Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
DOI: 10.5935/2238-3182.20150096
RESUMO
Médica Pediatra. Residente de Gastroenterologia Pediá- A halência hepática aguda (FHA) é uma condição rara, mas devastadora, que
1
ABSTRACT
The Acute Liver Failure (ALF) is a rare but devastating condition that can lead to
multiple organ failure and death as its natural course. Intensive therapy and liver
transplantation have changed its natural history and raised survival rates. ALF usually
presents in a previously healthy child who initiates with unspecific symptoms of vari-
able duration and then evolve with jaundice, vomiting, hypoglycemia and seizures,
when the clinical syndrome becomes evident. The etiologic diagnosis is important
because some diseases have specific treatments. However in 50% of the cases a
specific diagnosis is not estabilished. The criteria for diagnosing ALF is biochemical
evidence of acute hepatic failure without signs of chronic liver disease associated with
coagulopathy non responsive to vitamin K (INR>1,5 with encephalopathy or INR>2
regardless the presence of encephalopathy signs). The time between the initial symp-
Instituição: toms and the development of encephalopathy must be less than 8 weeks. Recognizing
Hospital Júlia Kubitschek da FHEMIG and referring the patient for a reference center must be a priority. The need for liver
Belo Horizonte, MG – Brasil
transplantation should be periodically assessed. Intensive multidisciplinary care is
Autor correspondente: essential for survival.
Gustavo Henrique Silva
E-mail: gustavohenrique_s@yahoo.com.br Key words: Liver Failure, Acute; Child; Adolescent; Intensive Care.
INTRODUÇÃO DISCUSSÃO
Outras etiologias descritas são as infecções por ví- cio, fósforo, magnésio), bicarbonato, lactato, gasometria
rus Epstein Barr, citomegalovírus, hepatite B, hepatites arterial (a cada 12 horas).
não A e não B, intoxicações por outras substâncias sabi- Na avaliação neurológica, se disponível, deve ser reali-
damente hepatotóxicas ou reações idiossincráticas, mi- zado EEG à admissão para parâmetro de controles subse-
tocondriopatias, defeitos da síntese de ácidos biliares, quentes e, dependendo da avaliação clínica e necessidade
doenças do ciclo da ureia, intolerância hereditária à para esclarecimento diagnóstico, tomografia computado-
frutose, síndrome hemofagocítica, deficiência de alfa-1 rizada ou ressonância magnética podem ser necessárias.
antitripsina, síndrome de Budd-Chiari, cardiopatia con- Em todos os pacientes é importante buscar a etiologia.
gênita, asfixia grave, entre outras.3 Assim, quando da avaliação etiológica, os seguintes exa-
mes devem ser solicitados: ceruloplasmina, cobre sérico,
fator antinuclear (FAN), antimúsculo-liso (AML), antiLKM1,
Propedêutica na FHA eletroforese de imunoglobulinas, amilase, lipase, anti-HAV
IgM e IgG, anti-HBc IgM e total, HbsAg, anti-HCV, anti-HEV,
Na avaliação inicial os seguintes exames devem ser EBV, citomegalovírus, herpes simples, HIV, análise toxico-
solicitados: bilirrubinas, hemograma com plaquetas, lógica, alfa-1-antripsina sérica, ferritina, ferro e transferrina.
aminotransferases, fosfatase alcalina, GGT, albumina, Conservar pelo menos dois frascos com 5 mL de soro do
ureia, creatinina, amônia, TTPA, RNI, tempo de protrom- paciente, colhido à admissão, para exames posteriores que
bina, colesterol total, fator V ou VII (a cada 24 horas), se fizerem necessários (freezer a -20oC). Na avaliação uri-
grupo sanguíneo, fator Rh. A avaliação de hemocultura, nária solicitar análise toxicológica, cromatografia de ami-
urocultura, Rx tórax e US com doppler hepático, deve- noácidos, succinilacetona, dosagem cobre em urina de 24
rão ser avaliados de acordo com a necessidade. horas, ácidos orgânicos e pesquisa de açúcares redutores.
Na monitoração e seguimento do paciente deve-se A avaliação histológica do fígado não costuma ser
avaliar: glicemia a cada seis ou duas horas se distúrbios realizada, por ser de pouca utilidade para o diagnósti-
glicêmicos presentes, íons (sódio, potássio, cloro, cál- co e porque a coagulopatia contraindicaria a biópsia.
pelo hematologista, uma vez que a recuperação espon- azotemia pré-renal, necrose tubular aguda e síndrome
tânea pode não ocorrer e o transplante de medula óssea hepatorrenal. Esta última, embora mais rara, deve ser
pode ser necessário.1 controlada com o uso de terlipressina ou noradrenalina
associada à albumina até que o transplante seja concre-
tizado. Quando indicada, a terapia de substituição renal
Gastrintestinal não deve ser adiada.1,2,10
melhor controle do fluxo capilar cerebral. Sugere-se predição atualmente disponíveis falham por não conse-
manter os seguintes parâmetros: temperatura corporal guirem refletir a relação dinâmica e complexa existente
central 35-36°C, SatO2>95%, AH 85-95% da manutenção, entre os múltiplos fatores envolvidos. Os métodos-pa-
PAD>40 mmHg, elevação da cabeceira a 20-30º e seda- drão utilizados em adultos, como os critérios do King’s
ção adequada. Manter normoglicemia e normocapnia. College e os critérios de Clichy, não possuem boa acurá-
As medidas específicas para redução do edema cere- cia para aplicação em crianças, principalmente devido
bral incluem solução salina hipertônica a 3% para man- ao baixo valor preditivo negativo.1,2,5,14
ter o sódio sérico entre 145 e 150 mEq/L e manitol 20% Um guia de predição prognóstica baseado em unida-
na dose de 0,5 a 1 g/kg endovenoso com o objetivo de des de lesão hepática (LIU) foi derivado e validado para
criar um gradiente osmótico favorável para extrair água a estratificação da gravidade da FHA pediátrica de acor-
livre das células cerebrais e induzir diurese osmótica.10,11 do com o risco de mortalidade. Esse escore utiliza três
parâmetros bioquímicos (bilirrubina total, RNI/tempo de
protrombina e amônia) e apresentou o maior valor pre-
Outras medidas ditivo positivo quando foram considerados para o cálcu-
lo os valores mais altos atingidos durante a internação.
A N-acetil-cisteína (NAC) restabelece os estoques A acurácia para predição de morte ou necessidade de
mitocondriais e citossólicos de glutationa e é considera- transplante em quatro semanas foi de 86,3%; baixo risco
da o tratamento de escolha para a intoxicação por ace- de morte ou transplante hepático (LIU < 209) e alto risco
taminofeno. Alguns estudos realizados em adultos su- de morte ou transplante hepático (LIU > 370).14,15
geriram o benefício de seu uso em pacientes com FHA
de qualquer etiologia e a NAC endovenosa passou a ser
incorporada ao tratamento geral da FHA em alguns cen- LIU = 3.507 x BbTmáx. (mg/dl) + 45.51 x RNI máx. + 0.254 x NH3 máx.
dadosa dos candidatos é essencial para minimizar os ris- morbidades associadas são algumas das questões que
cos de se indicar o procedimento desnecessariamente.5 permeiam as decisões clínicas.3
Os resultados pós-transplante na FHA pediátrica
são piores quando comparados aos de crianças hepa-
topatas crônicas ou aos adultos com FHA, mas têm sido REFERÊNCIAS
melhora, provavelmente, devido à maior ocorrência de
transplantes intervivos. Essa opção torna-se extrema- 1. Mouzaki M, Ng VL. Acute Liver Failure In Children. Elsevier Inc.
2010; 11(3):198-206.
mente válida por reduzir o tempo de espera pelo órgão
diante de uma doença de evolução rápida e devastado- 2. Devictor D, Tissieres P, Afanetti M, Debray D. Acute liver failure in
children. Clin Res Hepatol Gastroenterol. 2011; 35:430-7.
ra, mas está relacionada a dilemas éticos associados
3. Suchy FJ, Sokol RJ, Balistreri WF. Liver disease in children. 4a ed.
aos riscos, ainda que reduzidos, impostos ao doador.10,17
New York: Cambridge University Press; 2014.
Em 11-20% dos casos pode haver contraindicações ao
4. Acute liver failure in children: Etiology and evaluation. Litera-
procedimento, em geral relacionadas à doença de base
ture review current through. UptoDate. [Citado em 2015 Jul 7].
(não passível de cura com o transplante) ou à gravidade Disponível em: www.uptodate.com.
do quadro clínico (risco aumentado de desfechos ne- 5. Dhawan A. Acute liver failure in children and adolescents. Clin
gativos). Contraindicações absolutas são midríase fixa, Res Hepatol Gastroenterol. 2012; 36:278-83.
sepse não controlada, doença mitocondrial ou metabóli- 6. Lopriore E, Mearin ML, Oepkes D, Devlieger R, Whitington PF. Ne-
ca sistêmica, insuficiência respiratória grave. Contraindi- onatal hemochromatosis: management, outcome, and preven-
cações relativas são necessidade de suporte inotrópico tion. Prenat Diagn. 2013; 33(13):1221-5.
progressivo, infecção em tratamento, pressão de perfu- 7. Andrade Filho A, Campolina D, Dias MB. Toxicologia na prática
são cerebral abaixo de 40 mmHg por mais de duas horas clínica. Belo Horizonte: Folium; 2001.
e complicações neurológicas graves ou progressivas.2,5 8. Takemoto CK, Hodding JH, Kraus DM. Pediatric and Neonatal
Entre os pacientes pediátricos transplantados por Dosage Handbook. 21ª ed. Ohio: Hudson; 2014.
FHA os resultados descritos revelam sobrevida de até 9. European Association for the Study of the Liver- EASL. Clinical
Practice Guidelines: Autoimmune hepatitis. J Hepatol. 2015;
74% em um ano e 69% em quatro anos.10
63:971-1004.
10. Acute liver failure in children: Management. UptoDate. [Citado
em 2015 Jul 7]. Disponível em: www.uptodate.com.
CONCLUSÃO
11. Larsen FS,Wendon J. Prevention and management of brain edema
in patients with acute liver failure. Liver Transpl. 2008; 14(1):90-6.
A FHA é uma condição complexa, com muitas etio-
12. Squires RH, Dhawan A, Alonso E, Narkewicz MR, Shneider BL,
logias possíveis, podendo ser um desfecho comum de Rodriguez-Baez N, et al. Intravenous N-acetylcysteine in Pedia-
diversas situações. Deve ser identificada rapidamente tric Patients with Non-Acetaminophen Acute Liver Failure: a
visando à abordagem precoce das causas tratáveis, o placebo-controlled clinical trial. Hepatology. 2013; 57(4):1542-9.
manejo das complicações e a indicação do transplante 13. Kortsalioudaki C, Taylon RM, Cheeseman P, Bansal S, Mieli-Ver-
no tempo adequado. Ainda hoje, apesar dos avanços gani G, Dhawan A. Safety and Efficacy of N-Acetylcysteine in
Children With Non-Acetaminophen-Induced Acute Liver Failure.
envolvendo o cuidado intensivo e as técnicas de trans-
Liver Transpl. 2008; 14(1):25-30.
plante hepático, os resultados, em geral, permanecem
14. Sturm E, Lexmond WS, Verkade HJ. Pediatric acute liver failure:
ruins, com alta mortalidade.3,4,14
variations in referral timing are associated with disease sub-
A baixa qualidade das evidências científicas dispo- types. Eur J Pediatr. 2015; 174:169-75.
níveis para Pediatria traz sérias responsabilidades aos
15. Lu BR, Gralla J, Liu E, Dobyns EL, Narkewicz MR, Sokol RJ. Evalua-
médicos assistentes, fazendo-se necessário o acom- tion of a Scoring System for Assessing Prognosis in Pediatric Acu-
panhamento multidisciplinar desses pacientes para a te Liver Failure. Clin Gastroenterol Hepatol. 2008; 6(10):1140-5.
construção de uma abordagem individualizada. Reco- 16. Squires RH, Shneider BL, Bucuvalas J, Alonso E, Sokol RJ, Na-
menda-se a participação do hepatologista pediatra, do rkewicz MR, et al. Acute Liver Failure in Children: the first 348
intensivista e da equipe de transplante hepático nas es- patients in the Pediatric Acute Liver Failure Study Group. J Pe-
diatr. 2006; 148:652-8.
colhas que envolvem a condução dos casos. A etiologia
tratável, a possibilidade de recuperação com o fígado 17. Oh SH, Kim KM, Kim DY, Kim Y, Song SM, Lee YJ, et al. Improved
Outcomes in Liver Transplantation in Children With Acute Liver
nativo, o risco de deterioração sem transplante e as co-
Failure. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2014; 58:68-73.