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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

antivíricos

A incidência das infeções víricas é grande. Particularmente, nos últimos 2 anos parece que ultrapassa
qualquer outra problemática (mas, na realidade, não: as resistências aos antibióticos e as infeções
bacterianas estão muito associadas a estas comorbilidades).
Dependendo da capacidade que os vírus têm de mutarem (ou não), temos alguns que nos causam problemas
e outros que se resolvem com vacinação.
De acordo com a OMS (2019), os principais agentes víricos (e consequentes doenças) são: hepatite B,
HIV, Influenza, hepatite C, HPV e outros não tão disseminados (de regiões mais endémicas, como o dengue,
zika), etc.
Efetivamente, há vírus que conseguimos eliminar com a vacinação, o que pode não vir a ser o caso do
SARSCoV2 (pelo tipo de mutações que pode sofrer)- ex: tosse convulsa e poliomielite. Já vírus como o
Influenza, apesar de haver vacinação, sofre rápidas mutações e temos, então, de ter antivíricos disponíveis
na terapêutica. Noutros casos que evoluem para doença crónica (ex: hepatite B e HIV), em que não temos
alternativas de vacinação é, também, importante a administração de antivíricos.
Os antivíricos começam, cada vez mais, a ser classificados em duas grandes áreas: os que atuam
diretamente em alvos do vírus, responsáveis pela sua sobrevivência e os que atuam em alvos do hospedeiro
(afetando o ciclo de vida do vírus, as respostas imunológicas e incluem um arsenal terapêutico não só de
pequena molécula mas também vacinas, interferões e anticorpos.

Os vírus são parasitas intracelulares


e usam o hospedeiro para se replicarem
(dependem dele). Podem ter DNA ou RNA
(mas nunca os 2 juntos) e, dentro do RNA
são maioritariamente de cadeia simples
(e, no caso dos de DNA, maioritariamente
são de cadeia dupla). Podem assumir
tamanhos variados bem como o número de
proteínas que codificam (no caso do covid, grande).
Estrutura inclui ácido nucléico, membrana (cápside)- o conjunto chama-se nucleocápside. Muitos vírus
têm, ainda, invólucro que tem proteínas de superfície (que resultam, muitas vezes, do hospedeiro).
Quanto aos ciclos de vida, estes põe a descoberto
os alvos terapêuticos para o drug design.
Genericamente temos esse ciclo de vida.
Temos o virião (que corresponde à partícula
madura, a que está/sobrevive no exterior das
células do hospedeiro), dá-se o reconhecimento
molecular (que permite a entrada numa célula do
hospedeiro)- adsorção (ligar o vírus à membrana
exterior do hospedeiro). Depois - e dependendo do

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tipo de vírus que temos (vírus como o SARSCoV2 têm 2 mecanismos de entrada), o vírus pode entrar por
fusão ou por endocitose ocorrendo, de seguida, a descorticação (libertação da nucleocápside e do material
genético do vírus). Posteriormente, dá-se a transcrição (que é necessária para a produção de proteínas
Iniciais (reguladoras e da replicação- ex: DNApolimerase, transcriptase reversa, etc) para a replicação) e a
replicação (dependente de, por exemplo, pré-mRNA). No final, dá-se a produção das proteínas tardias
(estruturais), a reunião de todos estes elementos e a sua aproximação da zona da membrana do hospedeiro,
ocorrendo a libertação do vírus maduro (virião).

Os fármacos com ação direta nos vírus vão, assim, atuar em alvos importantes para o seu ciclo de vida
(diferentes dos que existem nos humanos. Mas, como os vírus são muito mais pequenos e simples, têm menos
proteínas e isto torna-se mais difícil comparativamente a outros parasitas). Há mecanismos de toxicidade
seletiva que se tentam atingir (sendo estes mais limitados em relação a outros quimioterápicos). Pretende-se
criar antivíricos de largo espetro (para não termos apenas um fármaco para dada infeção e para que tenhamos
fármacos que atuem em situações de resistências).

Quanto à sua descoberta, surgiram por volta de 1950/1960 mas, mesmo estas descobertas revelaram-se
muito pouco eficazes e muito tóxicas.
Os primeiros antivíricos eram extremamente tóxicos (primeiro para herpes, depois para Influenza,
herpes novamente e, por último, um “boom” dos AV- que começa com uma pandemia (a SIDA- doença, na
altura, com muito estigma social. Urgência de encontrar um tratamento para o HIV). Isto veio associado a um
ao descodificar do genoma vírico (com todos os desenvolvimentos técnicos e metódicos quer na microbiologia
molecular, quer na engenharia química) que permitiu a replicação dos próprios vírus e o trabalho deles em
laboratório.
O AV ideal deve reunir as seguintes características (equivalentes às de um quimioterápico): elevada
especificidade e toxicidade seletiva, largo espetro, não desenvolver resistência (grande problema, que leva a
uma necessidade contínua de procura de novos AVs).

O caminho não passa só pela descoberta de AV de ação direta/que atuam diretamente no vírus-
problemas de interações, de resistência, de custo e de desenvolvimento. Estes problemas estão, muitas
vezes, associados a comorbidades (ex: muitas vezes, uma infeção por HIV vai conduzir a uma panóplia de
infeções (coinfeções) , sejam elas fúngicas, bacterianas ou, até, víricas (o vírus usa a maquinaria do
hospedeiro e este fica imunocomprometido)).
Para combater estas situações e resistência, tem-se vindo a perceber que é útil a descoberta de AVs que
atuem no hospedeiro (normalmente designados por antivíricos de largo espetro- não estão tão dependentes
do tipo de vírus; melhoram o sistema imunológico. Outras vezes, este alvo é dependente do mecanismo de
replicação do vírus). Em suma: melhoram alguns aspetos negativos dos AVs com ação direta (vimos isto no caso
do covid, em que a primeira abordagem foi usar fármacos que já estavam na terapêutica e cuja ação tem mais
a ver com o nosso sistema imunológico e a sua resposta do que propriamente com o vírus (mais tarde, com o
remdesivir). Claro que isto está associado a problemas de menor especificidade e imunológicos.
Estudos feitos com AVs de origem natural revelam que estes atuam, muitas vezes, nos recetores de
entrada dos vírus, impedindo-a ou, até, noutros alvos intracelulares do hospedeiro → há diversas estratégias.

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Normalmente, temos inibidores enzimáticos (de enzimas que atuam na replicação do vírus- ex:
DNApolimerase, transcriptase reversa; protease e integrase são outros alvos que têm a sua maior expressão,
etc) e, por isso, são análogos de nucleosídeos (a sua maioria). Estes análogos de nucleosídeos são
antimetabolitos (pois mimetizam o substrato destas enzimas.
Temos, também, análogos não nucleosídeos, oligonucleótidos (fomivirsen- 1ª terapêutica anti-sense:
sequência de RNA complementar de RNA vírico. Produz uma cadeia dupla de RNA que bloqueia a tradução do
RNA vírico e, consequentemente, a síntese de proteínas. É injetável. Não tem qualquer biodisponibilidade oral
e rapidamente poderia ser degradado por nucleases. Este fármaco ainda é usado num caso muito particular:
infeção por CMV (citomegalovírus) em doentes com SIDA (injeção ocular para tratamento de uma infeção
ocular/retinites que levam à cegueira, muitas vezes)).
Estratégia: modificação por isóstero do grupo fosfato terminal (S em vez de O- para ↑ a sua resistência
às enzimas que degradam os nucleótidos.

Nucleósido = base + ribose


Nucleótido = base + ribose + grupo
fosfato

Bases podem ser púricas (A e G) ou


pirimidínicas (C,T e U).

Estereoquímicamente,os
nossos açúcares são D,
β-riboses.

Os nossos nucleosídeos
têm que sofrer mono, di e
trifosforilação antes de entrarem na
cadeia de crescimento. A 1ª fosforilação é feita pelas cinases (enzimas +abundantes que temos),em particular
pela cínase da timina- é muito seletiva (é o passo limitante) em relação às 2ª e 3ª (feitas pela cínase do
timidilato).

A DNApolimerase é um dos alvos (visto


que alguns vírus a possuem, nomeadamente o
vírus do herpes) e o crescimento é 3’→5’.

Com base num análogo nucleósido temos 3


porções que podemos modificar:
● grupo hidroximetil(o que se liga ao grupo
monofosfato)
● açúcar (que é meramente um espaçador daquilo que é o reconhecimento molecular das bases)
● bases (púricas ou pirimidínicas)

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O trifosfato e a base são essenciais quer para a interação com a enzima, quer com a cadeia e o açúcar é o
espaçador que garante a configuração correta.
Tem-se vindo a alterar frequentemente o açúcar. Os AVs sofrem modificações + profundas nos açúcares
e intensos nos outros grupos. Com estas modificações desenvolvemos, então, um AV.
Temos,essencialmente, 2 tipos de vírus:
● os como o herpes, que codificam não só a DNApolimerase como,também, a cinase responsável pela
monofosforilação → este é o ideal: termos um AV que é substrato da cinase do vírus e NÃO da humana- que é
tão limitante em termos de seletividade } este
foi o sucesso na descoberta de AV para vírus
como o herpes (de tão seguro que é, nem é
sujeito a prescrição médica). Este será o melhor
dos cenários: AVs que será
fosforilado/substrato não pela cinase humana
mas sim pela vírica.
● os como HIV (que não codificam para
cinases), cujos fármacos são de uso hospitalar,
tóxicos e com muitas limitações. Assim,
precisamos de desenvolver análogos que sofrem
fosforilação pela cinase humana ⇒ a sua
toxicidade seletiva depende, apenas, da
seletividade para a RNA/DNApolimerase serem diferentes das da humana (é um alvo que ambos têm). O ideal
seria que fosse um inibidor da RNA/DNApolimerase apenas do vírus e não hospedeiro (mas acabam por ter
sempre alguma homologia ⇒ AV acaba por ter
alguma seletividade para a enzima vírica e não
para a do hospedeiro).

MODIFICAÇÕES MOLECULARES | AÇÚCARES

As modificações moleculares dos análogos de


nucleósidos tem sido evolutiva:desde logo se
percebeu que as posições de ligação 2’ e 3’
podiam ser modificadas (retirou-se o OH de C3
⇒ consequência brutal no mecanismo de ação
(se não tivermos OH na posição 3’, paramos a
replicação)- fármacos terminadores de cadeia.
Nos açúcares arabinosos (enantómero/epímero
da ribose),eles até têm o OH em 3’ mas está numaconfiguração oposta (em vez de estar em CIS, está em
TRANS ⇒ impedimento estérico ⇒ terminador de cadeia).
Outra modificação que se fez nos açúcares foi a criação de isósteros de oxigénio (S e C) e de carbono
(S).

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Uma outra modificação muito interessante é a alteração da estereoquímica: em vez de termos D,β (ribose
codificada pelos mamíferos), temos L,∝ ⇒ os vírus não têm uma maquinaria tão diferenciada como a nossa e
reconhecem, indiferentemente, o D do L ⇒ ↑ seletividade (as nossas cinases e DNApolimerase rejeitam esta
estereoquímica, atuando mais sobre o vírus).
Fizeram-se, também, modificações no anel: contração, aumento do seu tamanho, etc.

MODIFICAÇÕES MOLECULARES | BASES

Não se pode mexer muito, pois são essenciais


para o reconhecimento,interação e crescimento
da cadeia. Nas pontes de Watson-Crick é
importante manter as interações de H e
tautomerismo.
No entanto, algumas modificações mais
drásticas foram feitas (de início, hoje em dia já
não é algo que se explore tanto). Ex: 8-aza.

MODIFICAÇÕES MOLECULARES | FOSFATO

Nos últimos anos, fizeram-se modificações


no grupo fosfato ⇒ evolução de análogos de nucleosídeos para análogos de nucleotídeos(para casos de vírus
que não codificam cinases).

Logo no início houve uma alteração diretamente no


fosfato (houve a ideia de administrar, como AV a
porção do pirofosfato, funcionando como inibidora
da DNApolimerase). Então, em vez de se
administrar fosfato (que hidrolisaria muito
rapidamente), fizeram-se modificações para criar
isósteros (com C em vez de O) ⇒ obtiveram-se 2
fármacos: foscarnet (na terapêutica; via injetável
devido aos Os e Ps; é integrado nos nossos
nucleosídeos e causa erros pois inibe a
DNApolimerase, impedindo o crescimento da
cadeia) e ácido fosfórico acético.

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herpes

É um vírus que, pelas suas várias doenças/subfamílias e resistências adquiridas, é prevalente ainda e
dispõe de vários antivíricos disponíveis.
Há 3 famílias (∝, β e ƴ):

● ∝- tipo 1 (HSV-1: labial e encefalites); tipo 2 (HSV-2: genital); varicela zoster (VZV)
● β- citomegalovírus (CMV: muito importante nas grávidas devido a malformações que possam
causar no feto); tipo 6 (HHV-6) e tipo 7 (HHV-7)
● ƴ- Epstein-Barr (EBV: “doença do beijo”/mononucleose) e tipo 8 (HHV-8: associado a um
síndroma de cancro/sarcoma de kaposi)

Os fármacos que vamos ver (apesar disto já estar a ser combatido) atuam apenas quando o vírus está
ativo/ na sua fase de replicação.

O herpes simplex do tipo I aloja-se no nervo vago (na face)-é latente. Só quando é reativado (pela luz,
stress, etc) na sua forma ativa é que temos os AVs a atuar.
É um vírus de DNA e entra por fusão. Tem, como principal alvo, a DNApolimerase.
O que torna o seu tratamento tão eficaz é o facto de não codificar apenas a DNApolimerae vírica mas,
também, uma cinase responsável pela monofosforilação ⇒ fármacos muito + seletivos).

Os fármacos que temos para o tratamento de herpes são, na sua grande maioria, análogos de
nucleosídeos. Atualmente, já temos análogos de fosfonatos de nucleosídeos (= nucleotídeos; já têm o
monofosfato ou o seu isóstero). E, cada vez mais (por causa das resistências),temos outro tipo de fármacos:
os não nucleosídeos.
Essencialmente, atuam nestas duas situações: podendo ser substrato/inibidor da DNApolimerase ou da
cinase da timidina.

O fármaco líder e de maior sucesso introduzido na terapêutica foi o aciclovir. Ele difere no açúcar. Foi o
primeiro derivado acíclico a ser introduzido (modificação molecular substancial). O facto de ser tão diferente
dos nosso, leva a que ele não seja reconhecido pelas
nossas cinases (não é reconhecido pela 1ª cinase da
monofosforilação da timina). OTC pois é muito
seguro.
Foi descoberto por screening. Estava a ser
investigado como inibidor de uma enzima que
metaboliza 1ª AV a ser descoberto (que era um
análogo nucleosídico que sofria rápida
metabolização por desaminação). Perceberam,

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então, que tinha atividade antivírica e, até, melhor do que a do AV que existia. Percebeu-se, ainda, que era
muito + seguro ⇒ foi rapidamente substituído.Foi o primeiro AV seguro e não tóxico- grande marco.
Atualmente é utilizado no tratamento de herpes simplex dos tipos 1 e 2, da varicela zoster.
Contudo, tem um problema: não tem biodisponibilidade oral.

MECANISMO DE AÇÃO: É um pró-fármaco


bioprecursor, sofre uma série de fosforilações
para ser ativo. Só é reconhecido pelas cinases
dos vírus (por ser acíclico e tão diferente dos
nossos nucleosídeos) ⇒ só atua em células
infetadas (seletivo)- pode entrar em todas as
células mas só é ativo nas células que têm vírus
(só essas fazem a monofosforilação pela cinase
vírica; a di e trifosforilações são feitas pela
cinase humana). É na forma trifosforilada que
eles mimetizam os nosso análogos nucleotídeos
trifosforilados e competem com eles para o
alvo (DNApolimerase vírica). É 50x + seletivo
para a DNApolimerase vírica do que para a
humana. É um terminador de cadeia (não tem OH em 3’).
É substrato da cinase da timidina vírica e não da humana.

*TODOS OS ANÁLOGOS DE NUCLEOSÍDEOS SÃO PRÓ-FÁRMACOS


(é na forma trifosforilada que se ligam ao alvo, inibindo-o)*

Outro problema do aciclovir é que só tem


ação para herpes dos tipos 1 e 2, não atuando
contra CMV (pois a sua cinase de timina
diferente, + específica e que não o reconhece ⇒
aciclovir não é substrato desta cinase ⇒ não
atua neste vírus).

No CMV (problemático em situações de


gravidez e em imunossuprimidos- malformações
e retinites, respetivamente), atua um análogo do
aciclovir (depois descoberto): o ganciclovir (1ª
opção na terapêutica; hoje em dia difere apenas
pela presença de um grupo hidroximetileno ⇒ NÃO é terminador de cadeia: o OH mimetiza/ocupa a posição
3’(temos que imaginar que a ribose fecha)), que é + parecido com as nossos e, por isso, é reconhecido pela
cinase do CMV. Tal como o aciclovir, tem baixa biodisponibilidade oral (Ns, Os ⇒ é muito polar).

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Quer o ganciclovir, quer o seu análogo (e pró-fármaco do aciclovir), desciclovir, tem baixa
biodisponibilidade oral (aciclovir usado a nível tópico). No entanto, o valaciclovir é administrado sob a forma
de comprimido.

Como resolveu o problema da baixa biodisponibilidade oral? Estratégia de pró-fármacos.

Valaciclovir: pró-fármaco com carregador.

Todos os pró-fármacos antivíricos são pró-pró-fármacos (já vimos pelo seu mecanismo de ação que,
intrinsecamente já são pró-fármacos- precisam da trifosforilação).

O vala(de valina- é reconhecido


pelos nossos transportadores de a.a.
intestinais. Apenas o L-valina é
reconhecido. O D-valaciclovir não
era reconhecido)aciclovir (apesar de
ser muito polar, tem
biodisponibilidade oral)- é um
fármaco cavalo-de-tróia. A nível da
circulação sistémica, intestino e
fígado sofre ação das esterases
ubíquas e forma o aciclovir que é
QUASE o “fármaco ativo” (ainda
tem que sofrer a trifosforilação).
Outro análogo (que não tem
tanta expressão; não é usado em
Portugal) bioprecursor é o desciclovir (usa uma enzima metabólica que temos- xantina oxidase (responsável
pela acumulação de ácido úrico- gota)- para a sua ativação. É + solúvel em água mas o valaciclovir é melhor em
termos de biodisponibilidade oral.

Outros análogos de nucleosídeos


foram explorados (até agora, são todos
análogos da 2‘-desoxiguanosina), como o
penciclovir (pró-fármaco bioprecursor) e
o famciclovir (+ utilizado; pró-fármaco
com carregador do penciclovir acetilado
nos 2OHs), que sofrem, também,
trifosforilação.
O penciclovir difere do ganciclovir
na base (topo do aromático) e, também, na
cadeia alquílica não tem O, é um isóstero.

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Estas modificações tiveram o objetivo de melhorar as características do aciclovir ⇒ > duração de ação
(penciclovir) mas o mais utilizado é o famciclovir (> biodisponibilidade).

O aciclovir foi, então, o fármaco líder desta


classe, pela sua segurança e não toxicidade (análogo
acíclico ⇒ não era reconhecido pelas cinases
celulares ⇒ seletivo para a cinase vírica).
No entanto (1950s), a vidarabina foi um dos 1ºs
fármacos antivíricos (e análogos nucleósidos) a ser
introduzidos (e um dos 1ºs provenientes de produto
marinho: não é diretamente proveniente da esponja,
sofre uma modificação).
Foi, durante muito tempo, conhecida como Ara-A
(sendo que vamos falar da Ara-C nos
anticancerígenos-também um análogo nucleósido que
teve atividade como anticancerígeno- é pouco seletiva: inibe a DNApolimerase vírica mas, também,a humana).

MECANISMO DE AÇÃO: inibidora da


DNApolimerase vírica (não seletiva para a humana
mas ainda com alguma seletividade-
estruturalmente o seu açúcar é a arabinose, com
os 2 OHs em TRANSe, por impedimento estérico,
é um terminador de cadeia ⇒ seletividade para a
DNApolimerase vírica.

O facto de ser, também, fosforilada por uma cinase humana, contribuiu para que caísse em desuso, tendo
ação essencialmente tópica.

Antes da Ara-A, descobriu-se a idoxuridina (o verdadeiro 1º antivírico introduzido na terapêutica) e a


trifluorotimidina. São também, análogos nucleosídeos, não diferindo muito no açúcar (poucas modificações),
não sendo terminadores de cadeia. Houve uma mudança sim, na base. São análogos da timina e da uridina.
Foram feitas centenas de análogos
que estão na terapêutica (mas
apenas com aplicação tópica, pois
são + tóxicos,por serem substrato
da cinase de timina humana).

Outros exemplos, utilizados em


situações + particulares (já nem
estão em Portugal), da exploração
de modificações moleculares (quer

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na base, quer no açúcar) são o zonavir,


sorivudina (BVaraU) e brivudina (cBVDU).No
açúcar começaram-se a desenvolver isósteros
(para ↓ reconhecimento molecular pelas cinases
celulares e ↑ a dos vírus).
A única vantagem destes exemplos está
relacionada com o seu espetro de ação- causam
alguma toxicidade mas são bastante seletivos
para a varicela zoster e, por vezes, ainda são
utilizados no tratamento desta infeção.

No entanto, originam metabolitos tóxicos, pela


quebra do açúcar e da base, potenciando a ação de
toxicidade de anticancerígenos (sobretudo a
brivudina).
Têm tempos de semivida “curtos”pois, ao serem
análogos nucleosídeos sofrem reações de
metabolização idênticas às nossas substâncias
endógena (primeiro problema dos fármacos iniciais
que potenciou a descoberta do aciclovir).

O foscarnet introduziu apenas a parte do fosfato modificada. É um análogo do monofosfato, interessante


em infeções por CMV e com alguma ação na HIV (pois são vírus que não codificam a cinase e ele não depende
da ativação dela, tendo alguma aplicação
terapêutica). Não é de primeira linha mas sim
utilizado em imunossuprimidos e em casos de
resistências. É injetável.

Entretanto, a evolução até de outros AVs que


não fossem análogos de nucleosídeos mas sim
análogos fosfonato de nucleosídeos (análogos de
nucleotídeos). Esta ideia surge para os vírus que
não codificam a cinase (como o HIV) e não para o
herpes e,por isso, tem de ser um fármaco que seja
fosforilado pelas nossas cinases. Só Que as nossas
cinases são muito específicas e,se mudarmos um
petit o fármaco, as cinases deixam de o
reconhecer, não o ativando (sendo que nós precisamos dele na forma trifosforilada). Introduziu-se um grupo
monofosforil em laboratório mas, se o introduzíssemos só assim ele sofreria rapidamente hidrólise por ação
das fosforilases ⇒ criação de isósteros para ↑ estabilidade.

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Assim, surgem fármacos como o cidofovir


(análogo da citidina), de cadeia aberta com um
grupo fosfometileno (ao invés de um
monofosfato, de modo a que não ocorra
hidrólise). Vantagem: atuar em vírus que não
tenham cinase. Neste caso, em particular, é
muito útil no herpes pois tem grande diferença
entre a sua ação sobre a DNApolimerase
humana e a vírica (bastante seletiva para
herpes). Vantagem: é de largo espetro: atua em
herpes tipos 1 e 2 e CMV (pois não precisa da
primeira cinase da timidina para atuar- já está
na forma em que vai ser di e trifosforilada). No
entanto, tem alguma toxicidade renal ⇒ é
administrado em conjunto com um fármaco sentinela (probenacide- para facilitar o seu transporte nos túbulos
renais). É um pró-fármaco (mas não duplo).

Estes análogos fosfonatos de nucleosídeos têm baixa disponibilidade oral e são, muitas vezes, usados em
situações de resistência ao aciclovir. Têm, também, algumas reações adversas associadas (não são fármacos
100% seguros).

Por estas resistências e por só atuarem aquando da replicação viral, têm surgido outras alternativas
(sobretudo para CMV- imunossuprimidos e doentes pós-cirúrgicos).
Há outros alvos que foram estudados, que levaram à descoberta de fármacos não nucleosídeos, como o
ietermovir (atua na fase de replicação, num complexo que existe de terminase do CMV; não precisamos de
saber a estrutura; é um fármaco-órfão- só existe este fármaco para este alvo; é utilizado, até, como
prevenção; 1º fármaco da classe; teve
aprovação acelerada por atuar em
resistências de CMV) e o maribavir (existe em
alguns países; não é análogo nucleosídeo mas
quase que sim (olhando para a sua estrutura
⇒ há alteração de uma base); trata-se de um
benzimidazol; ao contrário dos outros
fármacos que atuam em CMV, ele não é
substrato da cinase (e, consequentemente,
não é fosforilado), ele inibe a primeira cinase
(UL97)).

Outros fármacos não nucleosídeos que já


estão na terapêutica (não precisamos de
saber a estrutura) mas, ultimamente, têm sido outros alvos que têm sido estudados, como a helicase primase

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(também envolvida na replicação) e para


situações de resistências ou doentes
imunocomprometidos.
Temos, então, 2 fármacos aprovados no
Japão: o amenamevir e o protelivir (de
administração oral; aprovado pela FDA este
ano) → existem alternativas para as
resistências e estão a ser investigadas.

As novas abordagens das resistências


passam muito por multi-alvo design, pela
conformação da própria estrutura ou ligando
a vários locais de ligação (alostérico | ativo).
Estão à procura de inibidores covalentes.
PROTACs (quimeras para destruir a enzima não como inibidores) já estão a ser investigados como antivíricos,
também (têm tido muito sucesso como degradantes enzimáticos).

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influenza

É um vírus de RNA.
Até agora, vimos que atuávamos muito na replicação com
análogos de nucleosídeos e de nucleotídeos- isto no caso dos
herpes | HIV | hepatites B e C- mas, aqui, vamos ter outros alvos.
É o agente causador da gripe (doença respiratória que afeta
as células epiteliais do trato respiratório superior). Tem envelope
e é sazonal (confere-lhe proteção; há sempre mutações que levam
a novas vacinas todos os anos). Tem 2 proteínas essenciais (que
vêm do hospedeiro mas que o vírus integra na sua membrana e
que, depois, servem para serem reconhecidas pelas células do
hospedeiro) no seu seu ciclo de vida, atuando como
alvos (essencialmente uma delas): a neuraminidase
(saída; principal alvo) e a hemaglutinina (entrada).
A hemaglutinina faz o contacto com a célula e com a
neuraminidase (responsável por quebrar os açúcares
onde a hemaglutinina se liga) → consegue-se a entrada
e saída dos vírus.
A própria classificação do vírus sazonal vem
destas 2 proteínas e, daí, ouvirmos falar de H1N1 (por
exemplo) que é o vírus influenza A, epidémico nos
humanos, com os antigénios H1N1 ou H3N2 (tem a ver
com as estruturas/propriedades antigénicas destas
proteínas de superfície- que são, depois reconhecidas pelas nossas células).

Temos, então, vírus do tipo A (epidémico e que sofre mutações que levam à necessidade de alteração de
vacinação todos os anos) , B ou C.

Para todos os vírus (incluindo o SARSCoV2), a vacinação não protege contra os 2 tipos de mutações que o
vírus sofre:
● antigenic shift (+ suave)
● antigenic drift (combina material genético de 2 diferentes; mutação maior- muitas vezes,
causa do risco de pandemia)

As pandemias que tivemos até agora foram de Influenza (gripe espanhola, gripe das aves)- risco da
convivência próxima dos animais com os humanos que faz com que haja uma alteração do hospedeiro do vírus.
Levam a mutações e, antigamente (quando não haviam fármacos nem vacinas), a mortes consideráveis.A gripe
das aves já foi mais controlada.

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O problema é quando há transmissão entre espécies/hospedeiros (antigenic drift) ⇒ mudança muito


forte.

Quanto ao seu ciclo de vida do vírus, este põe em evidência os alvos que podem ser/foram úteis para a
descoberta de antivíricos.
Até à gripe das aves, não havia AVs de valor/ com interesse mas foi o risco de uma pandemia que acelerou
a descoberta de AVs para Influenza (até aí, estávamos bem com o tratamento de sintomas e vacinação,
apenas).
Esta imagem já está desatualizada (na terapêutica já temos outros alvos) mas, na altura, estávamos muito
limitado à fase da endocitose e fusão ⇒ surgem os inibidores da neuraminidase (que vieram a revolucionar a
terapêutica). Os 1ºs inibidores foram descobertos nos anos 1960s (aquando dos 1ºs AVs a serem
descobertos).

O vírus entra, então, por endocitose. No


processo de adsorção é crítico o papel da
hemaglutinina e da neuraminidase: a hemaglutinina
aproxima-se e a neuraminidase é que reconhece os
resíduos de ácido siálico nas nossas células
epiteliais respiratórias ⇒ reconhecimento
molecular ⇒ entrada por endocitose.
Na endocitose lisossomal temos um ambiente
extremamente acídico que, depois, altera a
conformação da membrana do lisossoma e faz com
que haja a abertura de um canal M2 e a entrada de
um protão para o interior que causa a libertação
do material genético do vírus. Como é um vírus de RNA, passa de RNA - para RNA + e esse é que faz, então, a
cópia do RNAmensageiro que, por sua vez, fazem as proteínas na transcrição. No final, a neuraminidase é
importante para quebrar a ligação com o ácido siálico
depois do budding (formação do virião completo)- ele
fica preso à célula-, libertando o virião.

O mecanismo de ação dos primeiros fármacos


com ação antivírica (amantadina) passa por bloquear o
canal que permite a entrada do protão (enzima M2)
bloqueando, consequentemente, a libertação do
material genético.Têm um mecanismo de ação duplo:
bloqueiam não só pela sua estrutura volumosa mas,
como são bases, em []s celulares, eles tamponam o pH
ácido do lisossoma (impedindo, também, a libertação
do material genético).

2
Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

ADAMANTANO E DERIVADOS

São compostos gaiola que estiveram na


terapêutica (daqui desviaram e começaram a ser
usados (parecidos) no Parkinson).
A gaiola, volumosa, bloqueia o canal e, como
são básicos, neutralizam o pH, já não há a
alteração da conformação e já não se liberta o
material genético.
Houve alguns desenvolvimentos mas estes
fármacos estão ultrapassados. Conduzem a tantas
resistências que estão desaconselhados.
Eles foram muito úteis em risco de pandemia
(a rimantadina foi massivamente administrada- que é - tóxica que a original, a amantadina). Têm sido
descontinuados (só têm ação na gripe/Influenza A e não na B (que não tem esta proteína)).
São tóxicos, têm ação a nível do SNC e têm muito emergência de resistências ⇒ desaconselhados.

INIBIDORES DA NEURAMINIDASE (NA)


NA quebra os resíduos de ácido siálico do receptor
que liga os viriões recentemente formados uns aos
outros, permitido espalhar a infeção a novas células.
A H liga-se liga-se a resíduos contendo ácido siálico
(ácido N-acetilneuramínico) para permitir a entrada do
vírus na célula alvo e mediar assim a fusão viral com as
membranas celulares no endossoma da célula do
hospedeiro, libertando o genoma viral no citoplasma da
célula do hospedeiro, estabelecendo a progressão da
doença.

Inibidores ligam-se ao local ativo da NA, impedindo a enzima de quebrar os resíduos de ácido siálico nos
receptores da célula do hospedeiro, impedindo assim a libertação de novos viriões (a infeção de novas células
do hospedeiro e a progressão da infeção).

A gripe aviária foi considerada a 1ª SARs,


causando uma doença severa no trato respiratório
inferior.
O vírus da gripe sazonal é H1N1 ou H3N2 e
reconhece, preferencialmente, uma ligação do ácido
siálico na posição 2,3 ao polisacárido (que existe
nas secreções e células epiteliais do trato
respiratório superior) e, por isso, ele quebra.

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

No caso do H5N1 (gripe das aves), quebra-se a ligação do ácido siálico com o polisacárido nas posições 2,3
- isto no trato respiratório inferior (daí a ser mais grave e difícil de controlar).

Atualmente, o que temos (para além do


adamantano e derivados, que têm sido
abandonados) são: inibidores que atuam num alvo
dos hospedeiro (IMP desidrogenase); inibidores
que da RNApolimerase e, ainda, inibidores da
neuraminidase (principais na terapêutica e que
têm, também, evoluído).
Foi uma descoberta moderna, simples, por
structured based design. A neuraminidase é
relativamente fácil de cristalizar ⇒
cristalizou-se a enzima (e o seu local ativo) com o
seu substrato (ácido siálico).

→ NA- glicoproteína tetramérica,


ancorada na membrana vírica por uma
sequência única hidrofóbica de 29
aminoácidos.
→ Apesar da facilidade com que
ocorrem mutações o local ativo tem uma
sequência de 18 aminoácidos constante.
→ “Design” de inibidores.
→ Pode ser estudada sem perda da
atividade antigénica e enzimática.
INIBIDORES DO ESTADO DE TRANSIÇÃO DO
ÁCIDO SIÁLICO

A descoberta (desenho do inibidor) foi feita com


base no estado de transição do ácido siálico
(substrato) com a neuraminidase , que estabeleciam
as suas interações. Trata-se, então, de
antimetabolito que mimetiza o estado de transição
(onde há mais interações entre o alvo e a pequena
molécula).
Percebeu-se que ele adotava uma ligação dupla na
sua conformação ⇒ estratégia: introduzir uma dupla
à estrutura dos análogos do ácido siálico.
Estratégia racional com base na cristalografia de raio X e nas interações (para que tivesse a
conformação desejada e não em pseudo-barco ou outro qualquer).

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

Assim, desenvolveu-se a ligação


dupla. Mas, para isso, teve que se
retirar o OH (que tinha uma pequena
interação com o alvo mas nada que
prejudicasse a estabilidade)- o
importante era manter a
conformação do intermediário de
transição que se liga no local ativo da
neuraminidase.
A ideia funcionou e o composto
revelou atividade como inibidor da
neuraminidase mas, o fármaco não
foi um sucesso: não só inibia a
neuraminidase do vírus como também
a sialases (quer de mamíferos,quer
de bactérias ⇒ nada seletivo). Isto
in vitro (in vivo nem sequer tinha ação).

Recorreu-se, então, novamente, à estratégia do structure based design para perceber o que era possível
de estudar.
Percebeu-se que havia, no local de interação do OH, resíduos de a.a. carregados negativamente (Asp-151
(ácido) e Glu-119) ⇒ para melhorar estas interações, adicionou-se uma base (grupo amina)-interação iónica ⇒
↑ estabilidade do complexo.
Funcionou.
Perceberam que, onde colocaram a amina,
sobrava imenso espaço (era um pocket muito
volumoso) ⇒ pensaram num isóstero do grupo
amina (guanidino- básico também mas de >
volume) e introduziram-no.
Obteve-se, assim, o zanamivir- primeiro
inibidor da neuraminidase vírica e o 1º da classe
para o tratamento de Influenza.
Esta modificação por um grupo volumoso
teve grande sucesso e tornou as interações 100x
mais fortes.

Daqui para o oseltamivir = Tamiflu (o fármaco que foi


grandemente utilizado aquando do risco pandémico),
seguiu-se uma estratégia de modificação molecular.
O zanamivir existe na terapêutica e muitas
modificações estão a ser estudadas na sua estrutura

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

mas, dada a sua baixa biodisponibilidade oral (muitos grupos polares), existe na terapêutica apenas por
inalação (apesar de ser de largo espetro: ativo para A e B- ao contrário dos adamantanos).
Evoluiu-se, então, para o oseltamivir, de administração oral.
Primeiro, tentou perceber-se que era
essencial para a interação:
● grupo acetamida (que foi mantido)
● grupo básico (quer era o guanidino
mas, percebeu-se que o tamanho do NH2
era mais apropriado)
● COOH (que mantivémos no
oseltamivir mas com a adição de um éster
(grupo facilmente hidrolisável quando
atinge a corrente sanguíneo) ⇒ não é ativo
(pois não tem o ácido carboxílico livre) mas
é um pró-fármaco com carregador (↑
biodisponibilidade oral).

As modificações mais profundas deram-se no lado esquerdo da molécula.


Para ↓ a polaridade, retirou-se o O do heterociclo, que não era essencial. No entanto, ao criar o
ciclo-hexeno, tiveram que alterar a posição da ligação dupla para manter a conformação global do estado de
transição. [isosterização]
Outra modificação está extremamente relacionada com o glicerol (muito polar), que deu lugar ao grupo
isopentenilo (éter- mantém a polarização da dupla). [R por homologia do metil para o etil, para o propil, … e,
depois, ramificou-se a cadeia para se perceber qual era o derivado com atividade ótima]

→ Substituição do grupo hidroxilo C-4 por


amino ⇒ aumento das interacções com NA.
→ Substituição isostérica do oxigénio por
metileno ⇒ hidrofobicidade, biodisponibilidade.
→ Substituição do grupo glicerol por grupo
éter ⇒ reduz a polaridade e diminuir a
densidade electrónica.

→ Síntese de éteres (> potência até 3 C; ramificação em


alfa é que aumentou atividade.

É na forma ativa de carboxilato que o oseltamivir atua


atua (pró-fármaco).

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

A alteração de glicerol para isopentilo, não só trouxe consequências para a biodisponibilidade (tornou-se
disponível oralmente- ↑
hidrofobicidade/lipofilia, tornou-se
menos polar) mas também melhor a
farmacodinâmica (liga-se na
conformação ativa, estendendo ainda
interações com o pocket 2 do local
ativo- estabelece interações
hidrofóbicas-, aumentando a
estabilidade do complexo).

No entanto, o oseltamivir tem


vindo a ter problemas de
desenvolvimento de resistências: o
vírus tem um a.a. (H274Y, que
estabelece ligações com o E276) e que
vai mutar na região do pocket 2 (para um resíduo mais volumoso), onde estabelece a interação do isopentilo ⇒
impedimento estérico ⇒ o oseltamivir
deixa de atuar. [mutação num resíduo
de histidina]

Curiosamente, esta mutação não


afeta o zanamivir ⇒ têm se
desenvolvido fármacos baseados no
zanamivir por modificações
moleculares para gerar compostos com
biodisponibilidade (em vez de se
basearem no oseltamivir).

Outro fármaco que está na terapêutica é o laninamivir (não está na terapêutica tal qual como
carboxilato mas no lado esquerdo, da cadeia lateral,
está mais hidrofóbico- está na forma de octanoato
mas é pró-fármaco na mesma - éster que hidrolisa e
origina o álcool). Este composto é mais eficiente
para algumas resistência mas, no entanto, não existe
em Portugal (existe no Japão).

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

Outros fármacos que também estão a


ser desenvolvidos e que não existem em
Portugal (exceto o peramivir- a única
diferença é na contração do anel-
tínhamos um ciclo-hexeno e agora temos
ciclopentanos. É usado para situações de
Influenza mas tem ação IV. Não tem
biodisponibilidade oral e está mais
associado a situações de resistência).

INIBIDORES DA DESIDROGENASE
DO MONOFOSFATO DE INOSINA

Outro fármaco que está na


terapêutica para o tratamento de Influenza (bem como para o tratamento de outros vírus) é um inibidor da
desidrogenase do monofosfato de inosina (alvo humano/do hospedeiro). Esta enzima é responsável por formar
o GTP = guanidina (enzima necessária para a cadeia em crescimento) ⇒ ao inibirmos este alvo do hospedeiro,
impedimos, também, a replicação do vírus.
O fármaco (ribavirina) foi, durante anos, a única opção terapêutica, por exemplo, para a hepatite C (hoje
em dia já não é essa a sua utilização)- exemplo
de um AV de largo espetro (pois atua num alvo
do hospedeiro e não depende dos alvos do
vírus).
A ribavirina é dos fármacos que tem as
modificações mais drásticas na base (é um
triazol). É um análogo de nucleosídeo mas atua
num alvo do hospedeiro. Pode ser administrado
tal qual a sua forma ou sob a forma de
pró-fármaco (viramidina, que também está na
terapêutica e que, depois, sofre uma oxidação-é
um pró-pró-fármaco pois mesmo a ribavirina,
para atuar, também precisa de ser
monofosforilada para inibir a desidrogenase do
monofosfato de tirosina). É pela depleção do
pool de GTP que vai inibir a síntese de RNA
viral. Foi, essencialmente, muito utilizada na altura da gripe das aves.

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

INIBIDORES NUCLEOSÍDEOS DA RNAPOLIMERASE

(os + comuns nos herpes, hepatite B e HIV; no Influenza


nem tanto (temos os da neuraminidase) mas também
tem)

O fármaco que mais vingou entrou na terapêutica


foi o favipiravir = T-705, que ganhou destaque aquando
de um surto de ébola, o que o fez “off label/shell”
(usado para uma ação para o qual não estava na
terapêutica, como aconteceu com o remdisivir para o
SARSCoV2) para o tratamento desta doença, sobre a
qual

também tem ação.

Trata-se de uma base (pirazina) que funciona como


inibidor do tipo nucleosídeo, indicado para situações de
resistência.

MECANISMO DE AÇÃO (quelante): ele atua pois sofre ação de uma fosforibosiltransferase que introduz, na
base, o seu monofosfato e a unidade açúcar
(pró-fármaco que, depois, tem de ser di e
trifosforilado para inibir competitivamente a
RNApolimerase do vírus). Há anticancerígenos com
este mesmo mecanismo de ativação. Tem um
espetro de ação alargado pois atua na
RNApolimerase de outros vírus, nomeadamente no
da ébola. A base tem modificações um pouco
profundas mas seguiu uma estratégia semelhante
às anteriores para nucleósidos (só a ativação é que
é diferente, pela fosforibosiltransferase).

Um mecanismo de ação distinto e introduzido


muito recentemente (~2 anos) na terapêutica
(mais uma vez, devido a resistências) é o do
baloxavir.
O baloxavir é, também, um pró-fármaco (tem o marboxil (em baixo) para garantir/melhorar a
biodisponibilidade oral). Vem da mesma ideia dos fármacos que vêm a seguir (os anti-retrovíricos têm uns

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

inibidores que inibem a integrase


mas, para inibirem a integrase, têm
que ter uns grupos quelantes-
porção cetoenol-ceto essencial para
a inibição desta enzima).
Percebeu-se que, no caso da
endonuclease do Influenza, havia
uma similaridade- também era
necessário um grupo quelante
(trata-se de uma enzima com
metais) ⇒ foi desenvolvido com
base na porção farmacofórica
quelante para inibir um alvo novo
(endonuclease, importante para o
processo de transcrição e replicação
do vírus). [a partir de um AV foi-se
desenvolver, a partir do mesmo
princípio, um outro AV]

Entretanto, foram surgindo mutações, sendo que


atua, também, em estirpes mutantes.

Há guidelines para o tratamento e profilaxia da


Influenza, em que constam, por exemplo, o
oseltamivir, o zanamivir, o peramivir e o baloxavir (+
recente) como fármacos a ser usados na terapêutica.
Há fármacos que estão a ser muito falados por
causa do SARSCoV2 (que também já se sabia que
tinham ação em Influenza): o nitazoxanide (atua por
mecanismo de oxidação redução; já era conhecido
como antiparasitário) e umifenovir = arbidol.
Ainda assim, a terapêutica não deixa de ter anticorpos monoclonais em estudo para potenciais
combatentes no risco de pandemias (etc).

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

anti-retrovíricos | hiv

Atuam em retrovírus- vírus que pertencem à família Retroviridae e, dentro desta família, à Lentivirinae
(caso dos vírus da imunodeficiência humana 1 e 2- HIV-1 (USA, Europa e Ásia) HIV-2 (África Ocidental),
respetivamente).
É um vírus de RNA de cadeia dupla e codifica uma transcriptase reversa (daí a ser um retrovírus), que
faz uma coisa muito diferente da humana: transcreve RNA para DNA.
É um vírus com envelope e, no seu envelope possui, também, as glicoproteínas que vêm do hospedeiro e
que, depois, vão ser responsáveis pelo reconhecimento molecular que vai permitir a entrada do vírus nas
células humanas (nem tanto as endoteliais mas sim os linfócitos-principal alvo deste vírus, daí a diminuirem
tanto a nossa habilidade imunológica). Têm, então, várias glicoproteínas, como a gp120 e a gp41- responsáveis
pela adsorção e entrada ⇒ vamos
ter estratégias terapêuticas para
atuar nestas glicoproteínas como
alvo.
PROBLEMA: este vírus não codifica
a cinase de timina que faz a 1ª
monofosforilação ⇒ temos um alvo
interessante (transcriptase reversa-
que não existe nos humanos) mas, se
pensarmos num análogo
nucleosídeo,ele vai ter de ser
monofosforilado pelo hospedeiro ⇒
baixas seletividades.

INFEÇÃO ≭ DOENÇA

Podemos ter uma infeção e não estarmos doentes (muitas vezes medido pelos valores de CD4
circundante). Situação de SIDA ⇒ contagem de CD4 < 200 (podemos é ter um período de infeções mais
oportunistas em contagens anteriores).
Os AVs vieram aliviar muito a situação da
doença (aliviando os sintomas) mas o vírus
também pode ficar latente no seu ciclo e acaba
por se tornar uma doença crónica.
OBJETIVO: ↓ carga vírica e prolongar a
sobrevivência.

Quanto ao ciclo de vida, a adsorção é feita


em linfócitos T do hospedeiro (alvo destes vírus)

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

e a porta de entrada são os recetores CD4 do hospedeiro (que são reconhecidos pela gp120 do vírus e é ela
que leva ao processo de adsorção e fusão). De seguida, há libertação do RNA e das enzimas que ele codifica
(sendo que não codifica a cinase- é a transcriptase reversa que vai fazer a transformação do RNA num
híbrido (primeiro RNA-DNA de cadeia simples e, depois, em DNA de cadeia dupla). Outra enzima que
codifica, a integrase, aloja este DNA no DNA do hospedeiro (sendo que este até pode estar “adormecido”.
Quando começa o processo da replicação ou da transcrição, há a formação de RNA e das proteínas que
levam à sua reunião e libertação.
Um passo crítico do ciclo de vida (também devia estar a vermelho) é o da protease- alvo codificado por
esta enzima que quebra a cadeia polipeptídica formada nas várias proteínas formadas funcionais.

Assim, como alvos interessantes para HIV, temos, até, mais do que para os vírus anteriores:

● transcriptase reversa
● inibidores da protease (não vamos falar)
● outros: gp41, integrase, CCR5

Ao AV ideal, aplicado ao HIV, devemos acrescentar:

● (como há comprometimento do sistema imunitário) muitas doenças oportunistas por vírus,


bactérias, fungos ⇒ tem que haver um efeito compatível, sem interação fármaco-fármaco
com outros fármacos que são necessários coadministrar
● T1/2 (principalmente nos 1ºs fármacos- análogos de nucleosídeos- tinham pouca
biodisponibilidade oral, que teve que ser ultrapassada) curto, pois as nossas enzimas
metabolizam os análogos com alguma facilidade ⇒ foi um desafio criar um fármaco de
administração oral com a mínima frequência de dose

Como não codificamos


transcriptase reversa (temos
a DNApolimerase), esta
constitui um excelente alvo,
permitindo fármacos mais
seletivos (dado não serem
proteínas tão homólogas.
Começam a surgir análogos
de nucleosídeos para os
herpes (descobertas em
simultâneo) que, depois,
evoluem para inibidores de
nucleótidos (evolução evidente) ⇒ surgem os inibidores de análogos de nucleotídeos (pois estes vírus não

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

codificam cinases e ter análogos de nucleosídeos torna-se uma limitação


para serem eficazes ou, se forem, como são parecidos com os nossos
análogos, vão ser tóxicos)- geração de análogos de nucleotídeos/fofonatos
de nucleotídeos muito mais segura.

INTR→ Inibidores Análogos de Nucleosídeos da Transcriptase Reversa


INtTR→ Inibidores Análogos de Nucleotídeos da Transcriptase Reversa
INNTR→ Inibidores Não Análogos de Nucleosídeos da Transcriptase
Reversa

Temos, ainda, inibidores alostéricos (não atuam no local ativo, não são
competitivos de análogos de nucleosídeos) desta enzima- ao contrário do
que temos vindo a ver anteriormente.
Têm, obviamente, um efeito sinérgico com os análogos nucleosídeos e com
os outros alvos (mais uma estratégia).

INIBIDORES DA TRANSCRIPTASE REVERSA

1. ANÁLOGOS DE NUCLEOSÍDEOS

O composto líder dos anti-retrovíricos foi o AZT = Zidovudina


(3’-azido-3’-desoxitimidina), um análogo nucleosídeo competitivo da
transcriptase reversa terminador de cadeia (não tem OH em 3’) →
mecanismo de ação duplo.
PROBLEMA: é um pró-fármaco ⇒ precisa de ser mono, di e trifosforilado
⇒ não é tão seguro como, por exemplo, o
aciclovir (precisa de ser fosforilado por
cinases celulares do hospedeiro).
A sua seletividade tem que ver com a >
afinidade para a transcriptase vírica do
que para a DNApolimerase. No entanto,
tem alguma toxicidade.
Daqui, houve evolução: ↑ seletividade
para a transcriptase reversa em relação à
DNApolimerase (fazendo modificações no
açúcar).

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

● d4T = estavudina (análogo


da timidina)- açúcar com uma ligação
dupla. Dos 1ºs fármacos a serem usados
contra a hepatite B. Terminador de
cadeia
● ddl = didanosina (análogo
de inosina)- sem OHs ⇒ terminador de
cadeia
● abacavir (análogo da
guanosina)- terminador de cadeia. Tem
um grupo volumoso na amina mas tem,
também, ação para a hepatite B e usado
para HIV (seguro em crianças)

Todos estes análogos mantêm


alguma toxicidade associada- são análogos dos nossos nucleosídeos com alguma seletividade para a
transcriptase reversa em relação à DNApolimerase.

HAART→ highly active antiretroviral therapy

Começam, então, a fazerem-se


mudanças mais abruptas nos açúcares
(menos na zalcitabina):

● zalcitabina- também foi dos 1ºs para


a hepatite B mas, devido à sua
toxicidade, foi retirada do mercado
(ainda tinha alguma homologia com os
nossos nucleosídeos)

Introduz-se uma grande


modificação- a quiralidade: em vez
de introduzirmos análogos
nucleosídeos inibidores com a mesma configuração que os nossos açúcares (∝, D), introduzimos com uma
configuração oposta (β, L) ⇒ fármacos + seguros, + seletivos para a TR e - tóxicos que os primeiros.
● quer a lamivudina (mais para hepatite B), quer a emtricitabina (mais para HIV) são usadas atualmente na
terapêutica

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

2. INIBIDORES ANÁLOGOS DE NUCLEOTÍDEOS

Grande revolução ocorre com a ideia dos análogos de nucleotídeos.


Já que este vírus não tem cinase, vamos nós ultrapassar a barreira da monofosforilação seletiva ⇒
permite modificações mais profundas no açúcar (nomeadamente os derivados acíclicos) ⇒ surgem os
tenofovir = disoproxil e adefovir = dipivoxil (ambos na terapêutica e em Portugal)- muito parecidos (só
diferem no substituinte) e têm >s seletividade (por serem diferentes no açúcar) e potência (não dependem da
monofosforilação do hospedeiro).

PROBLEMA: análogos de nucleotídeos,


extremamente carregados e polares
(sobretudo o fosfonato e NÃO
"monofosfato"; tem o metileno em vez
do O para não hidrolisar) ⇒ foram
precisos pró-fármacos com carregador
tripartido (éster não é próximo do
fosfonato, tem uma “cadeirinha” que
espaça) que pudessem mascarar a
polaridade do fosfonato e substituinte
R volumoso (impede a hidrólise rápida
por esterases ⇒ ↑ T1/2).

O fármaco mais recentemente aprovado (pela FDA) na terapêutica (ainda não em Portugal) foi o tasso =
tenofoviralafenidamida (pró-fármaco do tenofovir) segue a estratégia do PROTIDE (para melhorar a
absorção do fármaco pelas células,
temos o fármaco não só com um
carregador mas sim um carregador
característico: com um a.a., um fenol
(um aumenta a hidrofobicidade e o
outro permite o ↑ do uptake nas células
hepáticas ⇒ > biodisponibilidade a nível
intracelular.

PROTIDE→ apenas 3 fármacos


seguem esta estratégia: tenofovir e
remdesivir e o sofosbuvir.

Um inibidor em estudo (há muito


tempo) é o racivir- mais uma vez, a
quiralidade a influenciar o desenvolvimento vírico. Administra-se o fármaco na forma racémica e a incidência

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

de resistências ↓ (pois reconhece os 2 enantiómeros mas


nota que eles diferentes entre si). [racemato + útil que o
enantiómero puro]

3. INIBIDORES NÃO NUCLEOSÍDEOS DA TR


(INNTR)

MECANISMO DE AÇÃO:

→ ligam-se a um local alostérico (local adjacente ao


local de ligação do substrato)
→ ligação bloqueia o local de ligação do substrato
→ inibidores não competitivos e reversíveis
→ + seletivos para a transcriptase reversa do HIV (HIV1) do que para a DNApolimerase
→ - tóxicos que os INTR e têm - efeitos secundários MAS
→ resistências emergem rapidamente
→ estruturas não similares aos substratos naturais
→ geralmente, moléculas hidrofóbicas
● Utilização: HIV-1 (grande
seletividade para a TR do HIV-1, <
toxicidade, - efeitos laterais).
● Resistências: mutações no
local ativo dos INNTR- lis-103 por
asparagina– K103N. A terapêutica de
combinação com INTR desde o início
do tratamento pode impedi-la.
1 comprimido de Nevirapina combinado com outros comprimidos de análogos nucleosídeos
2ª GERAÇÃO: outro fármaco utilizado em terapêutica de combinação em infeções por HIV-1 é a efavirenz =
EFV. A rilpivirina e a etravirina são, também
inibidores não nucleosídeos da transcriptase
reversa de 2ª geração.

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

INIBIDORES DA PROTEASE DO HIV

A enzima aspartil-protease contém ácido aspártico no seu local ativo e é simétrica (dímero de 2 unidades
proteicas idênticas, cada com 99 a.a.. O local activo é na interface das 2 unidades e é, também, simétrico -
diferente da dos mamíferos) ⇒ permitiu o
structured based design seletivo de
peptidomiméticos no local ativa. É facilmente
cristalizada (com ou sem o seu inivbirodr ligado no
local ativo). Catalisa a quebra das ligações
peptídicas (entre prolina e fenilalanina ou
tirosina).
Conhecia-se bem o local e os espetros dos
substratos (onde se dá a clivagem) e, primeiro, para se desenvolver o inibidor enzimático, estudou-se o
mecanismo da enzima e mimetizou-se o estado de transição (que tinha um diol- muito reativo e que não era
possível, na altura) ⇒ ↓-se o carácter peptídico da molécula (biodisponibilidade oral praticamente nula pois
são rapidamente atacados pelas proteases- apesar de
haver algumas formulações para esta proteção,
tentamos o design peptidomimético (pois os péptidos é

que são os nossos substratos naturais ⇒


reconhecimento molecular por muitas das nossas
enzimas) ⇒ ficamos no intermédio entre pequena molécula e o anticorpo (são muito seletivos na interação
com o alvo). O que se faz, normalmente, quando se
parte de um péptido é ↓ o seu carácter peptídico
(através da criação de péptidos cíclicos, de
pseudo-péptidos (ex: enantiómeros/a.a.s não
protogénicos ou mesmo isósteros de amidas)),
transformando-os em peptidomiméticos.
Foi isto que se fez nos inibidores da protease do HIV- a sua descoberta foi muito acelerada (muitas
vezes, é com o conhecimento de outras enzimas/vírus que se consegue acelerar- aqui, foi o caso dos
conhecimentos prévios sobre a renina e neuraminidase, percebendo-se que poderíamos criar inibidores

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

mimetizando o estado de transição). Usaram-se isósteros de amida e, o de > sucesso, foi a hidroxietilamina ⇒
início de muitos fármacos antivíricos inibidores da protease que estão na terapêutica (o saquinavir foi o 1º; o
ritonavir e o indinavir estão a ser muito usados como fármacos sentinela de outros AVs- nomeadamente para
SARSCoV2).

A maioria destes antivíricos são administrados em


combinação (com um nucleósido, um inibidor da integrase e com um inibidor da protease).
Inicialmente, os inibidores da protease eram utilizados pela sua eficácia. Hoje em dia, eles nem são tanto
usados pela sua eficácia (o cobicistat
foi o 1º caso que nem tinha ação sobre
o HIV) mas por serem bons
substratos do CYP450 ⇒ ↑ T1/2 de
todos os outros fármacos.
E, por este motivo, eles hoje são
muito usados na terapêutica de
combinação (não pela sua ação na
inibição da replicação vírica da
síntese proteica mas porque acabam
por funcionar como fármacos
sentinela, ↓ o metabolismo de outros
inibidores (quer da protease, quer de
outros AVs).

Outros fármacos que também surgem- e que foram grandes descobertas, na altura (pois fugiam ao
mecanismo clássico de inibir o ciclo de replicação/tradução)- foram os que atuam ao nível da entrada da
partícula do vírus HIV para os linfócitos do hospedeiro.

INIBIDORES DA INTEGRASE

Foram os últimos a surgir mas são, atualmente, dos + eficazes- são sempre usados, em combinação, com
um análogo de nucleotídeo ou com um não análogo.

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22
Como vimos no ciclo de vida, é necessária a integração do material genético do vírus (DNA de cadeia
dupla) no DNA do hospedeiro- a integrase é uma enzima codificada pelo vírus do HIV que tem esta função

A integrase é uma enzima que, no local catalítico,


tem 2 iões de Mg e, por isso, como farmacóforo para
estes inibidores da integrase é necessária uma tríade
funcional para a quelatação.
Para quelatar metais, normalmente, utilizamos com
um OH pericarbonilo e aqui, para quelatar estes 2
metais, necessitamos do conjunto
carboxilo-hidroxilo-carbonilo.
O raltegravir foi, então, o 1º inibidor que entrou na
terapêutica com esta função e o elvitegravir que foi (e
é ainda) amplamente utilizado na terapêutica.
Hoje em dia, surgiram muitos outros fármacos- nomeadamente o dolutegravir (dos + utilizados). cabotegravir

Antes da descoberta dos


inibidores da integrase, deu-se a
revolução da descoberta dos
inibidores da fusão.

INIBIDORES DA FUSÃO

Estávamos muito focados na


inibição na zona da replicação e ainda
não tínhamos conseguido atingir inibição na zona da entrada do vírus (inibindo, por consequente, a infeção).
Esta entrada é conseguida através de 2 glicoproteínas do vírus: gp120 e gp41 (fazem parte do
reconhecimento molecular nos linfócitos T, pelos
recetores CD4).
O que foi, inicialmente, desenvolvido foi a
enfuvirtida- caríssima ⇒ tem decrescido (embora
continue a constituir uma alternativa em Portugal).
Era um polipéptido (designado por T20), que
constitui a parte terminal da glicoproteína 41 e, por
isso, vai ser reconhecida pelas células do
hospedeiro e ocupar o espaço, competindo com o
vírus para o recetor do hospedeiro, impedindo a
sua ligação. No entanto, como é um péptido, só tem
disponibilidade subcutânea e foi, também,
originando resistências ⇒ não é amplamente
utilizada.

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

→ Outros fármacos que também surgiram como opção para impedir a entrada do vírus são os
antagonistas CCR5, que atuam no hospedeiro (não temos que saber a REA)- ao contrário do T20 (ambos se
ligam a alvos dos hospedeiros, não têm ação direta sobre o vírus).
São inibidores de uma interação proteína-proteína pois, para o vírus (através das suas gp120 e gp41) se
ligar ao recetor do hospedeiro, precisa do
auxílio de co-recetores (que são o CCR5 e
CxCR4)- ao acontecer esta interação, há uma
alteração da conformação do local de ligação
e dá-se a fusão do vírus com a membrana dos
hospedeiro ⇒ inibem o co-recetor do
hospedeiro, impedindo a fusão.
Estes, foram evoluindo para não terem
cardiotoxicidade (não atuarem em canais
Her).- foi muito por HTS e não existe uma
REA muito específica.

Conseguimos distinguir o mecanismo de


ação dos inibidores de HIV pela sua
terminologia- quando acaba em:

● -navir ⇒ inibidores da protease


● -gravir ⇒ integrase
● -roc ⇒ inibidores do CCR5
● enfuvirtida ⇒ único inibidor de fusão

O problema dos fármacos contra HIV é que estão sempre muito associados a resistências. A terapêutica
foi evoluindo, de forma a tornar esta doença/infeção crónica mas sem a síndrome de SIDA (sem os elevados
valores contadores).
Por haver rápido desenvolvimento de resistências, a grande descoberta não passou só pelos fármacos mas
pela associação terapêutica/regime terapêutico destes fármacos ⇒ retarda o aparecimento de resistências
8o vírus vai encontrando mecanismos diferentes) como, também, a toxicidade medicamentosa (cada um dos
fármacos tem o seu perfil toxicológico).
Em 1996 começa, então, esta terapêutica combinada altamente eficaz (HAART) com 20 comprimidos por
dia, sendo que, atualmente, requer apenas 1 toma diária.
Evoluiu muito no sentido de combinar inibidores da integrase com inibidores análogos de nucleotídeos
(tenofovir) e um não análogo de nucleosídeo.

HAART→ highly active antiretroviral therapy

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

As guidelines atuais têm como principais fármacos o tenofovir e lamivudina (análogo nucleosideo),
associados ao dolutegravir (inibidor da integrase) → 1ª linha de tratamento, quer para adultos, quer para
crianças.
Medidas foram estipuladas e estão a tentar ser cumpridas com o objetivo de erradicar esta doença que
afeta, maioritariamente, os países de África.

NOVAS ESTRATÉGIAS: passam muito pela evolução para fármacos covalentes (sustentabilidade de
resposta superior, em grande parte das vezes); PROTAC (degradantes enzimáticos- como nos
anticancerígenos).
É contínua a procura de novos fármacos, sendo que o conhecimento que sobre eles adquirimos tem que ser
constantemente atualizado.

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

hepatite C

A hepatite C foi e é uma doença silenciosa pois, muitas vezes, as suas manifestações não se fazem sentir.
Tinha > incidência que o HIV e, há 10 anos atrás, o
tratamento (que era feito com 2 fármacos que atuavam a
nível do hospedeiro: ribavirina + interferão peguilado (1ª
linha)) tinha apenas 40% de eficácia.
Por volta de 2011, o seu arsenal terapêutico começou a
aumentar muito (com, até, inibidores da protease em vista).
Tivemos 2 grandes fármacos que revolucionaram esta
terapêutica- hoje em dia já não são muito utilizados mas o
seu design serviu para o desenvolvimento posterior.

Trata-se de um vírus de RNA, que codifica 3 grandes


proteínas não estruturais, essenciais para a replicação:
RNApolimerase, protease (com 2 unidades: SN3 e a SN4A)
e pelas NS5A (helicase ⇒ organização e replicação) e NS5B (polimerase ⇒ catalisa a amplificação do RNA).
Não codifica para cinases.
É nestes 3 alvos que assenta a
terapêutica atual e que permitiu uma evolução
da eficácia do tratamento de 40% para 95% e
de um tratamento muito moroso para um <12
semanas ⇒ muito significativo em termos de
custos.
Atualmente, o que temos não se foca nas
fases de entrada, fusão ou libertação mas sim
da replicação (importância da RNApolimerase
RNAdependente- e das NS5A e das proteases).
Seguindo o que sabíamos do HIV e
rumando à descoberta de inibidores da
protease, procedemos à ↓ de carácter peptídico
do péptido/substrato (peptidomimetização).
O 1º fármaco a ser introduzido (e uma alternativa eficaz à ribavirina e ao interferão) foi o boceprevir
(em 2011) sendo, depois, introduzidos outros.
O design deste fármaco (peptidomimético) surge a
partir do péptido substrato (1,1-decapéptidido)
criando-se, de seguida, um isóstero da amida -não a
hidroxietilamina como já vimos mas sim um grupo diceto
⇒ grupo altamente eletrofílico e havia conhecimento de
que era no resíduo de cisteína que acontecia a clivagem.

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

Pensou-se que, colocando um grupo diceto, não iria quebrar esta enzima ⇒ na realidade, o que aconteceu foi
uma adição nucleofílica e a enzima (protease) liga-se de forma covalente (irreversível devido à grande
estabilidade) ao inibidor.
Depois de percebido este
mecanismo, tentou ↓-se o
carácter peptídico (truncou-se o
péptido) a esta substância, para
se descobrir o farmacóforo.
Usou-se, também, uma outra
estratégia: a introdução de uma
prolina bicíclica (mimetiza o a.a.
leucina) ⇒ com esta substituição,
↓-se o carácter peptídico e ↑
hidrofobicidade.
Foi, ainda, possível uma
truncação adicional: o grupo
dicetoamida ficou na extremidade
(interação destes grupos com o
recetor- mecanismo de ligação
muito estável). E foi, assim, criado o boceprevir, com base no structured based design, na química dos
peptidomiméticos e ↑ hidrofobicidade e ↓ o carácter peptídico.

MECANISMO DE AÇÃO:

● reação catalisada pela enzima


● interação do inibidor com o resíduo
de serina do local ativo

Existem vários fármacos na


terapêutica- o boceprevir foi o
primeiro, em conjunto com o
telaprevir. Existem, já, outras
gerações de inibidores da protease.

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

(não falou sobre as seguintes


gerações, disse apenas que o
voxilaprevir está na terapêutica e
que se tratam de macrociclos- só
temos de saber de onde veio a 1ª
geração de inibidores da protease)

A grande revolução e que trouxe a grande mediatização dos fármacos para hepatite C foi o sofosbuvir
que, em 2014, é introduzido (sendo que o tratamento custa 48 000€ ⇒ houve uma grande pressão do estado
para baixar para 20 000€).
Esta combinação é que veio revolucionar e aumentar para 95% a conversão serológica, permitindo-nos
dizer que, atualmente, é uma doença que tem cura.
ESTRATÉGIA: PROTIDE.
Trata-se de um pró-fármaco (fosforamidato), fosfonato análogo de nucleosídeo mas ele não tem só o
fosfonato: tem um fenol e um a.a. (que,
por sua vez, tem um éster- algum
impedimento estérico) → princípio da
estratégia PROTIDE (foi o 1º fármaco a
ser introduzido na terapêutica seguindo
esta estratégia),
Esta estratégia veio revolucionar
pois este vírus é hepatotrópico (tem
tropismo para o fígado) e este tipo de
fármacos são muito mais recaptados
pelos hepatócitos do que outras células
(devido à sua química) ⇒ atingem altas []s
hepáticas- sofrendo, lá um grande
metabolismo de 1ª passagem, onde é
bioativado.
A NS5B é uma RNApolimerase e, ao se construirem análogos de nucleósidos, percebeu-se que o análogo
assinalado a azul (o de metiluridina) era muito potente mas, no entanto, não conseguia sofrer a

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

monofosforilação ⇒ partia-se de análogos da citidina (que sofriam a desaminação depois da monofosforiação


seletiva) e era este o fármaco que tinha atividade.

Basicamente começou-se o estudo com análogos de citidina e de uridina. Enquanto os de citidina eram
ativos, os de citidina não eram- depois, veio-se a perceber que estes não eram ativos (porque o vírus não tem
cinases- têm que usar as nossas da timidina para monofosforilar. Só que as nossas cinases são muito seletivas
e não monofosforilavam os análogos da uridina. Mas, se se desse um análogo de citidina, o composto tinha
atividade quando sofria desaminação por metabolismo, originando o fármaco que era potente, análogo da
uridina). RESUMO: a uridina não conseguia transformar-se no que queriam por ela própria pois não sofria
monofosforilação e era ineficaz, então partiram da citidina e perceberam que análogo de uridina é que tinha
atividade, só não conseguia monofosforilar-se.
Foi com base neste conhecimento de que era o análogo da uridina que era potente que foi desenvolvido um
derivado da uridina com um monofosfato (para ultrapassar o problema de não sofrer monofosforilação).

Entretanto, surgiu o dasabuvir- outro


alostérico (não saber REA).
O boceprevir já foi retirado e já não existe
em Portugal.

● buvir → inibidor da polimerase


● previr → inibidor da protease
● asvir → inibidor das helicases (design
+ complexo, não temos de saber para esta
UC).
Este é o arsenal que temos para a hepatite
C em Portugal (em 10 anos mudou
completamente: < duração e custos
associados e >> eficácia).
Estes fármacos têm, então, mecanismos de
ação diferentes e são dados em combinação (prevenção de resistências).

Guidelines incluem coinfeções que, muitas vezes, acontecem concomitantemente ⇒ combinação entre
fármacos anti retrovíricos e fármacos para hepatite C. Temos que estar atentos para estas interações
fármaco-fármaco pois, muitas destas terapêuticas têm metabolismos muito parecidos (envolvendo a CYP3A4).
Os inibidores da protease interferem com a maioria dos fármacos que conhecemos.
Já existem tratamentos de 8 semanas (muito bom, tendo em conta as eficácia e T1/2)

Os AVS surgiram muito mais tarde que todos os outros fármacos, é sempre + difícil pois os vírus têm uma
maquinaria + simples. Não foi fácil a descoberta de fármacos não tóxicos e, os grandes aumentos, têm sido
pelo conhecimentos de biologia molecular mas, sobretudo pelo risco de pandemia (casos do HIV, Influenza e
SARSCoV2).

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

hepatite B

A hepatite B, ao contrário da
C, foi resolvida com prevenção
(vacinação- segura, estável e
eficaz)- o vírus não tem
capacidade de mutar tanto ⇒
10% dos casos podem evoluir para
carcinoma (preocupante) mas a
sua incidência tem diminuído ao
longo das décadas.

Neste tipo de quadros vemos


os níveis dos marcadores que nos
vão indicar o estadio da doença.

PROBLEMA: este vírus não é fácil


de resolver (ao contrário do da
hepatite C, que já se resolveu)- é uma doença crónica, pois forma um DNA circular e circundante que fica
permanece dormente (sendo que não há fármacos a atuar neste estadio). É muito difícil de eliminar,
embora esteja a ser estudado.

A inexistência de cura para esta doença tem passado muito pela persistência a nível hepático do DNA do
vírus na sua forma adormecida. (não replica).

A terapêutica para a hepatite B é a


mesma que a para o HIV.
A lamivudina é (e sempre foi) muito
utilizada.
Atualmente, a 1ª linha (quer da hepatite
B, quer da HIV) está associada ao
tenofovir alafenamida (pró-fármaco
PROTIDE)- sem certezas que está em
Portugal mas já está aprovado pela FDA.

O tenofovir disoproxil fumarato é


utilizado, em Portugal também, para HBV.
Os outros têm caído em desuso mas são, à
semelhança, análogos de nucleósidos.

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

A forma de DNA que persiste e


causa dificuldade ao combate, está a
ser alvo de novas técnicas de CRISP
e sRNAs. Há outras estratégias a
serem investigadas.

O mercado de antivíricos cresceu


brutalmente com o surgimento do
SARSCoV2 (comparativamente a
2019) e estima-se um grande impacto
na economia e no mercado devido à
pandemia.

Os vírus mais estudados são os


prevalentes a nível mundial e em
países industrializados. Avanços mais ténues têm sido feitos para outros vírus mais localizados.

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

sarscov-2

Estamos perante um problema de Síndrome de Dificuldade Respiratória Aguda (ARDS) que caracteriza a
doença e que em muito contribuiu para que tivéssemos uma terapêutica de suporte com tratamento
sintomático como sendo a situação que foi evoluindo.
Covid-19 foi o nome que se deu à doença, o agente é o SARSCoV-2 (corona vírus) e “SARS” está muito
relacionado com a sintomatologia que origina
(Síndrome de dificuldade respiratória
aguda).

Estamos perante uma zoonose→ tem o


seu hospedeiro mamífero 1ário (morcego ou
pangolim).

O corona vírus é um dos vírus


responsáveis pela constipação comum que
tem circulado e o β-corona vírus provocou já,
em 2003, um risco de pandemia na China.
MERSCoV, SARSCoV e SARSCoV-2 são os tipos que causam a síndrome respiratória aguda.

Foi graças ao conhecimento das pandemias (e seus riscos) anteriores que se conseguiu, rapidamente,
introduzir o remdesivir (e outros
fármacos).

Temos vacinas de mRNA com o


próprio vírus (Pfizer) e ou com outro
vírus mas com o material do corona
(Astrazeneca e Janssen).

A estrutura do vírus, juntamente


com o seu ciclo celular, expõe os seus
alvos.
Quanto à sua estrutura, este vírus é de RNA + de cadeia simples, contém nucleocápside (material
associado a proteínas), membrana com
envelope e tem a forma de coroa (corona)
devido à presença da proteína Spike.
O vírus codifica 4 proteínas estruturais
(Spike- responsável pela sua entrada nas
células epiteliais, proteína E- proteína do
envelope (é a mais pequena) ⇒ Spike dá o

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

formato de coroa ao vírus, proteína M- da membrana e a N- da nucleocápside). Para além destas, codifica
para 16 proteínas não estruturais, que constituem alvos interessantes.
Já há substâncias com ação eficaz contra a proteína E.

Quanto ao ciclo de vida este é, também, importante- dispõe os alvos de fármacos que fomos ouvindo falar
na comunicação social (e os quais atuam, muitas vezes, no hospedeiro).
Há muitos fármacos a serem investigados que atuam em várias fases do ciclo de vida do vírus que se
relacionam com o hospedeiro.

Estão representados 2 ciclos pois o vírus entra de 2 formas. Pode entrar por:

● endocitose (o da esquerda)- dependente do pH. O vírus é reconhecido pelo recetor ACE2 (enzima
conversora da angiotensina) e são necessárias enzimas: catepsinas (proteínas do hospedeiro que vão
auxiliar, no lisossoma e durante processo de endocitose, a libertação da nucleocápside e do material
genético do vírus). O vírus replica para RNA -, transcreve para mRNA +, dá-se o processo de translação e
reunião do
virião e sua
libertação →
isto ocorre aos
milhões nas
células
epiteliais

● fusão (o da
direita)- pH
independente.
Temos
co-recetores a
auxiliar a
interação da
proteína Spike (do vírus) com o recetor (do hospedeiro humano) ACE2: co-recetores TMPRSS2. O
material genético é, então, libertado por fusão, não sendo necessário recorrer às catepsinas)- daqui para
a frente é igual.

O que caracteriza a severidade desta situação é a tempestade de citocinas que ocorre de imediato e que
leva ao agravamento do quadro inflamatório (↑ libertação de citocinas e ↑ resposta pró-inflamatória).

Sobre o tratamento- foi bastante acelerado- não obedeceu às pipelines dos 20 aos de ensaios clínicos) e
temos: fármacos com antivírica, imunomoduladores, anticorpos monoclonais ou não (neutralizantes) e
teraPêuticas celular e génica em estudo. Estão + de 660 fármacos em estudo, 470 em ensaios clínicos. 11

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

tratamentos aprovados (e, destes 11, muitos são de suporte- anestésicos, etc; não antivírico)), apenas 1
tratamento aprovado pela FDA como antivírico (remdesivir) e vários em ensaios finais.

Em julho (2021) foi o último anticorpo (atua na interleucina 6- para atenuar a tempestade de citocinas) e
temos outro de interação direta com a Spike.
As estratégias de anticorpos monoclonais surgiram em maio-julho 2021 e as outras surgiram previamente
(remdesivir surge em janeiro 2020; inibidor de uma cinase em combinação- novembro 2020). Foram usados,
também: plasmas covalentes (fármacos) e medicações de cuidados intensivos e de terapêutica de suporte).

Começou-se com o que havia


disponível- foi-se às
“prateleiras” dos AVs (fossem
eles do hospedeiro ou de
outros vírus) e investigou-se,
aplicando a este vírus.
Uma grande dificuldade: em
Portugal, só havia 2
laboratórios com condições
para estudar o vírus (pois
exige condições de máxima
segurança)- no Porto não
havia.
Assim, uma das 1ªs
abordagens a nível mundial foi o estudo em sílico. Com o conhecimento das proteínas (1ª coisa que se
cristalizou)- nomeadamente a proteína S, do SARSCoV-”1” e do MERK, foram-se estudar os alvos
terapêuticos que já tinham sido estudados nestes vírus anteriormente- partilham certo 80 e tal % de
homologia → 1ª fonte de conhecimento (e rápida).
Daqui. percebeu-se que as proteínas não estruturais importantes, são:

● 2 proteases: papain-like (PL.pro) e cytokine-like (3Cl.pro)


● RNA dependente RNApolimerase (RdRp)- responsável pela replicação
● helicase
● proteínas estruturais, das quais são alvo a Spike (S) e, agora, a E
(já temos as estruturas de todas as proteínas e a 3CL.pro parece a + promissora e com estudos + avançados)

No início, fizeram-se, então, muitos estudos em sílico com fármacos já existentes→ estratégia de
reposicionamento.
Em simultâneo, isto transpôs-se para estudos in vitro e, depois, para estudos in vivo com fármacos já
existentes.
Foi assim que o remdesivir entrou na terapêutica.

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

PROBLEMA: estes fármacos não foram especificamente desenhados para estes vírus- a sua eficácia é
muito duvidosa. O remdesivir, inclusive, tem estudos que mostram baixa eficácia (apesar de existente e
útil)→ limitação ⇒ necessário um processo de otimização (que já está a decorrer- investimento de algum
risco da indústria e academia nesta que é uma necessidade comum).

REPOSICIONAMENTO DE FÁRMACOS JÁ EXISTENTES PARA SARSCOV-2

ABORDAGEM: estudos com fármacos já


existentes para outros vírus (nomeadamente
HIV, vírus da família do corona e outros com
alguma homologia).
ESTRATÉGIA: ou alvos do hospedeiro
(não só na entrada- e não só o ACE2- mas
também algumas proteases como cofatores
necessárias à libertação do material genético
e imunomoduladores- não vamos falar) ou
alvos do vírus.
Alguns dos 1ºs fármacos a mostrarem
eficácia são: hidroxicloroquina, arbidol, ivermectina, favipiravir, etc - não quer dizer que tenham entrado (não
estão na terapêutica). A hidroxicloroquina chegou a ser aprovada mas foi retirada por falta de evidência (não
mostrava eficácia benéfica em relação à sua toxicidade).
Em março de 2020, nos hospitais dava-se um pouco de tudo: hidroxicloroquina, oseltamivir (= tamiflu),
azitromicina (dava-se tudo o que se sabia que podia ser um pouco “off label”, pois o desconhecimento era
grande).

→ o que tem utilidade e está aprovado?

Há 2 anticorpos monoclonais que estão a atuar na ↓ da tempestade de citocinas- aprovados pela FDA
recentemente (sem certezas se já estão em Portugal mas, provavelmente, não).
Muitos dos fármacos já existentes que se estudaram atuavam, sobretudo, em alvos do hospedeiro:

● camostat- inibidor do
co-recetor TMPRSS2 (que é uma
protease), que auxilia a entrada do
vírus juntamente dos recetores
ACE2 → está a ser estudado
● arbidol- usado na Rússia para
Influenza e atua na interação entre a
proteína S (Spike) e o recetor ACE2
→ fármaco já com ação na interação
entre o hospedeiro e o vírus

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

● cloroquina e hidroxicloroquina- pensou-se e estudou-se que muitos dos associados ao


sistema imunológico/imunitário do hospedeiro também poderiam influenciar o processo de
fusão e endocitose → já não estão na terapêutica
● no início, fármacos já existentes inibidores da protease de HIV ou contra RNApolimerases
(+ particularmente do Influenza: favipiravir e remdesivir, que já tinha aprovação para
situações de emergência de ébola)
● ivermectina- antiprotozoário administrado a animais que atua na fase de entrada do vírus
→ não tem revelado eficácia/benefício

O arbidol (que inibe a


interação da spike com o recetor
ECA2) já tinha aprovação na
Rússia e está a ser usado.
Outro fármaco que atua na
entrada é a niclosamida
(antiprotozoário muito tóxico). No
entanto, não tem eficácia
aprovada.

A comunicação social, a um
ponto, divulgou que a toma de
anti-hipertensores (IECAs) era
benéfica mas, até agora, os ensaios clínicos defendem que, numa 1ª fase de infeção até seriam úteis (quando
há uma baixa carga viral) mas, numa fase + agravada pode ser prejudicial (por feedback -, pode levar a ↑ nº
recetores) → o estudo está a ser contestado → muito controverso.

Sobre o que tem sido (e continua a ser) o grande foco: protease e RNApolimerase são os grandes alvos- à
semelhança do que acontece no HIV e na hepatite C.
DIFERENÇA: enquanto na hepatite C e no HIV dispomos, também, de inibidores alostéricos desta enzima
(nomeadamente da RNApolimerase), no caso do corona não conseguimos seguir este caminho- tem falha de
pockets hidrofóbicos no local ativo e, por isso, não permite a criação de análogos não nucleosídeos alostéricos
inibidores da RNApolimerase.

Todos estes fármacos foram


entrando, acabando por mostrar
alguma ineficácia pois foram
desenhados para, por exemplo, no caso
do HIV:
● oseltamivir → para uma
protease própria de aspartato
(desenhado simetricamente)

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

● ritonavir → para uma neuraminidase, também com alguma especificidade

O mesmo se verifica com os outros fármacos e, por isso, apresentam baixa eficácia.
O único que se mantém na terapêutica com > eficácia/ > potência é o remdesivir.
O galidesivir (também já existente) também está em estudos clínicos para SARSCoV-2.

O remdesivir é um fosfonato análogo de nucleosídeo (análogo de nucleotídeo)- tem o grupo fosfonato


(fosfato + CH2) para impedir que ocorra a hidrólise e, para além disso, tem o grupo ariloxi (fenol) nos
fosfato e o a.a. (glicina), ótimos para a
biodisponibilidade, para além do grupo
lipofílico que o protege e lhe dá
biodisponibilidade e tropismo e
permeabilidade celular- trata-se de um
PROTIDE.

MECANISMO: é terminador de
cadeia mas naõ da forma que já vimos
(pois tem OH em 3’ e tem os 2 OHs em
CIS- supostamente não devia ser) mas
tem o grupo ciano, que causa
impedimento estérico (à semlhança dos
2 OHs em TRANS), tornando-o um terminador de cadeia.
Olhando para a sua estrutura, percebemos que é um análogo nucleósido (com adenosina, monofosfato),
segue a lógica do PROTIDE- tem uma permeabilidade muito elevada pelos 2 tipos de substituintes que já
vimos e, a nível intracelular, já ocorre a hidrólise por esterases do seu éster (não quer dizer que também não
ocorra na *parte que parece um garra da máquina de tirar brinquedos* mas é lenta (devido ao grupo
volumoso)).
Depois, por ação de esterases, a glicina sofre um rearranjo e, a partir daqui, esta ativação é toda NÃO
enzimática.
É um pró-fármaco com carregador que, após a hidrólise para libertação do carregador liberta-se, por
sucessivas modificações e rearranjos, a restante porção, ficando um metabolito de alanina que, por ação de
fosforamidases é, também, libertado, originando o fármaco (que ainda não é ativo- tem que sofrer
trifosforilação).
Na sua forma trisfosforilada é, então, um inibidor competitivo → incorpora-se na cadeia e causa a
terminação.

É a única pequena molécula com ação direta sobre o vírus (existe um outro inibidor de uma cinase) que
existe, atualmente, para o tratamento. Não é de grande eficácia mas mostra alguma e, por isso, está a ser
administrado a nível hospitalar. Foi rapidamente aprovado não só por ter entrado em ensaios clínicos para o
ébola mas, + uma vez, pelo conhecimento sobre a sua ação sobre o MERK e SARSCoV-”1”.

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

Outro fármaco que está, também, na terapêutica em alguns países (sobretudo Asiáticos) é o molnupiravir.
Não foi originalmente desenvolvido para SARSCoV-2 (não quer dizer que ele não tenha eficácia).

Já existia como inibidor de uma


RNApolimerase RNA dependente,
análogo de nucleosídeo e pró-fármaco
com carregador. Não é terminador de
cadeia mas causa muitos erros de
emparelhamento nas
proteínas/síntese protéica (devido ao
seu tautomerismo ceto-enólico: ora
emparelha como se fosse um
nucleosídeo U, ora emparelha como se
fosse um C). Era utilizado para Influenza, sendo agora utilizado, também, para SARSCoV-2 → + uma situação
de reposicionamento.
VANTAGEM: é de administração oral (por ser um pró-fármaco).

FÁRMACOS EM FASE III DE ENSAIOS CLÍNICOS:

A Pfizer é a que está mais avançada.


Focam-se muito na atuação direta sobre o vírus (ou na protease ou na RNApolimerase)- mostram eficácia
ao pararem a replicação.

1. INIBIDORES DA PROTEASE

Há muitos em estudo.
Temos várias estratégias mas
começam todas com o mesmo
conhecimento: através de um
corona vírus e de uma proteína
muito homóloga (3Cl.pro da
porcina) percebeu-se que o que
era essencial para a atividade de
um bom inibidor desta 3Cl.pro →
a partir deste péptido começa,
então, o design de inibidores da
protease.

ESTRATÉGIA: desenvolvimento de peptidomiméticos → é o caso do 1º inibidor (o do centro- líder e com


ação covalente) que vai ser o precursor dos que estão ora em ensaios clínicos da Pfizer.

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22
Temos, ainda, as naftaleno-metilaminas (as da esquerda) , com uma química diferente mas, também de
origem peptidomimética (amida central) e outros dipétidos (os da direita- quase truncar o anel, não
covalentes) → tudo isto vem de uma evolução de um vírus anterior; descobre-se um líder (do rhino vírus) que
permite várias famílias de inibidores da protease.

O fármaco mais avançado (em fases II e III, em simultâneo- no ppt diz em fase I mas está
desatualizado) é o 332 da Pfizer. Tem biodisponibilidade oral e foi descoberto por structured based design.
Podem constituir uma alternativa pois foram desenhados para esta protease, deste vírus (que é, de si,
diferente da do HIV). Trata-se de uma protease de cisteína. Estes ensaios clínicos estão a ser feitos em
conjunto com um fármaco sentinela (ritonavir- não pela sua atividade inibidora da protease mas por sofrer
metabolismo pela CY3A4, ↑ T1/2 do 332 → mesma estratégia do que para o HIV).
O 1º inibidor tem, então, uma estrutura peptídica que vem truncar e ↓ um petit o 1º péptido e tem um
aceitador de Michael
(carbonilo ∝,β-
conjugado) ⇒ permite
uma adição nucleofílica-
é uma warhead (= ogiva/
cabeça ou testa de
ferro, em tuga), quem
comanda o mecanismo →
ligação covalente
reversível mas muito
estável (quase
irreversível).
A evolução passou por
substituir a porção
eletrofílica
farmacofórica do 1º inibidor por um ciano (no 332), que se vai ligar covalentemente. Tem, também, uma
bis(o)prolina (ou dis(o)prolina???? Deus que entenda que eu não consigo)- que também está no boceprevir (↑
hidrofobicidade e mimetiza o a.a.).
Tudo isto veio de uma evolução de um grupo eletrofílico e que faz adição nucleofílica da cisteína
(nucleofílica) ao aldeído (assinalado e que corresponde ao aceitador de Michael) que, depois passou para
ciano- responsável pelo mecanismo de ação. Dá-se a ligação da cisteína ao fármaco.

Ao mesmo tempo que o 332


está em ensaios clínicos, este
também está. Segue a mesma
ideia mas foi descoberto antes. A
Pfizer mantém ambos em ensaios
clínicos mas este tem uma
desvantagem em relação ao 332:

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22
não tem biodisponibilidade oral (apesar de ser um pró-fármaco).

Partiu-se do mesmo farmacóforo, incluindo a ogiva. Constituem os grandes avanços.


NOTA: Mpro (main protease) = 3Cl.pro (3-cytokine-like)

O que está em ensaios clínicos do análogo (retângulo laranja) não é o fármaco em si mas o seu
pró-fármaco (que é um fosfato), que permite uma > solubilidade e uma administração injetável.

Por ser um alvo muito promissor, há vários fármacos em ensaios clínicos por reposicionamento mas os 2
que vimos são os mais eficazes.

SUMA: inibidores da
protease sim (mas nem tanto
os da do HIV, pois a sua é de
aspartato e a do corona é de
cisteína- ainda estiveram em
ensaios clínicos para
SARSCoV-2 mas não tiveram
sucesso).

A PharmaMar está a tentar introduzir um outro fármaco na terapêutica (está em ensaios clínicos), com
um mecanismo de ação diferente- a
plitidepsina, que é um ciclopéptido
(depsipéptido- além dos péptidos,
tem um éster na sua estrutura
cíclica) → demonstrou eficácia para
um proteína do hospedeiro, que está a
ser investigado.
O baricitinib (inibidor de uma
cinase) mostrou, em ensaios clínicos,
ter ação sinérgica com o remdesivir
na ↓ da tempestade de citocinas. Esta
conjugação tem-se revelado eficaz
para o tratamento de SARSCoV-2.

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Química farmacêutica II Ana Fernandes, 21/22

Há cerca de 2 meses, surge a proantocianidina como inibidor da proteína E


(atua ao nível do canal)- faz lembrar os inibidores da proteína M (especialmente
a ribavirina) do Influenza. Mas, como são catequinas muito vulgares na
alimentação (vinhos, etc), dificilmente entrarão na terapêutica.

Num estudo da faculdade em parceria com estrangeiros, percebeu-se que as pessoas com a doença mais
severa tinham o gene GRP78
sobrexpresso e, hoje, já se sabe que é
uma proteína importante para a
entrada do vírus. Na altura, fez-se um
estudo de Docking e Virtual Screening
para perceber que inibidores
poderíamos ter da interação entre uma
porção da proteína Spike e o recetor
do hospedeiro, GRP78 → chegou-se a
alguns fármacos que poderiam ser
investigados para o tratamento.

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