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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

CASE STUDY HOUSES


AUH0156 – História e Teorias da Arquitetura IV

Texto selecionado 1: MCCOY, Esther. Case Study Houses 1945-1962. 2. ed. Los Angeles:
Hennessey & Ingalls, 1977.
Texto selecionado 2: SMITH, Elizabeth A. T. Case Study House, the Complete CSH
Program 1945-1966. Cologne: Taschen, 2002.

Guilherme Oliveira Okasaki de Freitas_9811345

Profº Hugo Segawa


Profª Mônica Junqueira de Camargo

SÃO PAULO
Abril 2019
1. Introdução

Os livros selecionados dissertam sobre as Case Study Houses, casas experimentais


construídas no Sul da Califórnia no Pós 2ª Guerra Mundial. Suas respectivas autoras,
McCoy e Smith, apresentam perspectivas distintas por escreverem com quarenta anos de
diferença sobre o mesmo assunto, possibilitando pontos de vista e leituras mais ou menos
distanciadas da época em que se sucederam os fatos. O objetivo deste fichamento é
identificar as mudanças na leitura desse programa desenvolvido pela revista Arts &
Architecture e na sua importância na construção habitacional americana.

2. Contexto e início do programa

O primeiro livro, de Esther McCoy, foi escrito com o programa ainda em andamento, em
1962, sendo relançado em 1977 em sua segunda edição.
Inicialmente, a autora introduz o contexto para a criação do programa, o pós-guerra
americano, onde, segundo ela, a escassez de investimentos e materiais necessários à
construção civil devido à guerra estava chegando ao fim, e, com isso, a euforia dos jovens
arquitetos de experimentar e inovar no fazer arquitetônico era grande. Além da iminência de
um boom de construção habitacional que sucederia o hiato da guerra, a autora descreve
uma gama de materiais inovadores que, desenvolvidos para uso bélico, seriam aplicáveis
na arquitetura de forma a responder a questões e a uma estética moderna, como descrito:

New plastics made the translucent house a possibility; arc welding gave to
steel joints a fineness that was to gain the material admission inside the house;
synthetic resins […] could weatherproof lightweight building panels; new
aircraft glues made a variety of laminates a reality. (MCCOOY, 1977, p. 8)

Segundo McCoy (1977), conseguindo sentir essa junção de fatores propícios para a criação
e experimentação na arquitetura, John Entenza, editor da revista Arts & Architecture, se
antecipa, e lança o programa das Case Study Houses em 1945. De forma a fomentar a
produção de arquitetura de habitação moderna e tendo como vitrine a revista de 1938, o
programa incentiva a experimentação com desempenho de novos materiais e a
popularização e replicação de projetos residenciais modernos de baixo custo, que não
ocupavam ainda o imaginário dos clientes nem conseguiam financiamento para a
construção de projetos vistos como experimentais.
De acordo com a própria autora (MCCOY, 1977, p.1), o programa começa como um plano
para proteger a linguagem moderna da linguagem dos ecléticos nesse inevitável boom
construtivo dos anos 40-50, mostrando ser não só uma iniciativa para a experimentação e

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produção arquitetônica mas, especificamente, para uma construção da casa moderna, que
seria, nesse contexto das casas modelo, replicáveis para o mercado.

No segundo texto, de Elizabeth Smith (2002), a autora também inicia o livro introduzindo o
contexto da concepção das CSH. Percebe-se, entretanto, uma diferença muito grande na
forma como as autoras descrevem o momento do pós-guerra e a iniciativa de John Entenza.
McCoy romantiza o papel e o entusiasmo dos arquitetos nesse momento de retomada da
construção civil nos EUA, descrevendo o esforço dos arquitetos que participaram da guerra
projetando barracos de guerra e desenhando mapas na Europa, conhecendo e estudando
as novas tecnologias para emprega-las em seus projetos (MCCOY, 1977). Para McCoy,
existia uma euforia e uma preocupação com o futuro da arquitetura nos EUA, uma
preocupação para uma nova forma de habitar que se baseava numa concepção moderna
Já Smith tem uma abordagem muito mais direta ao abordar o pós-guerra, citando apenas o
inevitável boom de construção devido à escassez de moradia que afetava o país desde a
Grande Depressão, previsto por Entenza na forma dessa iniciativa.

Entenza envisioned the Case Study effort as a way to offer the public and the
building industry models for low-cost housing in the modern idiom, foreseeing
the coming building boom as inevitable in the wake of drastic housing
shortages during the depression and war years. (SMITH, 2002, p. 8)

A própria figura de Entenza é abordada diferentemente por Smith, que frisa a pré-existência
de concursos patrocinados pelo editor para fomentar esse mesmo tipo de arquitetura
poucos anos antes, negando a originalidade do programa das Case Study Houses, tanto
nacional quanto internacionalmente, caracterizando o programa não como algo isolado, mas
sim como parte de um episódio na arquitetura moderna mundial e americana, sem negar,
entretanto a importância do patrocinador e da revista, que se mostraram ideais para a
divulgação do programa
(SMITH, 2002). A autora cita exemplos internacionais, como o programa de 1927 de
Weissenhofsiedlung de Stuttgart da Werkbund e os projetos de habitação de Frankfurt dos
anos 20, e nacionais, como o projeto de Frank Lloyd Wright de “A Small House with Lots of
Room in it” de 1901 e a World Fair de Nova Iorque em 1939. Apesar disso, Smith reconhece
a importância do programa e as especificidades de sua realização nos EUA, onde a
linguagem moderna no meio habitacional ainda não se mostrava tão bem estabelecida
quanto na Europa e era restrita a alguns eventos, fairs e, em sua maioria, exemplos
isolados.

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Smith também afirma que Los Angeles já era palco de experiências habitacionais modernas
muito antes do programa das CSH desde a década de 10 até os anos 30, realizadas por
nomes como Irving Ill, Frank Lloyd Wright e Richard Neutra (que mais tarde também
participaria do programa), houveram inclusive experiências de habitação prototípicas de
baixo custo baseada em pré-fabricados por R. M. Schindler.

Therefore, when John Entenza announced the inauguration of the program


[…], it was in confidence that many of the best architectural talents of his
generation were already preoccupied with the issue of housing, and yearned
for the opportunity to apply their ideas after the war years` forced hiatus in
building. (SMITH, 2002, p.8)

3. Primeira fase (1945-1949/1950)

Ambas as autoras reconhecem duas principais fases do programa das Case Study Houses,
sendo que a primeira delas, em seu início, consiste dos primeiros cinco anos da iniciativa.
Em sua concepção, o programa previu a construção de oito casas, projetadas por oito
arquitetos diferentes, que seriam publicadas mensalmente na revista Arts & Architecture.

Os arquitetos selecionados eram, em sua maioria, jovens, alguns conhecidos


nacionalmente ou regionalmente que viriam a obter reconhecimento internacional por seus
projetos.
Smith frisa que, apesar das escolhas serem baseadas em reconhecimento de suas
carreiras, elas eram feitas puramente por predileção e convite do próprio John Entenza, não
refletindo necessariamente uma visão mais ampla e representativa do que seriam projetos
habitacionais de baixo custo nos EUA e na Califórnia e sim o gosto pessoal do editor da
revista (SMITH, 2002, p.8)

Segundo McCoy, dos oito projetos inicialmente previstos para o programa, treze foram
efetivamente construídos e sete tiveram projetos apresentados nos primeiros cinco anos do
programa. A autora atribui o sucesso do programa a sua simplicidade e afirma:

The only goal was good living environment. Architects were encouraged to
experiment with forms and materials; but materials were to be selected purely
on their merits, no attempts being made to use one solely because it was
new. (MCCOY, 1977, p.9)

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Para ela o sucesso imediato do programa (construindo seis casas em apenas três anos),
abriu caminho para aceitação do público a esse tipo de projeto experimental, permitindo o
maior investimento para financiamento dessas casas e alterando a percepção de uma
habitação no imaginário coletivo.
As casas desse período caracterizam-se pela forte relação entre seu interior e exterior, visto
como primordial na época e obtido principalmente pela presença ostensiva de painéis de
vidro, pela modulação de seus sistemas construtivos e espaços, pelas plantas abertas
flexíveis sem forte divisão entre cômodos (sem sala de jantar, cozinha aberta), telhados
planos e experimentação com diferentes matérias pré-fabricados e industriais (MCCOY,
1977).

Para Smith, entretanto, os primeiros anos do programa mostram-se menos inovadores e


bem-sucedidos do que McCoy dá a entender. A autora afirma que, em um primeiro
momento, a iniciativa e escolhas de Entenza são ditadas com um espírito de improviso,
dizendo que muitos dos projetos nunca foram construídos por falta de clientes e terrenos,
sendo que, quando construídos, a maioria deles sofria grandes alterações devido a falta de
materiais nos anos imediatamente após a guerra ou devido a demandas exigidas pelos
clientes. A autora afirma ainda que alguns projetos foram trazidos para o programa das
CSH apenas após sua conclusão para garantir continuidade ao programa, o próprio
Entenza e arquitetos do CSH se tornam clientes para gerar um primeiro impulso à iniciativa
(SMITH, 2002, p.8).
Apesar disso, Smith reconhece o esforço e resultados desses primeiros projetos
considerando-se o contexto, ela vê, entretanto, uma continuidade entre essa fase inicial do
programa e seus predecessores:

The relatively limited availability of materials, not to mention clients for


modern houses, during the immediate postwar years did not deter these
architects thoughtful and in some instances even inspired designs that were
auspicious early contributions to the program. In many aspects, however,
these houses did not differ substantially from examples built in previous years
prior to the program’s establishment. (SMITH, 2002, p.8)

4. Segunda fase (1949/1950-1960)

A segunda fase identificada por ambas autoras ocorre na década de 50, quando o
programa já se mostrava mais maduro e estabelecido, impulsionado por seu sucesso nos
primeiros anos.

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Para Smith, é esta a fase em que os arquitetos realmente começam a abranger por
completo o ideal da experimentação com materiais industriais e sistemas construtivos que
basearam o pensamento por detrás da gênese do programa (SMITH, 2002). Segundo
McCoy, esta fase é representada pela predominância das construções de habitações em
aço, trazendo experiências arquitetônicas que buscavam relacionar a arquitetura à indústria
e à máquina, servindo como protótipos para a edificação industrializada. Para a autora, a
construção de casas havia resistido à industrialização apesar da pré-existência de
experiências com construção habitacional em aço, como o Werkbund de 1927 (MCCOY,
1977, p. 69).

Segundo Smith, a quebra entre esta nova fase e o início do programa representa uma
verdadeira ruptura com a linguagem pré-estabelecida do modernismo de Los Angeles,
ainda presente na primeira fase, a qual a autora considera uma continuidade do que já era
feito nos anos 30. Smith ainda aponta que muito dessa ruptura e uso de materiais mais
inovadores como o ferro ocorreu em decorrência das circunstâncias econômicas favoráveis
da época e a maior disponibilidade de materiais industriais como o aço, que no momento
começou a se tornar viável na construção residencial (SMITH, 2002, p.9). Para ela, esta
fase é a que mais se aproxima do chamado International Style do modernismo no que tange
a sua rigorosa aplicação de métodos construtivos e materiais industriais na arquitetura
residencial, projetadas como protótipos a serem replicados. Não por acaso as case study
houses desse período são as mais emblemáticas e famosas do programa.

Apesar das visões semelhantes sobre o período, há algumas importantes discrepâncias


entre os textos sobre essa fase. A primeira delas é a abrangência das casas que estariam
contempladas nessas fases. McCoy atribui o início dessa fase no ano de 1950, após a
construção de duas emblemáticas casas do CSH, a casa #8 e #9, projetos,
respectivamente, de Charles e Ray Eames e Charles Eames e Eero Saarinen, para a
autora, essas casas apresentam uma transição, mas não uma ruptura, já que seus projetos
originais foram concebidos no primeiro ano do programa e construídas com alterações em
1949. Já Smith atribui essas casas à segunda fase, por terem um método construtivo já
baseado no aço e concebidas com uma proposta quase que inteiramente com materiais
industriais.

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Figura 1 - CHS#8/Casa Eames, 1945-1949

Figura 2 - Construção da Casa #9 (Casa Entenza, 1945-1949), evidenciando o método construtivo em aço

As duas casas são parte de um único projeto de Charles Eames de 1945, sendo
tecnologicamente quase idênticas, como visto nas imagens acima, porém com programas
completamente distintos, sendo que a primeira seria a casa do próprio arquiteto e a
segunda de John Entenza. Ambas apresentam modulação rígida e se valem quase que
completamente de materiais industriais na sua estrutura e acabamentos.

A segunda grande diferença entre a leitura das autoras sobre esse período é o caráter
prototípico dos projetos realizados nessa época.

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McCoy afirma que a segunda fase do programa dá ênfase para o desenvolvimento de
projetos que sejam protótipos para a construção industrializada, afirmando que elas se opõe
à primeira fase das CSH, a qual seria mais focada em “performances únicas” (MCCOY,
1977, p.69).
Já Smith aponta o exato oposto, afirmando que as casas desse período, apesar de
altamente tecnológicas, são projetos únicos e individuais e não protótipos intencionais, o
que, ao seu ver, representa um afastamento nesse sentido do objetivo do programa
(SMITH, 2002, p.9).

Apesar de curiosa, essa diferença tão drástica, assim como muitas outras observadas nos
dois textos, se dá principalmente pela diferença de tempo em que os livros foram escritos,
propiciando diferentes pontos de vista dentre as autoras. Para McCoy, o fato de as casas da
segunda fase serem altamente tecnológicas e industriais se mostra suficiente para dizer que
são protótipos, pois podem, na teoria, ser reproduzidos em massa. Porém, para Smith, as
casas do primeiro período, apesar de disporem de um nível tecnológico mais baixo se
mostraram, ao longo do tempo, mais reprodutíveis e tipológicas que as icônicas casas da
segunda fase, que tinham, muitas vezes, programas mais específicos e direcionados.

5. Conclusão

O impacto das Case Study Houses até os dias de hoje é indiscutível. O programa realmente
foi capaz de criar um imaginário da casa moderna representativa do sonho americano,
criando ícones como a Eames House e a CSH#22 de Peter Kroenig, imortalizada com suas
fotos cênicas por Julius Shulman.
É interessante perceber os diferentes pontos de vista das autoras causados pelo
distanciamento temporal. Esther McCoy, que viveu e participou do processo do programa se
mostra muito mais romântica em relação a leitura do que foram as casas experimentais e
seu contexto. Já Elizabeth Smith é muito mais questionadora nesse sentido, relativizando a
efetiva inovação no programa e buscando sempre observar as referências e processos que
levaram ao programa em si.

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