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Calorimetria
Aplicações Práticas e Considerações Críticas
Julio Sergio Marchini (CRM: 28955/SP) Waléria Christiane Rezende Fett (CREF: 113G/MT)
Laboratório de Espectrometria de Massa, Divisão de Nutrologia do Departamento de Laboratório de Espectrometria de Massa, Divisão de Nutrologia do Departamento de
Clínica Médica da Escola de Medicina da Universidade de São Paulo Clínica Médica da Escola de Medicina da Universidade de São Paulo
jsmarchi@fmrp.usp.br wcrfett@hotmail.com
Carlos Alexandre Fett (CREF: 329/MT) Vivian Marques Miguel Suen (CRM: 62470/SP)
Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Mato Grosso Laboratório de Espectrometria de Massa, Divisão de Nutrologia do Departamento de
cafett@hotmail.com Clínica Médica da Escola de Medicina da Universidade de São Paulo
viviansuen@terra.com.br
MARCHINI, J. S.; FETT, C. A.; FETT, W.C.; SUEN, V. M. M. Apli- uma determinada situação. As aplicações práticas destas medidas
cações Práticas e Considerações Críticas. Fitness & Performance estão relacionadas ao ajuste dietético adequado para cada situa-
Journal, v. 4, n. 2, p. 91 - ?????
ção e mensuração do gasto energético de atividades específicas.
RESUMO - O propósito desta revisão é analisar de forma crítica as A combinação destas duas variáveis permite que se ajuste, por
aplicações da calorimetria na orientação dietética e de atividade exemplo, uma dieta hipocalórica para um obeso em programa de
física para sedentários e atletas. Segundo a termodinâmica, a redução de peso, ou uma dieta isocalórica para um atleta de alto
energia não pode ser criada nem destruída, mas sim transforma- rendimento, evitando o excesso alimentar. Toda vez que ocorre
da; o calor produzido pelo corpo pode ser utilizado para medir o lipogênese por excesso de consumo calórico, há maior produção
gasto energético individual. Essa produção térmica corresponde
e eliminação de CO2 , fazendo com que o quociente respiratório
à energia oxidada pelos processos biológicos (digestão, absorção
ultrapasse 1. As implicações desta relação para o indivíduo obeso
e metabolismo dos nutrientes) e ao custo calórico de uma deter-
e para o atleta de alto nível ainda não estão claras e devem ser
minada atividade física. Como cada nutriente tem quantidades
motivo de futuros estudos.
específicas de consumo de O2 e produção de CO2, pode-se
utilizar a medida da concentração destes gases mais o volume Palavras-chaves: gasto energético, quociente respiratório, atleta,
expiratório, para estimar, indiretamente, o consumo de energia de obeso.
INTRODUÇÃO
Define-se termogênese como a energia gasta pela realização de Para tanto, é importante definir os componentes envolvidos
trabalho ou produção de calor celular. A termogênese adaptativa, no balanço energético. São três os principais componentes do
ou a produção regular de calor é influenciada por temperatura consumo energético diário (Figura 1): a taxa metabolica basal
ambiente e dieta. A termogênese pode ser alterada por vários (TMB), o efeito térmico do alimento (ETA) e a termogênese da
mecanismos, como dieta, atividade física, recursos ergogênicos, atividade física (TAF). Existem outros pequenos componentes
exposição ao frio e drogas simpatomiméticas (LOWELL e SPIE- do gasto energético, como o custo calórico dos medicamentos
GELMAN, 2000). e das emoções (LEVINE, 2004), os quais, porém, contribuem
pouco para o total e não serão considerados aqui.
Organismos vivos estão submetidos às leis da física e, neste sen-
tido, os animais obedecem à lei da termodinâmica. O equilíbrio A TMB é a energia despendida quando um indivíduo está em
termodinâmico é aplicado para o metabolismo nos organismos posição supina em completo repouso, pela manhã, depois de
vivos, então, a energia não pode ser criada ou destruída; pode dormir, e em estado pós-absortivo. Em indivíduos com ocupa-
somente ser trocada entre o organismo e o meio ambiente ções sedentárias, a TMB conta por ~ 60% do total da energia
(primeiro princípio da termodinâmica). O segundo princípio diária gasta. Três quartos da variabilidade da TMB entre as es-
atesta que qualquer mudança no conteúdo total de energia de pécies pode ser predita pela massa magra (DERIAZ et al., 1992),
um sistema resulta em mudança na energia livre e na entropia que tem demonstrado ter correlação com a TMB (BERNSTEIN
(grau em que o total de energia de um sistema é uniformemente et al, 1983; RAVUSSIN et al., 1982; RAVUSSIN et al., 1985;
distribuído ao acaso) e, portanto, fica indisponível para realizar SEGAL et al., 1987). A taxa metabólica de repouso (TMR), é a
o trabalho do sistema (FERRANNINI, 1988). energia gasta em repouso completo em qualquer hora do dia e,
Deste modo, somente pode haver acúmulo de gordura cor- em geral, é 10% superior à TMB (LEVINE, 2004).
poral, quando o consumo excede o gasto e o contrário é O ETA é o aumento do gasto energético associado com a diges-
verdadeiro. Em termos energéticos, a quantidade de gordura tão, absorção e armazenamento dos alimentos e fica em torno
estocada no organismo humano é impressionante. Indivíduos de 10-15% do gasto energético diário (LEVINE, 2004). A seleção
magros contêm energia armazenada em forma de gordura dos macronutrientes parece influenciar o efeito térmico dos ali-
para aproximadamente 2-3 meses, enquanto obesos podem mentos (ETA). As proteínas consomem 20% do seu total calórico
conter suprimento para anos (LEVINE, 2004). Estudo utilizando para serem metabolizadas, os carboidratos, 6-8% e as gorduras,
tomografia computadorizada demonstrou que, do desnutrido 2-3% (DYCK, 2000; JÉQUIER, 2001). Entretanto, parece que
ao obeso, existe considerável depósito subcutâneo de gordura indivíduos obesos não apresentam diferentes ETAs para os ma-
(JORDÃO Jr., 2004). cronutrientes (SUEN et al., 2003). Também, a suplementação
A calorimetria é um método que permite estudar os componen- de fontes não específicas de nitrogênio, ou aminoácidos não
tes energéticos do organismo, incluindo alimentação e exercício. afetam a oxidação da leucina, nem as taxas de hidroxilação da
al, 1985). Entretanto, existem controvérsias, pois foi observada Burke LM. Energy needs of athletes. Can J Appl Physiol 2001;26:S202-19.
em outros estudos, correlação da TMB com a massa magra e a Butte NF, Treuth MS, Mehta NR, Wong WW, Hopkinson JM, Smith EO. Energy requirements of
women of reproductive age. Am J Clin Nutr 2003;77:630-8.
gordura corporal (JÉQUIER & SCHUTZ, 1983) e, ainda, somente
Christensen CC, Frey HM, Foenstelien E, Aadland E, Refsum HE. A critical evaluation of energy
com a gordura corporal (SALAS-SALVADO et al., 1993). expenditure estimates based on individual O2 consumption/heart rate curves and average daily
heart rate. Am J Clin Nutr. 1983;37:468-72.
Na obesidade, a mensuração da TMR auxilia na orientação Deriaz O, Fournier G, Tremblay A, Despres JP, Bouchard C. Lean-body-mass composition
dietética e evolução do tratamento. Além disso, esse procedi- and resting energy expenditure before and after long-term overfeeding. Am J Clin Nutr.
1992;56:840-7.
mento contribui para acompanhar seu comportamento, uma
Dyck DJ. Dietary fat intake, and weight loss. Can J Appl Physiol 2000;25:495-23.
vez que a dieta tem um efeito de redução e a atividade física,
Ferranini E. The theoretical basis of indirect calorimetry: A review. Metabolism 1988;3:287-01.
de estabilização ou, mesmo, de reversão após a queda (MOLÉ
Fett CA, Fett WCR, Maestá N, Petrício A, Correa C, Burini RC. A suplementação de ácidos graxos
et al., 1989) e, no caso de exercícios resistidos, pode até haver ômega 3 e triglicérides de cadeia média não alteram os indicadores metabólicos em um teste
aumento deste componente (MELBY et al., 1993). Ainda, BUT- de exaustão. Rev Bras Med Esporte 2004;10:44-49.
TE et al. (2003) observaram que a recomendação energética Fox EL, Mathews KD. Bases Fisiológicas da Educação Física e dos Desportos. 3º Edição, Editora
Guanabara Koogan, Rio de Janeiro; 1986. p. 43-7.
para mulheres saudáveis, indo do déficti de peso ao sobrepeso,
Grund A, Krause H, Kraus M, Siewers M, Rieckert H, Muller MJ. Association between different
calculado pelo IMC, deve ser revisto com base na estimativa attributes of physical activity and fat mass in untrained, endurance- and resistance-trained men.
da TMB. Foi verificado que a TMB é subestimada em muheres Eur J Appl Physiol. 2001;84:310-20.
ativas, quando utilizado um fator médio de correção de 1,86. Harris JA, Benedict FG. Biometric Studies of Basal Metabolism in Man. Washington, DC: Carnegie
Quando comparada à estimativa do gasto energético de 24 horas Institute of Washington, 1919 (Publication number 297).
Hiramatsu T, Cortiella J, Marchini JS, Chapman TE, Young VR. Source and amount of dietary
por água duplamente marcada em mulheres jovens e idosas,
nonspecific nitrogen in relation to whole-body leucine, phenylalanine, and tyrosine kinetcs in
foi observado que a RDA para o requerimento energético, era young men. Am J Clin Nutr 1994;59:1347-5.
subestimada no grupo jovem, mas não no grupo idoso (SAWAYA Jéquier E, Schutz Y. Long-term measurements of energy expenditure in humans using a respiration
et al., 1995). Por outro lado, não foi observada diferença na TMB chamber. Am J Clin Nutr 1983;38:989-8.
de garotas pré-puberes obesas, comparadas às de peso normal Jéquier E. Is fat intake a risk factor for fat gain in children? J Clin Endocrinol Metab 2001;86:980-3.
(TREUTH et al., 1998). Jordão Jr AA, Bellucci AD, Dutra de Oliveira JE, Marchini JS. Midarm computerized tomo-
graphy fat, muscle and total areas correlation with nutritional assessment data. Int J Obes
TABELAS
TABELA 3. Exemplo para cálculo da figura 4. Homens entre 20 e 34 anos de idade correndo 5 milhas
VO2 VCO2 VO2 VCO2 NU Ekcal/d Ekcal/d Ekacal/d
Coeficiente R L/min L/min L/dia L/dia g/dia O2 O2 e CO2 +NU
0,17 0,86 0,15 1238,4 216,0 8 5975 5119 5102 Fim 1º milha
0,12 0,95 0,11 1368,0 158,4 8 6601 5566 5549 Fim 3º milha
0,13 0,94 0,12 1353,6 172,8 8 6531 5526 5508 Fim 5º milha
Cálculos realizados em nosso laboratório.
NU, nitrogênio urinário; Ekcal/d, energia em kcal por dia.