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Os segredos que mestres de RPG podem aprender

com o teatro do improviso


Olá, meu nome é Leonardo Bighi, escritor do site regrasdojogo.com, um site
sobre RPG e jogos de tabuleiro.

Eu comecei a jogar RPG aos 14 anos, na década de 90. Eu mestrava muito mal.
E foi só depois de mais de 10 anos jogando que eu aprendi o segredo para que as
partidas sejam fantásticas.

Não cometa o mesmo erro que eu.

No começo, eu tinhas sessões boas e sessões ruins. Algumas faziam os jogadores


prestarem atenção em cada palavra que eu digo. Em outras, eles ficavam distraídos,
conversando sobre cavaleiros do zodíaco ou algo assim.

Isso parece com as suas sessões de RPG?

A primeira coisa que eu tentei foi planejar bem as aventuras antes de jogar. Não
deu certo. E o que eu fiz, então, foi planejar as coisas ainda mais.

Eu demorei pra perceber que planejar demais só fazia eu manter o jogo nos
trilhos da história que eu tinha imaginado.

Isso deixava meu grupo desanimado. Quanto mais eu mantia o jogo nos trilhos,
mais eu negava a participação deles na história.
Consegue imaginar o resultado?

Pois é, deu menos certo ainda. Meu grupo acabou até abandonando o RPG por
um tempo.

Foi só depois de muitos anos (e muitos testes) que eu descobri o grande segredo
pra ter partidas muito divertidas. E ele estava na minha cara o tempo todo.

A partida só vai ser muito divertida se eu:

1. Parar de negar a participação dos outros


2. Deixar todo mundo contribuir igualmente para a história
3. Improvisar e deixar a história seguir o caminho que está seguindo, por
mais maluco que seja.

O mais engraçado é que eu só compreendi completamente esses pontos quando


comecei a estudar uma outra área completamente diferente: o teatro do improviso.

Foi só começar a improvisar que eu percebi que quase todas as dicas deles
serviam para tornar as partidas de RPG muito, muito melhores.

Depois de muito tempo usando as dicas do teatro do improviso pra deixar meu
RPG melhor, eu resolvi explicar de forma bem profunda como isso funciona.

Este livro surgiu como uma série de artigos no site regrasdojogo.com.

Agora todo o texto foi compilado num livro curto para sua conveniência.

Aproveite.

Se você leu esse livro até aqui, você tem interesse no assunto, então deve gostar
do que vem a seguir.

O que mestres de RPG podem aprender com o teatro do improviso, o


livro

No primeiro capítulo, eu começo com a dica mais básica do teatro do


improviso: não dizer não. Quando você diz não, você nega a contribuição da outra
pessoa na história.

No segundo capítulo eu explico então como dizer sim. Porque não basta
simplesmente aceitar tudo. Tem que haver desafio, tem que haver consistência no
mundo de jogo. É importante saber como dizer sim.
No capítulo 3 eu toco num ponto importante que leva os mestres a planejarem
demais e controlarem demais a história. Eu lembro aos mestres que eles não constróem
a história sozinhos.

Mas aí tem um outro problema. Muita gente que até quer improvisar acaba não
sabendo como fazer. Eles já vem com ideias prontas. Então no capítulo 4 eu ensino o
truque de pensar em ideias abertas, não resultados.

O capítulo 5 traz uma dica polêmica. É o tipo de coisa que vai contra a sua
intuição. O ponto é que pra ser realmente criativo no improviso você tem que parar de
tentar ser criativo.

E aí mesmo que agora você esteja improvisando e aceitando a contribuição dos


jogadores, você pode estar manipulando os jogadores sem perceber. Você sabia que a
forma como você faz perguntas influencia as ações deles? Nem eu. Então leia o capítulo
6: não diga aos jogadores o que fazer.

No capítulo 7 começo a fechar todos os pontos. Porque quando você está


improvisando e deixando os jogadores guiarem parte da história, é importante manter a
ilusão.

E finalizando o livro, a dica que pode ser a mais importante de todas. Não basta
improvisar. Tem que saber como se preparar pra improvisar.

Sua opinião

Eu queria ter um feedback de outros mestres.

Meu método te ajudou? Você conseguiu fazer aventuras que são divertidas a
cada sessão?

Entre em contato com dúvidas, problemas que você teve, sugestões de como
melhorar, etc.
Capítulo 1 - Não diga Não

Numa partida de RPG, nós estamos o tempo todo reagindo às ações dos outros.
Jogadores reagem ao que o Mestre coloca em jogo. Mestres reagem às ações dos
jogadores. Mesmo que alguns mestres esqueçam disso, este é um jogo de improviso.

Isso é muito parecido com o teatro de improviso, onde os atores sobem ao palco
sem roteiro e precisam improvisar ali na hora. Então comecei este livro sobre o que o
mestre de RPG pode aprender com o teatro de improviso. Primeiro de tudo, a regra de
ouro deles: nunca negar o que o outro ator inventou. Aceite e construa por cima.

Não diga não

Uma das maiores regras no teatro de improviso é esta: não diga não.

Ao dizer não, você nega a contribuição do jogador, qualquer que ela tenha sido.
Você impede ele de contribuir para a história, quando todos nós (sejamos mestres ou
jogadores) estamos reunidos ao redor da mesa para contribuirmos para uma história
coletiva.

Bighi, Leonardo. Como Improvisar no RPG - Dicas para mestres e jogadores: Os


segredos que mestres e jogadores de RPG podem aprender com o teatro do improviso .

Ao dizer não, você nega a contribuição do jogador, qualquer que ela tenha sido.
Você impede ele de contribuir para a história, quando todos nós (sejamos mestres ou
jogadores) estamos reunidos ao redor da mesa para contribuirmos para uma história
coletiva.

Isso vale tanto para quando o jogador tenta uma ação diferente no combate
(quantas vezes já neguei algo criativo num combate de D&D…), quanto para ações fora
de combate ou até mesmo perguntas.

Nós negamos por instinto

Uma coisa que é verdade pra mim e pra vários outros mestres com quem
conversei é que acabamos negando as coisas por instinto. A gente tem uma visão do que
é o mundo, sobre o que é a aventura. E negamos qualquer coisa que fuja disso. Mas os
jogadores tem uma outra visão. Ou, ainda mais provável, eles ainda não tem visão
nenhuma formada.

Isso acontece ainda mais com mestres iniciantes. Quando estamos começando, é
muito fácil a gente já bolar a história inteira na cabeça e tentar forçar a partida naquela
direção. A gente já planeja que o mago das trevas vai derrotar o grupo e fugir, e então
nega qualquer coisa que leve a história numa direção diferente. Eu já fiz muito isso nos
meus 15 anos, ainda engatinhando nessa coisa louca que é mestrar um jogo.

Perguntas diferentes são sugestões

Quando o grupo chega numa nova cidade e o jogador pergunta se tem alguém
que pode ensinar ele a invocar a bênção do deus da guerra, ele não está só querendo
saber algo da cidade. Isso é também uma sugestão de rumo que ele quer tomar com o
personagem.

Mesmo que você tenha planejado a cidade a fundo sem nenhum templo do deus
da guerra, mude seus planos agora. Diga sim para o jogador. Sim, tem um templo do
deus da guerra.

O jogador sabe o que ele vai achar divertido

Você pode até ter uma ideia do que cada jogador vai achar divertido, mas eles
sabem melhor do que você. E raramente um jogador dá uma sugestão (direta ou
indireta) de algo que ele não vai gostar no jogo.

Se um jogador sugere que estão sendo seguidos, provavelmente ele acha que isso
vai ser divertido. Se um jogador sugere um templo do deus da guerra, ele deve ter
alguma ideia em mente que ele vai gostar de levar adiante.

As sugestões dos jogadores são enormes bandeiras indicando o caminho de


coisas que eles vão achar divertidas. Aproveite!

Sugestões esquisitas tornam seu mundo único

Agora imagina se o jogador tivesse perguntando se em algum lugar próximo tem


um templo do deus da guerra onde todos os frequentadores são pacifistas. Isso não faz a
língua coçar pra dizer não sem nem pensar? "É claro que no meu mundo (ou qual quer
que seja o mundo) não tem templo da guerra pacifista!”. Nossos instintos nos fazem
pensar em dizer.

Mas para. Espera. Respira e pensa comigo: E se tivesse?

Vou tentar improvisar algo aqui enquanto escrevo este artigo. Um templo do
deus da guerra numa cidade isolada. Os únicos adultos na vila são mulheres. Por que os
homens foram pra guerra. Elas odeiam a guerra. Elas querem que seus maridos voltem
vivos. Elas improvisaram o templo. Adaptaram um templo do deus da colheita. Elas
agradam o deus da guerra sacrificando parte da colheita, em vez de guerrear.

Não é um material excepcional pra algo improvisado em um minuto, mas é


assim mesmo que surgem as coisas legais nos jogos. Se eu, que sou o mestre, tivesse
criado o mundo todo sozinho, ele seria cheio de clichês e sem surpresas. Mas dizendo
sim pra sugestões esquisitas eu acabo sendo forçado a criar coisas no improviso e coisas
assim acabam sendo únicas e diferentes.

Agora, em vez de ter mais um templo do deus da guerra frequentado por


soldados, eu tenho um templo da guerra por pessoas que cultuam o deus não em busca
de glória e vitórias em combate, mas para que ele traga seus entes queridos são e salvos
da guerra. Um templo da guerra que provavelmente vai ter várias características
diferentes, por ter sido improvisado sobre um templo do deus da colheita. Que histórias
podem surgir daí?

O jogador se sente realizado por ter contribuído com o mundo

Quando você aceita a ideia do jogador, mesmo sendo esquisita, ele também se
sente realizado e incluído. Ele sente que participou da criação do mundo. Ele sente que
está sendo ouvido e que a contribuição dele é válida.

Eu li uma matéria outro dia falando que pouco mais de 40% das demissões nas
empresas não acontecem por salários baixos, ou condições ruins de trabalho. Elas
acontecem porque a pessoa sente que seu chefe não a escuta. Que ninguém liga pro que
o funcionário está falando.

Ninguém gosta de ser ignorado. Ninguém gosta de ter suas sugestões negadas.
Aceite a contribuição do jogador, mesmo que não seja algo excepcional. Geralmente
não é, mas e daí? É só um jogo.

Finalizando
Lembre-se de tudo que podemos aprender com o teatro de improviso e como
isso pode tornar seu jogo melhor. E repita pra você mesmo: não diga não.

Vamos rever os pontos principais do capítulo.

 Não diga não. Quando você diz não, nega a participação do jogador na
história compartilhada.
 Você nega por instinto. Aprenda a resistir a ele.
 Perguntas diferentes são sugestões de rumos pra história ou para o
personagem.
 O jogador sugere aquilo que ele acha divertido. Queremos histórias
divertidas. Aproveite a dica.
 O jogador se sente realizado e parte do grupo quando deixam ele
contribuir.

No próximo capítulo

No teatro de improviso, eles tem a regra do “sim, e…”. Isso quer dizer aceitar a
contribuição da pessoa, e depois continuar a história acrescentando algo em cima. No
RPG, como é mais amplo e tem a questão do desafio, nós temos mais de um tipo de
resposta que podemos dar.

No próximo capítulo eu vou falar das diversas formas de você incorporar as


contribuições dos jogadores sem negar o que ele sugeriu. Ou seja, como dizer sim.

Capítulo 2 - Como Dizer Sim

No primeiro capítulo eu falei sobre a primeira dica do teatro de improviso: não


diga não. Agora é hora de vermos como dizer sim.

Aceite e construa por cima


No teatro de improviso, a regra de ouro deles pode ser resumida como “sim,
e…”. Você concorda como que o outro ator improvisou, e continua a história daí. É
claro que você não precisa levar ao pé da letra e começar as frases com “sim, e…”.

“Colocaram fogo no meu prédio!"

“Sim, e minha sogra morreu queimada com todo o meu dinheiro"

“Você queimou o dinheiro que te emprestei pra comprar a máquina do tempo?"

Essa cena que eu improvisei agora não muito divertida, mas funciona pra
mostrar os princípios. O segundo ator aceitou a criação do primeiro como verdade e
construiu em cima, adicionando mais coisa. Depois, o primeiro ator aceita a
contribuição do primeiro e constrói mais coisa em cima. E por aí vai.

Como no RPG nós temos vários “atores”, com muito mais liberdade e ainda a
necessidade de ter desafio, só dizer “sim, e…” não é o bastante. Nós podemos ampliar
essa técnica para mais de uma forma de aceitar a contribuição dos outros. Afinal,
estamos jogando pra criarmos uma história juntos.

Pare e respire

Sempre que você perceber que vai dizer não pro jogador, pare e respire. Não tem
nenhuma forma de incorporar a ação do jogador à história? Nenhuma forma de não
torná-lo impotente? Lembre-se sempre que você não é o dono da história. Você só
propôs uma situação e é o resultado das ações de todos que vai criar a história.

Nós temos que estar abertos a aceitar que a cena vá para qualquer direção. Se
você tivesse imaginado uma cena de luta com um golem na biblioteca, o jogador pode
querer algo diferente. Ele pode querer fugir. Pode querer simplesmente derrubar todos
os livros sobre o golem e tacar fogo nele, sem ficar batendo com a espada até ele ficar
sem pontos de vida.

Como podemos aceitar o que ele fez e construir por cima?

Vamos imaginar uma cena:

Mestre: "Você ouve um ruído atrás de você e vira pra olhar. Tem um golem
enorme parado do outro lado do corredor, entre as estantes de livros."

Jogador: "Eu vou derrubar as estantes."

Você queria uma cena de luta. O jogador provavelmente tem outra ideia em
mente. Não diga não. Não invente que a estante é pesada demais pra ele derrubar. Não
invente que ele não tem tempo para nada que não seja lutar. Não invente nada que diga
"eu nego sua ação, faça do meu jeito".

Veja como dizer sim e aceitar a participação do jogador.

Resposta 1: "Sim, e..."

A forma mais simples de aceitar é como fazem no teatro de improviso: aceitar


integralmente e continuar a história daí. Essa opção é interessante e é a que mais
incorpora a sugestão do jogador, mas ela pode deixar tudo muito fácil se for usada em
excesso.

"Sim, você derruba a estante. Livros caem por todo lado. O golem escorrega em
um dos livros e perde tempo passando sobre a estante caída enquanto você corre para
fora da biblioteca."

Você aceitou. Você construiu a história por cima. A história vai seguir um rumo
diferente do que você tinha imaginado, mas você não deveria ficar imaginando os
desfechos das cenas. Você está descobrindo agora como a história vai seguir, igual a
todos os jogadores. E isso é emocionante!

O que pode ser um problema aqui é que o jogador se livrou do golem fácil
demais. É muito bom deixar os heróis terem sucessos fáceis de vez em quando, faz eles
se sentirem heróicos. Mas isso o tempo todo pode acabar com o drama e a tensão do
jogo. Então varia esse tipo de resposta com as outras duas a seguir.

Resposta 2: Sim, mas...

Aqui, vamos fazer algo diferente. Você vai aceitar a ação do jogador, mas
oferecer uma complicação ou uma barganha difícil. O importante é deixar bem claro pro
jogador o que vem depois do "mas" (a complicação ou barganha) e deixar ele escolher
se quer mesmo fazer aquilo ou não.

Exemplo de complicação:

"Sim, você pode derrubar as estantes. Mas é bem provável que todas aquelas
velas comecem um incêndio. Quer mesmo fazer isso?"

Exemplo de barganha:
"Sim, você pode derrubar as estantes. Se derrubar várias vai parar o golem, mas
começa um incêndio. Se derrubar poucas, a biblioteca sobrevive, mas só vai atrasar o
golem. O que você faz?"

O legal desse tipo de resposta é que isso aumenta o drama. O herói conseguiu
resolver o problema dele, mas criou outro. Em livros e filmes, usam muito a técnica de
trocar um problema por outro pra aumentar a tensão. Se o herói conseguir tudo que
queria, a tensão da história diminui. Isso também ajuda a mostrar que as ações dos
heróis têm consequências.

É importante ressaltar que o objetivo dessa resposta não é punir o jogador por
tomar aquela ação. O jogador tem que sentir que obteve um sucesso e que a ação valeu a
pena, mesmo que parcialmente. A consequência tem que ser usara pra aumentar a
tensão e criar mais perigos para os jogadores, e não para puni-los ou tirar opções deles.

Resposta 3: Não, mas...

Em algumas situações, não dá pra dizer sim para o que o jogador sugeriu ou
perguntou. Mas você ainda quer aceitar a participação dele na história. Então você pode
dizer não, mas logo em seguida sugerir um caminho alternativo que seja próximo do
objetivo do jogador.

"Não, as estantes são enormes e estão presas no chão. Mas os livros são grandes
e pesados. Se seu objetivo for atrasar o golem, pode sair derrubando livros pelo
caminho."

Você ainda pode combinar ela com a resposta 2 e sugerir uma complicação ou
barganha.

Um aviso importante é que você deve tomar muito cuidado pra não usar essa
resposta pra negar ou diminuir a participação do jogador na história. Dizer sim, mesmo
pra coisas malucas, pode ajudar a criar coisas muito criativas e únicas, como vimos no
capítulo anterior.

Só use essa resposta quando realmente a ação for impossível ou não fizer sentido
no mundo de jogo. Eu só usei a estante pra continuar na mesma história, porque num
jogo eu provavelmente deixaria o jogador derrubar a estante mesmo que eu tivesse
planejado ela como presa no chão. É importante estar aberto pra mudar as coisas em
cima da hora.

Finalizando
Existem várias formas diferentes de aceitar a contribuição do jogador, mesmo
que a resposta comece com um não. É importante entender como dizer sim, mas
também por que dizer sim.

Vamos rever os pontos principais do capítulo:

 Aceite a contribuição do jogador e construa por cima.


 Pare e respire. Pense em como você pode aceitar o que o jogador falou.
 Diga "sim, e..." quando você quer aceitar sem criar complicações. Faz o
herói se sentir excepcional.
 Diga "sim, mas..." quando você quer aceitar criando uma complicação ou
propondo uma barganha difícil.
 Diga "não, mas..." quando você não tem como dizer sim de forma
nenhuma, mas ainda quer aceitar a contribuição do jogador.

No próximo capítulo

Fica muito mais fácil improvisar e não tentar controlar o rumo da história
quando você entende que construir a história não é responsabilidade de uma pessoa só.
O Mestre está lá pra descobrir o que acontece, igual aos jogadores. Então leia pra
entender que construir a história não é sua responsabilidade.

Capítulo 3 - Construir a história não é sua


responsabilidade

No teatro de improviso existe a pressão de criar uma história interessante ali na


hora, improvisando. Uma coisa que cada ator aprende é que não é responsabilidade dele,
sozinho, criar a história. Isso tem dois lados. Primeiro, aliviar a pressão. Assim você
sabe que não está toda a responsabilidade sobre o ombro de um ator. E segundo,
impedir que você seja controlador. Você não é o único responsável pela história, não
tente ser o dono dela.

Vamos ver todas as formas que o Mestre pode incorporar isso no RPG.

Relaxe. Construir a história não é sua responsabilidade.


O Mestre no RPG é um pouco diferente do ator de improviso, porque ele
controla vários personagens ao mesmo tempo e precisa ter algum material de referência
preparado (fichas de monstros, nomes de personagens, etc). Isso pode levar o mestre a
achar que todo o peso da história está em cima dos ombros dele.

Calma. Relaxa um pouco. Lembre-se: a responsabilidade não é toda sua. Você é


só uma das pessoas responsáveis pela história. Os jogadores vão contribuir com coisas,
vão inventar conspirações, vão inventar perigos e criar bagunças que eles mesmos vão
ter que resolver. Use tudo isso a seu favor. Tudo pode ser material de aventuras!

Lembrar disso ajuda você a deixar a história mais aberta. E lembrar que os
jogadores também são responsáveis por ela evita que você diga não quando poderia
dizer sim.

Não planeje demais

Quando o Mestre acha que contar a história é responsabilidade dele, acaba


pensando demais nela. O Mestre acaba imaginando como uma cena vai se desenrolar, o
que vai acontecer depois dela, e depois dela. Pensa em cenas substituas caso os
jogadores tomem a decisão X em vez de Y. Acabam preparando páginas e páginas de
papel com material.

Eu sei, já fiz muito isso.

E sabe o que é pior? Os jogadores sempre vão tomar decisões que você não
previu e vão levar a história pra um lado que você não planejou. E aí a reação do mestre
acaba sendo planejar mais material (haja tempo!) ou então negar as ações dos jogadores
pra não fugirem do que ele planejou. Não faça isso.

Planeje menos e deixe a história seguir o rumo que for. Até porque...

Construir a história não é seu direito exclusivo.

Construir a história não é sua responsabilidade. Mas tem um outro lado dessa
moeda. Contar a história também não é seu direito especial e exclusivo.

Você, como Mestre de uma partida de RPG, tem que entender que você não tem
um direito maior que o deles de decidir os rumos que a história vai seguir. Você precisa
estar aberto para que os jogadores também construam a história com você. Só assim
todos estarão realmente improvisando da melhor forma possível.

O jogador quer botar fogo na poção de cura em vez de bebê-la? O bárbaro quer
gritar com a princesa em vez de salvá-la? O ladino roubou o cajado do seu grande vilão
sem ele perceber? O grupo está conseguindo rolagens fantásticas sem parar nos dados e
vão derrotar o monstro inderrotável? Coisas inesperadas acontecem. E coisas
inesperadas geralmente levam a histórias únicas que os jogadores vão lembrar daqui a
meses ou anos.

O que você pensou pra história não é mais importante e nem melhor do que o
que os jogadores pensaram pra história.

O primeiro passo para entender que os outros também estão criando a história
com você é não planejar demais e não dizer não pra eles e nem para os resultados loucos
que saem nos dados.

Finalizando

Em resumo, é importante lembrar sempre que todos tem direito de contribuir. Eu


tenho um truque pra me lembrar de não deixar os outros de fora da história. Eu me
esforço pra lembrar que todos abriram mão de fazer outras coisas pra se reunirem ao
redor de uma mesa comigo. Todos eles poderiam estar fazendo outras coisas. Pensa
nisso.

Revisando os pontos principais do capítulo:

 Relaxe. Contar a história sozinho não é sua responsabilidade. Os


jogadores vão inventar coisas loucas, pode ter certeza.
 Não planeje demais. Poupe sem tempo fora do jogo e planeje pouco.
Deixe o improviso dos jogadores levar a história.
 Você não é o dono da história. Deixe todo mundo contribuir, mesmo que
isso leve a história pra um lado inesperado.

No próximo capítulo

No próximo capítulo, volto à ideia de planejar pouco e como aceitar qualquer


rumo que o jogo tome. O segredo é trazer ideias, não resultados.
Capítulo 4 - Traga Ideias, Não Resultados

O teatro de improviso

No teatro de improviso, os atores até podem trazer ideias para cenas que vão
improvisar, mas não mais do que isso.

Improvisar coisas legais o tempo todo é difícil. Se você teve uma ideia fora do
palco, fique à vontade pra guardar ela na cabeça e usar durante uma cena. Mas se você
vier com uma ideia fechada de como essa cena deve se desenrolar ou terminar, vai dar
problemas.

Já que estão todos improvisando, só tem uma forma da cena seguir o rumo que
você imaginou. Isso só acontecerá se você ignorar as contribuições do outro ator. E nós
já sabemos que isso é ruim, porque a primeira regra é não negar a participação do outro.

Por isso, no teatro de improviso, você tem que lembrar que você pode levar
ideias, mas não resultados.

O problema das ideias com resultado fixo

Guarde suas boas ideias. O legal é se divertir improvisando, e boas ideias de


cenas fazem todo mundo se divertir mais.

Mas as ideias devem ser abertas. Pense no começo de uma situação, mas deixe o
rumo dela em aberto.

No RPG, isso é fácil de aplicar. Você com certeza já pensou em várias cenas
legais. Algumas cenas que já passaram na minha cabeça: uma cena onde o grupo luta
numa ponte de madeira pegando fogo e caem no rio abaixo dela. Uma cena onde
enfrentam um golem numa biblioteca e incendeiam o local. Uma cena onde discutem
em público com um nobre e acabam expulsos da cidade.

Mas todas essas ideias tem um problema.

Todas elas trazem o resultado junto delas. Elas vão me fazer ignorar a
contribuição dos jogadores pra garantir que o resultado aconteça, e também vão me
fazer planejar demais.

Isso não é bom para um jogo de improviso.


Não traga resultados

Eu sou um grande fã de sempre ter um caderno ou celular por perto pra anotar
suas ideias. Assim você não esquece as cenas legais que pensou pro RPG. Ter as ideias
por escrito é uma forma de poder revisar o que pensou e ver se você está planejando o
resultado.

Se você estiver planejando o resultado das cenas, risque essa parte da ideia.
Deixe apenas a premissa por trás dela.

Pensou numa cena de luta na ponte em chamas onde todos caem? Corte o final
para apenas cena de luta na ponte em chamas.

Pensou numa discussão com um nobre em que todos acabam expulsos? Corte o
final e pense apenas na discussão com o nobre.

Quando você deixa de planejar o resultado você evita que seus instintos queiram
forçar a cena naquela direção. Lembre-se que construir a história não é seu direito
exclusivo e que o legal é aceitar que o improviso dos jogadores determine o futuro.

Comece suas ideias com "E se...?"

Eu tenho uma técnica pra criar ideias abertas. Eu escrevo elas como perguntas
que começam com "E se". Isso me lembra que só estou pensando em ideias de cenas, e
não em como elas devem acabar.

E se os heróis estivessem brigando numa ponte em chamas?

E se uma biblioteca estivesse protegida por um golem?

E se os heróis discutissem com o nobre que governa a cidade?

Pense nas ideias. Anote suas ideias. Deixe elas prontas para serem encaixadas
numa partida. Mas lembre-se que todos estão ao redor da mesa pra descobrir o que
acontece, incluindo você.

Talvez os heróis saiam da ponte antes dela cair. Talvez eles consigam enganar
ou fugir do golem sem combate. Talvez façam com que o nobre é quem seja humilhado
e expulso da cidade. O que quer que aconteça, aconteceu porque todos estão criando a
história juntos.
Finalizando

Como você já deve ter reparado, todas as regras e dicas desse livro sempre
voltam para o mesmo ponto: improvise de verdade, esteja aberto a aceitar o rumo que a
história tomar, sem impôr sua visão sobre a dos outros.

Resumindo os pontos principais desse capítulo:

 Traga ideias, não resultados. Pense no setup da situação e não em como


ela vai terminar.
 O problema de já pensar num resultado é que você tende a manipular o
rumo da história pra seguir naquela direção.
 Então não traga resultados. Pense em ideias abertas.
 Uma boa dica é anotar suas ideias abertas no padrão de perguntas "E
se...?"

No próximo capítulo

A dica do próximo capítulo é talvez a primeira desse livro que vai ser contra
intuitiva de verdade. No teatro de improviso, há o mantra "não tente ser engraçado". Eu
adapto isso pro RPG como "não tente ser criativo". Se você aí agora curioso ou gritando
comigo, não deixe de ler.
Capítulo 5 - Não tente ser criativo

Seguir a ideia daquele capítulo te força ainda mais a improvisar. Mas e se você
tiver dificuldade de improvisar coisas legais? Pra isso eu tenho uma dica muito
contraintuitiva: não tente ser criativo. Confuso? Vem comigo.

Como é no teatro: não tente ser engraçado

Lendo textos sobre teatro de improviso, eu já li essa dica de duas formas:

"Não tente ser engraçado" ou, de forma mais genérica, "não tente inventar".

Mas o propósito não é inventar? Sim, é. Mas você vai inventar naturalmente,
sem esforço.

Quando você fica se esforçando pra ser engraçado, as pessoas vão perceber.
Você vai ficar pensando muito nisso. Vai hesitar antes de falar, por ficar se
questionando se o que você vai falar é engraçado. Não vai prestar atenção no que o
outro ator está falando, porque você está pensando em algo engraçado.

O ideal, no teatro de improviso, é simplesmente reagir ao que está acontecendo.


Muitas vezes a cena vai pra um lado tão bizarro que ela vai ser engraçada naturalmente.
Outras vezes, algo que é normal pra você vai ser engraçado ou criativo pra outra pessoa.

Trazendo isso pro RPG

Improvisar é complicado, eu sei. E Mestres podem ficar ainda mais tensos


porque eles precisam gerenciar vários personagens ao mesmo tempo em que precisam
julgar e manter as regras. O que fazer, então?

Duas coisas. Primeiro, lembre-se de que construir a história não é sua


responsabilidade. Segundo, não tente ser criativo.

É igual ao que falei pro teatro. Se ficar querendo ser criativo o tempo todo, vai
hesitar. Vai colocar mais pressão sobre seus ombros. A sugestão: não tente ser criativo.
Sério.

Eu sigo essa regra nas minhas campanhas. E sabe o que é legal? As aventuras
acabam sendo criativas de qualquer jeito. Você acha que está sendo clichê, e aí percebe
que as referências que você tem não são as mesmas dos seus jogadores. Algo óbvio pra
você pode acabar sendo criativo e original pra eles.

Não esqueça que os jogadores tornam tudo criativo

Como falei no começo do livro, se você estiver aberto a improvisar os jogadores


também vão contribuir com a história.

Essa mistura da contribuição de todo mundo vai criar algo único. Você inventou
algo que é clichê pra você, aí um jogador contribui algo que é clichê pra ele, e uma
outra jogadora contribui com algo que é clichê pra ela. Mas quando você vê, a mistura
de tudo é original e interessante.

Esse é o legal de improvisar.

Isso vai te surpreender, mas assim você evita seus clichês

Eu tenho meus clichês em aventuras. Sério, já fiz várias besteiras. Sempre que
eu parava pra inventar algo "criativo" no meio da aventura, sabe o que eu fazia?
Colocava um traidor.

Aquele seu mentor? Vai te trair. Aquele cara pedindo ajuda? É um bandido. O
cara bonzinho te ajudando há 3 sessões? Traidor!

Eu demorei muito pra perceber esse meu padrão. Os jogadores, é claro, já


tinham percebido. E o pior de tudo é que a forma de fugir desse meu padrão era bem
simples: não tentar ser criativo.

Se eu parasse pra inventar, sempre ia pro mesmo caminho. Então parei de ficar
tentando inventar. Segui o fluxo. E pessoas pararam de ser traídas.

Finalizando

Um resumo dos assuntos principais do capítulo:

 No teatro, não tentam ser engraçados. Ser engraçado acontece graças ao


improviso e situações inusitadas.
 No RPG, não tente ser criativo. Isso vai acontecer naturalmente.
 Não esqueça que os jogadores vão contribuir e daí vem o aspecto único da
aventura.
 Se você não ficar planejando, você escapa dos seus vícios de trama.

Faça como os atores de improviso: deixe a cena rolar.

No próximo capítulo

Eu já bati várias vezes na tecla do improviso e de deixar rolar. Mas ainda tem
uma forma em que os Mestres influenciam o rumo das cenas. A forma como fazemos
perguntas acaba dizendo a eles o que fazer.

Então fique ligado no próximo capítulo "não diga aos jogadores o que fazer", pra
ver como podemos fazer perguntas sem manipular os jogadores pra um rumo específico.
Capítulo 6 - Não diga aos jogadores o que fazer

Agora é hora de falar da última forma de garantir um improviso decente e


realmente livre: não manipular as ações dos seus jogadores.

O oposto do teatro

Essa é a primeira vez no livro que digo fujo um pouco da proposta, então resolvi
avisar com antecedência. O meu ponto a seguir é que no jogo de RPG temos que fazer o
oposto do que fazem no teatro. Você vai entender.

Eles odeiam perguntas abertas

No teatro de improviso, você aprende a fazer perguntas fechadas sempre que


puder.

Perguntas fechadas são aquelas que já trazem uma sugestão de resposta. Em


alguns casos, só permitem um simples "sim" ou "não". Exemplo de pergunta fechada
seriam: "Você é meu tio?"

Já a pergunta aberta é o oposto. Ela não traz uma sugestão de resposta e deixa a
outra pessoa completamente livre pra responder. Exemplo: "Quem é você?" ou "Do que
é que isso é feito?".

Quando você pergunta algo tipo "Quem é você?" você força o outro ator a parar
e bolar uma resposta. Eles tem uma plateia esperando ver uma cena que não para, então
qualquer pausa é ruim.

Lá no teatro, você não quer que o outro ator tenha que inventar algo. Pra eles, é
melhor não deixar muitas opções nas perguntas.

Nós adoramos perguntas abertas

O caso do RPG é o oposto. Nós somos nossa própria plateia. Além disso, o jogo
já tem diversas pequenas pausas ao longo de uma sessão.
E o que mais queremos num jogo de RPG é deixar cada jogador aberto para
inventar. É importante que o improviso seja o mais livre possível. Isso que leva a
história a um ponto único como falamos no capítulo anterior. Então não diga aos
jogadores o que fazer. Pergunte de forma aberta.

O problema das perguntas fechadas no RPG

Quando o Mestre faz uma pergunta fechada, ele acaba manipulando a reação do
jogador. Ele coloca uma possível resposta em primeiro plano na pessoa que foi
perguntada.

Imagine a seguinte cena:

"No final do corredor, entre os livros, está um Orc de 2 metros de altura. Você
vai atacar ele?"

Essa cena coloca uma reação direto na mente do jogador. Ele agora está
pensando em ataque. Você manipulou a reação, mesmo que sem querer. E o mais
provável é que o jogador diga sim.

O problema desse tipo de pergunta é que pode impedir que o jogador bole algum
outro tipo de resposta completamente diferente que tornaria aquela cena única e
memorável.

Será que o jogador dessa cena pensaria em derrubar a estante e fugir, em vez de
atacar?

Faça perguntas abertas

Agora vamos imaginar aquela mesma cena, com outra pergunta no final.

"No final do corredor, entre os livros, está um Orc de 2 metros de altura. O que
você faz?"

O que você faz?

Essa pergunta é o mais aberta que dá pra chegar. Você não colocou nenhum tipo
de ação em primeiro plano na mente do jogador. Ele está livre! Livre pra mente dele ir
pra

Talvez ele pense em atacar. Talvez pense em derrubar a estante. Talvez pense
em dar oi e oferecer chocolate. Tudo pode acontecer!
Finalizando

Pense em como é o seu estilo de narração de jogos. Você costuma fazer


perguntas fechadas que manipulam seus jogadores? Que tal experimentar perguntas
abertas pra ver pra que lado as coisas vão?

Vamos resumir os pontos principais deste capítulo:

 No teatro, perguntas abertas são ruins porque eles precisam bolar uma
resposta e a plateia não quer esperar.
 No RPG, somos nossa propria plateia. Nós podemos esperar alguns
segundos enquanto um jogador bola uma resposta.
 Perguntas fechadas colocam uma resposta na mente da pessoa. Isso
limita o que a pessoa pode acabar imaginando.
 Perguntas abertas são uma página em branco. Qualquer coisa pode
acontecer.
 Não diga aos jogadores o que fazer. Em vez disso, faça perguntas
abertas.

No próximo capítulo

Agora que vimos tudo que podemos aprender com o teatro de improviso, não
basta juntar tudo. É importante manter a ilusão.

Capítulo 7 - Mantenha a ilusão

Nos seis capítulos anteriores eu falei sobre todas as formas como o teatro de
improviso pode te ajudar a melhorar suas partidas de RPG.

Se você seguir todas as dicas, vai estar improvisando e criando coisas conforme
jogam. Agora é hora da dica que faz tudo funcionar. Você precisa fazer parecer que já
tinha pensado nas coisas. Mantenha a ilusão.

Todos estarão inventando a história juntos


Você seguiu todas as dicas. Não está dizendo não para os jogadores. Está,
inclusive, dizendo sim. Não está impedindo os outros de criarem a história.

Se também estiver trazendo ideias sem resultados fixos, as coisas vão estar
acontecendo sem serem previstas. Inimigos vão aparecer. Vai inventar armadilhas na
hora.

Vai acontecer de inventar uma armadilha, sem nem saber como é que se passa
por ela. E vai aceitar a sugestão de algum jogador de como resolver!

Isso é muito legal, mas tem um problema. Os jogadores podem achar que não
existe nenhum desafio diante deles.

A sensação de desafio

Jogadores precisam sentir que estão sendo desafiados e que estão superando o
desafio por serem espertos.

Na maioria das vezes isso é verdade. Mas em alguns momentos, um jogador vai
tentar algo inusitado como jogar pombos mortos numa armadilha mágica. E a solução é
tão legal e criativa que você vai fingir que aquela era sim a melhor solução pro
problema.

Se isso acontecer com muita frequência, os jogadores vão achar que não
precisam se esforçar. Que qualquer coisa que eles inventarem você vai aceitar como
solução.

Você precisa fazer eles acreditarem que você tinha mais coisas planejadas.

A importância da ilusão

As pessoas gostam de ser enganadas. Mas com elegância. Pessoas pagam pra ver
mágicos no palco. Compram revistas com mulheres super alteradas no Photoshop.

Mas quando você mostra que elas foram enganadas, não gostam. O mágico que
revela seu truque perde parte do encanto, por exemplo.

Mantenha a ilusão
Não diga aos jogadores o que você já tinha preparado. Pra todos os efeitos, todos
os desafios, todos os personagens, todos os monstros, todos os itens do jogo estavam
planejados.

Quando você não revela o que foi improviso, fica a dúvida. E a dúvida é como o
truque do mágico. A dúvida é mais legal do que a verdade.

Finalizando

A ilusão é o que permite aos jogadores acreditar que venceram todos os desafios
por mérito próprio. Na maior parte das vezes é verdade, mas isso impede a decepção de
saber que alguns desafios foram apenas simulados.

Resumindo os pontos principais do capítulo:

 Como todos estão inventando a história juntos, em alguns


momentos a solução de um problema vai ter sido inventada.
 Jogadores gostam de serem desafiados. Mas saber que não
encontraram a resposta "verdadeira" de um desafio pode dar a impressão de não
haver dificuldade.
 Então é muito importante manter a ilusão de que tudo estava
planejado.
 A solução é simples: nunca diga que não tinha algo preparado.

No próximo capítulo

No próximo capítulo

Pra finalizar o livro sobre como melhorar suas partidas de RPG com técnicas de
Capítulo 8 - Como se preparar para improvisar

Vamos rever tudo que foi falado nos capítulos anteriores até agora.

Na parte 1 e 2 falei sobre a importância de não dizer não, e como dizer sim.

Na parte 3 e 4, bati mais na tecla sobre aceitar a colaboração dos outros. Falei
sobre quem conta a história no RPG, e que o importante é trazer ideias abertas, não
resultados.

Nas partes 5 e 6 o tema foi não limitar as ideias que vem na cabeça, com a dica
polêmica "não tente ser criativo" e o capítulo sobre não dizer aos jogadores o que fazer.

E os dois últimos capítulos são sobre juntar tudo sem quebrar a ilusão e a
empolgação. Na parte 7 falei sobre "manter a ilusão". Agora é hora de falar sobre como
se preparar para improvisar.

Tem que se preparar pra improvisar?

Eu sei que parece meio contraditório. Eu passei 7 capítulos falando sobre aceitar
improvisos na hora e agora falo sobre se preparar? O negócio é que por mais que a ideia
de improvisar todo o tempo seja legal, nem sempre conseguimos inventar coisas legais
no calor do momento.

Ainda por cima, jogos de RPG dependem de vários materiais de referência. Itens
e monstros precisam de estatísticas. Personagens coadjuvantes precisam de nomes.
Dungeons podem precisar de uma armadilha complexa. Cidades precisam de
construções interessantes. E por aí vai.

Não é legal parar a aventura no meio pra procurar uma informação num livro.

É importante que o mestre tenha o material que precisa já à mão. Mas o que ele
precisa?

O que você tem que preparar com antecedência

Lembra do capítulo sobre trazer ideias, não resultados? Ideias abertas são uma
das principais coisas que o Mestre pode preparar com antecedência.
Traga sua lista de ideias para a sessão. Faça uma lista de itens curtos, de
preferência descritos como perguntas que começam com "E se...".

Além disso, também é importante deixar preparados os seguintes itens:

 Fichas de monstros que podem aparecer na sessão.


 Sugestões de nomes de NPCs.
 Sugestões de nomes de cidades.
 Fichas de alguns itens mágicos que podem ser introduzidos
 Uma ou duas ideias de armadilhas, com as informações
relevantes.

Como se preparar para improvisar

Para preparar suas ideias, fique atento fora do jogo. Tenha sempre com você um
caderno, ou seu celular com um aplicativo de notas a fácil acesso. Quando tiver
qualquer ideia, anote no caderno ou aplicativo. É sério, não esqueça de anotar. Mesmo
que você ache que a ideia é tão boa que não pode esquecer, existe uma boa chance de
você acabar esquecendo.

Para monstros, reveja para onde a sessão anterior estava indo. Agora pense que
monstros podem encontrar num futuro próximo e já imprima as fichas deles. Só por
garantia, imprima ou separe também uma ou outra ficha de monstro caso a próxima
sessão siga numa direção completamente diferente e você precise de outro tipo de
monstro. Acha que a próxima sessão vai ser focada em dragões e dragonetes? Prepare
também um esqueleto ou um lobo selvagem.

Se seu jogo tiver itens mágicos ou equipamentos especiais, escolha alguns itens
que podem ser dados como recompensa na aventura. Não se sinta obrigatório a colocar
todos na próxima sessão. A ideia é só ter fichas de itens a fácil acesso caso precise.

Faça uma lista de nomes. Nomes de homens e mulheres. Nomes de cidades. Não
precisa ser uma lista gigante, pode ter uns 3 ou 4 nomes de cada sexo, 1 ou 2 nomes de
cidades. O importante é não ser pego de surpresa caso os jogadores perguntem o nome
de algo ou alguém. Não é legal conhecerem o décimo Jack ou Maria na aventura.

Além disso, pense numa armadilha que seja bem divertida de jogar. Num jogo
tipo D&D, pode ser uma armadilha pra dungeon. Num jogo cyberpunk pode ser uma
armadilha nas ruas ou no ciberespaço. Talvez até mesmo uma armadilha corporativa.
Talvez um portal espacial adulterado. Sei lá.
Qualquer que seja a categoria da preparação, não prepare demais. Prepare o
mínimo possível, na verdade. Só o bastante pra não precisar ficar parando a história
todo o tempo.

Mas lembre-se de uma coisa...

Não deixe a preparação entrar no caminho da liberdade da história

O legal do RPG é estar aberto para o improviso de todos na mesa. Incorporar a


contribuição de todos. Então não deixe seu pouco material atrapalhar o rumo que a
história está seguindo.

Se os jogadores invadiram uma tumba assombrada e você não preparou nenhum


esqueleto ou zumbi, não tente dar uma guinada na história de volta para os dragões que
você preparou. Se invadiram a tumba, os jogadores querem tumba. Dê tumba pra eles.
Pare o jogo, pegue as fichas dos esqueletos e zumbis, siga adiante.

Por mais que você queira se preparar, os jogadores vão levar as coisas para outro
lado. Então esteja pronto pra parar o jogo.

Finalizando

Se eu pudesse resumir esse livro numa única frase, seria: não seja o chato,
improvise junto com todo mundo. E saiba como se preparar pra improvisar sem se
deixar levar pelo que você preparou.

Resumindo os pontos principais deste capítulo:

 Improvisar bem o tempo todo é difícil, então anote suas ideias e traga
elas pro jogo.
 Prepare de antemão algumas fichas que pode precisar. Isso evita perda de
tempo.
 Pra saber o que preparar, pense no caminho que a história está seguindo.
 Prepare o mínimo possível pra reduzir as pausas de coisas previsíveis.
 Não deixe a preparação atrapalhar o improviso.
 Quando a preparação falha, esteja preparado pra pausar o jogo por um
momento e procurar o que precisa.
 Acima de tudo, lembre-se de improvisar, não dizer não, e aceitar a
participação de todos.
Onde encontrar mais informação

Você tem alguma dúvida ou sugestão? Acha que eu estou errado e o mestre tem
que controlar toda a história?

Envie um e-mail para contato@regrasdojogo.com e vamos conversar.

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RPG e jogos de tabuleiro.

Bighi, Leonardo. Como Improvisar no RPG - Dicas para mestres e jogadores: Os


segredos que mestres e jogadores de RPG podem aprender com o teatro do improviso .
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