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Universidade Federal Fluminense Instituto de Estudos Comparados

em Administração de Conflitos Departamento de Segurança Pública


Disciplina: Economia, Trabalho e Segurança Pública II
Prof.: Dra. Ludmila Rodrigues Antunes
Aluno(a): Nelton César
AVALIÇÃO FINAL: ARTIGO COM BASE NA BIBLIOGRAFIA DO CURSO.

INFORMALIDADE X FORMALIDADE – CONVIVIO ENTRE ENTREGADORES E


PORTEIROS EM UM CONDOMÍNIO RESIDENCIAL.

INTRODUÇÃO.
O objetivo deste trabalho e descrever o relacionamento entre entregadores e porteiros
– no condomínio onde trabalho – localizado no centro da cidade de Niterói, o
empreendimento possui 318 apartamentos, fato este que gera uma grande demanda de
pedidos, de múltiplas plataformas, ou melhor, aplicativos, sendo os mais ativos, IFood –
aplicativo que tem o fast food1, como principal atividade; Zé Delivery – aplicativo
especializado em bebidas; Uber – aplicativo de transporte de passageiros, similar ao táxi.
Temos ainda os entregadores que são contratados diretamente pelos restaurantes, sobre estes
vou apontar alguns contrastes que percebi durante minhas observações. A principal
metodologia deste trabalho são as entrevistas abertas (estas foram feitas através de bate papos
informais, durante o tempo que os profissionais aguardavam para entregar seus pedidos, logo
utilizarei pseudônimos nas discrições de algumas conversas). Trabalhar na portaria me
proporcionou observar as atividades que serão descritas neste artigo.

FUNDAMENTAÇÃO TEORICA
O aumento do número de desempregados, ou seja, os profissionais de carteira assinada
– chamado de trabalhadores formais – acabou gerando um crescimento gigantesco nos
indivíduos que optaram por trabalhar de forma autônoma, contudo o que antes significava
trabalhar para si próprio se tornou trabalhar para empresas, que controlam tudo, sendo: tempo
produtividade e valores, “no início de 2019, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra
de domicílios (PNAD), 3,8 milhões de brasileiros tinham no trabalho por aplicativo sua
principal fonte de renda”. (ABÍLIO, 2020, p. 111), ainda segundo ABÍLIO (2020), esse
1
Fast Food é uma modalidade alimentar, essa expressão é de origem inglesa e consiste em um sistema de
preparo rápido de refeições, pode contar com uma padronização mecânica que auxilia na agilidade.
movimento onde as “empresas soberanas” mesmo de forma digamos disfarçada, como já dito
mantem o controle total sobre os indivíduos que escolher trabalhar para as mesmas, esse fato
para o autor criou o trabalhador, “just-in-time”, que é “autogente” do seu trabalho, contudo
nas entrelinhas se mantém “disponível e subordinado.
Para SILVA (2002), a noção de informalidade surge nos anos de 1980, contudo até os
dias de hoje não se tem uma palavra final sobre a questão, aqui irei comparar informalidade a
algo não oficial, não registrado, temos então, o empregado sem a carteira assinada, trazendo
para o contexto deste trabalho estamos falando de trabalhadores que não tem uma
regulamentação especificas para seu trabalho, fato esse que se agravou com a chegada da
pandemia do COVID, Como dito em:
Acompanhamos desde o início da pandemia de 2020 o trabalho dos
entregadores e motoboys, mototaxistas e motoristas de carros de aplicativos
e ambulantes. Esse olhar se deve principalmente pela observação das
dificuldades enfrentadas por esses grupos de trabalhadores a partir da
pandemia, que se encontram relacionadas às péssimas condições estruturais
e conjunturais do trabalho no Brasil e retroalimentam um vasto universo de
formas de sobrevivência nos modos do trabalho precário, hoje denominado
entre outras nomenclaturas por suas condições de trabalho uberizado.
(ANTUNES, ROCHA, 2021, p. 3.)

Contudo, para KREIN, MANZANO (2020), mesmo antes da pandemia, mudanças


propostas pelo governo, tais como: lei do teto de gastos, reforma trabalhistas e a reforma da
previdência, causaram um grande aumento no desemprego, fazendo com que muitos optassem
pelas empresas de aplicativos, mesmo que essa não dê uma condição apropriada de trabalho e
rendimentos, no gráfico 1, vemos como durante a pandemia os entregadores foram menos
remunerados pelos aplicativos, mesmo que estes neguem tal fato:
Tabela 1 - Mostra a queda dos ganhos dos entregadores durante a pandemia

Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52564246, acesso em 04/07/2022.


Dessa forma, as empresas aplicativas se aproveitaram de um momento de crise para
maximizar seus ganhos, de duas formais, a primeira vem com o aumento dos números de
associados – compradores – e na outra ponta os cadastros – entregadores. Tudo isso,
contribuiu para o que o KREIN (2018), relaciona com a passagem do trabalho de “Opus” –
onde existe uma preocupação com o humana e sua dignidade – para o “Labor” – que o
trabalhador ser torna uma ferramenta para a aquisição de cada vez mais lucros.

CONFLITO ENTRE A FORMALIDADE E A INFORMALIDADE –


ENTREGADORES X PORTEIROS.

Aqui chegamos ao assunto principal deste trabalho que é analisar o conflito existente
entre dois personagens que passam despercebidos, o porteiro que é uma profissional
responsável, por receber indivíduos que queiram adentrar em ambientes privados ou de acesso
controlados como são os condomínios residências e os entregadores/motoristas que estão
sempre com pressa, já que sua remuneração depende da quantidade de pedidos ou de viajem
que estes conseguem realizar durante sua jornada de trabalho que podem facilmente passar de
12h por dia, “ o trabalhador uberizado inicia sua jornada sem ter qualquer garantia sobre qual
será sua carga de trabalho, sua remuneração e o tempo de trabalho necessário para obtê-la”
(ABÍLIO, 2020, p. 116). Nesse momento, a necessidade de identificação, e espera, acaba
tornando algo que pode ser percebido como simples em uma relação quase sempre ruidosa.
A rotina em uma portaria não é fácil, o porteiro e responsável por identificar veículos,
pedestres; além de receber e protocolar as entregas recebidas – correias e transportadoras – de
forma paralela, também precisa avisar aos moradores a chegada de seus pedidos de deliveries,
por padrão, tendo como base a segurança, a entrada dos entregadores depende de
confirmação, ou seja, o entregador informa a unidade que fez o pedido e o porteiro interfona
para confirmar. Contudo, por diversos motivos, o morador pode não atende, nesse momento
surge um dos diversos conflito que irei citar, pois para o entregador é obrigação do porteiro
“dar seu jeito” para avisar ao morador, já para nós porteiros o entregador dever entrar em
contato com o morador através do aplicativo2, algo que demora e cria outro conflito, como
apenas o entregador teve contato com o morador, a entrada dele não é permitida, tendo o
mesmo que aguardar do lado de fora, essa situação para alguns entregadores torna-se
humilhante, pois eles entendem que estamos desconfiando e os comparando a criminosos,
infelizmente como o crescimento do uso por parte de criminosos de utensílio usados por
entregadores, realmente cresceu as medidas de segurança com relação ao serviço. Segue a fala
2
Os aplicativos não disponibilizam o número pessoal do cliente para os entregadores, o contato é feito através de
uma central de atendimento, esta faz a ligação e coloca o cliente em contato com o entregado. Fiquei ciente desse
procedimento em bate papo com um entregado do aplicativo IFood.
de um entregado na situação: “o morador pediu para deixar o pedido na portaria, já fiz o seu
trabalho ligando e o “senhor” não quer receber, não sou bandido, sou trabalhador”
(ENTREGADOR, IFOOD). Conversando com um entregador que vou chamar de WW. de 25
anos, fiquei sabendo que na maioria dos condomínios que o mesmo faz entrega eles não
entram, mesmo depois que o morador confirma que fez o pedido, nas palavras de WW, “Cara,
aqui vocês ainda recebem, isso adianta nossa correria, por ai temos que ficar esperando a boa
vontade dos riquinhos”, isso porque no condomínio que trabalho, uma vez confirmado como o
morador, recebemos o pedido é o morador pega diretamente na portaria, os pedidos que não
estão pagos são retirados como o entregado, mas o mesmo aguarda dentro do condomínio.
Seguindo, ainda, falta falar dos dias de chuva, nestes dias os ânimos ficam exaltados
de ambas as partes, isso acontece por dois motivos, nos dias de chuva os moradores demoram
para descer de contrapartida os entregadores, não querem ficar na chuva, e nós porteiros, não
podemos deixar eles entrarem de imediato, logo as reclamações aumentam, em outro bate
papo, agora com quem chamarei de YY, 45 anos, ele explica como são os dias de chuvas,

Poxa! Temos que trabalhar, mas em dias como estes, bem que poderia ser
acrescentado um valor a mais, ficamos na chuva e nem rola um gorjetinha –
rsrsrs – você nem imagina como fica complicado, além de está na chuva, se
o lanche molhar, corremos o risco de não receber, já que chatão,
almofadinha que pede, vai lá para o aplicativo reclamar. Eu não peço nada
na chuva, tenho pena dos parceiros (YY, ENTREGADOR DO ZÉ
DELIVERY).

Nos dias chuvosos os discursões são inevitáveis, segue como na reclamação de um


entregador do supermercado Pão de açúcar: “paizão, tem como entra? Estou na chuva e o
pacote é de papel, se o morador reclamar, não vou receber” (ENTREGADOR PÃO DE
ACUCAR), O fato é nos porteiros, como empregados formais temos regras a seguir e somos a
todos momentos cobrados, somos a ponta da corda, mesmo assim, nossa responsabilidade é
gigantesca, pois em caso de sinistro, podemos ser acusados de facilitação, a todo momento
estamos explicando esse fato aos entregadores, alguns entendem outros não, mas esse conflito
está longe de terminar.

CONTRASTES ENTRE ENTREGADORES DE APLICATIVOS E OS


CONTRATADOS

Entregadores de aplicativos, tem como principal característica a pressa, muitos já


chegam dizendo que na comanda está pedido para deixar na portaria, como forma de adiantar
seu “corre”, geralmente são mais novos e trabalham seus principais pedidos são lanches
rápidos – fast food -, eles não dão muita conversa e usam muitas gírias, como: paizão,
padrinho, chefão entre outras, são propensos a reclamarem de tudo e se encontrarem o portão
aberto, fato que acontece quando alguém está saindo. Quando paramos para analisar os perfis
dos entregadores contratados nos deparamos com pessoas de mais idades, com falar mais
formal, a preocupação gira em torno do bom atendimento, este mantém o produto da sua
entrega dentro dos recipientes de entregas até o morador descer para não esfriar, são bons de
papo e trabalham com rotas definidas, conversando com XX, de 50 anos que trabalha em uma
pizzaria, perguntei se já trabalhou em algum aplicativo, ele me deu a seguinte resposta:
“amigo, trabalhei sim, e, olha vou te falar, vale a pena não, temos que correr e não temos
segurança nenhuma, cai para você ver, prefiro algo mais seguro, vou te falar ganho até
mesmo, mas a segurança compensa” (ENTREGADOR, CONTRATADO PIZZARIA)
Sendo assim, outra constatação que percebi durante as observações e que
estabelecimentos, já estabelecidos e renomados, procuram trabalhar com entregadores mais
experientes que demostrem mais compromisso com o pedido que transporta, já empresas que
tem os aplicativos como carro chefe, buscam a quantidade sem se preocupar com quem está
retirando a mercadoria.
Antes de partir para a finalização, gostaria de tocar no assunto Uber, estes são menos
complicados, pois param em frente ao condomínio e esperam seus passageiros sem muito
contato com os porteiros, entretanto, alguns insistem em esperar dentro do condomínio, isso
acontece muito a partir da madrugada, e, em alguns casos gere confusão, pois eles param no
portão de entrada, causando transtorno como moradores que estão chegando, mas o descrito
acontece em poucas ocasiões.

CONCLUSÃO
Como vimos o crescimento do desemprego, a pandemia do novos coronas vírus –
COVID19 – e as novas reformas propostas pelo governo, tornaram o campo fértil para as
empresas aplicativos, que com isso aumentaram a adesão de novos “cadastros”. Mesmo
assim, esse fato, ainda não foram percebidos como um problema pelas autoridades que se
mantém afastadas do problema, de contrapartida vem surgindo novos conflitos, em um campo
ainda novo que precisa ser observado.

BIBLIOGRAFIA
ABILIO, LUDMILA COSTHEK Uberização: a era do trabalhador just-in-time? ESTUDOS
AVANÇADOS 34 (98), 2020. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/341285277_Uberizacao_a_era_do_trabalhador_just-
in-time1, Acesso em: 04/07/2022.
ANTUNES, Ludmila R. e ROCHA, Talitha Miriam A Sobre regulação e organização do
trabalho de entregadores e motoristas de aplicativos em Niterói-RJ no contexto pandêmico;
proposta de análise de um cotidiano de conflitos, demandas e dificuldades GT20 - Sessão 02 -
Relações de trabalho, justiça do trabalho e sindicalismo
https://www.enadir2021.sinteseeventos.com.br/simposio/view?ID_SIMPOSIO=193, Acesso
em: 04/07/2022.
KREIN, J. Dari. O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o
esvaziamento
da ação coletiva: consequências da reforma trabalhista. Revista Tempo Social30, n.01, 2018.
Disponível em: http://www.revistas.usp.br/ts/article/view/138082/138676, Acesso em:
04/07/2022.
KREIN, A. e Manzano M. A pandemia e o trabalho de motoristas e de entregadores por
aplicativos no Brasil.
Disponível em: https://www.cesit.net.br/wpcontent/uploads/2020/07/MANZANO-MKREIN-
A.-2020_A-pandemia-e-os-motoristas-e-entregadores-por-aplicativo.pdf, Acesso em:
04/07/2022.
SILVA, L. A. M. Da Informalidade à Empregabilidade (Reorganizando a Dominação no
Mundo do Trabalho). Cadernos do CRH (UFBA) , Salvador, v. 37, n.37, p. 81-109, 2002.
Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/crh/article/view/18603, Acesso em:
04/07/2022.

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