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Eu comecei a jogar RPG aos 14 anos, na década de 90. Eu mestrava muito mal.
E foi só depois de mais de 10 anos jogando que eu aprendi o segredo para que as
partidas sejam fantásticas.
A primeira coisa que eu tentei foi planejar bem as aventuras antes de jogar. Não
deu certo. E o que eu fiz, então, foi planejar as coisas ainda mais.
Eu demorei pra perceber que planejar demais só fazia eu manter o jogo nos
trilhos da história que eu tinha imaginado.
Isso deixava meu grupo desanimado. Quanto mais eu mantia o jogo nos trilhos,
mais eu negava a participação deles na história.
Consegue imaginar o resultado?
Pois é, deu menos certo ainda. Meu grupo acabou até abandonando o RPG por
um tempo.
Foi só depois de muitos anos (e muitos testes) que eu descobri o grande segredo
pra ter partidas muito divertidas. E ele estava na minha cara o tempo todo.
Foi só começar a improvisar que eu percebi que quase todas as dicas deles
serviam para tornar as partidas de RPG muito, muito melhores.
Depois de muito tempo usando as dicas do teatro do improviso pra deixar meu
RPG melhor, eu resolvi explicar de forma bem profunda como isso funciona.
Agora todo o texto foi compilado num livro curto para sua conveniência.
Aproveite.
Se você leu esse livro até aqui, você tem interesse no assunto, então deve gostar
do que vem a seguir.
No segundo capítulo eu explico então como dizer sim. Porque não basta
simplesmente aceitar tudo. Tem que haver desafio, tem que haver consistência no
mundo de jogo. É importante saber como dizer sim.
No capítulo 3 eu toco num ponto importante que leva os mestres a planejarem
demais e controlarem demais a história. Eu lembro aos mestres que eles não constróem
a história sozinhos.
Mas aí tem um outro problema. Muita gente que até quer improvisar acaba não
sabendo como fazer. Eles já vem com ideias prontas. Então no capítulo 4 eu ensino o
truque de pensar em ideias abertas, não resultados.
O capítulo 5 traz uma dica polêmica. É o tipo de coisa que vai contra a sua
intuição. O ponto é que pra ser realmente criativo no improviso você tem que parar de
tentar ser criativo.
E finalizando o livro, a dica que pode ser a mais importante de todas. Não basta
improvisar. Tem que saber como se preparar pra improvisar.
Sua opinião
Meu método te ajudou? Você conseguiu fazer aventuras que são divertidas a
cada sessão?
Entre em contato com dúvidas, problemas que você teve, sugestões de como
melhorar, etc.
Capítulo 1 - Não diga Não
Numa partida de RPG, nós estamos o tempo todo reagindo às ações dos outros.
Jogadores reagem ao que o Mestre coloca em jogo. Mestres reagem às ações dos
jogadores. Mesmo que alguns mestres esqueçam disso, este é um jogo de improviso.
Isso é muito parecido com o teatro de improviso, onde os atores sobem ao palco
sem roteiro e precisam improvisar ali na hora. Então comecei este livro sobre o que o
mestre de RPG pode aprender com o teatro de improviso. Primeiro de tudo, a regra de
ouro deles: nunca negar o que o outro ator inventou. Aceite e construa por cima.
Uma das maiores regras no teatro de improviso é esta: não diga não.
Ao dizer não, você nega a contribuição do jogador, qualquer que ela tenha sido.
Você impede ele de contribuir para a história, quando todos nós (sejamos mestres ou
jogadores) estamos reunidos ao redor da mesa para contribuirmos para uma história
coletiva.
Ao dizer não, você nega a contribuição do jogador, qualquer que ela tenha sido.
Você impede ele de contribuir para a história, quando todos nós (sejamos mestres ou
jogadores) estamos reunidos ao redor da mesa para contribuirmos para uma história
coletiva.
Isso vale tanto para quando o jogador tenta uma ação diferente no combate
(quantas vezes já neguei algo criativo num combate de D&D…), quanto para ações fora
de combate ou até mesmo perguntas.
Uma coisa que é verdade pra mim e pra vários outros mestres com quem
conversei é que acabamos negando as coisas por instinto. A gente tem uma visão do que
é o mundo, sobre o que é a aventura. E negamos qualquer coisa que fuja disso. Mas os
jogadores tem uma outra visão. Ou, ainda mais provável, eles ainda não tem visão
nenhuma formada.
Isso acontece ainda mais com mestres iniciantes. Quando estamos começando, é
muito fácil a gente já bolar a história inteira na cabeça e tentar forçar a partida naquela
direção. A gente já planeja que o mago das trevas vai derrotar o grupo e fugir, e então
nega qualquer coisa que leve a história numa direção diferente. Eu já fiz muito isso nos
meus 15 anos, ainda engatinhando nessa coisa louca que é mestrar um jogo.
Quando o grupo chega numa nova cidade e o jogador pergunta se tem alguém
que pode ensinar ele a invocar a bênção do deus da guerra, ele não está só querendo
saber algo da cidade. Isso é também uma sugestão de rumo que ele quer tomar com o
personagem.
Mesmo que você tenha planejado a cidade a fundo sem nenhum templo do deus
da guerra, mude seus planos agora. Diga sim para o jogador. Sim, tem um templo do
deus da guerra.
Você pode até ter uma ideia do que cada jogador vai achar divertido, mas eles
sabem melhor do que você. E raramente um jogador dá uma sugestão (direta ou
indireta) de algo que ele não vai gostar no jogo.
Se um jogador sugere que estão sendo seguidos, provavelmente ele acha que isso
vai ser divertido. Se um jogador sugere um templo do deus da guerra, ele deve ter
alguma ideia em mente que ele vai gostar de levar adiante.
Vou tentar improvisar algo aqui enquanto escrevo este artigo. Um templo do
deus da guerra numa cidade isolada. Os únicos adultos na vila são mulheres. Por que os
homens foram pra guerra. Elas odeiam a guerra. Elas querem que seus maridos voltem
vivos. Elas improvisaram o templo. Adaptaram um templo do deus da colheita. Elas
agradam o deus da guerra sacrificando parte da colheita, em vez de guerrear.
Quando você aceita a ideia do jogador, mesmo sendo esquisita, ele também se
sente realizado e incluído. Ele sente que participou da criação do mundo. Ele sente que
está sendo ouvido e que a contribuição dele é válida.
Eu li uma matéria outro dia falando que pouco mais de 40% das demissões nas
empresas não acontecem por salários baixos, ou condições ruins de trabalho. Elas
acontecem porque a pessoa sente que seu chefe não a escuta. Que ninguém liga pro que
o funcionário está falando.
Ninguém gosta de ser ignorado. Ninguém gosta de ter suas sugestões negadas.
Aceite a contribuição do jogador, mesmo que não seja algo excepcional. Geralmente
não é, mas e daí? É só um jogo.
Finalizando
Lembre-se de tudo que podemos aprender com o teatro de improviso e como
isso pode tornar seu jogo melhor. E repita pra você mesmo: não diga não.
Não diga não. Quando você diz não, nega a participação do jogador na
história compartilhada.
Você nega por instinto. Aprenda a resistir a ele.
Perguntas diferentes são sugestões de rumos pra história ou para o
personagem.
O jogador sugere aquilo que ele acha divertido. Queremos histórias
divertidas. Aproveite a dica.
O jogador se sente realizado e parte do grupo quando deixam ele
contribuir.
No próximo capítulo
No teatro de improviso, eles tem a regra do “sim, e…”. Isso quer dizer aceitar a
contribuição da pessoa, e depois continuar a história acrescentando algo em cima. No
RPG, como é mais amplo e tem a questão do desafio, nós temos mais de um tipo de
resposta que podemos dar.
Essa cena que eu improvisei agora não muito divertida, mas funciona pra
mostrar os princípios. O segundo ator aceitou a criação do primeiro como verdade e
construiu em cima, adicionando mais coisa. Depois, o primeiro ator aceita a
contribuição do primeiro e constrói mais coisa em cima. E por aí vai.
Como no RPG nós temos vários “atores”, com muito mais liberdade e ainda a
necessidade de ter desafio, só dizer “sim, e…” não é o bastante. Nós podemos ampliar
essa técnica para mais de uma forma de aceitar a contribuição dos outros. Afinal,
estamos jogando pra criarmos uma história juntos.
Pare e respire
Sempre que você perceber que vai dizer não pro jogador, pare e respire. Não tem
nenhuma forma de incorporar a ação do jogador à história? Nenhuma forma de não
torná-lo impotente? Lembre-se sempre que você não é o dono da história. Você só
propôs uma situação e é o resultado das ações de todos que vai criar a história.
Nós temos que estar abertos a aceitar que a cena vá para qualquer direção. Se
você tivesse imaginado uma cena de luta com um golem na biblioteca, o jogador pode
querer algo diferente. Ele pode querer fugir. Pode querer simplesmente derrubar todos
os livros sobre o golem e tacar fogo nele, sem ficar batendo com a espada até ele ficar
sem pontos de vida.
Mestre: "Você ouve um ruído atrás de você e vira pra olhar. Tem um golem
enorme parado do outro lado do corredor, entre as estantes de livros."
Você queria uma cena de luta. O jogador provavelmente tem outra ideia em
mente. Não diga não. Não invente que a estante é pesada demais pra ele derrubar. Não
invente que ele não tem tempo para nada que não seja lutar. Não invente nada que diga
"eu nego sua ação, faça do meu jeito".
"Sim, você derruba a estante. Livros caem por todo lado. O golem escorrega em
um dos livros e perde tempo passando sobre a estante caída enquanto você corre para
fora da biblioteca."
Você aceitou. Você construiu a história por cima. A história vai seguir um rumo
diferente do que você tinha imaginado, mas você não deveria ficar imaginando os
desfechos das cenas. Você está descobrindo agora como a história vai seguir, igual a
todos os jogadores. E isso é emocionante!
O que pode ser um problema aqui é que o jogador se livrou do golem fácil
demais. É muito bom deixar os heróis terem sucessos fáceis de vez em quando, faz eles
se sentirem heróicos. Mas isso o tempo todo pode acabar com o drama e a tensão do
jogo. Então varia esse tipo de resposta com as outras duas a seguir.
Aqui, vamos fazer algo diferente. Você vai aceitar a ação do jogador, mas
oferecer uma complicação ou uma barganha difícil. O importante é deixar bem claro pro
jogador o que vem depois do "mas" (a complicação ou barganha) e deixar ele escolher
se quer mesmo fazer aquilo ou não.
Exemplo de complicação:
"Sim, você pode derrubar as estantes. Mas é bem provável que todas aquelas
velas comecem um incêndio. Quer mesmo fazer isso?"
Exemplo de barganha:
"Sim, você pode derrubar as estantes. Se derrubar várias vai parar o golem, mas
começa um incêndio. Se derrubar poucas, a biblioteca sobrevive, mas só vai atrasar o
golem. O que você faz?"
O legal desse tipo de resposta é que isso aumenta o drama. O herói conseguiu
resolver o problema dele, mas criou outro. Em livros e filmes, usam muito a técnica de
trocar um problema por outro pra aumentar a tensão. Se o herói conseguir tudo que
queria, a tensão da história diminui. Isso também ajuda a mostrar que as ações dos
heróis têm consequências.
É importante ressaltar que o objetivo dessa resposta não é punir o jogador por
tomar aquela ação. O jogador tem que sentir que obteve um sucesso e que a ação valeu a
pena, mesmo que parcialmente. A consequência tem que ser usara pra aumentar a
tensão e criar mais perigos para os jogadores, e não para puni-los ou tirar opções deles.
Em algumas situações, não dá pra dizer sim para o que o jogador sugeriu ou
perguntou. Mas você ainda quer aceitar a participação dele na história. Então você pode
dizer não, mas logo em seguida sugerir um caminho alternativo que seja próximo do
objetivo do jogador.
"Não, as estantes são enormes e estão presas no chão. Mas os livros são grandes
e pesados. Se seu objetivo for atrasar o golem, pode sair derrubando livros pelo
caminho."
Você ainda pode combinar ela com a resposta 2 e sugerir uma complicação ou
barganha.
Um aviso importante é que você deve tomar muito cuidado pra não usar essa
resposta pra negar ou diminuir a participação do jogador na história. Dizer sim, mesmo
pra coisas malucas, pode ajudar a criar coisas muito criativas e únicas, como vimos no
capítulo anterior.
Só use essa resposta quando realmente a ação for impossível ou não fizer sentido
no mundo de jogo. Eu só usei a estante pra continuar na mesma história, porque num
jogo eu provavelmente deixaria o jogador derrubar a estante mesmo que eu tivesse
planejado ela como presa no chão. É importante estar aberto pra mudar as coisas em
cima da hora.
Finalizando
Existem várias formas diferentes de aceitar a contribuição do jogador, mesmo
que a resposta comece com um não. É importante entender como dizer sim, mas
também por que dizer sim.
No próximo capítulo
Fica muito mais fácil improvisar e não tentar controlar o rumo da história
quando você entende que construir a história não é responsabilidade de uma pessoa só.
O Mestre está lá pra descobrir o que acontece, igual aos jogadores. Então leia pra
entender que construir a história não é sua responsabilidade.
Vamos ver todas as formas que o Mestre pode incorporar isso no RPG.
Lembrar disso ajuda você a deixar a história mais aberta. E lembrar que os
jogadores também são responsáveis por ela evita que você diga não quando poderia
dizer sim.
E sabe o que é pior? Os jogadores sempre vão tomar decisões que você não
previu e vão levar a história pra um lado que você não planejou. E aí a reação do mestre
acaba sendo planejar mais material (haja tempo!) ou então negar as ações dos jogadores
pra não fugirem do que ele planejou. Não faça isso.
Planeje menos e deixe a história seguir o rumo que for. Até porque...
Construir a história não é sua responsabilidade. Mas tem um outro lado dessa
moeda. Contar a história também não é seu direito especial e exclusivo.
Você, como Mestre de uma partida de RPG, tem que entender que você não tem
um direito maior que o deles de decidir os rumos que a história vai seguir. Você precisa
estar aberto para que os jogadores também construam a história com você. Só assim
todos estarão realmente improvisando da melhor forma possível.
O jogador quer botar fogo na poção de cura em vez de bebê-la? O bárbaro quer
gritar com a princesa em vez de salvá-la? O ladino roubou o cajado do seu grande vilão
sem ele perceber? O grupo está conseguindo rolagens fantásticas sem parar nos dados e
vão derrotar o monstro inderrotável? Coisas inesperadas acontecem. E coisas
inesperadas geralmente levam a histórias únicas que os jogadores vão lembrar daqui a
meses ou anos.
O que você pensou pra história não é mais importante e nem melhor do que o
que os jogadores pensaram pra história.
O primeiro passo para entender que os outros também estão criando a história
com você é não planejar demais e não dizer não pra eles e nem para os resultados loucos
que saem nos dados.
Finalizando
No próximo capítulo
O teatro de improviso
No teatro de improviso, os atores até podem trazer ideias para cenas que vão
improvisar, mas não mais do que isso.
Improvisar coisas legais o tempo todo é difícil. Se você teve uma ideia fora do
palco, fique à vontade pra guardar ela na cabeça e usar durante uma cena. Mas se você
vier com uma ideia fechada de como essa cena deve se desenrolar ou terminar, vai dar
problemas.
Já que estão todos improvisando, só tem uma forma da cena seguir o rumo que
você imaginou. Isso só acontecerá se você ignorar as contribuições do outro ator. E nós
já sabemos que isso é ruim, porque a primeira regra é não negar a participação do outro.
Por isso, no teatro de improviso, você tem que lembrar que você pode levar
ideias, mas não resultados.
Mas as ideias devem ser abertas. Pense no começo de uma situação, mas deixe o
rumo dela em aberto.
No RPG, isso é fácil de aplicar. Você com certeza já pensou em várias cenas
legais. Algumas cenas que já passaram na minha cabeça: uma cena onde o grupo luta
numa ponte de madeira pegando fogo e caem no rio abaixo dela. Uma cena onde
enfrentam um golem numa biblioteca e incendeiam o local. Uma cena onde discutem
em público com um nobre e acabam expulsos da cidade.
Todas elas trazem o resultado junto delas. Elas vão me fazer ignorar a
contribuição dos jogadores pra garantir que o resultado aconteça, e também vão me
fazer planejar demais.
Eu sou um grande fã de sempre ter um caderno ou celular por perto pra anotar
suas ideias. Assim você não esquece as cenas legais que pensou pro RPG. Ter as ideias
por escrito é uma forma de poder revisar o que pensou e ver se você está planejando o
resultado.
Se você estiver planejando o resultado das cenas, risque essa parte da ideia.
Deixe apenas a premissa por trás dela.
Pensou numa cena de luta na ponte em chamas onde todos caem? Corte o final
para apenas cena de luta na ponte em chamas.
Pensou numa discussão com um nobre em que todos acabam expulsos? Corte o
final e pense apenas na discussão com o nobre.
Quando você deixa de planejar o resultado você evita que seus instintos queiram
forçar a cena naquela direção. Lembre-se que construir a história não é seu direito
exclusivo e que o legal é aceitar que o improviso dos jogadores determine o futuro.
Eu tenho uma técnica pra criar ideias abertas. Eu escrevo elas como perguntas
que começam com "E se". Isso me lembra que só estou pensando em ideias de cenas, e
não em como elas devem acabar.
Pense nas ideias. Anote suas ideias. Deixe elas prontas para serem encaixadas
numa partida. Mas lembre-se que todos estão ao redor da mesa pra descobrir o que
acontece, incluindo você.
Talvez os heróis saiam da ponte antes dela cair. Talvez eles consigam enganar
ou fugir do golem sem combate. Talvez façam com que o nobre é quem seja humilhado
e expulso da cidade. O que quer que aconteça, aconteceu porque todos estão criando a
história juntos.
Finalizando
Como você já deve ter reparado, todas as regras e dicas desse livro sempre
voltam para o mesmo ponto: improvise de verdade, esteja aberto a aceitar o rumo que a
história tomar, sem impôr sua visão sobre a dos outros.
No próximo capítulo
A dica do próximo capítulo é talvez a primeira desse livro que vai ser contra
intuitiva de verdade. No teatro de improviso, há o mantra "não tente ser engraçado". Eu
adapto isso pro RPG como "não tente ser criativo". Se você aí agora curioso ou gritando
comigo, não deixe de ler.
Capítulo 5 - Não tente ser criativo
Seguir a ideia daquele capítulo te força ainda mais a improvisar. Mas e se você
tiver dificuldade de improvisar coisas legais? Pra isso eu tenho uma dica muito
contraintuitiva: não tente ser criativo. Confuso? Vem comigo.
"Não tente ser engraçado" ou, de forma mais genérica, "não tente inventar".
Mas o propósito não é inventar? Sim, é. Mas você vai inventar naturalmente,
sem esforço.
Quando você fica se esforçando pra ser engraçado, as pessoas vão perceber.
Você vai ficar pensando muito nisso. Vai hesitar antes de falar, por ficar se
questionando se o que você vai falar é engraçado. Não vai prestar atenção no que o
outro ator está falando, porque você está pensando em algo engraçado.
É igual ao que falei pro teatro. Se ficar querendo ser criativo o tempo todo, vai
hesitar. Vai colocar mais pressão sobre seus ombros. A sugestão: não tente ser criativo.
Sério.
Eu sigo essa regra nas minhas campanhas. E sabe o que é legal? As aventuras
acabam sendo criativas de qualquer jeito. Você acha que está sendo clichê, e aí percebe
que as referências que você tem não são as mesmas dos seus jogadores. Algo óbvio pra
você pode acabar sendo criativo e original pra eles.
Essa mistura da contribuição de todo mundo vai criar algo único. Você inventou
algo que é clichê pra você, aí um jogador contribui algo que é clichê pra ele, e uma
outra jogadora contribui com algo que é clichê pra ela. Mas quando você vê, a mistura
de tudo é original e interessante.
Eu tenho meus clichês em aventuras. Sério, já fiz várias besteiras. Sempre que
eu parava pra inventar algo "criativo" no meio da aventura, sabe o que eu fazia?
Colocava um traidor.
Aquele seu mentor? Vai te trair. Aquele cara pedindo ajuda? É um bandido. O
cara bonzinho te ajudando há 3 sessões? Traidor!
Se eu parasse pra inventar, sempre ia pro mesmo caminho. Então parei de ficar
tentando inventar. Segui o fluxo. E pessoas pararam de ser traídas.
Finalizando
No próximo capítulo
Eu já bati várias vezes na tecla do improviso e de deixar rolar. Mas ainda tem
uma forma em que os Mestres influenciam o rumo das cenas. A forma como fazemos
perguntas acaba dizendo a eles o que fazer.
Então fique ligado no próximo capítulo "não diga aos jogadores o que fazer", pra
ver como podemos fazer perguntas sem manipular os jogadores pra um rumo específico.
Capítulo 6 - Não diga aos jogadores o que fazer
O oposto do teatro
Essa é a primeira vez no livro que digo fujo um pouco da proposta, então resolvi
avisar com antecedência. O meu ponto a seguir é que no jogo de RPG temos que fazer o
oposto do que fazem no teatro. Você vai entender.
Já a pergunta aberta é o oposto. Ela não traz uma sugestão de resposta e deixa a
outra pessoa completamente livre pra responder. Exemplo: "Quem é você?" ou "Do que
é que isso é feito?".
Quando você pergunta algo tipo "Quem é você?" você força o outro ator a parar
e bolar uma resposta. Eles tem uma plateia esperando ver uma cena que não para, então
qualquer pausa é ruim.
Lá no teatro, você não quer que o outro ator tenha que inventar algo. Pra eles, é
melhor não deixar muitas opções nas perguntas.
O caso do RPG é o oposto. Nós somos nossa própria plateia. Além disso, o jogo
já tem diversas pequenas pausas ao longo de uma sessão.
E o que mais queremos num jogo de RPG é deixar cada jogador aberto para
inventar. É importante que o improviso seja o mais livre possível. Isso que leva a
história a um ponto único como falamos no capítulo anterior. Então não diga aos
jogadores o que fazer. Pergunte de forma aberta.
Quando o Mestre faz uma pergunta fechada, ele acaba manipulando a reação do
jogador. Ele coloca uma possível resposta em primeiro plano na pessoa que foi
perguntada.
"No final do corredor, entre os livros, está um Orc de 2 metros de altura. Você
vai atacar ele?"
Essa cena coloca uma reação direto na mente do jogador. Ele agora está
pensando em ataque. Você manipulou a reação, mesmo que sem querer. E o mais
provável é que o jogador diga sim.
O problema desse tipo de pergunta é que pode impedir que o jogador bole algum
outro tipo de resposta completamente diferente que tornaria aquela cena única e
memorável.
Será que o jogador dessa cena pensaria em derrubar a estante e fugir, em vez de
atacar?
Agora vamos imaginar aquela mesma cena, com outra pergunta no final.
"No final do corredor, entre os livros, está um Orc de 2 metros de altura. O que
você faz?"
Essa pergunta é o mais aberta que dá pra chegar. Você não colocou nenhum tipo
de ação em primeiro plano na mente do jogador. Ele está livre! Livre pra mente dele ir
pra
Talvez ele pense em atacar. Talvez pense em derrubar a estante. Talvez pense
em dar oi e oferecer chocolate. Tudo pode acontecer!
Finalizando
No teatro, perguntas abertas são ruins porque eles precisam bolar uma
resposta e a plateia não quer esperar.
No RPG, somos nossa propria plateia. Nós podemos esperar alguns
segundos enquanto um jogador bola uma resposta.
Perguntas fechadas colocam uma resposta na mente da pessoa. Isso
limita o que a pessoa pode acabar imaginando.
Perguntas abertas são uma página em branco. Qualquer coisa pode
acontecer.
Não diga aos jogadores o que fazer. Em vez disso, faça perguntas
abertas.
No próximo capítulo
Agora que vimos tudo que podemos aprender com o teatro de improviso, não
basta juntar tudo. É importante manter a ilusão.
Nos seis capítulos anteriores eu falei sobre todas as formas como o teatro de
improviso pode te ajudar a melhorar suas partidas de RPG.
Se você seguir todas as dicas, vai estar improvisando e criando coisas conforme
jogam. Agora é hora da dica que faz tudo funcionar. Você precisa fazer parecer que já
tinha pensado nas coisas. Mantenha a ilusão.
Se também estiver trazendo ideias sem resultados fixos, as coisas vão estar
acontecendo sem serem previstas. Inimigos vão aparecer. Vai inventar armadilhas na
hora.
Vai acontecer de inventar uma armadilha, sem nem saber como é que se passa
por ela. E vai aceitar a sugestão de algum jogador de como resolver!
Isso é muito legal, mas tem um problema. Os jogadores podem achar que não
existe nenhum desafio diante deles.
A sensação de desafio
Jogadores precisam sentir que estão sendo desafiados e que estão superando o
desafio por serem espertos.
Na maioria das vezes isso é verdade. Mas em alguns momentos, um jogador vai
tentar algo inusitado como jogar pombos mortos numa armadilha mágica. E a solução é
tão legal e criativa que você vai fingir que aquela era sim a melhor solução pro
problema.
Se isso acontecer com muita frequência, os jogadores vão achar que não
precisam se esforçar. Que qualquer coisa que eles inventarem você vai aceitar como
solução.
Você precisa fazer eles acreditarem que você tinha mais coisas planejadas.
A importância da ilusão
As pessoas gostam de ser enganadas. Mas com elegância. Pessoas pagam pra ver
mágicos no palco. Compram revistas com mulheres super alteradas no Photoshop.
Mas quando você mostra que elas foram enganadas, não gostam. O mágico que
revela seu truque perde parte do encanto, por exemplo.
Mantenha a ilusão
Não diga aos jogadores o que você já tinha preparado. Pra todos os efeitos, todos
os desafios, todos os personagens, todos os monstros, todos os itens do jogo estavam
planejados.
Quando você não revela o que foi improviso, fica a dúvida. E a dúvida é como o
truque do mágico. A dúvida é mais legal do que a verdade.
Finalizando
A ilusão é o que permite aos jogadores acreditar que venceram todos os desafios
por mérito próprio. Na maior parte das vezes é verdade, mas isso impede a decepção de
saber que alguns desafios foram apenas simulados.
No próximo capítulo
No próximo capítulo
Pra finalizar o livro sobre como melhorar suas partidas de RPG com técnicas de
Capítulo 8 - Como se preparar para improvisar
Vamos rever tudo que foi falado nos capítulos anteriores até agora.
Na parte 1 e 2 falei sobre a importância de não dizer não, e como dizer sim.
Na parte 3 e 4, bati mais na tecla sobre aceitar a colaboração dos outros. Falei
sobre quem conta a história no RPG, e que o importante é trazer ideias abertas, não
resultados.
Nas partes 5 e 6 o tema foi não limitar as ideias que vem na cabeça, com a dica
polêmica "não tente ser criativo" e o capítulo sobre não dizer aos jogadores o que fazer.
E os dois últimos capítulos são sobre juntar tudo sem quebrar a ilusão e a
empolgação. Na parte 7 falei sobre "manter a ilusão". Agora é hora de falar sobre como
se preparar para improvisar.
Eu sei que parece meio contraditório. Eu passei 7 capítulos falando sobre aceitar
improvisos na hora e agora falo sobre se preparar? O negócio é que por mais que a ideia
de improvisar todo o tempo seja legal, nem sempre conseguimos inventar coisas legais
no calor do momento.
Ainda por cima, jogos de RPG dependem de vários materiais de referência. Itens
e monstros precisam de estatísticas. Personagens coadjuvantes precisam de nomes.
Dungeons podem precisar de uma armadilha complexa. Cidades precisam de
construções interessantes. E por aí vai.
Não é legal parar a aventura no meio pra procurar uma informação num livro.
É importante que o mestre tenha o material que precisa já à mão. Mas o que ele
precisa?
Lembra do capítulo sobre trazer ideias, não resultados? Ideias abertas são uma
das principais coisas que o Mestre pode preparar com antecedência.
Traga sua lista de ideias para a sessão. Faça uma lista de itens curtos, de
preferência descritos como perguntas que começam com "E se...".
Para preparar suas ideias, fique atento fora do jogo. Tenha sempre com você um
caderno, ou seu celular com um aplicativo de notas a fácil acesso. Quando tiver
qualquer ideia, anote no caderno ou aplicativo. É sério, não esqueça de anotar. Mesmo
que você ache que a ideia é tão boa que não pode esquecer, existe uma boa chance de
você acabar esquecendo.
Para monstros, reveja para onde a sessão anterior estava indo. Agora pense que
monstros podem encontrar num futuro próximo e já imprima as fichas deles. Só por
garantia, imprima ou separe também uma ou outra ficha de monstro caso a próxima
sessão siga numa direção completamente diferente e você precise de outro tipo de
monstro. Acha que a próxima sessão vai ser focada em dragões e dragonetes? Prepare
também um esqueleto ou um lobo selvagem.
Se seu jogo tiver itens mágicos ou equipamentos especiais, escolha alguns itens
que podem ser dados como recompensa na aventura. Não se sinta obrigatório a colocar
todos na próxima sessão. A ideia é só ter fichas de itens a fácil acesso caso precise.
Faça uma lista de nomes. Nomes de homens e mulheres. Nomes de cidades. Não
precisa ser uma lista gigante, pode ter uns 3 ou 4 nomes de cada sexo, 1 ou 2 nomes de
cidades. O importante é não ser pego de surpresa caso os jogadores perguntem o nome
de algo ou alguém. Não é legal conhecerem o décimo Jack ou Maria na aventura.
Além disso, pense numa armadilha que seja bem divertida de jogar. Num jogo
tipo D&D, pode ser uma armadilha pra dungeon. Num jogo cyberpunk pode ser uma
armadilha nas ruas ou no ciberespaço. Talvez até mesmo uma armadilha corporativa.
Talvez um portal espacial adulterado. Sei lá.
Qualquer que seja a categoria da preparação, não prepare demais. Prepare o
mínimo possível, na verdade. Só o bastante pra não precisar ficar parando a história
todo o tempo.
Por mais que você queira se preparar, os jogadores vão levar as coisas para outro
lado. Então esteja pronto pra parar o jogo.
Finalizando
Se eu pudesse resumir esse livro numa única frase, seria: não seja o chato,
improvise junto com todo mundo. E saiba como se preparar pra improvisar sem se
deixar levar pelo que você preparou.
Improvisar bem o tempo todo é difícil, então anote suas ideias e traga
elas pro jogo.
Prepare de antemão algumas fichas que pode precisar. Isso evita perda de
tempo.
Pra saber o que preparar, pense no caminho que a história está seguindo.
Prepare o mínimo possível pra reduzir as pausas de coisas previsíveis.
Não deixe a preparação atrapalhar o improviso.
Quando a preparação falha, esteja preparado pra pausar o jogo por um
momento e procurar o que precisa.
Acima de tudo, lembre-se de improvisar, não dizer não, e aceitar a
participação de todos.
Onde encontrar mais informação
Você tem alguma dúvida ou sugestão? Acha que eu estou errado e o mestre tem
que controlar toda a história?