e da luta antirracista sem
lembrar do nome do Abdias Nascimento, que lutou por essa causa tanto como militante, quanto
intelectual, como artista. Foi influência para muitos militantes negros que a partir da década de 1970
passaram a entrar nos meios acadêmicos e assim, ao invés de verem suas histórias escritas por
intelectuais predominantemente brancos, começaram, assim como Abdias nascimento, escrever suas
histórias, as histórias dos seus povos.

—  Maria Gerlane Santos de Jesus (2015), A representação do negro nas Revistas Veja e Isto é:
Abdias Nascimento, o movimento negro e o centenário da abolição (1978-1988), Universidade do
Estado de Santa Catarina, Wikidata Q106513141
Redemocratização e vida política
Após a volta do exílio (1968-1978), insere-se na vida política (foi deputado federal de 1983 a 1987, e senador da República de
1997 a 1999 pelo Partido Democrático Trabalhista assumindo a vaga após a morte de Darcy Ribeiro), além de colaborar
fortemente para a criação do Movimento Negro Unificado (1978). Em 2006, em São Paulo, criou o dia 20 de novembro como o
dia oficial da consciência negra.[14]
Foi casado com Maria de Lourdes Vale Nascimento, assistente social, ativista e jornalista.[15] Foi casado uma segunda vez com
a atriz Léa Garcia, com quem teve dois filhos, e sua última esposa foi a norte-americana Elizabeth (Elisa) Larkin, com quem teve
um filho.[16][17]
Morte
Abdias morreu em 23 de maio de 2011, aos 97 anos, devido a uma insuficiência cardíaca. Ele estava internado desde abril
no Hospital dos Servidores do Rio de Janeiro por causa de uma pneumonia, que agravou problemas cardíacos e renais crônicos
e não resistiu às complicações da doença.[18][19]

Publicações
•Abdias Nascimento, um espírito libertador. Catálogo de exposição de pinturas. Museu de Arte Contemporânea de Niterói /
IPEAFRO, 2020. ISBN 978-85-85896-56-0
•O Quilombismo. Documentos de uma Militância Pan-Africanista, 3a. ed. Com textos de Kabengele Munanga e Valdecir
Nascimento. São Paulo: Editora Perspectiva / IPEAFRO, 2019. ISBN 978-85-273-1149-6
•O Genocídio do Negro Brasileiro, 3a. ed. Com textos de Wole Soyinka, Florestan Fernandes, Elisa Larkin Nascimento. São
Paulo: Editora Perspectiva / IPEAFRO. 2016. ISBN 978-85-273-1080-2
•Ocupação Abdias Nascimento. Catálogo de exposição no Itaú Cultural. São Paulo: Itaú Cultural / IPEAFRO, 2016. ISBN 978-
85-7979-089-8
•Africans in Brazil: a Pan-African perspective (1997)
•Race and ethnicity in Latin America - African culture in Brazilian art (1994)
•Brazil, mixture or massacre? Essays in the genocide of a Black people (1989)
•O Griot e as Muralhas, com Éle Semog. Rio de Janeiro, Pallas, 2006. ISBN 85-347-0389-2
•Quilombo. Edição em fac-smile do jornal dirigido por Abdias Nascimento.São Paulo, Editora 34, 2003.[20]
•O Quilombismo,2a.ed. Brasilia/ Rio de Janeiro: Fundação Cultural Palmares / OR Produtor Editorial Independente, 2002. ISBN
85-88155-16-8
•O Brasil na Mira do Pan-Africanismo. Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais / EDUFBA, 2002. ISBN 85-232-0251-X
•Orixás: os Deuses Vivos da África/ Orishas: the Living Gods of Africa in Brazil. Rio de Janeiro/ Philadelphia: Instituto de
Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros IPEAFRO / Temple University Press, 1995. ISBN 85-85853-01-8
•A Luta Afro-Brasileira do Senado. Brasília: Senado Federal, 1991.
•Povo Negro: A sucessão e a “Nova República”. Rio de Janeiro: Ipeafro, 1985.
•Jornada Negro-Libertária. Rio de Janeiro: Ipeafro, 1984.
•Axés do Sangue e da Esperança: Orikis. Rio de Janeiro: Achiamé e RioArte, 1983. (Poesia.)
•Sitiado em Lagos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.
•O Quilombismo. Petrópolis: Vozes, 1980.
•Sortilégio II: Mistério Negro de Zumbi Redivivo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. (Peça de teatro.)
•Sortilege: Black Mystery, trad. Peter Lownds. Chicago: Third World Press, 1978.
•Mixture or Massacre, trad. Elisa Larkin Nascimento. Búfalo: Afrodiaspora, 1979.
•O Genocídio do Negro Brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
•Racial Democracy” in Brazil: Myth or Reality, trad. Elisa Larkin Nascimento, 2.ª ed.  Ibadã: Sketch Publishers, 1977.
•Racial Democracy” in Brazil: Myth or Reality, trad. Elisa Larkin Nascimento, 1.ª ed.  Ilê-Ifé:  Universidade de Ifé, 1976.
•Teatro Experimental do Negro, 1959. (Peça de teatro.)

Filmografia
•O Homem do Sputnik (1959)
•Cinco Vezes Favela (1962)
•Terra da Perdição (1962)
•Cinema de Preto (2005)
•Abdias Nascimento – memória negra (2008), de Antonio Olavo[21]
•Abdias Nascimento, documentário da TV Câmara, de Fernando Bola (2011)[22]
•Abdias: raça e luta, documentário da TV Senado, de Maria Maia (2012)[23][24]
•Abdias Nascimento (2013), de Aída Marques
Homenagens
•Doutor honoris causa — Universidade Federal da Bahia (UFBA)[25]
•Doutor honoris causa — Universidade de Brasília (UnB)[26]
•Doutor honoris causa — Universidade Obafemi Awolowo, da Nigéria[25]
•Doutor honoris causa — Universidade do Estado da Bahia (Uneb)[25]
•Doutor honoris causa — Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)[27]
•Professor emérito da University at Buffalo, The State University of New York (SUNY Buffalo)[28]
Homenagens póstumas
•Em 2012 foi homenageado pela escola de samba Acadêmicos de Vigário Geral, que apresentou o enredo "Abdias Nascimento:
Uma vida de lutas", no carnaval carioca.[29]
•Comenda Senador Abdias Nascimento — Criada pela Resolução n.º 43, de 22 de novembro de 2013 do Senado Federal[30].
•Em 14 de setembro de 2017 teve seu nome dado a um navio da Transpetro - Petrobras Transporte.[31]

Referências
1. ↑ Abdias Nascimento indicado ao Prêmio Nobel da Paz 2010
2. ↑ Geledés, Abdias fala da Frente Negra Brasileira. Acesso em 19/6/2020.
3. ↑ http://www.museuafrobrasil.org.br/pesquisa/história-e-memória/historia-e-memoria/2014/12/10/abdias-nascimento
4. ↑ Depoimento transcrito no livro O Griot e as Muralhas, de Abdias Nascimento e Éle Semog (Rio de Janeiro: Pallas, 2006), p. 84-85.
5. ↑ [Fonte: Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós 1930. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2001]
6. ↑ Nascimento, Abdias (2019). O Quilombismo, 3a. ed. São Paulo: Perspectiva. pp. 39–40
7. ↑ Nascimento, Elisa Larkin (2014). Grandes Vultos que Honraram o Senado: Abdias Nascimento. Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições
Técnicas. pp. 101–103
8. ↑ Nascimento, Abdias; Semog, Éle (2006). Abdias Nascimento: O Griot e as Muralhas. Rio de Janeiro: Pallas. pp. 30; 37; primeira página do primeiro
caderno de imagens
9. ↑ «Entrevista com o Sr. Gerardo Mello Mourão». Câmara dos Deputados. 14 de novembro de 2001. Consultado em 12 de maio de 2018
10.↑ NASCIMENTO, Abdias do. Entrevista. In CAVALCANTE, Pedro Celso Uchôa e RAMOS, Jovelino (orgs). Memórias do exílio. 1964/1978. De muitos
caminhos. Vol. 1, cit., loc. cit.
11.↑ CAVALCANTE, Pedro Celso Uchôa e RAMOS, Jovelino (orgs). Memórias do exílio em PDF
12.↑ Cultural, Instituto Itaú. «Abdias Nascimento». Enciclopédia Itaú Cultural. Consultado em 23 de setembro de 2020
13.↑ T. Gigia. 2008. La Santa Hermandad de la Orquídea. Acto primero de la poesía viva p.7 (em Espanhol)
14.↑ * Joseph A. Page (1995), The Brazilians. Da Capo Press. ISBN 0-201-44191-8.
15.↑ «Abdias do Nascimento». Fundação Getúlio Vargas. Consultado em 4 de agosto de 2021
16.↑ Brasil, CPDOC-Centro de Pesquisa e Documentação História Contemporânea do. «Abdias do Nascimento». CPDOC - Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil. Consultado em 4 de maio de 2021
17.↑ Larkin Nascimento, Elisa (2014). Abdias Nascimento - Grandes vultos que honraram o Senado (PDF). Brasília: Senado Federal. p. 18-19
18.↑ Antônio Gois (ed.). «Morre o ativista Abdias do Nascimento». Folha de São Paulo. Consultado em 6 de agosto de 2021
19.↑ «Morre no Rio Abdias Nascimento, ativista do movimento negro». Consultado em 6 de agosto de 2021
20.↑ Cunha, Vanessa Lima (31 de dezembro de 2012). «Quilombo: a voz do Teatro Experimental do Negro (Rio de Janeiro, 1940/1950)». Revista
Cadernos de Clio (1). ISSN 2447-4886. doi:10.5380/clio.v3i1.40401. Consultado em 26 de novembro de 2021
21.↑ http://www.ipeafro.org.br/home/br/acervo-digital/43/52/139/abdias-nascimento-memoria-negra-de-antonio-olavo Arquivado em 25 de novembro de
2013, no Wayback Machine. ACERVO IPEAFRO
22.↑ Lançamento do documentário sobre a vida de um dos maiores ativistas do movimento negro no Brasil
23.↑ Documentário sobre Abdias do Nascimento]
24.↑ Abdias, raça e luta
25.↑ Ir para:a b c Itaú Cultural. «Ocupação Abdias Nascimento». Consultado em 31 de agosto de 2020
26.↑ Universidade de Brasília (2006). «Universidade de brasília». Resolução do CONSUNI 28. Consultado em 20 de novembro de 2014. Arquivado
do original em 27 de novembro de 2014
27.↑ «Morre o ex-deputado Abdias Nascimento, precursor do movimento negro». 24 de maio de 2011. Consultado em 31 de agosto de 2020
28.↑ University at Buffalo. «Our Colleagues». Obituaries (em inglês). Consultado em 20 de novembro de 2014. Arquivado do original em 29 de
novembro de 2014
29.↑ «Galeria do Samba: Acadêmicos de Vigário Geral 2012»
30.↑ Senado Federal (22 de novembro de 2013). «Resolução n.º 47». Consultado em 20 de novembro de 2014. Arquivado do original em 29 de
novembro de 2014
31.↑ «Frota Transpetro». Transpetro. Consultado em 26 de novembro de 2021

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