Você está na página 1de 9

Elementos do grupo VIIIA: Gases nobres ou raros (He, Ne, Ar, Kr, Xe e Rn)

Características Gerais do Grupo e Ocorrência

Este grupo é conhecido como o grupo dos gases nobres ou raros ou ainda inertes. Com excepção
do hélio que tem a configuração 1s2, os elementos VIIIA têm oito electrões de valência, o que
tem sido considerado como razão para que estes elementos sejam praticamente não reactivos.
Daí o nome gases inertes. Apesar de já serem conhecidos alguns compostos de xénon, o que
mostra uma certa reactividade dos elementos VIIIA, a designação gases inertes continua sendo
mantida.

O hélio é formado no interior da crosta terrestre, a partir de átomos mais pesados, como o urânio
e o tório, pelo processo de desintegração nuclear. O átmo de hélio é formado por uma partícula
alfa(dois protões, dois neutrões e dois electrões). Os átomos de hélio são muito leves e atingem
facilmente a atmosfera terrestre, tendendo a se perder no espaço. Por isso, este gás está presente
em mínimas quantidades no ar atmosférico, mas é o principal componente de estrelas como o
sol, onde é produzido pela fusão nuclear de átomos de hidrogénio.

O néon, o árgon, o xénon e o krípton existem em mínimas quantidades no ar atmosférico, donde


são isolados, normalmente por destilação fraccionada do ar líquido: inicialmente condensa-se o
ar atmosférico; depois de o tornar líquido, realiza-se a destilação fraccionada.

O rádon é radioactivo, e como tal desintegra-se. Também é obtido por desintegração nuclear de
átomos pesados, nomeadamente um isótopo de urânio.

Os gases nobres têm energias de afinidade electrónica e de ligação nulas, existindo por isso na
forma de átomos livres. As configurações electrónicas das camadas de valência e algumas
propriedades físicas dos elementos deste grupo são:

1 Adélio Cônsula Química Inorgânica I - 2016


Elementos He Ne Ar Kr Xe Rn

Estrutura electrónica 1s2 2s22p6 3s23p6 4s24p6 5s25p6 6s26p6

Raio atómico (nm) 0,122 0,160 0,192 0,198 0,218 …

Energia da 1ª ionização (eV) 24,59 21,56 15,76 14,00 12,13 10,75

Ponto de fusão (oC) -271,4 -248,6 -189,3 -157,4 -111,9 -71

Ponto de ebulição (oC) -268,9 -246,0 -185,9 -153,2 -108,1 -61,9

Os pontos de fusão e de ebulição dos gases nobres são baixos, o que está de acordo com as suas
energias de ligação nulas e com o seu estado físico gasoso. O hélio tem o ponto de ebulição mais
baixo de todas as substâncias químicas. As energias de ionização dos gases nobres são altas, o
que é justificado pela grande estabilidade desses elementos que possuem um octecto de electrões
de valência.

Aplicações

O hélio tem uma densidade inferior a do ar, sendo por isso usado em balões flutuantes, à
semelhança do hidrogénio. Mas o maior uso que o hélio encontra é no estado líquido, como
agente de arrefecimento de equipamentos como o espectrofotómetro de RMN. Também é
utilizado em mistura com o O2 nos balões de oxigénio de mergulhadores, entre outras aplicações.

A maior aplicação do néon é na produção de anúncios luminosos, pela agradável luz vermelho-
alaranjada que emite quando atravessado por uma corrente eléctrica. Em mistura com outros
gases, a coloração pode assumir outras tonalidades. O árgon substitui o hélio na soldadura de
alguns metais. Serve também para criar uma atmosfera inerte para a fusão de materiais que, a
altas temperaturas, oxidar-se-iam pelo ar. Não se conhecem aplicações vantajosas do krípton.

O emprego mais importante do xénon e no fabrico de flashes electrónicos, em fotografia. Ao ser


atravessado por uma corrente eléctrica, esse gás emite uma luminosidade intensa, adequada para

2 Adélio Cônsula Química Inorgânica I - 2016


a filmagem e produção de películas cinematográficas coloridas. Também se usa em algumas
iluminações urbanas, devido ao seu elevado rendimento (cerca de 5 vezes maior) quando
comparados a lâmpadas de filamentos incandescentes.

O rádon ainda não possui nenhuma grande aplicação, mas graças às suas características
radioactivas, vai servindo para a determinação da idade das rochas.

Propriedades químicas do xénon

Até 1962 dizia-se que os gases raros não reagiam. Neil Bartlett, numa atitude extraordinária de
questionamento e teste dessa teoria já aceite, realizou a reacção:

Xe + PtF6 → Xe[PtF6]

O que inspirou Bartlett a tentar essa reacção foi a similaridade entre a energia de ionização de
xénon e oxigénio. Ele acabava de fazer reagir O2 com PtF6, obtendo o hexafluoroplatinato (V) de
dioxigenilo, O2+[PtF6]-. Pouco tempo depois, outros investigadores observaram que o xénon e
flúor reagem à 400oC.

Xe + 2F2 → XeF4

Em outras condições experimentais, cuidadosamente controladas, podem obter-se a partir dessa


reacção XeF2 e XeF6.

Também reagem semelhantemente com xénon os hexafluoretos PuF6, RuF6 e RhF6; os produtos
são Xe[PuF6], Xe[RuF6] e Xe[RhF6], respectivamente.

As energias de ionização do He, Ne e Ar são maiores que as do xénon e não permitem a


formação de compostos similares. Porém, o Kr e Rn parecem formar compostos análogos.

O xénon somente reage directamente com o flúor. Os compostos oxigenados de xénon podem ser
obtidos a partir dos fluoretos de xénon.

3 Adélio Cônsula Química Inorgânica I - 2016


Compostos de Xénon

Os compostos de xénon, que somam várias dezenas compreendem hexafluorometalatos de


xénon, fluoretos, óxidos, oxifluoretos e derivados diversos.

a) Hexafluorometalatos de xénon

O hexafluoroplatinato (V) de xénon, XePtF6, é um sólido amarelo-alaranjado, insolúvel em CCl4,


que sublima “no vácuo” quando aquecido. O sublimado hidrolisa rapidamente com vapor
d’água:

2XePtF6 + 6H2O → 2Xe + O2 + 2PtO2 + 12HF

Decompõe-se acima de 160oC dando xénon e um sólido vermelho com a composição Xe(PtF6)2.

b) Fluoretos simples e derivados

O difluoreto de xénon, XeF2, é um sólido transparente, com cheiro nauseabundo, que funde a
140oC; o líquido pode ser superesfriado a 50oC sem solidificar. A molécula XeF2 é linear tanto
no estado sólido como no estado gasoso. O XeF2 é reduzido pelo hidrogénio a 400oC:

XeF2 + H2 → Xe + 2HF

Dissolve-se em água dando moléculas XeF2 não dissociadas, com vida-média de 7 horas a 0oC,
que eventualmente se decompõem em Xe e HF.

O difluoreto de xénon origina compostos de adição com tri- e pentafluoretos de numerosos


elementos, tais como: XeF2 . BF3, 2XeF2 . BF3; XeF2 . PF5, 2XeF2 . PF5; XeF2 . 2IF5; XeF2 . MF5
(M = As, Ta, Nb, Ru, Os, Ir e Pt); XeF2 . 2MF5 (M = Sb, Ta, Nb, Ru, Ir e Pt); 2XeF2 . MF5 (M =
As, Ru, Os, Ir e Pt).

O tetrafluoreto de xénon, XeF4, é um sólido cristalino incolor, com pressão de vapor de 2,5
mmHg a 25oC. A modificação estável à temperatura ambiente é tetragonal, mas existe uma
modificação de baixa temperatura, mais densa, monoclínica. A difracção de neutrões mostrou
que a molécula XeF4, no estado sólido, é plana quadrada.

4 Adélio Cônsula Química Inorgânica I - 2016


Amostras de XeF4 não apresentam sinais de decomposição ou reacção após 6 meses de
conservação em recipientes de vidro de borossilicato à temperatura ambiente. O XeF4 dissolve-
se, sem reacção, em fluoreto de higrogénio anidro e, com reacção, em benzeno. É um agente de
fluoração moderadamente forte. É completamente reduzido por excesso de hidrogénio a 400oC:

XeF4 + 2H2 → Xe + 4HF

A hidrólise de XeF4 em NaOH 6M liberta quantidades aproximadamente quantitativas de O2 e


Xe; em H2SO4 3M, apenas 52% de O2 e 72% de Xe; em água apenas 40-50% de O2. As soluções
resultantes contêm uma espécie Xe (VI) muito solúvel. A espécie Xe (VI) é muito estável em
solução ácida. A hidrólise de XeF4 ao ar origina XeO3, explosivo.

O hexafluoreto de xénon, XeF6, é um sólido cristalino incolor, que funde a 46oC dando um
líquido amarelo. A pressão de vapor do sólido é 7,5 mmHg a 0oC e 30 mmHg a 25oC. Um estudo
comparativo dos fluoretos XeF6 e TeF6, por difracção de electrões, indicou que a molécula do
composto de xénon não é um octaedro regular.

O XeF6 é estável à temperatura ambiente. A hidrólise com uma quantidade equimolar de água
ocorre segundo a equação:

XeF6 + H2O → XeOF4 + 2HF

A hidrólise lenta e completa dá o trióxido:

XeF6 + 3H2O → XeO3 + 6HF

A reacção de XeF6 com solução de NaOH 1N permite obter um sólido cristalino contendo xénon
(VIII), o perxenato de sódio, Na4XeO6 . 8H2O.

O XeF6 reage rapidamente com dióxido de silício segundo a equação:

2XeF6 + SiO2 → SiF4 + 2XeOF4

O XeF6 reage à temperatura ambiente com BF3 e AsF5 dando compostos de adição 1:1, sólidos.
O XeF6 também origina os compostos de adição 2XeF6 . VF5 e 4XeF6 . GeF4, 2XeF6 . GeF4, e
.
XeF6 GeF4. Com CsF, forma-se CsXeF7, amarelo, que origina Cs2XeF8 acima de 20oC; os
compostos Cs2XeF8 e Rb2XeF8 são os mais estáveis dos compostos de xénon conhecidos.

5 Adélio Cônsula Química Inorgânica I - 2016


c) Óxidos simples e derivados

São conhecidos os óxidos simples XeO3 e XeO4, bem como os ácidos correspondentes e seus
sais.

O trióxido de xénon, XeO3, é um sólido cristalino branco, não volátil, que, como composto
fortemente endotérmico, explode facilmente. A célula unitária do XeO3 é ortorrômbica e a
molécula, uma pirâmide trigonal.

A instabilidade do XeO3 aumenta quando a humidade relativa excede 20%; para mais de 25% de
humidade, o trióxido deliquesce. Ao trióxido corresponde o ácido xenónico, Xe(OH)6, que é um
ácido muito fraco. Sais do ácido xenónico ou xenatos são obtidos por adição de álcali a uma
solução do ácido.

Xe(OH)6 + 3Ba(OH)2 → Ba3XeO6 + 6H2O; a 0oC

O produto, xenato de bário, começa a decompor-se a 125oC e a decomposição se completa a


250oC.

O tetróxido de xénon, XeO4, é obtido com lenta adição de perxenato de sódio, Na4XeO6, a H2SO4
a -5oC “no vácuo” e em ausência de oxigénio.

Na4XeO6 + 2H2SO4 → XeO4 + 2Na2SO4 + 2H2O

Também são conhecidos o ácido perxénico, H4XeO6, e sais como perxenato de prata, Ag4XeO6.
Os estudos com raios-X dos hidratos Na4XeO6 . 6H2O, Na4XeO6 . 8H2O e K4XeO6 . 9H2O, todos
ortorrômbicos, indicaram que o ião XeO64- é um octaedro quase regular.

d) Oxifluoretos e derivados

São conhecidos os compostos XeOF4 e XeO2F2.

O oxitetrafluoreto de xénon, XeOF4, é um líquido incolor, que congela a -46,2oC, miscível com
.
HF anidro. Com os fluoretos dos metais alcalinos mais pesados forma os complexos CsF

6 Adélio Cônsula Química Inorgânica I - 2016


XeOF4, 3RbF . 2XeOF4 e 3KF . XeOF4 e reage com SbF5 dando XeOF4 . 2SbF5, pelo processo
similar obtém-se o composto de adição 2XeOF4 . VF5.

O dioxidifluoreto de xénon, XeO2F2, é obtido mediante destilação de XeOF4 sobre XeO3. O


produto resultante – uma mistura de XeO2F2, XeOF4 e XeF6 – é submetida a uma destilação
fraccionada e o XeO2F2 purificado no espectrógrafo de massa. Este último forma cristais
incolores à temperatura ambiente.

Compostos de Crípton

Do crípton, gás nobre imediatamente mais leve do que o xénon, são conhecidos poucos
compostos.

O difluoreto de crípton, KrF2, obtido pela primeira vez em quantidades mínimas, mediante uma
reacção fotoquímica de flúor com crípton embebendo uma matriz de árgon a 20 K. Quantidades
maiores ( 100 mg) de KrF2 foram obtidas, posteriormente, irradiando uma mistura dos
elementos com um feixe de electrões (1,5 Mev) a 123K. O KrF2 também pode ser obtido
passando uma descarga eléctrica através de uma mistura dos elementos a baixa pressão ( 20
mmHg) e baixa temperatura (-183oC).

O KrF2 é um sólido cristalino branco, que sublima a temperaturas abaixo de 0oC e pode ser
manipulado a seco em recipiente de vidro Pyrex. É um enérgico agente de fluoração, que pode
ser conservado à temperatura do gelo seco. À temperatura ambiente ocorre decomposição
espontânea. A molécula KrF2 é linear.

O KrF2 reage com SbF5 a -20oC originando KrF2 . 2SbF5, um composto extremamente explosivo.

7 Adélio Cônsula Química Inorgânica I - 2016


Compostos de Rádon

O rádon, por ser o gás nobre mais pesado, deveria formar compostos com maior facilidade do
que o xénon. Há, entretanto, com aquele gás nobre uma dificuldade de outra ordem. O nuclídeo
222
Rn, isótopo do rádon de mais longa duração, desintegra-se rapidamente:

Por outro lado, são diminutas as quantidades disponíveis de rádon. Tudo isso dificulta sobretudo
a preparação de compostos de rádon.

Foram assinaladas a existência de um fluoreto de rádon de baixa volatilidade, cuja composição


não foi determinada. Também foram efectuadas a fluoração de traços de rádon em uma mistura
com alguns miligramas de xénon, observando-se que os fluoretos de xénon sublimavam a 50oC,
ao passo que o fluoreto de rádon permanecia fixo a 250oC. o fluoreto de rádon é reduzido com
hidrogénio a 500oC originando rádon elementar.

Os fluoretos RnF2 e RnF4 são dados como compostos exotérmicos, termodinamicamente estáveis
nas condições normais (∆Ho = -75 e -86 kcal mol-, respectivamente). Considerando a alta
estabilidade dos fluoretos de rádon, a existência de um fluoreto superior, possivelmente RnF6, é
apontada como quase certa. É previsto que, nas condições normais, os fluoretos inferiores,
devem ser substâncias incolores, diamagnéticas, com baixa volatilidade, mas sublimáveis. Os
fluoretos superiores são provavelmente gasosos `a temperatura ambiente.

O RnF2 deve possuir estrutura iónica e elevado calor de sublimação. São sugeridas configurações
espaciais para RnF2, RnF4 e RnOF4 com base em hibridizações sp3d e sp3d2. É sugerida a
possível existência de RnOF2 e RnOF4.

Considerações teóricas são aduzidas para demonstrar a possível formação de RnO, RnO2 e RnO3
como compostos cristalinos, incolores. Também se refere à possibilidade de isolar os compostos
Na4RnO6 ou Ag4RnO6.

8 Adélio Cônsula Química Inorgânica I - 2016


Exercícios

1. Fale da ocorrência dos elementos do grupo dos gases nobres. Como eles são obtidos?

2. Fale da reactividade dos elementos do grupo VIIIA.

3. Mencione os compostos de xénon, cripton e rádon.

4. Diga como são obtidos os óxidos, os ácidos e os sais destes ácidos, de xénon. Escreva as
equações das reacções correspondentes.

5. Cite algumas aplicações dos elementos do grupo dos gases nobres.

9 Adélio Cônsula Química Inorgânica I - 2016

Você também pode gostar