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1986 Art Vmleitao
1986 Art Vmleitao
RESUMO
ABSTRACT
INTRODUÇÃO
Rev. de Psicologia. Fortaleza, 4 (1): jan.Zjun., 1986 Rev, de Psicologia, Fortaleza, 4 (1): jan.jjun., 1986
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Enquanto que na Europa o "choque" da Abordagem Cen-
tando em si uma tendência espontânea a desconsiderar as im-
trada na Pessoa parece ter se dado em relação à psicanálise e
plicações políticas no ato de ensinar. . com uma perspectiva sócio-política, nos Estados Unidos a teo-
Criticando esse aspecto, De Peretti (1974) cita a publica-
ria de Rogers pressupõe um modelo de homem que vem contra
ção no jornal Le Monde, de 15-16 de maio de 1966: " ... Sua
a concepção da psicologia behaviorista, de Skinner. amplamen-
psicologia que trata todos os conflitos sociais como sirnples te utilizada e divulgada naquele país. As posições divergentes
mal-entendidos, não é ela finalmente uma ideologia que serve dos dois psicólogos americanos deu origem a inúmeros deba-
bem aos interesses e à boa consciência da classe dominante?" tes e escritos sobre o assunto. (Forisha & Miolan, 1~78)
(p. 116)
Nos anos 70 Rogers, juntamente com outros terapeutas.
Essa não aceitação da Abordagem Centrada na Pessoa na
dedica-se a numerosos trabalhos de grupos, ("workshops") e
França parece compreensível diante do quadro que ali se en-
vivências em comunidade, algumas das quais realizadas no
contrava, de forte intelectualismo e sólidas bases da Psica-
Brasil, como veremos adiante. No início dessa década escreve
nálise, amplamente aceita e praticada. Rogers era acusado por
Grupos de Encontro. Sua obra teve também larga repercussão
Snyders (1973), entre outros de superficialismo e anti-intelec-
lia área educacional, assunto ao qual ele dedica o livro Liber-
tualisrno, e suas concepções qualificadas como "anqelicais".
dade Para Aprender.
Hannoun (1978) comenta ainda que no jornal Le Monde, de
No final da década de 70, Rogers parece despertar para a
maio de 1966, são publicadas críticas às declarações de Rogers
preocupação do papel político da Abordagem Centrada na
na França:
Pessoa e escreve Sobre o poder pessoal, onde analisa as ins-
tituições família e casamento e ensaia algumas reflexões so-
Pensa-se no otimismo americano para quem o homem
é invariavelmente voltado para o progresso e a felici- bre o oprimido, a partir da Teltura de Paulo Freire.
Apesar da idade avançada, Rogers continua em plena ati-
dade e pode-se imaginar que a psicologia rogeriana é
um produto do puritanismo americano e uma reação vidade dedicando-se a escrever. Publicou, em 1980, nos EUA,
Um jeito de ser, traduzido e publicado no Brasil em 1983.
contra a psicologia freudiana surgida ela do purita-
Recentemente publicou seu último livro Liberdade para
nismo europeu que devora a idéia da dor, do mal e
aprender na nossa década, onde se propõe a elaborar reflexões
morte. (p. 115)
ampliadas a partir de Liberdade para aprender.
Apesar do peso das críticas negativas, Rogers também foi
4.2. Influências relevantes na elaboração da teoria centrada
criticado positivamente. Segundo De Peretti (1974):
na pessoa.
Não se pode discutir a novidade da técnica terapêu- Não é meu objetivo aprofundar a análise das influências
tica; ela lembra ao psicanalista que antes mesmo de relevantes na elaboração da teoria centrada na pessoa. No en-
interpretar, o essencial é ouvir e compreender e que tanto, parece ser importante ter uma noção, ainda que super-
isso é particularmente difícil; ela acentua essa co- ficial, dessas influências, no sentido de se obter uma melhor
municação consigo mesmo... Sobre o plano teórico compreensão da teoria.
Rogers não fala de estrutura da personalidade. Ele a Com esse intuito, vejamos rapidamente alguns aspecto
vê como um "vir a ser", uma tendência permanente que parecem ter influenciado a vida e a obra de Carl Rogers .
à mudança, indo assim de maneira audaciosa e ori- por conseguinte, sua concepção da Abordagem Centrada na
ginal além da Psicanálise. (p. 116) Pessoa.
a Abordagem Centrada na Pessoa incorpora perfeita- Em janeiro de 1977, Rogers vem ao Brasil juntamente com
mente esta filosofia e, eventualmente, quase que com mais cinco profissionais do "Center of Studies of the Per-
ela se confunde. Em 1957 Rogers se encontrou son"** a fim de realizar uma série de "workshops" com gran-
com Buber em Ann Arbor, nos EUA. De lá para cá des grupos. Esses grupos foram realizados em Recife, São
cita-o freqüentemente em suas obras e reconhece a Paulo e Rio de Janeiro e Rogers (1983) os descreve como uma
similaridade de suas idéias para com as dele. (p. 65) "aventura estimulante".
Além dos "workshops", que contaram com a participação
Os nomes de Dewey, Kilpatrick, Rank, Kierkegaard e Buber de até 800 pessoas em um grupo, foram também realizadas
aparecem, portanto, como prováveis influenciadores do pensa- palestras e ciclos de debates. Essas atividades atingiram, por-
mento rogeriano. A afirmação da existência dessas influências tanto, um bom número de pessoas, o que contribuiu para a
merece, no entanto, estudos muito mais amplos e aprofundados. divulgação da Abordagem no Brasil.
o que não é meu intuito realizar nesse momento. Na primeira metade da década de 80, a Abordagem Cen-
trada na Pessoa parece ocupar um considerável espaço em
Psicoterapla Individual e de Grupo. Nessa linha têm se espe-
5. A ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA NO BRASIL cializado alguns profissionais, através de grupos de formação
e treinamentos. Esse movimento de profissionais que traba-
É, na verdade, pouco o que foi escrito a respeito da his-
lham em Abordagem Centrada na Pessoa no Brasil parece ser
tória da Abordagem Centrada na Pessoa no Brasil. Deparei-me bastante relevante, embora nem sempre muito nítido, como
com esse fato ao tentar inteirar-me no assunto, o que é aliás ficou demonstrado no I Encontro Latino:*'" tendo em vista a
observado também por vários profissionais da área entre os pouca articulação dos profissionais da área que, a partir dessa
cuals Rosenberg. * constatação, começaram a se organizar.
Segundo Rosenberg (1977), as idéias principais de Rogers Quanto à Pedagogia Centrada na Pessoa, desta parece
sobre o desenvolvimento humano e a motivacão dos indivíduos, não se poder dizer o mesmo. Na década de 60-70, houve real-
bem como suas propostas de maneiras de propiciar sua pleni-
tude harmônica, foram inicialmente divulgados no Brasil em * Carta à autora - 23 de outubro de 1983.
cursos e publicações, com Osvaldo de Barros Santos (1959) e •.• Centro de atividades ligadas à Abordagem Centrada na Pessoa, fundado
por Carl Rogers e localizado na Califórnia, nos EUA.
* •.• Encontro Latino da Abordagem Centrada na Pessoa. Petrópolis. outubro
* Carta à autora - 23 de outubro de 1983. de 1983.
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mente uma marcante tendência psicologizante em educação,
Apesar de todas essas dificuldades a Abordagem Centra-
incluindo a Abordagem Centrada na Pessoa. Alvite (1981) ex-
da na Pessoa parece ainda estar viva na prática de profissionais
plica esse psicologismo na educação como correspondendo aos
ligados à área, com a realização, inclusive, de pesquisas sobre
interesses de uma classe dominante, tendo em vista que, ao
a aplicação dessa Abordagem em sala de aula. (Doxsey, 1983)
58 colocar como acrítico da realidade social de divisão de cals-
Na área de Psicofogia, por sua vez, a Abordagem Centrada
ses, o professor contribui para perpetuar a manutenção do
na Pessoa continua atuando, como demonstram realizações de
stetus que.
grupos de encontro e atividades ligadas à área. Nesse sentido
Pode-se hipotetizar três motivos que dificultaram a Abor- vale notar a recente vinda de Carl Rogers ao Brasil onde faci-
dagem Centrada na Pessoa, em Pedagogia, de ir adiante no litou um grande workshop" que contou com a participação de
Brasil. Primeiramenté, uma tendência pedagógica antl-pslcolo- 170 pessoas. Além disso, o movimento latino na Abordagem
~Jjsante e pró-político social, a partir de uma consciência crítica vem ganhando significado com a realização do li Encontro La-
da ideologia dominante, que começou a se impor no final dos tino de ACP em 1985 na Argentina e a atual mobilização para
anos 70. O discurso político passou a ser encarado como fun- organização do 111Encontro Latino a ser realizado no Rio de Ja-
damental na educação do Brasil, tendo em vista sua relação íne- neiro em outubro de 1986.
vitável com o próprio sistema social. A educação visa a formar
críticos. da realidade e sob essa perspectiva Alvite (1981) cri- CONCLUSÃO
tica os psicologismos na educação.
Ao final desse breve histórico da Abordagem Centrada na
Em segundo lugar, as inúmeras deturpações da Abordagem Pessoa pode-se notar que não se trata de uma teoria estática,
Centrada na Pessoa, dando lugar ao laíssez-faire e à total falta pronta. Ao contrário, sua evolução demonstra um processo di-
de produtividade, deram à imagem desta abordagem em peda- nâmico de recriação o que nada mais é que um processo de
qcqia um caráter negativo. Esse perigo é alertado por Paqés vida.
(1970) ao discorrer sobre os mal-entendidos existentes na prá- Esse fato pode ser ilustrado pela recente colocação de
tica da Abordagem Centrada na Pessoa. Carl Rogers no workshop em Brasília: "Eu não sou rogeriano".
Finalmente, o que parece ser o argumento clássico a favor Essa afirmação salienta sua preocupação com a .não-crtstatiza-
da não utilização da Abordagem Centrada na Pessoa em edu- cão da Abordagem e com a não-repetição de um modelo rígido
cação no Brasil é a hipótese de que não funciona. Os alunos "roqeriano", que o próprio Rogers nega.
estão condicionados a um ensino autoritário e para que eles Na Abordagem Centrada na Pessoa não se trata, portanto, da
se adaptem a essa nova metodologia, ocorre uma enorme perda simples repetição do modelo de Rogers. Ela abre espaço para
de tempo. O caráter institucional da escola contribui para a algo muito mais amplo relacionado com as necessidades e o
não funcionalidade da Abordagem Centrada na Pessoa, como momento histórico da pessoa em que se pretende centrar-se.
veremos adiante. O desinteresse pelos programas curriculares, Da teoria não-diretiva à Abordagem Centrada na Pessoa
totalmente desvinculados da realidade, leva a nenhuma produ- aconteceu um longo processo teórico e prático. Esse processo
tividade ou quase nenhuma, ao se adotar uma metodologia cen- continua acontecendo atualmente com vários profissionais que
trada na pessoa. Além disso, classes muito numerosas, falta continuam praticando, repensando e teorizando a Abordagem
de material pedagógico e bibliográfico dificulta, ainda mais, Centrada na Pessoa.
uma aprendizagem auto-iniciada.
REFERÊNCIAS BIBLlOGRAFICAS
É importante notar aqui o caráter conservador dessa argu-
mentação, embora ela tenha realmente se constituído como 1. ALVITE. Maria Mercedes Capelo. Didática e psicologia: crítica ao psico-
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e também o aponta como um dos empecilhos para a prática da
Abordagem Centrada na Pessoa em Educação no Brasil. • Workshop "Vivendo em Harmonia: o trabalho de Carl Rogers tem uma
opção?" Brasília, junho de 1985.
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