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Comentários ao novo art. 12-A da Lei 9.

099/95, que
estabelece a contagem dos prazos em dias úteis nos
Juizados Especiais
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quinta-feira, 1 de novembro de 2018

ATUALIZADO para constar valiosa contribuição do Prof. Fernando Gajardoni.

Olá amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada hoje (01/11/2018) mais uma novidade legislativa.

Trata-se da Lei nº 13.728/2018, que altera a Lei nº 9.099/95 para dizer que nos Juizados
Especiais a contagem dos prazos também deverá ser em dias úteis.

Vamos entender um pouco mais sobre o tema.

CPC/2015 e contagem dos prazos em dias úteis

Os prazos podem ser fixados em minutos, em horas, em dias, em meses e em anos. O mais
comum é que eles sejam fixados em dias.
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Uma das novidades do CPC/2015 foi a previsão de que se um prazo for fixado em “dias” (ex:
15 dias para apresentar contestação), a contagem deste prazo deverá considerar apenas os
dias ÚTEIS. Essa regra foi estabelecida no art. 219 do CPC/2015:

Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão
somente os dias úteis.

Exemplo:

João ajuizou ação de cobrança contra Pedro.

O juiz julgou o pedido procedente.

Pedro tem o prazo de 15 dias para apresentar apelação (art. 1.003, § 5º c/c art. 1.009).

Imaginemos que o advogado de Pedro foi intimado da sentença no dia 06/11/2018 (terça-
feira) por meio de carga dos autos (art. 231, VIII). Esse é o “dia do começo do prazo”:

Art. 231. Salvo disposição em sentido diverso, considera-se dia do começo do prazo :

(...)

VIII - o dia da carga, quando a intimação se der por meio da retirada dos autos, em carga, do
cartório ou da secretaria.

No, entanto, o dia do início da CONTAGEM do prazo é somente no dia seguinte, conforme
prevê o art. 224:

Art. 224. Salvo disposição em contrário, os prazos serão contados excluindo o dia do começo
e incluindo o dia do vencimento.

Isso significa que a CONTAGEM do prazo de Pedro inicia-se no dia 07/11/2018.

Vamos contar os prazos para Pedro:

NOVEMBRO/2018

Segunda Terça Quarta Quinta Sexta Sábado Domingo

01 02 03 04

2/9
05 06 07 08 09 10 11

Dia do Dia 1 (início Dia 2 Dia 3 Não conta Não conta


come-ço do contagem) (dia não (dia não
prazo útil) útil)

12 13 14 15 16 17 18

Dia 4 Dia 5 Dia 6 Não Dia 7 Não conta Não conta


conta (dia não (dia não
(feriado) útil) útil)

19 20 21 22 23 24 25

Dia 8 Dia 9 Dia 10 Dia 11 Dia 12 Não conta Não conta


(dia não (dia não
útil) útil)

26 27 28 29 30

Dia 13 Dia 14 Dia 15 Perdeu o Perdeu


prazo mesmo
(termo
final)

Assim, quando o advogado vai calcular o prazo de 15 dias que ele tem para recorrer, ele não
inclui nessa contagem os sábados, domingos e feriados.

Foi novidade porque no CPC passado (1973) os prazos eram contados de forma contínua e
incluíam sábados, domingos e feriados. Se o exemplo acima tivesse ocorrido no CPC/1973,
por exemplo, o termo final do prazo seria o dia 21/11.

Apenas prazos processuais são contados em dias úteis

Vale ressaltar que a contagem em dias úteis somente vale para prazos processuais.

Se o prazo for de natureza “material” (envolver o próprio direito material), a contagem será em
dias corridos, ou seja, de forma ininterrupta, incluindo sábados, domingos, feriados e recesso.
Ex: o prazo de 120 dias para a impetração de mandado de segurança que, segundo a
jurisprudência, trata-se de prazo decadencial (envolve o próprio direito material).

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Nem sempre é fácil distinguir o que é prazo processual de prazo material. Ex: o prazo do art.
523 do CPC é considerado processual e, portanto, deverá ser contado em dias úteis (STJ. 4ª
Turma. REsp 1.693.784-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/11/2017).

E se o prazo for fixado em horas, meses ou anos?

Não se aplica a regra dos dias úteis. Assim, por exemplo, se um prazo for fixado em meses,
ele será contado em meses.

A contagem do prazo em dias úteis aplica-se para os processos trabalhistas (Justiça do


Trabalho)?

SIM. O art. 775 da CLT foi recentemente alterado pela “Lei da Reforma Trabalhista” para
prever isso expressamente:

Art. 775. Os prazos estabelecidos neste Título serão contados em dias úteis, com exclusão do
dia do começo e inclusão do dia do vencimento. (Redação dada pela Lei nº 13.467/ 2017)

A regra do art. 219 do CPC aplica-se também para o procedimento dos Juizados Especiais?
Perguntando de outro modo: a contagem do prazo em dias úteis aplica-se para os Juizados
Especiais?

Havia uma celeuma sobre este ponto.

Existiam duas posições:

A contagem do prazo em dias úteis aplica-se para os Juizados Especiais?

1ª corrente: NÃO 2ª corrente: SIM

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Os Juizados Especiais são As leis que regem os Juizados Especiais não
orientados pela celeridade e o preveem forma de contagem dos prazos
estabelecimento dos prazos processuais. Logo, diante desta lacuna, deve-se
em dias úteis contraria esse aplicar a lei geral que rege o processo civil no Brasil,
princípio. qual seja, o CPC/2015 (art. 1.046, § 2º).

Nem todos os dispositivos do


CPC aplicam-se ao
procedimento dos Juizados.
Logo, essa seria uma regra que
não deveria ter aplicação.

Enunciado 165 do Fonaje Enunciado 175 do Fonajef (Fórum Nacional dos


(Fórum Nacional dos Juizados Juizados Especiais Federais): Por falta de previsão
Especiais): Nos Juizados legal específica nas leis que tratam dos juizados
Especiais Cíveis, todos os especiais, aplica-se, nestes, a previsão da contagem
prazos serão contados de dos prazos em dias úteis (CPC/2015, art. 219).
forma contínua.
Enunciado 19: O prazo em dias úteis previsto no art.
Era uma posição adotada por 219 do CPC aplica-se também aos procedimentos
muitos Juizados Especiais regidos pelas Leis n. 9.099/1995, 10.259/2001 e
Estaduais. 12.153/2009.

Essa tabela acima perdeu a importância porque o legislador definiu o tema.

A Lei nº 13.728/2018 inseriu um novo artigo na Lei nº 9.099/95 prevendo expressamente a


contagem do prazo em dias úteis. Veja o dispositivo acrescentado:

Art. 12-A. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, para a prática de
qualquer ato processual, inclusive para a interposição de recursos, computar-se-ão somente
os dias úteis.

O art. 12-A foi inserido na Lei nº 9.099/95, que rege os Juizados Especiais Cíveis e Criminais
da Justiça Estadual. Ocorre que existem também os Juizados Especiais Federais e os
Juizados da Fazenda Pública. Diante disso, indaga-se: essa regra vale também para os
procedimentos regidos por esses outros Juizados?

SIM. Deixa eu explicar com calma.

Quando falamos em “sistema dos Juizados Especiais”, podemos identificar a existência de


três microssistemas, cada um deles destinado a julgar determinados tipos de causas,
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possuindo regras específicas de procedimento. Veja:

1) Juizados Especiais Cíveis e Criminais estaduais Lei nº


9.099/95
Compete ao Juizado Especial Criminal processar e julgar infrações
penais de menor potencial ofensivo que sejam de competência da
Justiça Estadual.

Compete ao Juizado Especial Cível processar e julgar causas cíveis de


menor complexidade que sejam de competência da Justiça Estadual.

Ficam excluídas deste microssistema as causas cíveis de interesse da


Fazenda Pública.

2) Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Lei nº


Federal. 10.259/2001

Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar as


infrações de menor potencial ofensivo que sejam de competência da
Justiça Federal.

Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar e julgar causas


de competência da Justiça Federal até o valor de 60 salários mínimos,
bem como executar as suas sentenças.

Neste microssistema, é permitida a participação da União, autarquias,


fundações e empresas públicas federais, desde que na condição de
rés.

3) Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, Lei nº


12.153/2009
do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios.

Compete ao Juizado Especial da Fazenda Pública processar e julgar


as causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos
Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 salários mínimos.

Neste microssistema, são julgadas as causas de até 60 salários


mínimos, de competência da Justiça Estadual, e que tenham como
réus os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, bem
como autarquias, fundações e empresas públicas a eles vinculadas.

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Desse modo, cada um dos três “Juizados” possui uma lei própria. No entanto, é importante
ressaltar que o legislador optou por eleger a Lei nº 9.099/95 como uma espécie de lei geral
dos Juizados e tratou na Lei nº 10.259/2001 e na Lei nº 12.153/2009 somente sobre aquilo
que ele queria que fosse diferente.

Assim, para os Juizados Especiais Federais e para os Juizados Especiais da Fazenda Pública
devem ser aplicadas todas as regras da Lei nº 9.099/95, salvo aquilo que for tratado de forma
diferente nas leis específicas.

Confira o que eu disse na Lei:

Lei nº 10.259/2001

Art. 1º São instituídos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Federal, aos quais
se aplica, no que não conflitar com esta Lei, o disposto na Lei nº 9.099, de 26 de setembro de
1995.

Lei nº 12.153/2009

Art. 27. Aplica-se subsidiariamente o disposto nas Leis nºs 5.869, de 11 de janeiro de 1973 –
Código de Processo Civil, 9.099, de 26 de setembro de 1995, e 10.259, de 12 de julho de 2001.

As Leis nº 10.259/2001 e 12.153/2009 não tratam sobre a forma de contagem dos prazos
processuais, de modo que, sem qualquer dúvida, deve ser aplicada a regra do art. 12-A da Lei
nº 9.099/95, inserido pela Lei nº 13.728/2018.

Assim, em qualquer procedimento dos Juizados Especiais, sejam eles Estaduais, Federais ou
da Fazenda Pública, os prazos são contados em dias úteis.

O prazo em dias úteis abrange aqueles que já são fixados pelo próprio juiz? Ex: juiz profere
despacho determinando que a parte apresente um documento em 5 dias. Esse prazo será em
dias úteis ou corridos?

Dias úteis. Os prazos fixados pelo juiz deverão também, obrigatoriamente, ser contados em
dias úteis. Essa é a redação literal do art. 12-A.
Os prazos dos processos criminais são contados em dias úteis?

NÃO. Os prazos no processo penal são contados em dias corridos (não em dias úteis). Isso
porque existe regra específica no Código de Processo Penal determinando que todos os
prazos serão contínuos, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado (art. 798 do
CPP):

Art. 798. Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se
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interrompendo por férias, domingo ou dia feriado.

O STJ e o STF já se posicionaram nesse sentido: STF. 1ª Turma. ARE 1057146 AgR, Rel. Min.
Roberto Barroso, julgado em 22/09/2017; STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 840.620/SP, Rel.
Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 21/11/2017.

Fernando Gajardoni me alertou, com acerto, que o art. 12-A está inserido no Capítulo II da Lei
nº 9.099/95, capítulo que trata especificamente sobre os Juizados Especiais CÍVEIS. Assim,
ao contrário do que eu pensei inicialmente, no caso de infrações de menor potencial ofensivo,
de rito sumaríssimo, os prazos continuam sendo contados em dias corridos (contínuos),
tendo em vista que, no Capítulo III da Lei nº 9.099/95, não existe regra especial de contagem
dos prazos, devendo ser aplicado o art. 798 do CPP.

Vigência

A Lei nº 13.728/2018, que inseriu o art. 12-A, não possui vacatio legis e, portanto, entrou em
vigor na data de sua publicação (01/11/2018).

O art. 12-A da Lei nº 9.099/95 aplica-se aos processos em curso?

SIM. O prazo em dias úteis do art. 12-A deverá ser aplicado mesmo para processos que
começaram antes da Lei nº 13.728/2018.

Contudo, se o prazo já estava correndo antes de 01/11/2018, data em que entrou em vigor a
Lei nº 13.728/2018, ele continuará até o seu fim sendo contado em dias corridos.

Explicando melhor.

A Lei nº 13.728/2018, que inseriu o art. 12-A à Lei nº 9.099/95, é uma norma de caráter
processual.

As normas processuais têm aplicação imediata aos processos em curso (art. 1.046 do CPC
2015).

Aplicação imediata, contudo, não se confunde com aplicação retroativa. Em outras palavras, a
lei processual aplica-se imediatamente aos processos em curso, mas não retroage para
alcançar prazos processuais que já haviam se iniciado antes de sua vigência.

Para fixar melhor tal distinção, recorre-se à “teoria dos atos processuais isolados”. Segundo
esta teoria, cada ato processual deve ser considerado separadamente dos demais para o fim
de se determinar qual a lei que o rege. Assim, a lei que disciplina o ato processual é aquela em
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vigor no momento em que ele é praticado, ou seja, a entrada em vigor de nova lei processual
não altera os atos processuais que já foram praticados.

Se o prazo já havia sido iniciado antes de 01/11/2018, a mudança processual não pode ter
caráter retroativo para alterar o prazo que já havia sido estipulado segundo a lei vigente ao
tempo de sua prática (tempus regit actum).

Resumindo:

• Se o prazo iniciou-se antes do dia 01/11/2018 (ex: a contagem do prazo iniciou-se em


31/10/2018): esse prazo continuará sendo contado em dias corridos).

• Se o prazo iniciou-se a partir do dia 01/11/2018: esse prazo já será contado em dias úteis
(mesmo que o processo tenha iniciado antes da Lei nº 13.728/2018).

Márcio André Lopes Cavalcante

Professor. Juiz Federal

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