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1 INTRODUÇÃO
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Licenciada em Letras pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC); Especialista em Metodologia do
Ensino Superior (FADBA); Mestranda em Literatura e Diversidade Cultural (UEFS); Docente das Faculdades
Adventistas da Bahia (FADBA) e do Instituto Adventista de Ensino do Nordeste (IAENE).
ISBN: 978-85-7395-211-7
2 A MEMÓRIA EM “A PROCISSÃO E OS PORCOS”
4º Encontro Nacional de Pesquisadores de Periódicos Literários, 4., 2010, Feira de Santana. Anais. Feira de Santana: Uefs, 2013.
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social inscrita em práticas, e da memória construída do historiador” (ACHARD [et al.],
2007, p. 50).
Ademais, os momentos em que a memória serve aos devaneios desesperados podem
ser considerados instantes de ponderação e revisão de princípios e/ou de valores. Assim
como afirma Michel Pêcheux (apud ACHARD, 2007, p. 56) ao dizer que a memória “é
necessariamente um espaço móvel de divisões, de disjunções, de deslocamentos e de
retomadas, de conflitos de regularização[...] Um espaço de desdobramentos, réplicas,
polêmicas e contra-discursos”. Os costumes estavam sempre na pauta da lembrança, neles
os tempos de pujança sustentavam as práticas. Por mais absurdas que essas fossem, eram
inevitáveis as comparações com o tempo vigente da narrativa:
O trecho acima pode ser considerado como um dos excertos mais densos e
emblemáticos para a compreensão da complexidade que envolve o deslocamento
econômico, cultural e social pelo qual a região sul-baiana vem passando há décadas. Os
marcadores temporais, por assim dizer, bem explorados na fala do narrador, denotam um
passado distante, sobretudo quando os verbetes ‘antigamente’, ‘de primeiro’ e ‘agora’ são
trabalhados através da narrativa oral, o que dá uma carga de representação imagética mais
demarcadora. A impressão de estar revivendo uma época marcada na memória de uma
sociedade é facilmente perceptível através do saudosismo com que são narradas as
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peripécias dos detentores do poder que o cacau lhes proporcionava, bem como a
importância dada a estes pelo simples fato de as suas palavras valerem ouro, como o fruto
que cultivavam.
O fato mais curioso é o de a desgraça regional não ser esperada. Ninguém poderia
imaginar que um dia a região, outrora tão opulenta, viria a causar ansiedade geral e é
exatamente pela ansiedade de tempos melhores que, mediante a memória, os valores da
civilização do cacau vão sendo revisados e recompostos por aqueles que subsistiram à força
devastadora do tempo. A época era tão crítica, ao ponto de se conjecturar a remediação de
uma desgraça somente com outra em seu lugar, a II Guerra Mundial a fim de que
melhorassem os preços:
Oscar dissera que o preço do cacau só subiria com guerra. Fora disso, nem
governo nem milagre. E se não houvesse guerra, sinhozinho? –
perguntara. Oscar amolava uma mão na outra, dizendo que não sabia.
Uma coisa de ninguém entender! Já se viu – admirava-se – além de chuva,
agora cacau também precisava de guerra, mode se desenvolver! O mundo
estava mesmo se destruindo – rematava. (MEDAUAR, 1960, p. 20/21).
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os porcos proliferavam com rapidez. Seria algo novo para a região e não havia quem
fornecesse para a indústria alimentícia derivados do porco. Apesar de todas as vantagens
apresentadas e a insistência do capataz, a ideia não era aceita pelo coronel, pois sua visão
de negócio só era alimentada pelo cultivo do cacau:
Seus negócios não eram miudezas de criação: era cacau nas barcaças,
cacau nos sacos, cacau na cacunda dos burros. Sempre tivera uma
criaçãozinha para um batizado, um presente, um aniversário. Mas nunca
que virasse seu negócio de cacau para essas tolices. Homem, qual!
Precisaria reconduzir seu capataz às obrigações do cacaueiro. Assim que
viesse com novidades – pensou – daria um esbregue macho, para cortar de
uma vez para sempre a história dos porcos. Seu negócio era cacau e
pronto. (MEDAUAR, 1960, p. 22).
Apesar da consistência das informações dadas sobre a produção dos porcos, que
cada vez mais iam tomando a fazenda, tal alternativa era considerada desacreditada pelo
coronel. As notícias recebidas se mostravam tão urgentes ao ponto de se sobreporem às
providências do cultivo do cacau e, ainda assim a diversificação não passava de um
capricho do empregado matuto.
É possível perceber como a cultura do cacau estava internalizada na vida dos
habitantes da terra, fazendo do fruto do cacaueiro um emblema do qual os indivíduos
dependiam para dar continuidade a suas vidas. Por essa razão, é justificável o
comportamento do coronel Arlindo quando ouvira mais uma vez, na voz do empregado
insistente, as necessidades da fazenda para atender à criação que se multiplicava. A
alienação do cacau não permitiu que o coronel, à beira da falência, não enxergasse os
benefícios que aquelas notícias lhe proporcionariam:
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Instaura-se aqui a pertença de outra economia do coronel. A alternativa dos porcos
era tão real e tão certa que se este perdesse toda a plantação de cacau, ainda assim seria um
homem rico. A diversificação econômica urgia a todo instante, mesmo assim a esperança
do protagonista estava em ver boas safras num futuro bem próximo, em que seu foco maior
era o dinheiro que veicularia, mas, para isso, era preciso ao menos que chovesse.
Diante dessa perspectiva, renovava suas expectativas, sonhando com o dia em que
receberia dinheiro pela venda do fruto e que, a partir de então, pudesse realizar uma longa
viagem com a família a fim de desfrutar os luxos que o dinheiro poderia proporcionar.
Nesse instante narrativo, nota-se uma ponderação da dicotomia existente entre metrópole e
interior, como as pessoas costumavam se comportar e dar relevância às grandes cidades,
enquanto que os indivíduos do interior se mostrariam perplexas diante dos costumes, das
modas, das falas dos metropolitanos. Para o coronel, a importância do dinheiro estava em
poder desfrutar dessas coisas, aparentemente, irrelevantes, mas para um aguapretano era de
suma importância, e de extrema necessidade, ter contato com o diferente.
A relação paradoxal que emerge da preocupação financeira e o amor pela família
faz com que a personagem repense o que realmente importa em sua vida. Em meio a esse
emaranhado de ações e pensamentos, o narrador firma em seu discurso onisciente a
discussão entre a ideologia da acumulação, proveniente das aquisições das terras, do cultivo
do cacau e dos lucros que este proporcionava, e a ontologia e espiritualidade, resultante das
revisões de valores dos indivíduos. O amor genuíno, sentido pelo coronel em relação à
esposa, o fez repensar o fato de que precisava dar mais importância e atenção à sua família
ao invés de se manter constantemente trancado no escritório, ocupado com as finanças ou
com preocupações em torno de como conseguir (mais) dinheiro:
Desceu o degrau, pisando leve. Feito gato. Foi andando. Abraçou-a pelas
costas.
- Oxente! – disse a mulher. Tomei um susto...
O coronel um pouco trêmulo. De hoje que não abria a bôca para uma
conversa tola, sem importância, sobre a criação dos filhos ou sôbre as
notícias da rua. Vivia enroscado nas contas, sem dar ouvido à casa, sem se
importar até com a própria mulher, Muitas noites, quando entrava no
quarto para dormir, já a encontrava no melhor do sono, suspirando.
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Precisava acabar com aquêle alheamento, viver mais para junto da
família, considerou. (MEDAUAR, 1960, p. 27).
O valor, aqui, é dado não mais ao dinheiro que imperava e tornava os habitantes de
Água Preta seus súditos, e sim para a família, os momentos singulares que não podem ser
substituídos com seus entes mais queridos. Enquanto somava os prejuízos e pensava em sua
ruína, a personagem refaz os pensamentos, voltando-os para algo que talvez seria inusitado
diante de tantos acontecimentos que o assolavam: o prazer em se importar com aqueles que
mais o amavam. A reciprocidade necessária às relações fizera brotar, do alheio coronel, um
gesto afetuoso, próprio das pessoas que amam.
A (re)discussão dos costumes se dá numa ambivalência colossal, uma vez que,
mediante a preocupação com a situação financeira local, é traçado um perfil
comportamental dos indivíduos que, semelhantes economicamente ao coronel Arlindo, se
comportavam de forma reprovável em relação aos valores e princípios humanos e sociais.
Pode-se afirmar, diante de tal perspectiva, que a ponderação realizada, na narrativa, é
evidenciada a partir de conceitos morais que aludem ao que é politicamente correto no
âmbito de uma sociedade, levando em consideração princípios éticos, religiosos e morais a
fim de tecer uma espécie de julgamento premeditado daqueles que, por terem dinheiro.
Nesse sentido, Jorge Medauar se utiliza da ironia verbal, uma vez que o jogo de
palavras e sua semantização, tecem um paralelo comparativo entre o comportamento das
pessoas, sobretudo das mulheres, em tempos de alta do cacau, quando a riqueza era a base
dos (maus) costumes, e em tempos de baixa, quando toda a altivez burguesa desaparecia e a
vergonha de nada ter para ostentar regia a vida dessas pessoas:
Nos tempos de cacau raso, sem preço, nunca que ninguém a visse
peregrinando pelo comércio, desperdiçando uma pataca sem precisão.
Igual como muitas outras, que só tinham marido mode sacrificar, pedindo
dinheiro para o esbanjamento. Andavam com as mãos arriadas de anéis,
pulseiras de ouro e brilhante. Mas quando vinha o paradeiro, era uma
graça: limpavam o que tinham nas mãos e nos dedos, se quisessem um
bocadinho de farinha com carne seca. Umas descaradas – dizia dona Júlia.
A pouca vergonha dando na vista. Todo mundo sabendo que os maridos
tinham raparigas. Muitas nem se importavam de se misturar com as
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mulheres da rua. De seu coronel Arlindo mais a mulher ninguém podia
dizer um nadinha. (MEDAUAR, 1960, p. 28/29 – grifo nosso)
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A partir de então, a questão da fé passa a ter maior importância. O paradoxo traçado
entre a posse de riquezas e a importância de se professar uma fé torna-se fator
preponderante para a compreensão da trama. Somos rendidos à convivência exemplar do
coronel Arlindo e sua mulher, sobrepondo-se, até mesmo, à preocupação com a economia.
O momento de tensão no enredo, o que vai desencadear e, por assim dizer, justificar as
ações até o final da narrativa, tudo isso prende a atenção do leitor.
O sonho do coronel acerca da procissão por causa da seca daria ao povo de Água
Preta várias interpretações. A visão tinha cenários, de fato, impressionantes para pessoas
esperançosas para com a chegada das chuvas, sobretudo com o rio seco, animais morrendo,
crianças e velhos vestidos com trapos pedindo, pelo amor de Deus, algo para comer. A
previsão de seca pelo cigano fez com que todas as pessoas de Água Preta, mulheres,
crianças, coronéis, trabalhadores, negociantes, raparigas, aleijados, saíssem a suplicar à
divindade por misericórdia. Nesse momento de presságio, estrategicamente, e de forma
implícita, o instante é propício para que na trama se mostre o fim das diferenças. Agora não
importava quem tinha ou não dinheiro, quem era rapariga ou mulher da sociedade, quem
era de caráter duvidoso ou devoto genuíno, o que mais importava ali era a união de todos
com um só ideal, conseguir forças, através das manifestações de fé, para que a cidade não
fosse destruída pela seca. Ademais, a figura de São Jorge como mediador da petição traz à
narrativa o aspecto fantástico para resolver conflitos.
No caso do protagonista de “A procissão e os porcos” a cegueira era dupla, primeiro
pelo fato já citado acima, não conseguia conceber nada mais como fonte de renda que não
fosse o cacau: “Já tivera ótimas informações sobre a criação, mas não podia gabar um
trabalho que estivesse fora do cacau” (MEDAUAR, 1960, p. 54); segundo, por não dar
ouvidos àquele que estava mais em contato com suas posses, possuía a experiência da
criação, no entanto era um simples empregado matuto, indigno de ser dado crédito ao que
dizia, segundo o julgamento do coronel, o capataz sabia que aquele homem não precisava
de chuva para ter dinheiro, uma vez que já tinha os porcos: “- Apóis, seu coronel, tem gente
que não crê em milagre. A chuva veio – meio fora de tempo, sim. Mas se não viesse nóis
tava garantido. E vossuria rico da mesma forma” (Idem, Ibdem).
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A partir do momento que começa a ter contato com o que lhe pertencia, o coronel
Arlindo começa a ter noção de que a proposta de novos negócios sempre o circundou,
todavia nunca lhe dava a devida atenção, como no momento em que a personagem seu
Alves, ao visitar sua casa, insinuara que desejava se entender com ele para negociar a venda
dos porcos a fim de fazer um negócio regular entre as cidades de Água Preta e Itabuna, uma
vez que tal negócio ainda não havia consistência na região e poderia dar bons lucros.
3 CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS
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RESUMO
ABSTRACT
The study concerns the analysis of the short story "The procession and pigs," Jorge
Medauar, in which the issue of how memory is instituted, as this can be regulated by
individuals, established, maintained, or even broken, offset is worked and restored. An
attempt will be here in what ways the events, both historical and cultural, are registered or
not in memory, as they are absorbed by it or produce a rupture, which influences the
identity elements of a given culture. The study is based mainly on the ideas of Le Goof
(1990); ACHARD (2007), Ferreira (2003), BAUMAN (2005), among others. It will take
into account the studies that the image created by the records represent the reality, which
can retain the strength of social relations and therefore the possibility to renew the memory
shifts from historical, economic and social individuals suffer over time. In this analysis,
note that the literary imagination is presented as a faithful partner of memory, as this will
be an icon of "cases" narrated by storytellers, like the writer Jorge Medauar. Therefore,
memory presents itself as a major element in the proposal medauariana, bringing the reader,
through the implicit, the remnant of a land ravaged by the greed of those who lived and the
experiences of those who formed the basis of their imagination.
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REFERÊNCIAS
ACHARD, Pierre [et al.]. Papel da memória. Trad. José Horta Nunes. 2ª ed. Campinas/SP:
Pontes Editores, 2007.
LE GOFF, Jacques. História e memória. Trad. Bernardo Leitão [et al]. Campinas-SP:
Editora Unicamp, 1990.
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