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Karl Barth (1886-1968) afirmou, certa vez, que o culto cristão é o ato mais relevante e glorioso
na vida do homem. Acredito que nenhum crente ousaria contraditar o teólogo suíço, pois todos
nos empenhamos a santificar a Deus os mais altos louvores. Além disso, nossa índole
espiritual induz-nos a adorá-lo; é uma necessidade que nos reclama pronta satisfação. O que
muitos não querem admitir, porém, é que o culto, por mais singelo, não prescinde da liturgia.
Alguns movimentos não toleram sequer uma hipótese litúrgica. Haja vista os puritanos.
Supõem que ela destrói-nos a espontaneidade e a beleza da vida cristã. Todavia, mesmo sem
o admitirmos, temos uma liturgia. O movimento litúrgico tem início ao nos reunimos para adorar
a Deus. Prossegue já com a oração, já com os cânticos. Tem sequência com a proclamação do
Evangelho. E, finalmenter, encerra-se com a impetração da bênção apostólica.
Isso é liturgia!
Só há uma maneira de se evitá-la: banir o culto a Deus. Mas enquanto a Igreja congregar-se
para honrar-lhe o nome e tributar-lhe glória, a liturgia far-se-á presente. Nem por isso deixarão
os fiéis de ascenderem-se espiritualmente. Antes, consagrar-se-ão ainda mais ao serviço
cristão. Aliás, até mesmo a devoção individual reivindica uma liturgia.
O mal não está na liturgia; reside no formalismo que, paulatinamente, vem destruindo igrejas e
empalhando movimentos.
A palavra liturgia é originária do termo grego leitourgia. Este, por seu turno, é formado por dois
vocábulos: leitos, público e ergon, trabalho. Literalmente, liturgia significa serviço público. Na
Grécia, o termo era usado para designar uma função administrativa num órgão governamental.
Desde a sua origem, a liturgia tem uma forte conotação com o serviço que os súditos devem
prestar ao rei.
O termo passou, com o tempo, a designar o culto oficial da Igreja Cristã. Hoje, é definido como
a forma pela qual um ato de adoração é conduzido. Numa linguagem mais técnica, liturgia é a
soma de quanto concorre para a boa condução de um ato religioso.
O culto levítico era bem elaborado. Seus gestos e sons constituíam-se num espetáculo de
raríssima beleza. Haja vista a observação da rainha de Sabá ao visitar o rei Salomão. A
soberana enalteceu a Jeová diante da postura dos israelitas na Casa de Deus (1Rs 10.5).
Os ministros do altar não poupavam esforços nem minúcias na condução do culto. Tudo tinha
de sair perfeito; nenhum detalhe haveria de ser esquecido. A apresentação do sumo sacerdote,
dos ministros da música e dos demais levitas não contemplava a menor hipótese de falha. Nos
sacrifícios e oferendas, redobrados desvelos. A atenção sacerdotal perseguia o menor
descuido. Era uma liturgia sublimada.
Na inauguração do Santo Templo, tamanha foi a majestade divina a baixar no santuário, que o
cronista simplesmente registrou: “E os sacerdotes não podiam entrar na casa do Senhor,
porque a glória do Senhor tinha enchido a sua casa” (2Cr 7.2).
Apesar de o Cristianismo não ser uma religião sacerdotal, é impossível dissociar o seu culto da
liturgia. O próprio Cristo ia regularmente à sinagoga e participava dos serviços aí realizados (Lc
4.16-22). Mais tarde, o mesmo faria Paulo. Ao chegar a uma cidade, o primeiro lugar a ser
visitado por ele era a sinagoga (At 13.5). Em nenhum momento criticou o culto hebreu. Certa
vez, aliás, propôs-se a fazer um voto tipicamente judaico para não escandalizar a sua nação
(At 21.23,24).
Sendo israelitas os primeiros membros da Igreja, o culto cristão, no início, pouco diferia do
judaico. As diferenças, porém, já eram bem nítidas. A começar pelo dia escolhido para a
reunião. Se a sinagoga congregava-se no sétimo dia, a igreja reunia-se no primeiro (At 20.7).
Além disso, em todas as reuniões os discípulos de Cristo celebravam a Santa Ceia – a mais
importante e solene cerimônia da cristandade.
Enganam-se os que pensam não haver no Novo Testamento um esquema de culto. Atentemos
a recomendação de Paulo aos coríntios que, embora fervorosos, não sabiam como dirigir suas
reuniões: “Que fazer, pois, irmãos? Quando vos congregais, cada um de vós tem salmo, tem
doutrina, tem revelação, tem língua, tem interpretação. Faça-se tudo para edificação” (1Co
14.26).
V. O FORMALISMO
CONCLUSÃO
Sejamos, pois, equilibrados. Se por um lado, não podemos fazer da liturgia um fim em si
mesma; por outro, não devemos desprezá-la como o faziam os sacerdotes do tempo de
Malaquias, que achavam um enfado o culto do Senhor (Ml 1.13).
O equilíbrio é fundamental.
E se Paulo insta aos romanos a serem fervorosos no espírito, não deixa de recomendar aos
coríntios a que tudo façam com decência e ordem (Rm 12.11; 1Co 14.40).