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DA TEORIA NÃO-DI RETIVA A ABORDAGEM

CENTRADA NA PESSOA: BREVE HISTóRICO

VlRGINlA MORElRA LElT ÁO *

RESUMO

Apresenta os conceitos básicos da Abordagem Centrada


na Pessoa, analisando as diferentes denominações que
assumiu e as correntes filosóficas que a antecederam. Dis-
cute as possíveis influências na vida e na obra de Carl
Rogers.· Descreve a história da Abordagem Centrada 'na
Pessoa 110 Brasil. (28 referências)

ABSTRACT

The article presents the basic concepts related to 'person


centered approach', and it analises the different denomi-
nations it had as well as the previous philosofical
approaches that preceded it.
lt discusses the possible influences on the life and work of
Carl Rogers. lt discribes the 'person centered approach'
in Brazil.

INTRODUÇÃO

A Abordagem Centrada na Pessoa tem estado presente na


atuação de profissionais de Psicologia e Pedagogia no Brasil.

", Professora Adjunta no Departamento de Ciências Sociais da Universidade


Estaduál do Ceará.

Rev. de Psicologia, Fortaleza, 4 (1): jan./jun., 1986 65


Parece ter sido, nos últimos anos, ora largamente utilizada ora plena dos sentimentos que ocasionam a manifestação ativa do
rejeitada, sem que tenha sido feito um estudo fund~mentad~ potencial de desenvolvimento existente na pessoa.
de suas contribuições e imperfeições, tanto da teoria em SI Segundo Puente (1978) sua crença na capacidade da pessoa
como de sua aplicação em Pedagogia. Ainda assim, é notável de autodesenvolver-se, auto-ajustar-se, autodirigir-se, sugere
lia literatura psicológica disponível no país, a presença nume- uma visão do homem como ser independente, autônomo e,
rosa da obra de Carl Rogers, traduzida e publicada no Brasil. como tal, devendo ser respeitado.
Diante deste fato, este estudo se propõe a fazer um breve Para Rogers (1983), "o indivíduo possui dentro de si vas-
histórico da Abordagem Centrada na Pessoa desde a teoria de tos recursos para a autocompreensão, para a modificação de
Carl Rogers, inicialmente chamada de teoria "não-dlretíva", seus autoconceitos, de suas atitudes e de seu comportamento
até seu momento atual no Brasil. Pretende-se desta forma mos- autônomo". (p. 38) Esse ponto de' vista leva a Abordagem Cen-
trar, de uma forma geral, a evolução da referida teoria no sen- trada na Pessoa a ter como hipótese central a concepção de
tido de contribuir para sua compreensão. natureza humana como fundamentalmente construtiva e auto-
-reguladora.
Rogers (1983) hipotetiza que
1. CONCEITOS BÁSICOS
existe uma tendência formativa no universo que pode
ser rastreada e observada no espaço estrelar, nos
1 . 1. A Teoria Psicológica
cristais, nos microorganismos, na vida orgânica mais
complexa e nos seres humanos. Trata-se de uma ten-
A Abordagem Centrada na Pessoa, como o próprio nome
dência evolutiva para uma maior ordem, uma maior
sugere, defende a pessoa como o centro das preocupações, complexidade, uma maior inter-relação. Na espécie
como o fim básico. A pessoa é o que existe de mais importan- humana essa tendência se expressa quando o lndiví-
te e, a partir desse ponto de vista, esta Abordagem busca res- duo progride de seu início unicelu/ar para um iuncio-
gatar o respeito e a ênfase no ser humano. namento orgânico complexo, para um modo de con-
A teoria da personalidade rogeriana tem como postulado ceber e de sentir abaixo do nível de consciência, para
fundamental a tendência atualizante. Para Rogers (1977) este um conhecimento consciente do organismo e do mun-
conceito corresponde à seguinte proposição: "todo organismo do externo, para uma consciência transcendente da
é movido por uma tendência inerente para desenvolver todas harmonia e da unidade do sistema cósmico no qual se
as suas potencial idades e para desenvolvê-Ias de maneira a inclui a espécie humana. (p. 50)
favorecer sua conservacão e seu enriquecimento." (p. 159)
Rogers acredita, portanto, que todo ser humano tem um Percebe no Universo essa tendência construtiva que vê no
potencial de crescimento pessoal natural, que lhe é inerente homem e cita pesquisas de cientistas químicos, filósofos e
e que ocorrerá desde que lhe sejam dadas as condições psico- físicos que atestam a tendência à organização e a força cons-
lógicas adequadas para tal. trutiva nos diferentes componentes. seres vivos ou não vivos
Seu pensamento enfoca o homem como uma totalidade, do universo.
um organismo em processo de integração. Nesse sentido, a A teoria psicológica de Rogers (1977) tem como uma de
abordagem da pessoa é globalizante, não se podendo analisar suas concepções fundamentais a primazia da ordem subjetiva.
8S diferentes facetas da personalidade de maneira desvinculada. Assim, Rogers afirma:
A partir desse ponto de vista, Rogers dá uma ênfase toda
especial ao papel dos sentimentos e da experiência como fator ainda que eu me dê conta da possibilidade da exis-
de crescimento. Para ele, a experimentação dos sentimentos é tência de uma verdade objetiva, dou-me conta, igua/-
o caminho para a integração e o desenvolvimento pleno do ser mente, de que não poderei jamais conhecê-Ia plena-
humano. Por conseguinte, enfoca o homem no presente ime- mente. Disto se conclui que o que se considera gera/-
diato, aqui e agora. É a experiência do momento e a vivência mente como "conhecimento científico" não existe. Há
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apenas percepções individuais daquilo que parece, a
cada um de -nâs, representar essa espécie de conhe- Baseado nessa visão de educação, Rogers identific como
cimento. (p. 153). função do professor facilitar a aprendizagem do aluno.
Essa concepção de professor enquanto facilitador, c r
Dessa forma, não é a realidade concreta que é enfatizada, mas reta um outro estilo de autoridade e outra concepção d dls-
a visão subjetiva dessa realidade, por meio da visão da pes- ciplina. Nessa perspectiva, a autoridade deve ser compartilhad
soa-indivíduo. entre os alunos e o professor, e não exercida apenas p 10
professor.
1.2. A Teoria Pedagógica A aprendizagem significativa é um dos princípios funda-
mentais postulados pela Abordagem Centrada na Pessoa em
Por extensão da teoria psicológica à prática didática surge Pedagogia. Rogers (1978) acredita que o aluno só aprende siqnl-
o Ensino Centrado no Aluno. Rogers (1978) postula que o obje- ticativamente, quando o objeto do estudo está de acordo com
tivo educacional deve ser a facilitação do processo de mudan- seus objetivos individuais. O aluno só aprenderá aquilo que
ça e aprendizagem, afirmando que o homem educado é aquele lhe interessa pessoalmente. Afirma que:
que aprendeu a mudar, a adaptar-se, o que percebe que nenhum
conhecimento é seguro e que só o processo de buscar co- A aprendizagem significativa verifica-se quando o es-
nhecimento oferece alguma fonte de segurança. tudante percebe que a matéria a estudar se relaciona
A didática centrada na pessoa enfatiza a pessoa do pro- com seus próprios objetivos. De maneira um tanto
fessor, a pessoa do aluno e a relação que existe entre eles em mais formal dlr-se-é que uma pessoa só aprende signi-
um clima de respeito mútuo, cabendo ao professor, basicamen- ficativamente aquelas coisas que percebe implicarem
te, dar condições favoráveis ao aluno de desenvolver seu po- na manutenção ou na elevação de si mesma. (p. 60)
tencial intelectual e afetivo. O professor aprenderá também no
decorrer do processo educativo, sendo, não apenas ele mas
também o aluno, responsáveis por esse processo. O relaciona- Para Rogers, ensinar é aprender. O Ensino Centrado no
mento professor-aluno deve ser pessoal e dinâmico e o aluno Aluno não é um método; é um estilo de relação com o outro,
deve ser tratado com autenticidade: empatia** e consideração com o grupo, onde o aspecto formativo supera o informativo.
positiva incondicional; *** as três condições básicas no rela- Resumindo, os princípios em que se fundamenta o Ensino
cionamento educativo. Centrado no Aluno, que são os mesmos fixados por Carl Rogers
Para Rogers (1978) ensinar é função exageradamente valo- (1978) para a aprendizagem significativa, são os sequintes:
rizada e, segundo seu modo de ver, uma atividade relativamen-
te sem importância. Pensa que qualquer coisa que se possa a) Os seres humanos têm natural potencial idade para
ensinar ao outro tem pouca ou insignificante influência sobre aprender.
o seu comportamento; a única aprendizagem que influi signifi- b) A aprendizagem significativa se efetiva quando o aluno
cativamente no comportamento é a que for autodescoberta e percebe que o conteúdo a estudar se relaciona com seus pró-
auto-apropriada. Acredita, assim, que se deveria abolir o ensino, prios objetivos pessoais.
9 que as pessoas interessadas em aprender se reuniriam espon- c) O aluno é o verdadeiro sujeito, autor, da aprendizagem.
taneamente para tal. d) É por meio de atos (atividades) que melhor se efetiva
uma aprendizagem significativa para o aluno e um processo de
* Autenticidade ou genuinidade é considerada por Rogers como a condi- ensino também significativo para o professor.
ção fundamental no desempenho da tarefa educativa do professor.
** A compreensão empática se constitui na capacidade do professor em e) A aprendizagem é facilitada quando o aluno participa
perceber o mais exatamente possível o mundo interior do aluno, perceber responsavelmente do seu processo.
o mundo do aluno como ele próprio o percebe. f) A aprendizagem auto-iniciada, que envolve toda a pes-
* ** A terceira condição. consideração positiva incondicional ou aceitação soa do aprendiz, tanto seus sentimentos quanto sua vontade
afetuosa, se baseia no interesse do professor pelo aluno. na sua aceitação
como indivíduo, como pessoa separada. e inteligência, é a mais durável e impregnante, levando à auto-
-realização.
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suscetíveis d nterpretação, exercem sobre o grupo uma in-
g) A independência, a criatividade e ~. autoconfiança s~o fluência mull dlretiva e freqüentemente determinante.
fatores de aprendizagem; quando a autocrttíca e a auto-avalia- Posteriorm nte, Rogers (1974) passa a denominar seu
ção são mais importantes, são mais valorizadas do que a ava- enfoque de t orla centrada no cliente, conceito que ainda não
liação feita por outrem. satisfaz na 111 dlda em que não enfoca a pessoa do terapeuta,
h) A aprendizagem mais útil, socialmente (isto é, a que mas apenas do cliente, negligenciando assim a relação clien-
leva a uma integração social), é uma contínua abertura à expe- te-terapeuta. se pensamento é corroborado por Pagés (1970)
r.êncla. à incorporação dentro do indivíduo do processo de mu- que critica e, a denominação, salientando que a expressão cen-
dança. (pp. 159-64) trada no cli nt 6 pouco melhor que não-diretividade e consi-
derando que t mbérn não evoca a relação do terapeuta consigo
mesmo, tão Importante nesta Abordagem.
2. A Evolução da Denominação Todas o a críticas' se tornam, no entanto, obsoletas na
medida em que as denominações de teoria não-diretiva e de
Em se tratando do histórico da Abordagem Centrada na teoria centr da no cliente são também obsoletas, embora ainda
Pessoa, pode-se observar sua evolução a partir da evolução de utilizados ev ntualrnente. Rogers não mais utiliza a denomina-
sua própria denominação. ção de teori não-diretiva desde a década de 50 e em seus últi-
A referida Abordagem, como concebida por Rogers foi, ao mos livros r fere-se à sua teoria como Abordagem Centrada na
longo de sua experiência, evoluindo na direção de uma melhor Pessoa.
adequação da denominação à real concepção de sua teoria. O Puente (1978) acredita que a utilização do termo não-dire-
próprio autor a trata no desenvolvimento de sua obra, como tividade permanece, por ter sido esta a denominação inicia!
"aconselharnento não-dlretlvo", "terapia centrada no cliente". que, talvez por ser mais popular, resistiu ao tempo.
"ensino centrado no aluno", "liderança centrada no grupo" Acentua, porém, que Rogers não mais utiliza a denomi-
Mals recentemente, Rogers (1983) reconhece como o nome que nação não-dlretiva e que sete ou oito anos após seu início já
melhor descreve sua teoria, o de "Abordagem Centrada na denominou sua psicoterapla de Centrada no Cliente, quase que
Pessoa". exclusivamenlo.
~ visível um processo evolutivo da concepção não-diretiva A denominação "Centrada na Pessoa" parece explicar me-
à denominação atual de Abordagem Centrada na Pessoa, o que lhor c mais completamente o objetivo da proposta rogeriana,
demonstra claramente a evolução das idéias de Rogers sobre que é exatam nte esse: centrar-se na pessoa para que tendo as
sua própria teoria. condições p Icológicas adequadas, através da relação inter-
A grande maioria das críticas existentes sobre a Aborda- pessoal, ela possa desenvolver todo o seu potencial de cresci-
gem Centrada na Pessoa referem-se à teoria não-diretiva, tendo mento. Evid ntemente, o próprio Rogers se deu conta da me-
sido esse conceito amplamente discutido. Cornaton (1977) por lhor adequaç o dessa denominação.
exemplo, observa que "a não-diretividade designa mais espe- Rosenb rg (1977) observa que os primeiros artigos de
cificamente a atitude pela qual alguém se nega a sugerir uma descrição da pessoa plena elaborados por Rogers, foram reali-
direção qualquer ao outro, que pode decidir e pensar o que zados em função da situação de Psicoterapia em consultório
quiser sem que se imponha nenhuma interpretação". (p. 61) onde focalízr va somente a pessoa enquanto indivíduo. Poste-
A denominacão não-diretiva se liga ao carater puramente riormente, s u escritos passaram a focalizar mais a relação de
negativo do termo que reflete maios aspectos positivos dos pessoa para pessoa e, mais recentemente, tem dedicado espe-
pressupostos rogerianos. Partindo da concepção negativa do cial atenção o processo da relação interpessoal, como o de
termo, o conceito parece tornar-se flutuante e Incerto. viver-se com um parceiro tal como é visto no casamento, o que,
Nesse sentido Hameline e Dardelin (1977) assinalam que segundo Ro nberg, delineia aos poucos o processo de tor-
o termo não-diretivo cobrirá sempre uma realidade ambígua. fiar-se pesso social plena.
Tem em vista que, no ensino, por exemplo, nenhum prof~s.sor Atualm nte, percebe-se na obra rogeriana o foco de aten-
pode pretender-se não diretivo já que só sua presença físlca. ção voltado p ra preocupações políticas, embora, como vere-
suas atitudes e mesmo os silêncios, por exemplo, por serem
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IODICO
mos adiante, seu posicionamento político seja vago, desvin-
culado da realidade concreta de conflitos de classes sociais. <l~ alcançá-Ia". (p. 42) Acreditava que "pode-se presentemente S
Fica evidente, no entanto, que o pensamento rogeriano muito afirmar, sem sombra de dúvida, que após Rousseau todos os
tem evoluído, todavia, guardando o princípio básico que lhe é pensadores em matéria de Pedagogia pegaram sua obra como
característico: a crença no potencial de crescimento do ser ponto de partida. A corrente das pedagogias libertárias não é
humano. Essa evolução manifestada claramente na evolução exceção à regra". (p. 47)
da denominação da teoria criada por Rogers, pode ser compre- Os anti-autoritários se caracterizam pela negação de qual-
endida pelo acompanhamento do caminho trilhado por ele, ex- quer autoridade. A experiência de Summerhill, fundada em
plícito em sua obra. 1921, nos arredores de Londres, foi uma tentativa de aplicação
da teoria anti-autoritária, da autodirecão do aluno e da liber-
dade para aprende r. A preocupação de A. S. Neil (1982), fun-
3. ROUSSEAU e a corrente Libertadora dador desta escola, era liberar a criança de qualquer imposi-
ção, não se devendo exercer influência alguma sobre ela. Ainda
na linha anti-autoritária Hannoun (1976) cita a experiência de
Apesar da aparência inovadora da teoria de Carl Rogers,
Hamburgo, entre 1919 e 1936, e, Cornaton (1977) descreve, mais
para muitos autores suas idéias básicas parecem datar do
recentemente, a experiência de Berlim em 1968 (Kinderladen).
século XVIII, com o pensamento de Jean Jacques Rousseau,
(9, p. 55)
para quem a liberdade é o primeiro e o mais importante dos
Hannoun (1976) vê situada neste contexto a ação de Carl
princípios. Segundo o referido filósofo (1978), "essa liberdade
Rogers. Acredita que, após a expressão da liberdade como
comum é uma conseqüência da natureza do homem. Sua pri-
exigência fundamental da Educação, tal como formulada por
meira lei consiste em zelar pela própria conservação, seus
Rousseau, pode-se trilhar o caminho mediante os autores cita-
primeiros cuidados são aqueles que se deve a 'si mesmo, .. "
dos, entre outros, até a Hoqers. Vê, dessa forma, no pensa-
(p. 23)
mento rogeriano, uma direção rousseauista.
Rousseau (1977) acreditava que o maior de todos os bens
não era a autoridade e sim a liberdade. Sua concepção de liber- Esse ponto de vista é corroborado por May (1957) que des-
dade incluía uma liberdade interior, uma autonomia' que tinha creve Rogers como rousseauesco. Lembra suas repetidas de-
lugar a partir do contato do homem com a natureza. Segundo clarações de convicção da racional idade humana e da sua po-
seu ponto de vista o homem é naturalmente bom, é a sociedade tencialidade de escolha racional, se lhe for dada a oportunidade
que o perverte, isto é, são as forças sociais que limitam ou certa. (46, p. 26)
alteram seu desenvolvimento. (p. 17) É interessante notar que, apesar de os críticos da teoria ro-
A liberdade em Rousseau não é uma negação radical da geriana perceberem nela fortes ligações com o pensamento
dependência, mas uma liberdade de escolha e um mínimo de de Rousseau, o próprio Rogers (1957) não dá muita importância
intervenção adulta. Ao lado dessa negação à autoridade, ele ao fato, declarando:
dá prioridade à ligação da criança com a natureza e refuta a
sociedade, na medida em que ela seja criadora da inautentici-
dade e perversão. ' Para mim, se eu sou um "sucessor" de Rousseau, não
Para Hannoun (1976) "em Rousseau a liberdade não é ape- sou competente para dizê-to. Posso apenas comentar
nas o fim e o meio da educação, ela é também o conteúdo, po- que embora possa certamente ser dito que meu pen-
demos dizer, único". (p. 32) Já com Rousseau existia a crença samento se aproxima mais do de Rousseau do que do
de que o ser humano teria um potencial que só pode ser desen- de Calvin, eu certamente não penso em mim mesmo
em nenhum sentido como um seguidor de Roussesu.
"olvido com liberdade.
Hannoun (1976), acrescenta que "a partir de Rousseau Posso atestar que pelo menos não houve nenhuma in-
vimos então nascer, em nossa época, certas correntes do pen- fluência direta. Meu único contato pessoal com o tra-
samento pedagógico que, conservando como ponto comum :=t balho de Rousseau foi a leitura de uma parte de seu
reivindicação da liberdade da criança, discordavam dos meios "Emile" para meu exame de lingua francesa no dou-
torado e eu quase fui reprovado no exame. (p. 100)
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Essa afirmação deve-se ao seu ponto de vista de que a ali o sucesso da Abordagem "ao lado oriental que se observa
laboração de sua teoria parte de sua própria experiência na freqüentemente nela e que Rogers encontrou sem dúvida du-
prática clínica de Psicoterapia, que lhe proporcionou o acesso rante sua temporada na China". (p. 95)
ao estudo da personalidade humana. No entanto, ao analisar- Em 1924 Rogers ingressa no Seminário, onde estuda du-
mos o histórico da Abordagem Centrada na Pessoa, torna-se rante dois anos, quando desiste da vocação religiosa. Devagar
imprescindível perceber em que corrente filosófica se insere, c. ênfase do seu interesse passa da organização religiosa para
apesar de não se ter aqui o objetivo de aprofundar a análise Psicologia e, finalmente, ele se transfere do seminário para
dessa fundamentação filosófica. Nesse sentido, é ponto de o Teacher's College.
vista de vários autores acima citados a direção rousseauista Em 1928 vai para Rochester, onde permanece por 12 anos
do pensamento rogeriano. trabalhando com crianças e adolescentes carentes. Em 1939.
publica seu primeiro livro O tratamento clínico da criança-pro-
blema, no qual descreve suas idéias e seu trabalho na prática
4. CARL ROGERS clínica com crianças em Rochester.
Em 1940, Rogers aceita o lugar de professor na Universi-
4.1. Alguns dados sobre o homem e a obra dade Estadual de Ohio. Sobre esse período Carreteiro (1981)
observa:
Carl Ramson Rogers nasceu em janeiro de 1902, em Ork
Park, subúrbio de Chicago, onde morou até 12 anos de idade Em Ohio ministra cursos dedicados à formação do
quando seu pai comprou uma fazenda, onde foram viver. psicoterapeuta nos quais objetivava propiciar aos alu-
Sua família tinha valores protestantes muito rígidos. A nos treinamentos teórico e prático usando para este
esse respeito escreve Rogers (1961): fim recursos de entrevistas gravadas as quais poste-
riormente seriam analisadas e supervisionadas. Foi ()
Fui educado numa família extremamente unida onde primeiro psicoterepeute a desenvolver essa atividade.
reinava uma atmosfera religiosa e moral estrita e in- (p. 7)
transigente, e que tinha um verdadeiro culto pelo va- Entre 1944 e 1957 Rogers se estabelece em Chicago, onde
lor do trabalho... Passávamos um tempo agradável ensina Psicologia e monta um Centro de Aconselhamento na
reunidos em família mas não convivíamos. Tornei-me Universidade de Chicago. Nesse período escreve Terapia Cen-
assim uma criança solitária que fia incessantemente ... trada no Cfiente, obra relevante no desenvolvimento de suas
(p. 17) idéias.
De 1957 a 1963, Rogers trabalha na Universidade de
No campo. Rogers passou a se ocupar da zoologia e da Nisconsin, onde, além de ensinar, faz pesquisas com sujeitos
botânica, estudando e pesquisando. normais e psicóticos. Nessa época junto com outros autores,
Ao ingressar no Liceu de Wisconsin. Rogers dedicou-se, publica um livro sobre esquizofrênicos: Relationship and its
inicialmente, à agricultura. Sua participação ativa, como estu- empacts: A study of psychoterapy with Schizophrenics.
dante, em religião, levou-o posteriormente a transferir-se da
Ainda em Wisconsin publica Tornar-se Pessoa, obra com-
agricultura para a história, julgando ser esta uma melhor pre-
posta de artigos escritos no período de 1951/1961.
paração para sua futura vida profissional. .
Em 1964, Rogers decide abandonar o trabalho em lnstl-
Em 1922 faz uma viagem à China a fim de participar de um
tuição Universitária e se muda para La Jolla. na Califórnia, ond .
Congresso Mundial dos Estudantes. Cri~tãos. ~ ~essa vi~g~_m
ao Oriente que Rogers começa a divergir da vrsao de rellqião passa a dedicar-se à Psicoterapia e à Atividade de Grupo.
dos seus pais, o que causou tensões em suas relações fami- Em 1966, faz uma viagem à França onde, segundo Hamelin
e Dardelin (1977), é fortemente criticado pelo ponto de vi. t 1
liares.
Segundo De Peretti (1974). a aceitação da teoria roqeriana dos franceses de que a teoria rogeriana tinha conceitos p r ti
no Japão tem origem nesse contato com o Oriente, devendo-se nalistas que se identificavam com a pedagogia cristã, apr ,,,

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Enquanto que na Europa o "choque" da Abordagem Cen-
tando em si uma tendência espontânea a desconsiderar as im-
trada na Pessoa parece ter se dado em relação à psicanálise e
plicações políticas no ato de ensinar. . com uma perspectiva sócio-política, nos Estados Unidos a teo-
Criticando esse aspecto, De Peretti (1974) cita a publica-
ria de Rogers pressupõe um modelo de homem que vem contra
ção no jornal Le Monde, de 15-16 de maio de 1966: " ... Sua
a concepção da psicologia behaviorista, de Skinner. amplamen-
psicologia que trata todos os conflitos sociais como sirnples te utilizada e divulgada naquele país. As posições divergentes
mal-entendidos, não é ela finalmente uma ideologia que serve dos dois psicólogos americanos deu origem a inúmeros deba-
bem aos interesses e à boa consciência da classe dominante?" tes e escritos sobre o assunto. (Forisha & Miolan, 1~78)
(p. 116)
Nos anos 70 Rogers, juntamente com outros terapeutas.
Essa não aceitação da Abordagem Centrada na Pessoa na
dedica-se a numerosos trabalhos de grupos, ("workshops") e
França parece compreensível diante do quadro que ali se en-
vivências em comunidade, algumas das quais realizadas no
contrava, de forte intelectualismo e sólidas bases da Psica-
Brasil, como veremos adiante. No início dessa década escreve
nálise, amplamente aceita e praticada. Rogers era acusado por
Grupos de Encontro. Sua obra teve também larga repercussão
Snyders (1973), entre outros de superficialismo e anti-intelec-
lia área educacional, assunto ao qual ele dedica o livro Liber-
tualisrno, e suas concepções qualificadas como "anqelicais".
dade Para Aprender.
Hannoun (1978) comenta ainda que no jornal Le Monde, de
No final da década de 70, Rogers parece despertar para a
maio de 1966, são publicadas críticas às declarações de Rogers
preocupação do papel político da Abordagem Centrada na
na França:
Pessoa e escreve Sobre o poder pessoal, onde analisa as ins-
tituições família e casamento e ensaia algumas reflexões so-
Pensa-se no otimismo americano para quem o homem
é invariavelmente voltado para o progresso e a felici- bre o oprimido, a partir da Teltura de Paulo Freire.
Apesar da idade avançada, Rogers continua em plena ati-
dade e pode-se imaginar que a psicologia rogeriana é
um produto do puritanismo americano e uma reação vidade dedicando-se a escrever. Publicou, em 1980, nos EUA,
Um jeito de ser, traduzido e publicado no Brasil em 1983.
contra a psicologia freudiana surgida ela do purita-
Recentemente publicou seu último livro Liberdade para
nismo europeu que devora a idéia da dor, do mal e
aprender na nossa década, onde se propõe a elaborar reflexões
morte. (p. 115)
ampliadas a partir de Liberdade para aprender.
Apesar do peso das críticas negativas, Rogers também foi
4.2. Influências relevantes na elaboração da teoria centrada
criticado positivamente. Segundo De Peretti (1974):
na pessoa.

Não se pode discutir a novidade da técnica terapêu- Não é meu objetivo aprofundar a análise das influências
tica; ela lembra ao psicanalista que antes mesmo de relevantes na elaboração da teoria centrada na pessoa. No en-
interpretar, o essencial é ouvir e compreender e que tanto, parece ser importante ter uma noção, ainda que super-
isso é particularmente difícil; ela acentua essa co- ficial, dessas influências, no sentido de se obter uma melhor
municação consigo mesmo... Sobre o plano teórico compreensão da teoria.
Rogers não fala de estrutura da personalidade. Ele a Com esse intuito, vejamos rapidamente alguns aspecto
vê como um "vir a ser", uma tendência permanente que parecem ter influenciado a vida e a obra de Carl Rogers .
à mudança, indo assim de maneira audaciosa e ori- por conseguinte, sua concepção da Abordagem Centrada na
ginal além da Psicanálise. (p. 116) Pessoa.

Hameline e Dardelin (1977) descrevem em educação a fase 4.2. 1. A influência biológica


do "encantamento" com a teoria rogeriana pela concepção pe-
dagógica cristã em voga. A fase de "desencantamento" suce- Rogers tem raízes camponesas e seu interesse inicial foi
deu a partir do movimento institucional, onde se passou a en- para a biologia e 'a agronomia, havendo na sua teoria uma Iortt
tatizar a importância do papel político da escola.
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tendência biológica para explicar o processo da vida e seus
na relação que ele postula entre os outros homens, ele pró-
conceitos teóricos: tendência, autoformativa, comportamento
prio e a natureza." (p. 98)
autodirigido, potencial de crescimento humano. É conhecido
Sobre a importância da natureza para o homem o mesmo
seu exemplo dessa tendência, através do fato citado por ele,
autor afirma:
das batatas, que estando na sombra, cresceram em direção
ao sol. (Rogers, 1983) A significação humana" da natureza só existe pa,ra o
A Abordagem Centrada na Pessoa, ao tratar a tendência homem social porque só neste caso a natureza e um
formativa, faz uma analogia dessa tendência presente tanto na laço com outros homens, a base de sua existência
planta, quanto no animal, quanto no homem, tendo em vista para outros e da existência destes para ele. Só então
suas bases biológicas. A esse respeito afirma Rogers (1983): a natureza é a base da própria experiência. humana
dele e um elemento vital da realidade humana. A exis-
Quer falemos de uma flor ou de um carvalho, de uma tência natural do homem tornou-se, com isso, sua
minhoca ou de um belo pássaro, de uma maçã ou de existência humana, e a própria natureza tornou-se hu-
uma pessoa, creio que estaremos certos ao reconhe- mana para ele. Logo, a sociedade é a união afetiva do
cermos que a vida é um processo ativo e não passivo. homem com a natureza, a verdadeira ressurreição da
Pouco importa que o estímulo venha de dentro ou de natureza, o naturalismo realizado do homem e o hu-
fora, pouco importa que o ambiente seja favorável ou manismo realizado da natureza. (p. 118)
desfavorável. Em qualquer uma dessas condições os
comportamentos de um organismo estarão voltados
para a sua manutenção, seu crescimento e sua repro- <1.2.2. A influência religiosa
dução. Essa é a própria natureza do processo a que
chamamos vida... (p. 40) Buscando situar a teoria rogeriana no contexto históricc
do seu autor, deve-se mencionar novamente a formação reli-
Hameline e Oardelin (1977), sobre a analogia entre o ho- giosa de Rogers, o qual, como vimos, chegou inclusive a in-
mem e a planta no que se refere a seu potencial de cresci- gressar no seminário. . .
mento, afirmam tratar-se de Segundo Lasch (1939), Rogers é influenciado pelo ldealls-
mo fundamentalista e a atmosfera da "amizade religiosa, pon-
uma imagem hortícoJa: um ser humano é comparável derando sobre a necessidade de se cristianizar as relações in-
a uma planta que cresce. É em si mesma que ela leva ternacionais, industriais, políticas e sociais". Acrescenta que
a fonte de seu crescimento (growth). O meio não a embora ele logo tenha trocado Religião por PSicologia, um im-
constitui mas lhe fornece o ambiente indispensável a pulso missionário ainda influencia muito o seu trabalho poso
seu crescimento. A concepção das relações individuo-
terior.
-sociedade é mais ecológica que histórica. (p. 24) Snyders (1973), por sua vez, acusa o rogerianismo de ter
na "providência" seu conceito central: tudo está preparado
Cornaton (1977) observa que, para Rogers, é na volta à
para a alegria e a providência se encarregará de trazer as so
natureza que se encontra a espontaneidade criadora, além das
lucões.
"conservas culturais". O homem teria, então, para ele, um ca-
- Hameline e Dardelin (1977) falam da transição do en In
ráter absoluto, universal. A renúncia à cultura em nome da
cristão para o "nâo-diretivo" nas escolas francesas. Segundo
volta à natureza tem, todavia, categoria de valor, e poderia não
esses autores, a prática dessa Abordagem foi pront m nt
conduzir à marginalização. A ênfase na natureza e a colocação
aceita por conta de suas características tão P!óxi~a ~ ndnp
da cultura em segundo plano pode ter características alienan-
táveis aos princípios fundamentais da educaçao Cri ln. r( 1 C,('
tes, já que a cultura tem uma significação política.
A respeito deste assunto Marx (1983) afirma que: "toda
bem na Abordagem Centrada no Aluno, fortes me 111 1I1!. I',
auto-alienação do homem, de si mesmo e da natureza, aparece
* Em itálicos no original.
'78 Rev, de Psicologia, Fortaleza, 4 (1): jan.jjun., 1986
Rev, de Psicologia, Fortaleza, 4 (1): jan.jjun., 1986 7)
Segundo De Peretti (1974)
com o ensino cristão, o que explica sua rápida aceitação nas
escolas religiosas. (pp. 27-34) as contribuições organizacionais de Rog r sobre I
O fato é que as afirmações de Rogers demonstram sua terapia e as relações humanas se revelaram multu
fé e seu otimismo quanto ao desenvolvimento do homem. Seu importantes. Não somente os estudos os moI vnrlu
conceito de tendência formativa,* em que baseia toda sua dos foram efetuados por seus resistentes tud I/If/ s
teoria, traduz essa fé e esse otimismo que podem dever-se às ou colegas que trabalharam em volta dele m XP(
influências sofridas pela religião ao longo de sua vida. ri'ência de grupo intensiva. mas ainda com pl no
baseados em controles múltiplos aparentado os
métodos agronômicos que tinham fascinado Rog rs
4.2.3. A influência do contexto sócio-cultural na sua juventude, em razão de seu naturalismo raclo-
ne). (p. 270)
Embora possa parecer evidente, é importante lembrar a
importância da relação entre o contexto sócio-cultural onde
viveu Rogers e a sua proposição de abordagem Centrada na Poeydornenqe (1984) elogia o trabalho científico realizado
Pessoa. por Rogers. assinalando que este nunca temeu envolver-se pes-
Fonseca (1983) define esse contexto sócio-cultural onde soalmente. recorrendo à gravações de fitas e filmes para obter
se desenvolveu e tomou corpo a Teoria Centrada na Pessoa. dados mais mensuráveis.
como de classes dominantes do primeiro mundo. Assinala a Posicionando-se contrariamente a De Peretti e Poeydomen-
importância da questão do contexto, salientando que não se ge. Hannoun e Snyders não vêem cientificidade na pesquisa
trata apenas do trabalho de Rogers ter surgido da classe média, rogeriana que. segundo eles. mistura rigor científico com ati-
mas da classe média norte-americana, na medida em que in- tude experimental. Para Hannoun (1976). "Rogers se instala
serida em um sistema social do país desenvolvido, com carac- em uma atitude anticientífica. na medida em que. em realidade
terísticas próprias rlo primeiro mundo, mantém uma relação de e apesar de suas alegações. ele recusa o recurso aos fatos da
dominação com os países subdesenvolvidos do terceiro mundo. experiência objetiva". (p. 124)
Comparando as origens da Abordagem Centrada na Pessoa Não querendo entrar no mérito da questão da validade das
e da Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, o mesmo autor pesquisas elaboradas por Rogers e seus colegas, o fato é que
observa a relação de conflito existente entre esses dois con- a pesquisa tem sido uma constante preocupação em Rogers e
textos, o de primeiro mundo e o de terceiro mundo. Fonseca tema freqüente em sua obra, o que demonstra sua tendência
(1983) acrescenta que "a Abordagem Centrada na Pessoa sur- experimental ista.
giu e cresceu no seio daqueles para cujas mesas, carros e
casas, vai muito do que é expropriado do corpo e do ser, da
casa e dos pratos daqueles em cujo seio nasceu a pedagogia 4.2.5. A influência de outros pensadores
do oprimido". (p. 46)
Apesar de Rogers ter desenvolvido sua teoria baseado em
sua própria experiência de vida, existem alguns teóricos que
4.2.4. A influência experimentalista possivelmente influenciaram seu pensamento. Entre estes, De
Peretti (1974) cita Kilpatrick e Dewey.
Um aspecto a ser salientado na história da vida de Rogers Este autor acrescenta que o encontro com Otto Rank foi
é sua formação experimentalista, que o levou a pesquisar lon- outro contato marcante para Rogers. na medida em que esti-
gamente seus pressupostos teóricos. mulou a despertar o interesse pela atitude individual e os va-
lares vividos pelos terapeutas. (56, pp. 53-55)
Carreteiro (1981) refere-se à influência de Rogers por
* Segundo Rogers é a tendência inerente a todo ser vivo de desenvolver-se Rank sobretudo no que concerne à relação psicojêrapêutlca,
positivamente no sentido da auto-regulação.
Rev. de Psicologia, Fortaleza. 4 (1): jan.fjun .• 1986 81
80 Rev. de Psicologia, Fortaleza. 4 (1): jan.fjun., 1986
ressaltando que ambos a compreendem como uma experiência Ruth Scheffer (1960). Acrescenta, ainda, como ligados aos mo-
de crescimento. vimentos de Abordagem Centr.ada na Pessoa nas décadas de
De Peretti (1974) cita Kierkegaard como outro pensador 60 e 70 no Brasil, os nomes de Padre Benko na Pontificia Uni-
que influenciou a Abordagem Centrada na Pessoa, salientando versidade Católica do Rio de Janeiro e Maria Bowen, realizando
que, em 1951, através da leitura de sua obra, Rogers descobre atividades de grupo em Minas Gerais."
que a direção que tomava sua reflexão e o aspecto central de
seu trabalho terapêutico poderiam ser qualificados como exls- Rosenberg (1977) lembra, no entanto, que
tenciais ou fenomenológicos. Acrescenta que a leitura de
Kierkegaard o encorajou a ter confiança em sua experiência esses esforços pioneiros representaram contribuições
pessoal, já que aquele "exprime a importância da existência e estranhas num meio dominado, na época, pela pslcs-
da experiência face às seduções e às complicações intelectua- nálise, pela mensuração psicológica e pela incipiente
listas, representadas em seu tempo por uma hipersistematiza- corrernte experimental em psicologia. Gradualmente
ção da dialética hegeliana". (p. 79) em grupo se afiliou à posição rogeriana e hoje ela.
Fonseca (1983) observa que a filosofia do diálogo, de Mar- até certo ponto, se incorpora na formação de muitos
tin Buber, é outra influência marcante em Rogers. Afirma que de nossos profissionais de diversas áreas. (p. 62)

a Abordagem Centrada na Pessoa incorpora perfeita- Em janeiro de 1977, Rogers vem ao Brasil juntamente com
mente esta filosofia e, eventualmente, quase que com mais cinco profissionais do "Center of Studies of the Per-
ela se confunde. Em 1957 Rogers se encontrou son"** a fim de realizar uma série de "workshops" com gran-
com Buber em Ann Arbor, nos EUA. De lá para cá des grupos. Esses grupos foram realizados em Recife, São
cita-o freqüentemente em suas obras e reconhece a Paulo e Rio de Janeiro e Rogers (1983) os descreve como uma
similaridade de suas idéias para com as dele. (p. 65) "aventura estimulante".
Além dos "workshops", que contaram com a participação
Os nomes de Dewey, Kilpatrick, Rank, Kierkegaard e Buber de até 800 pessoas em um grupo, foram também realizadas
aparecem, portanto, como prováveis influenciadores do pensa- palestras e ciclos de debates. Essas atividades atingiram, por-
mento rogeriano. A afirmação da existência dessas influências tanto, um bom número de pessoas, o que contribuiu para a
merece, no entanto, estudos muito mais amplos e aprofundados. divulgação da Abordagem no Brasil.
o que não é meu intuito realizar nesse momento. Na primeira metade da década de 80, a Abordagem Cen-
trada na Pessoa parece ocupar um considerável espaço em
Psicoterapla Individual e de Grupo. Nessa linha têm se espe-
5. A ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA NO BRASIL cializado alguns profissionais, através de grupos de formação
e treinamentos. Esse movimento de profissionais que traba-
É, na verdade, pouco o que foi escrito a respeito da his-
lham em Abordagem Centrada na Pessoa no Brasil parece ser
tória da Abordagem Centrada na Pessoa no Brasil. Deparei-me bastante relevante, embora nem sempre muito nítido, como
com esse fato ao tentar inteirar-me no assunto, o que é aliás ficou demonstrado no I Encontro Latino:*'" tendo em vista a
observado também por vários profissionais da área entre os pouca articulação dos profissionais da área que, a partir dessa
cuals Rosenberg. * constatação, começaram a se organizar.
Segundo Rosenberg (1977), as idéias principais de Rogers Quanto à Pedagogia Centrada na Pessoa, desta parece
sobre o desenvolvimento humano e a motivacão dos indivíduos, não se poder dizer o mesmo. Na década de 60-70, houve real-
bem como suas propostas de maneiras de propiciar sua pleni-
tude harmônica, foram inicialmente divulgados no Brasil em * Carta à autora - 23 de outubro de 1983.
cursos e publicações, com Osvaldo de Barros Santos (1959) e •.• Centro de atividades ligadas à Abordagem Centrada na Pessoa, fundado
por Carl Rogers e localizado na Califórnia, nos EUA.
* •.• Encontro Latino da Abordagem Centrada na Pessoa. Petrópolis. outubro
* Carta à autora - 23 de outubro de 1983. de 1983.

82 Itev. de Psicologia, Fortaleza, 4 (1): jan./jun., 1986 Rev, de Psicologia, Fortaleza, 4 (1): jan.jjun., 1986 83
mente uma marcante tendência psicologizante em educação,
Apesar de todas essas dificuldades a Abordagem Centra-
incluindo a Abordagem Centrada na Pessoa. Alvite (1981) ex-
da na Pessoa parece ainda estar viva na prática de profissionais
plica esse psicologismo na educação como correspondendo aos
ligados à área, com a realização, inclusive, de pesquisas sobre
interesses de uma classe dominante, tendo em vista que, ao
a aplicação dessa Abordagem em sala de aula. (Doxsey, 1983)
58 colocar como acrítico da realidade social de divisão de cals-
Na área de Psicofogia, por sua vez, a Abordagem Centrada
ses, o professor contribui para perpetuar a manutenção do
na Pessoa continua atuando, como demonstram realizações de
stetus que.
grupos de encontro e atividades ligadas à área. Nesse sentido
Pode-se hipotetizar três motivos que dificultaram a Abor- vale notar a recente vinda de Carl Rogers ao Brasil onde faci-
dagem Centrada na Pessoa, em Pedagogia, de ir adiante no litou um grande workshop" que contou com a participação de
Brasil. Primeiramenté, uma tendência pedagógica antl-pslcolo- 170 pessoas. Além disso, o movimento latino na Abordagem
~Jjsante e pró-político social, a partir de uma consciência crítica vem ganhando significado com a realização do li Encontro La-
da ideologia dominante, que começou a se impor no final dos tino de ACP em 1985 na Argentina e a atual mobilização para
anos 70. O discurso político passou a ser encarado como fun- organização do 111Encontro Latino a ser realizado no Rio de Ja-
damental na educação do Brasil, tendo em vista sua relação íne- neiro em outubro de 1986.
vitável com o próprio sistema social. A educação visa a formar
críticos. da realidade e sob essa perspectiva Alvite (1981) cri- CONCLUSÃO
tica os psicologismos na educação.
Ao final desse breve histórico da Abordagem Centrada na
Em segundo lugar, as inúmeras deturpações da Abordagem Pessoa pode-se notar que não se trata de uma teoria estática,
Centrada na Pessoa, dando lugar ao laíssez-faire e à total falta pronta. Ao contrário, sua evolução demonstra um processo di-
de produtividade, deram à imagem desta abordagem em peda- nâmico de recriação o que nada mais é que um processo de
qcqia um caráter negativo. Esse perigo é alertado por Paqés vida.
(1970) ao discorrer sobre os mal-entendidos existentes na prá- Esse fato pode ser ilustrado pela recente colocação de
tica da Abordagem Centrada na Pessoa. Carl Rogers no workshop em Brasília: "Eu não sou rogeriano".
Finalmente, o que parece ser o argumento clássico a favor Essa afirmação salienta sua preocupação com a .não-crtstatiza-
da não utilização da Abordagem Centrada na Pessoa em edu- cão da Abordagem e com a não-repetição de um modelo rígido
cação no Brasil é a hipótese de que não funciona. Os alunos "roqeriano", que o próprio Rogers nega.
estão condicionados a um ensino autoritário e para que eles Na Abordagem Centrada na Pessoa não se trata, portanto, da
se adaptem a essa nova metodologia, ocorre uma enorme perda simples repetição do modelo de Rogers. Ela abre espaço para
de tempo. O caráter institucional da escola contribui para a algo muito mais amplo relacionado com as necessidades e o
não funcionalidade da Abordagem Centrada na Pessoa, como momento histórico da pessoa em que se pretende centrar-se.
veremos adiante. O desinteresse pelos programas curriculares, Da teoria não-diretiva à Abordagem Centrada na Pessoa
totalmente desvinculados da realidade, leva a nenhuma produ- aconteceu um longo processo teórico e prático. Esse processo
tividade ou quase nenhuma, ao se adotar uma metodologia cen- continua acontecendo atualmente com vários profissionais que
trada na pessoa. Além disso, classes muito numerosas, falta continuam praticando, repensando e teorizando a Abordagem
de material pedagógico e bibliográfico dificulta, ainda mais, Centrada na Pessoa.
uma aprendizagem auto-iniciada.
REFERÊNCIAS BIBLlOGRAFICAS
É importante notar aqui o caráter conservador dessa argu-
mentação, embora ela tenha realmente se constituído como 1. ALVITE. Maria Mercedes Capelo. Didática e psicologia: crítica ao psico-
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e também o aponta como um dos empecilhos para a prática da
Abordagem Centrada na Pessoa em Educação no Brasil. • Workshop "Vivendo em Harmonia: o trabalho de Carl Rogers tem uma
opção?" Brasília, junho de 1985.
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