Você está na página 1de 3

CAPÍTULO

3
Circulação de pessoas, mercadorias
e ideias pelo espaço atlântico

JOSÉ CARLOS COSTA

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


Homem caminha pelas
ruas de Luanda, Angola.
Foto de 2020. No muro, Conversa inicial
é possível ler a frase
“Não à poluição sonora Neste capítulo, vamos estudar a circulação de pessoas, mercadorias e ideias pelos três
promove o sossego”. continentes banhados pelo Oceano Atlântico (o espaço atlântico), destacando seus impactos
sobre a América.
Com a expansão marítima europeia no século XV e, sobretudo, a partir do século XVI, os
europeus intensificaram seu contato com povos da África e conheceram vários povos da Amé-
rica. As relações de dominação e de comércio e a busca dos europeus por matérias-primas
implicaram o aumento da circulação de pessoas nesses continentes e, consequentemente, de
ideias, culturas e instituições políticas.
Os portugueses, por exemplo, dominaram a porção da América que hoje corresponde ao
Brasil e importantes regiões da África, como a correspondente ao território da atual Angola.
As marcas dessa dominação podem ser percebidas, entre outros fatores, no idioma adotado
nesses países. A língua falada pelos colonizadores se transformou no idioma oficial tanto do
Brasil quanto de Angola; porém, diversas palavras foram ressignificadas e outras, de origem
indígena e africana, foram incorporadas pelos habitantes desses países.
1. Que relação podemos estabelecer entre a imagem e o texto?
2. Além da língua, que outros aspectos do presente revelam a circulação de povos entre
os diferentes continentes banhados pelo Oceano Atlântico no período colonial?

48
1. Mercantilismo e colonização
O mercantilismo foi o conjunto de práticas e ideias econômicas adotadas pelas monarquias nacio-
nais europeias entre os séculos XV e XVIII. Ele se configurou como a face econômica do absolutismo,
tipo de governo no qual o poder se concentrava nas mãos de um monarca.
As práticas mercantilistas possibilitavam ao Estado interferir diretamente na economia, regula-
mentando elementos como os impostos e o comércio e delegando a certos grupos monopólios sobre
o transporte, bem como a compra e a venda de mercadorias, em troca do pagamento de tributos ou
da prestação de serviços.
No mercantilismo, a economia era entendida como uma espécie de balança. Em uma de suas
extremidades, ficavam as importações (o que era comprado de outros reinos) e, na outra, as expor-
tações (o que era vendido para outros reinos). Acreditava-se que as riquezas eram finitas e os recur-
sos, escassos. Então, para alcançar uma situação financeira positiva, a balança comercial precisava
estar favorável, ou seja, o montante das exportações tinha de ser maior do que o das importações.
Com esse objetivo, os governantes passaram a beneficiar a produção de manufaturas locais, aplican-
do altos impostos às importações, prática que ficou conhecida como protecionismo alfandegário.
Desse modo, esperavam acumular e manter as riquezas no reino, principalmente o ouro e a prata,
metais aceitos em diversas partes do globo. A ideia de que a riqueza de um reino correspondia à
quantidade de metais preciosos acumulados ficou conhecida como metalismo.
Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Para ampliar suas riquezas, diversos reinos europeus partiram em busca de jazidas de ouro e prata,
assim como de produtos que pudessem ser comercializados e de mercados que os consumissem.
É nesse contexto que devemos entender a colonização da América, processo que multiplicou o fluxo
de pessoas, mercadorias e ideias pelo planeta.
Como estudamos no Capítulo 1, Portugal e Espanha saíram na frente dessa disputa, lançando-se
ao mar à procura de novas rotas para o Oriente. Utilizando alianças ou entrando em conflitos com os
povos nativos, esses reinos conquistaram imensos territórios na América, promovendo a colonização
de parte desse continente. Inglaterra e França chegaram depois na disputa por territórios coloniais,
como veremos adiante.

Portugal e a colonização do Brasil


No século XV, Portugal era uma das maiores forças marítimas europeias, dominando as mais
avançadas técnicas de navegação. Com o conhecimento dessas técnicas, os portugueses navegaram
pelo Oceano Atlântico, chegando, em 22 de abril de 1500, a um local ocupado por diversos povos
indígenas: a costa do território correspondente à atual Bahia.
Imbuídos da lógica mercantilista, os portugueses inicialmente promoveram, nesse local, a extração Descobrimento,
charge de Cazo,
da madeira de uma árvore nativa da Mata Atlântica: o pau-brasil. No início, a coroa portuguesa ado- 2020.
tou o sistema de arrendamento na exploração
© CAZO

comercial do território, concedida a um consórcio


chefiado por Fernando de Noronha em troca da
construção de feitorias, do envio de seis navios por
ano à América para vigiar a costa e do pagamento
de impostos. Diante dos grandes lucros obtidos
pelo consórcio, a partir de 1515 a coroa portugue-
sa assumiu a exploração direta do pau-brasil e,
um ano depois, enviou uma expedição para acabar
com o contrabando francês dessa madeira.
O comércio do pau-brasil movimentava mui-
tos recursos e era importante para o sistema mer-
cantilista. Obtida por meio do escambo com os
indígenas, a madeira era enviada a Lisboa e, de lá,
para Amsterdã, onde era distribuída para toda a
Europa na forma de pó, utilizado como tintura.

49
As capitanias Diante da concorrência de outros povos europeus no comércio marítimo, principalmente holan-
hereditárias de São
Vicente e Pernambuco deses e franceses, bem como da notícia de que a Espanha tinha encontrado enormes quantidades de
obtiveram relativo
sucesso, mas as outras
ouro e prata em suas colônias americanas, a coroa portuguesa temeu uma invasão de seus domínios
não prosperaram. na América. Assim, passou a incentivar a vinda de portugueses para essas terras a fim de colonizá-las.
Assim, foi instalado em
1548 o governo- Para isso, cedeu a nobres portugueses lotes de terras denominados capitanias hereditárias,
-geral, por meio do
qual a administração concedendo-lhes o direito de administrá-las. Entre as obrigações desses nobres, chamados donatários,
da colônia foi estavam a fundação de vilas, o patrulhamento contra a invasão de estrangeiros e piratas, a concessão
centralizada. A partir
de 1572, o território de sesmarias (lotes de terra) a colonos e a cobrança dos tributos na região. Posteriormente, em 1548,
foi repartido entre dois
governadores-gerais,
a administração da colônia foi centralizada com a instituição do governo-geral.
atribuindo a um deles a Com a colonização, o fluxo pessoas de Portugal para o Brasil aumentou, assim como os conflitos
administração da parte
norte, com sede em com os povos indígenas que aqui viviam. Muitos foram expulsos de suas terras e obrigados a migrar
Salvador, e a outro, a
da parte sul, com sede para áreas do interior. Outros foram dizimados pelas guerras e pelas doenças trazidas pelos europeus.
no Rio de Janeiro. Outros, ainda, foram escravizados ou submetidos ao trabalho compulsório. Para resistir à exploração
O esquema funcionou
entre 1572 e 1578, e à escravização, os indígenas utilizaram diversas estratégias, por exemplo, destruir vilas e plantações
sendo novamente
adotado entre 1608
e se recusar a adotar a religião e os costumes europeus.
e 1612. O fluxo de mercadorias entre a metrópole europeia e sua colônia americana também aumentou
muito. Isso porque, em razão de um sistema que ficou conhecido como Pacto Colonial, as colônias
foram obrigadas a comercializar apenas com suas metrópoles, fornecendo a elas matérias-primas
a preços baixos e comprando delas produtos manufaturados a preços mais elevados. Apesar disso,

Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.


o contrabando de matérias-primas para franceses, holandeses e ingleses foi uma prática corrente que
movimentou muitos recursos pelo Atlântico.
Flamengo: habi- O fluxo de conhecimentos entre os diversos continentes também aumentou, e o cultivo de uma
tante de Flandres,
gramínea de origem asiática (a cana-de-açúcar) já desenvolvido por espanhóis e portugueses nas
região localizada
no norte da atual ilhas atlânticas, como as Ilhas Canárias, a Ilha da Madeira e os Açores, foi adaptado ao Brasil, gerando
Bélgica. grandes lucros.
O cultivo da cana era feito em regime de
BRASIL, PORTUGAL E ÁFRICA: ROTAS DO AÇÚCAR
E DE ESCRAVIZADOS – SÉCULO XVII
plantation, ou seja, em grandes proprieda-
des monocultoras, com utilização de mão de
CATHERINE ABUD SCOTTON

obra escravizada, e a produção era voltada ao


mercado externo.
A montagem de um engenho de açúcar
demandava altos investimentos. Assim, desde
o início, a atividade contou com o investimen-
Amsterdã
Antuérpia to de financistas europeus, especialmente fla-
Gênova Veneza mengos e holandeses. A produção açucareira
Açores
Lisboa desenvolveu-se principalmente em Recife e
OCEANO
Salvador, de onde era mais fácil exportar o pro-
ATLÂNTICO Madeira
TRÓPICO DE CÂNCER duto pela proximidade dos portos locais com
Cabo Verde
os centros europeus, e, em menor escala, em
São Luís e no Rio de Janeiro. O açúcar fabricado
São Jorge da Mina
EQUADOR São Tomé Reino de nos engenhos era embarcado para Portugal,

São Luís e Principe Loango onde era revendido aos holandeses, que o
OCEANO Recife Luanda
Salvador Benguela refinavam e o distribuíam para toda a Europa.
PACÍFICO Rio de
TRÓPICO DE CAPRICÓRNIO Janeiro A principal mão de obra utilizada nesses
Portos de desembarque engenhos foi a de africanos escravizados. Isso
MERIDIANO DE GREENWICH

do açúcar brasileiro
Regiões fornecedoras de
escravizados especializados
promoveu uma rede de comércio que articu-
Rotas de escravizados lava a Europa, a América e a África. Nesse ne-
Rotas do açúcar
Áreas produtoras
gócio, os mercadores europeus lucravam tanto
de açúcar com venda de escravizados para os senhores
1.860 km
Limites atuais do Brasil
0º de engenho quanto com a comercialização do
Fontes: Atlas histórico escolar. 8. ed. Rio de Janeiro: FAE, 1991. p. 20, 28; açúcar. Como moeda para a aquisição de escra-
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no
Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 62.
vizados na África, eles usavam produtos, como
a aguardente e o tabaco, adquiridos no Brasil.

50

Você também pode gostar