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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE

Centro de Ensino à Distância

Manual do Curso de Licenciatura em Ensino da Língua Portuguesa

Literaturas Africanas em Língua Portuguesa I

Código: P0208

Módulo único
22 Unidades
Direitos de Autor
Este manual é propriedade da Universidade Católica de Moçambique, Centro de Ensino à
Distância (CED) e contém reservados todos os direitos. É proibida a duplicação ou
reprodução deste manual, no seu todo ou em partes, sob quaisquer formas ou por quaisquer
meios (electrónicos, mecânico, gravação, fotocópia ou outros), sem permissão expressa de
entidade editora (Universidade Católica de Moçambique-Centro de Ensino à Distância). O
não cumprimento desta advertência é passível a processos judiciais.

Elaborado Por: dr. Lourenço A. Covane


Licenciado em Ensino da Língua Portuguesa pela UP.
Colaborador do Curso de Licenciatura em Ensino da Língua Portuguesa no Centro de Ensino
à Distância (CED) da Universidade Católica de Moçambique – UCM.

Universidade Católica de Moçambique


Centro de Ensino à Distância-CED
Rua Correia de Brito No 613-Ponta-Gêa

Moçambique-Beira
Telefone: 23 32 64 05
Cel: 82 50 18 44 0
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E-mail: ced@ucm.ac.mz
Website: www.ucm.ac.mz

Agradecimentos
A Universidade Católica de Moçambique-Centro de Ensino à Distância e o autor do presente
manual, dr. Lourenco A. Covane, agradecem a colaboração dos seguintes indivíduos e
instituições:

Pela disponibilização do material: Universidade Pedagógica-Beira; Instituto


Camões- Beira; Universidade Católica de
Moçambique.

Pela revisão e incentivo prestados: Ao coordenador do curso de Licenciatura em


Ensino da Língua Portuguesa no CED, dr.
Armando Artur.
Centro de Ensino à Distância i

Índice
Visão geral 5
Bem-vindo às Literaturas Africanas em Língua Portuguesa I ......................................... 5
Objectivos da cadeira .................................................................................................... 5
Quem deveria estudar este módulo ................................................................................ 5
Como está estruturado este módulo? .............................................................................. 6
Ícones de actividade ...................................................................................................... 6
Habilidades de estudo .................................................................................................... 7
Precisa de apoio? ........................................................................................................... 7
Tarefas (avaliação e auto-avaliação) .............................................................................. 7
Avaliação ...................................................................................................................... 7

Unidade 01. A singularidade de Cabo Verde 9


Introdução 9
Sumário ....................................................................................................................... 10
Exercícios.................................................................................................................... 11

Unidade 02. A Génese da Literatura cabo-verdiana 12


Introdução 12
Exercícios.................................................................................................................... 14

Unidade 03. Cabo Verde: Periodização Literária 15


Introdução 15
Sumário ....................................................................................................................... 17
Exercícios.................................................................................................................... 17

Unidade 04. A Revista Claridade: o compromisso social e político da literatura no


sentido da africanidade e da negritude 19
Introdução 19
Sumário ....................................................................................................................... 22
Exercícios.................................................................................................................... 23

Unidade 05. A lírica de Jorge Barbosa: A afirmação do sujeito colectivo 24


Introdução 24
Sumário ....................................................................................................................... 27
Exercícios.................................................................................................................... 28

Unidade 06. A Temática da insularidade, Seca, Fome e Emigração 30

Obra chuva braba (Manuel Lopes) 30


Introdução 30
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Sumário ....................................................................................................................... 35
Exercícios.................................................................................................................... 36

Unidade 07: Intencionalidade moralizante e social dos contos 37

Obra Chiquinho (baltasar lopes) 37


Introdução 37
Sumário ....................................................................................................................... 41
Exercícios.................................................................................................................... 42

Unidade 08. A Revista Certeza e o Neo-realismo Cabo-verdiano 43


Introdução 43
Sumário ....................................................................................................................... 44
Exercícios.................................................................................................................... 45

Unidade 09: Crítica aos Claridosos e a Literatura de Resistência: 46

Suplemento Cultural 46
Introdução 46
Sumário ....................................................................................................................... 48
Exercícios.................................................................................................................... 48

Unidade 10. Rupturas Poéticas: Corsino Fortes (pão & fonema) 49


Introdução 49
Sumário ....................................................................................................................... 54
Exercícios.................................................................................................................... 55

Unidade 11. Novas Propostas Literárias no Pós-indepndência 56


Introdução 56
Sumário ....................................................................................................................... 57
Exercícios.................................................................................................................... 58

Unidade 12. Singularidade de São-Tomé e Príncipe 59


Introdução 59
Sumário ....................................................................................................................... 61
Exercícios.................................................................................................................... 61

Unidade 13. A poesia e os Fundamentos da Literatura Nacional: 62

(Francisco José Tenreiro “ilha de nome santo”) 62


Introdução 62
Centro de Ensino à Distância iii

Sumário ....................................................................................................................... 68
Exercícios.................................................................................................................... 68

Unidade 14. Receptividade literária: os poetas da casa dos Estudantes do Império 69


Introdução 69
Sumário ....................................................................................................................... 71
Exercícios.................................................................................................................... 71

Unidade 15. A são-tomensidade: Alda Espírito Santo 72


Introdução 72
Sumário ....................................................................................................................... 73
Exercícios.................................................................................................................... 73

Unidade 16. Lírica de São-Tomé: A temática da evocação à infância e da mulher e da


terra-mãe (África) 75
Introdução 75
Exercícios.................................................................................................................... 78

Unidade 17. A nova literatura são-tomense: 79

Manifestações através do Romance, o suícidio cultural (1992) de Aíto Bonfim 79


Introdução 79
Sumário ....................................................................................................................... 81
Exercícios.................................................................................................................... 81

Unidade 18. A actual literatura são-tomense 82


Introdução 82
Nesta unidade, importa-nos falar basicamente dos aspectos que têm a ver a actual
literatura de São – Tomé e Príncipe. 82
Sumário ....................................................................................................................... 82
Exercícios.................................................................................................................... 83

Unidade 19. Origens e Constituição da Literatura Guineesse 84


Introdução 84
Sumário ....................................................................................................................... 86
Exercícios.................................................................................................................... 86

Unidade 20. Guiné-Bissau: A Literatura Colonial e Literatura Nacional 87


Introdução 87
Centro de Ensino à Distância iv

Sumário ....................................................................................................................... 88
Exercícios.................................................................................................................... 88

Unidade 21. Afirmação da Literatura Guineesse “anos 70”: 90

Antologia (Mantenhas para quem luta!) 90


Introdução 90
Exercícios.................................................................................................................... 92

Unidade 22. A Maturidade Nacional Guineese (anos 90): 93

Antologia poética Guineese e o Eco do Pranto. 93


Introdução 93
Exercícios.................................................................................................................... 96

Unidade 23. A Nova poesia Guineense: Hélder Proença 97


Introdução 97
Exercícios.................................................................................................................... 98

Unidade 24. Novas Perspectivas da literatura Guineense. 99


Introdução 99
Exercícios.................................................................................................................. 101
Centro de Ensino à Distância 5

Visão geral

Bem-vindo às Literaturas Africanas em Língua


Portuguesa I

Você tem em suas mãos o módulo Único da cadeira de Literaturas


Africanas em Língua Portuguesa I. A cadeira de Literaturas
Africanas de Expressão Portuguesa I LAPI, leccionada no terceiro
ano do curso de Licenciatura em Ensino Português visa entre
outros aspectos estudar o quadro periodológico da sua
literariedade, bem como os principais factores que a
influenciaram. Sendo assim, abordar-se-ão matérias de natureza
teórica e analisar-se-ão textos que espelham a realidade literária
nos três países.

Objectivos da cadeira

Quando terminar o estudo do módulo de Literaturas


Africanas em Língua Portuguesa I serás capaz de:

 Conhecer o quadro cronológico das literaturas caboverdiana, São-


Tomense e Guineense, das origens aos nossos dias;
 Identificar os períodos literários das literaturas caboverdiana, São-
Tomense e Guineense;
 Caracterizar os períodos literários e os respectivos autores;
 Indicar as características dos períodos literários dessas literaturas;
 Analizar textos /obras de autores de referência de cada literatura;

Quem deveria estudar este módulo

Este módulo foi concebido para todos aqueles Estudantes


candidatos ao Curso de Licenciatura em Ensino da Língua
Portuguesa, do 3º ano.
Centro de Ensino à Distância 6

Como está estruturado este módulo?

Todos os manuais das cadeiras dos cursos oferecidos pela


Universidade Católica de Moçambique-Centro de Ensino à
Distância (UCM-CED) encontram-se estruturados da seguinte
maneira:
Páginas introdutórias
Um índice completo.
Uma visão geral detalhada da cadeira, resumindo os aspectos-chave
que você precisa conhecer para completar o estudo.
Recomendamos vivamente que leia esta secção com atenção
antes de começar o seu estudo.
Conteúdo da cadeira
A cadeira está estruturada em unidades de aprendizagem. Cada
unidade incluirá, o tema, uma introdução, objectivos da unidade,
conteúdo da unidade incluindo actividades de aprendizagem, um
sumário da unidade e uma ou mais actividades para auto-avaliação.
Outros recursos
Para quem esteja interessado em aprender mais, apresentamos uma
lista de recursos adicionais para você explorar. Estes recursos
podem incluir livros, artigos ou sites na internet.
Tarefas de avaliação e/ou Auto-avaliação
Tarefas de avaliação para esta cadeira, encontram-se no final de
cada unidade. Sempre que necessário, dão-se folhas individuais
para desenvolver as tarefas, assim como instruções para as
completar. Estes elementos encontram-se no final do manual.
Comentários e sugestões
Esta é a sua oportunidade para nos dar sugestões e fazer
comentários sobre a estrutura e o conteúdo da cadeira. Os seus
comentários serão úteis para nos ajudar a avaliar e melhorar este
manual.

Ícones de actividade

Ao longo deste manual irá encontrar uma série de ícones nas


margens das folhas. Estes ícones servem para identificar diferentes
partes do processo de aprendizagem. Podem indicar uma parcela
específica de texto, uma nova actividade ou tarefa, uma mudança
de actividade, etc.
Centro de Ensino à Distância 7

Habilidades de estudo

Caro estudante, procure reservar no mínimo 2 (duas) horas de


estudo por dia e use ao máximo o tempo disponível nos finais de
semana. Lembre-se que é necessário elaborar um plano de estudo
individual, que inclui, a data, o dia, a hora, o que estudar, como
estudar e com quem estudar (sozinho, com colegas, outros).
Lembre-se que o teu sucesso depende da sua entrega, você é o
responsável pela sua própria aprendizagem e cabe a se planificar,
organizar, gerir, controlar e avaliar o seu próprio progresso.
Evite plágio.

Precisa de apoio?

Caro estudante:
Os tutores têm por obrigação monitorar a sua aprendizagem, dai o
estudante ter a oportunidade de interagir objectivamente com o
tutor, usando para o efeito os mecanismos apresentados acima.
Todos os tutores têm por obrigação facilitar a interacção. Em caso
de problemas específicos, ele deve ser o primeiro a ser contactado,
numa fase posterior contacte o coordenador do curso e se o
problema for da natureza geral, contacte a direcção do CED, pelo
número 825018440.
Os contactos só se podem efectuar nos dias úteis e nas horas
normais de expediente.

Tarefas (avaliação e auto-avaliação)

O estudante deve realizar todas as tarefas (exercícios), contudo


nem todas deverão ser entregues, mas é importante que sejam
realizadas. Só deverão ser entregues os exercícios que forem
indicados pelo Tutor. Isto, antes do período presencial.
Podem ser utilizadas diferentes fontes e materiais de pesquisa,
contudo os mesmos devem ser devidamente referenciados,
respeitando os direitos do autor.

Avaliação

A avaliação da cadeira será controlada da seguinte maneira:


Centro de Ensino à Distância 8

 Três (3) Trabalhos realizados pelos estudantes, sendo


divididos em três sessões presenciais de acordo com a
programação do Centro.
 Dois (2) Testes escritos em presença e um (1) exame no
fim do ano.
Centro de Ensino à Distância 9

Unidade 01. A singularidade de Cabo Verde

Introdução
Nesta unidade introdutória pretendemos falar dos aspectos
fundamentais que singularizam Cabo Verde das restantes colónias
de expressão em língua portuguesa, sobretudo do que diz respeito
à temática dos textos.

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

 Caracterizar a peculiaridade da literatura Cabo-Verdiana

Objectivos

Os estudiosos do caso caboverdiano parecem concordar no juízo


segundo o qual a emigração constitui um traço idiossincrático
fundamental do povo das ilhas.
Iniciada no século XVII e tendo como destino primeiro a América
do Norte, a emigração vem-se perfilando como um dos principais
meios de busca de vida por parte dos caboverdianos, isto é, como
uma das principais formas de escape às calamidades climatéricas,
económicas e históricas que, secularmente, têm assolado esta terra
insular.
A insularidade de Cabo Verde impoe ao ilhéu os dilemas “querer
ficar e ter que partir” e/ou “ter que partir e querer ficar” em razão
das condições adversas do arquipélago, ora devido à geografia e
ao clima desfavorável, ora com situações políticas como o
colonialismo português no passado, e as desigualdades sociais e
económicas que a independência não conseguiu resolver. Ou seja,
emigrar faz parte da cultura de Cabo Verde. Estas condiçoes
conferem a Cabo-Verde um carácter peculiar e singular no no
propósito das literaturas africanas de Expressão Portuguesa.
A literatura em Cabo Verde apresenta uma particularidade que a
distingue de outras produzidas noutras colónias de língua
portuguesa, pelo alto índice de mestiçagem, a pobreza do solo,
precariedade de emprego, atraso de aparecimento de editoras e
escolas.
Por outro lado, a literatura cabo-verdiana singulariza o carácter
próprio da cabo-verdianidade. Quando Leopold Sedar Senghor
fala da “negritude”, ele refere-se a uma estrutura cultural
intimamente ligada ao sistema africano típico. Em Cabo Verde a
Centro de Ensino à Distância 10

poesia não traduz o movimento revolucionário da negritude, ela


evidencia uma realidade diferente identificando a luta grandiosa e
vital contra uma natureza hostil, contra a persistência de seca e a
erosão permanente devido às “lestadas”, os ventos alísios.
Os temas culturais mais correntes da literatura caboverdiana são: a
seca, a fome, a emigração, o mar, a evasão, o isolamento, a
insularidade, o amor, a saudade ou a simplicidade de uma
existência pacífica. Tudo isso sobressaindo numa expressão única
a caboverdianidade ou ainda melhor, a morabeza. Para se
exprimir, o caboverdiano utiliza no quotidiqno da sua vida o
crioulo, que podemos definir como português clássico, com
algumas formas quase semelhantes ao galego; encontramos no
crioulo palavras com raízes em português, mas também palavras
com origens nas expressões vindas de dialectos africanos. O
crioulo é uma língua única e comum, com algumas diferenças de
pronúncias e vocabulário entre o grupo das ilhas do sul chamado
sotavento e o grupo das ilhas do norte chamado barlavento. O
crioulo é expressivo e musical, é a língua que traduz melhor o
lirismo popular conhecido hoje internacionalmente, através da
música graças a diva dos pés nus Cesária Évora.
A língua portuguesa considerada pelo fundador da nacionalidade
cabo-verdiana Amílcar Cabral, como que melhor herança do
colonialismo, é uma língua administrativa e oficial.
Apesar de não ter apoio escolar, o crioulo começou a ser utilizado
como língua literária a partir do fim de século IX, obtendo um
sucesso com os escritores Eugénio Tavares e Pedro Cardoso, que
influenciaram a criação em 1936 da revista Claridade ou o
princípio de literatura moderna cabo-verdiana com uma poesia de
luta, pondo em evidência o ambiente sócio-cultural, económico e
político das ilhas, uma poesia sem resignação nem fatalismo,
como ensinava a igreja colonial, cujo único ponto positivo foi de
poder estar na origem da difusão do ensino em Cabo Verde,
fazendo com que o país pudesse conhecer cedo os seus escritores e
homens de letras, tais como: António Pedro, Jorge Barbosa,
Baltasar Lopes, Manuel Lopes, Jaime de Figueiredo, Gabriel
Mariano e muitos outros.

Sumário

A literatura em Cabo Verde apresenta uma particularidade que a


distingue de outras produzidas noutras colónias de língua
portuguesa, pelo alto índice de mestiçagem, a pobreza do solo,
precariedade de emprego, atraso de aparecimento de editoras e
escolas.
Os temas culturais mais correntes da literatura caboverdiana são: a
seca, a forme, a emigração, o mar, a evasão, o isolamento, a
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insularidade, o amor, a saudade ou a simplicidade de uma


existência pacífica

Exercícios

1. Vários motivos ditaram o desenvolvimento lento da


literatura cabo-verdiana. Explique-os.
2. Identifique os temas presentes na literatura Cabo-Verdiana.
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Unidade 02. A Génese da Literatura cabo-verdiana

Introdução

Nesta unidade apresentamos o percurso da literatura caboverdiana


desde as origens, descrevendo, primeiro, uma breve história e as
características que acomapanham a sua constituição, até o
verdadeiro tempo da consolidação do sistema e da instituição
literária.

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

 Descrever a génese da literatura cabo-verdiana;

Objectivos

Breve história de Cabo Verde


As ilhas de Cabo verde eram desabitadas quando os portugueses
ali chegaram. O povoamento foi feito com elementos brancos
portugueses e com elementos negros do continente africano,
particularmente da Guiné ( que falavam várias línguas). Ao longo
da História, brancos e negros misturaram-se dando origem aos
mestiços que predominam no arquipélago.

Percurso literário de Cabo Verde


Entre 1920 e 1930 já existe uma elite muito consciente dos
problemas que afectam as ilhas "do arquipélago de Cabo Verde".
Esta gente está sobretudo concentrada em S. Nicolau, S. Antão e
S. Vicente, e muitos são comerciantes, professores estudantes e
jornalistas que estão em contacto com as correntes e movimentos
literários de Portugal, como o modernismo e o neo-realismo. Mas
é sobretudo o modernismo brasileiro que influencia esta geração
que se familiariza com Jorge Amado, Graciliano Ramos, José Lins
do Rego, e poetas como Jorge Lima, Ribeiro Couto, Manuel
Bandeira, e os sociólogos como Gilberto Freyre. A partir,
sobretudo, dessa altura os escritores de Cabo Verde começam a
tomar uma consciência cada vez mais nítida da realidade das ilhas,
a romper com os modelos de tipo europeu. A atenção é focada
cada vez mais na terra, no ambiente sócio-económico e no povo
das ilhas.
Centro de Ensino à Distância 13

O grande passo para a viragem total de temática da literatura


produzida em Cabo Verde é dado, em 1936, por um grupo de
intelectuais que lança a revista Claridade. O grupo, que para a
história literária passou a ser conhecido por claridosos, integra,
para além de outros, Baltazar Lopes, Manuel Lopes e Jorge
Barbosa.

As linhas mestras dos movimentos dos claridosos estão


praticamente condensadas na obra daquele que também é o seu
maior responsável Jorge Barbosa. A preocupação fundamental da
sua poesia é revelar as situações com que diariamente se defronta
o cabo-verdiano: a fome, a miséria, a falta de esperança no dia de
amanhã, as secas e os seus efeitos devastadores.

Os grandes tópicos são o lugar, o ambiente sócio-económico e o


povo; e todos em relação constante com o mar. O mar é o
elemento provocador do aparecimento de outras duas realidades
soberbamente tratadas na poética barbosiana: a viagem e o sonho
de encontrar uma terra prometida.

A ilha, o mar, a viagem e o sonho são os signos de maior


densidade na poesia de Jorge Barbosa. Toda essa temática se
distribui pelas suas três obras: Arquipélago (1935), Ambiente
(1941) e Caderno de um Ilhéu (1956). Mas, quanto a nós, é em
Ambiente que Jorge Barbosa se define como poeta inovador, que
dá à sua poesia uma tonalidade dramática nova, trazida pela
intimidade, a denúncia, a epopeia do homem isleno vivendo no
drama. Não resistimos à tentação de citar aqui um poema que,
quanto a nós, é revelador da dualidade em que Jorge Barbosa
coloca os referentes de quase todos os seus poemas. Há sempre
um "eu" em constante tensão com um ambiente exterior. Repare-
se no poema Prisão

Pobre do que ficou na cadeia


de olhar resignado,
a ver das grades quem passa na rua!

pobre de mim que fiquei detido também


na Ilha tão desolada rodeada de Mar!...
...as grades também da minha prisão!

Este poema é paradigmático quando se procura organizar uma


amostragem comparativa da poesia de Cabo Verde. É que toda a
poesia dos claridosos, se por um lado rompeu com os diques das
normas temáticas do colonialismo, não se terá libertado
completamente de um certo miserabilismo herdado do neo-
realismo português. Esta poesia é toda ela virada para o homem
cabo-verdiano e o mundo que o rodeia; no entanto não aponta
grandes soluções. É pois, uma poesia de descrição, profundamente
lírica, intimista, mais ainda falha de coragem para apontar outra
solução ao homem cabo-verdiano que não seja a evasão do mundo
Centro de Ensino à Distância 14

que lhe pertence. É por isso que os claridosos, e Jorge Barbosa,


evidentemente, são frequentemente criticados pelo carácter
"evasionista" e "escapista da sua poesia.

A geração da Claridade lançou os alicerces da nova poesia que


depois é continuada pelos escritores que colaboram em outras
duas publicações, a Certeza (1944) e o Suplemento Cultural
(1958). Nas duas revistas colaboraram poetas como António
Nunes, Aguinaldo Fonseca, Gabriel Mariano, Onésimo Silveira
(um dos primeiros a utilizar o crioulo de parceria com o português,
no seu livro Hora Grande, 1962) e Ovídio Martins, que combate
abertamente o evasionismo dos claridosos. Apesar de tudo a
geração da Claridade influenciou, e continua a influenciar, grande
parte da produção poética e ficcionista de Cabo Verde.

O salto qualitativo e a ruptura com a influência dos claridosos


devem-se a dois escritores que chegaram a participar na revista
Claridade. Estamos a referir-nos a João Varela (aliás João Vário,
aliás Timótio Tio Tiofe) que publicou em 1975, O primeiro livro
de Notcha, e Corsino Fortes, autor de dois importantes trabalhos
poéticos, Pão & Fonema (1975) e Árvore & Tambor (1985).

É sobretudo Corsino Fortes que provoca o maior desvio de


conteúdo temático e formal. O livro Pão & Fonema deixa perceber
a intenção do autor em reescrever a história do povo em termos de
epopeia. O livro abre com uma Proposição que constitui, por si só,
uma demarcação da poesia de tipo estático dos claridosos.

É evidente que toda a problemática de raiz cabo-verdiana está


presente na obra de Corsino Fortes. Ao contrário dos claridosos, a
nova poesia é uma expressão artística cuja formulação sugere,
reflecte e intervém na dinâmica do real. A grande diferença no
entanto, reside no facto de que este autor, para além de criar uma
nova dinâmica de ralações entre o sujeito e o objecto poético,
coloca toda a problemática cabo-verdiana num contexto muito
mais vasto que é o da África.

Exercícios

1. Refira-se a pelo menos dois factores que motivam a genese


da literatura em Cabo-Verde.
2. Relacione o surgimento da literatura cabo-verdiana com a
a pequena elite que se forma entre 1920 e 1930.
Centro de Ensino à Distância 15

Unidade 03. Cabo Verde: Periodização Literária

Introdução
Nesta unidade pretendemos apresentamos um quadro
periodológico da literatura cabo-verdiana, partindo de pressuposto
de que é possível, através da análise das produções literárias
detectar os períodos marcantes no discurso linguístico cabo-
verdiano.

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

 Conhecer o quadro cronológico da literatura cabo-


verdiana, para perceber globalmente a sua evolução e
Objectivos principais momentos de inovação

1.º Período, das origens até 1925. a que chamaremos de Iniciação,


por, a par de grandes vazios, abranger uma variada gama de textos
(não necessariamente literários) muito influenciados pelas duas
fases do baixo romantismo e do parnasianismo (embora com
iniciativas de alguma vocação regionalista ou mesmo de «vocação
patriótica», no primeiro quartel do séc. XX), antes da fase
moderna.

Em Cabo Verde, após a introdução do prelo, em 1842, e a


publicação do romance cabo-verdiano de José Evaristo d’Almeida,
O escravo (1856), em Lisboa, segue-se um longo período (ainda
hoje mal conhecido no que respeita ao século XIX), até à
publicação do livro de poemas Arquipélago (1935), de Jorge
Barbosa, e da revista Claridade (1936), Fundada por Baltasar
Lopes, Manuel Lopes e Jorge Barbosa, entre outros […]. A
criação, em 1 866, do Liceu-Seminário de São Nicolau (Ribeira
Brava), que durou até 1928, muito contribuiu para o surgimento
de uma classe de letrados equiparável ou superior à dos angolanos.
Em 1877, criou-se a imprensa periódica não oficial. […]

2.° Período, de 1926 a 1935, a que chamamos Hesperitano,


antecede a modernidade que o movimento da Claridade (1936)
incarnou. Desde os primeiros tempos, até ao final deste 2°
Período, entendemos, com Manuel Ferreira, que vigorou o Cabo-
verdianismo, caracterizado como de «regionalismo telúrico», mas
que, nalguns textos, se expande para temas e elementos
Centro de Ensino à Distância 16

recorrentes da literatura cabo-verdiana, como os da fome, do vento


e da terra seca, ou de certa insatisfação e incomodidade, numa
atmosfera muito próxima do naturalismo.

O fundamento que leva a que se possa designar tal período como


Hesperitano ressalta da assunção do antigo mito hesperitano ou
arsinário. Trata-se do mito, proveniente da Antiguidade Clássica,
de que, no Atlântico, existiu um imenso continente, a que deram o
nome de Continente Hespério. As ilhas de Cabo Verde seriam,
então, as ilhas arsinárias, de Cabo Arsinário, nome antigo do Cabo
Verde continental, recuperado da obra de Estrabão.

Os poetas criaram o mito poético para escaparem idealmente à


limitação da pátria portuguesa, exterior ao sentimento ou desejo de
uma pátria interna, íntima, simbolicamente representada pela
lenda da Atlântida, de que resultou também o nome de atlantismo
hesperitano, por oposição ao continentalismo africano e europeu.

3.° Período, que principia no ano de 1936 (ano da publicação da


revista-mater Claridade) e vai até 1957, muito mais tarde do que a
fase a que Luís Romano chama dos «Regionalistas ou Claridosos»
(para ele termina com os neo-realistas da revista Certeza, de
1944).

Ainda em 1941, sai Ambiente, livro de poemas de Jorge Barbosa.


António Nunes publica, depois, os Poemas de longe (1945) e
Manuel Lopes, os Poemas de quem ficou (1949), a que se segue o
romance fundador Chiquinho (1947), de Baltasar Lopes, passando
pelo Caderno de um ilhéu (1956), de Jorge Barbosa, e o primeiro
romance de Manuel Lopes, Chuva braba (1956). Todos sem
interferência da Negritude, mas, curiosamente, coincidindo no
tempo as publicações de neo-realistas e claridosos, não sem que,
entretanto, fossem impressos livros deslocados no tempo, como os
Lírios e cravos (1951), de Pedro Cardoso, e as Poesias (1952), de
Januário Leite, poetas do cabo-verdianismo.

4.° Período, indo de 1958 a 1965, em que, com o Suplemento


Cultural, se assume uma nova cabo-verdianidade que, por não
desdenhar o credo negritudinista, se pode apelidar de Cabo-
verdianitude, que, desde a sua ténue assunção por Gabriel
Mariano, num curto artigo (1958), até muito depois do virulento e
celebrado ensaio de Onésimo Silveira (1963), provocou uma
verdadeira polémica em torno da aceitação tranquila do
patriarcado da Claridade. Do Suplemento Cultural do Boletim
Cabo Verde fizeram parte Gabriel Mariano, Ovídio Martins,
Aguinaldo Fonseca, Terêncio Anahory e Yolanda Morazzo. […]

5.° Período, entre 1966 e 1982, do Universalismo assumido,


sobretudo por João Vário, quando o PAIGC (acoplando forças
políticas de Cabo Verde e da Guiné-Bissau) se achava já
envolvido, desde 1963, na luta armada de libertação nacional,
Centro de Ensino à Distância 17

abrindo, aquele poeta, muito mais cedo do que nas outras colónias,
a frente literária do intimismo, do abstraccionismo e do
cosmopolitismo: aliás, só depois da independência, e passado
algum tempo, surgiu descomplexada e polémica, sobretudo em
Angola e Moçambique. Podemos datar de 1966, com a impressão
dos poemas, em Coimbra, de Exemplo geral, de João Vário (João
Manuel Varela), essa viragem, que, diga-se, pouco impacto veio
provocar.

6.° Período, de 1983 à actualidade, começando por uma fase de


contestação, comum aos novos países, para gradualmente se vir
afirmando como verdadeiro tempo de Consolidação do sistema e
da instituição literária. O primeiro momento é dominado pela
edição da revista Ponto & Vírgula (1983-1987), liderada por
Germano de Almeida e Leão Lopes.

Sumário

É possível, através da análise das produções literárias detectar os


períodos marcantes no discurso linguístico cabo-verdiano.
Genericamente, a literatura de Cabo-Verde costuma ser dividida
em seis (6) períodos, desde às origens até à actualidade.

Exercícios

1. Atente no poema de Eugénio Tavares:

Não existe maior doçura mais doce


Do que esta alegria de voltar
De ver ilha Brava tão doce
Como mundo nã há

Vir, ir num momento


Ai, é dor é sofrimento
/…/
Ai, se eu ficar é contra vontade

Já vim para tornar a partir


Ai, se eu ficar é sorte mofina
Em vez de cantar saudade
Já chorei por não poder ir.
Centro de Ensino à Distância 18

a) fazendo o devido enquadramento (período literário


correspondente), apresente as características necessárias
neste poema.
Centro de Ensino à Distância 19

Unidade 04. A Revista Claridade: o compromisso social e político da literatura no


sentido da africanidade e da negritude

Introdução
Do ponto de vista literário, a Claridade veio não só revolucionar
de um modo exemplar toda a literatura cabo-verdiana como
também marcar o início de uma fase de contemporaneidade
estética e linguística, superando o conflito entre o Romantismo de
matriz portuguesa dominante durante o século XIX e o novo
Realismo. Nesta unidade, pretende-se fazer uma breve resenha
sobre o contributo desta revista literária.
Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

 Conhecer os factores que motivaram o surgimento


da revista Claridade;
 Conhecer os impulsionadores desta revista literária.
Objectivos

A Claridade é uma revista literária e cultural surgida em 1936 na


cidade do Mindelo, Cabo Verde, e que está no centro de um
movimento de emancipação cultural, social e política da sociedade
cabo-verdiana. Os seus responsáveis foram Manuel Lopes,
Baltasar Lopes da Silva (que usou o pseudónimo poético de
Osvaldo Alcântara) e Jorge Barbosa, respectivamente oriundos da
ilha de São Vicente, ilha de São Nicolau e da ilha de Santiago.
Resolveram seguir as pegadas dos neo-realistas portugueses,
assumindo no arquipélago a causa do povo cabo-verdiano na sua
luta pela afirmação de uma identidade cultural autónoma baseada
na criação da "cabo-verdianidade" e na análise das preocupantes
condições socioeconómicas e políticas das Ilhas de Cabo Verde.

Do ponto de vista literário, a Claridade veio não só revolucionar


de um modo exemplar toda a literatura cabo-verdiana como
também marcar o início de uma fase de contemporaneidade
estética e linguística, superando o conflito entre o Romantismo de
matriz portuguesa dominante durante o século XIX e o novo
Realismo. Ao nível político e ideológico, a Claridade tinha como
objectivo procurar afastar definitivamente os escritores cabo-
verdianos do cânone português, procurando reflectir a consciência
colectiva cabo-verdiana e chamar a atenção para elementos da
cultura cabo-verdiana que há muito tinham sido sufocados pelo
colonialismo português, como é o exemplo da língua crioula.
Centro de Ensino à Distância 20

Os fundamentos deste movimento de emancipação cultural e


política podem encontrar-se na nova burguesia liberal oitocentista
que instituiu a Escola como elemento homogeneizador da
diversidade étnica das ilhas, no pressuposto de que o processo de
alfabetização e formação intelectual da população era
indispensável ao desenvolvimento de uma consciência geral
esclarecida. A Escola desencadeou uma fome de leitura que está
na base do extraordinário desenvolvimento cultural de Cabo Verde
no século XX.

Atentos à realidade do quotidiano do povo das ilhas na década de


1930, estes filhos esclarecidos de Cabo Verde preocuparam-se
com a precária situação vivenciada pelo povo, manifestada pelo
sofrimento, miséria, fome e morte de milhares de cabo-verdianos
ao longo dos anos; uma situação com origem na má administração
do arquipélago pelo governo de Portugal, principalmente durante
o regime fascista do António de Oliveira Salazar; não sendo, no
entanto, alheios à desastrosa situação do povo ilhéu e às
frequentes estiagens.

Os fundadores da Claridade lançaram as mãos ao trabalho. Isto é,


"fincaram os pés na terra," de acordo com o seu célebre conteúdo
temático, para a execução do seu plano de trabalho. No entanto,
teriam que proceder de uma forma muito discreta, devido ao
regime de censura colonial existente sob a vigilância constante e
aterrorizada da PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do
Estado), temida pelo seu método de tortura; nomeadamente atrás
das grades do presídio político do Campo do Tarrafal, na Ilha de
Santiago.

Para poderem dar conta da penosa situação de Cabo Verde,


começaram por pensar que um jornal periódico seria a arma ideal -
mais eficiente - para combater a situação. Porém, na sequência de
lhes terem exigido um depósito de 50 mil escudos, uma quantia
exorbitante na época, optaram pelo lançamento de uma revista.
Claridade - o nome atribuído - resultou como um título bem
escolhido, pois constituiu um ‘farol’ que projectou uma luz
rejuvenescedora, intensa e duradoura sobre Cabo Verde, no
despertar de uma literatura realista e moderna.

No tempo anterior à fundação da Claridade, desenvolveram-se


determinados elementos literários e culturais tanto no interior do
arquipélago como no exterior. São aspectos que até certo ponto
influenciaram directa ou indirectamente esta revista. Quanto aos
elementos de carácter endógeno, destacam-se:

i. os três vultos das letras e da cultura tradicional cabo-verdianas, a


saber: Eugénio Tavares da Ilha Brava, Pedro Cardoso da Ilha do
Fogo e José Lopes da Ilha de São Nicolau - a geração "pré-
claridosa", posteriormente denominada geração romântico-clássica
Centro de Ensino à Distância 21

- que muito fizeram para a valorização do homem ilhéu e da sua


língua, o crioulo cabo-verdiano;

ii. A publicação do livro de poemas de António Pedro, Diário


(1929);

iii. O discurso oculto entre os futuros fundadores "claridosos"; e

iv. A publicação do livro de Jorge Barbosa, Arquipélago (1935),


que abriu as portas para o exercício de uma literatura moderna
cabo-verdiana, por se impor pela renovação da retórica e temática
da poesia cabo-verdiana.

No que diz respeito aos de natureza exógena, salientam-se:

i. A presença de alguns escritores portugueses em Cabo Verde


nos fins de 1920 e início da década seguinte, como Augusto
Casimiro, António Pedro e José Osório de Oliveira;

ii. A revista portuguesa Presença, publicada em 1927 em Coimbra;


e

iii. A literatura moderna brasileira e o realismo nordestino.

Entre 1936 e 1960 saíram nove números da revista Claridade.


Podemos distinguir essas publicações por dois períodos distintos,
com um intervalo de uma década; o que se ficou a dever às
dificuldades financeiras e à dispersão dos elementos do grupo
pelas ilhas. Nos anos de 1936 e 1937, os três primeiros números
resultaram da autoria quase exclusiva dos seus fundadores,
enquanto os trabalhos dos restantes sete números saídos entre
1947 e 1960 estiveram a cargo de Baltazar Lopes da Silva. Nesse
período Jorge Barbosa tinha sido desterrado para a Ilha do Sal e
Manuel Lopes encontrava-se na Ilha do Faial, Açores, para onde
tinha sido transferido por motivos profissionais, como telegrafista
na Western Telegraph.

O primeiro número apresentou três textos poéticos da tradição oral


em língua crioula - "lantuna & 2 motivos de finaçom (batuques da
Ilha de Santiago) ". O segundo contou com a morna "Vénus" do
são vicentino Francisco Xavier da Cruz, mais conhecido por
B.Léza; para além de outros aspetos culturais e literários também
em português. Os restantes números, sempre privilegiando a
língua cabo-verdiana, destacaram o folclore poético da Ilha de
Santiago - a "finaçom" e o "batucu" - e as cantigas de Ana
Procópio, da Ilha do Fogo, ou o folclore novelístico da Ilha de São
Nicolau e da Ilha de Santo Antão. Foram também divulgados
estudos etnográficos sobre a "Tabanca", da Ilha de Santiago e as
"Bandeiras" da Ilha do Fogo, para além de estudos sociológicos
sobre a estrutura social do Fogo e as especificidades da população
das outras ilhas.
Centro de Ensino à Distância 22

Colaboradores da Claridade

Para além dos seus fundadores, convém mencionar duas outras


personalidades que participaram na Claridade; o pintor e crítico
Jaime de Figueiredo e o escritor João Lopes deram o seu
importante contributo desde a fase inicial. Adicionalmente,
colaboraram outros escritores ao longo da existência da Claridade,
dando um valioso contributo bilingue não só para o
desenvolvimento do projecto como também para o enriquecimento
da literatura moderna cabo-verdiana, em geral. Foram eles, Pedro
Corsino de Azevedo e José Osório de Oliveira, nos primeiros
números; Henrique Teixeira de Sousa, Félix Monteiro, Nuno
Miranda, Abílio Duarte, Arnaldo França, Luís Romano de
Madeira Melo, Tomás Martins, Virgílio Pires, Onésimo Silveira,
Francisco Xavier da Cruz, Corsino Fortes, Artur Augusto, Sérgio
Frusoni e Virgílio de Melo, entre outros, nos restantes números
publicados.

Formação intelectual e soberania nacional

A fundação do Liceu-Seminário eclesiástica e laica da Ribeira


Brava, na Ilha de São Nicolau, foi uma das pedras fundamentais
para o alicerce da edificação da literatura moderna cabo-verdiana.
Anos mais tarde, teve lugar a criação dos liceus da Praia e do
Mindelo. Foram escolas que, para além de formarem os quadros
dirigentes da administração crioula, constituíram os cadinhos
donde saíram sucessivas gerações de intelectuais que estão na
origem da reacção contra a mão forte do processo colonialista. Tal
processo abriria as portas à reivindicação política, de forma a que
a História de Cabo Verde atingisse o seu apogeu com a
Independência Nacional no dia 5 de Julho de 1975, e com a
afirmação da Democracia e do desenvolvimento socioeconómico
de que desfrutam os cabo-verdianos actualmente.

Sumário

A Claridade despertou e iluminou ainda mais a intelectualidade


cabo-verdiana. Os vestígios dessa repercussão podem ser
verificados nas obras-primas lançadas pelos escritores
"claridosos", que marcaram a literatura cabo-verdiana, como:
Arquipélago, Chiquinho, Chuva Braba e Os Flagelados do Vento
Leste.

Do mesmo modo, a revista lançou sementes literárias que


germinariam em outras importantes publicações cabo-verdianas,
tais como, Certeza (1944), Suplemento Cultural (1958), Raízes
(1977) e Ponto & Vírgula (1983), em que se destacaram os
escritores Gabriel Mariano, Ovídio Martins, Aguinaldo Fonseca,
Terêncio Anahory, Yolanda Morazzo, Leão Lopes e Germano de
Almeida
Centro de Ensino à Distância 23

Exercícios

1. Em linhas gerais, fale do lugar político-social da revista


Claridade.
2. Identifique os factores que impulsionaram o surgimento
desta revista.
3. Quem são os pontuais colaboradores da revista Claridadde.
4. Relacione o surgimento da revista Claridade com a
periodização da literatura Cabo-verdiana, apresentada na
terceira unidade.
Centro de Ensino à Distância 24

Unidade 05. A lírica de Jorge Barbosa: A afirmação do sujeito colectivo

Introdução
Na presente unidade vamos falar da vida e obra de Jorge Barbosa.
Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

 Resumir a temática presente na obra de Jorge Barbosa.

Objectivos

Jorge Vera Cruz Barbosa nasceu na ilha de Santiago de Cabo


Verde em 22 de Maio de 1902. Fez os seus estudos primários na
cidade da Praia e veio depois para Lisboa, onde estudou até ao
3.° ano. Regressa em seguida para Cabo Verde, continuando os
seus estudos até ao 5.° ano.

Aos dezoito anos começa a trabalhar na Alfândega de São


Vicente. Percorre quase todas as ilhas em serviço, para onde é
transferido por várias vezes. Aposentou-se na ilha do Sal, em
1967, com sessenta e cinco anos, com a categoria de director de
alfândega.

Em Setembro de 1970, já bastante adoentado do coração, vem


para Portugal tratar-se, falecendo três meses depois, em Janeiro
de 1971.

Vida sem grandes sobressaltos e limitada à fronteira marítima


que inspirou tantos dos seus poemas. No entanto, profunda e
imensa em sonhos e em viagens imaginadas que jamais realizou.

Jorge Barbosa publicou em vida três livros: Arquipélago (1ª


edição em Dezembro de 1935, sob a égide da Editorial
Claridade), Ambiente (1ª edição em 1941, Praia, Minerva de
Cabo Verde) e Caderno de um Ilhéu (1ª edição em 1956, Lisboa,
Agência Geral do Ultramar). Postumamente, em 2002, a sua
Obra Poética foi reunida pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda,
onde se acrescentou três livros inéditos, ordenados pelo poeta: I –
Expectativa; II – Romanceiro dos Pescadores; III – Outros
Poemas. Nestes três livros encontram-se alguns poemas que
foram apresentados na Poesia Inédita e Dispersa de Jorge
Barbosa, publicada, em 1993, pelas Edições ALAC. Os que
restam e que ficaram de fora dos três livros inéditos foram
Centro de Ensino à Distância 25

incluídos igualmente numa parte IV com o título Poemas


dispersos. Incluem-se ainda, na parte V, cinco poemas em
crioulo.

Deu a sua colaboração literária a revistas e jornais da época,


como Presença, Claridade (quer nos três primeiros números, quer
nos seis restantes da 2ª fase), Cadernos de Poesia, Diabo,
Atlântico, Mundo Português, Aventura, Movimento, Mensagem
(CEI), Notícias de Cabo Verde. Mais regularmente, a sua
colaboração foi para o Boletim de Cabo Verde, durante vários
anos, não só com poemas, como também com as crónicas de São
Vicente e artigos vários.

Sobre A Poesia de Jorge Barbosa

Na sua obra poética, existe um núcleo fundador de uma estética


poética, derivado do relacionamento do sujeito com o espaço – a
ilha. Dessa relação resulta aquilo que podemos denominar a
insularidade, isto é, o sentimento de solidão, de nostalgia que o
ilhéu experimenta face ao isolamento e aos limites da fronteira
líquida que o separam do resto do mundo, criando-lhe um estado
de ansiedade que o leva a sonhar com outros horizontes para lá
do mar. Insularidade que é, antes de mais nada, cabo-verdiana e
que, desse modo, se particulariza. O factor geográfico do
Arquipélago constituído por dez ilhas relativamente pequenas,
juntamente com os condicionalismos climáticos, marca a
sentimentalidade e a maneira de estar do homem.

Se, por um lado, a pequenez do espaço em confronto com o mar


agiganta os sonhos e o desejo da partida, por outro, as secas,
destruindo o ganha-pão do homem, levam-no a realizar a
aventura da emigração, isto é, a aventura da sobrevivência. A
insularidade em Jorge Barbosa contém estas duas vertentes,
expressas na dicotomia «querer partir e ter de ficar» e «ter de
partir e querer ficar», estabelecendo o enlace do regionalismo
com o universalismo, duas qualidades, afinal, inerentes ao
conceito de insulação ou insularidade. Estas estruturas tendem a
articular-se na poesia de Jorge Barbosa, plasmadas num profundo
conhecimento da terra e do homem, constituindo a sua aventura
interior, impressa não na língua crioula, mas na língua
portuguesa, cujo discurso é impregnado dos ingredientes do
homem mestiçado. A crioulidade é assim o factor primordial da
sua identidade.

A sua produção literária abrange um espaço de 41 anos, de 1928


a 1969 (sendo a poesia dispersa e inédita paralela aos livros
publicados, preenchendo os hiatos das suas publicações e
prolongando-se quase até à hora da morte).
Centro de Ensino à Distância 26

Podemos agrupá-la em três períodos:

O primeiro, pré-claridoso, de 1928 a 1935 (poesia inédita em


livro até Arquipélago); o segundo, o período claridoso, de 1935
aos fins dos anos 1950 (incluindo a publicação de Ambiente e
Caderno de um ilhéu); o terceiro, de 1959 a 1969, pós-claridoso
ou da mudança (poesia inédita).

O primeiro período define-se como preparação e fermentação de


um novo ideário ético-estético.

Intelectualizada pela poesia a consciência da insularidade, o


poeta encontra-se apto a analisar as situações sociais motivadas
por circunstancialismos político-geográficos. Em 1932, sai o
poema «O Baile», iniciático da sua viagem interior rumo às
origens, verifica-se um envolvimento nas suas raízes como
propósito definido), numa cena do quotidiano, em que a negra
que amamenta a criança «de ébano polido» é sublimada pela
analogia com a Virgem-Mãe, olhando o Cristo-Menino,
reiterando o princípio da gestação rácica. No plano da
representação, os elementos típicos e ambientais (a morna, os
pares dançando, o quarto de terra batida, o suor e a aguardente)
aludem ao submundo do porto de São Vicente, tema que é
retomado noutros poemas, posteriormente, em «Roteiro da Rua
Lisboa» (Claridade nº 9, em 1960) e «Meninas Portuárias»
(inédito, 1966), e que lembram outro grande Mestre das letras
cabo-verdianas, o novelista António Aurélio Gonçalves.
Verificamos que há uma intenção clara de definir um espaço
vital, «a terra mater», já a partir de 1930, em poemas
possivelmente escritos antes. Na verdade, tanto o seu livro
Arquipélago, como parte dos poemas publicados no livro
Ambiente, já estavam escritos em 1933, segundo cartas que o
poeta escreve a Manuel Lopes, revelando a precoce modernidade
cabo-verdiana. A consciência, pois, do presente vivido,
anunciado nos seus pontos nevrálgicos: as secas, o drama
centenário da fome, o desprezo que o poder central metropolitano
manifestava em relação aos problemas trágicos das ilhas, a fuga
para outros climas. Aliás, em 1931, Jorge Barbosa publicava, em
O Notícias de Cabo Verde, n° 6, um artigo em homenagem a
Eugénio Tavares («Eugénio – tópicos de uma monografia»), em
que usa, pela primeira vez, a expressão «caboverdianismo» no
conceito que modernamente atribuímos a «cabo-verdianidade».

Caboverdianizar a literatura era, afinal, o que pretendiam, à


semelhança do que acontecia no Brasil, desde 1922, após a
Semana de Arte Moderna.

De facto, o modernismo brasileiro, desenvolvido nas décadas de


1930 e 1940 por poetas como Mário de Andrade, Manuel
Bandeira, Ribeiro Couto, Jorge de Lima, Carlos Drummond de
Centro de Ensino à Distância 27

Andrade, preconiza um temário poético exclusivamente


brasileiro, popular e tradicional, reagindo contra os parnasianos.
O romance regional nordestino de Raquel de Queiroz, José Lins
do Rego, Jorge Amado, Graciliano Ramos, o romance urbano de
Erico Veríssimo, a obra de Gilberto Freire e os estudos de Artur
Ramos sobre o negro africano no Brasil, são particularmente
sensíveis para os escritores cabo-verdianos, por tudo o que
aproxima o Brasil de Cabo Verde: o processo aculturativo, o
ethos africano, as secas nordestinas, com o corolário de desgraças
conhecidas pelo ilhéu cabo-verdiano.

Dentro das influências literárias, deverá falar-se também do


escritor António Pedro, um dos fundadores do surrealismo
português, que, em 1929, estivera na sua terra natal, convivendo
com Jorge Barbosa, Jaime de Figueiredo e outros. Subtilmente, o
poeta enuncia, em «Poemas Autobiográficos» (1953) e em
«Panfletário» (1966), o desejado pelo não realizado, o dito pelo
não dito. Traduz, por um processo de dissimulação, aquilo que é
e, sobretudo, aquilo que deveria ser nas aspirações mais íntimas.
Em «Panfletário», coloca em termos políticos e sociais o
desajuste entre o ser e o estar, isto é, as várias razões castradoras
da realização da «Magnífica aventura de ser panfletário».

É esta evolução para uma acentuada consciencialização política e


social da função da literatura e da arte que irá nortear o terceiro
período da sua obra poética – o pós-claridoso ou da mudança.
Evolução corajosamente já patenteada nos livros publicados, em
que, antes de mais nada, revela a idiossincrasia da personalidade
islenha. E, numa consciência social muito experimentada, toca
toda a temática do Homem das ilhas: as secas, a fome, a morte
prematura, a prostituição, o abandono e a Viagem (motivo
fundamental). Desejada ou necessária, a Viagem é um percurso
entre os espaços, transição no plano mental, afectivo ou
intelectual, retorno às origens e à mística da terra, entre o real e o
onírico.

Daí que toda a obra publicada (em livro ou dispersa) prepare esse
3.° período, o pós-claridoso ou da mudança, que se define pelo
discurso da agressividade e da intervenção, nunca perdendo,
porém, o lirismo de carácter afectivo, repassado de dor, em tom
magoado.

Sumário

Na obra poética de Barbosa, existe um núcleo fundador de uma


estética poética derivado do relacionamento do sujeito com o
espaço – a ilha. Dessa relação resulta aquilo que podemos
Centro de Ensino à Distância 28

denominar a insularidade, isto é, o sentimento de solidão, de


nostalgia que o ilhéu experimenta face ao isolamento e aos limites
da fronteira líquida que o separam do resto do mundo, criando-lhe
um estado de ansiedade que o leva a sonhar com outros horizontes
para lá do mar. Insularidade que é, antes de mais nada, cabo-
verdiana e que, desse modo, se particulariza. O factor geográfico
do Arquipélago constituído por dez ilhas relativamente pequenas,
juntamente com os condicionalismos climáticos, marca a
sentimentalidade e a maneira de estar do homem.

Exercícios

1. Discuta o conceito da insularidade na poética de Jorge


Barbosa.
2. Refira-se às influências que pesaram sobre a poética de
Barbosa.
3. Identifique as principais obras de Jorge Barbosa.
4. Analise sob ponto de vista temático-ideológico, estético e
estilítico o poema abaixo e enquadre-o no período
correspondente, de acordo o agrupamento estudado nesta
unidade.

POSSE

Nos compêndios escolares não se falava da pequena ilha


solitária e perdida nos mares do Sul.
Não passavam por lá os barcos dos brancos
e o povo seguia a sua própria lei
que no entanto não estava escrita em livro algum.
Homens e mulheres viviam nus e amavam-se sem complicações
e comiam peixes que pescavam em canoas feitas com troncos de
árvores
e carne de animais caçados com setas certeiras.

Atletas e guerreiros dançavam ao som de búzios e tambores


e as bailadeiras ondeavam contorcidos ritmos lentos
na toada triste de instrumentos de uma só corda.
E tinham seus deuses, seus santos, seus sacerdotes, seus feiticeiros,
e moravam em cubatas cobertas com palmas das palmeiras.

Mas do outro lado da terra


um dia
senhores de cara grave assentaram-se à volta de uma mesa com
mapas em frente,
falando de guerras,
de bases para aviões,
de pontos estratégicos...

Então veio à baila a ilha solitária perdida nos mares do Sul...


Semanas depois um barco de ferro chegou e fundeou
nas águas tranquilas da baía...
Centro de Ensino à Distância 29

E um escaler veio para terra com homens loiros vestidos de branco,


trazendo, entre outras coisas,
uma bandeira para a primeira afirmação imperial,
um chicote para o primeiro castigo,
um barril de pólvora para o primeiro massacre
e um outro de álcool para o primeiro comércio!

Praia, Cabo Verde


(in jornal O Diabo, Lisboa, 23 de Março de 1940, p. 3
Centro de Ensino à Distância 30

Unidade 06. A Temática da insularidade, Seca, Fome e Emigração


Obra chuva braba (Manuel Lopes)

Introdução
A temática da insularidade estende-se em todos os escritores cabo-
verdianos, Manuel Lopes não escapa à regra. Nesta unidade
temática falaremos, particularmente, da Chuva Braba e um pouco
dos Flagelados do Veste Leste, obras que muito contribuiram para
a afirmação da cabo-verdaianidade.

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

 Identificar a temática presente na obra de Manuel


Lopes;
Objectivos  Caracterizar a simbologia das presentes em Chuva
Braba e em Os Flagelados do Vento Leste.

Manuel António de Sousa Lopes (Mindelo, 23 de Dezembro de


1907 — Lisboa, 25 de Janeiro de 2005) foi um ficcionista, poeta e
ensaísta, um dos fundadores da moderna literatura cabo-verdiana e
que, com Baltasar Lopes da Silva e Jorge Barbosa, foi responsável
pela criação da revista Claridade.

Manuel Lopes escrevia os seus textos em português, embora


utilizasse nas suas obras expressões em crioulo cabo-verdiano. Foi
um dos responsáveis por dar a conhecer ao mundo as calamidades,
as secas e as mortes em São Vicente e, sobretudo, em Santo
Antão.

Emigrou quanto ainda jovem tendo a sua família se fixado em


1919 em Coimbra (Portugal), onde fez os estudos liceais. Quatro
anos depois, voltou a Cabo Verde como funcionário de uma
companhia inglesa. Em 1936, fundou com Baltasar Lopes a revista
Claridade, de que sairiam nove números. Em 1944 foi transferido
para a ilha do Faial, nos Açores, onde viveu até se fixar em
Lisboa, em 1959, onde passou a viver até a sua morte. Regressou
apenas por duas vezes ao seu arquipélago.

Entre as suas obras mais conhecidas contam-se: Chuva Braba


(romance, 1956, Prémio Fernão Mendes Pinto), O Galo que
Cantou na Baía (contos, 1959, de novo Prémio Fernão Mendes
Pinto) e Os Flagelados do Vento Leste (romance, 1959, Prémio
Meio Milénio do Achamento de Cabo Verde). Os Flagelados do
Centro de Ensino à Distância 31

Vento Leste teve adaptação cinematográfica, dirigida por António


Faria, em 1987.

Mas Manuel Lopes foi autor de outros títulos como Horas Vagas
(poesia, 1934), Poemas de Quem Ficou (poesia, 1949), Temas
Cabo-verdianos (ensaios, 1950), Crioulo e Outros Poemas (poesia,
1964), As Personagens de Ficção e os seus Modelos (ensaio,
1971) e Falucho Ancorado (antologia poética, 1997).

Chuva Brava E Os Flagelados Do Vento Leste abordam a temática


da vida no campo, os olhos postos num céu esquecido dos homens
em baixo implorando uma gota d’água. Assim, os autores que
publicaram na “Claridade” escolheram como temas predilectos a
fome e a miséria em que Cabo Verde vivia, o abandono a que o
nosso povo era votado pelos sucessivos Governos coloniais.

i. O romance Chuva Braba é da autoria de Manuel Lopes,


escritor cabo-verdiano nascido em 1907, em São
Vicente.

Obra da novelística insular, a sua narrativa tem como pólo central


a vida de Mané Quim, personagem principal deste romance, e a
luta que, diariamente, enfrenta para ultrapassar as dificuldades
inerentes ao isolamento provocado pela condição de insularidade e
à miséria decorrente de secas longuíssimas. Assolado por uma
série de conflitos interiores, esta personagem é detentora de uma
grande intensidade dramática que se vai aprofundando à medida
que se aproxima do desenlace.

Tendo sempre aceite pacífica e passivamente o seu quotidiano, na


Ilha de Santo Antão, Mané Quim, de um dia para outro, é
"desassossegado" por um convite que lhe foi feito pelo seu
padrinho "Nhô Joquinha" para ir para a Amazónia - Brasil. Na
verdade, perante este convite que lhe abre as portas da
"oportunidade", sente-se arrebatado por um conjunto de
sentimentos antitéticos que assentam fundamentalmente na
dicotomia "precisar de partir" e "querer ficar". Esta dúvida, fonte
de conflitos internos que invadem grande parte da população
destas ilhas, acentua-se na personagem, quando, inevitavelmente,
pensa no abandono a que sujeitará, se partir, a sua mãe, Ngã Joja,
viúva há dez anos, e Escolástica, filha de Ngã Totona, que lhe
começara a despertar o sentimento.

Após a partida dos seus dois irmãos, os quais nunca deram


notícias, Mané Quim foi alimentando a esperança de poder
trabalhar um cantinho de terra abençoada por um pequeno regadio,
no Ribeirãozinho, acreditando nas palavras de esperança de chuva
"gritadas" por Nhõ Vital, o lunário.

Este sonho, associado ao fervor da paixão que crescia por


Escolástica, é, repentinamente, destabilizado pelo convite do
Centro de Ensino à Distância 32

padrinho.

Assoberbado por esta nova situação, tenta aconselhar-se junto de


sua mãe. Personificação da sabedoria e resignação, Ngã Joja, já
ferida de morte pela partida dos outros dois filhos, mas consciente
da "estreiteza" daquele espaço, acredita que Deus determinará os
"destinos das coisas".

O protagonista tenta pesar na balança o convite de Nhô Joquinha e


as palavras de Nhô Vital e as de Nhô Lourencinho que lhe dizia
que deixar a Terra era perder a Alma.

De forma muito viva, o narrador vai prendendo a atenção do leitor,


sempre à espera de conhecer o desenlace da intriga. Partirá ou não,
perderá ou não a Alma Mané Quim?

Como que propositadamente, a decisão vai sendo adiada por


sucessivos acontecimentos de que se destaca a destruição, pela
calada da noite, da sua propriedade.

Resistindo à voz que lhe vinha do interior e que o convidava a


ficar, Mané Quim foi abrindo a sua alma à possibilidade de partir,
como solução para combater a miséria em que vivia. Contudo,
acaba por não resistir ao chamamento da Terra, enquanto entidade
que contém em si não apenas a componente física da geografia,
mas fundamentalmente a componente espiritual e humana
enformada pelas pessoas, pelos costumes, pelas tradições, em
suma, pelas raízes, que definitivamente o impedem de partir.

Chuva Braba faz parte de um conjunto de obras de Manuel Lopes,


nomeadamente Os Flagelados do Vento Leste, que apresentam
como núcleo temático a luta do homem cabo-verdiano para vencer
a natureza adversa.

Juntamente com o seu conterrâneo cabo-verdiano Baltasar Lopes


da Silva (1907-1989), autor do aclamado romance Chiquinho,
Manuel Lopes foi um dos fundadores da revista Claridade, em
1936. Revista de inspiração insular, mas também veículo de
autonomização cultural e singular afirmação literária, foi um
marco essencial da literatura cabo-verdiana da primeira metade do
século XX.

Manuel Lopes celebrizou-se, ainda, pela publicação desta novela


(de acordo com a designação que ele próprio incluíu no volume) e
pelos dois livros que se lhe seguiram - O Galo que Cantou na Baía
(1959, contos) e Os Flagelados do Vento Leste (1960, romance),
este último adaptado para o cinema em 1988.

Uma certa semelhança com o discurso neo-realista,


nomeadamente o de Manuel da Fonseca (1911-1993) sobre as
paisagens do Alentejo, evolui para uma descrição bem distinta e
Centro de Ensino à Distância 33

autónoma das paisagens e das gentes cabo-verdianas, no primeiro


capítulo (II parte) de Chuva Braba, do qual se transcreve um breve
excerto:

"Porto Novo não tem montanhas. Ali há vento à solta, mar raso
por aí fora franjado de carneirada. Há distância: um azul que
navega e naufraga num mundo sem limite. Lá adiante fica S.
Vicente, cinzento e roxo, roxo e cinzento, depois é só horizonte. O
mar, quando cai a calma sobre o canal, desliza ora para o sul ora
para o norte, consoante a direcção da corrente, como as águas
dum rio que ora descessem para a foz ora remontassem da foz
para a nascente.

As árvores são torcidas e tenazes, têm a riqueza dramática das


desgraças hereditárias ou das indomáveis perseveranças. Cheira
a marisco que vem das praias de seixos rolados e areia negra.
Cheira a poeira das ruas onde há bosta de mistura. Cheira a
melaço e aguardente, a fazenda e a coiro dos armazéns. Cheira a
maresia no vento que sopra sobre os telhados. Mas há água
canalizada da Ribeira da Mesa, um chafariz público onde as
alimárias bebem, uma horta exuberante no Peixinho e um jardim
emaranhado e virgem à beira mar.

Porto Novo é vila de futuro, dizem. Uma estrada paralela à praia


corta-a ao meio; é a rua principal. No seu portinho aberto de mar
picado balançam, quase sempre, um ou dois faluchos vindos de S.
Vicente. O comércio progride. As lojas são providas de toda a
sorte de bugigangas. Têm fazendas medidas a jardas, lenços de
cores berrantes, mercearia, quinquilharias, têm espelhinhos, jóias
artificiais, barros de Boa Vista para todos os usos, alfaias,
panelas, caldeirões de ferro de três pés, têm tudo. A clientela é
vasta, quase a terça parte da população dos campos da ilha cai
ali. Trazem produtos agrícolas, trocam ou vendem, invadem as
lojas. Deixam os nomes nos livros de conta-corrente; pagam
prestações. Há empréstimos, dívidas, hipotecas, juros
astronómicos. Fornecedores de frescos à navegação do Porto
Grande, vendedores e vendedeiras do mercado de S. Vicente vão
ali adquirir frutas, galinhas, ovos, hortaliças, por baixo preço.
Contrabandistas de aguardente pululam. Até a hora da
debandada das tropas de burricos, dos homens e mulheres de
campo, ao meio-dia ou uma hora da tarde, a estrada enche-se
movimento e gritos num vaivém de feira ambulante, canastras,
frutas, lenha, gado. Os faluchos zarpam ajoujados. S. Vicente
devora tudo, pede mais. Uma vela branca e oblíqua cruza com
outra no meio do canal. À tarde Porto Novo é uma vila morta."
Centro de Ensino à Distância 34

Actividade 1

1. Atente no excerto acima, apresente a simbologia de


S.Vicente na obra Chuva Braba

ii. Os Flagelados do Vento Leste (1960).

Manuel Lopes já tratara a temática da fome no seu anterior


romance, Chuva Braba (1956; É contudo em Os Flagelados do
Vento Leste que desenvolve um intenso cenário de desolação, o
qual promove o desespero e a degradação humana.

Em páginas sofridas e cheias de tensão, o leitor assiste ao


desenvolver de uma narrativa marcada por um neo-realismo de
carácter insular, que em parte evoca alguma da ficção de temática
nordestina do autor brasileiro Graciliano Ramos (1892-1953).

José da Cruz, lavrador, e um dos seus filhos, Leandro, pastor


transformado em salteador, são as personagens nucleares de duas
narrativas que se entrecruzam, traduzindo a impotência dos
habitantes da ilha de Santo Antão perante a força dos elementos.

Da narrativa transcrevem-se três excertos:

“Agosto chegou ao fim. Setembro entrou feio, seco de águas; o sol


peneirando chispas num céu cor de cinza; a luminosidade tão
intensa que trespassava as montanhas, descoloria-as, fundia-as
na atmosfera espessa e vibrante. Os homens espiavam, de cabeça
erguida, interrogavam-se em silêncio. Com ansiedade jogavam os
seus pensamentos, como pedras das fundas, para o alto. Nem um
fiapo de nuvem pairava nos espaços. Não se enxergava um único
sinal, desses indícios que os velhos sabem ver apontando o dedo
indicador, o braço estendido para o céu, e se revelam aos homens
como palavras escritas”.

"Aquela tira de carrapato era sinal de trabalho, símbolo de


emancipação, na ideia do rapaz. Significava que nele se estava
operando a passagem de menino para homem. Na verdade, era o
começo da escravização do menino pela terra, sob o disfarce
tentador da responsabilidade de homem. Todo o catraio que ajuda
o pai no tráfego sério das hortas sente grandeza em ser tratado de
igual para igual e em trazer aquele distintivo. Os homens usavam,
naturalmente, o cinto para suster as calças, mas também para
enfiar a faca. O pai tinha um lato de coiro e um cartuchinho
também de coiro – a bainha – para guardar a faca. Os meninos
sonham com a bainha de cabedal, emblema de responsabilidade.
"Uá! Tu não tens uma faca como eu. Foi nha-pai que deu para eu
ajudar ele nos mandados da horta". Então, às escondidas, já
picam tabaco de rolo com a faca, e enrolam o seu cigarrinho na
palha de milho. Depois enfiam o calção de dril azul ou cotim ou
vichi para esconder a vergonha e andarem mais afoitos no meio
Centro de Ensino à Distância 35

de raparigas. E aprendem a limpar o suor com as costas das mãos


–a princípio por puro espírito de imitação – quando, no fim do
dia, empunhando o rabo da enxada, regressam ao terreiro da
casa atrás do chefe de família. Porque infância de menino de
campo é isto: trocar as mamas da mãe pelo cabo da enxada do
pai. Porque o homem do campo não teve infância. Teve luta só, e
luta braba. E esperanças e incertezas; a labuta das águas e o
drama da estiagem marcados nas faces chupadas e no olhar sério.

"Era a luta. A luta braba que começava. Contra os elementos


negativos. Contra os inimigos do homem. A luta silenciosa, de
vida ou de morte. Introduzia-se primeiro no entendimento.
Depois, entrava no sangue e no peito. O homem tornava-se a
força contrária às forças da Natureza. Por um mandato de Deus,
o homem lutava contra os próprios desígnios de Deus. Dava toda
a vontade e a sua força. Não podia fazer mais nada. O que está
acima da força do homem não pertence aos seus domínios. O
homem tinha uma medida. Chuva, vento e sol estavam fora dessa
medida, e o homem não se podia incriminar pelo que sucedia
fora da sua medida. Os desígnios de Deus eram superiores à
vontade dos homens, mas o dever do homem era lutar mesmo
contra esses desígnios.

Actividade 2

2. Dos execertos apresentados, retire as marcas que justiticam


o título da Obra: Os flagelados do vento leste

Sumário

A obra de Manuel Lopes estende-se pela poesia, ensaio, romance e


conto, dedicando-se também à pintura pelo romance, conto e
ensaio.

Chuva Braba, foi o seu primeiro romance, datado de 1956, que


recebeu o Prémio Fernão Mendes Pinto, tendo igualmente
recebido, em 1959, o Prémio Meio Milénio do Achamento das
Ilhas de Cabo Verde com o romance Os Flagelados do Vento
Leste, posteriormente adaptado ao cinema e no mesmo ano
novamente o Prémio Fernão Mendes Pinto com a obra O Galo
Que Cantou na Baía (e outros contos cabo–verdianos).

Manuel Lopes é um dos escritores mais conhecidos de Cabo


Verde, utiliza nas suas obras expressões em crioulo, embora
escreva os seus textos em português..
Centro de Ensino à Distância 36

Colaborou com produções suas em diversas publicações,


nomeadamente Claridade, Atlântico, Notícias de Cabo Verde,
Renascimento, entre outras. Foi co-fundador da revista Claridade,
em 1936. Encontra-se também representado em diversas
antologias.

Exercícios

1. Com base na periodização literária cabo-verdianiana,


enquadre cada uma dessas obras (Chuva Braba e Os
Flagelados do Vento Leste).
2. Relacione a ideologia presente em Chuva Braba com a
revista Claridade.
3. Retire dos excertos transcritos passagens que melhor
justificam entre a disputa de vontades entre o ilheu e as
forças naturais.
Centro de Ensino à Distância 37

Unidade 07: Intencionalidade moralizante e social dos contos


Obra Chiquinho (baltasar lopes)

Introdução
Chiquinho é dos melhores romances da literatura cabo-verdiana.
Descrevendo Cabo Verde dos anos 30, o seu interesse resulta não
somente do facto de estar apoiado numa realidade que até esta
altura tinha sido deixada de lado pelos escritores do arquipélago,
mas sobretudo da demanda da personalidade cultural do povo de
Cabo Verde. A presente unidade pretende transmitir um
conhecimento sobre o romance de Baltasar Lopes.

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

 Identificar o papel desempenhado pelas forças políticas de


libertação nacional no despertar de uma nova mentalidade
Objectivos literária.

Manuel Lopes nasceu em S. Vicente a 23 de Dezembro de 1907.


Aos catorze anos, desígnios de família obrigaram-no a contra-
gosto a deixar a sua ilha para ir residir em Coimbra.

Esse desenraizamento precoce, que vem a durar quatro anos,


deixará marca indelével na memória e na personalidade do
escritor, estando porventura subjacente ao sentimento de nostalgia
que atravessa toda a sua obra, particularmente a sua poesia. Da ida
para Coimbra, donde "desanda" para S. Vicente tão logo possa
dispor de si mesmo, diz ter sido "um erro absoluto." Era em S.
Vicente, entre os amigos e a sua gente, que queria estar. Aí arranja
o primeiro emprego, no Telégrafo Inglês, e entrega-se com gosto,
entre inícios de 1930 e 1944, quando volta a deixar Cabo Verde,
aos estímulos que a cultura mindelense da época tinha para lhe
oferecer: tertúlias, "paródias," actividades desportivas, os filmes
americanos.

Em 1936, Baltasar Lopes, com a colaboração de outros escritores,


como Manuel Lopes, Manuel Ferreira, António Aurélio
Gonçalves, Francisco José Tenreiro, Jorge Barbosa e Daniel
Filipe, fundaram a revista cabo-verdiana Claridade. Claridade era
uma revista de ensaios, poemas e contos.

Os colaboradores de Claridade denunciavam os problemas da sua


sociedade, como a seca, fome e a emigração. Baltasar Lopes,
juntamente com os seus colaboradores, criou melhores condições
Centro de Ensino à Distância 38

para o conhecimento das raízes da cultura cabo-verdiana; a revista


Claridade salientou o estudo da realidade cabo-verdiana,
especialmente dos grupos sociais mais carenciados.

Em 1947, Baltasar Lopes publicou o seu primeiro livro, o romance


Chiquinho.

Chiquinho é, provavelmente, a obra de literatura mais conhecida


de Cabo Verde, que marcou o início da literatura tipicamente
cabo-verdiana, cobrindo temas locais e da cultura crioula, isto no
contexto do movimento mais amplo e com o mesmo objectivo,
conhecido como Claridade.

Chiquinho descreve os costumes, as pessoas, as paisagens, e


problemas sociais e familiares que existiam em Cabo Verde na
primeira metade do século XX. É um romance de aprendizagem
sobre o povo cabo-verdiano e sobre o destino que muitos cabo-
verdianos tiveram que tomar para conseguirem uma vida melhor,
o destino da emigração. O romance é organizado em tres partes:

(i) Infância. Nesta primeira parte do romance, o


protagonista Chiquinho aprende as suas primeiras
letras e convive com a sua família e comunidade na
vila de São Nicolau.

(ii) S.Vicente. Na segunda parte do romance, Chiquinho


continua os seus estudos no liceu na ilha de S.Vicente,
onde inicia amizades novas e conhece o seu primeiro
amor. Chiquinho e os seus colegas de escola fundam o
Grémio, uma associação e um jornal que é muito
parecido com Claridade, na medida em que tenta
operar uma modificação social no arquipélago.

(iii) As Águas. Na terceira e última parte do romance,


Chiquinho volta para a sua ilha onde será professor.
Esta parte ilustra um dos maiores problemas deste país,
a seca, que resulta em muita fome e mortes em Cabo
Verde. No fim do romance Chiquinho emigra para os
Estados Unidos com a esperança de ter uma vida
melhor.
Centro de Ensino à Distância 39

Guia de Leitura da Obra Chiquinho

Síntese da primeira parte do romance Chiquinho -


Capítulos 1- 8

Capítulo 1
Este capítulo centra-se a volta da infância vivida por
Chiquinho na sua terra natal; São Nicolau. Ele refere em
que condição foi construída a casa em Caleijão, com
também acontecimentos ocorridos no seio familiar (partida
do seu pai para América, responsabilidade da mãe na
criação dos filhos, a doença da avó e as aventuras dos
meninos na casa desaguada.

Capítulo 2
Ele refere principalmente a seca ocorrida em 1915,
realçando-se como motivo do embarque do pai para
América no intuito de procurar uma vida melhor para o
sustento da família, além disso a morte da irmã. Também
ele recorda com tristeza a partida do mesmo e a influência
deste no seio da comunidade de Caleijão, apesar de não
possuir qualquer formação académica.

Capítulo 3
Este capítulo baseia-se nas histórias contadas nos serões
pela contadeiras, com abordagem da figura ilustre desta
noites; Nha Rosa Calita uma velha com aspecto de Camões
por lhe faltar um olho. Contudo estas histórias continham
lições da vida moral, servidas de ensinamento para os
meninos.

Capítulo 4
Com base na leitura o quarto capítulo centra a sua atenção
em Pitra Marguida afilhado do pai de Chiquinho, era um
homem trabalhador, criador dos animais, sobretudo a sua
maneira de ser. Na ausência do padrinho era considerado o
homem da casa. Por outro lado a uma razão pela qual este
abandonou a casa do padrinho, quando Zepinha (animal)
engravidou, por esta razão houve uma zanga de Pitra e
Mamãe.
Centro de Ensino à Distância 40

Capítulo 5
Este capítulo traduz-se em três ideias chaves; a amizade de
Chiquinho com Nhô Chic´Ana, amigo da família, no qual a
sua avó e Nhô Chic´Ana faziam recordações dos tempos
antigos, assim como o arrependimento de Nhô Chic´Ana à
troca a vida de marinheiro para ser agricultor.

Capítulo 6
O auto neste capítulo fala de Toi Mulato, um rapaz
humilde e que cativava o gosto pela paz e harmonia entre
os amigos. Este amigo de Chiquinho era diferente dos
outros meninos, pois estava atento as histórias de Nhõ João
Joana, e o sonho deste em ter uma tatuagem no peito igual
ao de Nhõ João Joana.

Capítulo 7
Faz-se referência do surto de duas doenças, Ventona e
Cólera, que assolaram a ilha provocando muitos mortos e
fuga da população para outras regiões. Outro assunto é a
escravatura relatada neste capítulo, um período onde
muitos negros aportaram nesta ilha, e com a lei de alforria
muitos foram aqueles que prosperam com a sua liberdade,
por outro lado aqueles que morreram miseráveis.

Capítulo 8
O autor fala dos seu tio Joca quando vinha à Caleijão,
visitar os parentes nunca deixando de lado as suas
travessuras, o que deixava a mãe deste furiosa. Desta vez
ele trouxe consigo um rapaz para receber a bênção da avó,
mas esta ralava-se por seu filho ter muitos filhos. O
assunto importante neste capítulo foi a bebedeira do tio que
não parava, e família não querendo ver Joca nesta situação,
deitaram-lhe algo na bebida de modo que ele deixa-se esta
vida, mas ao aperceber desta situação pegou no filho e saiu
em direcção à Praia Branca apesar de deixar de lado a
bebida.
Actividade 1
1. Com base na síntese dos capítulos, encontre razões que
justificam o dilema de querer partir/ter ficar e querer
ficar/ ter de partir
2.
Centro de Ensino à Distância 41

Sumário

Chiquinho é dos melhores romances da literatura cabo-verdiana.


Descrevendo Cabo Verde dos anos 30, o seu interesse resulta não
somente do facto de estar apoiado numa realidade que até esta
altura tinha sido deixada de lado pelos escritores do arquipélago,
mas sobretudo da demanda da personalidade cultural do povo de
Cabo Verde. Chiquinho é também uma forte denúncia: do
abandono a que foram votadas as pessoas de Cabo Verde. As
secas destruíam colheitas, a fome estendia as suas garras sobre
uma população indefesa e desesperada. No entanto, as
personagens desta história alimentam um sonho, uma esperança,
todos poderiam ser outra pessoa que não são, se ao menos a terra
não fosse madrasta. É aqui que entra o mar, a miragem da
América, os baleeiros para correr sete mundos, o futuro prometido
para lá da fome, das secas e do sofrimento. Chiquinho é o fio
condutor por onde passam todas estas personagens. É através das
tribulações deste jovem, de origem modesta, mas livre num
mundo desconhecido, que Baltasar Lopes se impõe como um dos
principais fundadores da literatura cabo-verdiana.
Centro de Ensino à Distância 42

Exercícios

1. Faça uma leitura cuidada da Obra Chiquinho e identifique:


a) As três partes que a compõe.
b) A temática predominante.
2. Como na periodização literária cabo-verdiana, enquadre
esta obra.
3. Justifique, com base em leituras feitas, por que razao se diz
que Chiquinho é um romance de caracter social e cultural.
Centro de Ensino à Distância 43

Unidade 08. A Revista Certeza e o Neo-realismo Cabo-verdiano

Introdução
Quase uma década depois do lançamento de Claridade, os ideais
da negritude se espalham pelo mundo, assim como as ideias
marxistas e o romance regionalista brasileiro da geração de 30.
Surge a revista Certeza (1944) e, a partir daí, os poetas bradam "o
ficar para resistir. Nesta unidade didáctica, vamos analisar
profundamente as características peculiares da revista Certeza. Na
presente unidade, vamos falar especificamente da crítica que pesa
sobre os claridosos como fruto da constante preocupação pela vida
social dos ilhéus.

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

 Identificar a ideologia dos homens da geração de certeza;


 Identificar os principais factores que motivaram a
Objectivos publicação desta revista;
 Nomear os percursores da revista certeza.

A Geração da Certeza surge, como vinha sendo hábito, à volta de


uma revista com o mesmo nome - revista Certeza - em 1944.
Desde cedo, passou a destacar-se pela profunda preocupação com
a perspectiva social.

Os homens que constituem esta Geração da Certeza marcam uma


diferença no modo de fazer literatura em Cabo Verde pelas
problemáticas que decidem vincar e dar voz: interessava focar o
grande problema do isolamento das ilhas, do próprio arquipélago
entre si, que, pela falta de comunicação fácil e rápida, impedia que
a informação e o conhecimento passassem de ilha para ilha, e das
ilhas para o resto do mundo.

O isolamento total constrange e atrofia a alma daquele povo. No


seguimento desta grande temática que envolve a vida em Cabo
Verde, desencadeia-se a denúncia e o lamento de outras situações
que, consequentemente, abatem a imagem global daquela terra: a
falta de trabalho, a sequente prostituição (que, dadas as
circunstâncias, é de certa forma acarinhada e compreendida), a
resignação de uma opressão colonial, por falta de gente e forças
para lutar, o mar circundante, que monotonamente persiste em
rodeá-los.
Centro de Ensino à Distância 44

Mas havia que dar voz a uma outra característica do povo cabo-
verdiano e que jamais esmoreceria, por pior que fosse a sua
situação: a religiosidade, uma fé desmedida e uma crença
incontornável num dia melhor. Agarrando essa fé incomensurável,
havia que fazer a apologia da terra, da terra-mãe, no chão cabo-
verdiano. Agarrar essa fé, vincar bem forte os pés na terra (na raiz)
e lutar, física e psicologicamente, contra as adversidades
existentes, de forma a consciencializar todo o povo, levando-os a
optar por ficar e não partir. Havia que mudar a tendência natural (e
até compreendida) da saída como única forma de corrida pela
sobrevivência, acusar de "perdidos" aqueles que optaram (e
optam) pela saída e apontar um novo caminho que mostrasse
outras possibilidades para além dessa saída: apostar, definitiva e
colectivamente, no esforço humano em prol de uma visível
melhoria.

Interessava reabilitar o homem com a terra que o vira nascer,


fincar os pés nessa terra e, unidos por uma mesma raiz, levar o
povo a uma luta maior: a Independência. O caminho passava
forçosamente por uma primeira etapa de levar o homem a
acreditar naquela terra, de forma a escolher ficar nela, seguindo-
se, então, o grande caminho da luta pela libertação colonial.

Sumário

O recrudescimento da política salazarista nas colónias fez com que


surgissem críticas à postura dos claridosos, considerada amena
pelas gerações seguintes que negam as motivações poéticas do
grupo pautadas na emigração, evasão e pasargadismo. Na década
seguinte ao lançamento de Claridade, os ideais da negritude se
espalham pelo mundo, assim como as ideias marxistas e o
romance regionalista brasileiro da geração de 30. Surge a revista
Certeza (1944) e, a partir daí, os poetas bradam "o ficar para
resistir. Nesta unidade didáctica, vamos analisar profundamente as
características peculiares da revista Certeza.
Centro de Ensino à Distância 45

Exercícios

1. Explique as razões que motivaram o surgimento da revista


certeza.
2. Identifique entre os colaboradores da geração de Certeza,
aqueles que fizeram parte da primeira geração dos claridosos.
Centro de Ensino à Distância 46

Unidade 09: Crítica aos Claridosos e a Literatura de Resistência:


Suplemento Cultural

Introdução
No final dos anos 1950 é lançado o Suplemento Cultural (1958,
número único) que apresenta os poetas da Geração da Nova
Largada: Ovídio Martins, Gabriel Mariano, Aguinaldo Fonseca e
outros "negam o mito e se propõem a resgatar a história, incitando
à acção"
Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

 Conhecer os fundamentos do suplemento cultural;


 Identificar os colaboradores desta revista.
Objectivos

A Geração do Suplemento Cultural, nascida em 1958, aparece


como uma Geração muito identificada com uma verdadeira
postura de revolta. Gabriel Mariano, Ovidio Martins e ainda
Onesimo Silveira, abrem, com o Suplemento Cultural, o quarto
período da literatura cabo-verdiana - o da cabo-verdianitude.

O Suplemento Cultural saiu apenas uma vez, pois o segundo foi


impedido de sair às bancas pela censura colonial da época.

A situação de Cabo Verde na época levava a que este grupo de


homens, reunido à volta desta Geração, questionasse politicamente
as verdadeiras causas/razões de tal realidade comprometida,
apelando, assim, à revolta humana.

Desta forma, é amplamente reconhecido que este Suplemento


Cultural marcou, definitivamente, uma atitude radicalmente
diferente em relação às Gerações anteriores. Apesar de irem
buscar a maturidade literária aos homens da Geração da Claridade
(1936) e a maturidade político-social aos homens da Geração da
Certeza (1944), os homens da Geração do Suplemento Cultural
apresentam-se como homens da Geração da recusa (a favores
específicos ao sistema colonial) que aposta na valorização da
colectividade - cabo-verdiana, obviamente.

A evasão proposta pelo pasargadismo será contestada pelos


escritores do suplemento cultural, anunciar-se-á o sentimento de
anti-evasão e tendo como lema o dito “Não vou mais para
Pasárgada”, os poetas do Suplemento Cultural (1958) e da
Geração da Nova Largada (Ovídio Martins, Gabriel Mariano,
Aguinaldo Fonseca entre outros) recusam o mito pasargadista e
propõem a permanência em Cabo Verde como forma de
resistência e acção, postura esta que já vinha sendo discutida pelos
representantes da revista Certeza.
Centro de Ensino à Distância 47

Ovídio Martins retrata o momento de ruptura nos versos que


seguem.
Pedirei
Suplicarei
Chorarei

Não vou para Pasárgada

Atirar-me-ei ao chão
e prenderei nas mãos convulsas
ervas e pedras de sangue

Não vou para Pasárgada

Gritarei
Berrarei
Matarei

Não vou para Pasárgada

Morremos e ressucitamos todos os anos


para desespero dos que nos impedem
a caminhada
Teimosamente continuamos de pé
num desafio aos deuses e aos homens
E as estiagens já não nos metem medo
porque descobrimos a origem das coisas
(quando pudermos!...)

Somos os flagelados do Vento Leste!

Onésimo Silveira apresenta o gosto pela origem cabo-verdiana, seus


ritmos, suas mulheres.

O povo das Ilhas quer um poema diferente


para o povo das Ilhas:
Um poema com seiva nascendo no coração da ORIGEM
Um poema com batuque e tchabéta e badias de Santa Catarina
Um poema com saracoteio d’ancas e gargalhadas de marfim!
O povo das Ilhas quer um poema diferente
para o povo das Ilhas:
Um poema sem homens que percam a graça do mar
E a fantasia dos pontos cardeais!

O "eu" poético é, assim, um "eu colectivo", um "eu/nós", onde o


poeta se apresenta como o porta-voz da dimensão cultural
colectiva, identificando-se solidariamente com o seu povo.

Do ponto de vista político-social, a Geração do Suplemento


Cultural assume uma postura de combate, de revolta e de alerta,
abrindo caminho à mais pura vontade de independência.
Fala do homem que aposta na terra que é sua, negando tendências
Centro de Ensino à Distância 48

antigas (seculares, mesmo) de evasão, de fuga, desvalorizando o


elemento "mar" para dar vida ao elemento "terra".

Os seus textos são rítmicos, repetitivos, exactamente porque são


enfáticos, destinados a revelar claramente as realidades.
A sua principal missão era a de captar a fidelidade do homem
cabo-verdiano à sua terra natal e, nas circunstâncias naturais e
dimensões espirituais, levá-lo às últimas consequências, por forma
a que resultasse na atitude de reconstrução do enraizamento da
cultura intelectual em bases profundas e coerentes. A sua maior
intenção era a de fazer da arte literária uma projecção
intencionalmente combativa da problemática do ilhéu.

Consciencializar o homem cabo-verdiano de que este faz parte


integrante de um processo histórico geral que o envolve, era, no
momento, o trabalho mais activo que esta Geração do Suplemento
Cultural tinha de levar a cabo.

Sumário

A Geração do Suplemento Cultural assume uma postura de


combate, de revolta e de alerta, abrindo caminho à mais pura
vontade de independência. Fala do homem que aposta na terra que
é sua, negando tendências antigas (seculares, mesmo) de evasão,
de fuga, desvalorizando o elemento "mar" para dar vida ao
elemento "terra

Exercícios

1. Procure explicar a diferença entre a revista claridade,


certeza e o suplemento cultural sob ponto de vista socio-
cultural e politico.
2. Caracterize o sujeito poético proposto pelos homens do
suplemento cultural.
3. Apresente um texto que faça parte da geração do
suplemento cultura.
Centro de Ensino à Distância 49

Unidade 10. Rupturas Poéticas: Corsino Fortes (pão & fonema)

Introdução
Pão & fonema, escrito antes de 1975, ano este da independência
de Cabo Verde, apresenta um cartograma do Arquipélago, com
destaque para a ilha de São Vicente, terra natal do poeta, através
de uma proposição e três cantos. Nesta unidade pretende-se que o
aluno procure compreender a filosofia que está na base desta obra.
Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

 Conhecer a trajectoria poetica de Corsino Fortes;


 Identificar a simbologia da Obra Pão & fonema
Objectivos

Corsino António Fortes nasceu em Mindelo, na ilha de S. Vicente,


em 1933. Perdeu os pais muito cedo e, aos doze anos, teve de
suspender os estudos, passando a trabalhar na Companhia Ferro
como aprendiz, ajudante de ferreiro e ajustador de máquinas.
Retornou ao liceu somente aos vinte anos, onde teve encontro
muito profícuo com João Varela, com quem travou diálogos sobre
suas “primeiras pedras de projecto literário”.

Entre 1957 e 1960, a aproximação com Abílio Duarte, um dos


fundadores do PAIGC (Partido Africano para a Independência da
Guiné e Cabo Verde) e que retornava da Guiné-Bissau para
mobilizar e conscientizar a juventude cabo-verdiana para a luta de
libertação nacional, também o influenciaria decisivamente. Nesse
período, alguns de seus poemas são publicados no Boletim dos
Alunos do Liceu Gil Eanes, no Cabo Verde: boletim de
propaganda e informação e na revista Claridade 9, o último
número deste periódico.

Em 1961, foi para Lisboa cursar Direito, e a passagem pela Casa


dos Estudantes do Império contribuiu para seu amadurecimento
político, principalmente em função da efervescência dos debates
travados sobre a realidade das então colónias portuguesas e das
produções literárias que apontavam para uma ordem diferente.
Concluiu a faculdade, em 1966, e, desde então, passou a exercer
inúmeros cargos jurídicos, políticos e diplomáticos: em Angola,
Delegado do Ministério Público e juiz de Direito, até pedir
exoneração em Abril de 1975; representante do PAIGC, também
em Angola, entre os anos de 1974 e 1975; director geral dos
Assuntos Judiciários da República da Guiné-Bissau; emissário
especial da República de Cabo Verde junto aos governos de
Centro de Ensino à Distância 50

Angola e de São Tomé e Príncipe; de 1975 a 1981, embaixador da


República de Cabo Verde junto à República Portuguesa; em 1981,
de volta a Cabo Verde, secretário de Estado adjunto do primeiro-
ministro; em 1983, secretário de Estado da Comunicação Social;
entre 1986 e 1989, embaixador de Cabo Verde junto à República
Popular de Angola e aos governos de São-Tomé e Príncipe,
Zâmbia, Moçambique e Zimbabwe; de 1989 a 1991, ministro da
Justiça pelo governo de Cabo Verde; consultor diplomático, em
1992, do I programa PALOP. Também foi presidente da Fundação
Amílcar Cabral e presidente da Associação de Escritores Cabo-
verdianos, entre outras actividades. A lista é realmente grande e
justifica as condecorações que já recebeu, entre elas, a da Ordem
do Vulcão pelo governo cabo-verdiano.

Se as actividades políticas de Corsino Fortes são extensas, o poeta


Corsino tem uma obra concisa, mas não de menor consistência que
a carreira diplomática. Ao contrário, o escritor é considerado um
dos grandes nomes da literatura de Cabo Verde, tendo inaugurado
uma poética de reescrita da identidade cultural cabo-verdiana
através de um trabalho com o aparato estético do poema. A
proposta de uma poesia da cabo-verdianidade das primeiras
décadas do século XX, com os grupos Claridade e Certeza, por
exemplo, ganha novos contornos e a linguagem combativa do
período de luta pela independência dá lugar a novos modelos de
representação. Segundo estudo da professora Carmen Lucia Tindó
Secco, a obra de Corsino Fortes rompeu paradigmas em relação às
produções anteriores:

“Com a obra de Corsino Fortes, os cânones literários do passado


foram definitivamente ultrapassados. Muitos de seus poemas
dialogaram intertextualmente com os de poetas das “gerações”
anteriores, como Jorge Barbosa e Gabriel Mariano. Fez a releitura
da poesia de Claridade, negando a proposta de evasionismo e
afirmando a necessidade de fecundar a esperança de
transformação dentro das ilhas. Releu também Ovídio Martins,
contradizendo-o: “Já não somos os flagelados do Vento Leste”,
pois o vento tornou-se metáfora anunciadora de mudanças sociais,
um signo caboverdiano de desafio (…) A poesia de Corsino
aprofundou a proposta do anticolonialismo fundada pelo grupo
Sèló e questionou também os séculos de dominação portuguesa.

Enfim, o autor ampliou o debate sobre a redescoberta dos valores


culturais da terra, construindo uma poesia de estrutura épica
dinâmica, na qual são encenadas não só a história e a voz colectiva
do povo cabo-verdiano, mas também a subjectividade e as
experiências do eu-lírico. Para a ensaísta Ana Mafalda Leite, “a
modelização épica, que abrange e desenvolve o que na expressão
de Hamilton é denominado por “estratagema do eu intimista como
voz colectiva” (…) torna-se uma das soluções que visam resolver
a problemática da identidade nacional” (LEITE, 1995, p. 112).
Centro de Ensino à Distância 51

É assim que Corsino Fortes, buscando referências principalmente


na realidade plural e colectiva das ilhas, canta suas origens, os
labirintos da memória e o acontecer da palavra, participando da
construção de um novo percurso para a poesia cabo-verdiana
contemporânea.

O projecto literário de Corsino Fortes consolida-se com a reunião


dos seus três livros de poesia na obra intitulada A cabeça calva de
Deus (2001): os dois primeiros livros, Pão & fonema (1974) e
Árvore & tambor (1986), somam-se ao terceiro, Pedras de sol &
substância, publicado com a obra poética. Cada livro apresenta
uma estrutura particular, e os três compõem uma estrutura
conjunta e dialógica. Em uma das entrevistas concedidas pelo
autor, aquando do lançamento de A cabeça calva de Deus, assim
caracterizou, em linhas gerais, a trilogia:
“Acaba por ser todo o projecto de independência do povo de Cabo
Verde, em que Pão & Fonema representa, de facto, os símbolos
daquilo que é fome, daquilo que é a realidade de Cabo Verde
durante séculos, e, por outro lado, a exigência pela palavra,
liberdade e cultura. Em Árvore & tambor já há a materialização do
“pão”, no sentido dos instrumentos de produção do país e toda a
comunicabilidade do arquipélago com África e o mundo.

Pão & Fonema

Pão & fonema, escrito antes de 1975, ano este da independência


de Cabo Verde, apresenta um cartograma do Arquipélago, com
destaque para a ilha de São Vicente, terra natal do poeta, através
de uma proposição e três cantos. Na apresentação geral da obra, a
imagem circular da geografia físico-social e da dinâmica temporal
de uma grande Ilha, formada pelas dez ilhas e ilhéus, impõe-se
como o assunto do poema fortiano, como podemos perceber nos
versos Ano a ano/ crânio a crânio/ Rostos contornam/ o olho da
ilha” (Idem, p. 13) ou “Ano a ano/ crânio a crânio/ Tambores
rompem/ a promessa da terra (Idem, p. 13).

Assim, o rosto da Ilha de Cabo Verde vai ganhando forma na


confluência das ilhas, pedras moldadas pelo tempo e pelas
palavras daqueles que, desde o início, foram lhe dando voz e
sentidos.

Os símbolos que dão título à obra dramatizam todo um ciclo de


luta pela sobrevivência, de resistência à colonização portuguesa e
de afirmação dos valores do homem da terra. O “pão” é o
resultado de um processo de semeadura da terra e,
consequentemente, da vida: o homem cabo-verdiano, agricultor
teimoso que insistentemente, “ano a ano”, joga a semente, colhe o
milho e produz o seu próprio alimento, pão do corpo e pão do
espírito, pois permite que também possa escolher ficar ao invés de
Centro de Ensino à Distância 52

partir. O “fonema” representa a palavra e a promessa da terra/


Com pedras/ Devolvendo às bocas/ As suas veias/ De muitos
remos (Idem, p. 13), ou seja, a própria independência política e
cultural do povo cabo-verdiano.

Segundo Mesquitela Lima, no prefácio da segunda edição de Pão


& fonema, “no poema, fonema vem do fundo das goelas, das
entranhas da alma, como um grito, (…) sinal de afirmação de si
próprio, como povo, como cultura, como dignidade, como
projecção no mundo”. (LIMA, 1980, p. 70)

Figurando, desta maneira, os ritmos próprios do cabo-verdiano,


esse fonema-palavra-grito passa a tomar corpo com a apresentação
de um cartograma do Arquipélago nos três cantos do livro. O
canto primeiro “Tchon de pove tchon de pedra” (Chão do povo,
chão de pedra) explora, principalmente, a realidade das secas no
quotidiano das ilhas e a necessidade de uma ruptura dos ciclos de
fome e de espera por uma solução, como notamos, por exemplo,
no poema que dá título e fecha esse canto:

O rosto de teu filho brada pelo mar


Como panelas mortas como panelas vivas

mortas
vivas
nos fogões apagados

Pilões calados fogões apagados


No vulcão e na viola do teu coração

Boca do povo no fogo dos nossos fogões apagados

Chão do povo chão de pedra!


O sol ferve-te o sol no sangue
E ferve-me o sangue no peito
Como o fogo e a pedra no vulcão do Fogo

De sol a sol
abriste a boca

Secos os pulmões
neles cresce-me
a lenha do mato

De sol a sol
os meus ossos são verdes
os teus ossos são plantas
Como a fruta-pão o tambor e o chão

De sol a sol
gritei por Rimbaud ou Maiakovsky
deixem-me em paz

O mesmo sol que deixa os “fogões apagados” e os “pilões


calados” porque ferve o chão, naturalmente de pedra, é capaz de
Centro de Ensino à Distância 53

provocar uma explosão de consciência, porque faz ferver também


o sangue do povo cabo-verdiano diante da fome e dos filhos
voltados para o mar, afinal o chão/ terra/ pátria é do povo.
Podemos dizer que há uma simbiose entre o “chão do povo chão
de pedra” e o corpo do sujeito, já que os campos semânticos
“rosto, coração, boca, sangue, pulmões, ossos” e “fogo, vulcão,
sol, chão, pedra, lenha, mato, plantas” se ligam directamente.
Assim, se o sol repetidamente faz parte de um cenário em que o
vento/ enche/ a boca de espelho (Idem, p. 27) ou Ó cabra de sono
ó poço de abandono/ Ó crepe de terra ó cratera/ De cabelo crespo
(Idem, p. 32), versos do primeiro canto, neste poema, a imagem do
“sol a sol” se potencializa, com o verbo ´ferver´ indicando um
movimento do sujeito, e com o símbolo do vulcão do Fogo,
marcando todo um estado de ebulição.

Na leitura de Ana Mafalda Leite: “a descrição do aparente ser


passivo e resignado do ilhéu, em consonância com o tempo
parado, concêntrico e imutável da nudez das rochas e das ilhas,
revela-nos que aquele iniciou o movimento prospectivo e
germinado no interior de si, e que a sua reacção entra, uma vez
mais, em empatia com a actividade e a sageza mineral das ilhas. O
símbolo do vulcão remete para essa surda movimentação que agita
o interior e o exterior, as ilhas e o ilhéu, em estreita
correspondência.” (LEITE, 1995, p. 124)

A própria disposição gráfica dos versos e o ritmo do poema, com o


uso, por exemplo, de aliterações como “o sol ferve-te o sol no
sangue”, sugerem esse movimento. É fundamental destacar o
depurado trabalho estético desenvolvido pelo poeta. “De boca a
barlavento”, poema que abre o canto primeiro, nos dá pistas sobre
os passos da construção do texto de Corsino Fortes: Poeta! todo o
poema: / geometria de sangue & fonema (2001, p. 17) ou

Há sempre
Pela artéria do meu sangue que g
o
t
e
j
a
De comarca em comarca
A árvore E o arbusto
Que arrastam
As vogais e os ditongos
para dentro das violas

Construídos pedra a pedra, palavra a palavra, os poemas revelam


uma inventividade que, de fato, rompe com modelos anteriores da
literatura cabo-verdiana. Há uma exploração das matérias do
significante (o som, a letra impressa, a linha, o espaço da página),
que apontam para outras possibilidades de leitura do Arquipélago
e do fazer poético. Com influência também da poesia modernista
Centro de Ensino à Distância 54

brasileira, em especial da engenharia poética de João Cabral de


Melo Neto e do concretismo, a poesia de Corsino Fortes explora
associações fónicas e instaura novas relações morfológicas,
sintácticas e semânticas entre as palavras. Na estrofe acima, a
“geometria de sangue & fonema” é vista na economia verbal, com
o espaço trabalhado com consciência estética, carregando de
significação a disposição dos versos na página, principalmente na
palavra ‘goteja’, que cai em letras, gotas. A musicalidade e os
efeitos cinestésicos, desenvolvidos a partir das referências de sua
terra, também estão presentes na obra poética de Fortes. Além
disso, o poeta apresenta parte de sua obra em crioulo e
simultaneamente em língua portuguesa, em mais um diálogo sobre
linguagens e culturas que marcam a híbrida identidade cabo-
verdiana, mostrando que o fonema-voz do povo cabo-verdiano é
representado tanto pelo crioulo quanto pelo português.

O segundo canto de Pão & fonema chama-se “Mar & matrimónio”


e reflecte sobre a problemática da evasão. A saída da terra é vista
não mais como uma fatalidade, porém como possibilidade de
crescimento do homem das ilhas, que cruza o mar para trabalhar,
amadurecer e lutar por sua terra, mesmo estando longe. O poeta
propõe uma “Nova largada”, em um jogo intertextual com Gabriel
Mariano (Idem, pp.46-47).

No poema, o emigrante parte fisicamente, mas está casado com


sua pátria e seu povo, ou seja, sai “de pé nu”, em prol do “pão da
manhã” (Idem, p. 43), porque “toda a partida É potência na morte/
todo o regresso É infância que soletra” (Idem, p. 71). Assim, na
análise de Mesquitela Lima, esse canto traduz a ideia de que o
homem cabo-verdiano, disperso pela diáspora, ao regressar, deve
“ajudar a sua terra a erguer-se como nação, como país livre e
independente” (LIMA, M. In: FORTES, 1980, p. 85).

Sumário

O projecto literário de Corsino Fortes consolida-se com a reunião


dos seus três livros de poesia na obra intitulada A cabeça calva de
Deus (2001): os dois primeiros livros, Pão & fonema (1974) e
Árvore & tambor (1986), somam-se ao terceiro, Pedras de sol &
substância, publicado com a obra poética. Cada livro apresenta
uma estrutura particular, e os três compõem uma estrutura
conjunta e dialógica. Em uma das entrevistas concedidas pelo
autor, aquando do lançamento de A cabeça calva de Deus, assim
caracterizou, em linhas gerais, a trilogia: “Acaba por ser todo o
projecto de independência do povo de Cabo Verde, em que Pão &
Fonema representa, de facto, os símbolos daquilo que é fome,
daquilo que é a realidade de Cabo Verde durante séculos, e, por
outro lado, a exigência pela palavra, liberdade e cultura. Em
Centro de Ensino à Distância 55

Árvore & tambor já há a materialização do “pão”, no sentido dos


instrumentos de produção do país e toda a comunicabilidade do
arquipélago com África e o mundo.

Exercícios

1. Em linhas gerais, fale do contributo de Fortes Corsino na


literatura de Cabo-verde.
2. Procure explicar a simbologia da obra Pão & Fonema
Centro de Ensino à Distância 56

Unidade 11. Novas Propostas Literárias no Pós-indepndência

Introdução
A literatura cabo-verdiana na conturbada época da independência
manteve uma evolução sem grandes sobressaltos, prevalecendo
temas e estratégias textuais e estilística que vinham da claridade
ou Neo-realismo e da Resistência

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

 Compreender a multiplicidade de iniciativas e tendências


pos-independências;
 Descernir as principais linhas do rumo estético da literatura
Objectivos
Cabo-verdiana;
 Avaliar o posicionamento dos novos em relaçao a história
literária.

Em comparação com Angola, Moçambique ou Guine-Bissau,


aqui, não apareceu uma literatura enfeudada ao novo poder
político. O romancista Texeira de Sousa tornou-se no mais prolixo
e abrangente escritor com livros herdeiros do grande romance
épico, social e realista dos anos 30 e 40. O poeta Armenio Vieira,
sob o título de Poemas (1981), ocupou um lugar de irreverência
estética e discursiva análoga ao Rui Knopfli em Moçcambique.
Orlanda Amarílis publicou três volumes de contos, de temáticas
sobre a infância, a diáspora, o sonho de realização pessoal, em que
as personagens femininas detêm a primazia, assim se tornando
numa importante escritora das cinco literaturas emergentes.
Nesta época, os escritores puderam finalmente pôr em liberdade
textos que, na época colonial os levariam a prisão. Osvaldo
Osório, que começara a escrever antes da independência, publicou
três títulos, caboverdianamente construção em amor (1975), a
Clar(a)idade assombrada (1987), de poesia politicamente
empenhada, mas no último caso, ultrapassando essa limitação.
Para além de escrever-se exclusivamente em português, existe
uma tendência militante, de poesia empenhada, em que se
associam os temas políticos e o uso nobilitante da língua cabo-
verdiana.
A literatura de combate em crioulo tem como paradigma
Kaoberdiano Dambara, com Noti (1964). Prosseguindo a
experiência de associar os temas da revolução da independentista,
Centro de Ensino à Distância 57

da cultura de inspiração popular, mormente dos redutos insulares


em que a tradição africana permaneceu visível, e da língua cabo-
verdiana, sai de Carlos Alberto Lopes Barbosa, poemas escritos
em 1974-82. Por outro lado, são de salientar duas peças de teatro,
Descarado (1979), de Donaldo Macedo e Matilde (1991), de Artur
Vieira.
Alternando o português e o cabo-verdiano, Luís Romano, após
breves incursões em Clima (1963), aprofunda a pratica literária
nessa língua, culminando na antologia bilingue de poetas cabo-
verdianos, publicada nos Estados Unidos, em que verte para o
crioulo poemas que outros escreveram em português, com um
texto de apresentação intitulado, O papel do escritor na afirmação
e desenvolvimento da língua nacional.
O aparecimento de duas importantes revistas culturais marcou
uma nova geração nascida com a independência. A revista Raízes
(1977 -1984) teve um carácter oficial, que ponto & Virgula (1983
-1987), por iniciativa de um grupo independente, procurou evitar.
O ano de 1986 foi mágico para a cultura cabo-verdiana. Criou-se
o Ministério da cultura, comemorou-se o cinquetenário da revista
claridade, com um simpósio internacional, forma reunidos em
livro os contos e os poemas de Baltasar Lopes e surgiu o
movimento Pró-cultura, na Praia, congregando jovens escritores,
músicos, artistas e outros criadores.
Como consequência do Movimento de Pró-cultura, um ano depois
começou a editar-se, ate aos dias de hoje, a revista Fragmentos
(1987-) dirigida por Jose Luis Hopfer C. Almada.
Outra tendência é a de, por via de uma vivência multifacetada na
diáspora, certos escritores usarem outra língua que não é o
português ou o cabo-verdiano. Desde logo, Luis Romano incluiu
bastantes poemas em Francês.
Finalmente convém recordar que, desde o ano de 1966, em que
João Vario publicou o Exemplo geral, em Coimbra, subsiste uma
outra tendência para descarnar o discurso de referencialidades
históricas, geográficas e culturais, adoptando
despreconceituadamente um universo filosófico, abstracto ou
intimista, de significação simbólica ou alegórica.

Sumário

No período pós-independência, destacam-se em Cabo Verde


várias tendências literárias, mas importa salientar as seguintes:
Para além de escrever-se exclusivamente em português, existe
uma tendência militante, de poesia empenhada, em que se
associam os temas políticos e o uso nobilitante da língua cabo-
verdiana.
Centro de Ensino à Distância 58

Outra tendência é a de, por via de uma vivência multifacetada na


diáspora, certos escritores usarem outra língua que não é o
português ou o cabo-verdiano. Desde logo, Luis Romano incluiu
bastantes poemas em Francês.

Exercícios

1. Descreve o discurso delineado por Marcelo Da Veiga.


2. Marcelo da Veiga é o mais multifacetado escritor são-
tomense. Comente.
3. Caracterize as tendências surgidas no período pós-
independência.
Centro de Ensino à Distância 59

Unidade 12. Singularidade de São-Tomé e Príncipe

Introdução

Em termos quantitativos, a produção poética de São Tomé e


Príncipe corresponde as suas dimensões físicas, se compararmos
com o que se passa nos outros países. Nesta unidade pretende-se
fornecer um conhecimento profundo sobre as particularidades da
literatura em Sao-Tome e Principe.

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

 Descrever as particularidades literarias de Sao-


Tome e Principe.
Objectivos
 Falar dos nomes e obras sonantes na literatura sao-
tomense.

A literatura deste pequeno país de duas ilhas no noroeste da costa


africana é ainda pouco representativa no contexto das literaturas
africanas de expressão portuguesa. No entanto, e qualquer que seja
o futuro da sua produção poética, São Tomé e Príncipe tem
assegurada a presença na panorâmica histórica da literatura
africana. Com efeito, Francisco José Tenreiro, nascido em São
Tomé, em 1921, é um dos marcos da poesia africana de expressão
portuguesa.
Sobre outros poetas, valerá a pena mencionar um dos precursores
da negritude lusófona, Francisco da Costa Alegre, nascido em
1864. A sua única obra, Versos, foi editada postumamente,em
1916.
Costa Alegre é um dos primeiros poetas africanos que se exprime
em língua portuguesa e que tem a consciência da sua cor. Ele não
articula uma resposta à injustiça social que deixa transparecer em
alguns dos seus versos, pelo que a sua poesia se parece mais com
um queixume sobre a sua situação de africano de cor:a minha cor
é negra,/Indica luto e pena;/(...)Todo eu sou um defeito,/Sucumbo
sem esperanças,/.
Estes e outros lamentos são a tónica de sua poesia, que, no
entanto, significa um despertar para a cor, um dos passos
importantes para uma tomada de consciência nacional que a poesia
africana toma em determinada altura, mas que se segue ao que
Manuel Ferreira e outros críticos identificam como a "alienação
Centro de Ensino à Distância 60

racial".

Devemos referir também a poetisa Alda do Espírito Santo que


figura em todas as antologias de poesia africana. A sua poesia, que
tem também a diferença racial e a exploração colonial como pano
de fundo, caracteriza-se por uma grande dose de combatividade e
panfletarismo. No entanto, no seu único livro publicado até à data,
É Nosso o Solo Sagrado da Terra: Poesia de protesto e luta,
encontramos também os poemas de grande profundidade lírica,
que descrevem com traços de verdadeira sensibilidade artística, a
vida dos habitantes de São Tomé.
Outros poetas , como Tomaz Medeiros, Maria Manuela
Margarido, Marcelo da Veiga e Carlos do Espírito Santo , mantêm
uma linha de continuidade em que a temática de fundo é a luta
contra o colonialismo, a exploração dos negros nas plantações, a
consciência da diferença que a cor provoca , e a alienação.
Como já nos referimos, o expoente da poesia sãotomense , e da
poesia africana, é Francisco José Tenreiro. Duas razões
fundamentais para esta facto. A primeira é uma razão que se
reveste de carácter histórico de muita importância. Francisco José
Tenreiro foi, de parceria com outro importante nome da literatura
de Angola( Mário Pinto de Andrade), o autor do célebre Caderno
de Poesia Negra de Expressão Portuguesa, lançado em Lisboa, em
1953. A publicação, com uma introdução de Mário Pinto de
Andrade, é uma pequena antologia de poetas de Angola,
Moçambique e São Tomé e Príncipe e ainda um poema de Nicolás
Guillén,a quem o caderno é dedicado. Tem como objectivo
fundamental uma reflexão sobre o que devia entender por
negritude na África sob dominação portuguesa. O último período
da introdução é bem explícito com relação ao propósito da
publicação do caderno, que se destina "fundamentalmente aos que
sabem encontrar-se reflectidosnesta poesia, e aos que,
compreendendo a hora presente de formação de um novo
humanismo à escala universal, entendem que os negros exercitam
também os seus timbres particulares para cantar a grande sinfonia
humana."
A segunda razão por que Francisco José Tenreiro é um marco de
máxima importância na literatura africana vem resumida na
introdução atrás citada. As palavras do poeta angolano sintetizam,
a nosso ver, o conteúdo temático e formal da poesia de Tenreiro. É
por tal motivo que nos permitimos terminar a referência ao grande
da negritude em português com as palavras de Mário Pinto de
Andrade: " Quem pela primeira vez exprimiu em língua
portuguesa foi sem sombra de dúvida Francisco José Tenreiro no
seu livro Ilha de Nome Santo, datado de 1942. Devemos assinalar
que ele encontrou por si, individualmente, as formas mais
autênticas de expressão subjectiva e objectiva. A Ilha de Nome
Santo aparece assim como um feliz encontro dos temas da sua
Centro de Ensino à Distância 61

terra de origem ( S. Tomé) e ainda como exaltação do homem


negro de todo o mundo".

Sumário

Ilha de nome santo é uma poesia eminentemente insular, os «3


poemas soltos» cuja estética está em consonância com os poemas
dos anos 50, revitalizadores de figuras, signos e símbolos
emblemáticos do mundo negro-africano.

Exercícios

1. Leia atentamente o excerto do poema que a seguir se


apresenta e atribua-lhe o autor, tendo como base os
conhecimentos que obteve sobre a literatura sao-tomense.

CORAÇÃO EM ÁFRICA
Caminhos trilhados na Europa
De coração em África.
Saudades longas de palmeiras vermelhas verdes amarelas
Tons fortes da paleta cubista
Que o sol sensual pintou na paisagem;
Saudade sentida de coração em África
Ao atravessar estes campos de trigo sem bocas
Das ruas sem alegria com casas cariadas
Pela metralha míope da Europa e da América
Centro de Ensino à Distância 62

Unidade 13. A poesia e os Fundamentos da Literatura Nacional:


(Francisco José Tenreiro “ilha de nome santo”)

Introdução
Tal como ficou dito, Francisco Jose Tenreiro foi, de parceria com
outro importante nome da literatura de Angola( Mário Pinto de
Andrade), o autor do célebre Caderno de Poesia Negra de
Expressão Portuguesa, por um lado e, quem pela primeira vez
exprimiu em língua portuguesa, vamos nesta unidade analisar o
seu projecto literario, tendo em atençao as influencias que este
teve da negritude.

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

 Indicar todas as formas de revindicação dos são-tomenses.

Objectivos
Francisco José Tenreiro nasceu em São Tomé e Príncipe em 1921
e faleceu em 1963, numa altura em que se intensificava a Guerra
Colonial. Geógrafo por formação, usou a poesia para exprimir a
nova África, já não a dos postais ilustrados e dos povos, plantas e
animais exóticos, mas a de um novo tempo, marcado pela fusão de
culturas nativas.

Tenreiro veio para Lisboa ainda bastante novo numa altura em


que nos Estados Unidos e na França se ouviam as novas vozes dos
intelectuais negros a reclamarem os direitos e a proclamarem a
identidade dos povos africanos. Tenreiro enquadra-se nesta
corrente. Também ele viveu para exaltar a cultura da sua terra
natal, se bem que não renegando certos valores adquiridos com a
colonização. Por isso, mais do que o poeta da negritude, assume
uma postura de defesa de todas as minorias étnicas, como é visível
no poema “Negro de Todo o Mundo”. A sua poesia exalta o
homem africano na sua globalidade, ou seja, a diáspora africana
que se propagou por todos os cantos do mundo.

Publicou a sua primeira obra – Ilha de Nome Santo – na colecção


coimbrã “Novo Cancioneiro”, integrando-se na corrente neo-
realista que então surgia em Portugal. Poeta da mestiçagem, do
cruzamento de culturas e de vozes, escreve, na “Canção do
Mestiço”, “nasci do negro e do branco / e quem olhar para mim / é
como se olhasse / para um tabuleiro de xadrez”, continuando “E
tenho no peito uma alma grande, / uma alma feita de adição”. É
nessa adição que reside a diferença. Tenreiro não apela a um
retorno às origens africanas mas ao respeito das pessoas de todas
as cores, de todas as tradições. A sua voz é verdadeiramente a voz
Centro de Ensino à Distância 63

do exílio, por um lado, e do entrecruzamento das culturas e das


raças, por outro.

Em 1953, juntamente com o angolano Mário de Andrade, publica,


em Lisboa, Poesia Negra de Expressão Portuguesa, uma antologia
de textos de novos intelectuais africanos. O próprio nome era já
provocação: a africanidade implicava a desestruturação da
portugalidade, o que, numa época de ditadura, era no mínimo
arriscado fazer. É a busca de uma nova consciência africana.

Em 1962, Tenreiro concluiu o seu segundo livro de poesia,


Coração em África, que já não viu publicado, por ter falecido no
ano seguinte. (in Infopédia, Porto Editora).

Considerado o primeiro poeta da Negritude de língua portuguesa,


Ilha de Nome Santo é, porém, poesia eminentemente insular, não
obstante os “3 poemas soltos” cuja estética está em consonância
com a dos poemas dos anos 1950, revitalizadores de figuras,
signos e símbolos emblemáticos do mundo negro-africano e
vinculados aos modelos tutelares da consciência negra nos Estados
Unidos, Cuba ou Haiti e redimensionados pelo movimento da
Negritude. Assim, tal como os “3 poemas soltos”, incluídos em
Ilha de Nome Santo, a saber “Epopeia”, “Exortação” e “Negro de
todo o Mundo”, os poemas negritudinistas de Coração em África
evocam, para estigmatizar, a desagregação e a dispersão absoluta
do povo negro, a tristeza, a melancolia e a martirizada submissão
do negro da diáspora. Expressão pungente das realidades do
mundo negro-africano, esses aspectos conjugam-se com a
dimensão do orgulho da raça, da exaltação cultural expressa pelo
invocacionismo das entidades simbolicamente apreendidas como
genésicas e cosmogónicas (Mãe-Terra/Tellus) e pelo
evocacionismo ancestral, configurado no retorno às origens e na
concepção redencionista da vida, em forma de esperança e certeza,
aliás uma dimensão configuradora da estética negritudinista.

Na 2ª parte de Coração em África, o poeta “regressa” à sua ilha:


fizera um percurso desde Ilha de Nome Santo, em que o desejo de
conhecimento das realidades e de identificação com a terra natal
(que a dedicatória, primeiro, e, depois, o poema “A canção do
mestiço” sintetizam) o leva a perscrutar as especificidades sociais
e culturais da ilha, numa escrita neo-realista cujo funcionamento
ideológico revela uma dimensão nacionalista pelas suas intenções
anti-coloniais. Nomeara em Ilha de Nome Santo a exploração
colonial e a precariedade social da população nativa, em
“Cancioneiro” e no “Ciclo do Álcool”, a identidade mestiça do
ilhéu (por vezes uma dolorosa mestiçagem, como na poesia do
“Romanceiro”), subvertendo o código do exotismo literário ao
textualizar “realidades miúdas da vida do homem” para, após um
mergulho no universalismo negritudinista, que começara em “3
poemas soltos” e continuaria na primeira parte de Coração em
Centro de Ensino à Distância 64

África, regressar à pulsão da tellus insular. Os poemas dessa


segunda parte, intitulada “Regresso à ilha”, maioritariamente
escritos durante uma estada em São Tomé, na Páscoa de 1962,
relevam do evocacionismo da terra natal, das suas potencialidades
naturais e culturais, mas também espirituais, revalorizando-as
através da citação dos seus frutos, animais, paisagens, ritmos e
sensações, num gesto de imersão na tellus que o poeta realiza
convocando os seus mais atávicos afectos; mas ainda assim, nunca
esquecendo as tensões sociais, em última instância coloniais.

Francisco José Tenreiro: Um Poeta Da Africanitude

Regressemos, entretanto, à concepção de Tenreiro, da negritude


como sentimento e razão-base da poética negra, que eu preferia
substituir pelo adjectivo africana. É que, parece-me, o rigor
antropológico-cultural aconselha a substituir o conceito de mundo
negro pelo de mundo africano, quando se fala de produções
textuais realizadas na língua de colonização. Com efeito, a
expressão mundo africano não é, para mim, sinónima da de mundo
negro. Esta é certamente a base, o elemento de estruturação
daquele que é já o resultado duma miscigenação cultural
conseguida por contactos e contaminações, aceites ou impostas,
que provocaram aculturações, mais profundas, como no caso do
crioulismo, ou menos profundas, como no caso do mulatismo. O
mundo africano, em termos culturais, traduz, pois, uma realidade
resultante do encontro do mundo negro com mundos culturais e
civilizacionais diferentes que interferiram e alteraram
substancialmente a cosmogonia e a ontogonia do homem negro
tradicional. Portanto, o mundo africano, como mátria da expressão
de sentimentos de todos aqueles que nasceram em África e lhe
adoptaram, e adoptam, a cosmologia, torna-se um conceito muito
mais abrangente e rigoroso, porque implica e explica os
fenómenos culturais e estéticos que têm o mundo negro por
referência. Tenreiro, ao adoptar a expressão “sentimento que é a
razão-base”, quereria dizer, decerto, sentimento-base de pertença
ao mundo africano com as suas tensões civilizacionais e com as
suas contradições políticas e culturais, originadas pela
colonização, pelo esclavagismo e pelo colonialismo, pois ele
sentia que a África do mundo negro tinha sido definitivamente
afectada pelas civilizações judiocristã e islâmica. Isso me parece
particularmente patente no poema “Epopeia” do livro de Tenreiro
a que nos referimos. Veja-se apenas a estrofe que introduz esse
poema, onde se lê:

Não mais a África


da vida livre e dos gritos agudos de azagaia!
Não mais a África
de rios tumultuosos
— veias intumescidas dum corpo em sangue!
Centro de Ensino à Distância 65

Da leitura desta estrofe, surge nítida a consciência do poeta de que


a África negra, no sentido antropológico, ficava já longe e na
memória daqueles, seus filhos, que nasceram marcados, histórica e
afectivamente, pelo tempo em que “Os brancos abriram clareiras/a
tiros de carabina./Mas clareiras fogos/arroxeando a noite tropical.”

O poema “Epopeia” parece-me, por isso, poder ser considerado


como o texto emblemático da africanidade poética de Francisco
José Tenreiro e da sua postura estética, perante a África, a que
chamo africanitude, isto é, visão dialéctica entre a África negra
tradicional e aqueloutra pigmentada e alterada, de que a
colonização portuguesa foi uma espécie, não direi melhor em
termos absolutos, mas seguramente melhor em termos relativos e,
sobretudo, diferente das outras civilizações europeias na sua
dinâmica cultural e civilizacional pela colonização europeia. As
duas estrofes finais desse poema concretizam, quanto a mim, essa
visão:

Segue em frente
irmão!
Que a tua música
seja o ritmo de uma conquista!
E que o teu ritmo
seja a cadência de uma vida nova!

...para que a tua gargalhada


de novo venha estraçalhar os ares
como gritos agudos de azagaia!

Por aqui se vê que o futuro, o dessa vida nova preconizada pelo


poeta, é feito também do passado de que a azagaia nos dá a
referência, criando-se, assim, um movimento dialéctico em que
todo o regresso aponta para um progresso.

A africanitude é, pois, entendida como uma visão dialéctica do


mundo negro com os outros mundos culturais que com ele
entraram em contacto, originando um dialogismo discursivo e
textual realizado através da língua de colonização que o poeta e
escritor africano transforma de língua de opressão em língua de
libertação, por meio duma fala africanizada que traz consigo todos
os sentidos evocados do drama secular do homem negro.
Dialogismo, por vezes, tenso na sua forma de expressão, para ser
capaz de traduzir melhor esse drama, sintetizado para a terra de S.
Tomé e Príncipe na última estrofe do poema de Tenreiro que deu o
título ao seu primeiro livro — Ilha de Nome Santo. Aí se lê:

Onde apesar da pólvora que o branco trouxe num navio escuro


onde apesar da espada e duma bandeira multicolor
dizerem poder dizerem força, dizerem império de branco
é terra de homem cantando vida que os brancos jamais souberam
Centro de Ensino à Distância 66

é terra do sàfu do socopé da mulata


— ui! fetiche di branco! —
é terra do negro leal forte e valente que nenhum outro!

A africanitude é, ainda, essa voz poética que privilegia o amor e a


humanidade do homem africano, enquanto tal, sem cedências às
emoções sensuais e rituais que, embora definidoras duma África
tradicional, já não são mais miticamente olhadas. Privilegia
também a África do nosso tempo na sua multivalência, onde a
tradição e a modernidade convivem, aceitando as realidades que a
história nela plantou regadas embora pelo sangue de milhões dos
seus filhos. Realidades que a inspiração poética de Tenreiro
traduziu melhor no seu segundo livro — Coração em África —,
deixado pronto para publicação que a morte não lhe permitiu ver,
e onde em poemas, marcados por uma escrita da modernidade
sem, todavia, prescindir da característica estrutura narrativa
própria da textualidade negra-africana, tais como “Amor de
África”, “Mãos” e “Coração em África”, o poeta nos apresenta a
força do seu estilo irónico, por vezes mesmo sarcástico, e
agressivamente dialógico, onde a estética jamais fica prejudicada
pela mensagem social que os textos veiculam.

A africanitude, em Francisco José Tenreiro, é, por fim, uma


atitude poética e filosófica, donde a raça e a cor, por si, não têm a
valorização absoluta que a negritude lhes confere, preferindo-se,
antes, considerar o homem como um ser universal, onde conta
mais a alma, a essência, do que a pigmentação da epiderme,
porque o poeta sabe que o amor e a maldade são acrómicos. E,
assim, africanitudamente, o poeta pode cantar a sua mátria, nesse
extraordinário poema que é “Nós, Mãe” e de que respigo esta
expressiva passagem:

Ah! Brancos, negros e mestiços


escaldaram o teu corpo de sensações
com o bafo quente de um vulcão maldito.
E os teus seios secaram
o teu corpo mirrou
e as pernas engrossaram
enraizando-se no teu próprio corpo.

E os teus olhos...

Os teus olhos perderam o brilho


ao sentirem o chicote
rasgar as carnes duras dos teus filhos.
Os teus olhos são poços de água pálida,
porque cheiraste na velha cubata
o odor intenso de uma aguardente qualquer.
Os teus olhos tornaram-se vermelhos
quando brancos, negros e mestiços instigados
pelo álcool
pelo chicote
pelo ódio
se empenharam em lutas fratricidas
Centro de Ensino à Distância 67

e se danaram pelo mundo.

E a ti,
Oh! mãe de negros e mestiços e avô de brancos!
ficou-te esse jeito
de te perderes na beira de algum caminho
e te sentares de cabeça pendida
cachimbando e cuspindo para os lados.

Mas os teus filhos não morreram, negra velha,


que eu oiço um rio de almas reluzentes
cantando: nós não nascemos num dia sem sol!

A África de expressão portuguesa, na sua tridimensão cultural e


étnica, aí está presente, comungando um mesmo espaço filosófico
e um mesmo tempo social.

Se saíssemos, agora, do domínio dos textos poéticos de Tenreiro,


incluídos no seu primeiro livro, e passássemos a algumas
considerações extra textuais que, todavia, estão com eles
relacionadas, poderíamos, penso eu, acentuar a ideia de que a
escrita desse poeta santomense, pelo menos a inicial, fez o seu
percurso à margem de qualquer influência negritudinista, que não
é visível em nenhum momento textual, nem pela citação nem pela
invocação de autores, como acontece, no seu segundo livro, onde
o afro-americanismo, por exemplo, está presente. Aliás, se Antero
de Abreu está certo, quando afirma que só no fim dos anos 1940,
princípio dos anos 1950, é que os estudantes africanos de
expressão portuguesa começaram a ter contacto com a poesia de
Langston Hughes, Guillèn e com os poetas da Negritude (Cf.
Manuel Ferreira, in Prefácio a Poesia Negra de Expressão
Portuguesa, Lisboa, 1982), então a poesia de Tenreiro, escrita no
meio dos ventos neo-realistas do “Novo Cancioneiro” coimbrão,
sendo coetânea na sua produção da do grupo negritudinista de
Paris, não teria sido por ele certamente motivada. O facto de fazer
do homem negro, em particular, e do homem africano, em geral, o
seu sujeito poético, não pode significar identidade ético-estética
necessária para uma mesma filiação. Aliás, a negritude esqueceu-
se de que o homem africano é culturalmente e, por vezes, mesmo
etnicamente, diferente do homem negro.

Parece-me, portanto, que o uso do conceito de africanitude é


menos marcado e, por isso mesmo, mais capaz de traduzir a
dimensão mulata, estética e culturalmente falando, da poesia de
Francisco José Tenreiro, poeta arrancado cedo à vida e à Africa
que, no entanto, teve ainda tempo para cantar e louvar numa
linguagem retoricamente rica e variada, sem jamais perder,
contudo, a perspectiva social. Tenreiro é bem o exemplo de como
o social e o estético podem conviver, sem que um submerja o
outro, procurando-se, antes, o equilíbrio que garanta a qualidade
artística de que todo o texto necessita para ser verdadeiramente
literário.
Centro de Ensino à Distância 68

Sumário

A obra poética de Tenreiro, particularmente Ilha de Nome Santo,


foi desde sempre uma leitura obrigatória de todos quantos
participaram dos movimentos sociais, políticos e literários,
sobretudo a partir da década de 50. Tais movimentos foram-se a
partir de organizações como a Casa dos Estudantes do Império e o
Centro de Estudos Africanos, em Lisboa , de que Tenreiro foi um
dos fundadores, em 1951. Em tais organizações militou a maioria
dos intelectuais cujas obras passaram a integrar o que de mais
representativo existe na poesia e na ficção dos países africanos de
expressão portuguesa. E é sobretudo a poesia desses autores que
absorve, com maior grau de profundidade, a tonalidade de
negritude existente na obra de Francisco José Tenreiro. Eu diria
que Tenreiro serviu de charneira na moldagem da literatura
africana ; literatura esta que não constitui uma ruptura essencial
com a cultura dominante de cinco séculos, mas segue, para utilizar
a idéia de Frantz Fanon, num movimento dirigido que começa na
assimilação e vai até à luta pela libertação.

Exercícios

1. Apresente, num mínimo de uma página A4, a análise que


faz sobre este poema, colocando maior reflexão sobre a
africanidade e a cor da pele, nele, referenciados.
Ah! Brancos, negros e mestiços
escaldaram o teu corpo de sensações
com o bafo quente de um vulcão maldito.
E os teus seios secaram
o teu corpo mirrou
e as pernas engrossaram
enraizando-se no teu próprio corpo.

E os teus olhos...

Os teus olhos perderam o brilho


ao sentirem o chicote
rasgar as carnes duras dos teus filhos.
Os teus olhos são poços de água pálida,
porque cheiraste na velha cubata
o odor intenso de uma aguardente qualquer.
Os teus olhos tornaram-se vermelhos
quando brancos, negros e mestiços instigados
pelo álcool
pelo chicote
pelo ódio
se empenharam em lutas fratricidas
e se danaram pelo mundo.

/...../
Centro de Ensino à Distância 69

Unidade 14. Receptividade literária: os poetas da casa dos Estudantes do Império

Introdução

A recepção da literatura são-tomense foi, durante muito tempo, a


da poesia são-tomense. Essa atitude parcial de certa crítica é
compreensível no percurso de uma afirmação literária
empreendida nos anos 40-50-60 pelos poetas naturais de São-
Tomé, Francisco José Tenreiro, Marcelo da Viega, Tomás
Medeiros, Alda Espírito Santo e Maria Manuela Margarido e
assumida como um aspecto de uma nacionalidade própria, a são-
tomense. Nesta unidade vamos tratar, especificamente, do
contributo que os alguns, dos poucos, intelectuais deram à
literatura de Cabo-verde.

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:


Centro de Ensino à Distância 70

 Conhecer os principais poetas ligados à CEI;


 Identificar a dimensão nativista de alguns poemas;
Conhecer a actividade literária da pós-
independência

Com efeito todo o trabalho de produção e críticas literárias,


conjugado com outras formas de reivindicação da pátria, resultou
Objectivos em reconhecimento da individualidade nacional de São Tomé,
formulada culturalmente em são-tomensidade. Neste tempo de
contestação, de reivindicação e afirmação cultural e nacional, a
construção do sistema literário fez-se à volta de topi, motivos e
ideologemas, de signos e símbolos específicos e de uma certa
retórica que configuram a estética desses tempos difíceis.
Demiurgos, tal como Francisco Tenreiro e Medeiros da Veiga, de
uma literatura nacional, são Alda Espírito Santos, cuja poesia foi
reunida apenas em 1978, no É nosso o solo sagrado da terra, Maria
Manuela Margarido, autora do livro de poemas Alto como o
silêncio, na colecção coimbrã do Novo Cancioneiro, publicado em
1957 e Tomás Medeiros, este último sem livro publicado. Apesar
de os contemporâneos dos dois poetas do capítulo precedente,
ainda que Manuel Ferreira os designe como o núcleo dos que
vieram depois de Tenreiro, a poesia dos três supracitados só foi
dada a conhecer pela CEI, primeiramente no caderno Poesia negra
de Expressão portuguesa (1953), no caso da poesia de Alda
Espírito Santo, no caso de Tomás Medeiros e, principalmente na
antologia de Poetas de S. Tomé e Príncipe, organizada e
prefaciada por Alfredo Margarido.
Os temas recorrentes desta poesia prendem-se com a questão da
mestiçagem, na sua lata dimensão bio-cultural, com o corolário do
abandono dos filhos e a alienação cultural, e com a questão do
trabalho agrícola, a roça e a monocultura do cacau e do café.
À parte uma escrita vincadamente preocupada com a situação da
mulher que Alda Espírito Santo realiza, sobretudo em poemas
escritos depois da independência, tanto a poesia dessa escritora
como a da sua conterrânea Maria Manuela Margarido têm em
comum a actualização de um registo vivencial, o registo de uma
fragmentária evocação da infância e, por vezes, de uma
experiência intimista, de um passado que o sujeito quer
presentificado no desejo de resgatar a identidade nacional
vinculada a uma pretensa cultura original. Daí que esse resgate da
matriz africana se faça pela evocação da Mulher e da terra-mãe,
figuras em que se consubstancia a África, e de elementos
simbólicos da natureza e da cultura.
É, pois, uma poesia nacionalista, de protesto e reivindicação,
anunciado e, por vezes, substituindo um fazer politico, que os
poetas da CEI nunca enjeitaram e que não é a priori democrático.
Centro de Ensino à Distância 71

Sumário
Dimensionada numa matriz nacionalista, a escrita dos jovens
estudantes da Casa do Império denuncia uma assumida vinculação
à ideologia estética do Neo-realismo e configura dois grandes
núcleos temáticos: a afirmação cultural e de uma insularidade
africana, e a reivindicação do solo pátrio, realizando o discurso
anti-colonial de identidade, e a denúncia da precariedade social
das ilhas.

Exercícios

1. Descreve a poética de Alda Espírito Santo.


2. Atente no poema a seguir de Alda Espírito Santo e analise a sua
linha de orientação temática.

LÁ NO ÁGUA GRANDE

Lá no Água Grande a caminho da roça


negritas batem que batem co’a roupa na pedra.
Batem e cantam modinhas da terra.

Cantam e riem em riso de mofa


histórias contadas, arrastadas pelo vento.

Riem alto de rijo, com a roupa na pedra


e põem de branco a roupa lavada.

As crianças brincam e a água canta.


Brincam na água felizes...
Velam no capim um negrito pequenino.

E os gemidos cantados das negritas lá do rio


ficam mudos lá na hora do regresso...
Jazem quedos no regresso para a roça.

(1991)
In Primeiro Livro de Poesia
Centro de Ensino à Distância 72

Unidade 15. A são-tomensidade: Alda Espírito Santo

Introdução
Alda, é uma das maiores poetas dos países africanos de língua
portuguesa. A sua poesia apresenta temáticas que vão mais além
da sua militância política, luta e contestação. É uma das poucas
mulheres que desempenhou um destacável papel na luta de
resistência anticolonial para a libertação de São Tomé e Príncipe.

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

 Identificar a témática da poesia de Alda Espírito


Santo.
Objectivos

Alda Neves da Graça do Espirito Santo, nasceu em 1926 em S.


Tomé.

Alda do Espirito Santo é um afigura emblemática, não só da


literatura e da cultura são-tomense, como também da história
recente do país. A sua presença fez-se ao domínio colonial, motivo
pelo qual interrompeu os estudos universitários, tendo terminado
apenas os estudos secundários em Portugal, manteve-se após a
independência, como destacada figura política, desempenhando
cargos de Ministra de Educação e Cultura, Ministra da Informação
e Cultura, Presidente da Assembleia Popular da Republica e
Secretária Geral da UNEAS.

Colaboração dispersa em diversas publicações regulares:


Mensagem (CEI), Jornal de Angola, A Voz de S. Tomé.

Alda Espirito Santo é também autora de uma poesia, na qual


expressa o protesto e luta intimamente associada ás aspirações do
seu povo.

Alda Espírito Santo, senhora-mãe desse "Solo Sagrado da Terra",


reafirma a cada instantânea coerência entre vida e poesia, ou
melhor, a unidade entre protesto e luta. Pôs a língua portuguesa,
incorporada com firmeza e serviço de de São-Tomé. A
sensibilidade poética joga de mãos dadas com o seu explícito
engajamento.
Centro de Ensino à Distância 73

Obra poética:
O Jogral das Ilhas, 1976, São Tomé, e. a.;
Em Torno da Minha Baía

Aqui, na areia,
Sentada a beira do caís da minha baía
do caís simbólico, dos fardos,
das malas e da chuva
caindo em torrente
sobra o caís desmantelado,
caindo em ruínas
eu queria ver à volta de mim,
nesta hora morna do entardecer
no mormaço tropical
desta terra de África
à beira a do caís a desfazer-se em ruínas,
abrigados por um toldo movediço
uma legião de cabecinhas pequenas,
à roda de mim,
num voo magistral em torno do mundo
desenhando na areia
a senda de todos os destinos
pintando na grande tela da vida
uma história bela
para os homens de todas as terras
ciciando em coro, canções melodiosas
numa toada universal
num cortejo gigante de humana poesia
na mais bela de todas as lições
HUMANIDADE

(1963)
Abraços de Roma
Enzo

Sumário

Alda, é uma das maiores poetas dos países africanos de


língua portuguesa pela sua militância política, luta e
contestação. É uma das poucas mulheres que
desempenhou um destacado papel na luta de resistência
anticolonial para a libertação de São Tomé e Príncipe.

Exercícios

1. Alda Espirito Santo é também autora de uma poesia, na qual


expressa o protesto e luta intimamente associada ás aspirações do
Centro de Ensino à Distância 74

seu povo. Demonstre essa preocupaçao, analisando atentamente


o poema que se segue.

Eu vou trazer para o palco da vida


pedaços da minha gente,
a fluência quente da minha terra dos trópicos
batida pela nortada do vendaval de abril.

Eu vou descer á Chácara


Subir depois pelos coqueiros do pântano
ao coração do Riboque,
onde o Zé Tintche, tange sua viola
neste findar dum dia de cais
com gentes de longe
na Ponte Velhinha
num dia de passageiros(...)
Centro de Ensino à Distância 75

Unidade 16. Lírica de São-Tomé: A temática da evocação à infância e da mulher e da


terra-mãe (África)

Introdução
Nesta unidade abordamos a situação da lírica são-tomense,
concretamente sobre a temática da infância e da mulher e da terra-
mãe.

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

 Descrever a lírica de São Tomé;.


 Identificar o papel da escritora Alda Espírito Santo na
Literatura são-tomense.
Objectivos
O sentido político de que se valeu Alda Espírito Santo ao referir-se
à tarefa empreendida pelas mulheres na perspectiva das várias
etapas de liberação que se lhes configuram repercute, em
realidade, como uma missão secular e permanente, podendo ser
avaliada em muitos momentos de sua própria poesia e de sua
experiência política, aspectos que conviveram de modo
indissociado em toda a sua trajetória particular, não estabelecendo
disparidade entre a criação literária e a atuação político-social, o
ideal estetizante da palavra e sua efetiva empregabilidade numa
militância política cidadã.

Nascidas ambas em 1926, Alda em São Tomé e Manuela na ilha


do Príncipe, em suas obras individuais poderão ser identificadas
zonas de confluência que apontam para um comprometimento
ideológico dessa palavra poética na defesa dos ideais de libertação
individual e coletiva. O aparecimento e a projeção destas autoras
na literatura de São Tomé e Príncipe correspondem,
cronologicamente, ao processo de tomada de uma consciência de
classe e de identidade nacional no país e nas outras colônias
portuguesas da África, o que naturalmente conduziria ao
acirramento das lutas pela independência:

É preciso não perder


de vista as crianças que brincam:
a cobra preta passeia fardada
à porta das nossas casas.
Derrubaram as árvores de fruta-pão
Para que passemos fome
E vigiam as estradas
receando a fuga do cacau.
A tragédia já a conhecemos:
a cubata incediada,
o telhado de andalav flamejando
e o cheiro do fumo misturando-se
ao cheiro de anduvi
Centro de Ensino à Distância 76

e ao cheiro da morte (...)


(Manuela Margarido, Vós que ocupais a nossa terra) Senhor Barão
Chegou na ilha...
Saquitel de três vinténs
Enterrando na terra barrenta
A bengala histórica
Donde surgiria
A Árvore das Patacas
- Lenda do cacau
Escrevendo a história
..............................................................................................................
O cacau subiu
Encheu bolsas
O Senhor Barão
Vem descendo a Casa Grande
Enxotando os moleques do terreiro
Montando cavalo alazão
No giro das dependências
Descendo à cidade
Recebendo vénias
Mais vénias
"Senhor Barão"
"Senhor Barão"
................................................................................................................
(...) Mas cuidado gentinha
Senhor Barão tem imitador
na terra. (...)
(Alda Espírito Santo, Senhor Barão)

A disposição mais narrativa e coloquial deste poema de Alda


Espírito Santo acentua a sua tendência para uma interlocução com
o leitor. O discurso poético que se funda na oralidade e se fixa na
escrita parece buscar, através da estratégia de sua
performatividade, uma movimentação que permita a
ultrapassagem simbólica da forma impressa, sugerindo uma
relação mais íntima e interativa entre a poeta e o seu público, o
que reduziria, portanto, a distância entre a leitura passiva,
individualizada, e a corporeidade do gesto, da enunciação
coletivizante na palavra viva. O arquipélago de São Tomé e
Príncipe, diga-se de passagem, é pródigo na encenação de autos
teatrais populares como os do tchiloli, tradicionalmente encenados
por sua população e profundamente enraizados em seu imaginário.
Dirigindo-se abertamente à pessoa comum, em ambas as autoras
se confirma uma flagrante preocupação em alinhar através da voz
poética um discurso de sensibilização política, realizando uma
denúncia social onde suas falas se solidarizam com os segmentos
menos favorecidos da população das ilhas. A relação entre
oralidade e escrita também alcança momento de expressão na
prosa desenvolvida por Alda Espírito Santo. Seu livro Mataram o
rio da minha cidade revela um conjunto de relatos variados onde
convivem lado a lado a sóia, as crônicas da emigração, a prosa
memorialista, o canto e o texto dramático. No conto que dá nome
ao livro, a escritora assume literalmente um papel de contadora de
histórias, reproduzindo, perante o leitor , o comportamento de um
Centro de Ensino à Distância 77

kontadô soya, ou seja, lançando mão da postura sedutora que


antecipa o ato da contação em si. A recorrência a vocábulos e
expressões em língua santomense é uma constante através de todo
o texto escrito, onde também são trabalhados alguns códigos da
oralidade como o musical e o paralingüístico, caracterizando desta
forma a entoação, a intensidade, a pausa, o ritmo e a qualidade da
voz, aspectos tão caros à performance dos contadores e contadoras
de histórias.

Pensando no exemplo de Alda Espírito Santo e Maria Manuela


Margarido, para além do facto de serem mulheres escritoras
africanas, que outras aproximações poderiam ser feitas entre a
obra das duas poetas e a escrita de autoria feminina no pós-
independência de São Tomé e Príncipe? Elegeremos três nomes
contemporâneos e representativos desta literatura: a professora,
ensaísta, cronista e crítica literária Inocência Mata, a professora,
poeta e ficcionista Maria Olinda Beja, e a poeta e jornalista
Conceição Lima. Uma primeira inter-relação entre elas poderia ser
avaliada já a partir de pelos menos seis aspectos convergentes: a
expressão comum em língua portuguesa, a experiência da
emigração, a realização de estudos superiores na Europa, a
militância na educação ou na vida social do país, a temática
africana de suas obras e a busca de uma afirmação identitária
santomense, refletindo evidentemente um grau variado de
envolvimento com o tema em suas expressões individuais.
Considerando mais precisamente a escrita destas autoras,
prevalece a poesia sobre a prosa em Alda e Manuela, mas o oposto
disto em Inocência Mata, que se concentrou na ensaística.
Transitando regularmente entre duas linguagens aparecem, da
poesia para a prosa de ficção Olinda Beja, e da poesia para a prosa
jornalística Conceição Lima. Ou seja, a atividade poética, que se
destacou historicamente como uma expressão por excelência da
literatura santomense, também em sua vertente feminina, passa a
compartilhar, nos textos do pós-independência, um espaço de
relevância com a experiência literária em prosa, fato comprovado
pela aparição de outros nomes masculinos e femininos não
estudados neste nosso recorte, como é o caso de Ana Maria Deus
Lima, Otilina Silva ou Maria Fernanda Pontífice. Isto sem contar
as próprias investidas de Alda Espírito Santo nesta direção, que
incluem artigos de reflexão crítico-literária. Optaremos então por
eleger três das seis vertentes de confluência anteriormente
apontadas: a experiência da emigração, a temática africana e a
afirmação identitária santomense.

A ausência física das ilhas, por variados motivos e em diferentes


momentos, não parece conformar para estas autoras qualquer
alheamento e subseqüente alienação frente às especificidades
locais. Ao contrário, tendo Lisboa como pouso, pôde Inocência
Mata diversificar sua experiência pessoal e profissional, abrindo-
se para uma perspectiva mais ampla de cidadania e militância
Centro de Ensino à Distância 78

intelectual. Atuante no cenário universitário lisboeta, a escritora


Inocência Mata vem se dedicando a estas atividades em diferentes
recortes, emanando em seu labor investigativo um pensamento
crítico-reflexivo cada vez mais comprometido com a realização
escrita de autores e autoras santomenses, angolanos, bissau-
guineenses, moçambicanos ou brasileiros. Esta pertença pessoal e
intelectualmente multifacetada se reproduz na publicação de uma
ensaística igualmente diversa, que se dedica inclusive à
apresentação e à organização de obras literárias que contemplam
também o contexto santomense. As temáticas voltadas para
especificidades literárias africanas, tendo como elo de ligação a
oficialidade lusófona são recorrentes na reflexão teórico-crítica de
Inocência Mata, da mesma forma como o sentimento de pertença
continental, particularizado na insularidade santomense e na
experiência da emigração é vivenciado na produção literária de
Olinda Beja e de Conceição Lima. Maria Olinda Beja tem
publicado diversos títulos em poesia e prosa de ficção.

Exercícios

1. Faça uma reflexão sobre as influências de Alda Espírito


Santo e Maria Manuela Margarido e sobretudo na temática
da infância e da mulher.
Centro de Ensino à Distância 79

Unidade 17. A nova literatura são-tomense:


Manifestações através do Romance, o suícidio cultural (1992) de Aíto Bonfim

Introdução
O Suicídio Cultural é a epopeia trágica de uma comunidade
africana condenada, paradoxalmente, ao desaparecimento
biológico, em virtude do vínculo cultural rebelde à sua história, o
que constituía um anátema à evolução.

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

 Descrever a literatura colonial produzida por metropolitanos e


cabo-verdianos.
Objectivos
O romance de Aíto Bonfim é lançado originalmente em 1992, é apresentado
agora, mais de uma década passada, nesta edição do Instituto Camões – Centro
Cultural Português em S. Tomé e Príncipe. O autor, nascido na cidade de S.
Tomé em 1955, tem várias obras publicadas e venceu diversos prémios
literários, entre os quais se destaca o Primeiro Prémio de Teatro do Concurso da
União Nacional de Escritores e Artistas Santomenses, em 1990, com a peça O
Golpe.

Em 1992, Aíto Bonfim publica a sua primeira (e até agora única) obra de ficção,
O suicídio cultural, um romance que releva preocupações políticas do autor,
também ele o autor da berlização ou da partilha de África (1985) e o Golpe-
uma autópsia (>996) textos dramáticos que, tal como o seu livro de Poemas
(1990), denunciam a cumplicidade dos africanos no estado do continente.

Mais do que isso, é uma obra em que o autor pretende encenar o resultado das
religiões entre os africanos e os europeus, atribuindo aos primeiros a
«responsabilidade e a culpa» de terem desenvolvido um projecto político e
cultural conducente á perda da identidade africana. Os africanos e os seus
ideais, simbolicamente representados pela Kafra e pelo corredor (atleta) etíope,
vão perdendo a sua identidade histórica e cultural á medida que aceitam os
valores europeus e negam os seus.

Grande parte da intriga desenvolve-se através de um diálogo que o protagonista,


o Velho Kakólo, preso político, mantém com outras duas personagens, Ká e
Kaké, que mais do que o desdobramento de si próprio em fases anteriores da
sua personalidade: respectivamente, infância (Ká) e na juventude (Kakó, jovem
revolucionário).

Nesta obra, entende-se uma narração em que os africanos depois de se tornarem


independentes, substituiram as potências coloniais, passaram de dominado ao
Centro de Ensino à Distância 80

dominador, de vítima ao carrasco. Existe um dado interessante em Suicídio


Cultural, pois o protagonista principal da obra é um tal de Kakôlô, que como
pessoa existe ou existiu de facto na cabeça e na vivência do Aito, mas como
personagem da história teatral, trata-se apenas de uma figura que representa o
estado adolescente de África. O Kakôlô de suicídio Cultural, refere-se que a
África ainda não se encontrou consigo mesmo, encontra-se numa fase atrofiada
de adolescência, ou seja num simples Kakô, falta-lhe o lô para se transformar
em KaKôlo.

Na sua cela de mofle, nos momentos derradeiros da sua vida, enquanto aguarda
a ehegada do fuzilamento, a personagem rememora até á exaustão, a trajectória
da sua vida e da sua comunidade desde a mais remota infância até ao corredor
da mofle, passando pela sua atribulada e revolucionária juventude.
Paralelamente, é apresentado o quadro de terror que vive na prisão.

E interessante neste contexto da preservação da identidade cultural através da


expressão linguística ver como o texto ensaia uma estratégia lúdica com a
tradução: os diálogos aparecem como «tradução para o português» de uma
Língua africana virtual (que nunca é nomeada embora o leitor possa, por ilação,
pensar numa língua etíope).

Um texto denso e dessacralizante do cânone romanesco, uma apóstrofe aos


regimes totalitários africanos. Ao mesmo tempo, um romance que se
desenvolve numa lógica antiépica. em que nem a resistência logra vingar —
embora Kakólo sobreviva— se concordarmos com Hegel, Georges Lukács ou
Emil Steigcr, Dionisio de Oliveira Toledo segundos os quais a épica, cuja
origcm etimológica é narração, presentifica um passado distante, um mundo já
inexistente apresentando heróis que sc tornam, para nós, verdadeiros arquétipos.

Falar da prosa de ficção São-Tomense é falar de um (sub)sistema ignorado, para


o que concorre tanto a origem dos autores (maioritariamente metropolitana,
europeia), a atitude parcial da crítica e a recepção do círculo de Ieitura.
A prosa de ficção no período colonial, parte da literatura colonial de que a
poesia contestatária dos «poetas da Casa dos Estudantes do Império» se
constituiu como contradiscurso era, grosso modo, uma literatura que expressava
as condições existenciais dos portugueses em São Tomé e Príncipe, «província»
de Portugal, nas suas relações com a natureza tropical e com a massa humana,
numa perspectiva missionária, funcionando como realização regionalista da
literatura portuguesa.
Dessa literatura vai emergindo, porém, o «sentimento nativista», com
subjacência ideologicamente colonial, que gradualmente vai configurando uma
feição de diferenciação com o sistema literário português. Datando dos anos 30
do Séc. XX (embora desde o principio do século se assinalem esporadicamente
crónicas e apontamentos literários sobre as ilhas), é uma escrita que configura
uma modalidade do discurso colonial, em estreita intertextualidade com essa
discursividade.
É uma escrita marcada por uma subjacência expansionista que se alicerça na
celebração das paisagens, na representação do fascínio perante a exuberância da
Centro de Ensino à Distância 81

natureza, na descrição «naturalista» de feição crónico-me-morialista, na


expressão exótica e mágica do espaço, visto como uma variante da reguilo
portuguesa, em que o espaço cultural é pinturescornente preenchido com
motivos africanos, na exemplaridade sócio-económica da roça para mostrar o
esforço épico do agente colonizador. Não admira que um dos tópicos da dessa
literatura seja a naturalização tanto do sistema colonial como da relação
miscigenante como demonstração da humanidade do processo colonizador.
Hoje em São-Tomé e Príncipe a ficção narrativa é (ainda) uma rudimentar
prática de realização intermitente, tal como a prática poética que se anunciara
auspiciosa logo após a independência pelo menos em termos quantitativos.
Existem experiências interessantes, embora incipientes, contos, novelas e até
romances, apresentados a concurso (designadamente Pré mio CPLP/1998 e
Prémio PALOP/1998) e outros.

Sumário

O Suicídio Cultural é a epopeia trágica de uma comunidade


africana condenada, paradoxalmente, ao desaparecimento
biológico, em virtude do vínculo cultural rebelde à sua história, o
que constituía um anátema à evolução.

Exercícios

1. Fale da simbologia das personagens Ka, Kakó e Kakólo;


Centro de Ensino à Distância 82

Unidade 18. A actual literatura são-tomense

Introdução

Nesta unidade, importa-nos falar basicamente dos aspectos que


têm a ver a actual literatura de São – Tomé e Príncipe.

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

 Caracterizar a literatura actual de São-Tomé e Príncipe;


 Destacar vozes poéticas surgidas nesta época.
Objectivos

A afirmação literária empreendida nos anos 40-50-60, por imperativos da vária


ordem, não resultou em fertilidade da literatura sao-tomense nos anos do pós-
independência. Note-se, não obstante, que essa situação teve e tem mais a ver
com factores extrínsecos à produção do que com a própria criação literária, num
país em que a impressão de um semanário depende da importação de papel.

Seja como for, também a literatura são-tomense passou por aquela fase eufórica
de panletizaçao e sloganizaçao da escrita por que passaram também as outras
literaturas africanas de expressao portuguesa, depois das independências
políticas. É a fase de poemas encomiásticos e celebrativos da revolução ,
reconstrução nacional “reconstrução nacional” figuras, datas e eventos, que
ficaram registados em duas antologias, ambas de 1977: Antologia poética
juvenil de S. Tomé e príncipe – resistência popular ao fascismo e colonialismo e
Antologia poética de S. Tomé e príncipe, esta última incluindo os poetas
consagrados e novos fazedores de poesia que o tempo e o gosto desapaixonado
do leitor se encarregaram de seleccionar. Surgiram, pois, e afirmaram-se alguns
escritores nos anos 70, e disso dá conta a mais recente antologia, o coro dos
poetas e prosadores de São- Tomé e Prícipe. De entre as novas vozes poéticas,
destacam-se Aíto Bonfim, Fernando de Macedo, Frederico Gustavo dos anjos,
Francisco Costa Alegre e Sacramento Neto.

Sumário
Centro de Ensino à Distância 83

É a partir do ano de 1963 que a literatura guineense ganha


significado com a publicação de poemas e contistas africanos, de
João Alves das Neves, Vasco Cabral e António Baticã Ferreira,
que, em 1972, publica Poesia e Ficção.

Exercícios

1. “A literatura nacional surge num primeiro momento, como


uma reacção contra a literatura colonial, isto é, aquela que
não reconhece as diferenças étnicas mas almeja por um
espaço onde se fundem diferentes culturas e civilizações”.
Comente.
2. A poesia de Baticã Ferreira, em certa medida, foi de cariz
telúrica. Argumente.
3. Explique a linha temática de produção literária apresentada
por Vasco Cabral nesta fase.
Centro de Ensino à Distância 84

Unidade 19. Origens e Constituição da Literatura Guineesse

Introdução
Destacamos nesta unidade o aparecimento e contributo da geração
jovem na literatura.

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

 Problematizar as origens e a constituição da literatura


guineense
Objectivos

Dentre as antigas colónias portuguesas, a Guiné-Bissau é o país onde mais


tardiamente a literatura se desenvolveu devido ao atraso do aparecimento de
condições socio-culturais propícias ao surgimento de vocações literárias. Esse
atraso deveu-se sobretudo ao facto da Guiné ser uma colónia de exploração e
não de povoamento, tendo estado por um longo período sob a tutela do governo
geral da colónia de Cabo Verde.
São vários os elementos que explicam essa situação, dos quais cito alguns.
Primeiramente, uma política educativa colonial restritiva e tardia. Com efeito, o
primeiro estabelecimento de ensino secundário só foi aberto em 1958, enquanto
que, por exemplo, em Cabo Verde o primeiro liceu foi inaugurado na Praia em
1860.
O acesso ao ensino era bastante restrito, estando dele excluída a maioria da
população (99,7% em 1961) abrangida pelo Estatuto do Indigenato. A imprensa
também chegou tardiamente à colónia, em 1879, enquanto que nas demais
colónias ela foi instalada entre 1842 e 1857. Os Boletins Oficiais, que possuíam
secções reservadas a colaborações literárias, só apareceram em 1880, na medida
em que entre 1843 (data em que apareceram os boletins nas outras colónias) e
1879 havia um boletim comum à Guiné e Cabo Verde, editado na Praia. A
primeira editora pública, a Editora Nimbo, só aprareceu depois da
independência em 1987, tendo tido uma duração efémera, fechando alguns anos
depois.
A estas causas remotas, associam-se outras mais recentes que têm a ver com o
pouco (ou quase nenhum ) apoio que as autoridades do país têm prestado à
promoção da cultura nacional em geral e à literatura em particular. A
inexistência de bibliotecas, de uma casa de edições, a falta de dinamismo da
própria União Nacional de Artistas e Escritores são alguns dos factores que têm
travado o desenvolvimento do movimento literário nacional. Abdulai Silá, o
primeiro romancista contemporâneo do país, teve que fundar a sua própria casa
de edições em 1994...
Poderemos distinguir quatro fases na literatura da Guiné em função do seu
conteúdo: uma primeira fase anterior a 1945, uma segunda entre 1945 e 1970,
uma outra entre 1970 e o fim dos anos 1980 e finalmente a fase iniciada na
Centro de Ensino à Distância 85

década de 1990.

I. A Fase Anterior A 1945


Autores marcados pelo cunho colonial
Os primeiros escritos no território guineense foram produzidos por escritores
estabelecidos ou que viveram muitos anos na Guiné, muitos deles de origem
cabo-verdiana. A maior parte das suas obras têm um carácter histórico, com a
excepção da de Fausto Duarte (1903-1955), que se destacou como romancista
[ii], Juvenal Cabral e Fernando Pais Figueiredo, ambos ensaístas, Maria Archer,
poetisa do exotismo, Fernanda de Castro, cuja obra dá conta das transformações
sociais da colónia na época e João Augusto Silva, que recebeu o primeiro
prémio de literatura colonial. Porém a maior parte destes autores caracterizam-
se por uma abordagem paternalista e/ou próxima do discurso colonial.
Durante este período apenas uma figura guineense se destaca: o Cónego
Marcelino Marques de Barros que deixou trabalhos no domínio da etnografia,
nomeadamente “A literatura dos negros” e uma colaboração com carácter
literário dispersa em obras diversas. A ele se deve a recolha e a tradução de
contos e canções guineenses em diferentes publicações e numa obra editada em
Lisboa em 1900, intitulada “Contos, Canções e Parábolas”.

II. O período entre 1945 e 1970


Uma poesia de combate
É neste período que surgem os primeiros poetas guineenses: Vasco Cabral e
António Baticã Ferreira. Amilcar Cabral, com uma dupla ligação à Guiné e
Cabo Verde, faz também parte desta geração de escritores nacionalistas. A
literatura deste período caracteriza-se pelo surgimento da poesia de combate
que denuncia a dominação, a miséria e o sofrimento, incitando à luta de
libertação.
Embora os primeiros poemas de Amílcar Cabral revelem um autor cabo-
verdiano, a maior parte da sua obra literária é dominada por um cunho
universalista, marcada pela contestação e incitação à luta:

“ Ah meu grito de revolta que percorreu o mundo


que não transpôs o mundo
o Mundo que sou eu !
Ah ! meu grito de revolta que feneceu lá longe
Muito longe
Na minha garganta !
Na garganta mundo de todos os Homens”

Vasco Cabral é certamente o escritor desta geração com a maior produção


poética e o poeta guineense que maior número de temas abordou. A sua pluma
passa do oprimido à luta, da miséria à esperança, do amor à paz e à criança.
Inicialmente com uma abordagem universalista, a sua obra se orienta, a partir
dos anos 1960 para a realidade guineense. Em 1981, publicou o seu primeiro
Centro de Ensino à Distância 86

livro de poemas intitulado “A luta é a minha primavera”, obra que reúne 23


anos de criação poética entre 1951 e 1974.

Sumário

A geração jovem de escritores veio decididamente marcar a


literatura guineense. O significado das antologias publicadas por
esta geração ultrapassa o âmbito da qualidade literária, adquirindo
um valor sócio-ideológico e um importante papel histórico no
quadro da afirmação sociológica de um sistema literário nacional.

Exercícios

“A literatura guineense é vista como uma literatura escassa e de


surgimeto tardio, mas não se pode, de nenhum modo, considerar a
Guiné como espaço de literatura «inexistente».
O que se possa dizer é que a Guiné conheceu um aparecimento
tardio de uma literatura feita por guineenses, por várias razões de
ordem histórica e sócio-cultural. Comente.
Centro de Ensino à Distância 87

Unidade 20. Guiné-Bissau: A Literatura Colonial e Literatura Nacional

Introdução
O que pretendemos, nesta unidade, é proceder a uma tentativa de
análise histórico-cultural da Literatura Colonial Guineense, a sua
evolução diacrónica e sociológica, que desembocou nesta
cumplicidade cultural híbrida de que hoje se fala.

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

 Conhecer a produção colonial guineense e, mais especificamente,


bolamense
Objectivos

Quando, em 1979, Vasco Cabral publica, em Lisboa, dez poemas com datas
compreendidas entre 1955 e 1974, revelando-se como poeta, havia
considerado a Guiné literária como espaço vazio.
Russel Hamilton considera que “dizer que os poemas de Vasco Cabral
constituem as verdadeiras origens da poesia guineense talvez seja um
precipitado. E dizer que estas origens se aproximam das de Angola e
Moçambique é dar a impressão de que um caso isolado pode constituir,
respectivamente, o início de uma literatura. De facto, a existência de um
sistema literário pressupõe uma tradição. Vasco Cabral tem, efectivamente um
lugar especial na literatura guineense. Mas como pioneiro não nos parece, pois
mesmo antes dele, Amílcar Cabral publicara. Amílcar Cabral, cabo-verdiano e
guineense e que mais recentemente foi incluída na Antologia poética da
Guine- Bissau (1990), com prefácio de Manuel Ferreira.
Considerando que o aspectro de uma literatura não é monocolor, não se
esgotando, numa opção estética, e sem subestimar o papel demiúrgico de um
sistema nacional da poesia de Amílcar Cabral, António Baticã Ferreira, Vasco
Cabral, Hélder Proença e as Vozes das antologias, é preciso recuar às
primeiras manifestações literárias na Guiné-Bissau. E elas datam de década de
30 e com uma pujança singular – é a literatura colonial, única manifestação
sistemática com uma convergência temática no âmbito literário no período
colonial, produzida por metropolitanos cabo-verdianos.
Mas, entre os escritores coloniais guineenses, destacam-se Fernanda de Castro
e Fausto Duarte. Fernanda de Castro é autora de uma obra, de que fazem parte
dois livros juvenis, Mariazinha em África (1925) e Aventuras de Mariazinha
em África (1929), além do romance, O veneno do sol (1928), em um longo
poema, já emblemático da colonialidade literária, África raiz (1966). Fernanda
de Castro pode considerar-se, então, pioneira de uma escrita de temática
guineense.
Centro de Ensino à Distância 88

Fausto Duarte, por seu turno, inaugura a sua actividade literária de temática
guineense em 1943, com Auá – novela negra, contendo um prefacio de
Aquilino Ribeiro e ganhando o 1.º os Prémio de literatura colonial: nove anos
depoi de Mariazinha em África e quatro anos depois de O Veneno do sol, três
anos depois de Afonso correia ter publicado Bacomé Sambú, uma história
passada no universo nalú, construída com signos mais esterotípicos de uma
primitiva colonialidade.
Auá é, por exemplo, uma novela reveladora de um determinado conhecimento
sócio-cultural e até linguístico, oscilando a narrativa entre a descrição do
espaço e arrastando-se para um clima de conflito cultural, embora seja um
tanto precipitado considerar, como Russel Hamilton, que a obra de fausto
Duarte apresente o africano e a sua cultura sob uma luz favorável. Talvez seja
também um tanto temerário a consideração de Benjamim Pinto Bull de Fausto
Duarte é um dos pioneiros no delinear de uma identidade cultural guineense,
ainda que o mesmo autor tenha salvaguardado o tom categórico, modalizando
a sua asserção com a tentativa tímida com um certo paternalismo no estudo
dos valores culturais guineenses porque havia o peso do silêncio do Portugal
colonizador para o que era cultura guineense.
Outrossim, a obra de Fausto Duarte de temática guineense, que encerra com a
Revolta (1945), passando por O negro sem alma (1935) e Foram estes os
Vencidos (1945, actualiza um discurso colonial de cuja estruturação emana a
significação de ultramarinidade, em que a disposição ideológica, não sendo
celebrativa, é apologética do fazer luso, colonizador, civilizador e
evangelizador na Guiné.
Por seu turno, o livro Poemas, de Carlos Semedo, parece ser um caso único na
literatura da Guiné-Bissau no período colonial. Datando de 1963, numa edição
do jornal Bolamense, Poemas insere-se numa corrente revivalista de que o
próprio Bolamense foi o protagonista e núcleo congregador do canto à velha
Bolama que perdera para Bissau as prerrogativas de cidade capital nos anos
30.

Sumário

O livro Poemas, de Carlos Semedo, parece ser um caso único na


literatura da Guiné-Bissau no período colonial. Datando de 1963,
numa edição do jornal Bolamense, Poemas. Insere-se numa
corrente revivalista de que o próprio Bolamense foi o protagonista
e núcleo congregador do canto à velha Bolama que perdera para
Bissau as prerrogativas de cidade capital nos anos 30.

Exercícios

1. Diferencie, apresentando os respectivos colaboradores, a


literatura colonial e nacional da Guiné-Bissau.
Centro de Ensino à Distância 89

2. Faça um resumo sobre a literatura colonial e nacional da


Guiné-Bissau.
Centro de Ensino à Distância 90

Unidade 21. Afirmação da Literatura Guineesse “anos 70”:


Antologia (Mantenhas para quem luta!)

Introdução
Os anos 70 conheceram três outros testemunhos de uma voz
colectiva, em que se revelaram jovens ainda estudantes do liceu.
São eles: Mantenhas para quem luta! – a nova poesia da Guiné-
Bissau (1977), em que se revelaram catorze jovens, tendo seis
(Armando Salvaterra, António Soares Lopes, Hélder Proença e,
outros) continuado na Antologia da revolução e a recordação do
passado recente (s/d. – 1979), esta publicada em Bolama. dentro
desses testemunhos, vamos nesta unidade, destacar a estética da
poesia que acompanha a antologia Mantenhas para quem luta!

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:.

 Descrever os percursos da Literatura crítica da Guiné-


Bissau nos anos 70.
 Perspepectivar o surgimento de uma literatura nacional

1963 é um ano significativo na literatura guineense. É o ano da


publicação de Poetas e contistas africanos, de João Alves das
Neves, em que como representação da literatura guineense, figura
António Baticã Ferreira, que, em 1972, publicará em poesia e
ficção e, em 1973, em Poilão.
A Poesia de Baticã Ferreira revela de uma angustiada tentativa de
identificação com a terra natal, expressa pela evocação da infância
e de uma visão idílica da natureza captada através de uma
imagética sinestésica, de teor telúrico, talvez à dolorosa
consciência da ruptura decorrente da situação de exílio geográfico
e cultural do poeta. Num outro “ A fonte”, o sujeito parece
reivindicar a fonte, configurando-se já uma tímida africanidade,
circunscrita, não obstante, pelos limites de uma cultura
espartilhada pelo mito da assimilação. Nesse contexto, é
significativo o facto de António Baticã Ferreira não ter sido
incluído numa recente antologia, publicada em 1990.
Em 1973, é publicado o caderno de poesias de onze autores,
poilão, pelo grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do
Banco Nacional Ultrmarino, em que participaram quatro
guineenses: António Baticã Ferreira, Pascoal d’Artagnam
Aurigemma, Atanásio Miranda e Tavares Moreira. Testemunho da
primeira voz colectiva guineense, poilão não teve, porém
Centro de Ensino à Distância 91

consequência, apenas Pascoal d’Artignam prosseguindo pelos


trilho literários (baticã já era conhecido), com Djarama, em 1978,
uma colectânea de poemas cujo título, em língua fula, significa
“obrigado”.

O significado dessas antologias ultrapassa o âmbito da qualidade


literária desses textos e adquire um valor sócio-ideólogico e um
importante papel histórico no quadro da afirmação sociológica de
um sistema literário nacional. São as primeiras obras que se
publicam depois da independência e dessa força legitimadora tem
consciência, o prefaciado, anónimo, da primeira, quando afirma
que “ o que determina a qualidade é a função, pelo valor social
que possa representar.

A primeira antologia, Mantenhas para quem luta! (Mantenhas”


que significa, em crioulo, saudações/cumprimentos) assenta numa
retórica de assumido compromisso político, em que a veemência
da expressão se torna panfletária, desvirtuando-se a forma.
A estética desta poesia constrói símbolos, signos e motivos já
anteriormente actualizados na escrita de outras áreas geo-poéticas
e que configuram os núcleos temáticos de dimensão social e de
dimensão cultural, mas também a liberdade, a consagração da
vitória, a celebração da pátria e de Amilcar Cabral.
Outro aspecto que marca o lugar histórico dessas antologias,
sobretudo das duas primeiras, é a utilização do crioulo como
língua de criação literária. Se Mantenhas para quem luta! incluía
apenas dois poemas em crioulo, com tradução em português, a
Antologia dos jovens poetas alargará esse número para dezanove,
numa secção denominada “Espaço Crioulo”, sem tradução. Entre
os poetas crioulos, José Carlos é, sem dúvida, paradigmático. A
sua poesia-canção resgata a rítmica da música popular, o que fez
com essa poesia tenha tido uma recepção massiva.
Primeiramente, a língua crioula circuscrita à área urbana, o
crioulo, durante a guerrilha, ganhou um alcance nacional devido à
mobilização poppular, o que terá contribuído grandemente para a
sua utilização como língua literária
Os anos 70 conheceram três outros testemunhos de uma voz
colectiva, em que se revelaram jovens ainda estudantes do liceu.
São eles: Mantenhas para quem luta! – a nova poesia da Guiné-
Bissau (1977), em que se revelaram catorze jovens, tendo seis
(Armando Salvaterra, António Soares Lopes, Hélder Proença e,
outros) continuado na Antologia da revolução e a recordação do
passado recente (s/d. – 1979), esta publicada em Bolama.
A antologia poética da Guiné-Bissau é a reconfirmação da
maturidade de uma literatura nacional guineense. Por seu turno, o
eco do pranto é uma compilação dos poemas cujo tema fosse,
Centro de Ensino à Distância 92

cujos sujeitos poéticos fossem crianças, poemas que, de qualquer


modo, estivem ligados à criança ou poemas dedicados à criança.

Exercícios

1. Fale dos grandes impulsos que acompanham a antologia


Mantenhas para quem luta!
Centro de Ensino à Distância 93

Unidade 22. A Maturidade Nacional Guineese (anos 90):


Antologia poética Guineese e o Eco do Pranto.

Introdução

Nos anos 90, duas antologias foram publicadas, confirmando as


vozes reveladas nos anos 70, algumas das quais nunca mais se
haviam manifestado: Antologia poética da Guiné-Bissau (1990), e
o eco do pranto. A criança na poesia moderna guineense (1992).
Nesta unidade vamos proceder a um estudo pormenozado desta
publicaçao.

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

 Avaliar o papel da antologia O eco do pranto;


 Dimensionar revelações poéticas dos anos 90.

O eco do pranto, colectânea concebida sob a égide da UNICEF,


em saudação à Cimeira Mundial da Criança, em 1990, compilação
que teve como tema a criança.
Pela quantidade e qualidade dos poemas publicados, nota-se uma
marcada tendência de renovação de estilos e um aperfeiçoamento
estético-literário.
A literatura guineense que até aqui só levantara os olhos para o
alto e para o passado, para as ideologias e para o colonialismo,
entra a olhar para baixo e para a frente, para os reais problemas da
sociedade, do homem, do futuro.
Surge António Soares Lopes Júnior como um co-organizador e
como dinamizador cultural. Este torna-se uma presença cultural
marcante. Colabora em publicações diversas e, ao mesmo tempo,
como jornalista e como cidadão intervém e dinamiza iniciativas
culturais. Noites de Insónia na Terra Adormecida (1996).
A primeira obra feminina surge com Domingas Samy, A escola,
Maimuna e o destino (1993) que a afinidade temática reflectem a
vida e a cultura da Guiné Bissau.

Uma poesia mais intimista: a partir da década de 1990


O desencantamento dos sonhos do pós-independência imediato fez
com que a euforia revolucionária desse lugar a uma poesia que se
Centro de Ensino à Distância 94

tornou mais pessoal, mais intimista, com a deslocaçao dos temas


Povo-Nação para o Indivíduo. Outros temas passaram a inspirar a
criação literária, tais como o amor. De entre os seus autores
citemos: Helder Proença, Tony Tcheca, Félix Sigá, Carlos Vieira,
Odete Semedo.
« Quisera
nesta vida
… afagar teus cabelos
sugar o doce dos teus olhos
transportar em arco-íris
o néctar da tua boca
e juntos caminharmos
ante a ânsia e o sonho … »[ix]

« A vida
nasce de gotas de Amor
- a morte
acontece no tempo
entre mim e a vida
paira um vácuo
- com sorriso
aguardo o destino[x].

Embora o português continue a ser a língua dominante na poesia


guineense, o recurso ao crioulo tornou-se mais frequente, quer
pela escrita em crioulo, quer pela utilização de termos e
expressões crioulas em textos em português. Empregando o
crioulo, os autores põem em evidencia a riqueza metafórica dessa
língua, profundamente enraizada na cultura popular.
Odete Semedo, que utiliza tanto o português como o crioulo,
reivindica pertencer a duas culturas:
« Em que língua escrever
as declarações de amor ?
em que língua contar as histórias que ouvi contar ?
… Falarei em crioulo ?
Falarei em crioulo !
mas que sinais deixar aos netos deste século ?
ou terei que falar nesta língua lusa
e eu sem arte nem musa
mas assim terei palavras para deixar.. . »[xi]

Várias são as publicações que dão conta destas inovações na


literatura bissau – guineense: « O Eco do Pranto » de Tony
Tcheca em 1992, uma antologia temática sobre a criança, editada
pela Editorial Inquérito em Lisboa ; « O silêncio das gaivotas »
em 1996, o segundo livro de poemas de Francisco Conduto de
Pina ; « Kebur – Barkafon di poesia na kriol », uma recolha de
poemas em crioulo, editada pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisa (INEP) em 1996 ; « Entre o Ser e o Amar », uma recolha
Centro de Ensino à Distância 95

bilingue português-crioulo de poemas de Odete Semedo,


publicada também pelo INEP em 1996 « Noites de insónia em
terra adormecida », um outro livro de poemas de Tony Tcheka
publicado também em 1996 e « Um Cabaz de Amores - Une
corbeille d’amours”, recolha bilingue português-francês de
poemas de Carlos Edmilson Vieira, publiacada em 1998 pelas
Editions Nouvelles du Sud em Paris.
As primeiras bandas desenhadas de Fernando Júlio,
exclusivamente em crioulo, apareceram na década de oitenta.
Trata-se essencialmente de sátiras sociais que tiveram um grande
sucesso. A música, onde a poesia crioula tem quase a
exclusividade, foi também marcada pela exultação da reconstrução
nacional.

FINALMENTE A PROSA!
Foi apenas em 1993 que a prosa aparece na literatura
contemporânea bissau-guineense. Foi Domingas Sami que
inaugurou este estilo com uma recolha de contos « A escola »
sobre a condição feminina na sociedade nacional.
Em 1994, surge o primeiro romance de Abdulai Silá, « Eterna
Paixão , que publicou outros dois romances: « A última tragédia »,
traduzido para francês e « Mistida » em 1997. Na sua obra Silá
põe em destaque a coabitação na sociedade colonial das duas
comunidades presentes, a colonizadora e a colonizada. A transição
para uma sociedade pós-colonial onde uma nova elite saída da luta
de libertação se instala no poder, fazendo contrastar o seu discurso
revolucionário com uma prática desastrosa na governação do país,
é visitada pela pluma atenta do escritor. O seu romance “Mistida”
publicado um ano antes do início da guerra civil de 1998/1999 é
considerada pelos críticos literários como uma obra profética.
Em 1997, Carlos Lopes, autor de numerosas obras de caracter
histórico, sociológico e político, inaugura a sua incursão na
literatura nacional com a publicação de “Corte Geral”, uma
recolha de crónicas, na qual, com muito humor, descreve situações
reveladoras do surrealismo que caracteriza a sociedade guineense
de todos os tempos.
Um outro escritor se impõe em 1998 na cena literária : Filinto
Barros, com o seu primeiro romance “Kikia Matcho », que
mergulha o leitor no mundo mágico e místico africano, abordando
a vida decadente da capital nos anos 1990 e o sonho falhado que
representa a emigração.
Em 1999, Filomena Embaló publicou também o seu primeiro
romance, “Tiara”, que levanta o véu do delicado tema da
integração familiar e social no seio da própria sociedade africana.
Carlos Edmilson Vieira, em 2000, editou « Contos de N’Nori »,
uma recolha de contos que evocam lendas e costumes populares,
Centro de Ensino à Distância 96

recordações de brincadeiras da juventude e as vicissitudes sociais


e políticas da sociedade guineense.
Constata-se que a literatura contemporânea bissau-guineense, nas
suas diversas formas, tem uma constante : pela pluma dos seus
escritores, ela retrata as desilusões, os medos e as aspirações da
população perante a situação política, social e económica que
prevalece no país

Exercícios

1. Fale da simbologia da antologia eco do Pranto;


2. Resuma o contributo da eco do pranto para a poesia dos
anos 90
Centro de Ensino à Distância 97

Unidade 23. A Nova poesia Guineense: Hélder Proença

Introdução
De entre os poetas revelados nas primeiras antologias referidas,
poucos prosseguiram o ofício, com poesia dispersa. Hélder
Proença é um deles, publicando, em 1982, Não posso adiar a
palavra, revelando-se, então com 26 anos, um poeta
«amadurecido» pelo tempo e pela visão desapaixonada do
momento.

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

 Relacionar a ideologia da antologia com a temática


presente na poesia de Hélder Proença.

Escritor da Guiné–Bissau, envolveu–se, nos anos 70, no


movimento independentista do seu país, abandonando os estudos
liceais e partindo para a guerrilha em 1973. Após o 25 de Abril,
regressou a Bissau, prosseguindo os seus estudos.
Foi responsável-adjunto pelo sector de educação na região de
Bolama e professor de história. Frequentou, em 1979 e 1980, um
curso de Planificação Regional no Rio de Janeiro. De regresso à
Guiné, trabalhou como quadro no ministério da cultura, sendo
ainda deputado na Assembleia Nacional Popular e membro do
Comité Central do PAIGC.
Tem colaboração nas publicações Raízes (cabo-verdiana), África
(portuguesa), Libertação e O Militante, estas duas ligadas ao
PAIGC.
Hélder Proença começou por se dedicar à literatura era ainda
adolescente, escrevendo poemas anticolonialistas, de afirmação da
identidade nacional, que acompanharam a sua actividade política.
Os textos desta fase foram reunidos no volume Não Posso Adiar a
Palavra, editado apenas em 1982. Este carácter panfletário foi-se
atenuando progressivamente, embora o autor nunca tenha
descurado uma vertente de intervenção política e social.
Considerado uma das grandes figuras da nova literatura guineense,
escrevendo tanto em português como em crioulo, foi o co-
organizador e prefaciador da primeira antologia poética do seu
país Mantenhas Para Quem Luta! (1977). Alguma da sua produção
continua inédita.
Centro de Ensino à Distância 98

Sem se desvincular da enunciação ideológica (alguns poemas já


haviam sido publicados), a sua poesia já evidencia, de maneira
sugestiva, o labor consciente que se manifesta nos níveis
formalizantes da mensagem literária: a concertação tecida da
matéria sonora, das imagens e da rítmica e até da utilização gráfica
da página. Nessa performance técnico-formal, o tecido social e
ideológico engendra uma linguagem simbólica, transfigurada do
real, mas ainda vinculadamente radicada nele. Mas até os temas se
diversificam: além da celebração da pátria e dos heróis, o
sentimento pátrio harmoniza-se com o amoroso e até o erótico e o
sujeito é, então, simultaneamente aquele que pensa e sente, ama e
odeia, ri e chora. É a catarse dos lugares comuns e o triunfo do
homem pleno que se deixa envolver pelo fascínio da volúpia e se
verticaliza na reivindicação de uma pátria de cidadãos
individualizados.
O próprio macrotexto convida-nos a essa procura de discursos
paralelos. Divide-se em três partes: «As trincheiras também
cantam, amor», «Entre mim e o canto, a poesia» e «Vem, Pátria,
nesta proposta do amanhecer». E o último poema é também um
manifesto: «Juramento».

Exercícios

1. Refira-se às temáticas presentes na poesia de Hélder


Proença
2. Relacione a ideologia da antologia Mantenhas para quem
luta!
Centro de Ensino à Distância 99

Unidade 24. Novas Perspectivas da literatura Guineense.

Introdução

Os especialistas de poesia africana de expressão lusófona têm em


alta estima os escritos de Hélder Proença, vendo nele o promotor
por excelência da literatura da Guiné-Bissau. Interpretação
problemática, visto que, segundo Manuel Ferreira, essa literatura
se caracteriza sobretudo pela sua quase-inexistência e pela
dispersão extrema dos contos ou provérbios que a constituem.

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:


 Dimensionar a recensão crítica da poesia guineense;
 Analisar as perpectivas da nova poesia guineense.
 Analisar as marcas do “eu poético”.

RECENSÃO CRÍTICA
A publicação desta colectânea dá seguimento a textos publicados
em 1977 em Mantenhas para Quem Luta! (A Nova Poesia da
Guiné-Bissau) e desenvolve os seus temas primaciais. A palavra-
chave é, naturalmente, o termo povo, cujo significado de
denotação abrange todas as vítimas da opressão estrangeira, mas
cuja carga conotativa é muito mais ampla. Nela se integram todos
os valores morais individuais: esperança irrecusável em “um
amanhecer diferente” certeza de promover uma pátria do humano,
modelo ideal de toda e qualquer comunidade humana: “Nós
avançamos no lamaçal quente da história / mas firmemente nos
nossos passos.” crença na positividade do ardor revolucionário:
“Nós somos / aqueles que dia e noite / fazem com suas mãos / os
alicerces da vida”; e isso permite “olhar com confiança / o
amanhã que hoje construímos”, em pugnacidade contra todas as
formas da exploração humana: “porque o povo jamais dormiu no
silêncio!”
Ante esta poesia, porém, situamo-nos nos antípodas duma visão
idealista e moralística do povo, como a que é perfilhada, por
exemplo, por Michelet. É evidente que, para o autor, a ideia de
povo se identifica, como em natural osmose, com o PAIGC. Um
poema é a este dirigido como homenagem e Amílcar Cabral é
lembrado como ponto de mira duma poesia cantada, duma poesia-
acção, destinada a alimentar o entusiasmo popular e a cobri-lo de
glória .O Partido é o indispensável catalisador que converte em
Centro de Ensino à Distância 100

actos as virtudes inerentes às massas. Sem ele nenhuma


progressão seria possível — e daí a ansiedade que toma o
militante na expectativa duma decisão importante dos dirigentes.
Em tal situação, o artista não pode fazer mais do que dedicar-se de
corpo e alma à causa do povo (ou do Partido). Galvanizar as
energias, mobilizá-las na luta contra o invasor, incitar os
camponeses-guerrilheiros à firmeza com a esperança num
«amanhecer diferente» — esses são os temas dominantes dos
versos, que no entanto não se confundem com o discurso da
propaganda revolucionária. Não são formuladas palavras de ordem
para o dia a dia, não se denuncia ninguém à vindicta popular. E a
visão é, de facto, muito mais ampla do que isso. Traz a marca
duma metafísica popular que desvenda a “harmonia maravilhosa /
da morte e nascimento” e, através dela, a contribuição da
degenerescência física para a regeneração das forças naturais. Essa
ideia relaciona-se, aliás, com o ideal revolucionário, para o qual a
morte individual contribui para preparar a vitória final: “prontos a
morrer hoje / para ressuscitar amanhã / no festim do povo. O
combatente, com a consciência da sua pequenez pessoal, ignora o
sentimento da morte desde o momento em que pensa em si mesmo
como um do da cadeia revolucionaria (ver L’Espoir de Malraux).
Esta poesia, que assim reforça o discurso dos combatentes,
desenvolvendo ao máximo o seu aspecto ético e humanitário, não
é nova para o leitor ocidental. Éluard, Aragon, também sentiram a
urgência de pôr os seus dotes de escritores ao serviço de um
empenhamento político e ideológico, quando de situações em que
os homens confrontavam os seus pontos de vista mesmo na tortura
e nos massacres. Assim se forjou a apologia incondicional dos
Partidos Comunistas francês ou soviético por Aragon (La Diane
Française, Hourrah I’Oural).
A opção por um campo ideológico, nestes poetas franceses, foi a
condição que tornou possível a ressurreição de um género épico
que havia sido posto de parte desde Victor Hugo. O mesmo não se
pode dizer de Hélder Proença, para quem o alistamento pessoal
sob a bandeira do PAIGC motivou versos de evidenciada
sensaboria, como estes: “Ter confiança no Partido / é desbravar o
mato de injustiça, abusos e humilhações / é aproximar a
madrugada que além aponta / é ter em nós a certeza na vitória!” A
palavra de ordem política nunca pôde tomar o lugar da inovação
poética.
Mas também quando Proença põe de lado o desígnio de
propaganda para nos fazer compartilhar o seu sentimento amoroso
incorre por vezes numa puerilidade exemplar: “Quando teu olhar
/ se afoga / na sensibilidade do meu sorriso / e palavras enlutadas
de rosas / se congelam / no divórcio das nossas línguas / descubro
no Himalaia do teu corpo / o crepúsculo incomunicável do
inverno Moscovita.” Estamos aqui muito longe dos achados de
linguagem de Aragon quando canta a sua devoção a Elsa ou de
Centro de Ensino à Distância 101

Paul Éluard ao escrever sobre a morte de sua mulher Nush: “Mon


amour si léger prend le poids d’un supplice”.
Poderá objectar-se que Proença perfilha uma visão universalizante
dos acontecimentos e por aí ultrapassa os limites histórico-
geográficos da causa que defende: a luta pela libertação travada na
Guiné-Bissau toma o valor de exemplo ao realizar-se na ordem e
no respeito sacrossanto pela liberdade. Inscreve-se desse modo
num passado imemorial de lutas contra as dominações
estrangeiras. A “Ode a Abomey” que é sem dúvida um dos
melhores momentos do livro, presta homenagem ao rei do Daomé,
Behanzin, pela sua “rebelião” e a sua “insubmissão”, com a
crença num “maravilhoso paraíso onde impera / a liberdade, o
trabalho e a felicidade!” . Decerto que o tempo do combate é o da
euforia sem nuvens; mas ninguém ignora que, passado esse tempo,
a reconstrução do país levanta dolorosos problemas e que a alegria
popular dá lugar às desilusões ante aquilo mesmo que era objecto
duma sacralização generalizada.

Exercícios

1. Refira-se ao lirismo presente na poema abaixo de


Hélder Proença.

Quando te propus
um amanhecer diferente
a terra ainda fervia em lavas
e os homens ainda eram bestas ferozes

Quando te propus
a conquista do futuro
vazias eram as mãos

negras como breu o silêncio da resposta

Quando te propus
o acumular de forças
o sangue nómada e igual
coagulava em todos os cárceres
em toda a terra
e em todos os homens

Quando te propus
um amanhecer diferente, amor
a eternidade voraz das nossas dores
era igual a «Deus Pai todo poderoso criador dos céus e da
terra»
Centro de Ensino à Distância 102

Quando te propus
olhos secos, pés na terra, e convicção firme
surdos eram os céus e a terra
receptivos as balas e punhais
as amaldiçoavam cada existência nossa
Quando te propus
abraçar a história, amor
tantas foram as esperanças comidas
insondável a fé forjada
no extenso breu de canto e morte

Foi assim que te propus


no circuito de lágrimas e fogo, Povo meu
o hastear eterno do nosso sangue
para um amanhecer diferente!

2. Explicite a repetição do verso “Quando te propus”


Centro de Ensino à Distância 103

Bibliografia Básica

ALCÂNTRA, Oswaldo, Cântico da Manhã Futura, Lisboa ALAC.


FERREIRA, Manuel, No Reino de Caliban I (Cabo Verde e Guiné Bissau), Lisboa,
Seara Nova
FERREIRA, Manuel, No Reino de Caliban II (Angola e S. Tomé e Príncipe),
Lisboa, Seara Nova.
LARANJEIRA, J. L. Pires, Literaturas Africanas de Expressão portuguesa, Lisboa,
Universidade Aberta, 1992.
MARIGARIDON, Alfredo , Estudos sobre Literaturas das Nações Africanas de
Língua Portuguesa, Lisboa Regra do Jogo.

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