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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS


DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

VICTORIA ALEXIA CAMPOS DE MEDEIROS

TERAPIA BASEADA EM PROCESSOS: DESENVOLVIMENTO E CONCEITOS


FUNDAMENTAIS

Volta Redonda
2022
VICTORIA ALEXIA CAMPOS DE MEDEIROS

TERAPIA BASEADA EM PROCESSOS: DESENVOLVIMENTO E CONCEITOS


FUNDAMENTAIS

Trabalho de conclusão de curso apresentado


ao curso de Bacharelado em Psicologia, como
requisito parcial para conclusão do curso.
Área de concentração: Formação de
Psicólogo.

Orientadora:
Prof.ª Dra. Érica de Lana Meireles

Volta Redonda
2022
VICTORIA ALEXIA CAMPOS DE MEDEIROS

TERAPIA BASEADA EM PROCESSOS: DESENVOLVIMENTO E CONCEITOS


FUNDAMENTAIS

Trabalho de conclusão de curso apresentado


ao curso de Bacharelado em Psicologia, como
requisito parcial para conclusão do curso.
Área de concentração: Formação de
Psicólogo.

Aprovada em Fevereiro de 2022.

BANCA EXAMINADORA

Volta Redonda
2022
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todos os cientistas praticantes em psicologia. Terapias


baseadas em processos são um novo caminho em nossa área, e dedico essa pequena
contribuição aos psicólogos que enriquecerão as pesquisas nesse campo.
AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer primeiramente a minha família, a base que ajudou a me


manter firme por todos esses anos na faculdade, não permitindo que faltasse nada.
Minha mãe Mary me deu condições, ferramentas, me sustentou e espero um dia poder
retribuir o apoio que ela fez e faz por mim. Meu pai Carlos me deu compreensão,
suporte, livros e cursos, quando tudo estava tão difícil, ele ainda conseguiu que nada
faltasse pra mim. Agradeço ao meu irmão Hugo pela sua paz e conselhos. Obrigada por
nunca desistirem de mim, sempre me apoiarem e me criarem em um ambiente em que
eu fosse validada, compreendida e amada.

Sou grata por alguns professores que me mostraram seu lado humano e fizeram
com que eu questionasse várias coisas, me dando orientações, amizade, apoio, o que
colaborou para me desenvolver como profissional e pessoa.

Agradeço também aos meus amigos por me acompanharem nessa caminhada e


torcerem por mim. O fardo ficou mais leve com seus reforços.

Sou um somatório das forças que cada um que se importa comigo deixou na
minha vida, o que me fortaleceu e ajudou a chegar até aqui.
“Que os vossos esforços desafiem as
impossibilidades, lembrai-vos de que as
grandes coisas do homem foram conquistadas
do que parecia impossível.”

(Charles Chaplin)
RESUMO

A Terapia Baseada em Processos (TBP) é um novo paradigma que surge questionando


a validade e a utilidade do modelo de doença médica atual, no qual a terapia é baseada
em protocolos para síndromes. Associada a uma prática baseada em evidências em
psicologia, propõe que há competências clínicas centrais do paciente, e para atingí-las
seriam utilizados procedimentos baseados em evidência visando a alteração dos
processos psicológicos do pacientes. Ela sugere uma ampliação da análise inicial do
paciente, resultando em uma terapia mais completa, individualizada e empiricamente
sustentada. Para isso, se utiliza de ferramentas como a Análise Funcional, Modelo de
Redes e Metamodelo Evolutivo Estendido (MMEE), além de constantes avaliações do
progresso (loopings de feedback) e ênfase na relação terapêutica. Por se tratar de um
campo recente, ainda encontra alguns desafios, como a falta de estudos científicos
embasados que sustentem suas práticas e expliquem seus processos, e a resistência
de terapeutas em remanejar sua técnica. Os organizadores dessa teoria afirmam que
ela está se tornando rapidamente o núcleo vital da Terapia Cognitivo-Comportamental,
podendo-se tornar inclusive maior que ela. A TBP também é apontada como o futuro da
prática baseada em evidências em psicologia. No entanto, é necessário averiguar se
essa nova postura clínica terá adesão, por parte de terapeutas e clientes, aplicabilidade
e resultados efetivos. Com o passar do tempo, estima-se que vários modelos de TBP
surgirão, usando ensaios controlados randomizados mais tradicionais, fomentando
então a pesquisa, mas com maior atenção à cultura e contexto, utilidade do tratamento
e necessidades e objetivos do cliente.

Palavras-chave: Terapia Baseada em Processos. Processos Biopsicossociais.


Psicologia Baseada em Evidências. Modelos Transdiagnósticos de Terapia.
ABSTRACT

The Process-Based Therapy (PBT) is a new paradigm that arises questioning the
validity and usefulness of the current medical disease model, in which therapy is based
on protocols for syndromes. Associated with an evidence-based practice in psychology,
it proposes that there are central clinical competencies of the patient, and to achieve
them, evidence-based procedures would be used to change the patients' psychological
processes. It suggests a broadening of the patient's initial analysis, resulting in a more
complete, individualized, and empirically supported therapy. For this, tools such as
Functional Analysis, Network Model and Extended Evolutionary Metamodel (EEMM) are
used, in addition to constant progress assessments (feedback loops) and emphasis on
the therapeutic relationship. As it is a recent field, it still faces some challenges, such as
the lack of scientifically based studies that support its practices and explain its
processes, and the resistance of therapists in reworking their technique. The organizers
of this theory claim that it is rapidly becoming the vital core of Cognitive-Behavioral
Therapy, and may even become greater than it. PBT is also touted as the future of
evidence-based practice in psychology. However, it is necessary to find out if this new
clinical posture will have adherence, on the part of therapists and clients, applicability
and effective results. Over time, it is anticipated that various models of PBT will emerge,
using more traditional randomized controlled trials, thus furthering research, but with
greater attention to culture and context, usefulness of treatment, and client needs and
goals.

Keywords: Process-Based Therapy. Biopsychosocial Processes. Evidence-Based


Psychology. Transdiagnostic Models of Therapy.
LISTA DE ABREVIATURAS

AC - Análise do Comportamento
ACT - Acceptance and Commitment Therapy (Terapia de Aceitação e Compromisso)
APA - American Psychiatric Association (Associação de Psiquiatria Americana)
DBT - Dialectical Behavioral Therapy (Terapia Comportamental Dialética)
DSM - Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (Manual Estatístico e
Diagnóstico de Transtornos Mentais)
TBP - Terapia Baseada em Processos
TCC - Terapia Cognitivo-Comportamental
MMEE - Metamodelo Evolutivo Estendido
PBE - Psicologia Baseada em Evidências
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 11
1.1. Justificativa 11
1.2. Objetivo 13

2. PRÁTICA BASEADA EM EVIDÊNCIAS EM PSICOLOGIA 14


2.1. Melhor evidência científica disponível 16
2.2. Expertise Clínica 18
2.3. Valores e características do paciente 18

3. A TERAPIA BASEADA EM PROCESSOS 20


3.1. Processos Psicológicos 23
3.1.1. Análise Funcional 26
3.1.2. Modelos de Rede 29
3.1.3. O Metamodelo Evolutivo Estendido (MMEE) 32
3.1.4. Classificação dos Processos - os subconjuntos do MMEE 35
3.1.5. Núcleos de tratamento de processos 40
3.2. Procedimentos Terapêuticos Baseados em Evidências 48
3.3. O status atual da Terapia Baseada em Processos 52
3.4. Representação da aplicação da Terapia Baseada em Processos 55

4. DESAFIOS E CRÍTICAS 58

5. PERSPECTIVAS FUTURAS 61

6. CONCLUSÃO 63

REFERÊNCIAS 64
11

1. INTRODUÇÃO

Na presente monografia será apresentada uma breve contextualização das


práticas em psicologia atualmente, se atentando ao fato da psicologia ser uma ciência e
que deve se pautar a ela para entregar resultados satisfatórios, eficazes e duradouros
ao paciente - aliando-se então primeiramente ao conceito da Prática Baseada em
Evidências em Psicologia, que também será visto aqui.
Será abordado além disso um enlace sobre as práticas em psicologia até os
dias atuais, assim como as perspectivas futuras. Questionando o presente e
movendo-se em direção ao futuro, surge um novo conceito nas práticas clínicas em
psicopatologia e na psicologia em geral. Ao trazer a melhor probabilidade de sucesso
na psicoterapia, também esbarramos com o que há de mais atual na área: não mais
tratar o paciente pautando-se em seus diagnósticos de transtornos mentais, mas nos
processos biopsicossociais que estão reunidos nele - em que para manejá-los estão
associados procedimentos baseados em evidência. Daí a nomenclatura Terapia
Baseada em Processos.
Deste modo, o presente trabalho buscará elucidar a definição, relevância,
desafios e perspectivas futuras da Terapia Baseada em Processos.

1.1. Justificativa

Aliviar o sofrimento humano é um objetivo desafiador em diversos aspectos.


Requer ferramentas conceituaus poderosas que analisem a compexidade humana
dividindo-a em inúmeras questões manejáveis (Hayes e Hofmann, 2020). Exige
criatividade clínica, que focará com sucesso em domínios e dimensões fundamentais do
funcionamento humano. Depende de metodologias que desenvolvam conhecimento
generalizável, a partir da experiência com uma infinidade de indivíduos. E os princípios
e procedimentos para tanto atualmente são limitados. O tratamento em saúde mental
baseado em síndromes não considera o contexto biopsicossocial do indivíduo, não é
12

capaz de identificar a etiologia, curso e resposta do transtorno, o que


fundamentalmente melhoraria seu tratamento.

Uma famosa frase de Gordon Paul revolucionou a psicologia e definiu os


objetivos de uma ciência de intervenções baseada em evidências. “Que tratamento, por
intermédio de quem, é mais eficaz para tal indivíduo com tal problema específico, sob
qual conjunto de circunstâncias e como ele acontece?” (Paul, 1969, p. 44).

No entanto, (Hayes e Hofmann, 2020) essa abordagem não chegou muito longe,
pois nos primeiros tempos da terapia comportamental, havia uma crença forte de que
os princípios e teorias da aprendizagem formavam uma base adequada para os
procedimentos clínicos. Paul abriu portas para uma ciência com a preocupação nos
procedimentos baseados em evidência contextualmente específicos, deixando os
processos de mudança como algo secundário.

Assim se faz relevante uma Terapia Baseada em Processos (TBP), uma vez que
colocar a ênfase nos processos trará resultados mais específicos para o tratamento
clínico.

A ciência clínica aparenta ter chegado a um desvio. Parece que um novo


paradigma está começando a emergir, questionando a validade e a utilidade do modelo
de doença médica, que assume que entidades de doença latente são alvo de
protocolos terapêuticos específicos (Hofmann, 2018).

No entanto a realidade na clínica é diferente: muitos pacientes possuem i) vários


transtornos mentais em vez de apenas um (comorbidades), ou ii) traços de transtornos
sem fechar o diagnóstico, ou iii) visam psicoterapia para além de transtornos mentais,
com questões internas e do dia a dia. Como seria possível, eficaz, rápido, mesmo sob
uma Psicologia Baseada em Evidências, o tratamento desse paciente?

A Terapia Baseada em Processos se propõe a substituir a prática dos protocolos


para síndromes, endossada atualmente pela APA (American Psychiatric Association) e
13

colocar o olhar para os processos psicológicos pelos quais o paciente deseja ou


necessita passar, de acordo com a psicoterapia, para então aplicar procedimentos
terapêuticos para alcançá-los. Pode-se dizer que é mais diretiva, poupando tempo do
terapeuta em ter que agregar e aprender protocolos inteiros; e também do paciente,
onde passará por um caminho mais sólido e preciso de suas necessidades, tendo seu
sofrimento psíquico provavelmente aliviado mais rapida e globalmente.
“Uma abordagem baseada em processo permitirá que a terapia baseada em
evidências ultrapasse as armadilhas dos protocolos para síndromes que retardaram o
progresso científico e tornaram a noção de terapia baseada em evidências intragável
para muitos” (Hayes et. al, 2019). Com o passar do tempo, a TBP contará com maior
respaldo científico a partir do uso de ensaios de controle randomizados mais
tradicionais, porém englobando também a cultura e contexto, utilidade do tratamento e
necessidades e objetivos do cliente.

1.2. Objetivo

Este trabalho tem como objetivo apresentar a definição, a relevância, os desafios


e as perspectivas futuras da Terapia Baseada em Processos associada a uma prática
baseada em evidências em psicologia.
14

2. PRÁTICA BASEADA EM EVIDÊNCIAS EM PSICOLOGIA

Discutiremos brevemente o conceito de Prática Baseada em Evidências em


Psicologia, ou simplesmente Psicologia Baseada em Evidências (PBE), uma vez que a
definição de TBP para Hayes e Hofmann (2019) engloba expressivamente essa
conduta: é o uso contextualmente específico de processos baseados em evidências
ligados a procedimentos baseados em evidências para ajudar a resolver os problemas
e promover a prosperidade de pessoas específicas.

Para os autores dessa teoria, a abordagem baseada no processo é a chave


para o futuro do cuidado baseado em evidências (Hayes e Hofmann, 2019). Nosso
nome para terapia baseada em evidências na busca de uma visão baseada em
processos é terapia baseada em processos. TBP não é uma nova terapia - é um novo
modelo de terapia baseada em evidências (Hofmann, Hayes e Lorscheid, 2021).

A relação entre a PBE e a TBP é de continência: a PBE é a grande área da


tomada de decisão clínica, e a TBP é a teoria que está contida nela. Ou seja, tudo para
TBP é PBE, mas nem tudo para PBE é TBP. Hayes e Hoffman (2019) afirmam que no
futuro, as duas serão uma coisa só - a TBP é o futuro da PBE. Veja essa relação na
figura 1 abaixo.

Figura 1 - Relação entre PBE e TBP


15

Fonte: A autora.

Dentro do grande conjunto da PBE, está inserida totalmente a TBP. Nesse


conjunto podemos citar também a TCC, AC, Terapias Contextuais, entre outras
intervenções.

A Psicologia Baseada em Evidências surgiu em meio ao cenário da


necessidade de se comprovar a função dos procedimentos nos tratamentos
psicológicos. Para isso, a Divisão 12 da APA (American Psychiatric Association),
sub-área de psicologia clínica, instaurou uma força-tarefa, que foi o marco da utilidade e
importância da PBE.

A PBE pode ser definida como a integração da melhor pesquisa disponível


com a experiência clínica no contexto das características do paciente, cultura e
preferências (American Psychiatric Association, 2006). Segundo o relatório da
força-tarefa da APA (2006), seu objetivo é promover a prática psicológica eficaz e
melhorar a saúde pública, aplicando princípios de avaliação psicológica, formulação de
caso, relação terapêutica e intervenção.

A força-tarefa da APA teve conclusões importantes, algumas ressaltando a


importância da relação terapêutica e da integração dos três componentes da PBE. A
relação terapêutica explica por que os clientes melhoram (ou deixam de melhorar) pelo
menos tanto quanto o método de tratamento específico (Norcross, 2011). Segundo
Norcross (2011), os esforços para promulgar as melhores práticas ou práticas baseadas
em evidências (PBEs) sem incluir o relacionamento são seriamente incompletos e
potencialmente enganosos.

A seguir, apresenta-se um esquema, exemplificando os três componentes da


Prática Baseada em Evidências (Figura 2). A decisão clínica será a interseção desses
três fatores.
16

Figura 2 - Componentes da Prática Baseada em Evidências

Fonte: Traduzido de Spring (2007, p. 613)

Portanto, uma prática baseada em evidências considera a melhor evidência de


pesquisa disponível, abarcando as preferências e características do paciente e a
expertise clínica. Veremos a seguir esses 3 domínios.

2.1. Melhor evidência científica disponível

Os desenhos de estudos epidemiológicos em psicologia, bem como em


qualquer ciência, possuem níveis de evidência, podendo ser representados pela
pirâmide das evidências. Observe na figura 3 o modelo de pirâmide das evidências
mais adequado atualmente - as linhas que separam os desenhos do estudo se tornam
ondas, por acreditar em divisões mais fluidas entre os modelos; revisões sistemáticas e
meta-análises são reorganizadas, pois entende-se que são uma lente através da qual a
evidência é vista e aplicada (Murad, 2016). O nível de evidência no estudo científico é
crescente da base para o topo.
17

Figura 3: Pirâmide fluida das evidências

Fonte: Alencar (2021, p. 44)

Ao observarmos a pirâmide das evidências no modelo C, podemos perceber que


um estudo de caso controle em tese possui menos evidência que um Ensaio Clínico
Randomizado (ECR), sendo essa a pesquisa com maior grau de confiabilidade.
Entretanto, se para o mesmo caso clínico for encontrado um Estudo de Coorte bem
desenhado, em comparação a um ECR de má qualidade (metodologia questionável,
resultados inferidos, risco de vieses etc.), opta-se pela aplicação do Estudo de Coorte,
este ficando acima do referido ECR na pirâmide das evidências.
18

A meta-análise é como uma lupa. Ela é usada para amplificar o resultado de


diversos estudos. Quando apontamos uma lupa para o lixo, amplificamos lixo. Quando
apontamos uma lupa para estudos de qualidade, obtemos respostas (Alencar, 2021). A
nova pirâmide serviu para melhorar a qualidade da tomada de decisão, onde antes
poderia equivocadamente se utilizar de estudos de mais alta confiabilidade porém com
métodos questionáveis.

2.2. Expertise Clínica

A expertise clínica é um componente relativamente complexo, pois não há como


protocolar a prática clínica de cada profissional. Uma grande literatura empírica
demonstra que fatores terapêuticos inespecíficos (por exemplo, cordialidade do
terapeuta, aliança terapêutica), não exclusivos de qualquer tratamento em particular,
explicam a variação substancial no resultado da psicoterapia (Ilardi e Craighead, 1994).
Há debates acerca desse componente assemelhar-se com a mera opinião. Porém é um
fator relevante. Os profissionais fazem uso de suas habilidades clínicas e experiências
passadas no diagnóstico, riscos individuais e benefícios de intervenções potenciais
(Melnick, 2014). Engloba diversos fatores, como a capacidade do terapeuta, suas
habilidades, competências, a capacidade de fazer uma avaliação diagnóstica, montar a
formulação de caso, mensurar resultados, estabelecer boa relação terapêutica, exibir
habilidades de comunicação com colegas de profissão.

2.3. Valores e características do paciente

Esse importante pilar da PBE se refere às características, valores e


particularidades do paciente, como seu contexto, cultura e preferências. Levando em
conta que a aliança terapêutica é crucial para a eficácia do tratamento, e intervenções
costumam obter melhores resultados quando levam em consideração as
19

particularidades do indivíduo. A identificação das peculiaridades do cliente como um


fator determinante para a escolha dos procedimentos envolvidos no processo
terapêutico é central para a PBE (Leonardi e Meyer, 2015).

A articulação dos três elementos da PBE pode ser uma tarefa difícil, uma vez
que ao se utilizar da melhor evidência disponível, o psicoterapeuta pode não ter a
habilidade clínica para conduzi-la, bem como ao priorizar somente a preferência do
cliente podemos ter uma psicoterapia que pode não contar com a melhor pesquisa no
momento, acarretando em prejuízos ao tratamento. A integração entre os três pode não
ser a perfeita, mas deve-se tentar trabalhar da melhor maneira possível.

A seguir, veremos a integração e aplicação de todos esses fatores na Terapia


Baseada em Processos.
20

3. A TERAPIA BASEADA EM PROCESSOS

Em 1969, Gordon Paul revolucionou e direcionou os caminhos da psicologia,


alterando o tratamento em psicopatologia, trazendo a necessidade de uma prática
baseada em evidências, e sendo utilizada até hoje, ao levantar a seguinte frase: “Que
tratamento, por intermédio de quem, é mais eficaz para tal indivíduo com tal problema
específico, sob qual conjunto de circunstâncias e como ele acontece?” (Paul, 1969).
A frase de Paul, resumida em "qual protocolo é melhor para os sintomas dessa
síndrome?" não conseguiu captar adequadamente diversos fatores, como as
necessidades do indivíduo, o contexto das intervenções, a especificidade dos
procedimentos, a especificidade dos problemas e o vínculo com processos de mudança
(Hofmann e Hayes, 2018), considerando também as relações funcionais causais
importantes, controláveis, aplicáveis a um conjunto específico de comportamentos-alvo
para o paciente. Nesse contexto, nasce a Terapia Baseada em Processos (TBP).
A TBP visa dar a todos os processos de todas as correntes da psicoterapia uma
chance justa de serem considerados, com base em sua utilidade comprovada para
alcançar um objetivo terapêutico em vez da adesão a teorias psicológicas específicas
(Hofmann, Hayes & Lorscheid, 2021).
O objetivo da TBP é avançar para compreender e direcionar os processos de
mudança em um determinado indivíduo e afastar-se de análises nomotéticas, baseadas
em grupos, que tendem a perder processos individuais importantes que podem ser
vitais para tratamento (Hofmann, Hayes e Lorscheid, 2021). A TBP enfatiza a
importância da função sobre o conteúdo e é com base na identificação e teste dos
principais processos de mudança que se baseiam em cada outro, a fim de melhor tratar
o indivíduo em um determinado contexto em um determinado ponto no tempo.
Como tal, o tratamento é adaptado às questões específicas de cada um, no
presente, reconhecendo que tratamentos eficazes não precisam ser limitados a uma
abordagem ou estratégia de tratamento, mas sim sobre os processos de mudança
21

mensuráveis e específicos que podem resolver problemas individuais e promover o


bem-estar.

Hayes e Hofmann (2019) definem a TBP como o uso contextualmente específico


de processos baseados em evidências ligados a procedimentos baseados em
evidências para ajudar a resolver os problemas e promover a prosperidade de pessoas
específicas. Ela é um novo paradigma que surge para tentar solucionar os problemas
na psicoterapia atual, questionando a validade e a utilidade do modelo de doença
médica atual, no qual os tratamentos são aplicados como protocolos baseados em
diagnósticos para transtornos mentais. Isso levanta questões, como por exemplo: i) o
caso dos pacientes que não fecham diagnóstico para nenhum transtorno? ii) E os
sujeitos com vários transtornos mentais? iii) E indivíduos que vão com queixas para
além de transtornos mentais? Como se daria a terapia, mesmo baseada em evidências,
para estes casos - que são, na verdade, a regra e não a exceção na clínica?

É importante ressaltar que a TBP ainda é teórica, bem recente no campo da


psicologia, não possui estudos que comprovem os mecanismos de mudança
subjacentes aos procedimentos, entre algumas outras lacunas. O proposto aqui é
apresentar suas definições, classificações de seus componentes, explicar o modelo
levantado por Hayes e Hofmann, levantar o que se vem apontando nesse cenário,
tentar indicar onde será necessário efetuar mais estudos e pesquisas, apresentar as
perspectivas futuras que vêm se desenhando para a psicologia clínica a partir desse
modelo, bem como as críticas a essa teoria. Não há desenho nem respaldo para uma
aplicação prática da TBP a curto prazo - o que se levanta aqui são as apresentações,
as dificuldades do cenário da psicopatologia atual e as características desse novo
modelo de psicoterapia. Como dizem os próprios autores, embora as evidências para
protocolos não sejam suficientemente fortes para tratá-los como algoritmos, os
protocolos oferecem heurísticas que simplificam proveitosamente situações complexas
(Hayes e Hofmann, 2020).
22

A mais recente publicação sobre o assunto foi lançada há um mês, no momento


da escrita desse trabalho. Trata-se do livro “Learning Process-Based Therapy: A skills
training manual for targeting the core processes of psychological change in clinical
practice”, de Steven Hayes, Stefan Hofmann e David Lorscheid, em dezembro de 2021
nos Estados Unidos.
A TBP propõe construir uma terapia flexível, individualizada, baseada nos
processos biopsicossociais nos quais o indivíduo deseja e/ou necessita passar, através
de procedimentos baseados em evidência que já conhecemos na literatura.
Terapeutas e pesquisadores mudariam seu foco para os processos
biopsicossociais mais importantes para o paciente, e identificariam os procedimentos
que melhor os movem em direção a esses objetivos com maior liberdade para
considerar processos e métodos entre tradições e abordagens (Hayes e Hofmann,
2018; Hofmann e Hayes, 2019).
Por se tratar de um campo bem recente, não há estudos robustos ainda, portanto
a aplicabilidade permanece teórica; porém um referencial teórico está surgindo, e já se
fala nesse campo como o futuro da psicoterapia baseada em evidências. No exterior,
assemelha-se à Quarta Onda das terapias cognitivas e comportamentais, às terapias
modulares e às terapias transdiagnósticas (com uma aplicabilidade um pouco mais a
curto prazo, como veremos mais a seguir).
A TBP é clássica ao mesmo passo que é moderna. Clássica pois reúne um
resgate à Análise do Comportamento (AC), incorporando a análise funcional de Skinner
como elemento primário na prática desse modelo de terapia, para balizar e direcionar o
tratamento do paciente. E moderna pois concentra uma inovação na Terapia
Cognitivo-Comportamental (TCC) e nas Terapias Contextuais (que já englobam técnicas
de diversas abordagens como a gestalt-terapia, humanismo, análise do comportamento,
existencialismo, entre outras), aplicando várias de seus tratamentos empiricamente
sustentados, porém agora de outra maneira - antes as abordagens e técnicas eram
voltados a transtornos mentais específicos, agora serão aplicados de forma sistemática
a processos psicológicos pelos quais o paciente deseja e/ou necessita passar.
23

Percebemos então que a TBP não se trata de uma “abordagem” em psicologia,


mas sim de uma prática que pode ser adotada por qualquer abordagem, englobando
procedimentos baseados em evidências (inseridos em muitas das abordagens citadas)
visando a alteração dos processos psicológicos do paciente.
A frase de Gordon Paul em 1969, que norteou a psicoterapia por tanto tempo,
fora substituída por outra pergunta fundamental, construída por Hayes e Hoffmann em
2018 - "Quais processos biopsicossociais centrais devem ser direcionados para um
dado cliente tendo em vista tal objetivo em tal situação, e como eles podem ser
mudados de maneira mais eficiente e eficaz?". Veremos a seguir uma tentativa de
responder a essas perguntas, na forma da definição e exemplos dos processos
psicológicos e dos procedimentos terapêuticos.

3.1. Processos Psicológicos

A palavra “processo” vem de uma raiz latina que significa “avançar”, como em
um desfile ou uma procissão, e sua definição moderna é uma série de ações
destinadas a alcançar algum resultado. Um processo em TBP é uma sequência de
eventos que são conhecidos por influenciar o bem-estar de uma pessoa (Hofmann,
Hayes & Lorscheid, 2021).

Os processos psicológicos são definidos como mecanismos de mudança


implícitos que levam à obtenção de uma meta desejada com o tratamento. São um
conjunto de mudanças dinâmicas, progressivas e multiníveis, baseadas na teoria, que
ocorrem em sequências previsíveis estabelecidas empiricamente, orientadas para os
resultados desejados (Hofmann e Hayes, 2018).

Segundo os autores da última publicação sobre TBP (Hofmann, Hayes e


Lorscheid, 2021), há um número virtualmente ilimitado de processos biopsicossociais
ativos dentro de cada pessoa, e é por isso que queremos nos limitar àqueles que são
relevantes para as intervenções clínicas. Eles vêm de diversas formas diferentes,
24

porém os processos terapêuticos mais úteis exibem as mesmas 5 qualidades: são


baseados em teoria, dinâmicos, progressivos, contextualmente vinculados e parte de
um sistema multinível. O Quadro 1 abaixo descreve essas cinco principais qualidades
dos processos terapêuticos.

Quadro 1: Qualidades dos Processos Terapêuticos

a) baseados em teoria, porque os associamos a uma clara


declaração de relações entre eventos que levam a previsões
testáveis ​e métodos de influência;

b) dinâmicos, pois podem envolver loops de feedback e mudanças


não-lineares;

c) progressivos, porque podemos precisar organizá-los em


sequências particulares para atingir o objetivo do tratamento;

d) contextualmente vinculados e modificáveis, pois eles


diretamente sugerem mudanças práticas ou núcleos de
tratamento ao alcance dos praticantes;

e) multiníveis, porque alguns processos substituem ou estão


aninhados dentro outros.

Fonte: Hofmann, Hayes e Lorsheid (2021, p. 16)

É interessante manter essas cinco qualidades dos processos terapêuticos em


mente quando queremos dar sentido a uma situação do cliente.

E se nos depararmos com processos que exemplificam as qualidades acima, os


autores (Hofmann, Hayes e Lorsheid, 2021) afirmam que podemos considerá-los como
blocos de construção para uma abordagem alternativa ao DSM/CID (Código
Internacional de Doenças). Veremos essa elaboração mais adiante.
25

Além disso, esses processos de mudança precisam ter precisão, escopo e


profundidade. Essas características são descritas no quadro 2.

Quadro 2: Características dos Processos Terapêuticos

a) Precisão: Um processo terapêutico precisa de precisão para que


fique claro quando pode-se dizer que um determinado processo
de mudança se aplica e quando não pode. Por exemplo, um
conceito como “evitar” é menos preciso do que um conceito
como “evitar sentimentos intensos”. Ao exigir que os processos
de mudança sejam precisos, eliminamos heurísticas gerais e
metáforas soltas como processos de mudança.

b) Escopo: Um processo terapêutico precisa de um alvo para que


se aplique a uma série de fenômenos. Por exemplo, um
processo que se concentra em “brigas verbais com amigos
íntimos” tem menos escopo do que um processo como
“promover distância emocional por meio de brigas, recusas e
afastamentos”. Por exigindo que os processos de mudança
tenham escopo, eliminamos aqueles que são versões
meramente reafirmadas de episódios psicológicos específicos, e
nós encorajar aqueles que se aplicam amplamente ao mundo
psicossocial de um cliente. Isto é simplesmente não é útil - nem
cientificamente nem praticamente - para se concentrar em
processos que se aplicam apenas a áreas estreitas.

c) Profundidade: A psicologia clínica está inserida em um amplo


conjunto de conhecimento extraído da neurociência, fisiologia,
genética, processos e muitas outras disciplinas. Assim, um
26

processo terapêutico precisa de profundidade para que as


evidências sejam consistentes com as evidências científicas
bem estabelecidas. resultados em diferentes níveis de análise.
Por exemplo, se uma emoção conceito de processo contradiz
dados da neurobiologia da emoção, algo está profundamente
errado. Se existe tal contradição no tecido da ciência, a
descrição do processo de mudança ainda não é adequada.

Fonte: Hofmann, Hayes e Lorsheid (2021, p. 28)

Como dito anteriormente, há infinitos processos de mudança interagindo


simultaneamente dentro de uma pessoa. Esses processos estão ligados a sentimentos
da pessoa, pensamentos, comportamentos, senso de si mesmo, e até mesmo suas
experiências biológicas, sociais e culturais. Veremos posteriormente essas
classificações dos processos. Agora se fará a construção do modelo da TBP.

3.1.1. Análise Funcional

A TBP se concentra em processos de mudança funcionalmente importantes,


garantindo o tratamento utilitário. Portanto, seus objetivos, como considerar o contexto
e a função de comportamentos particulares, são semelhantes aos da análise funcional
clássica. Como já citado, a TBP propõe um resgate à Análise Funcional de Skinner,
uma vez que essa se faz tão importante para delinear e conduzir o tratamento,
propondo apenas uma nova reformulação, como veremos adiante.
A análise funcional foi originalmente usada na Análise do Comportamento (AC)
para descrever o controle do comportamento por princípios como contingências de
reforço.
No contexto da TBP, pode ser pensada como a identificação e modificação de
processos relevantes, impactantes e controláveis ​que se relacionam com
27

comportamentos específicos. Essas relações podem variar em força, dependendo da


quantidade de influência que as variáveis ​têm umas sobre as outras (Hofmann, Hayes e
Lorsheid, 2021).
A Análise Funcional clássica envolve o levantamento sistemático de variáveis
antecedentes e consequentes para a explicação do comportamento, de acordo com o
modelo de seleção por consequências (Skinner, 2007). As variáveis externas, das quais
o comportamento é função, dão margem ao que pode ser chamado de análise causal
ou funcional (Skinner, 2003).
Em uma análise funcional do comportamento, há a tentativa de se prever e
regular o comportamento. Esse componente na análise funcional será a variável
dependente, o efeito para o qual procuramos a causa. As variáveis independentes
serão as causas do comportamento, as condições externas das quais o comportamento
é função. Relações entre as duas - as “relações de causa e efeito” no comportamento -
são as leis de uma ciência (Skinner, 2003). Skinner (2003) também nos traz a ideia de
que uma síntese destas leis expressa em termos quantitativos desenha um esboço
inteligente do organismo como um sistema que se comporta.
Abaixo se encontra um modelo de análise funcional clássica (Figura 4)

Figura 4 - Análise Funcional Clássica

Fonte: Passos (2016)


28

Por exemplo, uma criança chora no supermercado com seus pais, pedindo
determinado doce. Os pais, diante do comportamento de choro, reagem dando à
criança o doce que ela queria. A criança, em consequência disso, para de chorar.
Verifica-se que, com o passar do tempo, o comportamento da criança de chorar no
mercado com os pais aumenta de frequência. O que mantém o comportamento da
criança é um reforçador positivo (aumenta a frequência e magnitude de uma ação e
acrescenta um estímulo). A função do comportamento da criança, neste caso, é receber
o doce dos pais.
Análises como essa são úteis para se conduzir os casos clínicos, onde aplica-se
situações problema da vida do paciente e o terapeuta faz o trabalho de entender a
função dos comportamentos indesejados, para gerar consequências reforçadoras mais
funcionais, diferente das atuais, que provavelmente têm trazido consequências
disfuncionais. No exemplo, os pais ao entender que a função do comportamento (choro)
é para que a criança ganhe o doce (consequência), podem controlar a emissão da
causa do comportamento, seja tentando um processo de extinção (não dar o doce
mediante o choro), ou de um modo lúdico fazê-la compreender que não é necessário
birra para conseguir o que se quer, entre outros.
No entanto, a TBP é mais ampla na gama de processos considerados e
adaptados para uso clínico. Embora a análise funcional tenha sua importância notada,
seu uso ainda é em maior grau na AC. A TBP está reenfatizando a análise funcional, e
recentemente (Hayes et al., 2019) descreveu como vincular o modelo da TBP a um
novo tipo de análise funcional baseada em processos.
Aplicar análise funcional baseada em processos é o primeiro passo para a
alteração de processos psicológicos através de procedimentos baseados em evidência.
Como clínicos, monitoramos a função e circunstâncias das cognições, mudanças de
atenção, senso de si, motivação e comportamentos do cliente, além de aumentar a
conscientização sobre os aspectos biofisiológicos e domínios socioculturais relevantes
(Hofmann, Hayes e Lorsheid, 2021).
29

Portanto, o primeiro passo da aplicação de uma TBP se dá pelo estabelecimento


de uma análise funcional de diversas situações centrais na vida do cliente, muitas vezes
um pouco diferenciada da análise funcional de Skinner, apenas incluindo alguns
elementos, sendo agora uma espécie de Análise Funcional Contextual.

A Análise Funcional de Skinner possui três elementos:

Antecedente - Comportamento - Consequência

A Análise funcional baseada em processos, ou Análise Funcional Contextual,


terá a ampliação de mais 3 itens, unindo então elementos da TCC à AC. Portanto esse
novo modelo de Análise Funcional será:

Vulnerabilidade anterior - Antecedente - Pensamento - Emoção - Comportamento -


Consequência

Ao examinar essas áreas em termos de processos e relacionando a


procedimentos, pode-se obter ferramentas concretas para aplicar uma análise funcional
baseada em evidências, para ajudar o cliente a conquistar seus objetivos (Hofmann,
Hayes e Lorsheid, 2021).
Mais adiante veremos os 10 passos para se utilizar a análise funcional baseada
em processos como uma nova forma de diagnóstico.

3.1.2. Modelos de Rede

O Modelo de Rede é o primeiro elemento da intervenção baseada em processos.


Ele retrata a situação atual do cliente, histórico pessoal, provável resposta ao
tratamento e todos os outros processos que o terapeuta escolher como alvo. Esse
modelo de rede formará a base do tratamento.
Uma rede é composta de partes únicas que se conectam e influenciam uma
outra. Na TBP, criamos modelos de rede usando quadrados e setas, onde a seta liga
30

dois quadrados. Os quadrados representam os eventos de vida de uma pessoa que


estão relacionados ao funcionamento. E as setas entre estes quadrados representam a
relação entre esses eventos e sua direção de influência. Na figura 5 abaixo, vemos um
exemplo de relação simples de Modelo de Rede.

Figura 5 - Modelo de Rede simples

Fonte: traduzido de Hofmann, Hayes e Lorsheid (2021, p. 29)

No eemplo acima, vemos que o “histórico de sofrer bullying” é um evento da vida


de uma pessoa, que está ligado como influência de seu funcionamento atual de “baixa
auto-estima”.
Os modelos de rede podem ter linhas bidirecionais, ou seja, dois eventos se
influenciando mutualmente. São chamados também de loops de feedbacks. Por
exemplo, o evento “medo de cachorros” pode influenciar a “evitação de cachorros”, que
por sua vez também impactam o “medo de cachorros”. Uma pessoa evita cachorros
pois tem medo deles, ao passo que ter medo deles faz com que ela os evite.
As setas também podem ser umas mais grossas que as outras, representando
ummaior grau de influência naquela relação.
Os modelos também podem ter uma relação de mais de dois elementos, bem
como contar com subredes. Pode haver um evento influenciando vários, ou vários
eventos influenciando um.
Veremos abaixo uma representação de um modelo de rede mais completo.
31

Figura 6 - Modelo de Rede

Fonte: traduzido de Hofmann, Hayes e Lorsheid (2021, p. 33)

Podemos ver nesse exemplo de modelo de rede que a ruminação causa um


humor deprimido, mas que outros fatores causaram a ruminação, como o término do
relacionamento e baixa autoestima. Vários fatores levam a um humor deprimido, mas a
solidão é o maior deles, sendo também a motivação mais forte para a baixa
auto-estima.
Estas são as relações mais importantes para começar a trabalhar com o modelo
de rede. Ela deve ser o mais simples possível e tão complexa quanto necessário.
Hofmann, Hayes e Lorsheid (2021) afirmam que precisamos adicionar tantos eventos e
relações que forem necessários para identificar os principais processos de mudança,
mas também o menor número possível para manter o modelo claro, simples e prático.
No item 3.4 do presente trabalho, veremos uma representação do passo a passo
para se aplicar uma terapia baseada em processos, considerando todos esses
elementos e outros que virão.
32

3.1.3. O Metamodelo Evolutivo Estendido (MMEE)

Metamodelo refere-se a um modelo que pode incorporar vários modelos


específicos - um modelo de modelos. A TBP se baseia em um modelo de intervenção
que acomoda qualquer processo de mudança baseado em evidências,
independentemente da abordagem terapêutica.

Para isso, precisamos de um plano abrangente e coerente, e de um sistema


funcional para organizar os processos. Os fundamentos teóricos deste meta-modelo
são fundamentados em princípios evolutivos que nos ajudam a compreender o
desenvolvimento de sistemas complexos nas ciências da vida (Hofmann, Hayes e
Lorsheid (2021).
O Metamodelo Evolutivo Estendido (MMEE) promove a harmonização e uma
linguagem comum para esse sistema. Ele aplica os conceitos evolucionários de
variação, seleção e retenção apropriadas ao contexto para as chaves biopsicossociais.
dimensões e níveis relacionados ao sofrimento humano, problemas e funcionando
(Hofmann, Hayes e Lorsheid, 2021).
A este ponto torna-se necessário o conceito de mediadores. Será preciso um
leve resgate ao universo da estatística.
A principal maneira pela qual os pesquisadores estudaram os processos de
mudança terapêutica é através de mediadores - definidos como as variáveis ​que
mudam como resultado do tratamento e que produzem o resultado do tratamento
(Hofmann, Hayes e Lorsheid, 2021). Eles são um mecanismo gerador através do qual a
variável independente focal é capaz de influenciar a variável de interesse (Hofmann,
Hayes e Lorsheid, 2021 apud Baron & Kenny, 1986).
Por exemplo, suponha que em uma empresa os empregados comam mais
fast-food na época das férias. A variável independente (férias) tem um efeito no
consumo de fast-food (variável dependente). Analisando melhor a situação,
33

percebemos que as épocas das férias aumentam o nível de stress dos empregados. Ou
seja, o estresse no trabalho será um mediador, ou seja, um componente importante sob
o qual a variável independente (férias) influencia na variável dependente (comer mais
fast-food). Ao se notar um mediador, pode-se construir intervenções para manejá-lo, a
fim de reduzir os efeitos indesejados sobre a variável dependente.
Podemos classificar os processos de mudança na ciência da intervenção em seis
dimensões psicológicas (afeto, cognição, atenção, self, motivação e comportamento
evidente), aninhado em dois níveis adicionais de seleção (biofisiológico e sociocultural)
(Hofmann, Hayes e Lorsheid, 2021). E em cada uma dessas dimensões e níveis,
variação, seleção, retenção e contexto são centrais (ou seja, mudança, função, hábitos
ou padrões, e ajuste e suporte) (Hofmann, Hayes e Lorsheid, 2021).

Terapeutas já falam em termos da TBP, como variação, seleção, retenção e


contexto: eles buscam mudanças que funcionem bem para a pessoa (variação e
seleção), que são construídos em hábitos que se adaptam à sua situação (retenção e
ajuste contextual). Eles aplicam isso a dimensões específicas de desenvolvimento
psicológico (afetivo, cognitivo, comportamental, atencional, motivacional, e assim por
diante), e eles se concentram em diferentes níveis de análise e interações dos
processos de mudança.
Ao combinar todos os seis conceitos evolutivos, temos um amplo metamodelo
para a exploração de processos de mudança adaptativos e desadaptativos. Ele
organiza processos de mudança multidimensionais e multiníveis e os modelos
específicos, que organizamos num conjunto chamado Metamodelo Evolutivo Estendido,
como pode ser observado na figura 7.
34

Figura 7 - O Metamodelo Evolutivo Estendido

Fonte: traduzido de Hofmann, Hayes e Lorsheid (2021, p. 51)

As seis primeiras linhas do MMEE são as dimensões de desenvolvimento


pessoal, abrigados nos dois níveis nas duas linhas seguintes. Cada dimensão e nível
podem ser examinados em termos de variação e retenção no contexto. Diferentes
“pilhas” (rotuladas como “Desadaptativas” e “Adaptativo”) pode ser criado de processos
que levam à patologia e aqueles que levar à saúde (Hofmann, Hayes e Lorsheid,
2021).. Este diagrama é um “metamodelo” de processos de mudança baseado na
síntese que é proporcionada pela moderna multidimensional, multinível contas
evolutivas. Por isso, é chamado de Metamodelo Evolutivo Estendido.
35

No entanto ele não é um guia prescritivo, mas sim uma linguagem na qual
considerar e comparar modelos de processos de mudança.
Já vimos algumas características, a seguir veremos a classificação dos
processos, que foi somente citada até então.

3.1.4. Classificação dos Processos - os subconjuntos do MMEE

Agora que temos uma compreensão do Metamodelo Evolutivo Estendido


(MMEE), exploraremos os subconjuntos gerenciáveis ​das várias dimensões e níveis do
MMEE à medida que se aplicam a clientes específicos.
Como já citado, os processos de mudança na TBP são classificados em seis
dimensões psicológicas:
a) afeto
b) cognição
c) atenção
d) self
e) motivação
f) comportamento evidente

Aninhados em dois níveis adicionais de seleção:


g) biofisiológico
h) sociocultural

E em cada uma dessas dimensões e níveis envolve processos relacionados à:


a’) variação (mudança)
b’) seleção (função)
c’) retenção (hábitos/padrões)
d’) contexto (ajuste e suporte)
36

Portanto, o tratamento do cliente será construído através do levantamento de


seus processos e explorando suas dimensões, primeiramente construindo a análise
funcional e em seguida seus modelos de rede.
O MMEE colocado em grade é um dispositivo que facilita a construir a dinâmica
dos processos. Os quadrados representam as várias dimensões e níveis do MMEE. O
objetivo da grade é derivar uma rede consistente para um determinado cliente. Esta
grade permitirá a diferentes psicólogos (independentemente de sua abordagem teórica)
derivarem a mesma rede (ou muito semelhante) do problema de um cliente.
Esta informação representa para nós a chave do problema, incluindo
moderadores, as seis dimensões psicológicas e as dimensões biofisiológicas e níveis
socioculturais. Esta grade irá ajudar o clínico a manter o MMEE em vista enquanto ele
desenvolve a rede do cliente. Nem todos os quadrados da grade necessariamente
precisa incluir um nó para cada cliente, mas um quadrado vazio pode sugerem que
você esqueceu de explorar uma dimensão importante.
É importante lembrarmo que existem várias etapas envolvidas em um processo
baseado em diagnóstico. Essas etapas envolvem ter um modelo que pode organizar os
processos dentro do MMEE e, em seguida, focando nos próprios processos. Isso
significa organizamos os recursos da rede em processos de mudança conhecidos e
moderadores—tudo com respeito aos objetivos do cliente. Em particular, focamos em
relações autoamplificadas e sub-redes dentro da rede maior e dependem, sempre que
possível, em relações empiricamente estabelecidas. Em etapas subsequentes,
medimos os processos e resultados conforme necessário e, com base nesses dados,
reconsideramos a rede e a modificamos quando necessário.

Figura 8 - Grade do Metamodelo Evolutivo Estendido


37

Fonte: traduzido de Hofmann, Hayes e Lorsheid (2021, p. 160)

Aplicando o Modelo de Rede à Grade do MMEE em um exemplo de caso clínico


para ilustrar, ele ficará dessa forma:

Figura 9 - Modelo de Rede aplicado à Grade do MMEE


38

Fonte: traduzido de Hofmann, Hayes e Lorsheid (2021, p. 162).

Numa TBP, nem todos os processos terão o mesmo peso. Para o clínico saber
de onde partir, deve identificar quais os processos mais relevantes na vida do cliente,
através da observação do quadrado com maior quantidade de setas. No exemplo
acima, a “luta para se defender” parece o evento mais relevante, por ter maior
quantidade e espessura de setas, se tratando da dimensão do self. O trabalho agora é
analisar procedimentos eficazes para conseguir mexer na rede e torná-la mais
adaptativa, dentro da dimensão do processo encontrado como mais relevante
inicialmente. Se aplicarmos no exemplo, uma intervenção como “registro de
39

pensamentos auto-destrutivos”, essa técnica poderia produzir efeitos adaptativos e


reduzir os mal adaptivos. O Quadro MMEE então ficaria assim:

Figura 10 - Processos sendo alterados após a aplicação da intervenção

Fonte: traduzido de Hofmann, Hayes e Lorsheid (2021, p. 169).

Observe que após a intervenção, a seta que indica a relação entre os eventos
perde cor, ou seja - a relação mal adaptativa vai sendo enfraquecida, até ser extinta.

No tópico 3.4 deste trabalho, veremos a representação de como resolver um


caso clínico baseado em processos.
40

3.1.5. Núcleos de tratamento de processos

Como vimos, os processos de mudança são classificados em dimensões e


níveis, que por sua vez se associam a características críticas. Existem componentes
que o terapeuta não poderá intervir diretamente, apenas levantar pois serão
importantes para o MMEE, como o aspecto biofisiológico do paciente, sociocultural, etc.
Portanto, a seguir serão descritos alguns processos em relação à dimensão psicológica
(que envolvem afeto, atenção, cognição, motivação, self e comportamento), onde o
trabalho do terapeuta se concentrará.

Devido ao fato dos processos se designarem como um conjunto de mudanças


dinâmicas, em tese encontraremos processos com várias etapas/características de
ação no sujeito; e para tanto, diversos procedimentos diferentes para se objetivar o
mesmo processo, bem como um procedimento sendo aplicado a mais de um processo.
Por exemplo, após a construção do MMEE, verificou-se que um dos núcleos de
processos de mudança que seriam funcionais para o paciente seria o de regulação
emocional. Para isso, o profissional pode se utilizar de vários procedimentos, como o
Registro de Pensamentos Disfuncionais (RPD), respiração diafragmática, diário das
emoções, entre outros. Assim como a respiração diafragmática por exemplo também
pode ser utilizada em outros núcleos de processos, como mindfulness, flexibilidade
atencional, gerenciamento de crises, entre outros. Abaixo encontra-se um esboço dos
principais núcleos de tratamento dos processos, descritos por Hayes e por Hofmann.
41

Quadro 3 - Núcleos de Tratamento de Processos de Mudança

a) autogerenciamento
b) competências interpessoais
c) controle de estímulos
d) desfusão cognitiva
e) escolha e explicitação de valores
f) manejo de contingências
g) mindfulness
h) modelagem
i) modificação de crenças centrais
j) motivação
k) regulação emocional

Fonte: Hayes & Hofmann (2020)

Eles são classificados nas mesmas dimensões e níveis citados (atenção,


cognição, comportamento etc). A psicoterapia é um processo dinâmico que se destina
a trazer mudanças adaptativas nos sistemas complexos do qual são formados os
indivíduos. Os processos de mudança são sequências funcionais, não meras
instantâneos. Se os processos de mudança devem servir como uma alternativa ao
DSM, então esses processos devem levar diretamente e com sucesso à seleção e
implementação de estratégias de intervenção. Os elementos básicos dessas estratégias
são núcleos de tratamento - métodos de mudança específicos projetados para modificar
processos de mudança. Agora iremos discutir e ilustrar alguns desses núcleos

Abaixo, segue uma breve definição de alguns núcleos de processos de mudança


citados.
42

a) autogerenciamento - é definido como a aplicação de princípios


comportamentais e cognitivos à mudança do próprio comportamento, possuindo assim
controle sobre condições que fortalecem comportamentos indesejados ou enfraquecem
comportamentos desejados. A grande classe dos procedimentos para
autogerenciamento incluem avaliação da mudança comportamental e avaliação das
funções comportamentais. E para tanto, há técnicas para cada um deles, como
extinção, dessensibilização sistemática, relaxamento muscular progressivo, meditação,
afirmações de enfrentamento, etc. Ex: para atingir o comportamento alvo de se
exercitar, uma pessoa pode ter a meta comportamental de fazer exercício 3x na
semana. Ao atingir a meta comportamental, a pessoa provavelmente atingirá o objetivo
final pretendido, como por exemplo emagrecer. O equívoco está em muitas vezes o
paciente pensar primeiro no objetivo final a ser atingido, e só então determinar seu
comportamento alvo e meta comportamental para alcançá-lo.

b) competências interpessoais - conceituada como a integração contínua e


tranquila de comportamentos específicos essenciais necessários à comunicação efetiva
e necessários para se alcançar objetivos sociais e instrumentais. Os prodimentos para o
alcance desse processo são diversos, mas podemos destacar o treino de habilidades
sociais, treino de assertividade, o exercício da comunicação não violenta, entre outros.
Ex: parte rápida de um treino de habilidades sociais para uma pessoa com falta de tato
social, “tímida”, tendo prejuízos com esse comportamento: “Combine e Negocie” -
envolve expressar seu ponto de vista (a dificuldade maior até então), ouvir o da outra
pessoa, explicar o que entendeu do ponto de vista dela, propor um acordo, conversar
até que ambos concordem com o acordo.

c) controle de estímulos - há controle de estímulos sob um determinado estímulo


ou classe dos mesmos quando é mais provável um comportamento ou classe de
comportamentos medidos na presença desses estímulos do que na sua ausência.
Exemplo: A criança emite o comportamento de arrumar o quarto com o dobro de
frequência quando o estímulo de receber mesada é apresentado, em relação a quando
43

esse estímulo está ausente. Algumas intervenções para atingir esse processo podem
ser citadas como: economia de fichas, lista de vantagens e desvantagens, etc.

d) desfusão cognitiva - ocorre quando há o aumento da consciência de pensar


além do conteúdo ou significado literal do pensamento (distorções cognitivas), e então
ocorre um processo de redução das funções cognitivas e comportamentais automáticas
dos pensamentos. As técnicas visam auxiliar o paciente a interpretar o pensamento
distorcido menos literalmente e capacitá-los a lidar de formas mais eficazes quando há
prejuízos decorrente dessas distorções. Ex: paciente tem pensamentos de que é um
fracassado, e traz isso em sua fala em toda oportunidade e com todas as pessoas
próximas possíveis. Quando a fala está sendo empregada literalmente, é possível que
haja um maior foco no conteúdo da fala em vez do processo de formação da frase.
Como quando repetimos a palavra “calça” 20x, iremos fazer no automático que com o
tempo parecerá “çacal”. Se a pessoa apenas repete várias vezes, ela está fusionada ao
conteúdo e é mais difícil livrá-la do pensamento. Mas se há atenção no processo da
fala, é mais provável que consiga desviar desse pensamento.

e) escolha e explicitação de valores - é o processo de reconexão do cliente com


seus propósitos de vida, ideais, motivos maiores em vez de se estagnar às dores e
sofrimentos do momento. Procedimentos para auxiliar nesse processo incluem a
abordagem completa da ACT (Terapia de Aceitação e Compromisso), ativação
comportamental, entrevista motivacional e vários outros procedimentos empiricamente
sustentados.

f) manejo de contingências - definido como a oferta sistemática de reforço


contingente ao se atingir metas ou objetivos clínicos pré-determinados (p. ex:
abstinência do uso de cigarro) e retirada de reforço ou estabelecimento de punições
quando esses objetivos não são atingidos. Na década de 60, estudos apontaram que o
MC poderia ser usado como técnica aplicada (ou seja, ser um procedimento em vez do
processo mais amplo). Porém, estudos posteriores a isso, empiricamente sustentados,
revelaram que o MC era um poderoso processo. No entanto, ele não atraiu tanta
44

atenção nas abordagens aplicadas. Exemplo: incentivo financeiro ao se conseguir parar


de fumar.

g) mindfulness - Com várias definições propostas por autores diferentes, em


suma o conceito de mindfulness é a atenção plena ao presente, incluindo fenômenos
internos e estímulos ambientais. Pela ACT, mindfulness possui quatro elementos:
contato com o momento presente, aceitação, desfusão e self com o contexto. Outros
procedimentos que auxiliam nesse processo podem ser citados como: práticas
meditativas (meditação sentado), práticas baseadas no movimento (ioga, caminhada),
mindfulness nas atividades rotineiras, respiração diafragmática, entre outras.

h) modelagem - caracterizada como o reforço diferencial de aproximações


sucessivas de um comportamento alvo. Pode se dar como um treinamento visível, bem
como um fenômeno comportamental que ocorre naturalmente. Ex: ensinar um pombo a
fazer um giro no sentido horário. Inicialmente, qualquer giro é reforçado. Depois que
essa resposta acontece de modo confiável, apenas os giros no sentido horário são
reforçados, enquanto os no anti-horário são colocados em extinção.

i) modificação de crenças centrais - O esquema é uma das estruturas cognitivas


mais importantes da TCC. Para Beck, um esquema serve para executar a triagem,
codificar e avaliar os estímulos que afetam o organismo. Existem diversos
procedimentos para fazer a modificação de crenças centrais, podendo-se dividir em 3
grandes grupos: raciocínio, teste empírico e intervenções experienciais. Exemplos do 1º
grupo: gráfico da responsabilidade em forma de pizza, classificação multidimensional de
um continuum; do 2º grupo: Registro de pensamentos Disfuncionais; do 3º grupo:
imaginação, dramatização, técnica da cadeira vazia.

j) motivação - definida como uma mentalidade que reconhece a natureza


flutuante da motivação do paciente e tenta reconectá-lo com seus objetivos. Uma
estrutura para pensar sobre como o psicoterapeuta pode ajudar o cliente a se ajudar.
Técnicas incluem principalmente réguas motivacionais (escalas de 0 a 10 do próprio
45

paciente para avaliar a prontidão a mudança, a importância da mudança ou a confiança


na habilidade de mudar). A eficácia da intervenção breve com estimulação da
motivação (EM) é comparável com tratamentos mais intensivos para a redução de
comportamentos problemáticos. Exemplo: pacientes tratados com uma única sessão de
EM sobre o hábito de beber em relação às recomendações, em relação ao tratamento
formal, exibiram redução autodirigida significativa na ingestão de álcool no follow up.

k) regulação emocional - processo que abarca qualquer estratégia de


enfrentamento (problemática ou adaptativa) que o indivíduo usa ao confrontar a
intensidade emocional indesejada. Existem diversos procedimentos para se executar a
regulação emocional de forma funcional, dentre eles podemos citar a reavaliação
cognitiva e aceitação das emoções. Ex; uma pessoa sofre com o fato de ser obesa,
tendo emoções descontroladas de tristeza e raiva. Procedimentos advindos da ACT
incluiriam a aceitação desse corpo, visto que é o corpo que protege a pessoa do
mundo, a permite que ela o experiencie, através da visão, tato, paladar.. E
posteriormente o compromisso, se há a insatisfação com o corpo obeso, o que ela pode
fazer para mudar a emoção? Mudanças comportamentais na rotina, visando o
emagrecimento, e se comprometendo no processo.

Até aqui foram definidos e descritos conceitos a respeito dos processos de


mudança, elemento central na TBP. Para alcançá-los e fazer com que o cliente atinja
seus objetivos e tenha prosperidade em sua vida, nos utilizamos de procedimentos
terapêuticos, no qual há uma gama imensa, são empiricamente sustentados e já
conhecidos na literatura. Como sua mera reprodução seria expressivamente longa, não
sendo possível fazer como foi feito com os processos, a seguir citaremos e
descreveremos alguns procedimentos baseados em evidência, advindos de diversas
abordagens teóricas (TCC, AC, DBT, ACT, humanismo, gestalt-terapia etc.), bem como
indicaremos o caminho na literatura para encontrar instruções de sua aplicação.
46

A tabela 1 apresenta a relação dos processos de mudança, seus núcleos de


tratamento e as intervenções possíveis. É importante lembrar que os procedimentos
são inúmeros, sendo indicados aqui apenas exemplos.

Tabela 1 - Associação entre Processos e Procedimentos

Processos Núcleo do processo de Procedimentos


mudança

Atenção Mindfulness práticas meditativas;


práticas baseadas no movimento
Agir com atenção plena
(ioga, caminhada);
respiração diafragmática;
mindful eating

Cognição reestruturação cognitiva;


Desfusão cognitiva
RPD;
Regulação emocional questionamento socrático;
Modificação de crenças psicoeducação;
centrais
diário emocional;
análise A-B-C;
Reavaliação cognitiva
exame das evidências;
lista de vantagens e
desvantagens;
gráfico da responsabilidade em
forma de pizza;
classificação multidimensional de
um continuum;
imaginação;
dramatização;
técnica da cadeira vazia
47

Comportamento role play racional-emocional;


Habilidades de
enfrentamento continuum;
treinamento de escuta ativa;
Ativação comportamental
ensaio comportamental;
Competências interpessoais
treino de habilidades sociais;
Controle de estímulos treino de assertividade;
comunicação não-violenta;
Manejo de contingências
exposição;
Compromisso dessensibilização sistemática;
economia de fichas
Resolução de problemas

Self técnica da cadeira vazia;


Autogerenciamento
respiração diafragmática;
Autoeficácia relaxamento muscular
Autoregulação progressivo;
dessensibilização sistemática;
Religiosidade/espiritualidade práticas de meditação;
afirmações de enfrentamento;
imaginação;
dramatização

Motivação
Escolha e explicitação de
valores ativação comportamental;
entrevista motivacional;
Intenções
réguas motivacionais

Objetivos

Afeto Aceitação normalização da emoção;


como aumentar a aceitação da
Sensibilidade à ansiedade
emoção;
Autocompaixão
48

auto-avaliação compassiva

Fonte: A autora.

3.2. Procedimentos Terapêuticos Baseados em Evidências

Procedimentos terapêuticos são as técnicas ou os métodos que um terapeuta


utiliza para alcançar os objetivos do cliente com o tratamento: os resultados definidos e
mensuráveis que o terapeuta e o cliente acordaram (Hofmann e Hayes, 2018). Essas
técnicas, como dito anteriormente, já são conhecidas pois estão dentro dos protocolos
de tratamento para transtornos mentais específicos, e as utilizadas na Terapia Baseada
em Processos contarão com as técnicas que possuem evidência científica de eficácia.

Os procedimentos são fáceis de serem listados, uma vez que já se levantou os


processos - pois os procedimentos serão classificados aos mesmos moldes dos
processos (cognição, compotamento, self, motivação) etc.

Alguns procedimentos foram citados previamente, mas podemos trazer: Registro


de Pensamentos Disfuncionais (RPD), psicoeducação, exposição, respiração
diafragmática, dessensibilização sistemática, diários emocionais, economia de fichas,
técnica da cadeira vazia etc. Esses procedimentos são amplamente descritos na
literatura, em manuais principalmente de técnicas cognitivas e comportamentais.

Uma forma de se encontrar a manualização desses procedimentos é atraves de


livros clássicos de TCC e AC, por exemplo, tais como:

a) Terapia Cognitivo-Comportamental na Prática Psiquiátrica, Paulo Knapp, 2004,


capítulos 1 e 8 para técnicas básicas e todo o livro para técnicas mais específicas -
como RDP, psicoeducação, questionamento socrático, análise A->B->C, exame das
evidências, seta descendente, lista de vantagens e desvatangens, role play
49

racional-emocional, continuum, treinamento de escuta ativa, ensaio comportamental,


etc.;

b) Regulação Emocional em Psicoterapia, Leahy et. al, 2013, apêndice para


formulários e todo o livro para técnicas cognitivas e comportamentais - como
identificação de esquemas emocionais, normalização da emoção, como aumentar a
aceitação da emoção, auto-avaliação compassiva, respiração diafragmática,
relaxamento muscular progressivo, etc.;

c) Técnicas de Terapia Cognitiva, Robert Leahy, 2018, todo o livro - lista de


verificação de distorções cognitivas, teste das previsões negativas, foco nos objetivos
de mais longo prazo, evitação do arrependimento, progredir em vez de tentar a
perfeição, exame do viés de confirmação, entre outros;

d) Terapia cognitivo-comportamental: teoria e prática, Beck, edições de 2013 e


2021 - técnicas cognitivas e comportamentais gerais e aplicadas;

e) Manual Clínico dos Transtornos Psicológicos: Tratamento Passo a Passo,


Barlow, 2016. Intervenções cognitivas e comportamentais gerais e aplicadas,
descrevendo protocolos de tratamento e já começando um trabalho com protocolos
unificados;

f) Terapias Comportamentais de Terceira Geração, Lucena-Santos et. al, 2015,


todo o livro - procedimentos como redução do estresse, ativação comportamental,
práticas de meditação, etc.;

g) A terapia cognitivo-comportamental baseada em evidências, Dobson, 2009,


capítulos 6 a 8 e outros momentos do livro - intervenções como automonitoramento,
treinamento de habilidades sociais, treinamento de assertividade, de relaxamento, de
exposição etc.;

h) Inovações Em Terapia Cognitivo-Comportamental: Intervenções Estratégicas


para uma Prática Criativa, Amy Wenzel, 2018 - técnicas cognitivas e comportamentais
50

em uma análise contextual, como exercício de avaliação de valores, práticas baseadas


em atenção plena, habilidades de manejo de afeto inovadoras da DBT, entre outras;

E diversos outros livros com intervenções aplicadas a transtornos específicos,


mas que pode-se aprender o manejo das mesmas e aplicar conforme a TBP:

i) Terapia cognitivo-comportamental da depressão, Powel et. al, 2008 -


procedimentos como ativação comportamental, reestruturação cognitiva,

j Terapia cognitivo-comportamental dos transtornos alimentares, Duchesne e


Almeida, 2002. Técnicas como diário alimentar, inventário de perfeccionismo, mindful
eating, etc.

k) Terapia cognitivo-comportamental da fobia social. Ito et. al, 2008. Intervenções


como exposição, dessensibilização sistemática, prevenção de exposição de resposta,
etc.

l) Terapia Cognitiva dos Transtornos de personalidade, Beck et. al, 2005,


capítulo 5. Procedimentos como rotulação de inferências imprecisas, gráficos de pizza,
brainstorming e articulação de crenças e opções positivas, cartões de enfrentamento,
registro de atividades, exposição in vivo, análise de cadeia comportamental, etc.

m) Além das técnicas reunidas em livros para lidar com casais (Terapia
cognitivo-comportamental com casais: uma revisão, de Peçanha e Rangé, 2008),
grupos (Terapia cognitivo-comportamental em grupos: das evidências à prática, Neufeld
e Rangé, 2017), crianças e adolescentes (Terapias cognitivo-comportamentais para
crianças e adolescentes, Petersen e Wainer, 2009), e para o paciente, como
psicoeducação (Vença a depressão antes que ela vença você, A mente vencendo o
Humor, Não acredite em tudo que você sente, etc.)

Outra maneira de ter acesso à descrição dos procedimentos é através da


Division 12 da APA, que além de exibir a melhor evidência disponível para essas das
51

classes, contará com links de direcionamento com artigos, livros, cursos, vídeos,
escalas, formulários etc. sobre as técnicas presentes. Site: www.div12.org/treatments/

Exemplo de busca de procedimento baseado em evidência: Visamos saber a


descrição de exposição. Então, entramos no link, e aparecerão os tratamentos
empiricamente sustentados. Até a redação deste trabalho, “exposição” é a melhor
evidência disponível para transtorno do estresse pós traumático, com nível forte de
confiança. Neste link haverá portanto todos os materiais com orientações para a prática
da dessensibilização sistemática.

Algumas das competências da TCC, que colocam mais foco sobre processos
baseados em evidências ligados a procedimentos baseados em evidências, visam
processos terapêuticos específicos (por exemplo, flexibilidade cognitiva e
desfusão/distanciamento) enquanto outras competências representam estratégias de
tratamento específicas (por exemplo, exposição).

As estratégias de tratamento geralmente têm como alvo um número de


processos diferentes e qualquer processo em particular pode ser modificado através de
várias estratégias possíveis (por exemplo, a flexibilidade psicológica pode ser alterada
tanto através de práticas de exposição quanto de mindfulness). Vários processos
podem ser organizados em uma hierarquia de especificidade na qual alguns processos
podem ser subsumidos a outros. Por exemplo, pode ser que a reavaliação/modificação
das crenças centrais possam ser subsumidas a uma categoria mais ampla de
flexibilidade cognitiva. Especulações como essas aguardam o tipo de apoio empírico
que requer que a pesquisa se mova em uma direção baseada no processo. À medida
que esses dados se acumulam, modelos de tratamento novos e mais avançados podem
apontar para futuras ligações e novos processos.
52

3.3. O status atual da Terapia Baseada em Processos

Os principais autores da TBP defendem que ela está rapidamente se tornando o


núcleo vital da própria TCC, ou que dirá se torne maior que ela (Hayes e Hofmann,
2018). A frase de Hayes e Hofmann (2018) “Quais processos biopsicossociais centrais
devem ser direcionados para um dado cliente tendo em vista tal objetivo em tal
situação, e como eles podem ser mudados de maneira mais eficiente e eficaz?” está
guiando a PBE numa nova direção de metodologia.

A TCC moderna está diminuindo o foco nos protocolos para tratamento das
síndromes e aumentando o foco sobre processos baseados em evidências ligados a
procedimentos baseados em evidências, a exemplo as Terapias Contextuais. A ACT e
DBT por exemplo foram citadas no presente trabalho. A agenda sugerida pela TBP é
positiva, possível e progressiva (Hayes e Hofmann, 2018).

Como citado anteriormente, a aplicação da TBP ainda não é prática, devido aos
estudos serem escassos pelo campo ser relativamente novo. Mas podemos discutir o
que temos até o momento, como o cenário da psicologia mundial vem se desdobrando
e parece estar receptivo e necessitado de práticas não mais voltadas para protocolos,
levantando questões que não são mais solucionadas com as ferramentas e
metodologias atuais.

Os critérios diagnósticos no DSM 5 (Manual Diagnóstico dos Transtornos


Mentais) são dados de forma dimensional, quebrando um histórico de classificação
categórica, e ao que tudo indica o próximo DSM (DSM 5-TR, com lançamento nos EUA
em Março de 2022) ampliará ainda mais o modelo dimensional. Já vemos esse
processo acontecendo em alguns campos, onde podemos contar com alguns indícios:

● O histórico de modelos de abordagem do DSM, tendo o I e II com abordagens


psicodinâmicas; o III e o IV já com um cuidado com a aproximação da psicologia e
psiquiatria, portanto um olhar para práticas empiricamente sustentadas, excluindo a
visão psicodinâmica e trocando agora pela categórica; e o 5, com uma abordagem
53

dimensional, onde no DSM anterior incluía transtornos que eram diagnosticados


distintos, categoricamente, como o Transtorno do Espectro Autista com diagnósticos
distintos separados por grau, e no DSM atual todos foram colocados num só
diagnóstico, de modo dimensional, portanto a nomenclatura “espectro”. Há indícios de
outros transtornos distintos entrarem também num espectro, como transtornos
alimentares, segundo estudos recentes porém não concluídos.

● A parte final do DSM 5 abordando a Teoria da Personalidade, o Big Five. A


divisão tradicional desse DSM, ao longo do livro, classifica esses transtornos de forma
categórica e minoritariamente dimensional. O Big Five traz uma proposta diferente para
classificar o constructo da personalidade, sob um modelo totalmente dimensional e
fluido, permitindo arranjos entre 5 domínios de personalidade (extroversão,
agradabilidade, abertura, conscienciosidade e neuroticismo), onde cada paciente terá
seu diagnóstico formado pela porcentagem de cada domínio, permitindo então
diagnósticos totalmente personalizados para cada pessoa.

● A ascensão de modelos transdiagnósticos e unificados (Hofman e Hayes, 2018


apud. Barlow et al., 2004) e um foco elevado em moderadores e mediadores de
mudança se aplicam a todos os métodos de intervenção. Já existem alguns Protocolos
Unificados, e outros em desenvolvimento, com uma proposta transdiagnóstica, ou seja,
uma proposta de tratamento para além do diagnóstico específico, se utilizando para
isso de técnicas que unifiquem tratamentos. Alguns exemplos são:
a) Protocolo Unificado para Tratamento Transdiagnóstico de Transtornos
Emocionais, de David Barlow (Barlow, 2016);
b) Protocolo Transdiagnóstico para tratamento de transtornos alimentares, de
Cristopher Fairburn e Zara Cooper (Barlow, 2016);
54

c) Abordagem Transdiagnóstica pela Terapia Comportamental Dialética (DBT) para


a desregulação emocional (Franzin, Caetano e Melo, 2018);
d) Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) (do mesmo co-organizador da TBP,
Steven Hayes) tem a premissa de um modelo transdiagnóstico.

Também encontrou-se um ensaio clínico randomizado duplo-cego de tratamento


transdiagnóstico utilizando um protocolo unificado em pacientes com diferentes
transtornos de humor e ansiedade comórbidos (Khakpoor et. al, 2019), indicando que
até então que há uma busca pelas evidências nos modelos transdiagnósticos. Até o
momento da escrita desse trabalho não encontrou-se outros estudos com execução e
evidências de resultados positivos dos pacientes com a aplicação do modelo
transdiagnóstico, além desse.

A TBP atualmente encontra-se num modelo teórico, seguindo uma perspectiva


futura, bem como o nome do artigo de seu lançamento: “O futuro da ciência da
intervenção” (Hofmann e Hayes, 2019).

O campo ainda está lidando com os desafios práticos e intelectuais resultantes.


A teoria sofreu quando se desenvolveu uma abordagem mais puramente tecnológica.
A TCC chegou a um ponto que uma abordagem empírica baseada em processos pode
ser usada para abrir a tradição à completa gama de questões que podem ser
examinadas na PBE (Hayes e Hofmann, 2020).

3.4. Representação da aplicação da Terapia Baseada em Processos

A TBP abrange os processos centrais do cliente e os procedimentos de


tratamento que são comuns a muitas abordagens específicas. Ela ainda não é prática,
mas já podemos descrever como seria sua aplicação. Aqui intenta-se levantar como um
55

paciente se beneficiaria de uma abordagem Baseada em Processos, trazendo um


detalhamento desse raciocínio clínico.

O MMEE combinado com a análise de rede fornece uma estrutura para uma
abordagem relevante para o tratamento baseado em processos. Podemos usar essas
ferramentas para organizar uma nova forma de análise funcional baseada em
processos, que orientará uma abordagem de diagnóstico com utilidade de tratamento
com base em processos de mudança conhecidos (Hofmann, Hayes e Lorsheid, 2021).

A partir de critérios diagnósticos dimensionais, estabelecidos através de uma


análise funcional ao início da psicoterapia, seria montado um plano terapêutico
específico ao paciente, através de seu modelo de rede para ver as relações entre os
eventos. Após toda rede formada do modo mais simples que poderia ser porém mais
detalhado quanto significante, fica mais claro visualizar as dimensões e níveis dos
processos de mudança necessários ao cliente, portanto é preenchido o MMEE. Daí em
seguida, por fim, são associados os procedimentos baseados em evidência que podem
ser aplicados a seu caso, a fim de fazê-lo prosperar, levantar na bibliograia tratamentos
baseados em evidência para aplicar aos processos em questão, visando manejar os
processos no paciente por ordem de necessidade.

É importante sempre reforçar a relação terapêutica, dando valor aos feedbacks -


pois eles serão necessários à modulação ao longo da terapia, atentar-se ao suporte
empírico, lembrando sempre que as práticas têm que contar com modelos
empiricamente sustentados.

Abaixo veremos um passo-a-passo dessa aplicação, segundo Hofmann, Hayes e


Lorscheid (2021):

a) Escolher um modelo baseado em processos

Selecione uma teoria ou modelo dentro do qual conduzir o diagnóstico baseado


em processos, com foco em modelos que são razoavelmente abrangente conforme
56

considerado dentro do MMEE e que melhores se adaptam ao seu cenário, população e


antecedentes.

b) Identificar o problema

Baseando-se principalmente no relatório do cliente sobre os problemas centrais


ou aspirações não atendidas, identifique características potencialmente relevantes do
indivíduo, seu comportamento e experiências subjetivas, e o contexto em que ocorrem
através de uma ampla avaliação organizada pelo MMEE e informado pelo modelo
específico escolhido. Certifique-se de que esta descrição preliminar toca em pontos
fortes e fracos relevantes no repertório do cliente.

c) Organizar o Modelo de Rede

Considerando os objetivos do cliente, organize a rede de funcionalidades da


descrição do caso em processos de mudança conhecidos e moderadores desses
processos, expressos tanto em termos de origem como principalmente em termos de
mantendo as condições. Concentre-se em particular nas relações autoamplificadas e
sub-redes dentro da rede e dependa, sempre que possível, de relações estabelecidas
empiricamente no nível do cliente individual.

d) Levantar as dimensões e níveis do Metamodelo

Adicione medidas de processo e resultados conforme necessário. Reúna


informações adicionais que irão informar a análise funcional preliminar, adicionando
dados de medição repetidos sobre os processos de mudança primários hipotéticos, se
possível.

e) Reavaliação (Análise Funcional)

Com base nesses dados, reconsidere a rede, incluindo modificações que surgem
à luz de protótipos nomotéticos extraídos de trabalho analítico funcional idiográfico.
Organize a rede em um conta integrada e baseada em processos de desenvolvimento e
57

manutenção da rede mal-adaptativa. Esta conta é a análise funcional do caso. É o


diagnóstico baseado em processos.

f) Criar nova rede adaptativa

Considere como perturbar as características dominantes da rede expressa em


termos baseados em processos, direta ou indiretamente, mas considere as mudanças
particulares que estão disponíveis, conhecidas por responder à intervenção, suscetível
de serem retidas, suscetível de alterar o ideograma de relações funcionais dentro das
partes mal-adaptativas da rede do cliente, e propensas a entrar idiograficamente -
características auto-amplificadoras de uma nova rede adaptativa.

g) Levantar núcleos de processos e procedimentos

Considerando o contexto terapêutico e o relacionamento, selecione uma série de


núcleos de intervenção ou métodos que são mais propensos a perturbar a rede dessa
forma.

h) Intervenção

Intervenha enquanto continua a medir repetidamente os principais processos de


mudança, o contexto terapêutico e o relacionamento, e o progresso em direção aos
objetivos do cliente. Avalie a perturbação da rede e o grau de mudança no nível do
processo.

i) Avaliação

Se não houver mudança ou mudança inadequada no nível do processo, recicle


para etapas anteriores. Normalmente volte para o passo A ou B, mas em alguns casos,
reconsidere o modelo baseado em MMEE selecionado na etapa A. Se houver mudança
no nível do processo, continuar a intervir e avaliar movimento de resultado com base
58

em ligações esperadas entre o processo e resultado e no objetivo do cliente que está


sendo perseguido.

j) Reorganização

Se os resultados mudarem o suficiente, tente aninhar análises idiográficas de


processos, tratamento e resultados em protótipos nomotéticos como casos reunir. Se os
resultados não mudarem o suficiente, recicle para as etapas anteriores. Normalmente,
isso seria novamente o passo B ou C, mas em alguns casos, reconsidere o modelo
baseado em MMEE selecionado na etapa A.

À medida que o conhecimento dos processos de mudança aumenta e as


medidas se tornam mais sofisticados, muitos desses passos podem se tornar mais
automatizados e empírico para os praticantes. Por exemplo, como medidas
automatizadas de resultados ou configurações (ou medidas repetidas de processos de
mudança) avançam, o passo B pode tornar-se mais rotineiro e as etapas de C a H
podem ser mais orientadas por big data (Hofmann, Hayes e Lorscheid, 2021).
59

4. DESAFIOS E CRÍTICAS

Por se tratar de um modelo relativamente novo, propondo alterações na


mudança de organização e tratamento em psicopatologia, o modelo de Terapia
Baseada em Processos encontra muitos desafios. No âmbito de informações
disponíveis, a bibliografia é expressivamente mais escassa em relação aos modelos
atuais de tratamento, pois sua primeira publicação no assunto fora há apenas 5 anos
(em 2017), e de modo bem superficial (em relação ao que temos hoje).

O campo ainda está lidando com os desafios práticos e intelectuais (Hayes e


Hofmann, 2018). Devido à necessidade de pesquisas de grande porte, torna-se difícil a
execução de praticamente um novo campo na psicologia. Apenas alguns países no
planeta conseguem bancar o tipo de infraestrutura de subsídios para financiar grandes
estudos de resultados bem controlados. Todos estão no Ocidente e são
majoritariamente brancos (Hayes e Hofmann, 2020).

A maioria das publicações se encontra em inglês, tendo suas publicações


centradas em apenas dois autores (Steven Hayes e Stefan Hofmann) não havendo
nenhuma evidência robusta com os termos “process-based therapy” em plataformas de
pesquisa como Pubmed, Capes, psychINFO etc. Ou seja, o clínico deve saber manejar
essas questões de acesso aos papers.

Outro desafio é que, com o avanço das Terapias Contextuais pensou-se que
haveria um progresso em direção à TCC como uma versão vibrante da TBP, porém ele
foi retardado depois de um começo promissor (Hofmann e Hayes, 2018).

Também há a resistência dos profissionais a esse modelo, mantendo sua postura


de guiar o tratamento pelo diagnóstico em transtorno mental. Psicoterapeutas com anos
de formação em uma abordagem específica teriam que repensar seu manejo clínico, e
não é uma tarefa fácil.
60

O funcionamento dos processos psicológicos baseados em evidência ainda são


poucos e nebulosos para a psicologia, cabendo haver mais estudo nesses campos. Os
procedimentos já são de amplo conhecimento, bem como sua prática e eficácia, porém
os efeitos dos procedimentos terapêuticos nos processos psicológicos necessitam de
maiores pesquisas, tanto para explicação de funcionamento, como para comprovação
de evidência- uma vez que essa área considera apenas práticas baseadas em
evidência.
61

5. PERSPECTIVAS FUTURAS

Hayes e Hofmann afirmam que a TBP está se tornando o núcleo vital da TCC
(Hofmann e Hayes, 2018) e será o futuro da PBE (Hofmann, Hayes e Lorsheid, 2021)
Ao visar as necessidades individuais do paciente e manter o foco nos processos
de mudança, podem ser desenvolvidos programas de pesquisa de intervenção que
integrem mais plenamente as abordagens idiográficas (com a premissa de que
indivíduos são seres únicos e individuais) e nomotéticas (baseada na suposição de que
indivíduos são semelhantes entre si) (Hayes et. al, 2019).
Hayes e Hoffman forneceram uma estrutura para esse fenômeno na forma de
uma abordagem de “tabela periódica funcional” multidimensional e multinível, mas
evidenciam que é possível haver outras formas de resumir e discutir diferenças entre
modelos baseados em processos.
Ao passar do tempo, vários modelos de TBP surgirão, usando ensaios de
controle randomizados mais tradicionais, fomentando então a pesquisa, mas com maior
atenção à cultura e contexto, utilidade do tratamento e necessidades e objetivos do
cliente. Para Hayes et. al (2019), esse programa de pesquisa provavelmente fornecerá
informações nomotéticas mais ricas e clinicamente úteis aplicáveis ​a indivíduos que
procuram ajuda de terapeutas e outros agentes de mudança de comportamento.
Quando a teoria e os processos de mudança são colocados em primeiro plano,
será necessário o treinamento em filosofia da ciência, estratégia científica, ética e em
uma ampla gama de domínios a partir dos quais os princípios podem surgir (Hayes e
Hofmann, 2020). Além disso, deve ser dada maior ênfase à conexão de procedimentos
a princípios, bem como à adequação de procedimentos às necessidades específicas de
um caso específico, de maneira ética e sensível à evidência.

A seguir, encontram-se algumas perspectivas futuras segundo Hayes e Hofmann


(2020):
62

a) O declínio das terapias nomeadas;


b) O declínio das teorias gerais e o surgimento de modelos testáveis;
c) O surgimento da mediação e da moderação;
d) Novas formas de diagnóstico e análise funcional;
e) De abordagens nomotéticas para idiográficas;
f) A importância do contexto;
g) Análises dos componentes e a reemergência de estudos baseados em
laboratório;
h) Integração da ciência comportamental e psicológica com as outras
ciências biológicas;
i) Novas formas de prestação de assistência;
j) Uma ciência da relação terapêutica.

Segundo Hayes et. al (2019), a ciência clínica pode ver um aumento de modelos
testáveis, o surgimento de novas formas de diagnóstico baseadas em análise funcional,
e um movimento em direção a processos que especificam elementos modificáveis.
Essas mudanças podem integrar ou unir diferentes orientações de tratamento,
configurações e até culturas.
63

6. CONCLUSÃO

Esse trabalho teve como objetivo apresentar a definição, relevância, os desafios


e as perspectivas futuras da Terapia Baseada em Processos (TBP) associada a uma
prática baseada em evidências.

A TBP é um novo paradigma que surge para tentar solucionar os problemas na


psicopatologia atual, questionando a validade e a utilidade do modelo de doença
médica. Propõe portanto não mais seguir protocolos para cada transtorno mental, mas
sim uma terapia flexível, individualizada, utilizando competências clínicas centrais de
importância reconhecida, utilizando-se para isso de educar o paciente a respeito do
treinamento nos princípios básicos por trás dessas intervenções (Hayes e Hofmann,
2020).

O método da TBP está ficando mais definido, segundo a última publicação de


Hofmann, Hayes e Lorscheid, em 2021, que apresentaram a gama de processos de
mudança e o método para a aplicação de uma intervenção baseada neles. No entanto,
o campo ainda é novo e carece de mais pesquisas e evidências.

Ao passar do tempo, a TBP contará com maior respaldo científico a partir do uso
de ensaios de controle randomizados mais tradicionais, porém englobando também a
cultura e contexto, utilidade do tratamento e necessidades e objetivos do cliente (Hayes
et. al, 2019).

Portanto, como já citado, um desafio da TBP é a falta de estudos que embasem


seus métodos. A resistência dos profissionais também é um ponto, onde mudariam sua
postura voltada para síndrome para, agora, processos biopsicossociais do paciente.

Futuramente contaremos com estudos ampliados que possam enriquecer a TBP;


além disso, deve ser desenvolvida maior ênfase à conexão de procedimentos a
princípios, bem como à adequação de procedimentos às necessidades específicas de
um caso específico, de maneira ética e sensível à evidência.
64

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